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crédito consumo nos bancos e lojas Os bancos e instituições de crédito tentam esconder o custo do empréstimo na publicidade, pondo o acento na facilidade da contratação. Os portugueses estão cada vez mais endividados 30 | crédito | Dinheiro&direitos 88 | Julho/Agosto 2008 A oferta é variada, colorida e, acima de tudo, promete a felicidade de concretizar os sonhos há muito acarinhados. Os portugueses deixam-se seduzir. Nos últimos anos, o volume do crédito ao consumo, esse namoro firme entre instituições de crédito e consumidores, tem aumentado de forma significativa. Estamos cada vez mais endividados e o Banco de Portugal confirma-o. Só entre Dezembro de 2003 e o mesmo mês de 2007, os valores em dívida do crédito ao consumo cresceram 59 por cento. Mas, como em qualquer relação, a sinceridade é obrigatória. A informação prestada em todo o processo, desde a hora do encantamento, com a publicidade, aos primeiros encontros, com os dados pré-contratuais, é determinante face ao futuro. Verificámos, no entanto, que os dados fornecidos por bancos e lojas são, muitas vezes, insuficientes. Além disso, nem sempre a taxa anual de encargos efectiva global (TAEG), que permite comparar diferentes propostas de crédito, é indicada de forma legível e calculada com rigor. A fechar o estudo, analisámos as alterações da nova directiva de crédito ao consumo, que entra em vigor em Maio de 2010 e deixa já algumas perplexidades no ar. Lojas acima da lei ●●● Para recolher informação sobre contratos de crédito ao consumo, percorremos meia dúzia de bancos e outras tantas lojas. Nos primeiros, recebemos sempre um documento Serviços camuflados www.deco.proteste.pt O melhor crédito pessoal para o seu perfil

Credito Ao Consumo

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Page 1: Credito Ao Consumo

crédito

consumo nos bancos e lojas

Os bancos e instituições de crédito tentam esconder o custo do empréstimo na publicidade, pondo o acento na facilidade da contratação. Os portugueses estão cada vez mais endividados

30 | crédito | Dinheiro&direitos 88 | Julho/Agosto 2008

A oferta é variada, colorida e, acima de tudo, promete a felicidade de concretizar os sonhos há muito acarinhados.

Os portugueses deixam-se seduzir. Nos últimos anos, o volume do crédito ao consumo, esse namoro firme entre instituições de crédito e consumidores, tem aumentado de forma significativa. Estamos cada vez mais endividados e o Banco de Portugal confirma-o. Só entre Dezembro de 2003 e o mesmo mês de 2007, os valores em dívida do crédito ao consumo cresceram 59 por cento.Mas, como em qualquer relação, a sinceridade é obrigatória. A informação prestada em todo o processo, desde a hora do encantamento, com a publicidade, aos primeiros encontros, com os dados pré-contratuais, é determinante face ao futuro.Verificámos, no entanto, que os dados fornecidos por bancos e lojas são, muitas vezes, insuficientes. Além disso, nem sempre a taxa anual de encargos efectiva global (TAEG), que permite comparar diferentes propostas de crédito, é indicada de forma legível e calculada com rigor. A fechar o estudo, analisámos as alterações da nova directiva de crédito ao consumo, que entra em vigor em Maio de 2010 e deixa já algumas perplexidades no ar.

Lojas acima da lei●●● Para recolher informação sobre contratos de crédito ao consumo, percorremos meia dúzia de bancos e outras tantas lojas. Nos primeiros, recebemos sempre um documento

Serviços camuflados

www.deco.proteste.pt

O melhor crédito pessoal para

o seu perfi l

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31 | crédito | Dinheiro&direitos 88 | Julho/Agosto 2008

