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8. ETAPAS DO PROCESSO DE CONHECER Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. “O método científico é comprovado e verdadeiro. Não é perfeito, é apenas o melhor que temos. Abandoná-lo, junto com seus protocolos céticos, é o caminho para uma idade das trevas.” Carl Sagan O procedimento de construção do conhecimento, qualquer que for sua natureza, amplitude ou profundidade, não se dá em um momento único, como uma atividade psicológica ou lógica elementar e automática. Nem acontece como a simples acumulação, mais ou menos mecânica e passiva, de dados cognitivos apreendidos pela consciência. O conhecimento aparentemente mais simples, de coisas aparentemente mais elementares envolve um mundo d percepções, de associações e outros processos mentais realizados em miríades de neurônios e de conexões neuronais. Além do quê, a construção do conhecimento se concretiza como processo dinâmico, tanto como procedimento psicológico de aprender quanto como a operação de um sistema inteligente de elaboração e conservação de dados lógicos nas consciências individuais; e como processo sociocultural. O processo gnosiológico individual de conhecer pode ser subdividido em cinco etapas ou níveis inter- complementares e bastante interativos. Tais níveis se revelam progressivamente mais eficientes, porque cada um deles pode ser tido como mais preciso e mais exato que o anterior do ponto de vista de seu objetivo (possibilitar e aperfeiçoar o conhecimento). Estes níveis do processo de conhecer também se mostram bem diferenciáveis em tese, 1

Etapas da construção do conhecimento

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Filosofia, gnosiologia ou epistemogia.

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8. ETAPAS DO PROCESSO DE CONHECER

Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

“O método científico é comprovado e verdadeiro. Não é perfeito, é apenas o melhor que temos. Abandoná-lo, junto com seus protocolos céticos, é o caminho para uma idade das trevas.” Carl Sagan

O procedimento de construção do conhecimento, qualquer que for sua natureza, amplitude ou profundidade, não se dá em um momento único, como uma atividade psicológica ou lógica elementar e automática. Nem acontece como a simples acumulação, mais ou menos mecânica e passiva, de dados cognitivos apreendidos pela consciência. O conhecimento aparentemente mais simples, de coisas aparentemente mais elementares envolve um mundo d percepções, de associações e outros processos mentais realizados em miríades de neurônios e de conexões neuronais. Além do quê, a construção do conhecimento se concretiza como processo dinâmico, tanto como procedimento psicológico de aprender quanto como a operação de um sistema inteligente de elaboração e conservação de dados lógicos nas consciências individuais; e como processo sociocultural.

O processo gnosiológico individual de conhecer pode ser subdividido em cinco etapas ou níveis inter-complementares e bastante interativos. Tais níveis se revelam progressivamente mais eficientes, porque cada um deles pode ser tido como mais preciso e mais exato que o anterior do ponto de vista de seu objetivo (possibilitar e aperfeiçoar o conhecimento). Estes níveis do processo de conhecer também se mostram bem diferenciáveis em tese, ainda que isto não seja sempre fácil na prática. Tal processo de estrutura o conhecimento pode ser concebido como um sistema para conhecer que produz sistemas de conhecimento. Em tal sistema para conhecer, seus patamares, etapas componentes ou níveis do conhecimento podem e devem ser entendidos como subsistemas e elementos deste sistema mais amplo.

Os cinco níveis do processo de elaboração do conhecimento são:

a) indiciação,

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b) descrição (ou conceituação descritiva),

c) nominação (ou conceituação nominativa),

d) explicação (conceituação explicativa) e

e) definição.

Cada um destes momentos do processo cognitivo, independente de sua amplitude, de sua complexidade ou do tempo de sua duração, pode interagir com os demais. Cada um deles exerce alguma influência sobre os demais, enquanto é influenciado por eles. Por cada um deles, por cada grupo deles ou por todos eles simultaneamente.

O desenvolvimento de cada um destes níveis cognitivos (ou subsistemas funcionais), amplia os demais e enriquece o conhecimento que se amplia e aprofunda durante a realização deste processo.

Cada um destes níveis cognitivos, pode ser considerado como uma etapa identificável e progressivamente mais elaborada do processo de apropriação pelo sujeito das propriedades do objeto. Cada um destes momentos do processo do conhecimento, além de fundamentar o momento seguinte, reforça e força a reelaboração do resultado dos momentos anteriores, na medida em que estas etapas cognitivas se enriquecem reciprocamente no processo continuado de construção e permanente aperfeiçoamento do conhecimento.

Isto porque o conhecimento, mesmo concebido como um processo, não pode ser entendido como um processo mecânico e unidirecional de acumulação mais ou menos passiva de informações que se superpõem, mas um processamento dinâmico, permanentemente reformulado e constantemente repensado, na medida em que se amplia e se enriquece.

O conhecimento se enriquece na medida em que preenche as condições de cada um destes momentos cognitivos, progressivamente mais elaborados e cada um deles propiciador de um conhecimento mais rico e mais preciso acerca de seu objeto.

Há quem sustente que a indiciação, na medida em que se dá passivamente ao sensório, não deve ser considerada como o primeiro momento do conhecimento que se iniciaria, a rigor, quando se iniciasse o reconhecimento das características e a avaliação das relações do ser cognoscente com o mundo. Contudo, como não pode acontecer o conhecimento sem que a existência da coisa cognoscente se torne evidente, este momento tanto pode ser considerado como preconhecimento necessário, quanto como parte integrante do procedimento de conhecer. Mas também há de se reconhecer que não há processo ou processamento psíquico

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passivo. Toda atividade psicológica, mesmo a mais inibitória, é ativa. Por isto, aqui, se optou pela segunda alternativa, a indiciação e, na verdade, o primeiro momento do processo cognitivo.

8.1. Indiciação

O indício é uma espécie de sinal de alarme que avisa haver algo novo para ser conhecido, que apareceu algo novo ou aparentemente novo no campo da consciência e que este objeto pode ser conhecido. Este primeiro momento de construção do conhecimento marca a emergência de uma nova imagem na consciência de quem experimenta o ato cognitivo. Este primeiro momento pode resultar de diferentes meios: da percepção do novo objeto, da recepção de uma mensagem que comunica sua existência, de uma intuição ou de uma inferência racional elaborada pelo próprio sujeito.

A indiciação consiste na identificação do objeto material ou conceitual a conhecer como existente com alguma autonomia em relação aos demais objetos e sua distinção como algo singular no mundo; alguma coisa diferente das outras já conhecidas. A evidenciação inicia a individuação e pode se dar a partir da identificação de qualquer característica que individualize o objeto

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que começa a ser conhecido como uma individualidade, confundindo-se, portanto, com o início da descrição, até porque nenhum dos níveis do processo cognitivo pode ser considerado como estanque em relação aos demais.

Neste momento cognitivo, um objeto, antes despercebido, se evidencia à consciência e aí se inicia o processo mais ou menos complexo de conhecê-lo. Parece desnecessário lembrar que, aqui, o termo objeto está sendo empregado com o sentido de objeto do conhecimento, isto é, qualquer objeto material ou conceitual que esteja começando a ser conhecido. Um objeto material ou conceitual, uma pessoa, um teorema, uma fábula. Qualquer objeto. Seja qual for o meio pelo qual a imagem daquele objeto novo emerge na consciência cognoscente, a evidenciação ou indiciação é invariavelmente experimentada pelo seu sujeito como o primeiro momento do processo do conhecimento de um objeto cognitivo e, com isto, produz o estágio mais elementar de seu resultado. E fenômeno é como se denomina tudo o que sucede a um objeto.

Acontece a indiciação quando, por qualquer meio, se dá a caracterização de um certo objeto ou fenômeno novo na consciência e sua separação das demais coisas já conhecidas, ainda que lhe sejam mais ou menos próximas ou semelhantes. Há, ao menos um indício de que aquilo é algo novo. Para os filósofos tomistas, na evidenciação o objeto do conhecimento novo é distinguido como uma singularidade a ser melhor conhecida. Diziam que algo é evidente quando sua existência se impõe à consciência.

Como ato perceptivo, a evidenciação consiste na identificação do objeto ou fenômeno a conhecer como algo novo, diferente daquilo que já se conhece e sua distinção como algo singular no mundo, diferente de tudo que se conhecia até então. Mas este momento nem sempre é um fruto da percepção, pode ser uma conclusão racional ou mesmo uma intuição a ser confirmada

Os conceitos filosóficos de generalidade, particularidade e singularidade (por causa de sua importância para o entendimento das relações objetivas das coisas no mundo) fornecem a base necessária para entender o momento da evidenciação no procedimento cognitivo. Inicialmente, cada objeto ou fenômenos aparece a quem o percebe como algo singular.

Em filosofia do conhecimento, os termos individuação e individualização, como percepção da individualidade através da identificação de algumas de suas características distintivas, talvez pudessem ser empregados como análogos à evidenciação.

Contudo, em Psicologia e em Psicopatologia, o termo evidenciação tem sentido bem mais restrito, e quer dizer o surgimento dos fatores distintivos do indivíduo que sejam suficientes para fazê-lo notado como algo específico; o processo de construção da

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individualidade, com o mesmo significado de identidade, a partir de aptidões, possibilidades e estímulos internos (centrífugos) e externos (centrípetos). Neste sentido, a lei da individuação ou individualização do comportamento consiste no princípio segundo o qual os padrões de comportamento se desenvolvem, desde muito precocemente, através de períodos de crescimento que são unidades perfeitamente integradas e identificadas aos padrões da espécie, enquanto surgem padrões parciais que se identificam com o indivíduo.

No passo seguinte, alguns de seus elementos se identificam com características já conhecidas de outros objetos idênticos, semelhantes ou análogos ou associáveis a ele de qualquer maneira, impondo-se o conhecimento daquela particularidade. A particularidade que reúne todos os objetos de um conjunto geral em um subconjunto particular.

A particularidade está contida na generalidade assim como a individualidade ou singularidade está contida na particularidade. A seguir, surge a noção de generalidade pela identificação de características que acontecem em todos os componentes estudados e a individualidade, assinalada pelas característica que marcam a singularidade de um indivíduo daquele conjunto.

Neste primeiro momento do processo de construção do conhecimento das coisas do mundo, a pessoa se dá conta de que existe no mundo da realidade (ainda que subjetiva ou abstrata) alguma coisa nova a ser conhecida que pode ser separada das demais; isto é o que aqui se denomina a evidenciação (ou indiciação).

E é a partir deste momento, desta semente de conhecimento, a evidenciação, que se inicia a edificação do saber, qualquer que venha a ser sua extensão, amplitude, profundidade ou complexidade. Porque, embora os objetos e acontecimentos da natureza sejam realidades naturais, como os enfermos e suas manifestações patológicas, por exemplo, o conhecimento que se tem sobre eles são construções culturais com diferentes potenciais preditivos e explicativos. De onde surge a noção de enfermidade, como condição essencial para caracterizar um indivíduo enfermo.

A evidenciação, primeiro momento do processo de conhecer, se dá mais ou menos da mesma maneira no conhecimento vulgar, no conhecimento científico e no conhecimento filosófico. O conhecimento científico e o filosófico se caracterizam pela precisão de seus símbolos e pelo rigor dos seu procedimentos. Estes talvez sejam os elementos mais importantes para diferenciá-los do senso comum, há de verificar adiante. Não obstante esta questão irá se colocar apenas no momento seguinte, na descrição.

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O conhecimento médico não é uma exceção a esta organização geral da construção do conhecimento científico. Distingue-se, no entanto, pela peculiaridade de seus objetos: coisas como saúde, doença, doente, terapêutica, diagnóstico, prognóstico, etiologia e tantos outros fenômenos naturais

8.2. A Descrição (conceituação descritiva)

Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

Formalmente, depois da indiciação e antes da nominação (característica da conceituação da identificação), para a qual fornece importante contributo, o segundo momento do processo do conhecimento é a descrição. Tem-se a descrição como a segunda etapa na qual prossegue o processo de construção do conhecimento acerca do objeto ou fenômeno (que havia sido evidenciado no momento cognitivo anterior), através de informações cada vez mais exatas e completas que se pode obter sobre os objetos do conhecimento. Informações que, em geral, se iniciam em dados sobre a sua forma e sua aparência. Dados que permitem elaborar uma imagem sistematizada daquele objeto que possa se comunicada e entendida e que o identifiquem como uma entidade singular individualizada.

Na descrição ou conceituação descritiva se concretiza o processo cognitivo de estabelecer relação entre a coisa descrita e suas características, sejam elas acidentais ou essenciais, permanentes ou transitórias. O reconhecimento das características mais essenciais (do conteúdo e da essência) do objeto descrito conduz ao passo seguinte do processo e é um dos objetivos da descrição a explicação. Isso porqu o conhecimento se inicia na forma e na aparência do objeto e evolui para o rconhecimento dos elemntos de seu conteúdo e de sua essência.

Do ponto de vista de sua estrutura, a descrição é um nível do processo cognitivo no qual se indica como o objeto do conhecimento parece ao sujeito que começou a conhecê-lo na indiciaçåo; como o objeto do conhecimento se revela aos seus sentidos ou à sua razão. A rigor, o procedimento descritivo se inicia

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no mesmo momento em que se dá a evidenciação de um objeto qualquer, se bem que em termos cognitivos, os dois processos ideativos sejam tidos como distintos, ainda que não se possa especificar exatamente seus limites. De certa maneira, o início da descrição se confunde com a evidenciação e, depois, a desenvolve.

O significado da descrição é diferente nas diferentes escolas filosóficas. Os os adeptos do fenomenologismo, os positivistas e neo-positivistas consideram-na o objetivo da ciência e concentram nela sua atenção, principalmente por considerarem a explicação impossível ou inconfiável.

Na medida em que se aperfeiçoam as descrições, e na medida em que alguns elementos descritivos vão sendo reconhecidos como mais gerais e mais essenciais, a descrição se aproxima da definição até se transformar nela; porque, em geral, só é possível construir definições através da descoberta das características descritivas mais gerais e mais essenciais e, por isto, se referem à essência e ao conteúdo da coisa descrita.

A descrição sistemática marcou a revolução científica no Renascimento e o próprio surgimento da ciência como instituição social (e não apenas como acervo de conhecimentos). O reconhecimento de sua validade como fonte de saber fidedigno e a difusão entre os cientistas de sua prática intensiva, emprestou grande importância a este momento do procedimento cognitivo e foi essencial para o advento posterior da experimentação como elemento científico do procedimento de conhecer.

Nas últimas décadas, os procedimentos descritivos propostos pelos fenomenologistas para o estudo dos fatos psiquiátricos vêm sendo confrontados com os recursos descritivos das neurociências (quantificáveis, por sua própria natureza). Esta confrontação levou a um falso dilema: quantificar ou fenomenolizar? Falso porque estes dois tipos de recursos são diferentes, têm serventias diversas e não colidem. Coexistem sem qualquer antagonismo, na medida em que sejam reconhecidos como momentos progressivamente mais elaborados do procedimento cognitivo.

Convém ter sempre presente que o conhecimento caminha da forma para o conteúdo e da aparência para a essência de seu objeto e pode empregar tanto recursos que se referem à sua quantidade ou às suas qualidades.

Os procedimentos fenomenológicos ou fenomênicos são empregados para a caracterização de objetos inquantificáveis (como os delírios, os sentimentos, a intencionalidade, a dissociação e tantos outros). Métodos quantitativos e qualitativos completam os procedimentos de estudo das neurociências, não se excluem exclúem.

Mas, em termos científicos, o que significa exatamente descrever? O método ou processo descritivo do conhecimento consiste em

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promover a enumeração das características percebidas ou inferidas do objeto do conhecimento na consciência cognoscente.

Descrever é enumerar caracterizar os elementos perceptivos da aparência e da forma do objeto descrito buscando uma reprodução verbal ou gráfica de sua imagem. Seja este objeto um elemento concreto da realidade, seja uma entidade abstrata, um ente ideal. Ainda que tais características não sejam perceptíveis imediata e diretamente, mas possam ser inferido ou suspeitados, sabidos ou presumidos, buscando-se destacar aqueles dados descritivos que sejam mais essenciais e mais gerais ao objeto de descrição, qualquer que venha a ser ele.

A descrição é um nível do processo cognitivo no qual se indica como o objeto do conhecimento parece ao sujeito que começou a conhecê-lo na evidenciação; como o objeto do conhecimento se revela aos seus sentidos ou à sua razão. A rigor, o procedimento descritivo se inicia no mesmo momento em que se dá a evidenciação, se bem que em termos cognitivos, os dois processos ideativos sejam tidos como distintos, ainda que não se possa especificar exatamente seus limites. De certa maneira, o início da descrição se confunde com a evidenciação e, depois, a desenvolve. Depois da evidenciação como primeiro passo do processo cognitivo, a descrição é o momento do conhecimento que integra a evidenciação e a identificação da coisa conhecida em uma unidade que envolve os sentidos e o pensamento em uma totalidade.

Brentano (1838-1937) e outros fenomenologistas, como Husserl (1859-1938) e Jaspers (1883-1969) propuseram procedimentos úteis para proporcionar a descrição rigorosa de objetos e processos inquantificáveis ou de difícil quantificação para tornar seu estudo mais fidedigno e válido. A importância da contribuição de Brentano para a psicologia contemporânea decorre da influência teórica que teria exercido sobre Sigmund Freud e, conseqüentemente, sobre sua elaboração da sua teoria psicoanalítica e sobre seus discípulos que exercem influência cultural significativa.

Esta constatação, no entanto, é indireta porquanto o estilo freudiano fazia com que ele, só muito raramente mencionasse em seus textos suas fontes de conhecimento e as influências exercidas por outrem sobre seu pensamento e as teorias que edificava com eles.

As descrições podem refletir ângulos diferentes de apreciação de uma única realidade particular que esteja sendo descrita. Aquele ângulo que aquela fração da realidade, que é o objeto da descrição, porque um mesmo aspecto da realidade pode ser descrito de diferentes maneiras, de diferentes perspectivas, de diferentes pontos de interesse em função de objetivos diferentes; por isto, é

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possível que uma única coisa seja descrita de diversas maneiras. E estas descrições, ainda que diferentes, podem não excluir ou desmentir as demais. De certa forma, descrever é atribuir ou negar conceitos à coisa descrita; isto é, descrever é enunciar juízos sobre uma coisa.

Os antigos chamavam a descrição de definição insuficiente porque era empregada quando a definição era desconhecida ou impossível de ser efetuada por que careciam de recursos cognitivos para realizá-la. De fato, em qualquer processo cognitivo, descreve-se aquilo que ainda não se pode definir. Pois, uma vez completada sua definição a descrição deixa de ser usada.

O significado da descrição pode ser diferente nas diferentes escolas filosóficas. Os adeptos do fenomenologismo, os positivistas e neopositivistas consideram-na o objetivo da ciência e concentram nela sua atenção, principalmente por considerarem a explicação impossível ou inconfiável.

Na medida em que se aperfeiçoam as descrições, e na medida em que alguns elementos descritivos vão sendo reconhecidos como mais gerais e mais essenciais, a descrição se aproxima da definição até se transformar nela; porque, em geral, só é possível construir definições através da descoberta das características descritivas mais gerais e mais essenciais e, por isto, se referem à essência e ao conteúdo da coisa descrita.

A descrição sistemática marcou o ponto mais essencial da revolução científica havida no Renascimento e o próprio surgimento da ciência como instituição social (e não apenas como acervo de conhecimentos). O reconhecimento de sua validade como fonte de saber fidedigno e a difusão entre os cientistas de sua prática intensiva, emprestou grande importância a este momento do procedimento cognitivo e foi essencial para o advento posterior da experimentação como elemento de cientificidade.

Nas últimas décadas, os procedimentos descritivos propostos pelos fenomenologistas para o estudo dos fatos psiquiátricos vêm sendo confrontados com os recursos descritivos das neurociências (quantificáveis, por sua própria natureza). Esta confrontação levou a um falso dilema: quantificar ou fenomenolizar? Falso porque estes dois tipos de recursos são diferentes, têm serventias diversas e não colidem.

Os procedimentos fenomenológicos são empregados para a caracterização de objetos inquantificáveis (como os delírios, os sentimentos, a intencionalidade, a dissociação). Completam os procedimentos das neurociências, não os excluem.

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Descrição e Linguagem

Existem dois tipos de descrição, a descrição do conhecimento comm e a descrição do conhecimento científico.

A descrição científica se diferencia da descrição da linguagem comum e da descrição vulgar culta, que é como se denomina a descrição literária e descrição poética.

Existem algumas exigências que são características da linguagem científica e, por isto, também exigidas nas descrições científicas que caracterizam a chamada ética do estilo científico, sem esquecer que a contaminação do senso comum é um dos impedimentos do desenvolvimento das ciências.

Tais características são:

= objetividade,

= clareza,

= exatidão,

= brevidade,

= diretividade,

= afirmatividade.

A objetividade é a qualidade daquilo que existe fora e independente do sujeito que o contempla, descreve ou estuda. Neste sentido particular, a objetividade se refere à não-subjetividade, isto é, à recusa da intuição e da introspecção como fontes de verdade. Mas também se refere à influência de opiniões ou processos afetivos do sujeito com relação ao objeto.

No senso comum, o dado objetivo costuma se fundir com o subjetivo. Na ciência e na filosofia, a objetividade existe como reação ao subjetivismo e ao intuicionismo presentes na fase especulativa do pensamento filosófico-científico. Não deve se confundido com o objetivismo (que é o defeito metodológico anti-subjetivismo).

A ciência positivista é objetivista (o quanto consegue ser, porque surgiu como reação ao subjetivismo supersticioso), mas na maioria das outras tendências, o dado objetivo pretere o subjetivo, ainda que possa compor com ele uma síntese dialética, ou outro compromisso

O estilo científico deve resultar em um texto ou discurso fácil de ser entendido, representativo daquilo que

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pretende ser dito, fácil de ser entendido, isento de ambigüidade, obediente às regras da sintaxe empregada.

A exatidão. A comunicação cientifica é uma modalidade da comunicação educada por definição. Considera a deseducação (ignorância, desinformação) como defeito a ser corrigido e não como modelo a ser divulgado. A comunicação científica (texto ou discurso) não deve fazer concessões aos modismos, à ignorância e à desinformação. A exatidão metodológica e comunicativa se refere ao emprego de recursos metodológicos e comunicativos que reduzam o mais possível a possibilidade de erro e imprecisão; por isto, a medição assumiu tamanha importância para a atividade científica.

A clareza. O estilo de uma pessoa educada, quanto mais o discursos científico, deve resultar em um texto ou discurso fácil de ser bem entendido, devendo ser representativo daquilo que o autor pretende dizer; a comunicação científica deve ser clara para ser facilmente entendida, além de isenta de ambigüidade, obediente às regras da sintaxe empregada.

A comunicação científica é uma modalidade da comunicação educada, a mais educada possível em cada momento do desenvolvimento da cultura. Considera a deseducação (ignorância, desinformação) como defeito a ser corrigido e não como modelo a ser divulgado ou, muito menos, copiado. A comunicação científica (texto ou discurso) não deve fazer concessões aos modismos, à ignorância e à desinformação. Por mais que esses sejam apreciados por seus cultivadores.

A exigência de brevidade fala por si mesma. O texto científico deve se ater ao essencial, evitando o circunlóquio, a circunstancialidade (minuciosidade), a prolixidade.

A diretividade se refere à necessidade do discurso ser direto, não usar metáforas, nem mesmo a ordem inversa das frases, não recorrer a outras figuras de linguagem.

A afirmatividade que dizer que a linguagem científica deve empregar frases afirmativas e não as negativas.

A descrição, em qualquer atividade científica, inclusive na Medicina, mas especialmente na psiquiatria, deve evitar qualquer pressuposto a priori. Isto é, não se deve recorrer, para uma descrição científica, a pressupostos teóricos não comprovados. Os fatos teóricos comprovados podem e devem ser empregados na elaboração e novos conhecimentos relacionados a eles. Nem pode ser diferente.

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Descrever e Medir

A descrição concretiza o processo cognitivo de estabelecer relação entre a coisa descrita e suas características, sejam elas acidentais ou essenciais. Procedimento mental que, como já se mencionou, se inicia no primeiro instante do conhecimento. A descrição também inclui a descoberta das características essenciais conduz ao passo seguinte do processo cognitivo que e é um dos objetivos da descrição.

A descrição será tão mais verdadeira, útil e confiável, no sentido gnosiológico mais exigente, quanto mais precisamente refletir, o mais exatamente possível, os atributos mais essenciais e característicos do objeto ou acontecimento descrito (principalmente os que podem ser sujeitos à quantificação); ampliando a base da conceituação e fornecendo elementos para a explicação e para uma definição científica aceitável. Neste momento cognitivo costuma-se se empregar o raciocínio analógico com a comparação da coisa estudada com outras. Comparar é identificar as semelhanças e diferenças que possa haver entre os objetos ou fenômenos comparados.

Atualmente, ao menos para boa parte dos epistemólogos, a descrição é considerada como a etapa da investigação científica que consiste em estabelecer os dados do experimento ou da observação, empregando-se qualquer sistema de designação possível de ser aceito por aquela ciência, sobretudo a medição (ou outras formas de quantificação). Isso porque a descrição seja instrumento característico da observação como método científico e na análise, como procedimento racional e os procedimentos de medição sejam muito próprios dela.

A descrição do senso comum costuma empregar elementos inexatos, assistematizados, contaminados por juízos subjetivos de valor, escalas ou instrumentos de medida carentes de padronização ou de universalização. Recursos que constituem erros como procedimento científico. As descrições vulgares costumam incluir pressupostos a priori, principalmente, aqueles característicos de uma sub-cultura.

A descrição científica deve evitar qualquer pressuposto a priori e noções teóricas incomprovadas. Isto é, não se deve recorrer, para uma descrição científica, a crenças e pressupostos teóricos não comprovados. Os fatos teóricos comprovados podem e devem ser empregados na elaboração e novos conhecimentos relacionados a eles. Nem pode ser diferente.

A descrição será tão mais verdadeira, útil e confiável, no sentido gnosiológico mais exigente, quanto mais precisamente refletir, o

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mais exatamente possível, os atributos mais essenciais e característicos do objeto ou acontecimento descrito (principalmente os que podem ser sujeitos à quantificação); ampliando a base da conceituação e fornecendo elementos para a explicação e para uma definição científica aceitável.

A introdução da medida como instrumento importante da descrição nos procedimentos de observação e experimentação científicas caracterizou uma das mais importantes revoluções paradigmáticas da ciência e iniciou a ciência moderna: a chamada revolução galilaica, porque efetivada pelos trabalhos de Galileu Galilei. A quantificação representa um momento evoluído do desenvolvimento científico. Contudo, nem tudo pode ser quantificado. E enquanto não se pode quantificar, quando se tratar de qualidades, por exemplo, deve-se empregar outros recursos. Neste momento cognitivo costuma-se se empregar o raciocínio analógico com a comparação da coisa estudada com outra ou outras. Comparar é identificar as semelhanças e diferenças que possa haver entre os objetos ou fenômenos comparados.

