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É CARNAVAL EM MIM CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto

É carnaval em mim - Frei Betto

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Page 1: É carnaval em mim - Frei Betto

É CARNAVAL EM MIM

CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto

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Neste carnaval anseio por folias interiores, de maravilhas indescritíveis, de sinuosos alaridos, de magnificências a

dispensar ruídos e palavras.

Quero toda a avenida regida por inequívoco silêncio, o baile imponderável em gestos rituais, a euforia estampada em cada

sorriso.

Rasgarei a fantasia de minhas pretensões e, despido de hipocrisias, deixarei meu eu mais solidário desfilar alegre pelas

recônditas passarelas de minha alma.

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Fecharei os ouvidos à estridência dos apitos e, mente alerta, escutarei o ressoar melódico do mais íntimo de mim mesmo.

Deixarei cair as máscaras do ego e, nas alamedas da transparência, farei desfilar, soberba, a penúria de minha

condição humana.

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Aplaudirei os sambistas com fogo nos pés e as mulatas eletrizadas pelo ritmo da batucada.

Mas não me deixarei arrastar pelo bloco da

concupiscência.

Inebriado pelo ritmo agônico da cuíca, serei o

mais iconoclasta dos discípulos de Momo,

recolhido ao vazio de minha própria imaginação.

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Neste Carnaval serei figurante na escola da irreverência e desfilarei pelas ruas meu incontido solipsismo, até cessar a bateria

que faz dançarem os fantasmas que me povoam.

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Envolto na desfantasia do real, atirarei confetes aos foliões e perseguirei os voos das serpentinas para que impregnem de

colorido as diatribes de meu ceticismo.

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No estertor da madrugada, farei ébrias confidências à colombina e, arlequim apaixonado, ofertarei as pétalas que me recobrem o coração.

Não porei os olhos no desfile da insensatez, nem abrirei alas à luxúria do moralismo.

Quando a porta-bandeira desfraldar encantos, ficarei ajoelhado na ala das baianas para reverenciar o almirante negro.

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Ao eco dos tamborins, esperarei baixar a sofreguidão que me assalta, buscarei a euforia do espírito no avesso de todas as minhas crenças, exibirei em carros alegóricos as íngremes ladeiras da montanha dos sete patamares.

Darei vivas à vida severina, riscarei Pasárgada de meu mapa e, ainda que não me chame Raimundo, farei da rima solução de tantos impasses nesse devasso mundo.

Expulsarei de meu camarote todos os incrédulos do pai-nosso cegos aos direitos do pão deles.

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Revestido de inconclusas alegorias, sairei no cordão das premonições equivocadas e, vestido de pierrô, aguardarei sentado na esquina que a noite se dissolva em epifânica

aurora.

Ao passar o corso da incompletude, abrirei as gaiolas da compaixão para ver o céu coberto pela revoada de anjos.

Trocarei as marchinhas por aleluias e encharcarei de perfume os monges voláteis incrustados em minhas

imprudências.

Olhos fixos no esplendor das batucadas siderais, contemplarei o desfile fulgurante dos astros na Via Láctea.

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No cortejo dos Filhos de Gandhy, evocarei os orixás de todas as crenças para que a paz se irradie sobeja.

Do alto do trio elétrico, puxarei o canto devocional de quem faz da vida a arte de semear estrelas.

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Entoado o alusivo, darei o grito da paz, pronto a fazer da comissão de frente o prenúncio do inefável.

No reverso do verso, cunharei promissoras notícias e, no quesito harmonia, farei a víbora e o cordeiro

beberem da mesma fonte.

Meu enredo terá a simplicidade de um haicai, a imponência de um poema épico, a beleza das

histórias recontadas às crianças.

De adereços, o mínimo: a felicidade de quem pisa os astros

distraído.

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Farei da nudez a mais pura revelação de todas as virtudes; assim, ninguém terá vergonha de mostrar o que Deus não teve de criar, e a culpa será redimida

pelo amor infindo.

A rainha da bateria virá tão bela quanto uma vitória-régia pousada numa lagoa despudoramente límpida.

Sua beleza interior suscitará assombro.

A evolução da escola culminará em revolução: a fantasia se fará realidade assim como o sertão há de vir amar e o mar de ser tão pellegrinamente pão do

espírito.

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Neste Carnaval não haverei de me embriagar de etílicos prazeres nem me deixarei arrastar pelos clóvis a disseminar o medo entre alegrias.

Irei aos bailes rituais e me submeterei às libações subjetivas, ofertarei ao mistério cálices de clarividências e iluminuras gravadas em hóstias.

Enclausurado na comunhão trinitária, ingressarei na festa que se faz de fé e na qual toda esperança extravasa no amor que não conhece dor.

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Então a palavra se fará verbo, o verbo, carne, e a carne será transubstanciada

em festival perene Carnaval.

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CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto, 65, frade dominicano e escritor, é autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O Amor Fecunda o Universo - Ecologia e Espiritualidade", entre outras obras. Foi

assessor especial da Presidência da República (2003-2004).(Texto publicado no jornal FOLHA DE SÃO PAULO, em 24.02.09.

FORMATAÇÃO: Mima (Wilma) Badan

[email protected]

MÚSICA: Noite dos mascarados (Chico Buarque de Hollanda)

Execução: Paulinho Nogueira

IMAGENS: Google

(Repasse com os devidos créditos)

BLOGS:

www.mimabadan.blogspot.com

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wwwcasadavovomima.blogspot.com

PPSs e ESTÓRIAS INFANTIS em: www.slideshare.net/mimabadan