❘❘❘ A lei de crédito ao consumo entra em vigor em Maio de 2010. Desta-camos as principais alterações. ❘❘❘ Os contratos com prazo de reem-bolso inferior a três meses e encar-gos insignificantes ficam excluídos da lei. Mas não é especificado o que é um encargo insignificante, o que pode conduzir a abusos. ❘❘❘ Quanto aos valores abrangidos, o mínimo passa de € 149,64 para € 200 e o máximo de € 28 927,87 para 75 000 euros. ❘❘❘ As instituições de crédito são obrigadas a entregar um documento uniforme com todas as informações sobre o crédito (montantes, prazos, encargos, TAEG, etc.). O consumi-dor tem direito a uma cópia gratuita da minuta do contrato, se a pedir, o que é um convite para poucas vezes ser entregue. ❘❘❘ Para o empréstimo ser concedido, deverá ser consultada uma base de

dados que ateste que o consumi-dor dispõe de meios para pagar as prestações e não tem créditos em incumprimento. ❘❘❘ O prazo de reflexão é alargado de 7 dias úteis para 14 de calendário. O consumidor deixa de poder re-nunciar ao mesmo. ❘❘❘ Em caso de reembolso antecipa-do, a penalização não pode ser su-perior a 0,5% da dívida, se faltar até um ano para o fim do emprés-timo. Faltando mais, vai até 1 por cento. Mas a instituição de crédito tem o direito de pedir um valor su-perior se provar que teve prejuízos mais elevados. Na prática, é-lhe permitido cobrar o que entender: basta refugiar-se em custos supos-tamente exacerbados. É certo que o consumidor pode pagar menos, se provar que os danos foram inferio-res. Porém, é quase impossível reu-nir os meios de prova.

Nova lei com muitas fugas

Investigámos 6 bancos, 6 lojas, 7 banners, TV e rádioEste estudo, de Abril, levou-nos à Caixa Geral de Depó-sitos, Millennium bcp, Banco Espírito Santo, Santander Totta, Banco BPI e Montepio Geral, onde simulámos um pedido de crédito pessoal de € 5 mil, em 24 meses.Dirigimo-nos ainda a seis cadeias de electrodomésticos: Fnac, Worten, Rádio Popular, MediaMarkt, Singer e Box Jumbo. Pedimos outra simulação de financiamento, desta vez, para comprar um computador portátil com custo de € 2000, a reembolsar em 24 meses.Depois, recolhemos folhetos nos bancos e instituições de crédito referidos, para avaliar a publicidade e o cálculo da TAEG. A Caixa Geral de Depósitos e o Banco Espírito Santo não têm folhetos a anunciar o crédito pessoal. Escolhemos aleatoriamente 7 banners na Net e anúncios na TV e rádio, para os quais fizemos a mesma análise.

com a prestação e a TAEG. Com a excepção do Millennium bcp e do Banco BPI, todos nos facultaram um plano de pagamentos do empréstimo.●●● Nas lojas, o panorama não foi tão regular. A Box Jumbo, por exemplo, não nos forneceu a prestação nem a TAEG e apenas na Fnac foram indicados os custos e seguros obrigatórios de forma espontânea.Nos restantes estabelecimentos, só depois de lançada a questão, fomos esclarecidos. Fica uma nota muito negativa para a Worten e Singer. Na primeira, a informação foi manuscrita num catálogo; na segunda, dada oralmente. Além disso, remeteram-nos para a Santander Consumer, instituição de crédito com que trabalham, a fim de recebermos esclarecimentos adicionais.

Taxa só com lupa●●● O instrumento que mede o real custo do crédito e permite comparar produtos é a TAEG. No seu cálculo, são contabilizados, entre outros, juros, custos do processo e seguros. Prazos de reembolso e montantes mais dilatados ou reduzidos influenciam o respectivo valor, na medida em que diluem ou aumentam o peso dos custos no empréstimo.