A linguagem empregada em uma descrição influi poderosamente no resultado daquela tarefa cognitiva. Por isto, pode-se pretender que os procedimentos descritivos dependem da linguagem empregada em sua elaboração; assim como a modalidade de linguagem de uma descrição depende do objeto descrito e dos recursos disponíveis.

Pode-se descrever empregando qualquer linguagem viável capaz de comunicar sa características da coisas descrita. Pode-se usar as palavras da linguagem comum ou os símbolos de uma determinada ciência (termoss, símbolos matemáticos ou químicos, matrizes, gráficos, medidas, reproduções fotográficas, fonográficas ou outros recursos de gravação ou outros registros). Enfim, é possível descrever empregando qualquer linguagem capaz de comunicar os atributos descritos o mais exatamente possível e, por causa desta necessidade de exatidão, sempre que for possível, os atributos mencionados em uma descrição devem ser quantificados, porque isto amplia a exatidão e a confiabilidade da descrição, razão pela qual, a quantificação está se tornando uma exigência fundamental da descrição científica.

Não obstante, é uma falsidade pretender que uma descrição só será científica se quantificada. A linguagem será tão mais científica quanto mais exata e fiel. Uma descrição deve ser considerada tão científica quanto maior for sua fidedignidade com que comunique com a possível precisão a qualidade do objeto da descrição. Em alguns casos, a reprodução ideal pode ser aquela que reproduza uma imagem da coisa descrita, a partir do ponto de vista que for considerado mais essencial. Contudo, certos objetos e situações, não possibilitam quantificação. Estes objetos e estas situações

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podem ser razoavelmente descritos empregando-se recursos denominados qualitativos.

Para os positivistas extremados a tarefa da ciência se resume à descrição dos fatos e que as descrições científicas devem ser, necessariamente, quantificadas; por isto, os cientistas positivistas (e, como eles, os neo positivistas e os empiristas) se limitam a descrever ou superdimensionam a importância da descrição e da quantificação, ao mesmo tempo que negam ou minimizam a explicação como instrumento do conhecimento científico. Para eles, o conceito é unicamente descritivo.

O conhecimento construído acerca dos fenômenos e processos naturais, sociais ou humanos estudados pela Medicina e pela Psiquiatria também obedece ao processo cognitivo de descrição, sistematização e ressistematização, por isto, a classificação desempenha, nelas, papel essencial na sistematização da informação descrita.

O procedimento científico denominado método clínico é essencialmente analítico-descritivo. E o chamado método ou procedimento fenomenológico é um conjunto de diretrizes para disciplinar a observação tornando-a mais válida e fidedigna para possibilitar o estudo das coisas inquantificáveis com os recursos disponíveis de medida, empregando inclusive a analogia com outros casos individuais.

A introdução das técnicas de medição cada vez mais precisas como instrumento da descrição nos procedimentos de observação e experimentação científicas caracterizou uma das mais importantes revoluções paradigmáticas da ciência e iniciou a ciência moderna: a chamada revolução galilaica, porque efetivada pelos trabalhos de Galileu Galilei e se aperfeiçoa aceleradamente.

A quantificação representa um momento evoluído do desenvolvimento científico, especificamente da descrição científica. Contudo, nem tudo pode ser quantificado. E enquanto não se pode quantificar, quando se tratar de qualidades, por exemplo, deve-se empregar outros procedimentos descritivos, ainda que de menos alcance e de menor confiabilidade.

O conhecimento construído acerca dos fenômenos e processos naturais, sociais ou humanos estudados pela Medicina e pela Psiquiatria também obedece ao processo cognitivo de descrição, sistematização e ressistematização, por isto, a classificação desempenha, nelas, papel essencial na sistematização da informação descrita.

O procedimento científico denominado método clínico é essencialmente analítico-descritivo. E o chamado método ou procedimento fenomenológico é um conjunto de diretrizes para

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disciplinar a observação tornando-a mais válida e fidedigna para possibilitar o estudo das coisas inquantificáveis com os recursos disponíveis de medição.

Em diversas situações comuns, e em muitas atividades científicas, principalmente na área das ciências humanas e sociais necessitam restringir sua atividade científica à descrição, porque não dispõem de instrumentos teóricos e práticos que lhes permitam ingressar em uma outra etapa do conhecimento.

Enquanto o investigador observa os fatos que deve descrever, sua presença atua como uma fator que pode influenciar o desenvolvimento dos fatos observados e serve como um fator de tendenciosidade da investigação. E isto deve ser considerado nos procedimentos de discussão e nas conclusões a que chegar.

Quando o investigador registra os fatos, escrevendo-os enquanto eles se desenrolam, como acontece na maioria das investigações clínicas, por exemplo, esta situação fornece um elemento de causa de erro ainda mais importante naquele estudo. Para diminuir esta possibilidade, deve empregar recursos como: conceder um tempo para que o observado se adapte à situação nova, guardar a distância mínima recomendada pela cultura para aquela situação, se vestir e se comportar discretamente, procurar interferir o mínimo possível na sua atuação.

Na produção científica atual a referência a psiquiatria fenomenológica é completamente multiformes, não correspondendo à produção de Husserl, Jaspers, Schneider, Delgado e, entre nós, Isaías Paim. Com excessão do primeiro, fenomenologista intuitivista, os demais se comportam como fenomenologistas descritivistas. Os feitores dos sistemas nosográficos contemporâneos (CID, DSM) são fenomenologistas quantitativistas.

Descrever, Analisar e Induzir

Descrever, analisar e induzir são processos cognitivos científicos inseparáveis. E, a despeito das especificidades de cada um deles, constituem, quase sempre, um complexo lógico-metodológico. Isto porque, apesar de serem processos de qualidades diferentes, são reunidos em uma unidade lógica por sua inter-complementariedade metodológica. Em última análise, o ato ou processo de descrever é, sempre, praticar o procedimento lógico-cognitivo de analisar, qualquer que for o instrumento teórico ou prático empregado na descrição.

O momento descritivo do conhecimento representa a fase essencialmente analítica do processo de conhecer. A noção de análise, como instrumento do conhecimento, se refere ao processo lógico de decompor o todo em suas partes constituintes implica

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necessariamente em uma síntese, a recomposição, pela imaginação da totalidade através de suas partes; uma vez que análise e síntese são categoria lógicas essencialmente dialéticas em sua intercomplementariedade.

Alguns aspectos importantes da técnica de analisar são: usar critérios idênticos para todos os sujeitos observados; procurar definir o mais precisamente possível os termos empregados, principalmente aqueles que se referem a comportamentos; procurar fazer com que a descrição seja o mais exata e completa que for possível; usar a denominação mais adequada da terminologia científica disponível para referir cada situação ou elemento situacional a ser descrito; certificar-se de que os termos estão bem definidos e guarda correspondência factual com os acontecimentos, situações e processos que estiverem sendo observados e descritos.

Quando se estuda a síntese, deve-se considerar que o procedimento de analisar não se limita a uma desarticulação da totalidade, a uma decomposição do todo em seus componentes. Analisar também implica em um procedimento indutivo que busca as causas através dos efeitos, as coisas mais simples através das mais complexas, os princípios através das conseqüências. A indução, concluir sobre o geral usando os casos particulares, é um complemento necessário da análise como instrumento do conhecimento, no processo de transformar o conhecimento sobre os fatos em leis sobre certas categorias de objetos.

Por isto, descrever (o que implica em medir e quantificar), analisar (sobretudo classificar) e induzir (concluir por indução) são os instrumentos cognitivos mais importantes da observação, que é uma dos métodos gerais da atividade científica. A observação tem importância particular na atividade médica desde os tempo hipocráticos. Desde essa época o exercício da clínica médica tem sido um paciente e repetitivo exercício de observar, repetir a observação e observar outra vez, sem desprezar coisa alguma, sem deixar de considerar o fato aparentemente mais insignificante, como ensina Hipócrates. Talvez por causa dessa afeição e identidade ao método científico de observar, os médico tenham sido grandes contribuintes para o desenvolvimento da ciência do século dezenove. O chamado método clínico de intervenção e de investigação é essencialmente um processo de observar, descrever, analisar e induzir. Em uma perspectiva dialética, é impossível distinguir a análise da síntese ou a indução da dedução porque estas duplas de procedimentos mentais configuram uma unidade em sua aparente contradição.

Classificar é Redescrever

Classificar se origina do latim, classis = divisão (divisão ordenada) + facere = fazer. O procedimento de classificar é a operação lógica que consiste em repartir um conjunto de objetos ou fenômenos

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(quaisquer que sejam) sistematizados em classes coordenadas ou subordinadas, segundo critérios previamente escolhidos.

Classificar é descrever osobjetos classificados a partir de pontos de vista diferentes. Em última análise, classificar é simular uma nova organização dos fatos para permitir conhecer mais sobre eles.Já se viu que classificar é analisar. Mas, classificar também é hierarquizar e organizar, re-hierarquizar e reorganizar os elementos de um conjunto até que se possa aprender com isso alg sobre auele conjunto e seus comonentes.

O procedimento classificatório exige que se situem alguns objetos classificados em níveis diferentes de importância ou se declare que merecem prioridade sobre os demais. Dois conceitos-chave para a compreensão do processo lógico de classificar são a coordenação e a subordinação (que já foram mencionados anteriormente), no caso, a coordenação taxonômica e a subordinação taxonômica.

Coordenação taxonômica a relação entre elementos situados na mesma ordem na hierarquia de uma estrutura (por exemplo, a coordenação taxonômica se manifesta nas relações entre os componentes de mesmo nível da classificação, como os gêneros ou as espécies). é bastante comum que se possa identificar uma relação de coordenação (ou outra que lhe seja análoga) entre os elementos de muitos outros tipos de sistema.

Subordinação é um tipo de relação entre os elementos de uma estrutura de tal modo que um deles é dependente de outro, como uma extensão sua. A subordinação taxonômica presume uma relação análoga entre os conceitos classificados em ordens diferentes da hierarquia taxonômica, pela qual o subordinado está contido no que lhe é superior. O essencial na subordinação é que o subordinante inclui o subordinado. A subordinação é um tipo de relação entre as pessoas (inclusive ou principalmente seus papéis e status) que implica em uma dissimetria no relacionamento e em sua comunicação. Subordinação taxonômica é um tipo de relação entre os elmentos de uma estrutura de tal modo que um deles é dependente de outro, como uma extensão sua. A subordinação taxonômica presume uma relação análoga entre os conceitos classificados em ordens diferentes da hierarquia taxonômica, pela qual o subordinado está contido no que lhe é superior. O essencial na subordinação é que o subordinante inclui o subordinado.

Nas ciências sociais e humanas subordinação é um tipo de relação entre pessoas como atores sociais (inclusive ou principalmente seus papéis e status) que implica em uma dissimetria hierárquica no sistema social em que coexiste que influi no seu relacionamento e em sua comunicação com o demais. Na administração pública, o funcionário superior (que também pode ser chamado ator ou agente social subordinante) desfruta da capacidade de exercer qualquer função administrativa de seu subordinado (mas não uma função

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técnica que seja prerrogativa de uma das profissões ou ocupações regulamentadas legalmente. Este fato parece importante de ser conhecido especialmente na área da saúde onde existe tanta intrusão profissional). Noutros casos,a não ser que haja proibição legal expressa, no serviço público, o chefe pode avocar matéria administrativa atribuída a subordinado seu e dar-lhe solução, quando avoca a si um processo, por exemplo.

Classificar é uma modalidades especial de sistematizar a descrição e, por isti, também é um tipo particular de análise. O processo mental de classificar um conjunto qualquer de coisas concretas, de coisas abstrata ou informações consiste no emprego dos procedimentos lógicos elementares, especialmente a análise e da comparação por seriação, para facilitar o conhecimento ou organizar o trabalho mental de extrair o saber da natureza; e isto, é um procedimento que se dá no enriquecimento do conhecimento pela reelaboração da descrição, tanto no conhecimento vulgar, quanto no conhecimento científico, no qual desempenha papel muito destacado.

Toda classificação, quaisquer que forem os objetos classificados e quaisquer que forem os critérios de classificação que se empregue nela, se dá pela subdivisão de conceitos ou categorias lógicas mais complexos em seus componentes de menor complexidade, a partir de um critério preestabelecido que os reúna em grupos mais ou menos homogêneos em função do critério empregado. O processo de classificar tem sido, talvez, o instrumento mais importante para transitar da singularidade para a generalidade, passando pela particularidade. Afinal, conhecer é, em primeiro lugar, poder singularizar, particularizar e generalizar cada vez com maior alcance e maior exatidão.

Recordando que, do ponto de vista da quantidade, as coisas e os conceitos podem ser divididos nas seguintes categorias: o geral (que reúne todo o universo considerado); o particular (que engloba todos os componentes deste universo que ostentem uma qualidade comum); e a singularidade (ou especificidade que se refere a um único daqueles componentes).

Super-simplificando, pode-se afirmar que, na estrutura lógica do conhecimento, a evidenciação precede e prepara a descrição, que precede e prepara a conceituação, que precede e prepara explicação, que enriquece a conceituação, que precede e prepara a definição e que a definição pode sempre ser modificada sempre que os conhecimentos que a originaram forem mudados.

Essa cadeia lógica de fenômenos cognitivos em interação põe em evidência a unidade do processo de conhecer, unidade na qual se articulam diferentes processos, mas que não pode ser entendida como uma seqüência mecânica de fases que se sucedem, mas como a articulação extremamente dinâmica de diferentes

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momentos de um desenvolvimento vivo; momentos que se estruturam mais ou menos simultaneamente, exercendo, cada um deles, permanente influência sobre os demais, enquanto sofre sua influência (demonstrando sua interação sistêmica). O caráter sistêmico das classificações reflete a sistematicidade das coisas classificadas.

Não se pode deixar de destacar, nesta construção cognitiva, a interconexão de todos os seus momentos de maneira dinâmica, evolutiva e permanentemente em desenvolvimento. Ao mesmo tempo que reflete a unidade dos conceitos e das coisas que eles representam. Enquanto que, no interior de cada conceito, se manifesta a unidade de sua dimensão subjetiva (a idéias) e da objetiva (a palavra). Esta elaboração interessa indistintamente a todos os tipos de conhecimento (vulgar, científico e filosófico) porque, como já se afirmou, não se diferenciam por sua estrutura cognitiva, mas pelo alcance de sua generalização, confiabilidade e validade.

A Classificação no Conhecimento Vulgar

A classificação não é instrumento cognitivo exclusivo da ciência e da filosofia. Ao contrário, é muito empregado há muito tempo na elaboração do conhecimento comum; usada mais ou menos automática, inconsciente e involuntariamente para permitir perceber, entender e fixar melhor as coisas, o que se necessita conhecer ou explicar.

Quando se estuda a história do pensamento humano e de suas conquistas, constata-se que a classificação tem sido extremamente importante na evolução do conhecimento geral e o das ciências médicas, em particular, porque é uma das maneiras mais fáceis de obter a conceituação e a explicação através da descrição e re-descrição sistemáticas.

No processo espontâneo de conhecer o mundo, característico do conhecimento vulgar, agrupam-se as coisas sejam pessoas, objetos ou fenômenos, em grupos que compartilham estruturas, componentes ou características comuns - as classes, de modo a poder raciocinar sobre elas integrando uma unidade lógica; desde então, no processo de pensar, aquela classe representa todos os indivíduos contidos nela. Este processo permite identificar os iguais e a distinguir os diferentes, de modo possibilitar entender melhor os que os integra ou exclui do conjunto.

A qualidade de buscar do que há de geral e de individual nas coisas, a análise das relações entre as coisa e suas características, que vem a ser procedimento essencial na elaboração do conceito, começa a ter importância no estabelecimento de novas relações da

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coisa conceituada e na descoberta de novos atributos seus, além da identificação de suas qualidades mais importantes (principalmente aquelas que forem reconhecidas como as mais gerais e mais essenciais aos objetos ou fenômenos conceituados), o que irá permitir a estruturação dos conceitos. Pois, o conceito se inicia na identificação de uma característica descritiva mais essencial e mais geral, retirada dos dados da descrição individual e que passa a representar a coisa conceituada.

A reunião de objetos em classes (grupos homogêneos) caracterizados pela presença ou ausência de um traço comum, tomado como critério de sistematização, é um procedimento intelectual que, na maioria da vezes, se pratica mais ou menos automática e mais ou menos inconscientemente, sempre que se tem que lidar com coletividades. O pensamento inteligente, desde a construção dos conceitos e juízos, inclui o procedimento classificatório em sua estrutura em seu seu elenco de possibilidades metodológicas. . E o exercício da linguagem também; pois, seria impossível empregar critérios abstratos para analisar e classificar se este processo não fosse estruturado pela linguagem, se não se tratasse de uma estrutura lógica verbalizada. Além disto, o processo classificatório, é um procedimento fundamental para superar o momento descritivo do conhecimento e promover seu ingresso no momento explicativo por meio da capacidade de generalizar.

O conceito de classe é extremamente abrangente e dotado de imensa possibilidade de generalização. Contudo, por este motivo torna-se impreciso e deve ser usado com cuidado na linguagem científca, Seus muitos sentidos tornam-no imprestável para o emprego em Filosofia da ciência, a não ser que seja definida a exata conotação com a qual se apresenta em cada caso e em um determinado contexto. Por isto, é muito comum que seja empregado adjetivado, como em classe social, classe econômica, classe taxonômica, entre outros sentidos. Pessoa instruída não emprega o conceito de classe sem que sua adjetivação seja óbvia, ainda que possa não estar explícitada.

Classificação, Elo da Descrição, Conceituação e Explicação

A classificação é um instrumento inteligente que permite libertar o conhecimento da imobilidade da descrição e possibilita-lhe conhecer melhor as coisas do mundo por meio da descoberta da sua explicação. Tanto no conhecimento comum, quanto no conhecimento científico, a classificação pode ser usada como instrumento da superação da descrição e surgimento da explicação. Na dialética do conhecimento, a explicação costuma nascer da descrição e o momento descritivo da cognição faz surgir o momento explicativo. O rearranjo dos componntes de um sistema permite entender melhor as possíveis relações que etretenham entre si.

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A classificação pode ser usada tanto como instrumento do conhecimento comum, quanto do conhecimento científico, como ecurso que possibilita a superação da descrição e surgimento da explicação. Na dialética do conhecimento, a explicação costuma nascer da descrição e o momento descritivo da cognição faz surgir o momento explicativo.

Com o emprego da descrição, da classificação e da análise, na medida em que o conhecimento sobre uma categoria de coisas evolui e se amplia, o processo cognitivo de classificar vai deixando de empregar critérios descritivos (relacionados com sua forma e aparência) e passa a empregar critérios explicativos, sobretudo genéticos (que explicam sua origem, sua etiologia e sua patogenia, no caso dos fenômenos mórbidos); as indicações, o mecanismo de ação e os risco de emprego,no caso dos agentes terapêuticos.

Descrição, conceituação e explicação são procedimentos cognitivos progressivamente estruturados e complexos que estão em permanente interação, retro-alimentando-se e se aperfeiçoando mutuamente. Como resultado da descrição, da conceituação e da explicação, os conhecimentos se desenvolvem como uma espiral ascendente, na qual, cada patamar resulta dos anteriores e, simultaneamente, os enriquece, enriquecendo a si mesmo com isto. Existe, portanto, interação, reciprocidade e inter-relação permanentes neste sistema em permanente desenvolvimento que é o conhecimento. Um dos meios pelos quais se dá (e que alimenta) esta interação permanente é a classificação, o que confirma o caráter sistêmico do conhecimento.

Mesmo na construção do conhecimento comum, o processo classificatório talvez seja o procedimento inteligente mais importante e mais comum para permitir cultivar essa interação dinâmica e torna o procedimento cognitivo mais eficaz. Ao contrário do que muitos pensam a classificação não é apenas um instrumento para o aperfeiçoamento cognitivo da descrição (porque, inicialmente, a classificação como que unifica a conceituação e a descrição promovendo seu mútuo enriquecimento); noutro pólo deste processo, a classificação permite ao conhecimento analítico-descritivo passar a sintético-explicativo. Por isto, pode-se dizer que a descrição precede e prepara a explicação; e que o momento descritivo do conhecimento deve anteceder ao momento explicativo, mas se enriquece e se sofistica com ele.

A classificação não é apenas um instrumento para o aperfeiçoamento cognitivo da descrição (porque, inicialmente, a classificação como que unifica a conceituação e a descrição promovendo seu mútuo enriquecimento). Noutro pólo deste processo, a classificação permite ao conhecimento analítico-descritivo passar a sintético-explicativo e esta é sua função mais importante como recurso para conhecer e aperfeiçoar o

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conhecimento. Por isto, pode-se dizer que a descrição precede e prepara a explicação; e que o momento descritivo do conhecimento deve anteceder ao momento explicativo, mas se enriquece e se sofistica com ele. Como se pode reconhecer na história do amadurecimento da Biologia com a classificação de Lineu e na Química, com a classificação dos elementos de Mendeleiev.

Embora o processo classificatório seja essencial para a elaboração, o desenvolvimento e o manejo dos conceitos, mesmo do senso-comum, não se deve supor que a classificação como instrumento cognitivo se limite a ser um procedimento construtivo exclusivo do conhecimento vulgar, do senso comum. Pois, os procedimentos classificatórios são muito utilizados na construção do conhecimento científico, porque permitem a divisão de um contingente de objetos ou fenômenos, contidos em um conceito mais abrangente, em outros conjuntos menos abrangentes ou, mesmo, em indivíduos, de acordo com algum critério pré-estabelecido que predefina cada um destes indivíduos, grupos ou séries encontrados.

O critério que reúne cada um desses sub-conjuntos permite identificar um traço característico seu.

Classificação e Conhecimento Científico

A classificação não é apenas um instrumento para o aperfeiçoamento cognitivo da descrição (porque, inicialmente, a classificação como que unifica a conceituação e a descrição promovendo seu mútuo enriquecimento). Noutro pólo deste processo, a classificação permite ao conhecimento analítico-descritivo passar a sintético-explicativo e esta é sua função mais importante como recurso para conhecer e aperfeiçoar o conhecimento. Por isto, pode-se dizer que a descrição precede e prepara a explicação; e que o momento descritivo do conhecimento deve anteceder ao momento explicativo, mas se enriquece e se sofistica com ele. Como se pode reconhecer na história do amadurecimento da Biologia com a classificação de Lineu e na Química, com a classificação dos elementos de Mendeleiev.

O procedimento classificatório é um instrumento cognitivo bastante eficaz em qualquer dos campos do conhecimento porque possibilita ampliar e reelaborar qualitativamente aquilo que se sabe sobre as entidades individuais contidas nas totalidades coletivas e, por isto mesmo, igualmente saber cada vez mais sobre as totalidades que contêm aqueles indivíduos. Embora se empregue muito a classificação no conhecimento comum, ela tem sido superlativamente importante para o desenvolvimento do conhecimentos científico.

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Classificação e Conhecimento Científico

Embora o processo classificatório seja essencial para a elaboração, desenvolvimento e manejo dos conceitos, mesmo do senso-comum, não se deve supor que a classificação como instrumento cognitivo se limite a ser um procedimento construtivo exclusivo do conhecimento vulgar, do senso comum. Pois, os procedimentos classificatórios são muito utilizados na construção do conhecimento científico, porque permitem a divisão de um contingente de objetos ou fenômenos, contidos em um conceito mais abrangente, em outros conjuntos menos abrangentes ou, mesmo, em indivíduos, de acordo com algum critério preestabelecido que predefina cada um destes indivíduos, grupos ou séries encontrados.

A história do conhecimento científico mostra o quanto os procedimentos classificatórios foram importantes para o desenvolvimento das ciências naturais. A tábua periódica do elementos químicos elaborada por Mendeleiev e a classificação dos seres vivos por Lineu constituíram o marco fundamental da modernização da química e da biologia. As classificações científicas assinalam o ápice e a ultrapassagem da fase analítico-descritiva de uma ciência e seu ingresso no estágio dedutivo-explicativo. A classificação, enquanto instrumento do conhecimento científico, denomina-se classificação heurística e preditiva. O que só acontece dentro de determinadas condições.

As classificações podem ser simples ou complexas; podem traduzir de forma melhor ou pior as relações entre as coisas que ordenam; podem ser úteis ou inúteis para algum fim determinado; ou podem ser eficazes ou ineficazes, na medida em que podem ser frutíferas ou estéreis em uma dada direção, como por exemplo, a construção do conhecimento científico (no caso das classificações heurísticas) ou outra finalidade qualquer (no caso das classificações utilitárias, como as catalogações). Uma classificação pode ser tecnicamente bem construída ou pode ser uma tolice taxonômica. Pode atender às exigências de uma boa classificação ou não. Pode ser utilitária ou científica. O que não pode é ser utilitária, artificial e heterogênea e pretender ser um instrumento científico.

Quando se estuda a construção do conhecimento científico, verifica-se que as únicas modalidades de classificação utilizáveis produtivamente na elaboração e no desenvolvimento do conhecimento científico são naturais e homogêneas.

O procedimento classificatório que considera cada elemento caracterizável por si mesmo como uma categoria taxonômica independente em relação às demais, é a classificação conceitual ou categorial. Isto é, é uma classificação que ordena seus elementos como se cada um deles fosse qualitativamente diferente dos demais. Pois, seu critério classificatório produz este resultado.

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Nas classificações, por isto mesmo chamadas conceituais ou categoriais, porque cada um de seus níveis taxonômicos pode ser mencionado como um conceito particular, cada um destes subconjuntos obtidos pelo emprego deste procedimento, deverá ser uma unidade conceitual por si mesma, definível e reconhecível por suas próprias características. Estas classificações categoriais se diferenciam das dimensionais, nas quais cada entidade taxonômica é um momento ou uma dimensão da totalidade considerada como um continuum indivisível, a não ser convencionalmente.

Para PLATÃO classificar consiste em distribuir as qualidades de uma totalidade por uma hierarquia de classes, formando como que uma espécie de “rede” de conhecimentos, à semelhança de uma árvore que, através de seus galhos, fosse se desdobrando e se simplificando à medida em que passasse de um nível para outro. CAIO PRADO Jr., 1 expõe as duas maneiras opostas pelas quais as pessoas tentam conhecer a realidade.

A primeira, se inicia na identificação dos indivíduos isolados, caminhando para identificar que grupos homogêneos podem ser formados com estes elementos, que devem ser reunidos, depois, para fazer descobrir suas relações com os demais e, assim, conhecer a constituição da totalidade. A busca do conhecimento sobre o todo a partir do que se sabe sobre seus componentes particulares e sobre seus elementos, suas partes individuais.

Na segunda maneira de se buscar o conhecimento da realidade, considera-se antes que tudo a existência da unidade da totalidade e, depois, estuda as relações existentes dos conjuntos em seu interior para chegar ao conhecimento dos indivíduos e à individualidade, (aquilo que caracteriza cada indivíduo ou espécime).

Uma das características do processo cognitivo filosófico chamado método dialético é que ele dirige o espírito para o conhecimento da individualidade através do estudo da totalidade, do conhecimento da particularidade através do estudo da generalidade e do indivíduo isolado através da investigação de suas relações com os demais e com o mundo. O que se combina com a concepção sistêmica do mundo e do conhecimento que se tem sobre ele.

Parece equívoco cognitivo se prender a uma destas abordagens parciais e só aparentemente antinômicas, quando se pode empregar dialeticamente as duas.

Em um grande número de ciências, como a Biologia (com a classificação de LINNEU), a Química (com a classificação de MENDELEIEV) e a Patologia (com as numerosas classificações de patologias elaboradas nos dois últimos séculos), por exemplo, o procedimento classificatório sistematizado forneceu os elementos

1 Prado Jr., (Notas Introdutórias à Lógica Dialética, Ed Brasiliense)

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cognitivos necessários para o seu desenvolvimento científico, permitindo-lhes passar da fase analítico-descritiva à hipotético-explicativa, da indutiva à dedutiva no processo de desenvolvimento e maturidade científica.

Praticamente todos os ramos da Medicina, sobretudo na clínica, tiveram o momento decisivo de sua evolução de atividade empírica para atividade científica na classificação de sintomas, de síndromes, de modos de evolução, de tipos de início ou terminação, de resposta terapêutica das patologias que constituíam seu objeto de atenção.

Quando analisadas como procedimentos cognitivos, científicos ou não, se constata que as classificações podem ser criações heurísticas, instrumentos mais ou menos artificiais do conhecimento. Isto é, as classificações são artifícios cognitivos criados para facilitar ou ampliar o conhecimento que se tenha sobre as coisas classificadas. Dessa forma se assemelham à identificação e à nominação de um ente qualquer na experiência cognoscente de alguém. Por isso as classificações são essencialmente diferentes dos conhecimentos provenientes diretamente das descobertas das coisas da natureza. Porque não são objetos naturais, são construções lógicas artificiais, criações cognitivas, embora possam se referir a objetos naturais ou tê-los como objetos. Ao empregar qualidades essenciais das coisas como critério norteador da classificação, o classificador as identifica como tais. Ao descobrir seu caráter essencial, descobre o que há de mais importante sobre ela.

Este é um aspecto que deve ser destacado neste assunto, as classificações podem se referir a entes naturais, reais ou a entidades abstratas. Quando, por exemplo, se agrupam um conjunto de pessoas levando em conta sua escolaridade, tal procedimento resulta de um artifício, mas reúne indivíduos reais e um conjunto taxonômico real.

Objetivos das Classificações

Como instrumento cognitivo, particularmente como instrumento do conhecimento científico, as classificações costumam ter dois objetivos gerais destacados: = a) instrumento de conhecimento (finalidade heurística), ou = b) facilitar um trabalho que exija a mobilização de um conjunto mais ou menos complexo ou uma série mais ou menos extensa (finalidade prática ou utilitária)Sem esquecer que cada classificação específica ou cada conjunto particular de classificações costuma ter seus próprios objetivos (específicos e particulares) que sempre exercem influência em seus resultados. A transformação das classificações científicas em instrumentos do conhecimento científico depende muito de sua objetivação. Isto é, de sua libertação dos propósitos subjetivos de quem as elabora ou emprega.

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Em geral, as classificações podem ter duas finalidades principais:

- a finalidade heurística (instrumento do conhecimento, principalmente do conhecimento científico) ou

- a finalidade pragmática (ter uma finalidade útil qualquer).

Baseando-se na finalidade para a qual foi elaborada, as classificações naturais e homogêneas podem ser:

- classificações heurísiticas e

- classificações pragmáticas.

Do ponto de vista da descrição como instrumento de cientificidade, o objetivo da ciência é criar uma classificação que tenha a possibilidade de ser um bom instrumento cognitivo, na medida em que seus critérios produzam sistematizações que correspondam, representem ou reflitam o mais fielmente possível as coisas classificadas, tal como elas existem na natureza, na sociedade, no homem ou no pensamento lógico.

A despeito de poder sistematizar entes naturais, a classificação não é ela mesma, uma coisa natural. Mas, como acontece com qualquer procedimento descritivo, na medida em que empregue como taxa atributos essenciais e reais da coisa classificada, permitem conhecer mais e melhor esta coisa.

As classificações são artefatos cognitivos e culturais, construções lógicas. Por isto, não há classificações certas ou erradas, assim como não há nomes certos ou errados para as pessoas, objetos e acontecimentos, embora possa haver descrições ou conceituações falsas ou a atribuição de nomes falsos a quem já os tem diferentes.

Classificação e Evolução Científica

Nem todas as disciplinas da ciência compartilham a mesma origem, as ciências podem se originar de dois processos que podem ser denominados de processo geração primário e processo gerador secundário.

No primeiro caso, uma nova disciplina científica provém do aperfeiçoamento do conhecimento comum sobre um aspecto do mundo e finda por adquirir estatuto científico, por satisfazer as exigências de cientificidade.

A Psicologia surgiu assim. Como um ramo da Filosofia que se desprendeu de seu tronco original. A Anatomia se originou do conhecimento prático sobre o corpo humano.

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No segundo caso, a institucionalização de uma disciplina científica resulta da divisão de uma outra ciência já reconhecida, pela subdivisão de seu objeto. Como aconteceu com as diversas disciplinas científicas originadas da Química, da Física ou da Matéria Médica.

A Matéria Médica era a ciência médica que tratava dos remédios e tratamentos. Dividiu-se em Farmacologia, Farmacognosia, Farmacodinâmica, Terapêutica.

Uma nova ciência pode provir do aperfeiçoamento do conhecimento comum sobre um aspecto do mundo ou pode resultar da divisão de uma outra ciência já reconhecida, pela sub-divisão de seu objeto. No primeiro destes processos, uma ciência pode surgir naturalmente, pelo acúmulo mais ou menos gradual de conhecimentos e de meios de conhecer referentes a um objeto específico, o objeto daquela ciência.

Neste caso, a atividade científica se inicia pelo processo de nomear os objetos e fenômenos mais evidentes em seu campo de interesse e vai se acumulando um patrimônio de conhecimentos; este patrimônio se desenvolve ampliando-se o número de coisas conhecidas e aumentando o conhecimento que se tem sobre elas, até que se obtenha um acervo mínimo de conceitos, categorias, juízos e leis que versem sobre os objetos e fenômenos existentes na área do mundo que é tida como o objeto daquela ciência, sua massa crítica de informações científicas. Pela segunda maneira, o surgimento de uma ciência pode resultar, como que por cissiparidade, de outra pré-existente, tendo herdado sua maturidade cognoscitiva e metodológica da ciência mãe. Quando os conhecimentos de uma ciência se avolumam e se aprofundam, ela tende a se dividir, como sucedeu com a física e a química. Neste caso, a ciência original cresce muito em seu conteúdo e o acúmulo resultante obriga à sua divisão em duas ou mais outras, de forma a tornar aquele campo do conhecimento alcançável por seus cultores.

Os procedimentos clássicos de qualquer ciência (entendida como buscasistemática de conhecimento fidedigno e válido), se iniciavam no reconhecimento preliminar das características dos objetos e fenômenos componentes daquele segmento da natureza que pretendessem estudar (a evidenciação e o momento descritivo). Este, que é o momento inical de todo conhecimento, mesmo vulgar, foi o método que quase toda atividade científica, ao menos em seus primeiros passos, empregou para a identificação de entidades ou individualidades singulares.

LINEU, MENDELEIEV e PINEL exemplificam quanto um processo classificatório natural pode servir ao desenvolvimento de uma ciência em fase inicial, ajudando-a a se libertar do momento contemplativo e passar ao experimental.

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Algumas atividades científicas chegaram a se iniciar pela tarefa de classificação, como aconteceu com a biologia que se estruturou como ciência moderna a partir da classificação de LINEU que reuniu a sistematização e a nominação.

Na história das ciências, o termo do momento da conceituação, que está sendo chamado aqui de conceituação nominativa, nominação, designação ou notação, inicialmente descritivo, é o que caracteriza e evidencia o nascimento de uma disciplina científica (porque não pode haver disciplina científica sem que este momento se tenha cumprido).

No processo de conhecer, o momento da nominação ou nomenclatura deve ser seguido pela fase de classificação; fase que corresponde ao momento analítico-descritivo daquela atividade (científica ou não), uma vez que o conhecimento científico nunca se referem a objetos ou acontecimentos isolados, mas sempre a classes de objetos ou fenômenos, porque o procedimento científico de classificar permite conhecer mais sobre as relações dos entes classificados entre si e, assim, aperfeiçoam o conhecimento que se tem sobre eles. E, assim, o conhecimento passa do meramente descritivo ao explicativo.

A descrição precede a explicação e é essencial para ela.

É exatamente por isto que, em um momento posterior do processo cognitivo, quando o momento analítico-descritivo já tiver frutificado suficientemente, virá o momento de pesquisa das definições genéticas ou a fase explicativo-dedutiva (como se poderá ver logo adiante, quando se tratar da explicação e da definição).

Considera-se o momento evolutivo analítico-descritivo como um estágio menos desenvolvido cognitivamente da atividade científica do que o explicativo-dedutivo, porque suas possibilidades heurísticas e preditivas são nitidamente menores, como será evidenciado adiante. Realmente, mesmo do ponto de vista do senso comum, explicar é muito mais importante do que descrever. Porque não se conhece realmente, algo que não possa ser explicado.

O instrumento cognitivo classificatório pode ser um meio eficaz para superar o momento analítico-indutivo-descritivo e ingressar no momento sintético-dedutivo-explicativo, como aconteceu na história de numerosas ciências, inclusive a Psicopatologia quand do seu surgimento no início do século XX. Porque a classificação completa a descrição, permite conceituação cada vez mais adequada e propicia o aparecimento da explicação pela seleção dos componentes cadavez mais essenciais.

A necessidade de se delimitar (e ter definido da melhor maneira possível) o mundo de coisas a ser classificado é um aspecto

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preliminar que interessa a todo conhecimento, inclusive ao diagnóstico e permite sua tipificação. Da mesma maneira que é necessário definir, o melhor possível, cada patamar classificatório obtido neste processo. No caso do conhecimento das enfermidades, o diagnóstico vem a ser um destes patamares particulares - descritivo, no diagnóstico sindrômico e explicativo, no diagnóstico nosológico.

O diagnóstico é um tipo de reconhecimento e se caracteriza por seu objeto ou por sua técnica, por exemplo, o diagnóstico radiológico.

Mais recentemente surgiu um procedimento diagnóstico caracterizado pela atividade do profissional que o executa, o diagnóstico de enfermagem (o diagnóstico dos cuidados especificamente de enfermagem que um paciente apresente. Procedimento que tem sido construído para fazer amadurecer o estatuto profissional dessa profissão.

O diagnóstico medico é um procedimento de reconhecimento do objeto de trabalho ou caso profissional médico, que tem por objetivo a identificação das patologias visando quatro objetivos: a) permitir comunicação sobre aquela entidade; b) explicar sua etiologia e mecanismo patogênico; c) fundamentar a terapêutica, programas de reabilitação e outros cuidados e, finalmente, d) possibilitar o prognóstico. O diagnóstico deve ser a identificação das condições de um doente que sintetize suas necessidades e possibilidades de cuidados. O diagnóstico médico não é um diagnóstico feito por médico, mas o diagnóstico a serviço da Medicina (ciência específica da qual saíram muitas outras, inclusive muito do que é científico nelas).

Os nomes das coisas conhecidas vão se enriquecendo de significado à medida que se conhece mais sobre elas. Isso ocorre em qualquer nível do desenvolvimento do processo de construção do conhecimento. Em cada um deles, os conceitos expressos pelos vocábulos denominadores (ou outros símbolos que se usem para expressar os fenômenos ou objetos a conhecer, desde os mais simples aos mais complexos,) serão tão mais eficazes como instrumento de comunicação e de conhecimento quanto mais exatamente refletirem as qualidades mais essenciais daquele objeto ou fenômeno a que se referirem.

Analogamente, a organização sistêmica destes conceitos em uma classificação que leve em conta as exigências de unidade, totalidade e, sobretudo, de inter-relações sistêmicas, será tão melhor, quanto mais sua organização for determinada a partir de um táxon que reproduza um elemento essencial da existência natural das coisas classificadas. Porque, em uma classificação natural, o objetivo não é inventar uma nova ordem ou disposição para as coisas naturais, mas ensaiar ou simular muitas, para

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descobrir aquela que (ao menos aparentemente) reflita mais fielmente sua existência real (na natureza, na sociedade ou no pensamento) para os fins que se pretende.

Principalmente porque, em uma classificação natural, o objetivo não é inventar uma nova ordem ou disposição para as coisas naturais, mas ensaiar ou simular muitas, para descobrir aquela que (ao menos aparentemente) indique ou reflita mais fielmente sua existência real (na natureza, na sociedade ou no pensamento) para os fins que se pretende. Isto porque, de certa maneira, quando se classifica, e se ressistematiza, muda-se a ordem natural ou não das coisas, ordem à qual estão habituados nossa percepção, nosso julgamento, nossas representações e as noções mais ou menos estereotipadas que se tem sobre aquele conjunto e mudar, sobretudo, os paradigmas conceituais sobre as coisas que existem fora ou no interior dele, para rearranjá-los de maneira diversa, empregando para este rearranjo um critério classificatório que reordene as coisas segundo outro parâmetro; um exercício de fazer-de-conta, de simular como seria se ..., ou como seria se não ...

O critério classificatório é a noção diretora que preside esta re-arrumação no plano verbal. Porque tem esta qualidade de substituir a experiência da diferença, para suprir a necessidade de imaginar o que poderia acontecer diante de determinadas circunstâncias, é que o procedimento lógico de classificar desempenha papel tão importante na edificação do saber, na aquisição do conhecimento sobre o mundo. De certa forma, portanto, classificar é simular uma reordenação do mundo conhecido que faça sentido, é mudar a perspectiva de apreciação, é transformar descrição em explicação e, por isto, mudar quantidade em qualidade.

As classificações são instrumentos descritivos por excelência, é verdade. Mas também é verdade que são instrumentos científico da busca da explicação. Ainda que sejam instrumentos cognitivos relativamente toscos e primitivos, crendo-se que sejam abandonados depois de cumprirem suas finalidades, quando o conhecimento da ciência que necessita delas ultrapassar este momento inicial e entrar em uma fase explicativa e qualitativa, dispondo de recursos mais sofisticados para criara e investigar hipóteses.

A despeito disto, por enquanto, as ciências que se encontram na fase análiticodescritiva de sua evolução têm que se conformar com seu uso. Isto coloca uma contradição dentro da Medicina, entre as ciências mais maduras e as menos desenvolvidas, ainda que estejam na mesma área de conhecimento, como a psicologia social, a psicopatologia ou, mesmo, a clínica, quando comparadas com as neurociências e com a neuropsicofarmacologia.

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Noutro plano, como mostra MOLES, 2 a direção do trabalho das classificações busca uma ordenação qualitativa das coisas classificadas, pois a classificação que poderia ser tida por ótima, seria qualitativa. O que coloca esta técnica de descrição em confronto com a tendência atual da ciência que é claramente quantitativa. Neste momento, caracterizado pelo reviver do positivismo, mais voltada para um mundo de tipos que para um mundo de relações. Este é um dado curioso pouco entendido (ou desentendido) por muitos que estudam epistemologia. A classificação que foi, inicialmente, um instrumento positivista e meramente descritivo, hoje pode ser um recurso dialético e sistêmico de explicar por causa de sua tendência a identificar os dipolos dialéticos e estudar suas relações.

Este é um dado curioso pouco entendido (ou desentendido) por muitos que estudam epistemologia. A classificação que foi, inicialmente, um instrumento positivista, hoje pode ser um recurso dialético por causa de sua tendência a identificar os dipolos dialéticos e estudar suas relações.

CLASSIFICAÇÃO DAS CLASSIFICAÇÕES

O conhecimento das classificações, como o de qualquer outro objeto cognoscente, pode e deve se beneficiar da aplicação do método classificatório em sua elaboração e avaliação como procedimentos cientificamente reconhecidos. Tendo em vista esta consideração, as classificações podem ser classificadas de várias maneiras, principalmente na dependência de seu propósito.

As modalidades mais conhecidas de classificação são as seguintes:

= simples e complexas,

= categoriais e dimensionais,

= naturais e artificiais,

= homogêneas e heterogêneas,

= heurísticas e utilitárias.

Adiante dar-se-á uma breve notícia sobre cada um destes tipos.

Classificações Simples e Complexas

Uma classificação pode ser considerada como simples quando qualquer um de seus patamares classificatórios contenha três ou menos elementos. Porque esta parece ser a quantidade máxima com a qual o pensamento humano trabalha com facilidade. A partir

2 Moles, A., A Criação Científica, ed. Perspectiva, S.Paulo, 1971, p.134.

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desta marca, a classificação começa a ser considerada complexa até se tornar ininteligível, mesmo por um sábio. A classificação mais simples possível, que se baseie em um único táxon ou princípio organizador, é chamada classificação monotética. Quando se baseia em muitas variáveis (ou critérios classificatórios) este tipo de taxonomia deve ser denominado classificação politética. O valor científico e pragmático de uma classificação se inicia em sua simplicidade. Quanto mais simples, melhor.

Classificação Natural e Artificial

As classificações também podem ser ordenadas levando-se em conta numerosos outros critérios de sistematização. Entretanto, para reconhecer as classificações naturais deve se usar como critério, a essencialidade de seu táxon em relação aos elementos do universo classificado e sua homogeneidade como sistema lógico, porque este é o critério que pode ser considerado mais importante na inestigação científica em Medicina. Provavelmente, do ponto de vista da Filosofia da ciência, a maneira mais útil de classificar as classificações seja pela natureza de seu critério classificatório, como se viu atrás, e este critério permite dividi-las em classificações naturais (quando seu táxon é uma propriedade essencial do fenômeno classificado) e classificações artificiais (quando a escolha de seu critério classificatório decorre do objetivo da classificação e não represente uma característica essencial das coisas classificadas), ainda que estas designações sejam muito criticáveis.Para alguns autores as classificações naturais devem ser chamadas hierarquizadas e as artificiais, não hierarquizadas. Esta denominação não parece correta por que a hierarquização ou a não hierarquização não é a característica mais essencial destes tipos de classificação, embora as classificações naturais tendam a retratar a hierarquização da natureza.

Por outro lado, há quem afirme que uma classificação é hierarquizada quando cada nível representar um grau assinalado por um traço essencial seu, que o caracterize como indivíduo, espécie, gênero, família, classe. Na verdade, seria muito mais lógico pretender que uma classificação fosse hierarquizada quando nela se estabelecerem relações de subordinação entre seus elementos; mas, mesmo nesta eventualidade, melhor seria falar em relações taxonômicas hierarquizadas que em classificação hierarquizada.

Não se pode esquecer que, mesmo as classificações naturais, correspondem a construções heurísticas, a construtos que contêm, sempre, alguma artificialidade e que sua estabilidade temporal vai depender do significado da propriedade que houver sido eleita para táxon. Pois, nunca é demais que se repita, por mais concretos que sejam os objetos dos ordenados em uma classificação, o

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critério que for usado para sistematizá-los será sempre produto de uma abstração.

Na medida em que se conhece mais e mais alguma coisa, pode-se mudar aquilo que se considera como essencial nela. Daí porque, pode-se afirmar ser bastante possível que um atributo tido como o mais essencial de uma coisa ou processo, em um dado momento do conhecimento, não seja reconhecido assim, no momento seguinte; e que um traço tido como essencial de um certo ponto de vista, pode não ser de outro. Por tudo isto, seria melhor dizer classificação a partir do essencial e do acessório.

Não é demais repetir que unicamente as classificações naturais, isso é, aquelas que levem em conta atributos essenciais das coisas e dos processos estudados devem ser chamadas classificações científicas.

As demais, fundamentadas em características acessórias, são apenas classificações utilitárias. Pretender fazê-las científicas, revela incapacidade ou, simplesmente, uma conduta científica fraudulenta. Porque, muitas vezes, neste procedimento de ordenara e reordenar os elementos de um conjunto de coisas que suas características mais gerais e mais essenciais podem ser identificadas.

Classificação Homogênea e Heterogênea

As classificações podem ser construídas a partir de um ou de vários critérios de classificação. Considerando-a uniformidade do critério em cada patamar taxonômico, as classificações podem ser classificadas em homogêneas e heterogêneas. Uma classificação rigorosa e completamente homogênea é aquela que decorre do emprego de um único critério de classificação (táxon). Contudo, por não haver qualquer necessidade de rigidez quanto a isto, uma classificação pode ser considerada homogênea se todos os elementos classificados em cada patamar taxonômico forem escolhidos pelo mesmo táxon.

Por exemplo, um grupo de pessoas é classificada: no primeiro patamar pelo sexo, no segundo pela idade, no terceiro pela escolaridade, no quanto pela naturalidade. Esta classificação é homogênea. Já se forem classificadas pelos sexo em um grupo masculino e um grupo feminino; o primeiro destes grupos for ordenado pela idade e o segundo pela altura, já se tem um excelente exemplo de classificação heterogênea. É isto que vem acontecendo com as listas nosográficas contemporâneas (tanto as classificações da associação psiquiátrica Americana, DSM, quanto a da Organização Mundial da Saúde, CID/10). São programas nosográficos (e não nosológicos) e heterogêneos.

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Na CID/10 e nos DDSSMM, 3 a heterogeneidade compromete sua cientificidade, embora não exerça, necessariamente influência sobre a utilidade que se pretende de seu emprego na prática.

Nas classificações homogêneas, cada nível taxonômico é organizado segundo o mesmo ou os mesmos critérios. Nas classificações heterogêneas, diferentes critérios se misturam em cada um dos seus níveis, isto é, uma classificação é chamada de homogênea quando emprega o mesmo táxon em cada um de seus níveis. O emprego de mais de um critério classificatório em cada nível resulta em classificações heterogêneas.

É muito difícil acreditar porque e como, instrumentos ideológicos tão obviamente falhos, como são estas listas nosográficas, acabam por se transformar em fontes de preparação de psiquiatras, no primeiro manual de psiquiatria em uso por estudantes e residentes. Na referência obrigatória da maioria dos programas formativos de especialistas que substituem os tratados mais detalhados por estes resumos.

Classificação Heurística (Natural) e Utilitária (Artificial)

As classificações heurísticas são aquelas cujo objetivo é ser instrumento do conhecimento, enquanto que as classificações utilitárias se prestam unicamente para ordenar pragmaticamente algumas coisas segundo o interesse de quem o faz. A ordenação dos objetos e fenômenos em grupos homogêneos em função de alguma característica comum é uma das maneiras mais elementares de raciocinar e de ampliar o conhecimento sobre as coisas.

As classificações empregadas como instrumento de conhecimento científico (as classificações, por isto mesmo, denominadas heurísticas), como já se viu, devem se iniciar pela descrição precisa e sistemática dos objetos ou fenômenos a classificar, o que se constitui no momento descritivo-analítico da classificação.

No momento cognitivo, a descrição torna-se um instrumento da classificação e, ao mesmo tempo, seu resultado. Porque a classificação enriquece a descrição, ao ponto de possibilitar a construção do conceito e a permitir inferir explicações ou, o que é mais comum, possibilitar a construção de hipóteses explicativas.

A classificação dos conceitos que simbolizam objetos materiais ou conceituais implica na utilização simultânea de dois mecanismos: o 3 Todos os catálogos nosográficos produzidos pela Sociedade Americana de Psiquiatria, desde o primeiro DSM, são classificações heterogêneas e isto as invalida como instrumentos heurísticos e científicos, como mostram muitos autores que as estudaram como Henry Ey, por exemplo (Études Psychiatriques, vol. 3, p. 25).

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de apreender o objeto (e, assim, singularizá-lo) e o de estender seu conteúdo para outros conceitos que partilhem aquele atributo com ele e com ele se identifiquem (de modo a coletivizá-lo). Quando se dispuser de informações acerca da explicação do fenômeno ou objeto que estiver sendo conhecido (ou seja, o essencial do conteúdo) dos fenômenos classificados, a sistematização passa a se fundamentar em dados explicativos (o momento analítico-explicativo).

Nenhuma classificação há de ser um instrumento científico satisfatório, se os objetos ou fenômenos que ordenar não estiverem previamente bem especificados; bem descritos; bem categorizados (ou conceituados) e, por fim, bem explicados e definidos. Por tudo isto, a evidenciação, a descrição e a nominação são os momentos mais precoces (ainda que integrados) da elaboração subjetiva do conhecimento e a nomenclatura (seja de um conceito descritivo ou explicativo) o primeiro patamar de uma ciência enquanto sistema lógico reconhecido como científico. Sobretudo, não se deve confundir uma classificação científica com a nomenclatura que pode e costuma ser utilitária.

Classificar e Catalogar.

Uma classificação é chamada natural, quando seu critério classificatório é um elemento essencial da estrutura que classifica e artificial (ou catalogação) quando seu critério representa algum traço aciental ou característica accessória das coisas classificadas. é importante ter sempre presente que apenas as classificações homogêneas e naturais podem ter valor heurístico e, portanto, serem  lidos de conhecimento, principalmente do conhecimento científico, ainda que não se possa ou se deva tentar absolutizar o valor heurístico.

Classificação Natural

A classificação natural é um tipo de organização hierarquizada dos elementos do conceito mais amplo que se pretende classificar, feita a partir de uma qualidade essencial sua; prosseguindo o processo de organização, num segundo passo, subdividindo-se o restante obtido, já aí considerado a nova totalidade a subdividir, até que se defina uma qualidade que identifique apenas um indivíduo da série, num processo lógico denominado análise.

Este tipo de classificação se denomina natural porque estas ordenações sistemáticas refletem a ordem encontrada nas coisas da natureza.

Porque o critério classificatório é um atributo essencial das coisas classificadas, ele permite conhecer sempre mais sobre aquelas coisas. Por isto, as classificações naturais são chamadas heurísticas

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ou científicas (ou, ainda, classificações filéticas, baseadas em características filogenéticas dos organismos vivos).

Uma classificação natural deve ter cada um de seus níveis taxonômicos definido por um critério (o seu táxon) que deve corresponder a uma qualidade essencial da totalidade composta pelos elementos classificados naquele patamar classificatório; e, por isto, esse táxon deve ser caracterizador de toda a subdivisão resultante de seu emprego porque enquadrada por aquele critério. Isto porque, por definição, a classificação natural utiliza como critério analítico uma propriedade essencial do material original a ser analisado e aquele atributo, eleito como táxon, vai determinar e definir toda a categoria do nível inferior que passa a existir como um conjunto em função dele.