●●● Entre os bancos que integraram o nosso estudo, apenas o Montepio Geral calculou a TAEG de forma correcta. A Caixa Geral de Depósitos apresentou um valor acima do que obtivemos e os restantes bancos abaixo. Estas diferenças para menos resultam, provavelmente, de não terem incluído todos os encargos associados ao crédito, ao contrário do que obriga a lei.●●● Quanto aos estabelecimentos comerciais, apenas a Worten (Credifin), a Fnac (Credibom) e a Rádio Popular (Cetelem) apresentaram o valor certo.A MediaMarkt, a Singer e a Rádio Popular, com os produtos a serem financiados através da Santander

Poucas lojas que fornecem crédito para comprar bens informam devidamente o consumidor

Consumer, indicaram um número inferior ao que resultou do nosso cálculo. Abra-se um parêntesis para explicar que a Rádio Popular disponibiliza crédito através de duas instituições (Cetelem e Santander Consumer), que o cliente pode escolher segundo as suas preferências. A Box Jumbo (Crediplus), por sua vez, não nos facultou a TAEG.

●●● A publicidade a qualquer tipo de crédito, seja através do financiador ou com a intervenção de um intermediário, tem de mencionar sempre a TAEG, ainda que não sejam cobrados juros. Mais: é obrigatório dar esta taxa para um exemplo representativo, de modo a informar o consumidor. E a TAEG tem de ser legível.●●● Mas a legibilidade não é uma

O NOSSO ESTUDO

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crédito consumo nos bancos e lojas

32 | crédito | Dinheiro&direitos 88 | Julho/Agosto 2008

❘❘❘ Portugueses não comparam pro-postas. "As pessoas não sabem o que é a TAEG. Pensam que o custo do crédito é reflectido pela taxa de juro e que só conta a prestação men-sal". Esta é a experiência do Gabine-te de Apoio ao Sobreendividado, da DECO, relatada por Natália Nunes. Em Portugal, há falta de informação financeira. Ninguém compara pro-postas de crédito e o resultado está à vista. A nossa taxa de sobreendi-vidamento é superior à média euro-peia.

❘❘❘ Classe média-alta afectada. Se-gundo o Instituto Nacional de Esta-tística, no nosso País, há cerca de 2 milhões de pessoas a viverem com menos de € 360 mensais. Não são

estas, como nota Natália Nunes, quem sobretudo recorre ao crédito. Os sobreendividados estão na faixa a partir de € 1000 por mês. O gabinete da DECO fala mesmo de um consu-midor com cerca de € 6000 de rendi-mentos mensais, que, para manter o seu estatuto social, acabou nas ma-lhas do sobreendividamento.

❘❘❘ Casa e carro apertam o cerco. "Toda a gente quer ter casa e carro e estas despesas ocupam uma grande fatia do orçamento familiar. Quando surgem custos inesperados, usa-se o cartão de crédito e inicia--se um círculo vicioso". Os novos pobres não são os que não têm di-nheiro, mas os que o vêem absorvi-do pelos créditos e outras despesas, para manterem certo padrão de con-sumo. Há até quem peça emprésti-mos para pagar prestações de crédi-tos junto da mesma instituição.

❘❘❘ Sem dinheiro para comer. Como o dinheiro disponível é canalizado

Nova geração de pobres no País

para os pagamentos, muitas vezes, não sobra para a alimentação. Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome, confirma a experiência da DECO. Tem crescido o número de sobreendividados que recorrem à ajuda desta organização.

❘❘❘ Apelo aos sonhos. "A culpa é da publicidade". É a frase mais ouvida pelo Gabinete de Apoio ao Sobreen-dividado, onde chegam os casos de boa-fé, aqueles que o consumidor pretende resolver. A rápida evolu-ção do mercado, com uma lingua-gem cada vez mais técnica, resultou

numa situação de iliteracia financei-ra. A publicidade joga com a melho-ria do estatuto social e a concretiza-ção dos sonhos, transmitindo a ideia de que o crédito não é caro.

❘❘❘ Educação nas escolas. A lei recen-temente aprovada, embora seja um instrumento importante, não é sufi-ciente. Só com educação financeira nas escolas e sessões de esclareci-mento para os adultos, esta situação preocupante poderá ser invertida.Se quer sobreviver, o consumidor tem de aprender a interpretar uma mensagem publicitária.