Cada um dos critérios classificatórios (taxa, plural de táxon) das classificações naturais deve corresponder a uma condição essencial dos objetos ou processos naturais classificados. Partindo de uma concepção sistêmica da natureza, como é uma importante tendência epistemológica contemporânea, ao se descobrir a característica essencial de um conjunto de objetos ou processos naturais, descobre-se a chave de sua explicação e da construção de predições válidas sobre aquilo. O que constitui, afinal, os dois objetivos mais importantes da ciência. Quando se trata de fenômenos naturais, aplicação direta destas informações parece muito razoável e há um século vem rendendo dividendos valiosos para as ciências da natureza. O que não tem acontecido para as ciências da sociedade e para as ciências do homem. Muito provavelmente porque, a despeito da natureza sistêmica da estruturação de seus objetos e de seus fenômenos, tem havido naquelas ciências uma intrusão de valores, critérios e procedimentos adequados às ciências naturais, mas inservíveis na investigação da sociedade e do ser humano.

Classificar é exercitar o método analítico para ampliar o conhecimento sobre um conjunto de coisas, mas este objetivo somente será atingido, enquanto instrumento da metodologia científica, quando resultarem em classificações naturais. A classificação é um modelo exemplar da análise como procedimento racional e da descrição como instrumento do conhecimento, de todas as modalidades de conhecer.

A classificação natural é um tipo de organização hierarquizada dos elementos do conceito mais amplo que se pretende classificar, feita a partir de uma qualidade essencial sua; prosseguindo o processo de organização, num segundo passo, subdividindo-se o restante obtido, já aí considerado a nova totalidade a subdividir, até que se defina uma qualidade que identifique apenas um indivíduo da série, num processo lógico denominado análise.

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Este tipo de classificação se denomina natural porque estas ordenações sistemáticas refletem a ordem encontrada nas coisas da natureza. Porque o critério classificatório é um atributo essencial das coisas classificadas, ele permite conhecer sempre mais sobre aquelas coisas. Por isto, as classificações naturais são chamadas heurísticas ou científicas (ou, ainda, classificações filéticas, baseadas em características filogenéticas dos organismos vivos). Por isto, quando em uma classificação (ou em um nível taxonômico de uma classificação) se emprega como táxon um atributo que não seja uma característica essencial (ou um elemento importante do conteúdo) do conjunto classificado, aquela classificação não pode ser considerada como um instrumento do conhecimento científico.

Numa classificação de doenças, por exemplo, quando se escolher a etiologia como táxon, isto resultará em uma classificação natural, porque se trata de um atributo natural e essencial, mas escolher a presença deste ou daquele sintoma pode ser ou não. Pois se sabe que, se bem que alguns sintomas sejam patognomônicos de certas enfermidades, a maioria deles é acidental e não conduz a nenhuma explicação sobre a sua natureza.

Quando se trata de fenômenos naturais, aplicação direta destas informações parece muito razoável e há um século vem rendendo dividendos valiosos para as ciências da natureza. O que não tem acontecido para as ciências da sociedade e para as ciências do homem. Muito provavelmente porque, a despeito da natureza sistêmica da estruturação de seus objetos e de seus fenômenos, tem havido naquelas ciências uma intrusão de valores, critérios e procedimentos adequados às ciências naturais, mas inservíveis na investigação da sociedade e do ser humano.

Nas classificações naturais, a escolha de um critério que corresponda a uma característica essencial da coisa classificada permite a utilização do fenômenos lógico analítico naquilo que interessa mais àquele objeto ou processo que está sendo classificado, ainda que este traço essencial seja descoberto após sucessivas tentativas.

As únicas classificações que devem ser chamadas de sistêmicas, aquelas que poderiam legitimamente ser denominadas sistemas classificatórios, são as classificações naturais estruturadas de acordo com o mínimo rigor metodológico em sua construção. Principalmente que obedecessem ao princípio de homogeneidade taxonômica. E, se isto ainda não existe, a despeito das muitas tentativas desde Boissier des Sauvages, é porque esta tarefa ainda não é viável.

A grande dificuldade de se estabelecer uma classificação natural e homogênea em Psiquiatria reside na dificuldade de identificar os atributos essenciais (e, mais ainda, o atributo mais essencial para um propósito qualquer) de cada grupo de fenômenos

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psicopatológicos por causa da extrema complexidade e ideologização da matéria.

Mesmo o senso comum informa que o dado essencial mais importante do conteúdo de uma condição patológica deva ser sua etiologia. Daí porque, jamais se construirá uma nosologia (classificação explicativa das enfermidades) verdadeiramente heurística, sem que se tenha certeza da etiologia dos fenômenos patológicos classificados. As nosografias (classificações descritivas das enfermidades) não se prestam a esta função.

Nas ciências naturais, como a Química e a Biologia, em cujo desenvolvimento inicial, os procedimentos classificatórios desempenharam papel crucial, evidenciam-se como o conhecimento descritivos que vão passando ao explicativo. Para que isso aconteça, os elementos de forma (descritivos) tomados como taxa, deverão ser substituídos por outros, etiológicos ou, de qualquer maneira, explicativos (dados de definição) porque este é o caminho natural da elaboração cognitiva: da forma para o conteúdo, da aparência para a essência, do simples para o complexo e, por isto, também caminha da descrição para a explicação do conhecimento dos seres para o conhecimento da natureza de suas relações.

Não é possível supor que uma ordenação baseada exclusivamente em dados descritivos informe sobre a essência das coisas ordenadas.

Classificação Artificial ou Catalogação

Uma ordenação de objetos deve ser chamada de catalogação ou classificação artificial, (sendo bem melhor denominá-la de catálogo, lista, listagem, rol) quando se origina em um táxon ou conjunto de taxa que não correspondem a características essenciais (tidas como não naturais, impropriamente chamadas artificiais) dos objetos ou fenômenos ordenados (como tamanho, peso, ordenação alfabética ou outra qualquer que não represente uma qualidade essencial do grupo). Nela, a escolha do critério da catalogação resulta só do arbítrio ou do interesse do ordenador.

O termo classificação artificial é impróprio porque toda classificação, já se disse, é uma construção humana e, portanto, artificial.

A rigor, as assim chamadas classificações artificiais não são classificações, obedecendo-se ao significado rigoroso deste termo.

Estas classificações que se baseiam em características aparentes, quando ordenam seres vivos podem ser chamadas classificações fenéticas (baseadas em características fenotípicas dos seres biológicos).

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A impropriedade da denominação classificação para as ordenações não classificatórias, como as listas alfabéticas ou quaisquer outras fundamentadas em atributos não essenciais das coisas ordenadas, tem exercido influência perniciosa no desenvolvimento científico e técnico, como é bem fácil de imaginar ou reconhecer.

No entanto, sabe-se que as possibilidades heurísticas de uma catalogação são mínimas, devendo ser inteiramente acidentais e casuais, cabendo-lhe unicamente importância pragmática para a finalidade para a qual tenha sido construída. Por isto, em geral, não tem utilidade científica e não contribui para o desenvolvimento da ciência e seu status científico é muito baixo. Talvez por esta razão, pode-se encontrar catalogações de fatos arquitetadas segundo critérios bastante acessórios que são apresentadas como se fossem classificações naturais.

Catalogar ou fazer um rol de objetos é construir uma classificação artificial. Nas classificações naturais, a escolha de um critério que corresponda a uma característica essencial da coisa classificada permite a utilização do fenômenos lógico analítico naquilo que é mais importante àquele objeto ou processo que está sendo classificado. Na catalogação, emprega-se o critério que interesse mais ao seu elaborador. O critério diferenciador de uma catalogação é determinado pela utilidade que se pretende daquela relação de coisas.

Numa classificação de enfermidades, por exemplo, se a utilidade que ela pretender for disciplinar os diagnósticos e homogeneizar os relatórios de produção de serviços (uma lista nosográfica), não haverá qualquer necessidade da classificação ser heurística. Talvez até deva ser um catálogo de fácil utilização e adequada para aquilo que está destinado.

Contudo, se a pretensão for produzir uma nosologia que possibilite tratar enfermos e facilite o avanço do conhecimento sobre aquelas enfermidades, a trabalho terá que ser produzir uma classificação natural e, por isto, científica.

Classificações Clássicas e Prototípicas

As classificações clássicas operam com categorias características que formam conjuntos homogêneos.

As classificações prototípicas operam com protótipos (modelos ideais) que servem de referência. Nas primeiras dá-se a tendência de supervalorizar as semelhanças e a ignorar as diferenças. Nas segundas, a maior ou menor proximidade em relação ao protótipo pode se dar em qualquer dos traços característicos escolhidos para

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o protótipo. Nelas, o elemento diferencial é dado pelo que for típico naquele objeto classificado.

As nosografias psiquiátricas vigentes estão cada vez mais comprometidas com este segundo tipo.

Classificações Empíricas e Inferenciais

As classificações empíricas consideram apenas dados observáveis empiricamente.

As classificações inferenciais, como a denominação sugere, podem ser consideradas como dados inferidos a partir de modelos teóricos de referência.

Classificações Categoriais e Dimensionais

Quando se ordenam os objetos classificados segundo a estrutura de sua representação gráfica, elas podem ser categoriais ou conceituais (principalmente as tipologias ou classificações tipológicas) e dimensionais.

As classes nas classificações dimensionais não são mais que momentos diferenciados de um continuum conceitual, como acontece quando se ordenam grande número de pessoas em função da altura, do peso ou de uma aptidão qualquer. A classificação das doenças funcionais, como diabete, ou certas patologias estruturais, como o astigmatismo, se fazem melhor pelo processo dimensional. Mas, quando houver a necessidade de classificar diferentes enfermidades funcionais ou estruturais, então será necessário adotar um procedimento categorial.

Conceituar é o processo cognitivo de sintetizar em uma palavra, ou em uma expressão verbal com mais de uma palavra, os atributos tidos como mais essenciais e mais gerais que se reconhece (ou que se supõe reconhecer) em um objeto, um processo ou em um fenômeno qualquer objetivo ou subjetivo.

Categorias (conceitos-chave ou conceitos-mestres) são conceitos de tal maneira gerais sobre um certo aspecto particular do mundo, que expressam as propriedades e as leis mais amplas e mais essenciais daquele nível de organização da natureza, da sociedade ou do pensamento a que se refiram (v.g. categorias filosóficas, epistemológicas, histológicas, farmacológicas, psicológicas ou as de cada uma das ciências específicas).

Dimensão é a denominação que se empresta a todo plano, grau ou direção em que se possa efetuar uma investigação ou executar uma ação; sentido em que se mede uma extensão para avaliá-la; número mínimo de variáveis necessárias à descrição analítica de um conjunto; entre outros sentidos.

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Na investigação médica, em geral, as classificações categoriais se prestam melhor para ordenar condições patológicas resultantes de alterações estruturais, enquanto as dimensionais, servem melhor para sistematizar os fenômenos resultantes de perturbações funcionais.

Na prática, sabe-se que os transtornos de funcionamento orgânico ou do desempenho pessoal costumam ser identificados antes que se possa conhecer as alterações estruturais que estejam relacionadas a eles. Sobretudo quando se consideram os diferentes níveis estruturais (tissular, celular, molecular, atômico e sub-atômico) capazes de ocasionar disfunções no organismo e no psiquismo ou causar sofrimento e incapacitação.

Classificação Categorial ou Conceitual

Nas classificações categoriais cada elemento classificado, qualquer que for sua posição na hierarquia taxonômica, está definido em relação aos demais e perfeitamente diferenciado deles em função do critérrio classificador. Em uma classificação categorial dois elementos iguais não podem ocupar lugares diferentes no sistema taxonômico, assim como dois elementos diferentes não podem compartilhar o mesmo nicho classificatório.

As classificações categoriais são organizadas em etapas hierarquizadas, os níveis classificatórios, que contêm elementos como classes, gêneros, espécies e indivíduos (estes, representados pelos objetos singulares ou fenômenos individuais porque entes que podem ser tidos como indivisíveis) e cada um destes níveis taxonômicos pode ser representado por categorias ou por conceitos que os nominam com a precisão possível naquele momento do conhecimento e são qualitativamente diversas entre si; cada um deles deve ser distinto dos demais com os quais não se confunde e definido por si mesmo.

Numa classificação categorial, por definição, cada objeto ou fenômeno classificado deve corresponder a uma entidade definida por si mesma e bem delimitada conceitualmente em relação às demais. Por exemplo, se a classificação for de sintomas, a entidade é um sintoma; se de síndromes, uma síndrome; se de doenças, uma doença se de padrões de evolução, um padrão de curso; se de resposta terapêutica, um tipo de resposta terapêutica. As classificações categoriais não se prestam bem para ordenar fenômenos de uma mesma qualidade que se diferenciem dos demais apenas por uma variação de quantidade como acontece no chamado continuum conceitual.

Tudo isto considerado, pode-se pretender que nas classificações categoriais, cada rubrica taxonômica ou categoria classificatória corresponde a:

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a) um conceito definido, um elemento essencial quantitativa ou qualitativamente diferenciável dos demais;

b) um objeto ou um fenômeno conceitualmente determinado e bem definido por suas próprias características, sejam estas essenciais ou não e que, através delas, pode ser reconhecido;

c) um objeto ou fenômeno, ou um conjunto de objetos ou de fenômenos, cujos limites sejam definidos por eles mesmos, pela presença ou ausência daquelas suas próprias características que foram empregadas como taxa e que, por causa desta qualidade podem ser identificados por si mesmos.

Nas classificações dimensionais, os elementos classificados não se diferenciam como entidades singulares, mas como momentos diferentes de um processo, como gradações apenas quantitativas de um continuum conceitual. As classificações dimensionais são estruturadas como conjuntos de componentes diferenciáveis apenas quantitativamente (razão pela qual a quantificação lhes é indispensável).

Classificação Dimensional

As classificações dimensionais têm seus elementos classificados distribuídos graficamente, segundo os critérios utilizados, em dimensões espaciais utilizadas simultaneamente, sem que haja ou deva haver qualquer descontinuidade nítida entre cada um deles e os demais. Nelas, é algum elemento apenas quantitativo que diferencia cada momento da coisa classificada.

Os objetos ou fenômenos, ordenados em uma classificação dimensional, não podem ser diferenciados qualitativamente dos demais, distinguindo-se uns dos outros unicamente pela variação quantitativa de seu atributo (a dimensão) tomado como táxon naquele procedimento classificatório.

Numa nosografia dimensional, um diagnóstico não corresponde a uma entidade clínica diferenciada, apenas significa que o caso diagnosticado ocupa determinada posição relativa aos demais do mesmo tipo no espaço multifatorial, com relação à sua característica que presidiu a classificação. Nos processos patológicos deficitários, como a Deficiência Mental, a classificação empregada é, naturalmente, dimensional.

Quando se pré-definem os acontecimentos patológicos como continuidades ou variações apenas quantitativas dos fenômenos psíquicos não patológicos, tender-se-á, naturalmente, tentar usar procedimentos classificatórios dimensionais em psicopatologia.

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Podem-se ordenar as classificações dimensionais em três tipos, levando em conta o número de critérios utilizados simultaneamente nelas: classificações unidimensionais ou quadros classificatórios de uma dimensão (quando se opera com um único táxon de cada vez em cada patamar da classificação); classificações bidimensionais ou quadros classificatórios de duas dimensões (quando se utilizam dois taxa simultaneamente); e classificações tridimensionais ou quadros classificatórios com três dimensões (quando se utilizam três taxa simultaneamente).

O espírito humano parece limitado a imaginar só três, não tendo possibilidade de representar mais de três dimensões. Por isto, não há classificações maiores do que as tridimensionais.

Classificação Monodimensional

Com uma classificação monodimensional usa-se apenas um critério classificador, por isto os elementos classificados são dispostos em uma única linha do espaço na qual pode-se enfileirar todos os elementos classificados.

Pode-se trabalhar com diversos tipos de classificações monodimensionais.

Lineares: representada graficamente por uma linha; sem hierarquização, como uma classificação de diabete que levasse em conta apenas a glicemia, na qual os elementos classificados são coordenados; ou

Hierarquizada, como uma classificação de neoplasias com alguns tipos de tumores subordinados a outros.

Em leque ou em árvore: como a antiga classificação das espécies vivas, na qual cada divisão pode ser subdividida indefinidamente); a classificação das ciências de Piaget; ou a classificação das doenças mentais de Kleist.

Circulares: quando não são hierarquizadas e não há qualquer importância na posição de um dos elementos em relação aos demais.

Classificação Bidimensional

A classificação bidimensional emprega um critério no eixo da abcissa e outro no da ordenada, classificando os elementos posições relativas simultaneamente a ambos; de modo que ficam dispostos, ao mesmo tempo, em diversas linhas de um único plano do espaço. A ordenação dos índices obtidos pela relação entre o peso e a altura fornece um bom exemplo de classificação bidimensional.

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As seguintes características permitem avaliar as classificações bidimensionais:

a) pertinência que se refere à estrutura lógica de cada um dos níveis taxonômicos (se os ratos fazem parte dos roedores e os roedores fazem parte dos quadrúpedes, os ratos fazem parte dos quadrúpedes);

b) a vizinhança que sugere a evolução, quando há uma nítida continuidade entre os dois elementos empregados, como por exemplo, a noção de séries animais;

c) os quadros com duas dimensões utilizam dois critérios distintos; introduzem, além das propriedades precedentes, como a noção de casa, a de famílias de casas verticais ou horizontais que são subconjuntos de propriedades.

Classificação Tridimensional

As classificações tridimensionais são instrumentos taxonômicos que utilizam três critérios empregados simultaneamente e distribuídos em três eixos, altura, largura e profundidade de um gráfico, resultando em representações gráficas tridimensionais, espaciais; estas classificações podem resultar tão complexas que se coloquem fora das possibilidades de processamento pelo pensamento, por causa do grau de complexidade que apresentam.

Eysenk e Sheldon empregaram classificações tridimensionais para estudar e descrever a personalidade. Eysenk empregava os conceitos de psicoticidade, neuroticidade e introversão-extroversão. Sheldon, os de ectomorfia, mesomorfia e endomorfia combinados com viscerotonia, somatotonia e cerebrotonia. Todos classificavam os tipos encontrados em função da relação que se estabelecesse entre os três pares de fatores em correlação.

Dimensionalidade e Axialidade

Não se deve confundir a noção de dimensionalidade com a de axialidade. Erro que está se tornando cada vez mais comum por causa da noção de eixos taxonômicos introduzida pela nosografia norte-americana. Nem se deve confundir a quantidade das dimensões de um quadro classificatório (representada pelo número de critérios empregados em cada quadro e representados cada um deles em uma das dimensões do espaço: comprimento, altura e profundidade) com os "eixos" utilizados pelas novas taxonomias nosográficas. Nas nosografias atuais, como a CID/10, os eixos são recursos empregados para compatibilizar em um único quadro diferentes taxonomias, construídas com diferentes critérios e com naturezas distintas. Na verdade, nas tabelas nosográficas, ao que parece, esses eixos são alternativas de especificação diagnóstica destinados para cada tipo de condição clínica ou para cada tipo de patologia diagnosticada sem que haja a necessidade de se

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empregar um critério único para transformar aquilo em um primeiro patamar taxonômico.

As ordenações axiais podem resultar em um processo analítico, na medida em que os eixos se superpõem sem se integrar, mas não precisam ser dimensionais, como na maioria das vezes não o são.

Em geral, como nas catalogações nosográficas atuais, os emprego dos eixos são um recurso para compatibilizar taxonomias categoriais ou categoriais e dimensionais em uma unidade esquemática, mas não una unidade ou uma totalidade taxonômica.

Nas classificações dimensionais, nas quais se confundem os conceitos de eixo e dimensão, e cada uma delas é um eixo taxonômico, suas dimensões e seus eixos são limitados a três. Mas, isto não significa que os eixos que se superponham em todas as classificações sejam dimensões taxonômicas. Nas classificações categoriais que empregam eixos, estes eixos não são dimensões e nem teriam porque ser. Como não o são nas listas nosográficas no mercado.

O conceito de classificação multi-axial dos DSMs findou por ser acompanhado pela CIDs. O processo de classificação bi ou tridimensional se dá simultaneamente nos dois ou três planos que integram dois ou três critérios classificadores e o diagnóstico final é uma síntese que integra aqueles dois critérios em um ponto do espaço. O diagnóstico chamado multi-axial é um processo de sucessivas classificações superpostas do mesmo conjunto, variando o táxon e, com isto, produzindo diversos diagnósticos. Um diagnóstico analítico ou uma sucessão justaposta de diagnósticos sintéticos. No entanto, na maioria das vezes, uma sucessão de diagnósticos sintéticos justapostos não se transforma em um diagnóstico analítico.

Nosologia é uma taxonomia de enfermidades (de condições patológicas). Nosografia é uma taxonomia de diagnósticos descritivos (de conceitos diagnósticos descritivos).

Uma classificação nosográfica multi-axial não é nem necessita ser, necessariamente, dimensional, muitas vezes podendo corresponder, unicamente, a multi-diagnósticos simultâneos de um mesmo caso clínico. Sendo que, em cada eixo, quase sempre correspondente a uma classificação categorial. Nas listas nosográficas vigentes, como a CID/10 e os DSM, cada entidade clínica representa um diagnóstico categorial elaborado do ponto de vista de um critério diferente.

Os eixos psicopatológicos mais comuns são: síndromes e sintomas, causa, curso, características da personalidade, nível do desenvolvimento, estressores psicossociais, desempenho pessoal.

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8.3. Conceituação, Conceituação Nominativa

ou Nominação Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

Conceituar é o processo cognitivo de sintetizar em uma palavra, ou em uma expressão verbal com mais de uma palavra, os atributos tidos como mais essenciais e mais gerais que se reconhece (ou que se supõe reconhecer) em um objeto, um processo ou em um fenômeno qualquer, seja ele objetivo ou subjetivo. Assim, para quem tenha assimilado aquele conceito, aquela palavra passa a representar e a evocar a coisa nominada por ela. A rigor, a conceituação se inicia quando o cognoscente começa a dispor de informações descritivas sobre a coisa conhecida, amadurece em sua nominação e só se completa quando a coisa é explicada e definida.

Como ocorre aos demais aspectos do pensamento, em que se distingue o processo psicológico do resultado deste processo, deve-se busacar diferenciar o conceito resultante do processamento mental da capacidade conceitual empregado para construir este conceito. Capacidade conceitual é o atributo psicológico que permite relacionar a ideía de uma coisa com a de seus atributos e formar os conceitos. A capacidade conceitual decorre da integridade dos recursos neuro-psicológicos que a mantêm. O conceito sofre incisiva influência da representação que a cultura faz da coisa conceituada; por isto, todo conceito, a par de uma produção individual, é também uma produção cultural. Em tese, o

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procedimento de conceituar se confunde com a construção da nominação. A nominação consiste na atribuição de um nome à coisa conceituada; a atribuição de uma palavra que sirva como designação da coisa nominada. O que não deve ser confundido com nomeação que consiste em publicar um nome, chamar um nome, apelar pelo nome.

A nominação de uma coisa encerra o momento mais importante da construção de seu conceito. Construir um conceito é um processo simultaneamente psicológico, lógico e cultural pelo qual, em primeiro lugar, tendo se evidenciado seu objeto e o sujeito estruturado alguns elementos descritivos; a seguir, em um segundo momento, estabelece-se algumas relações entre aquele objeto ou fenômeno e seus atributos conhecidos na descrição (momento analítico da conceituação); e, em um terceiro momento, o momento sintético da conceituação, quem conceitua elege o atributo (ou os atributos) mais gerais e mais essenciais que passam a servir para sintetizar a ideia do objeto ou fenômeno conceituado. Todo conceito, por maior que seja sua objetividade e por mais objetivo que seja seu objeto está, sempre, mais ou menos sujeito à influência dos valores da cultura, aos padrões de pensamento vigentes e às atitudes de quem o elabora.

Denominam-se construtos (ou objetos conceituais) às criações mentais, como os conceitos, as proposições e as teorias. Tal construção sofre a influência de fatores objetivos e subjetivos, naturais e culturais porque são criações subjetivas, por mais que possam corresponder ou refletir a realidade objetiva. Por isto, os conceitos podem ser considerados como os construtos elementares. Os construtos conceituais são os mais simples que podem ser elaborados.

A eles se seguem as proposições, os raciocínios e as teorias, 0s construtos lógicos mais complexos, vez que reúnem componentes de todas essas categorias.

As proposições, na medida em que envolvem pelo menos dois conceitos, são construtos mais complexos. Seguem-se os raciocínios, que envolvem concetitos e proposições encadeados logucamente. As teorias detêm ainda maior complexidade porque são elebaoradas como sistemas lógicos de conceitos e proposições.

Por isto, os conceitos podem ser considerados também como os construtos mais elementares. Os construtos conceituais são os mais simples que podem ser elaborados. As proposições, na medida em que envolvem pelo menos dois conceitos são construtos mais complexos. As teorias detêm ainda maior complexidade porque são elebaoradas como sistemas lógicos de conceitos e proposições.

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O conceito é a mais elementar das ideias inteligentes e o mais simples dos instrumentos do conhecimento. Do ponto de vista do seu conteúdo, os conceitos representam as unidades elementares da estrutura do pensamento e constituem o mais importante momento da edificação do conhecimento, mormente do conhecimento científico. Os conceitos considerados mais importantes para a atividade cognitiva na qual eles são elaborados, os conceitos-chave de uma ciência, denominam-se categorias.

É bem possível afirmar que se a conceituação somente está completa quando já se houverem acumulado na mente suficientes elementos descritivos sobre uma coisa de modo a permitir identificar, dentre eles, os que correspondem às características mais essenciais e mais gerais da coisa descrita e, por isto, possam sintetizá-la em uma unidade significativa. Neste momento se dá a nominação. Daí porque, pode-se dizer, também, que o conceito sintetiza em uma unidade lógica aquilo que uma ideia tem de geral, de particular e de específica (o que seria impossível sem a classificação).

O conceito descritivo permite o reconhecimento da coisa conceituada através de características de sua aparência e, assim, possibilita o primeiro momento sintético do conhecimento, até então, essencialmente analítico; quando se reconhece em um objeto algumas característica que possibilitam sua identificação em um conceito, está fechada a síntese (a garota do quarto andar, o rapaz do boné azul, o que está ao lado do Zé, o doutorando de plantão, o gordo, a loura).

O conceito explicativo há de ser o segundo momento desta fase de síntese, quando o conhecimento da origem de uma coisa ou de seu mecanismo principal, v. g., for suficiente para sua identificação (o filho do João, o professor de matemática, o empregado do açougue). O conceito explicativo se segue ao descritivo e o completa como instrumento cognitivo.

Nos conceitos se distinguem, sua extensão (o universo de objetos que abarca) e o conteúdo (os atributos ou qualidades da coisa conceituada que estão contidos nele).

Outra coisa que precisa ser destacada é o caráter dinâmico dos conceitos que se enriquecem à medida que se ampliam os dados descritivos e explicativos sobre a coisa conceituada e que, por isto, podem mudar sua forma, seu conteúdo ou ambos.

O conceito, iniciado na evidenciação, se enriquece na descrição e se configura na identificação (o conceito, propriamente dito que inclui a nominação porque o conceito se completa na designação) e prossegue se enriquecendo enquanto se enriquecerem as informações explicativas sobre a coisa conceituada, num processo permanente e sempre inacabado.

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O conceito é um instrumento lógico a serviço do processo cognitivo porque permite que o conhecimento sobre uma coisa se desenvolva contínuamente em um processo permanentemente inacabado em uma espiral progressivamente mais desenvolvida. A simplificação de grupos de entidades conceituais, correspondentes a conjuntos de coisas análogas ou idênticas, são o primeiro momento inteligente do conhecimento e a primeira instância da edificação do pensamento inteligente.

Por causa de sua plasticidade e possibilidades evolutivas (nesta tarefa de aproximar a coisa conceituada da significação de seu conceito), os conceitos são a síntese de cada momento do desenvolvimento daquilo que se conhece sobre uma coisa conceituada porque está sempre sendo enriquecido pela experiência, pela ampliação do conhecimento.

A nominação conclui a estrutura conceitual e permite a elaboração um sistema de sinais em que o nome da coisa passa a significar a ideia (ou, de certa maneira, uma representaç!ao da coisa nominada.

A conceituação constitui um passo decisivo na construção do conhecimento, no qual se identifica e adquire saber sobre a coisa cognoscente; por isto, se caracteriza por ser a etapa cognitiva da nominação, quando se atribui uma designação àquele objeto do conhecimento que fora evidencializado e descrito nos momentos anteriores.

A nominação fixa a informação que fora construída na individuação e permite que a coisa individualizada seja objeto de comunicação. Porque, mesmo quando se trata de fenômenos elementares ou relativamente simples, a comunicação sobre eles fica muito difícil ou, mesmo, impossível sem que tenha havido a nominação do objeto ou do fenômeno referido na comunicação, caso em que ele seria mencionado unicamente a partir de elementos descritivos ou explicativos.

Embora a estrutura cognitiva seja análoga em ambos os tipos de conhecimento, no comum e no científico, existe uma ponderável diferença de fiabilidade e de validade entre a conceituação vulgar e a conceituação científica. A transformação da palavra (recurso verbal do conhecimento vulgar) em termo (instrumento do conhecimento científico) assinala uma diferença essencial da comunicação.

Os simbolos verbais da linguagem comum se denominam palavras, enquanto os da linguagem científica são chamados termos. Embora a estrutura cognitiva se mostre análoga em ambos os tipos de conhecimento e de simbolização, na cognição comum e na

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científica, existe uma ponderável diferença de fiabilidade e de validade entre a conceituação vulgar e a conceituação científica. A transformação da palavra (recurso verbal do conhecimento vulgar) em termo (instrumento do conhecimento científico) assinala uma diferença essencial da comunicação.

Principalmente, porque o conceito enquanto instrumento do conhecimento científico, difere do conceito apenas instrumento do senso comum. A conceituação científica se distingue da conceituação do conhecimento vulgar, principal e obrigatoriamente, pelo seu rigor, universalidade de significado e necessidade de exatidão e não pela estrutura de seu processo como fenômenos psicológico. Por esta razão, é preciso estar alerta para não confundir estas duas instâncias verbais.

Sobretudo, quando se está iniciando no caminhos da ciência. Muita gente recusa os termos que expresam os conceitos científicos porque os consideram pedantes. Sentem-se como se estivessem apenas falando palavras difíceis ou pouco conhecidas para impressionar os circunstantes. Isto é um erro. A familiaridade com uma ciência depende, essencialmente, do domínio que se obtenha de sua terminologia e este domínio depende de exercício, coisa que deve ser conhecida por todos os que pretendem se dedicar à ciência.

A palavra empregada para designar uma coisa (que é chamada de objeto da conceituação), guarda, quase sempre, alguma correspondência com a natureza que se suponha ter esta coisa, ainda que sua natureza real seja, na verdade, completa ou quase completamente ignorada por quem a conceitua e nomeia. Isto, ainda que a conceituação (e consequente nominação daquela coisa) se destine unicamente a permitir comunicação sobre aquilo a que se refere.

A nominação é sempre um reflexo da impressão, ao mesmo tempo genérica e particular, que a coisa nominada provoca na consciência de quem elabora ou usa o conceito; desta maneira, um conceito pode ser empregado por seu emissor com um certo significado e entendido com outro pelo receptor, na dependência das circunstâncias nas quais se dá o intercâmbio verbal, principalmente em função do grau de conhecimento que tenham os interlocutores sobre a coisa nominada.

Um conceito não é um fenômeno objetivo, integra a realidade subjetiva e pode se referir a objetos reais ou a objetoss irreais.

As coisas reais do ponto de vista da experiência das pessoas, inclusive os cientistas, podem ser objetivas ou subjetivas (embora a convenção científica tenha por real apenas o dado subjetivo objetivado na conduta, mas isto é uma limitação momentânea).

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Os conceitos sobre o irreal podem ter este atributo claramente explicitado, como os mitos e os personagens de literatura que não se apresentam como partes da realidade. Mesmo assim, existe quem acredite na realidade deles, como há quem acredite na realidade de duendes, anjos, demônios e outras fantasias.

A determinação da realidade ou irrealidade e a concretude ou abstração do conteúdo de um conceito, seja confundida com sua própria existência existência. Assim, há quem atribua a concretude ou abstração daquilo que constitui o conteúdo de um conceito a ele mesmo. É por isto que os conceitos podem ser chamados de concretos e abstratos.

A conceituação e a convicção de realidade não se confundem com a existência real ou a irrealidade da coisa conceituada. Conceitos completamente fantásticos podem motivar grande convicção subjetiva e conceitos completamente consonantes com a realidade podem ser objetos de dúvida e desconfiança.

As modalidades dos conceitos podem variar segundo o tipo de conteúdo que eles comunicam (conceitos sobre o concreto e sobre o abstrato, para exemplificar); isto se observa com a diferenciação dos conceitos do senso comum dos conceitos superiores (filosóficos e científicos), quando são avaliados em termos de sua exatidão e da verossimilitude de seu significado.

O mesmo acontece quando se busca diferenciar os conceitos referentes a uma crença em um mito ou um conhecimento (comum-espontâneo ou científico-filosófico) sobre a natureza. Os conceitos científicos devem ser exatos e, sempre que possível, devem ter conhecida sua probabilidade de veracidade (verossimilitude).

Um dos principais atributos que diferenciam os mitos das lendas das lendas é o potencial que têm os mitos de se fazerem crer. Não apenas pelas pessoas menos instruídas e menos inteligentes.

Os conceitos variam segundo o tipo de conteúdo que eles comunicam (conceitos sobre o concreto e sobre o abstrato, para exemplificar); isto se observa com a diferenciação dos conceitos do senso comum dos conceitos superiores (filosóficos e científicos), quando são avaliados em termos de sua exatidão e da verossimilitude de seu significado. O mesmo acontece quando se busca diferenciar os conceitos referentes a uma crença em um mito ou um conhecimento (comum-espontâneo ou científico-filosófico) sobre a natureza. Os conceitos científicos devem ser exatos e,

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sempre que possível, devem ter conhecida sua probabilidade de veracidade (verossimilitude).

Os juízos são associações de conceitos entre sí de forma asseverativa; porque nos juízos, se afirma ou se nega um conceito a outro. O caráter especial dos juízos científicos (também chamados os enunciados ou proposições da ciência) é dado pelo caráter exato dos conceitos empregados em sua construção, enquanto termos científicos. Os raciocínios são articulações lógicas de cadeias de conceitos e juízos sob a forma de induções, deduções ou analogias para construir conclusões que permitam algum grau de generalização. Os conceitos, os juízos e os raciocínios são os elementos respectivamente mais complexos da estrutura do pensamento inteligente, tanto do conhecimento comum, quanto do conhecimento científico.

A conceituação científica pode ser subdividida em dois níveis de importância relativa para cada área específica do conhecimento:

- os conceitos e

- as categorias que podem ser aplicados indistintamente aos fenômenos naturais, aos fenômenos sociais e aos fenômenos lógicos e psicológicos.

A noção de categoria (conceito-chave em uma área do conhecimento) é um importante instrumento da ciência e, por isto, deve ser considerada particularmente por quem pretende avançar no estudo desta matéria.

Categorias

Em sentido estrito, como se usa aqui, denomina-se categorias (conceitos-chave ou conceitos-mestres, que também podem ser chamados de categorias conceituais) aos conceitos de tal maneira gerais sobre um certo aspecto particular do mundo, que expressam as propriedades e as leis mais amplas e mais essenciais daquele nível de organização da natureza, da sociedade ou do pensamento a que se refiram (v.g. categorias filosóficas, epistemológicas, histológicas, farmacológicas, psicológicas ou as de cada uma das ciências específicas).

Kant chamava categorias ao conceitos puros que independiam de quaisquer outros.

Também pode-se denominar categoria a um conceito mais ou menos bem bem descrito, ainda que inexplicado e mal-definido, uma noção. Mas, também pode ser chamado de noção um conceito descritivo, ainda que bem caracterizado. Como se vê, o conceito de

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categoria carece da necessária precisão e unicidade, devendo ter especificado seu sentido.

A atribuição da qualidade de categoria a um conceito depende, pois, da importância que ele tem especificamente para o ramo do conhecimento que estiver em questão. Um conceito pode ser uma categoria em um certo ramo do conhecimento e não o ser em outro.

Categorias dialéticas são as categorias compostas por conceitos que se referem a fenômenos aparentemente opostos, mas que se completam, na realidade, inexistem um sem o outro e traduzem, em sua aparente contradição, a unidade dialética do mundo. Categorias como generalização e especificação, abstração e concreção, matéria e energia, corpo e mente, simplicidade e complexidade e tantas outras que são consideradas as categorias dialéticas do campo do conhecimento filosófico, as categorias filosóficas.

As categorias filosóficas abrangem tudo o que existe na natureza (espaço e tempo, matéria e energia, o particular e o geral, essência e aparência, forma e conteúdo, necessidade e casualidade, possibilidade e realidade, o absoluto e o relativo). As categorias das ciências específicas são conceitos que refletem as propriedades e características mais essenciais do objeto daquela ciência em estudo e se referem às suas ideias fundamentais.

Cada ciência deve ter claras suas categorias, e seus conceitos mais importantes por sua amplitude e generalidade. Na Psicologia e Psicopatologia, se destacam as categorias: o psíquico e o somático, a consciência e a inconsciência, o prazer e a dor, a excitação e a inibição, o imediato e o mediato, o passado e o futuro (experiência e aspiração), o individual e o social, o objetivo e o subjetivo. Diversas ciências podem partilhar as mesmas categorias.

As categorias de uma nosologia são as entidades clínicas; quando se estuda as entidades clínicas, as categorias são as síndromes; do ponto de vista das síndromes, as categorias são os sintomas, o curso, o tipo de início, o término e outras caraterísticas descritivas. Já nas nosografias, as categorias ou os conceitos-mestres são os conceitos diagnóstico mais abrangentes, aqueles que ocupam os níveis mais elevados da classificação, os patamares taxonômicos superiores.

Nas nosografias, quando se estuda entidades clínicas, as categorias são as síndromes; para quem estuda as síndromes, as categorias são os sintomas, o curso, o tipo de início, o término e outras caraterísticas descritivas.

Já nas nosologias , as categorias ou os conceitos-mestres são os conceitos diagnósticos mais abrangentes, aqueles que ocupam os níveis mais elevados da classificação, os patamares taxonômicos superiores.

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É preciso ter em vista que as categorias ou conceitos-mestres de um campo de conhecimento, dependem do objeto de estudo. O emprego do conceito de categoria em classificação categorial ou pensamento categorial, como se fez anteriormente, é com o segundo sentido com que se usa o termo. Por causa disto, uma das primeiras tarefas de uma atividade científica, logo depois de delimitar se campo de conhecimento, há de ser proceder ao reconhecimento dos conceitos mais importantes que se albergam ali (as categorias daquela atividade científica).

Conceitos, Entes Lógicos, Psicológicos e Culturais

Os conceitos, as categorias e os juízos (inclusive as leis e os princípios científicos) são simultaneamente modos particulares de se relacionarem o sujeito e o objeto; são fenômenos psicológicos (porque resultam de uma determinada capacidade subjetiva psicológica ou uma elaboração mental e o resultado desta capacidade psíquica de conceituar, ajuizar ou elaborar categorias).

Os conceitos, as categorias, os juízos, as leis e os princípios também podem ser entendidos como entidades lógicas, na medida em que manifestam nexos inteligentes das relações do objeto conceitual com suas relações seguindo um certo tipo de articulação lógica. Ademais, os conceitos também são fenômenos culturais, na medida em que refletem e involucram as ideologias e os padrões de pensamento impostos pela vida social e pelos interesses da cultura (como os valores e os modelos de comportamento, por exemplo).

Os conceitos e as categorias se manifestam com três dimensões inseparáveis em a unidade significativa: a dimensão lógica, a dimensão psicológica e a dimensão social (notadamente sócio-cultural).

Parece impossível distinguir cada uma destas dimensões conceituais (embora se possa estimar sua influência relativa de cada uma delas). Os conceitos, inclusive os conceitos científicos, são entes cognitivos essencialmente psicossociais além de psicológico-individuais. Como fenômenos psicológicos, não se deve imaginar os conceitos apenas como categorias da psicologia geral, também têm seu ligar na psicologia social, na medida em que são fenômenos também culturais.

A medida da influência e os mecanismos ideológicos que influem na estruturação e no emprego dos conceitos são muito menos estudados do que deveriam ser. Não é por outra razão que os conecitos (denominados objetos conceituais na teoria do conhecimento) são denominados construtos, que são construções cognitivas simultaneamente individuais e culturais.

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Os conceitos, inclusive os conceitos científicos, são entes cognitivos essencialmente psicossociais além de psicológico-individuais. Como fenômenos psicológicos, não se deve imaginar os conceitos apenas como categorias da psicologia geral, também têm seu ligar na psicologia social, na medida em que são fenômenos também culturais.

Conceitos psicossociais com influência nitidamente afetiva como amor, lealdade, solidariedade, justiça, moralidade, apesar de edificados nos indivíduos e empregados por eles, também sofrem grande influência de fatores sociais (abstratos, como a cultura, e concretos, como a economia e os interesses materiais).

Caráter Simbólico-Verbal dos Conceitos

Todo conhecimento, qualquer que for sua complexidade, pode ser tido como uma estrura lógico-simbólica verbalizada, inclusive os conceitos. Não existem nem podem existir, conhecimento sem conceitos ou conceitos sem palavras. O conceito constitui a unidade elementar do pensamento e do conhecimento e a palavra é a sua dimensão material objetiva. Palavra, ideia e conceito formam uma totalidade inseparável (como se há de verificar adiante). A transformação de um conjunto sonoro vocálico em um símbolo verbal falado representou um dos componentes essenciais da humanização. O ser humano não pode ser entendido ou explicado senão como um ser falante. Ainda quer não deva ser reduzido apenas ou, mesmo, predominantemente a esta propriedade, que é apenas uma de suas dimensões essenciais, nem a qualquer outra.

Parece bastante provável que no processo evolutivo da humanidade, em um dado momento, alguém tenha notado a possibilidade de atribuir um significado a um gesto, um movimento um som vocalizado e isto tenha sido aprendido por outro que passou a repetí-lo naquela situação. Com o tempo, a significação atribuída mudou radicalmente não apenas o sinal usado como símbolo, mas o simbolizador. A edificação de uma linguagem simbólica que ultrapassasse a fase concreta (simbolização de coisas concretas) e chegasse à fase abstrata (simbolização de coisas abstratas) permitiu o surgimento do pensamento inteligente e abriu uma infinidade de possibilidades para os seres humanos.

O conceito, concreto ou abstrato, é sempre expresso por uma palavra, seu signo perceptível, sendo impossível existir conceitos, juízos ou raciocínios sem palavras, pois as estruturas lógicas e psicológicas chamadas juízos e raciocínios se configuram a partir de conceitos como seus elementos mais simples. Todo conceito é expresso por uma palavra ou outro símbolo que o represente. A palavra é o envoltório material da ideia que é comunicada por ela, além de símbolo da coisa a que a ideia e a palavra se referem, mas também é um elemento essencial da estrutura do conceito. Não obstante, é importante que se saiba que os conceitos não podem

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ser reduzidos às palavras que os expressam, nem os juízos e os raciocínios podem ser considerados meros jogos de palavras, dependentes apenas de seus significados convencionados e dos interesses de quem os nominou.

As arquiteturas lógicas das significações dos juízos e dos raciocínios deve refletir relações presentes na realidade, como o significado da palavra que representa um conceito deve representar a realidade da coisa a que ele se refere; o que configura a exigência de exatidão e de verossimilhança que deve estar presente em todo conhecimento e, obrigatoriamente, no conhecimento científico. Porque, já se viu, esta exigência deve ser muito mais premente quando se dá sua utilização científica, porque os termo (ou conceitos científicos) e os juízos científico devem ser exatos e correspondentes com a realidade, por definição.

Em uma estrutura conceitual, seja ela qual for, a palavra que expressa aquele conceito não substitui a ideia, se não no sentido que a simboliza, como simboliza também aquilo a que aquela ideia se refere e a palavra passa a simbolizar também. Por isto, pode-se afirmar que o conceito é uma estrutura lógica constante de uma ideia, expressa por uma palavra, que reflete as qualidades mais gerais e essenciais de uma coisa e a designa.

A palavra representa a ideia (no sentido de a reapresenta, representa e evoca), da mesma maneira que a ideia representa (reapresenta na consciência) a coisa a que ela se refere. Porque om ato ou procedimento de simbolizar consiste em apresentar o símbolo no lugar da coisa representada por ele.

O conceito integra em um amálgama, simultaneamente lógico e psicológico, a ideia, a coisa que é o seu objeto e a palavra que os representa, embora muito próximos, são essencialmente diferentes, sendo importante distinguir a coisa da ideia que o reflete e da palavra que expressa esta ideia e denomina o objeto. Doutro ângulo, o conceito expressa as relações que existem entre objeto a que ele se refere e suas propriedades. Sejam propriedades inerentes a este objeto (suas qualidades intrínsecas essenciais ou acidentais) ou propriedades que lhe são atribuídas pelas pessoas (os seus atributos)

Quando se trata de designar uma coisa concreta, com a qual a designação pode ser confrontada imediatamente, esta tarefa é relativamente fácil, mesmo para a linguagem comum, com sua dinamicidade e seu dinamismo. No entanto, quando se trata de designar (e, depois, definir) fenômenos abstratos, como sentimento, valores éticos, processos racionais, a tarefa se torna bem mais complexa e aí se inicia um tipo novo de linguagem: a linguagem culta ou literária, precursora da linguagem científica.

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A linguagem culta se diferencia da linguagem comum por ser mais estruturada, seus símbolos têm significados mais precisos e, principalmente, mais estáveis. Como toda linguagem técnica e científica, a linguagem da Medicina se originou da linguagem culta e a linguagem escrita da Medicina é um tipo particular de linguagem literária, a literatura médica (que se inicia nas observações clínicas).

De certa maneira, a linguagem culta constitui o elemento intermediário entre a linguagem vulgar (senso comum) de um lado, e a linguagem científica e filosófica, de outro. A apropriação da linguagem culta pelo povo, aquilo que pode ser chamado de democratização da cultura e do conhecimento, há de fazer desaparecer os limites valorativos entre as três modalidades basilares de conhecimento: o comum, o científico e o filosófico.

O objetivo de toda convivência civilizada deve ser integrar os cidadãos e ampliar cada vez mais sua igualdade. Ainda que se deva ter presente que a efetivação da igualdade e a declaração da igualdade são duas coisas bastante diferentes.

Ideia, Coisa e Palavra

As três dimensões conceituais, ou seja o objeto, a ideia e a palavra, embora sejam três dados cognitivos individualizados reconhecíveis por si mesmos (como três categorias da teoria do conhecimento) e três fenômenos individualizáveis por suas características próprias, na medida em que cada uma destas coisas tem sua própria definição, estão sempre inteiramente integrados na unidade lógica e psicológica do seu conceito.

A noção de conceito integra e sintetiza a palavra, a ideia e a coisa conceituada em um amálgama lógico e psicológico único e que não pode ser decomposto senão como uma exercício de análise. Igualmente, sabe-se que o conceito, ao apontar para as características mais gerais e mais essenciais da coisa conceituada, cria as condições para que ela seja explicada e definida e, tornar-se progressivamente mais rico e atualizado. Na verdade, não existe qualquer conceito que não constitua uma síntese perfeitamente integrada dessas três instâncias inseparáveis em sua unidade (ideia, coisa e palavra) e que, por causa de seu valor na estrutura conceitual, podem ser denominadas dimensões conceituais, porque sem elas não pode existir um conceito ou uma categoria.

O que aqui se denomina dimensões conceituais são as três dimensões do conceito: a coisa que é o objeto do conceito, a ideia que a reflete subjetivamente e a palavra que expressam e simboliza objetivamente tanto a coisa quanto a ideia. É possível, como acontece nos conceitos abstratos e nos conceitos dos processos subjetivos, que o objeto e a ideia se superponham a ponto de se confundirem.

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O conhecimento mais complexo só pode existir como uma estrutura lógica verbalizada; sendo impossível pensar e conhecer o conteúdo ou a essências das coisas sem as palavras (ou outros símbolos), porque, por mais concreta que seja a coisa, sua essência é sempre uma abstração. Isto se dá em todos os aspectos do conhecimento, tanto do conhecimento como processo de construção do saber, quanto como resultado deste processo de conhecer alguma coisa (o acervo de conhecimento); e, muito mais ainda, do conhecimento como manifestação da articulação lógica de ideias, do conhecimento como resultado do raciocínio.

A possibilidade psicológica de abstrair decorre da qualidade do pensamento inteligente, da capacidade simbólico-verbal; nenhum grau de abstração seria possível sem palavras. Porque é impossível abstrair sem elas ou outros recursos simbólicos que as substituam. Até a generaliação sobre coisas concretas, redundaria insuficiente até para o conhecimento vulgar. Ao mesmo tempo, seria impossível raciocinar sem abstrair ou generalizar.

Pensamento inteligente e linguagem são duas dimensões inseparáveis do conhecimento e absolutamente em interação; sendo impraticável determinar qual é primário ou secundário em relação ao outro ou, mesmo, separá-las na unidade do conceito. O conceito inexistiria sem palavras ou outros signos capazes de simbolizar os objetos, mas não se pode reduzir o conceito à palavra, como ele não pode ser reduzido à ideia que transmite. Esta característica que têm os conceitos, de serem essencialmente (mas não exclusivamente) verbais, ainda que sempre simbólicos, não se refere apenas aos símbolos dos conhecimentos mais elementares; pois se sabe que os conhecimentos mais complexos são, em verdade, sistemas conceituais, sistema simbólicos mais ou menos complexos, que podem ser organizados sob a forma de juízos ou de raciocínios ou de sistemas de teorias -conceitos, categorias, juízos e raciocínios.

Todo conhecimento, qualquer que for sua complexidade ou natureza, há de ter sua estrutura composta por três colunas-mestras:

- a coisa a conhecer (seja uma coisa concreta ou abstrata),

- uma estrutura de ideias e

- um símbolo verbal (ou não-verbal) que representa e materializa a coisa e a ideia e possibilita sua comunicação.

Questão cognitiva maior no estudo da epistemologia, no momento atual do estudo das ciência que confluem para a psiquiatria, é saber se as palavras são o próprio conhecimento ou unicamente sua expressão, porque esta é uma polêmica que ocorre frequentemente na ciência atual. Para os empiristas e pragmatistas de ascendência

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norte-americana, os novos nominalistas, as palavras são o objeto da investigação científica, não as coisa. Por isto, preocupam-se mais com os diagnósticos do que com as patologias como elementos da realidade. Consequentemente, confundem a nosotaxia (qualquer sistematização de enfermidades), a nosografia (organização sistemática dos diagnósticos) com e a nosologia (estudo das entidades clínicas, sistematização das entidades nosológicas a partir de seus elementos explicativos).

As formas das palavras, seus significados e seus conteúdos sintáticos são apenas dados convencionais, inexistindo uma relação direta entre o som das palavras e o significado que elas representam; mas o conhecimento que elas comunicam deve ser muito mais que uma convenção ou uma mera construção imposta pela utilidade. Não deve haver necessidade de saber se os conceitos se referem às palavras ou às coisas. Referem-se a ambos, porque as palavras, as coisas e as ideias são inseparáveis na unidade conceitual. Quando se menciona um diagnóstico, este deve se referir à uma patologia.

A Filosofia da ciência deve elucidar o problema lógico das relações recíprocas que se estabelecem entre o fato (abstrato ou concreto, que constitui o objeto ou acontecimento) expresso no conceito, o fenômeno subjetivo (ideia que reflete aquilo que se reconhece como as propriedades mais gerais e essenciais do fato conceituado) e a palavra (que simboliza, simultaneamente, o conceito e o fato). O amálgama resultante da união mental do objeto, ideia e palavra constitui, ao mesmo tempo, ação e reflexão, substituição da experiência e antecipação do futuro; por isto, se reflete não apenas na cognição, mas na afetividade.

Recordar ou empregar a palavra que denomina um objeto ou fenômeno qualquer é um comportamento corriqueiro e, em geral, não costuma provocar cogitações mais demoradas ou profundas.

É raro que alguém busque analisar aquele acontecimento como algo especial, mas qualquer um pode distinguir em seu mundo subjetivo a diferença entre a palavra, a ideia e o objeto, ainda que as três coisas pertençam ao mundo da realidade e estejam compreendidas no processo global de conhecer.

Conceituar é o processo simultaneamente psicológico cognitivo e lógico de sintetizar em uma palavra, ou em uma expressão verbal com mais de uma palavra, os atributos tidos como mais essenciais e mais gerais que se reconhece (ou que se supõe reconhecer) em um objeto, um processo ou em um fenômeno qualquer. seja seja este objeto, processo ou fenômeno algo objetivo ou subjetivo. Assim, aquela palavra passa a representar e a evocar a coisa nominada por ela. A rigor, a conceituação se inicia quando o cognoscente começa a dispor de informações descritivas sobre a coisa conhecida,

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amadurece em sua nominação e só se completa quando a coisa é explicada e definida.

É importante saber que esta separação do pensamento e da linguagem é unicamente um artifício didático (que só é possível como um exercício de análise) para melhor entender os processos cognitivos e a estrutura do conhecimento científico.

Como qualquer outro produto do pensamento, o conheciemnto (principalmente o conhecimento científico) constitui uma estrutura na qual o pensamento é o conteúdo e a linguagem a forma.

Capacidade conceitual é o atributo psicológico que permite relacionar a ideía de uma coisa com a de seus atributos e formar os conceitos. A capacidade conceitual decorre da integridade dos recursos neuro-psicológicos que a mantêm. O conceito sofre incisiva influência da representação que a cultura faz da coisa conceituada; por isto, todo conceito, a par de uma produção individual, é também uma produção cultural.