Contra o sobreendividamentoAJUDA DA DECO

2003

515

20

PEDIDOS DE MEDIAÇÃO

2004 2005 2006 2007

573737

905

1 976Cada vez maisfamílias pedem a intervenção da DECO. Os bancos são receptivos a renegociar o crédito e só em último caso avançam para tribunal

"Só a partir dos anos 90, o crédito

se vulgarizou. Os portugueses

aderiram em força e sem preparação",

observa Natália Nunes, do Gabinete

de Apoio ao Sobreendividado,

da DECO

Sobreendividados têm, pelo menos,

1000 euros de rendimento mensal

Page 4: Credito Ao Consumo

preocupação dos bancos e demais instituições de crédito. Nos folhetos publicitários do Millennium bcp e Santander Totta, a taxa está escrita no corpo de letra mais pequeno.

Ou seja, a lei é cumprida, porque a informação obrigatória consta, mas o consumidor arrisca-se a passar os olhos por cima dela sem a notar. O Montepio Geral, por sua vez, nem sequer se preocupa em respeitar

33 | crédito | Dinheiro&direitos 88 | Julho/Agosto 2008

●●● Não é possível escolher sem dados comparáveis, pelo que todas as instituições têm de fornecê-los antes da assinatura do contrato. É positivo que a nova directiva preveja uma ficha de informação normalizada, antiga reivindicação da DECO.Cada uma usa o seu método de cálculo da TAEG, prejudicando o consumidor, que perde o instrumento que lhe permite comparar de forma fiável.

●●● Os abusos publicitários são transversais a bancos e instituições de crédito. A Direcção-Geral do Consumidor tem de punir os prevaricadores. Parte da confusão deriva da lei, que não define claramente o conceito de legível. Cabe ao Governo criar critérios objectivos. Na publicidade visual, a TAEG deveria ter, por exemplo, o tamanho da mensagem principal. Nos audiovisuais, é importante que, no mínimo, um quarto do tempo seja dedicado a esta taxa. Para evitar cenários pouco realistas, que diluam os custos, os bancos deveriam indicar a TAEG para € 5000 e € 25 000, a pagar em 24 e 60 meses. Para outras instituições, sugerimos € 1000 e € 5000, em 12 e 48 meses. Já informámos a Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor sobre os resultados do nosso estudo.

●●● A atracção pelo crédito é forte e a falta de informação fatal. A nova directiva não basta. A educação financeira deve ser introduzida nos currículos escolares desde cedo. A educação das crianças só pode dar origem a adultos bem informados, com capacidade para fazerem escolhas conscientes. D&d

consumidores exigem

Muitas vezes, de todas as informações nos folhetos publicitários, a TAEG tem a letra mais pequena

Poucos anúncios incluem informação que permita comparar e escolher a melhor proposta. A facilidade é a nota dominante

a lei, prescindindo de indicar a TAEG. De resto, apenas o Banco BPI a refere com cenário e, em simultâneo, letra legível.●●● No que toca às lojas, nenhuma dispõe de folhetos com informações sobre o crédito.●●● Percorrendo de forma aleatória a publicidade na Internet, verificámos que só num dos anúncios da Cetelem a TAEG era indicada, ao mesmo tempo, com cenário e letra legível. A regra é a letra minúscula ou mesmo ilegível, dificultando a percepção das informações realmente importantes para o consumidor.●●● Já na televisão e na rádio, a mensagem da TAEG é demasiado rápida, pelo que se torna quase imperceptível.

Publicidade sedutora, mas pouco informativa

➡ Informações Artigos da DINHEIRO & DIREITOS Os portugueses e o dinheiro, n.º 85, Janeiro de 2008. Consolidação de créditos, n.º 76, Julho de 2006.www.deco.proteste.ptCartões de crédito com taxas elevadas