Nesse caso, como em outros semelhantes ou análogos, a forma e o conteúdo de um objeto, fenômeno ou processo não podem ser separados sob pena de desintegração da coisa estudada. E também é por isto que os formalistas do passado (verbalistas antigos e nominalistas medievais) e os logicistas modernos (representados pelos autores do Círculo de Viena) se ocupam apenas de um dos extremos desta síntese, permanecem presos a uma única das dimensões da totalidade do conhecimento, vítimas de sua própria parcialidade e da sua incapacidade de ver o todo.

Em tese, o procedimento de conceituar se confunde com a nominação. A nominação consiste na atribuição de um nome à coisa conceituada; a atribuição de uma palavra que sirva como designação da coisa nominada. O que não deve ser confundido com nomeação que consiste em publicar um nome, chamar um nome, apelar pelo nome.

A nominação de uma coisa encerra o momento mais importante da construção de seu conceito; o momento em que se lhe atribui o nome pelo qual passará a ser designado. Construir um conceito é um processo simultaneamente psicológico, lógico e cultural pelo qual, em primeiro lugar, tendo se evidenciado seu objeto e o sujeito estruturado alguns elementos descritivos; a seguir, em um segundo momento, estabelece-se algumas relações entre aquele objeto ou fenômeno e seus atributos conhecidos na descrição (momento analítico da conceituação); e, em um terceiro momento, o momento sintético da conceituação, quem conceitua elege o atributo (ou os atributos) mais gerais e mais essenciais que passam a servir para sintetizar a ideia do objeto ou fenômeno conceituado.

Todo conceito, por maior que seja sua objetividade e por mais objetivo que seja seu objeto está, sempre, mais ou menos

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sujeito à influência dos valores da cultura, aos padrões de pensamento vigentes e às atitudes de quem o elabora. Denominam-se construtos (ou objetos conceituais) às criações mentais, como os conceitos, as proposições e as teorias. Tal construção sofre a infuência de fatores objetivos e subjetivos, naturais e culturais porque são criações subjetivas, por mais que possam corresponder ou refletir a realidade objetiva.

Recordar ou empregar a palavra que denomina um objeto ou fenômeno qualquer é um comportamento corriqueiro e, em geral, não costuma provocar cogitações mais demoradas ou profundas. É raro que alguém busque analisar aquele acontecimento como algo especial, mas qualquer um pode distinguir em seu mundo subjetivo a diferença entre a palavra, a ideia e o objeto, ainda que as três coisas pertençam ao mundo da realidade e estejam compreendidas no processo global de conhecer. Por isso, os conceitos podem ser considerados também como os construtos lógicos mais elementares.

Os construtos conceituais são os mais simples que podem ser elaborados. As proposições, na medida em que envolvem pelo menos dois conceitos são construtos mais complexos. As teorias detêm ainda maior complexidade porque são elebaoradas como sistemas lógicos de conceitos e proposições. Os construtos mais complexos são as teorias que abrangem um grande número de conceitos, proposições e raciocínios em uma elaboração complicada.

O conceito é a mais elementar das ideias inteligentes e o mais simples dos instrumentos do conhecimento. Do ponto de vista do seu conteúdo, os conceitos representam as unidades elementares da estrutura do pensamento e constituem o mais importante momento da edificação do conhecimento, mormente do conhecimento científico.

Os conceitos considerados mais importantes para uma determinada atividade cognitiva na qual e para quel eles são elaborados, os conceitos-chave de uma ciência, denominam-se categorias. A conceituação somente se completa quando já se acumularem na mente elementos descritivos suficientes sobre uma coisa de modo a permitir identificar, dentre eles, os que correspondem às características mais essenciais e mais gerais da coisa descrita e, por isto, possam sintetizá-la em uma unidade significativa. Neste momento se dá a nominação. Daí porque, pode-se dizer, também, que o conceito sintetiza em uma unidade lógica aquilo que uma ideia tem de geral, de particular e de específica (o que seria impossível sem a classificação).

O conceito descritivo permite o reconhecimento da coisa conceituada através de características de sua aparência e, assim, possibilita o primeiro momento sintético do conhecimento, até

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então, essencialmente analítico; quando se reconhece em um objeto algumas característica que possibilitam sua identificação em um conceito, está fechada a síntese (a garota do quarto andar, o rapaz do boné azul, o que está ao lado do Zé, o doutorando de plantão, o gordo, a loura).

O conceito explicativo há de ser o segundo momento desta fase de síntese, quando o conhecimento da origem de uma coisa ou de seu mecanismo principal, v. g., for suficiente para sua identificação (o filho do João, o professor de matemática, o empregado do açougue). O conceito explicativo se segue ao descritivo e o completa como instrumento cognitivo.

Nos conceitos se distinguem, sua extensão (o universo de objetos que abarca) e o seu conteúdo (os atributos ou qualidades da coisa conceituada que estão contidos nele). Outra coisa que precisa ser destacada é o caráter dinâmico dos conceitos que se enriquecem à medida que se ampliam os dados descritivos e explicativos sobre a coisa conceituada e que, por isto, podem mudar sua forma, seu conteúdo ou ambos.

O conceito, iniciado na evidenciação, se enriquece na descrição e se configura na identificação (o conceito, propriamente dito que inclui a nominação porque o conceito se completa na designação) e prossegue se enriquecendo enquanto se enriquecerem as informações explicativas sobre a coisa conceituada, num processo permanente e sempre inacabado.

O conceito é um instrumento lógico a serviço do processo cognitivo porque permite que o conhecimento sobre uma coisa se desenvolva contínuamente em um processo permanentemente inacabado em uma espiral progressivamente mais desenvolvida.

A simplificação de grupos de entidades conceituais, correspondentes a conjuntos de coisas análogas ou idênticas, são o primeiro momento inteligente do conhecimento e a primeira instância da edificação do pensamento inteligente. Por causa de sua plasticidade e possibilidades evolutivas (nesta tarefa de aproximar a coisa conceituada da significação de seu conceito), os conceitos são a síntese de cada momento do desenvolvimento daquilo que se conhece sobre uma coisa conceituada porque está sempre sendo enriquecido pela experiência, pela ampliação do conhecimento.

A conceituação constitui um passo decisivo na construção do conhecimento; momento no qual se identifica e adquire um marco de saber sobre a coisa cognoscente. Por isto, se caracteriza por ser a etapa cognitiva da nominação, quando se atribui uma designação àquele objeto do conhecimento que fora evidencializado e descrito nos momentos anteriores.

A nominação conclui a estrutura conceitual e permite a elaboração um sistema de sinais em que o nome da coisa passa a significar a ideia ou, de certa maneira, uma representação da coisa nominada.

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A nominação fixa a informação que fora construída na indiciação (ou individuação) e permite que a coisa individualizada seja objeto de comunicação. Porque, mesmo quando se trata de fenômenos elementares ou relativamente simples, a comunicação sobre eles fica muito difícil ou, mesmo, impossível sem que tenha havido a nominação do objeto ou do fenômeno referido na comunicação, caso em que ele seria mencionado unicamente a partir de elementos descritivos ou explicativos.

Os simbolos verbais da linguagem comum se denominam palavras, enquanto os da linguagem científica são chamados termos. Embora a estrutura cognitiva se mostre análoga em ambos os tipos de conhecimento e de simbolização, na cognição comum e na científica, existe uma ponderável diferença de fiabilidade e de validade entre a conceituação vulgar e a conceituação científica. A transformação da palavra (recurso verbal do conhecimento vulgar) em termo (instrumento do conhecimento científico) assinala uma diferença essencial da comunicação.

Principalmente, porque o conceito enquanto instrumento do conhecimento científico, difere do conceito apenas instrumento do senso comum. A conceituação científica se distingue da conceituação do conhecimento vulgar, principal e obrigatoriamente, pelo seu rigor, universalidade de significado e necessidade de exatidão e não pela estrutura de seu processo como fenômenos psicológico. Por esta razão, é preciso estar alerta para não confundir estas duas instâncias verbais.

Deve-se estar alerta principalmente quando se está iniciando no caminhos da ciência e o espírito jovem está muito mais por inconformismo do que por espírito crítico.

Muita gente recusa os termos que expressam os conceitos científicos porque os consideram pedantes. Sentem-se como se estivessem apenas falando palavras difíceis ou pouco conhecidas para impressionar os circunstantes. Isto é um erro.

A familiaridade com uma ciência depende, essencialmente, do domínio que se obtenha de sua terminologia e este domínio depende de exercício, coisa que deve ser conhecida por todos os que pretendem se dedicar à ciência.

A palavra empregada para designar uma coisa (que é chamada de objeto da conceituação ou da verbalização), guarda, quase sempre, alguma correspondência com a natureza que se suponha ter esta coisa; ainda que sua natureza real possa ser, na verdade, completa ou quase completamente ignorada por quem a conceitua e nomeia.

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Isto se dá, ainda que a conceituação (e consequente nominação daquela coisa) se destine unicamente a permitir comunicação entre dois falantes sobre aquilo a que o conceito se refere.

A nominação é sempre um reflexo da impressão, ao mesmo tempo genérica e particular, que a coisa nominada provoca na consciência de quem elabora ou usa o conceito; desta maneira, um conceito pode ser empregado por seu emissor com um certo significado e entendido com outro pelo receptor, na dependência das circunstâncias nas quais se dá o intercâmbio verbal, principalmente em função do grau de conhecimento que tenham os interlocutores sobre a coisa nominada. Um conceito não é um sóo objetivo, constitui um processo psíquico e um procedimento subjetivo e lógico, uma abstração (embora possa se referir a conteúdos concretos).

O conceito integra a realidade subjetiva e pode se referir a objetos reais ou a irreais. As coisas reais do ponto de vista da experiência das pessoas, inclusive os cientistas, podem ser objetivas ou concretas e subjetivas ou abstratas (embora a convenção científica tenha por real apenas o dado subjetivo objetivado na conduta, mas isto é uma limitação momentânea). Os conceitos sobre o irreal podem ter este atributo claramente explicitado, como os mitos e os personagens de literatura que não se apresentam como partes da realidade. Mesmo assim, existe quem acredite na realidade deles, como há quem acredite na realidade de duendes, anjos, demônios, feitiços e outras fantasias.

A determinação da realidade ou irrealidade e a concretude ou abstração do conteúdo de um conceito, seja confundida com sua própria existência existência. Assim, há quem atribua a concretude ou abstração daquilo que constitui o conteúdo de um conceito a ele mesmo. É por isto que os conceitos podem ser chamados de concretos e abstratos.

A conceituação e a convicção de realidade não se confundem com a existência real ou a irrealidade da coisa conceituada. Conceitos completamente fantásticos podem motivar grande convicção subjetiva e conceitos completamente consonantes com a realidade podem ser objetos de dúvida e desconfiança.

Um dos principais atributos que diferenciam os mitos das lendas das lendas é o potencial que têm os mitos de se fazerem crer. Não apenas pelas pessoas menos instruídas e menos inteligentes.

Os conceitos variam segundo o tipo de conteúdo que eles comunicam (conceitos sobre o concreto e sobre o abstrato, para exemplificar); isto se observa com a diferenciação dos conceitos do senso comum dos conceitos superiores (filosóficos e científicos),

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quando são avaliados em termos de sua exatidão e da verossimilitude de seu significado.

O mesmo acontece quando se busca diferenciar os conceitos referentes a uma crença em um mito ou um conhecimento (comum-espontâneo ou científico-filosófico) sobre a natureza. Os conceitos científicos devem ser exatos e, sempre que possível, devem ter conhecida sua probabilidade de veracidade (verossimilitude).

Os juízos são associações de dois conceitos entre sí de forma asseverativa; porque nos juízos, sempre se afirma ou se nega um conceito a outro. O caráter especial dos juízos científicos (também chamados enunciados ou proposições da ciência) é dado pelo caráter exato dos conceitos empregados em sua construção, enquanto termos científicos. Os raciocínios são articulações lógicas de cadeias de conceitos e juízos sob a forma de induções, deduções ou analogias para construir conclusões que permitam algum grau de generalização. Os conceitos, os juízos e os raciocínios são os elementos respectivamente mais complexos da estrutura do pensamento inteligente, tanto do conhecimento comum, quanto do conhecimento científico.

A conceituação científica pode ser subdividida em dois níveis de importância relativa para cada área específica do conhecimento: os conceitos e as categorias que podem ser aplicados indistintamente aos fenômenos naturais, aos fenômenos sociais e aos fenômenos lógicos e psicológicos.

Categorias

Em sentido estrito, como se usa aqui, denomina-se categorias (conceitos-chave ou conceitos-mestres, que também podem ser chamados de categorias conceituais) aos conceitos de tal maneira gerais sobre um certo aspecto particular do mundo, que expressam as propriedades e as leis mais amplas e mais essenciais daquele nível de organização da natureza, da sociedade ou do pensamento a que se refiram (v.g. categorias filosóficas, epistemológicas, histológicas, farmacológicas, psicológicas ou as de cada uma das ciências específicas).

A noção de categoria (conceito-chave em uma área do conhecimento) é um importante instrumento da ciência e, por isto, deve ser considerada particularmente por quem pretende avançar no estudo desta matéria.

Kant chamava categorias aos conceitos puros que independiam de quaisquer outros.

Também pode-se denominar categoria a um conceito mais ou menos bem descrito, ainda que inexplicado e mal-definido, uma noção. Mas, também pode ser chamado de

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noção um conceito descritivo, ainda que bem caracterizado.

Como se vê, o conceito de categoria carece da necessária precisão e unicidade, devendo ter especificado seu sentido.

A atribuição da qualidade de categoria a um conceito depende, pois, da importância que ele tem especificamente para o ramo do conhecimento que estiver em questão. Um conceito pode ser uma categoria em um certo ramo do conhecimento e não o ser em outro.

Categorias dialéticas são as categorias compostas por conceitos que se referem a fenômenos aparentemente opostos, mas que se completam, na realidade, inexistem um sem o outro e traduzem, em sua aparente contradição, a unidade dialética do mundo. Categorias como generalização e especificação, abstração e concreção, matéria e energia, corpo e mente, simplicidade e complexidade e tantas outras que são consideradas as categorias dialéticas do campo do conhecimento filosófico, as categorias filosóficas.

As categorias filosóficas abrangem tudo o que existe na natureza (espaço e tempo, matéria e energia, o particular e o geral, essência e aparência, forma e conteúdo, necessidade e casualidade, possibilidade e realidade, o absoluto e o relativo). As categorias das ciências específicas são conceitos que refletem as propriedades e características mais essenciais do objeto daquela ciência em estudo e se referem às suas ideias fundamentais.

Cada ciência deve ter suas claras suas categorias, seus conceitos mais importantes por sua amplitude e generalidade. Na Psicologia e Psicopatologia, se destacam as categorias: o psíquico e o somático, a consciência e a inconsciência, o prazer e a dor, a excitação e a inibição, o imediato e o mediato, o passado e o futuro (experiência e aspiração), o individual e o social, o objetivo e o subjetivo. Diversas ciências podem partilhar as mesmas categorias.

As categorias de uma nosologia são as entidades clínicas; as nosográficas são grupos de transtornos (disorders).

Quando se estuda as entidades clínicas, as categorias são as síndromes; do ponto de vista das síndromes, as categorias são os sintomas, o curso, o tipo de início, o término e outras caraterísticas descritivas. Já nas nosografias, as categorias ou os conceitos-mestres são os conceitos diagnósticos mais abrangentes, aqueles que ocupam os níveis mais elevados da classificação, os patamares taxonômicos superiores.

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É preciso ter em vista que as categorias ou conceitos-mestres de um campo de conhecimento, dependem do objeto de estudo. O emprego do conceito de categoria em classificação categorial ou pensamento categorial, como se fez anteriormente, é com o segundo sentido com que se usa o termo. Por causa disto, uma das primeiras tarefas de uma atividade científica, logo depois de delimitar se campo de conhecimento, há de ser proceder ao reconhecimento dos conceitos mais importantes que se albergam ali (as categorias daquela atividade científica).

Caráter Simbólico-Verbal dos Conceitos

Todo conhecimento, qualquer que for sua complexidade, pode ser tido como uma estrura lógico-simbólica verbalizada, inclusive os conceitos. Não existem nem podem existir, conhecimento sem conceitos ou conceitos sem palavras. O conceito constitui a unidade elementar do pensamento e do conhecimento e a palavra é a sua dimensão material objetiva. Palavra, ideia e conceito formam uma totalidade inseparável (como se há de verificar adiante).

A transformação de um conjunto sonoro vocálico em um símbolo verbal falado representou um dos componentes essenciais da humanização. O ser humano não pode ser entendido ou explicado senão como um ser falante. Ainda quer não deva ser reduzido apenas ou, mesmo, predominantemente a esta, que é apenas uma de suas dimensões essenciais, nem a qualquer outra.

Parece bastante provável que no processo evolutivo da humanidade, em um dado momento, alguém tenha notado a possibilidade de atribuir um significado a um gesto, um movimento um som vocalizado e isto tenha sido aprendido por outro que passou a repeti-lo naquela situação. Com o tempo, a significação atribuída mudou radicalmente não apenas o sinal usado como símbolo, mas o simbolizador. A edificação de uma linguagem simbólica que ultrapassasse a fase concreta (simbolização de coisas concretas) e chegasse à fase abstrata (simbolização de coisas abstratas) permitiu o surgimento do pensamento inteligente e abriu uma infinidade de possibilidades para os seres humanos.

O conceito, seja concreto ou abstrato, é sempre expresso por uma palavra, que é seu signo perceptível, sendo impossível existir conceitos, juízos ou raciocínios sem palavras, porque as estruturas lógicas e psicológicas chamadas juízos e raciocínios se configuram a partir de conceitos como seus elementos mais simples.

Todo conceito é expresso por uma palavra ou outro símbolo que o represente, pondo ser um símbolo verbal ou ideográfico. A palavra é o envoltório material da ideia que

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é comunicada por ela, além de símbolo da coisa a que a ideia e a palavra se referem, mas também é um elemento essencial da estrutura do conceito. Não obstante, é importante que se saiba que os conceitos não podem ser reduzidos às palavras que os expressam, nem os juízos e os raciocínios podem ser considerados meros jogos de palavras, dependentes apenas de seus significados convencionados e dos interesses de quem os nominou.

As arquiteturas lógicas das significações dos juízos e dos raciocínios, na medida em que são sistemas conceituais, deve refletir relações presentes o que eles representa na realidade, como o significado da palavra que representa um conceito deve representar a realidade da coisa a que ele se refere; o que configura a exigência de exatidão e de verossimilhança que deve estar presente em todo conhecimento e, obrigatoriamente, no conhecimento científico. Porque, já se viu, esta exigência deve ser muito mais premente quando se dá sua utilização científica, porque os termos (ou conceitos científicos) e os juízos científicos devem ser exatos e correspondentes com a realidade, por definição.

Em uma estrutura conceitual, seja ela qual for, a palavra que expressa aquele conceito não substitui a ideia, se não no sentido que a simboliza, como simboliza também aquilo a que aquela ideia se refere e a palavra passa a simbolizar também. Por isto, pode-se afirmar que o conceito é uma estrutura lógica constante de uma ideia, expressa por uma palavra, que reflete as qualidades mais gerais e essenciais de uma coisa e a designa.

A palavra representa a ideia (no sentido de a reapresenta, representa e evoca), da mesma maneira que a ideia representa (reapresenta na consciência) a coisa a que ela se refere. Porque om ato ou procedimento de simbolizar consiste em apresentar o símbolo no lugar da coisa representada por ele.

O conceito integra em um amálgama, simultaneamente lógico e psicológico, a ideia, a coisa que é o seu objeto e a palavra que os representa, embora muito próximos, são essencialmente diferentes, sendo importante distinguir a coisa da ideia que o reflete e da palavra que expressa esta ideia e denomina o objeto. Doutro ângulo, o conceito expressa as relações que existem entre objeto a que ele se refere e suas propriedades. Sejam propriedades inerentes a este objeto (suas qualidades intrínsecas essenciais ou acidentais) ou propriedades que lhe são atribuídas pelas pessoas (os seus atributos)

Quando se trata de designar uma coisa concreta, com a qual a designação pode ser confrontada imediatamente, esta tarefa é relativamente fácil, mesmo para a linguagem comum, com sua dinamicidade e seu dinamismo.

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No entanto, quando se trata de designar (e, depois, definir) fenômenos abstratos, como sentimento, valores éticos, processos racionais, a tarefa se torna bem mais complexa e aí se inicia um tipo novo de linguagem: a linguagem culta ou literária, precursora da linguagem científica.

A linguagem culta se diferencia da linguagem comum por ser mais estruturada, seus símbolos têm significados mais precisos e, principalmente, mais estáveis. Como toda linguagem técnica e científica, a linguagem da Medicina se originou da linguagem culta e a linguagem escrita da Medicina é um tipo particular de linguagem literária, a literatura médica (que se inicia nas observações clínicas).

De certa maneira, a linguagem culta constitui o elemento intermediário entre a linguagem vulgar (senso comum) de um lado, e a linguagem científica e filosófica, de outro. A apropriação da linguagem culta pelo povo, aquilo que pode ser chamado de democratização da cultura e do conhecimento, há de fazer desaparecer os limites valorativos entre as três modalidades basilares de conhecimento: o comum, o científico e o filosófico.

O objetivo de toda convivência civilizada deve ser integrar os cidadãos e ampliar cada vez mais sua igualdade. Ainda que se deva ter presente que a efetivação da igualdade e a declaração da igualdade são duas coisas bastante diferentes.

Ideia, Coisa e Palavra

As três dimensões conceituais, ou seja o objeto, a ideia e a palavra, embora sejam três dados cognitivos individualizados reconhecíveis por si mesmos (como três categorias da teoria do conhecimento) e três fenômenos individualizáveis por suas características próprias, na medida em que cada uma destas coisas tem sua própria definição, estão sempre inteiramente integrados na unidade lógica e psicológica do seu conceito. A noção de conceito integra e sintetiza a palavra, a ideia e a coisa conceituada em um amálgama lógico e psicológico único e que não pode ser decomposto senão como uma exercício de análise. Igualmente, sabe-se que o conceito, ao apontar para as características mais gerais e mais essenciais da coisa conceituada, cria as condições para que ela seja explicada e definida e, tornar-se progressivamente mais rico e atualizado.

Na verdade, não existe qualquer conceito que não constitua uma síntese perfeitamente integrada destas três instâncias inseparáveis em sua unidade (ideia, coisa e palavra) e que, por causa de seu valor na estrutura conceitual, podem ser denominadas dimensões conceituais, porque sem elas não pode existir um conceito ou uma categoria.

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O conhecimento mais complexo só pode existir como uma estrutura lógica verbalizada; sendo impossível pensar e conhecer o conteúdo ou a essências das coisas sem as palavras (ou outros símbolos), porque, por mais concreta que seja a coisa, sua essência é sempre uma abstração. Isto se dá em todos os aspectos do conhecimento, tanto do conhecimento como processo de construção do saber, quanto como resultado deste processo de conhecer alguma coisa (o acervo de conhecimento); e, muito mais ainda, do conhecimento como manifestação da articulação lógica de ideias, do conhecimento como resultado do raciocínio.

A possibilidade psicológica de abstrair é uma decorrência da capacidade simbólico-verbal; nenhum grau de abstração seria possível sem que existissem as palavras. Porque é impossível abstrair sem elas ou outros recursos simbólicos que as substituam. Até a generaliação sobre coisas concretas, redundaria insuficiente até para o conhecimento vulgar. Ao mesmo tempo, seria impossível raciocinar sem abstrair ou generalizar.

Pensamento inteligente e linguagem são duas dimensões inseparáveis do conhecimento e absolutamente em interação; sendo impraticável determinar qual é primário ou secundário em relação ao outro ou, mesmo, separá-las na unidade do conceito.

O conceito inexistiria sem palavras ou outros signos capazes de simbolizar os objetos e fenômenos, mas não se pode reduzir o conceito à palavra, como ele não pode ser reduzido à ideia que transmite. Esta característica que têm os conceitos, de serem fenômenos essencialmente (mas não exclusivamente) verbais, ainda que sempre simbólicos, não se refere apenas aos símbolos dos conhecimentos mais elementares; pois se sabe que os conhecimentos mais complexos são, em verdade, sistemas conceituais, sistema simbólicos mais ou menos complexos, que podem ser organizados sob a forma de juízos ou de raciocínios ou de sistemas de conceitos, categorias, juízos e raciocínios.

Todo conhecimento, qualquer que for sua complexidade ou natureza, há de ter sua estrutura composta por três colunas-mestras: a) a coisa a conhecer (seja uma coisa concreta ou abstrata), b) uma estrutura de ideias e c) um símbolo verbal (ou não-verbal) que representa e materializa a coisa e a ideia e possibilita sua comunicação.

Questão cognitiva maior da epistemologia atual das ciências cognitivas é saber se as palavras são o próprio conhecimento ou unicamente sua expressão.

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Para os empiristas e pragmatistas, os novos nominalistas, as palavras e não os fatos são o objeto da investigação científica. Por isto, preocupam-se mais com os diagnósticos do que com as enfermidades reais. Confundem a nosotaxia (qualquer sistematização de enfermidades), a nosografia (sistema de diagnósticos) com a nosologia (estudo das entidades clínicas, sistematização das entidades nosológicas a partir de seus elementos explicativos).

As formas das palavras, seus significados e conteúdos sintáticos são apenas dados convencionais, inexistindo relação direta entre seu som e o significado que contêm; mas o significado que comunicam é mais que uma convenção ou construção utilitária. Não importa saber se os conceitos se referem às palavras ou às coisas. Referem-se a ambos, porque as palavras, as coisas e as ideias são inseparáveis na unidade conceitual. Quando se menciona um diagnóstico, este deve se referir à uma patologia.

A Filosofia da ciência deve elucidar o problema lógico das relações recíprocas que se estabelecem entre o fato (abstrato ou concreto, que constitui o objeto ou acontecimento) expresso no conceito, o fenômeno subjetivo (ideia que reflete aquilo que se reconhece como as propriedades mais gerais e essenciais do fato conceituado) e a palavra (que simboliza, simultaneamente, o conceito e o fato). O amálgama resultante da união mental do objeto, ideia e palavra constitui, ao mesmo tempo, ação e reflexão, substituição da experiência e antecipação do futuro; por isto, se reflete não apenas na cognição, mas na afetividade.

Recordar ou empregar a palavra que denomina um objeto ou fenômeno qualquer é um comportamento corriqueiro e, em geral, não costuma provocar cogitações mais demoradas ou profundas. É raro que alguém busque analisar aquele acontecimento como algo especial, mas qualquer um pode distinguir em seu mundo subjetivo a diferença entre a palavra, a ideia e o objeto, ainda que as três coisas pertençam ao mundo da realidade e estejam compreendidas no processo global de conhecer.

É muito importante saber que a separação que aqui se propõe do pensamento e da linguagem é unicamente um artifício didático (que só é possível como um exercício de análise) para melhor entender os processos cognitivos e a estrutura do conhecimento científico.

Como qualquer outro produto do pensamento, o conheciemnto (principalmente o conhecimento científico) constitui uma estrutura na qual o pensamento é o conteúdo e a linguagem a forma. Neste caso, como em outros semelhantes ou análogos, a forma e o conteúdo de um objeto, fenômeno ou processo não podem ser

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separados sob pena de desintegração da coisa estudada. E também é por isto que os formalistas do passado (verbalistas antigos e nominalistas medievais) e os logicistas modernos (representados pelos autores do Círculo de Viena) se ucupam apenas de um dos extremos desta síntese, permanecem presos a uma única das dimensões da totalidade do conhecimento, vítimas de sua própria parcialidade e da sua incapacidade de ver o todo.

Estudando as opiniões existentes acerca das relações possíveis entre todas estas dimensões conceituais (ideia, palavra e objeto) verifica-se que é possível identificar duas posições básicas: os que integram estes fenômenos em uma totalidade divisível apenas por análise e os que têm delas uma noção dissociada, como se existissem ou pudessem existir como conceitos separados, uns dos outros. O dualismo religioso inspirou esta ideia da separação das noções, coisa e palavra.

No século passado, houve duas reações monistas, materialistas e historicistas contra o dualismo: o positivismo de Comte (conservadora e mecanicista) e a doutrina de Marx (revolucionária e dialética). 4

Uma das concepções extremas derivadas do positivismo lógico (ou empirismo lógico), manobra com a qual se intenta reduzir toda Filosofia à linguística, é que a linguagem seria apenas uma espécie de jogo subordinado a determinadas regras e que todos os jogos linguísticos teriam o mesmo valor. E, com isto se estabelece uma cisão entre a palavra e seu significado e a coisa a que se referem.

O empirismo lógico é uma tendência da teoria do conhecimento que tanto se dirige para o conhecimento vulgar, quanto para o conhecimento científico e, se pode inferir que, nele se tende a definir o homem como animal falante.

O verbalismo é uma tendência derivada desta corrente que (como os nominalistas medievais) tenta substituir o estudo da realidade pela análise linguística, a investigação dos fatos pela interpretação das palavras que os denominam, a definição das coisas pela definição verbal. Enfim, substitui os objetos pelas palavras que se referem a eles. Esta tendência filosófica tem exercido muita influência em escolas médicas e, principalmente, psiquiátricas norte-americanas de orientação epidemiológicas e em grupos psicoanalíticos de orientação lacaniana. E como é cultivada na matriz econômica, política e cultural de nossa sociedade, sendo natural que seja absorvida mais ou menos acriticamente em nossa cultura de periferia pelos intelectuais mais ou menos colonizados.

4 Há um estudo interessante de WING, J.K., Reflexões sobre a Loucura, Ed. Zahar, Rio, 1979, pp. 11 e seguintes.

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Descobrir e Criar

Tarefa importante na elaboração do conhecimento de qualquer ciência é justamente descobrir, o que significa separar, denominar e isolar as coisas ou os conceitos mais elementares daquela área do mundo. Descobrir é encontrar uma coisa nova ou um aspecto novo de uma coisa já conhecida; notar e perceber uma coisa que estava despercebida. Depois da descoberta, segue-se a exploração do descoberto. ç

Em termos de conhecimento científico, trata-se de elaborar e operar os meios que permitam estabelecer de modo preciso, válido e confiável as relações entre os fenômenos e objetos e suas qualidades mais características no âmbito de seu objeto; a descoberta científica de uma coisa (concreta ou abstrata, como um novo conecito, por exemplo) consiste em identificar suas categorias conceituais, buscando distinguir as características que devasm ser tidas como as mais essenciais e e as mais generalizáveis no fenômeno natural descoberto e nominado; separando as características essenciais e gerais daquelas que são acessórias (acidentais) ou individuais em relação ao objeto ou fenômeno que se descreve.

Segue-se a tarefa de ordenar e classificar logicamente os conceitos obtidos, prosseguindo na tarefa de estabelecer mais relações entre as coisas e os fenômenos entre si e com suas características.

Esta é a estratégia que se deve usar para estudar e aprender qualquer coisa, tendo servido há séculos para estudar as enfermidades e constituindo o fundamento lógico do método clínico, reconhecido há muito como instrumento específico do conhecimento médico.

Esta trajetória cognitiva tem sido exatamente a que caracteriza essencialmente o que se convencionou chamar de método clínico, ou seja, a criteriosa aplicação da observação e da descrição, classificação e explicação genética na construção do conhecimento médico-clínico e da descoberta das definições científicas em Medicina.

O método clínico se mantém como o grande construtor do conhecimento médico e está bem longe de ser superado por recursos laboratoriais ou investigações de campo. Ainda que não se deva ou possa negar importância à contribuição destas áreas de investigação.

Aqui se situa também a diferença fundamental entre a descoberta científica e a criação artística. Na descoberta, proclama-se um conceito que identifica um objeto ou um acontecimento que já existia previamente na natureza, mas estava encoberto, ignorado, disfarçado ou simplesmente despercebido porque não se sabia dele.

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Descobre-se o que já existia no mundo e não se conhecia, não importa a razão pela qual aquilo estava ignorado.

O objetivo essencial das ciências factuais tem sido sempre descobrir as realidades da natureza, da sociedade e dos homens e desvendar as verdades sobre elas; tanto as coisas e fenômenos naturais, sociais e humanos quanto as leis que explicam seu movimento (no sentido mais amplo possível desta expressão, de toda mudança que experimentem).

Já na criação artística, algo novo é acrescentado ao mundo através da invenção de um conceito isolado ou de um corpo de conceitos.

Diferentemente da descoberta, a criação faz-se pelo procedimento de tornar existente uma coisa nova, coisa que antes de ser criada era inexistente. Na criação se materializa o que antes de ser criado era s¢ uma imagem mental, um desejo, um projeto do criador.

A ciência descobre, explica e prevê coisas e acontecimentos que devem existir objetivamente e, portanto, independentes do observador; enquanto a arte cria coisas que não tinham existência por si mesmas e que não existiriam não fossem inventadas por seu criador. Esta é a diferença essencial entre a ciência e a arte e esta diferença lhes impõe incontáveis exigências compatíveis com ela. Por isto, a consonância com a realidade (validade) deve ser considerada como uma das características essenciais da coisa descoberta, da descoberta científica. No plano científico, as hipóteses e as suposições guardam muita afinidade com a criação artística e, justamente por isto, necessitam ser aferidas, verificadas e submetidas à prova de consonância com a realidade.

Nem toda descoberta é científica, bem como nem toda criação pode ser tida como artística.

As palavras e as ideias empregadas pelo investigador quando decobre alguma coisa nova cientificamente ou quando usadas pelo artista quando cria uma produção artística, podem ser idênticas, mas as coisas a que se referem são essencialmente diversas, como são diferentes os caminhos cognitivos que levam a elas. Apesar de ambas, a descoberta e a criação, serem expressas por é completamente diversa do tipo de conhecimento usado para descobrir, explicar e prever.

Os conceitos científicos estão comprometidos com a realidade, pois devem representar a realidade natural, social ou comportamental a que se refiram (mesmo que a recriem a partir de uma teoria ou de uma ideologia sob forma de teoria); ainda que não estejam isentos de bias conceituais, deformações e causas de erro capazes e contaminar os juízos e os raciocínios construídos com aqueles conceitos. Os conceitos artísticos podem ser, no máximo, uma fonte

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de referência para o conhecimento da realidade, uma ilustração, um exemplo.

A invenção técnica (invenção ou invento) é um fenômeno técnico que se situa como intermediário entre a criação e a descoberta, quando se descobre um meio prático, engenhoso e criativo de produzir uma utilidade a partir de um conhecimento.

Palavra e Significado

Um vocábulo só pode ser chamado de palavra se tiver significação. Além de recursos indispensáveis à comunicação, as palavras podem ser empregadas para formar proposições, enunciados ou juízos, que são figuras linguísticas nas quais se afirma ou nega alguma coisa em relação a outra coisa ou a um processo. Quando se considera a significação das palavras, principalmente seus significados articulados em juízos (como os enunciados científicos, por exemplo), é possível lhes reconhecer três espécies de significação e o conhecimento delas permite entender melhor o emprego dos termos científicos.

Um som ou um conjunto sonoro sé pode ser considerado como palavra se algum significado lhe for atribuído e este seja compartilhado em uma entidade cultural.

Tipos de significados das palavras. Um enunciado qualquer pode ter os segintes significados:

um significado lógico quando pode ser declarado verdadeiro ou falso unicamente a partir de seus termos (como os teoremas ou enunciados, como em: os homens não são mulheres);

um significado factual além de incluir termos que tem significado, encontra sua significação em algum fato ou conjunto de fatos, como ocorre nas ciências, por isto mesmo chamadas de factuais; e

um enunciado tem significado expressivo quando o enunciado não tem qualquer significação teórica (como acontece com as interjeições) ou quando comunicam um significado diverso daquele que contém (como acontece com as metáforas e outras figuras de linguagem).

Define-se signo como qualquer sinal, objeto ou acontecimento empregado como capaz de produzir a evocação de uma outra coisa ou acontecimento que ela simboliza. O signo é um símbolo de uma coisa (objeto ou fenômeno) que permite a comunicação sobre ela.

Quando se estuda a origem da significação das palavras e sua evolução no tempo, pode parecer que a relação entre uma palavra e seu significado seja algo dado, uma convenção mais ou menos casual, que a significação de

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um vocábulo seja alguma coisa que possa acontecer e existir de modo natural e espontâneo.

Ou pode parecer que a palavra e seu significado apresentem um vínculo natural, semelhante à que existe entre uma árvore e seu fruto, por exemplo. Mas a relação entre uma palavra e seu significado não é um acontecimento natural ou espontâneo, é convencionada pelos indivíduos que criaram e empregam aquela palavra em sua experiência social, como a que acontece entre uma pessoa e seu nome. Mesmo que a palavra se refira a um objeto da natureza.

Desde cedo, enquanto uma pessoa toma contacto com o mundo fora dele próprio, aprende nomes que foram atribuídos às coisas e às pessoas existem que à sua volta e aprende a empregá-los para mencionar aquelas coisas e para se comunicar com elas. Com isto, passa a identificar dois aspectos que devem ser tidos como extremamente valiosos em filosofia da ciência: a coisa e seu nome. Identificação que se aprofunda ao longo d sa vida.

Na fase primitiva do pensamento mágico, a identificação entre a coisa e seu nome foi tão intensa e tão abrangente que estes dois conceitos se confundiam. Os seres humanos chamados primitivos confundiam o nome e a coisa, o nome e a pessoa. Esta influência ainda hoje se manifesta em pessoas que evitam falar em coisas "ruins" para evitar "atrair o mal", não "mencionam o diabo para que ele não apareça"...

Toda estrutura das explicações míticas sobre a origem do mundo, das pessoas, das instituições e outras explicações méticas para contentar a curiosidade e a necessidade de conhecer se originam nesta tendência. Não obstante, ela também fornece campo fértil para o estudo dos fenômenos psicopatológicos das obsessões e compulsões.

Grande parte do crescimento do mundo de uma pessoa é determinado pelo aumento do vocabulário (e, muitas vezes, se resume a isto). Ainda que formalmente o conhecimento se inicie na evidenciação e se continue na apreensão de informações descritivas sobre seu objeto, só se diz conhecer alguma coisa quando se sabe seu nome ou se inventa um. Por isto, ao contrário do conhecimento vulgar, para muitos epistemólogos, o conhecimento científico se inicia com a nominação.

Mas, à medida em que as coisas são melhor conhecidas, aprende-se a denominá-las de outro modo que não aquele que fora usado até então ou se modifica o significado do símbolo verbal empregado para designá-las, de modo a incluir os novos conhecimentos substituindo os anteriores, ou adicionando os novos significados às significações anteriores às quais são incorporadas. Na cultura

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ocidental, só muito recentemente se aprendeu a separar a coisa de seu nome, principalmente no âmbito da psicologia.

Significado, Essência e Conteúdo do Conceito

As palavras são símbolos artificiais (signos verbais construídos intencionalmente para representar alguma coisa na linguagem) que permitem integrar em uma unidade comunicativa a coisa e a ideia que a representa para ser transmitida a um receptor que a decodifica e entende seu conteúdo comunicativo, sua significação. O significado de um símbolo é, pois, aquilo que integra o emissor e o receptor no processo comunicativo (a comunidade simbólica). Além disto, a significação de uma palavra, como expressão da essência e do conteúdo do conceito que ela representa, integra a coisa, a ideia e a palavra em uma totalidade simbólica e uma unidade lógica, constituindo o elemento mais importante do conceito, entendido como sistema lógico e psicológico.

Também é por este motivo, que a linguagem e o pensamento se integram inseparavelmente em uma estrutura indeslindável, constituindo em exercício inútil tentar considerá-los separadamente, não apenas para estudar sua patologia, mas para estudar seu funcionamento não patolágico (como já se mencionou, mas nunca é demais repetir).

O significado é a essência e o conteúdo do conceito, apesar de seu caráter abstrato, sendo, por isto, seu elemento mais importante, aquele que o caracteriza e qualifica; enquanto a palavra á sua forma, seu envoltório concreto, sua dimensão material.

Estas são algumas categorias essenciais para entender o que é básico na comunicação científica, ainda que se apliquem em todos os processos comunicativos inteligentes, mesmo sem qulquer pretensão de cientificidade.

A semântica é o capítulo da semiótica que estuda os sistemas de signos como meios de expressão do significado, o significado dos signos

O significado é a representação mental despertada por uma determinada forma liguística, o conteúdo simbólico de um signo (no caso, uma palavra), exatamente qual objeto ou fenômeno que aquela palavra denomina e ao qual se refere em sua funáão comunicativa.

O significante é o próprio signo porque contém o significado; no caso, o signo é a palavra, entendida apenas como elemento vocálico, em última análise, o envoltório material de uma ideia.

A forma linguística é uma fmaneira de mencionar a palavra carregada com seu significado; a relação entre o significado e o significante.

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A linguagem consiste na produção e no entendimento das palavras enquanto signos verbais, significados. Enquanto a fala se limita à articulação, emissão e pronúncia das palavras enquanto conjuntos vocálicos, significantes.

A significação deve ser reconhecida como o elemento mais importante de um signo, principalmente se este signo representa um conceito, ainda que sua forma e outros elementos da aparência (como sua função gramatical) não possam ser considerados desimportantes. Por isto, o estudo dos conceitos e sua avaliação como procedimento comunicativo, inclusive na comunicação científica, deve ser centrado na verificação de seu significado.

Mudanças da Significação dos Conceitos

Os conceitos não são construções convencionais eståticas e imutáveis. Sabe-se que os conceitos são entes lógicos dinâmicos que mudam de forma e de conteúdo com o passar do tempo.

Em geral, as palavras mudam sua forma e sua significação no decorrer do tempo. Destas mudanças, aparentemente as variações de conteúdo são tidas como as mais importantes. Como j se viu acima, esta faculdade que têm os conceito de atualizar seu significado se denomina semântica e este fenômeno é particularmente importante para se estudar o processo de conhecer e de reconhecer.

Neste sentido de semântica como o capítulo da linguística que estuda a significação dos conceitos e as mudanças do significado das palavras no decorrer do tempo. Os processos semânticos constituem acontecimentos correntes na linguagem vulgar, quando acontecem de maneira mais ou menos espontânea e assistemática (por causa da própria natureza da linguagem comum). Também podem ocorrer na linguagem científica, mas isto de maneira mais disciplinada.

Os movimentos semânticos são característicos das línguas vivas e expressam a criatividade do saber popular e as novas necessidades que acontecem no desenvolvimento temporal das culturas. Não obstante, a linguagem educada é muito mais resistente às mudanças (a não ser às aditivas) porque, ao menos formalmente, dispõe dos recursos comunicativos de que necessita para se comunicar com precisão.

A linguagem científica, como ramo particular da linguagem culta evidencia esta característica de modo ainda mais arraigado.

A semântica lógica (ou metalógica) é o ramo da lógica que se incumbe da linguagem formalizada. Mas deve-se insistir que a linguagem científica (ou as linguagens científicas)

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não deve ser comparada à linguagem natural porque se diferencia dela por numerosos fatores, entre os quais está a diferença com que trata as mudanças semânticas, como se vê logo adiante.

Grande parte do aperfeiçoamento do conhecimento se concretiza de duas maneiras: da troca das palavras que o designam ou na atualização do significado de suas denominações, a mudança de significação de seus nomes. Porque a significação de um conceito é algo dinâmico que se enriquece cada vez que se amplia ço conhecimento sobre a coisa que ele designa.

No primeiro caso, quando se troca seu nome, pode-se pensar que as coisas estão apenas mudando de nome, mas, o que acontece na verdade, é que está mudando a forma de denominá-las porque a forma antiga já não pode comunicar o que de novo se sabe sobre aquilo ela designa.

A mudança do nome significa que o conhecimento sobre o objeto pode não ter ficado mais rico e mais preciso, mas terá se tornado, ao menos, diferente do que era (como na passagem dos conceitos de dor-de-barriga para gastroenterite, de loucura para psicose, de moléstia para transtorno, de lepra para hanseníase, de defluxo para resfriado e de resfriado para influenza).

Contudo, a maneira mais comum de aperfeiçoar a significação de um conceito consiste em mudar seu conteúdo, atualizando-o sem que se altere a forma da palavra que o designa (processo semântico diacrônico). Na linguagem comum, este processo se dá espontaneamente. A linguagem culta, inclusive a das ciências é mais exigente e um termo só é incorporado depois de dicionarizado, o que significa que a mudança foi amplamente aceita. Por isto, na linguagem científica, a incorporação de um termo novo ou a atualização do significado de um antigo, se dá a partir de um amplo consenso da comunidade científica interessada acerca daquela transformação conceitual e essa mudança reuniu consenso suficiente.

Coisa diversa acontece quando se dá uma mudança no eixo político-ideológico de hegemonia e dominação. Porque uma das instâncias de manifestação da hegemonia e da dominação política é, seguramente, a linguagem (mesmo na linguagem científica).

Podendo-se notar quantas pessoas passaram a construir frases com palavras estrangeiras e, mesmo, sob sintaxe do idioma do país econômica e politicamente dominante. Mesmo quando existem palavras no idioma nacional capazes de expressar muito melhor o pensamento da pessoa.

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Ou o uso do gerúndio, em construções como vou estar fazendo em vez de dizer simplesmente farei, nas quais não há qualquer ideia de simultaneidade de ações.

Mas, é necessário estar atento para mudanças de significado dos conceitos promovidas unicamente com o propósito de garantir a homogeneidade teórica de uma escola ou tendência doutrinária, configurando um jargão de iniciados, como o jargão médico, o jargão dos advogados, o jargão dos filósofos ou tantos outros.

A soma do vocabulário conhecido (palavras cujos significados são conhecidos) e, principalmente seu vocabulário ativo (palavras usadas mais ou menos regularmente) de alguém constitui seu patrimônio linguístico, seu principal instrumento para desenvolvimento intelectual e indica suas possibilidades cognitivas.

Por isto, a pobreza conceitual, que caracteriza a linguagem inculta, não se expressa apenas no pequeno número de palavras conhecidades e empregadas, mas na limitação do conhecimento dos diversos significados de cada expressão. O processamento mais ou menos erudito da linguagem, o mínimo que se pode esperar de um graduado em universidade, exige o domínio linguístico dos conteúdos do repertório científico de sua área de formação específica.

Pode-se exemplificar a transformação dos conceitos em geral, com a evolução de um conceito importante (na verdade, uma categoria) da Medicina, examinando-se a recente evolução do conceito de morte. Como resultado direto da prática dos transplantes de órgãos, mas também por causa da evolução do conhecimento de neurofisiologia, o conceito de morte mudou radicalmente nos últimos anos.

O diagnóstico de morte deixou de ser baseado na na abolição da respiração e dos batimentos cardíacos, passando a ser realizado com o desaparecimento da atividade bio-elétrica encefálica. Porque este segundo conceito é muito mais útil e não compromete o entendimento do que é essencial no fenômeno cogitado. Está em marcha uma mudança análoga para com o conceito de vida humana.

Em geral, os conceitos descritivos (aqueles construídos unicamente a partir do conhecimento de características da aparência e da forma das coisas que designa) apenas se completam, na medida em que a descrição se torna mais completa ou mais precisa, até o ponto de permitir estabelecer as regularidades estáveis na coisa conceituada e a explicação de sua existência.

Já os conceitos explicativos (estruturados sobre as explicações, isto é, os dados essenciais e de conteúdo, referentes aos procesos

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internos da coisa conceituada), podem mudar radicalmente por ter havido uma substituição importante da explicação.

Além de mudar o nome, sabe-se que é possível ampliar ou, de qualquer maneira, mudar a ideia (neste sentido de noáão sobre algo) que se tenha sobre uma coisa, a despeito de conservar a mesma palavra para denominá-la (como aconteceu com os termos científicos anemia, átomo). Neste último caso , quando a palavra muda de conteúdo mas conserva sua forma (denominado fenômeno semântico diacrônico), a mudança da ideia sobre a coisa (o significado) não foi acompanhada da troca da palavra que a expressa (o seu significante). Na semântica diacrônica, conserva-se a forma da palavra, mas muda seu conteúdo, isto á, a ideia que ela expressa. E tal mudança pode se dar pelo aperfeiçoamento daquilo que se conhece sobre ela ou, como acontece com o conceito de átomo, uma radical mudança de seu significado.

Além da troca do nome ou da atualização de seu significado, na evolução muitas palavras na linguagem comum (inclusive a palavra ciência), por um fenômeno linguístico denominado polissemia, uma palavra costuma incorporar novas significações na medida em que se aperfeiçoa o conhecimento que se tenha sobre o que ela simboliza. Destarte, estes sentidos vão se superpondo, de modo que os novos se integram mais ou menos dinamicamente aos outros preexistentes. Neste caso, a palavra passa a servir de suporte material a diversos conceitos ou a diversas nuances de um mesmo fenômeno, a simbolizar diversas coisas e a expressar várias ideias que podem estar mais ou menos próximas ou serem completamente distintas, na dependência das circunstâncias de sua evolução histórica. A isso se denomina polissemia. A polissemia, atributo indispensável ao enriquecimento do conhecimento comum, é o que garante a condição de um idioma vivo, não pode ser tolerada na terminologia da ciência (porque a linguagem científica se comporta como um idioma morto, só empregado por eruditos e que não se transforma mais, como o latim, por exemplo).

Os conceitos científicos devem ser, necessariamente, exatos, estáveis e destituídos de ambiguidade. Este fato é da maior importância porque se verifica atualmente uma tendência a confundir o vocabulário comum com a terminologia científica, principalmente nas dimensões sociais e humanas das ciências médicas, com grande prejuízo para o resultado obtido.

Nos conceitos científicos, não se deve admitir a polissemia ou semântica sincrônica; nem deve haver, havendo o necessário rigor, qualquer mudança no significado de um termo científico (a semântica diacrônica), embora esta última norma não seja sempre seguida face à dinâmica do conhecimento científico. Na

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terminologia científica, neste caso, deve-se eleger ou construir um novo termo para a nova significação.

Em nomenclatura científica, deve-se construir um termo novo para cada novo significado que se imponha pela necessidade, sempre que a mera lapidação e polimento da significação comum (o sentido) for insuficiente para as exigências da ciência.

A semântica sincrônica (ou descritiva) é o estudo dos significados simultâneos (os sentidos) que se atribuem a uma palavra em um dado momento; enquanto a semântica diacrônica (ou histórica) á o estudo das diversas significações sucessivamente assumidas por um significante no decorrer do tempo. Em Medicina e em psiquiatria, existem numerosos casos de semântica sincrônica, fator que compromete sua cientificidade, como se há de ver mais adiante.

Os conceitos de degeneração separado de enfermidade degenerativa vêm mudando desde o século dezenove. Distimia, á um bom exemplo de semântica sincrônica, enquanto significa literalmente qualquer alteração do humor (dis=perturbação e timia=humor), atribui-se-lhe o significado de uma categorias patológica definida de depressão crônica de curso oscilante e intensidade geralmente leve.

Sentido, neste contexto particular, além de ser empregado como sinônimo de significado ou significação, costuma ser usado como o significado particular que uma palavra tem em uma ciência, subcultura ou em uma comunidade; podendo significar, ainda, a intenção especial de quem fala, em um determinado contexto verbal ou circunstancial.

Na linguagem comum, é frequente que uma palavra tenha mais de um sentido, mesmo que estes se mostrem bastante distantes entre si. O caso exemplar dos diversos sentidos da palavra manga (manga fruta, manga de chuva, manga de roupa e, em sentido figurado, manga de coelete), é um exemplo didático muito empregado para ilustrar este fenômeno linguístico.

Os diferentes sentidos podem ser entendidos pelo contexto verbal em que são empregados ou por uma variação significativa da expressão do emissor. Contudo, isto não deve existir na terminologia científica, até porque a linguagem da ciência não deve permitir estas variações expressivas e nem os termos científicos comportam mais de uma significação (a mais exata possível em cada momento da cultura).

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Deve-se diferenciar os sentidos particulares que se pode atribuir a uma palavra em seu emprego corrente, de dois fenômenos linguísticos denominados metáfora e da metonímia, que são tipos particulares de linguagem figurada na qual se dá uma atribuição intencional de sentido a uma palavra que é diversa daquele que ela tem. Mas, na linguagem da ciência, não pode haver metáfora nem metonímia. Em terminologia científica não se pratica qualquer figura de linguagem.

Metáfora é uma figura de linguagem que emprega uma palavra com significado diferente daquele que é dela, mas com o qual pode ser facilmente comparado subjetivamente (como o desemprego é uma doença da sociedade).

Metonímia é uma figura de linguagem pela qual se amplia o âmbito da significação original de uma palavra, a partir de uma relação objetiva que se reconheça existir entre a significação original própria e a figurada que lhe é atribuída neste processo, (como em cem cabeças de gado).

As figuras de linguagem desempenham papel muito importante na linguagem literária e em todas as maneiras mais cultas de comunicação do senso comum. Contudo, na linguagem científica não se admite, sequer, o empregos de variações sinônimas, quanto mais o uso de figuras de linguagem, de variações expressivas indicativas de çulgamento (como admiração, ironia, reprovação), de licenças poéticas.

Linguagem, Língua e Ciência

No estudo dos conceitos como artefato cognitivo, principalmente comparando-se a conceituação da linguagem vulgar com a científica, pode-se inferir a importância particular que têm as questões linguísticas na atividade da ciência. Há, até, quem afirme que uma ciência é sua liguagem e isto é bem pertinente. De certa maneira, cada ciência também é uma linguagem bem disciplinada, não sendo possível separar o conteúdo de uma atividade científica da linguagem que a tém e pela qual ela se concretiza.

A capacidade verbal (e as capacidades de trabalhar e amar) e sua realização na linguagem é importante atributo da espécie humana e um fator dos mais significativos para separar os humanos dos demais seres vivos. Trabalhar com o sentido de mudar deliberadamente a rea;idade para atender a demandas individuais ou sociais. E amar, ão apenas como sentimento, mas como capacidade de se doar a alguém ou a uma causa valiosa.

Definir o homem como animal que fala, (ama, ou trabalha) é um processo definidor bastante pertinente e muito

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usado. Neste sentido, se pode inferir muito sobre toda cultura em função do estudo da sua linguagem. A linguagem comum é mais ou menos espontânea e se estrutura naturalmente ao longo do processos histórico-social. Já a linguagem científica é uma linguagem artificial, construída deliberadamente de maneira controlada (sentido unívoco e exatidão do significado) para servir aos propósitos científicos com fiabilidade e validade. Há quem defenda a opinião de que só a linguagem matemática pode atingir estes objetivos.

A linguagem pode ser definida como o recurso humano intencional de comunicar ideias ou outros conteúdos psicológicos por meio de um sistema de símbolos.

A linguagem é uma manifestação essencialmente social e se distingue da fala, sua dimensão individual. Distingue-se, ainda, a linguagem não verbal da linguagem verbal e, esta última se sub-divide em linguagem falada (expressão verbal direta) e linguagem escrita (expressão verbal indireta).

Língua ou idioma é o sistema linguístico característico de uma nação, cultura ou grupo étnico.

Linguística é a ciência da linguagem.

No início da história da ciência não havia qualquer diferença entre a linguagem comum culta e a linguagem da ciência.

Os conceitos eram empregados indistintamente nas duas atividades cognitivas, porque não se exigia que fossem diferentes. No entanto, foram se dando mudanças nas duas áreas da linguagem e da ciência e da interação havida entre elas. O conhecimento sobre a linguagem foi se aperfeiçoando enquanto progredia o conhecimento científico. Houve um momento em que se deu um aparente paradoxo.

A ciência passou a exigir conceitos que fossem precisos (se possível, absolutamente exatos) e a linguagem comum não foi capaz de atender esta exigência. Para fazer isto, teria que produzir uma linguagem com conceitos infensos à semântica, fosse sincrônica ou diacrônica, enriquecendo a conexão lógica no interior de seus conceitos e reduzindo seu vocabulário extirpando os conceitos em que isto não pudesse ser feito. Isto é, empobrecendo seu vocabulário.

Os cientistas necessitam de conceitos que comuniquem conteúdos lógicos inteligíveis com a maior precisão possível (os termos), os conceitos que não tiverem esta característica não podem integrar sua terminologia específica.

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Os conceitos podem ser observacionais e não observacionais (ou teéricos). E as proposições demonstráveis e indemonstráveis (nas ciências formais) ou verificáveis e inverificáveis, comprováveis e incomprováveis (nas ciências factuais).

Foi esta situação que levou à necessidade do operacionalismo, a tendência da filosofia da ciência que recusa termos inobserváveis. Quando todas as atividades científicas tiverem o mesmo rigor terminológico (isto é, forem elaboradas com termos que satisfaçam as exigências científicas), terão desaparecido as diferenças de maturidade científica entre elas e todas poderão ser denominadas ciências exatas. O que, hé de se convir, representa uma situação ideal em termos cognitivos. Contudo, esta não é a realidade e as ciências da sociedade, muito mais que as ciências da natureza estão longe de atingir este ideal. O que não é bastante para lhes negar a designação de atividade científica.

Cada ciência, de certa maneira, constitui uma sub-cultura destinada ao estudo de um objeto definido, necessita dispor de uma linguagem que possa traduzir os fenômenos que ocorrem em seu objeto, formulando conceitos e juízos que reflitam o mais exatamente possível, a sua realidade. Os termos de uma ciência, reunidos em sua terminologia devem possibilitar a comunicação rigorosamente científica sobre os conceitos mais importantes contidos no seu objeto e em sua metodologia.

Caso uma atividade cognitiva não disponha destes recursos linguísticos, jamais poderá postular o estatuto de ciência ou pretender reconhecimento de cientificidade para seus achados e inferências.

Por esta razões, é bem fácil entender porque uma ciência se confunda com sua linguagem ou, mesmo que um tanto figuradamente, se pretenda que cada ciência seja a sua linguagem.

As palavras que expressam os conceitos científicos, a terminologia ou nomenclatura científica, são chamadas termos e seu coletivo, terminologia.

Os operacionalistas, por causa de seu compromisso com o empirismo, advogam que qualquer conceito só pode ter interpretação e utilidade científicas quando forem suscetíveis de interpretação empírica. Mas isto os não sectários julgam isto um exagero tendencioso, por influenciado pelo superdimensionamento da experimentação que os caracteriza.

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Ainda na perspectiva empirista, os termos são divididos em termos observacionais (quando se referem a coisas observáveis) e termos teóricos (que expressam construtos retirados de uma teoria).

Denomina-se termo ao vocábulo ou um grupo vocabular simples que tem significação estrita e bem definida, devendo ser empregado apenas para expressar um conceito ou uma categoria científica; os termos são as unidades conceituais e as formas verbais do conhecimento científico e sua exata definição é pré-requisito para qualquer formulação científica (da quais as mais importantes são os juízos científicos e as proposições científicas).

A linguagem comum e a linguagem das ciências guardam semelhanças e diferenças.

Quem quer que pretenda traduzir textos científicos tem que estar certo de que não lida apenas com dois idiomas como os tradutores comuns, mas com três: os dois idiomas em jogo e o idioma da ciência que forma o conteúdo a ser traduzido.

Quando este fato é ignorado, decai muito a qualidade da apresentação do material traduzido e prejudica-se seu entendimento. Este defeito pode causar muito prejuízo no mundo sub-desenvolvido, principalmente no Brasil, onde a baixa produção científica obriga a quem quer estudar ciência fazê- lo em textos estrangeiros, o que induz aos menos formados a empregar vocabulário e sintaxe do idioma alheio. Por estas razões, muitos pensam, com bastante razão, que as ciências só estarão verdadeiramente maduras quando dispuserem de símbolos matemáticos para sua comunicação.

O que, aliás, faz algumas ciências mais exatas que outras.

Esta situação de pobreza conceitual é mais evidente ainda na ciências do homem, em cuja área se encontram grande parte das psicologias e da psiquiatria, à qual se deve somar a decadência de nosso sistema educacional. As psicologias e a psicopatologia são ciiências de dois mundos, do mundo na natureza e do mundo da sociedade e do homem. Quando se pretende restringí-las a apenas um destes mundos, cria-se uma imensa causa de erro.

Tal situação concreta de indigência cultural própria do colonialismo cultural, manifesta-se por numerosos tipos de alienação e outras formas de repúdio da própria herança cultural e arremedo das culturas dominantes.

Uma das formas de alienação que infestam nossos meios acadêmicos de modo mais evidente é a alienação idiomática que se traduz nos barbarismos e solecismos de

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quem entra em contato com uma cultura alheia sem que tenham dominado a sua; pela qual não nutre nenhuma simpatia (até porque sua língua pátria é uma ilustre desconhecida para ele e só lhe desperta vergonha) porque sua cultura lhe motiva constrangimento e mal-estar, visto que ele a tem como inferior, atrasada. E elastima tanto não ser membro da cultura superior, tão mais adiantada, além de mais bonita e mais inteligente...

A maior parte das ciências não dispõe, como acontece com a Matemática, de uma terminologia própria, composta por um conjunto de símbolos bastante rigorosos para suas necessidades e em quantidade suficiente para suas necessidades de comunicação, como também não dispõem de uma sintaxe que permita a estruturação rigorosa de seus símbolos, nem de uma liguagem que articule os temos e sua sintaxe de maneira suficientemente lógica para formar proposições que respondam às suas necessidades comunicativas.

As ciências factuais, por causa das características de seus objetos e de sua evolução histórica se servem dos idiomas naturais dos povos que as produzem para a construção de sua terminologia (de seu vocabulário e de sua sintaxe). Por isto, mesmo que se trate de uma comunicação culta, seu emprego e seu entendimento sofrem grande influência do senso comum.

O senso comum e sua linguagem sempre exercem alguma inluência, geralmente deletéria, na linguagem científica; devendo-se destacar que tal inflência não tem a mesma importância em todas as ciências. Esta influência é significativamente maior nas ciências sociais e humanas do que nas ciência naturais.

O uso coincidente dos mesmos vocábulos, empregados como conceitos científicos e como conceitos da linguagem vulgar, com sentidos necessariamente diferentes ainda que próximos (e tanto pior quanto mais aproximados), dá lugar a um importante fator de erro na alaboração da atividade científica.

Nas ciencias exatas, no entanto, não se faz sentitr esta má-inluência; seus termos e os símbolos que os expressam são tão característicos que não podem ser confundidos com os do senso comum. O que não acontece com as ciências humanas e da sociedades.

Mas, isso se refere principalmente à linguagem burilada das pessoas cultas, não da linguagem inculta, como muita gente faz. A linguagem culta não admite a flexibilidade espontânea que os deseducados confundem com democratização verbal.

Quando se trata de traduções, então, o problema se multiplica, principalmente pela maior intrusão do senso

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comum que se dá neste caso. Principalmente agora, na vigência de uma ideologia que recusa todos os valores dominantes, inclusive a cultura e a erudição. Tal ideologia anti-intelectual tem duas vertentes idênticas em sua aparente oposição: o anti-intelectualismo pragmático e pragmatista da cultura norte-americana de exportação e o anti-intelectualismo anarcóide do lumpen esquerdismo nacional.

Como já se mencionou antes, traduzir um texto científico, o que sempre acontece sob a influência da linguagem comum, exige três pré-condições indispensáveis: fidelidade à língua vernácula de quem promove a traduçaão, fidelidade à lingua de origem do material a ser traduzido; e, não se pode minimizar, fidelidade à linguagem daquela ciáncia, à sua terminologia específica e à sua sintaxe.

Quem quer que pretenda traduzir textos científicos tem que estar certo de que não lida apenas com dois idiomas, mas com três: os dois idiomas em jogo e o idioma da ciência que forma o conteúdo a ser traduzido. Quando este fato é ignorado, decai muito a qualidade da apresentação do material traduzido e prejudica-se seu entendimento.

Este defeito pode causar muito prejuízo no mundo sub-desenvolvido, principalmente no Brasil, onde a baixa produção científica obriga a quem quer estudar ciência fazê-lo em textos estrangeiros, o que induz aos menos formados a empregar vocabulário e sintaxe do idioma alheio. Por estas razões, muitos pensam, com bastante razão, que as ciências só estarão verdadeiramente maduras quando dispuserem de símbolos matemáticos para sua comunicação. O que, aliás, faz algumas ciências mais exatas que outras.

Esta situação de pobreza conceitual é mais evidente ainda na ciências do homem, em cuja área se encontram grande parte das psicologias e da psiquiatria, à qual se deve somar a decadência de nosso sistema educacional. As psicologias e a psicopatologia são ciiências de dois mundos, do mundo na natureza e do mundo da sociedade e do homem. Quando se pretende restringí-las a apenas um destes mundos, cria-se uma imensa causa de erro.

Tal situação concreta de indigência cultural própria do colonialismo cultural, manifesta-se por numerosos tipos de alienação e outras formas de repúdio da própria herança cultural e arremedo das culturas dominantes.

Uma das formas de alienação que infestam nossos meios acadêmicos de modo mais evidente é a alienação idiomática que se traduz nos barbarismos e solecismos de

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quem entra em contacto com uma cultura alheia sem que tenham dominado a sua; pela qual não nutre nenhuma simpatia (até porque sua lángua pátria é uma ilustre desconhecida para ele e só lhe desperta vergonha) porque sua cultura lhe motiva constrangimento e mal-estar, visto que ele a tem como inferior, atrasada. E elastima tanto não ser membro da cultura superior, tão mais adiantada, além de mais bonita e mais inteligente...

Estrutura Lógica da Ciência

Os conceitos da nomenclatura científica, os termos de uma ciência, são empregados na construção de uma estrutura lógica para construir os juízos daquela ciência. Sem elementos verbais inteligentes (conceitos com conteúdos lógicos inteligíveis ou termos observacionais), é impossível elaborar construções teóricas mais complexas, porque não é possível construir proposições científicas com eles. A qualidade lógica dos juízos depende do conteúdos dos conceitos empregados neles. Sem conceitos, os juízos seriam impossíveis e com conceitos não científicos não é possível construir juízos científicos. As proposições científicas não podem ser elaboradas senão com conceitos ou categorias cientificamente reconhecíveis e criadas em moldes confiáveis e válidos e devem, sempre, ser passíveis de demonstração ou de comprovação (verificação).

O conhecimento científico deve ser organizado como uma estrutura lógica, um sistema de conceitos, juízos, princípios, raciocínios e outros recursos cognitivos sobre seu objeto (além de um arsenal de métodos e procedimentos técnicos para investigar). Cada uma destas organizações sistêmicas de ideias se denomina teoria científica.

A reunião de teorias científica, caso seja institucionalizada nas universidades e ou centros reputados de pesquisa, denemina-se disciplina científica.

Da mesma forma, no plano superior da estrutura da ciência, as conceitos, categorias e juízos científicos são indispensáveis para construir raciocínios e teorias científicas.

Tal como acontece aos juízos da linguagem comum, os juízos de uma ciência (merecedores do título de científicos) são conjuntos asseverativos de signos pelos quais se afirma ou nega um atributo qualquer a um conceito ou a uma categoria científica; também podem ser chamados enunciados científicos e devem sempre ser construídos com terminologia aceitável cientificamente; isto é, tanto o seu sujeito (o conceito ou categoria de que se fala no juízo), quanto seu predicado (aquilo que se atribui ou se nega ao sujeito) devem ter significados estabelecidos de maneira satisfatória para as exigências da ciência.

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Proposição é um recurso do conhecimento formado por uma sentença declarativa, bem formada gramaticalmente e formulada no presente do indicativo.

As proposições são chamadas categóricas quando contém o juízo e asseverado sem condições, ao contrário, quando contém condições, as proposições são denominadas condicionais.

Uma proposição científica contém o conteúdo de um enunciado ou juizo científico. Na prática, as duas palavras (enunciado e proposição) são empregadas indistintamente porque nelas se superpõem e se confundem os conceitos de forma e conteúdo dos juízos científicos. Da mesma maneira como se superpõem os conceitos fisiológicos de tensão arterial (resistência das paredes do vaso) e pressão arterial (pressão que a coluna de sangue no interior das artérias exerce sobre suas paredes) e os conceitos linguísticos de fala (manifestação formal) e linguagem (conteúdo da comunicação oral).

Uma teoria científica consiste em um sistema lógico de conceitos, categorias, proposições, leis e princípios científicos, comprovados ou por comprovar mas viáveis, que se destina a explicar uma área específica do mundo.

Uma imposição ética faz com que os elementos comprovados e não comprovados em uma teoria devam ser caracterizados asssim quando uma informação científica for comunicada. Qualquer que for a qualidade da comunicação, sobretudo na comunicação de massa. Não se deve aceitar como certo e honesto que hipóteses, suposições ou, atá, especulações sejam apresentadas como fatos comprovados. Na linguagem científica, toda proposição categórica (seja afirmativa ou negativa) deve ter sido verificada (comprovada ou demonstrada) por um cientista.

Há muito que as ciências humanas precisam construir e estruturar um corpo de conceitos que, por seu rigor e precisão, posam ser considerados termos científicos, de modo a lhes permitir a construção de proposições e teorias científicas. No entanto, em muitas atividades científicas este objetivo ainda não foi conseguido e esta falta de sistematicidade terminológica tem sido um dos impedimentos mais evidentes para a conquista do status científico daquela atividade cognitiva e para a respeitabilidade acadêmica de seus cultivadores.

A sistematicidade terminológica é essencial para passar da busca dos tipos (característica do pensamento aristotélico), para a busca das leis (que caracterizam o pensamento galilaico, característico da ciência moderna). E para chegar a estes conceitos científicos e a estas leis explicativas (o que significa transitar dos conceitos

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descritivos para os conceitos explicativos), importa em superar o momento descritivo e passar para o hipotético-explicativo, o que depende mais das possbiliddaes técnicas do que da vontade do pesquisador.

Como qualquer outra atividade científica, a patologia geral ou qualquer patologia especial, como a psicopatologia, continuará presa à busca do que á típico (característica do momento fenomenológico), enquanto carecer de recursos lógicos e metodológicos para passar ao momento sintético-explicativo (característico das ciências naturais).

A palavra teoria costuma ser empregada com dois sentidos: o primeiro, como oposto de prática e o segundo, a teoria científica, como oposto ao conhecimento vulgar, significando um um corpo integrado de informações científicas, um sistema lógico composto de conceitos, catagorias, proposições, leis e princípios científicos que se destina a explicar uma área significativa do mundo (teoria da relatividade, teoria da evolução, teoria heliocêntrica, teoria de enfermidade, teoria da enfermidade infecciosa).

A expressão teoria, no conhecimento vulgar, também significa conhecimento especulativo, desinteressado de suas circunstâncias, desvinculado de aplicação ou utilidade, um sentido exatamente oposto do que deve ser.

As teorias científicas são sistemas de conceitos, categorias, leis e princípios, destinados a descrever e ou a explicar um certo setor do mundo, que podem ser comprovados ou por comprovar, mas devem estar suficientemente apoiados em fatos comprovados para serem tidas como aceitável por todos. As teorias fornecem a configuração global que as pessoas empregam para situar nela os objetos e acontecimento particulares.

Quando se utiliza um conceito expresso por uma palavra que representa uma ideia para representar um objeto ou um fenômeno qualquer da natureza, como uma patologia, por exemplo, uma febre, neste procedimento cognitivo ou comunicativo dar-se-á uma convergência destes três fenômenos: um corpo com temperatura elevada, a ideia que representa isto e uma palavra que simboliza simultaneamente o corpo febril e a noção subjetiva de febre. O conceito de febre, além de outras qualidades que lhe possam ser atribuídas, é uma construção mental que, a partir de certos elementos culturais mais ou menos influentes, representa um fenômeno real que se dá no corpo humano com mais de 37 graus centígrados de temperatura, é reconhecido como um fenômeno da natureza, apesar de encerrar um valor (como tudo que é patológico).

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Já quando se conceitua o que á alucinação, a confrontação do fenômeno assim nominado com a realidade faz-se de modo menos óbvio, mas não dá para supor que se trata de uma irrealidade somente porque á uma experiência subjetiva.

A correlação regular que se identifique entre o fenômeno chamado e reconhecido como febre e outros fenômenos constatáveis característicos seus (elevação da temperatura corporal e as consequências associadas a ela, compõe um conjunto mais ou menos previsível de relações conceituais que se referem a acontecimentos naturais, ainda que sua valoração seja um artefato cultural.

O significado de febre (como o de qualquer outro vocábulo que se refira a um acontecimento natural, psicológico ou sócio-cultural) de ser entendido como bem mais que uma simples convenção de significado para uma conjunto vocálico ou a mera constatação de um fato natural, é, simultaneamente, uma interpretação inteligente de um fenômeno objetivo (mas poderia ser subjetivo) e uma construção cultural que implica em uma explicação de sua natureza e uma inferência axiológica sobre seu valor de acordo como o entendimento daquele fenômenos nomeado com a palavra febre em seu contexto de significação.

A palavra febre compõe um conceito patológico, por sua identificação com dano e sofrimento, o que reflete a relação que se estabeleceu cientificamente entre uma pessoa com alta temperatura corporal e um determinado conjunto de outros categoria da patologia geral, a categoria de enfermidade.

O reconhecimento da existência de um objeto ou fenômeno concreto ou abstrato, real ou irreal, independe de sua valoração como bom ou mau, sadio ou patológico. O aumento do apetite em um paciente anorético, por exemplo, indica saúde; em um obeso, á um indicativo de doença. Em oposição a isto, os nominalistas medievais afirmavam que os conceitos não tinham este caráter geral, que as palavras çque isto. O nominalismo moderno (sucessor do verbalistas antigos e dos da tendência denominada empirismo lógico, que já foi referida) segue os passos de seu antecessor e sustenta a inexistência da verdade como nexo entre a palavra e a realidade e considera a verdade apenas como çpalavras unicamente convenáões adotadas em função de sua utilidade.

Desde a Idade Média, os nominalistas mais radicais recusam todo e qualquer valor objetivo aos conceitos e, consequentemente, às categorias e às leis naturais ou científicas e substituem a noção de valor objetivo pela de

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linguagem objetiva comprovável empiricamente. Isto porque consideram todos os conceitos como meros arranjos convencionados entre os significantes e os significados que são atribuídos a eles por seus inventores ou usuários.

O neopositivismo, o empirismo, o pragmatismo, o individualismo, o objetivismo e o operacionalismo são provavelmente as tendências mais importantes do pensamento cientófico moderno que incorporou as teses do nominalismo em suas teorias sobre as ciências e o conhecimento científico. E estão todas bem sintonizados com o individualismo filosófico. Sustentam que o conhecimento se refere às estruturas verbais, se confunde com elas que nada tem a ver com a realidade senão como significação convencionada. Que não se deve buscar explicação ou essência, bastando a identificação dos fenômenos. Que toda noção de valor deve ser abandonada.

Para os nominalistas medievais e modernos, as palavras seriam o próprio conhecimento e não apenas sua expressão objetiva. O que, em última análise, implica em entender o conhecimento, não como um processo inacabado em permanente construção na interação do homem com o mundo por via da descoberta, mas como uma eterna ilusão, um perpétuo auto-engano convencionado a cada momento por força das necessidades imediatas. A não ser de um ponto de vista nominalista, não se pode concordar que o conceito de enfermidade bem como os demais conceitos da patologia, por terem sido feitos pelo homem, por isto, não devam refletir alguma propriedade intrínseca da natureza.

Na verdade, todos os conceitos que existem, existiram ou existirão, foram, são e serão estruturados pelos seres humanos, podendo manter uma relação de verdade ou de falsidade com a realidade (validade). Igualmente, qualquer conceito pode estar contaminado por algum juízo de valor ou por qualquer associação mais ou menos preconcebida, o que não invalida necessariamente çeu núcleo cognitivo acerca do fenômeno ou do objeto. Principalmente porque se sabe que um dos remédios (provavelmente o mais eficaz) para esta situação é justamente, a ampliação do conhecimento.

Quanto mais se conhece sobre um objeto menos se está sujeito à influência da ideologia, dos preconceitos ou de outro viés que possa influir em sua imagem mental.

Nas palavras em geral, e quando formam termos científicos, em particular, a conceituação descritiva

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fornece elemento essencial à explicação e é enriquecida por ela. A nominação se inicia com um mínimo de informações descritivas.

A passagem de um conceito do momento descritivo para o momento explicativo á o objetivo de todo e qualquer conhecimento, e não apenas de ciência; na construção da ciência isto se faz ou deve ser feito de maneira controlada e sistemática, diferentemente do que acontece no conhecimento comum. Quando se explica uma coisa qualquer ou se aperfeiçoa a explicação que se tem dela, muda o seu conceito ainda que, como se viu, possa permanecer a mesma denominação.

Os positivistas creem que a posssibilidade de explicação não integre o objetivo da ciência. Na verdade consideram o conceito de explicação inepto como procedimento científico porqie descreem de sua existência. Como os microbiologistas do século XIX (entre eles, Pasteur) chegaram à conclusão da existência dos micróbios por meios lógico-explicativos, os positivistas não acreditaram neles, enquanto não puderam ser observados diretamente. Consideram-nos conceitos teóricos, como fazem atualmente com as enfermidades psiquiátricas. Por isto, recusavam as vacinas como procedimentos científicos válidos.

Os oficiais positivistas do exército chegaram a levantar a Vila Militar, no Rio, contra a vacina anti-variólica, só tendo se submetido ante a ação enérgica do governo.

Na estrutura do conhecimento, como um processo progressivamente aperfeiçoado, os conceitos descritivos devem anteceder aos explicativos na construção do conhecimento, mesmo comum, porque o desenvolvimento cognitivo exige esta transformação. Porque conhecer é, fundamentalmente, explicar e prever e isto se dá principalmente quando se trata do conhecimento científico.

No plano geral do conhecimento, deve-se discutir a maior ou menor validade dos conceitos concretos e abstratos, os que se referem a coisas objetivas e os que dizem respeito a dados da subjetividade.

Os conceitos acerca das coisas concretas, às vezes são chamados metaforicamente conceitos concretos (os quais seriam muito melhor chamados conceitos sobre o concreto), como acontece com o conceito de pedra, por exemplo, e os conceitos sobre fenômenos abstratos, como o de justiça, bondade, doença ou beleza podem traduzir coisas reais ou irreais, podem se referir a coisas verdadeiras ou falsas.

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Os conceitos são chamados reais quando refletem características reais de coisas igualmente reais. Já os conceitos de grifo, dragão e duende, anjo reflitam coisas irreais e unicamente idealizadas e, por isto, devam ser denominados conceitos sobre o irreal ou conceitos sobre o ideal.

Não são os conceitos que são reais ou irreais; porque o fato de existirem e serem usados, os faz reais. Seus conteódos é que se referem a coisas que podem ser reais ou irreais; e se as coisas são reais, podem ser concretas ou abstratas (pois, uma abstração pode ser uma realidade).

Os conceitos sobre o real e sobre o irreal não se distinguem uns dos outros por características suas, nem por elementos formais seus. Os conceitos concretos não são essencialmente diversos dos abstratos. Tal diferença se decorre da diferença existente entre a coisa concreta e a coisa abstrata no mundo real.

Nunca é demais repetir (sobretudo, no momento presente), um conceito se caracteriza essencialmente por seu conteúdo, inclusive os conceitos e as categorias científicas. É bem preciso, por isto, que se tenha presente que os conceitos sobre o real e sobre o irreal se caracterizam por aquilo a que se referem em seus conteúdos e não por sua forma e aparência; isto porque, na verdade, repita-se que reais e irreais não são os conceitos, desde que todos compõem a realidade porque existem e são reais, são as coisas conceituadas neles que podem pertencer ao mundo da realidade ou da fantasia.

O conceito de fantasma é bem real como conceito, irreal é a fatasmagoria. Ainda que muita gente tenha a mais arraigada convicção de que os fantasmas existem realmente. Sabe-se que é bastante comum que coisas tidas como reais sejam, depois, com o avanço do conhecimento, reconhecidas como irreais e vice-versa. Mas, os conceitos científicos devem se referir sempre a coisas reais, ainda que tais coisas sejam fenômenos subjetivos e abstratos, como acontece nas ciências humanas, principalmente no campo das psicologias.

No campo da teoria da ciência, deve-se ter como real apenas um conceito sobre coisa objetiva e de existência comprovada objetivamente. O que, em última análise atende à exigéncia de objetividade científica

Os conceitos devem refletir aquilo que é tido como essencial da coisa conceituada, desde o ponto de vista em que foram elaborados e em suas circunstancias histórico-sociais, além disto, devem conter a possibilidade de comunicar a verdade. Ainda que uma verdade

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reconhecida como provisória, incompleta e relativa. Porque, acreditar no contrário, seria aceitar a ideia da incognoscibilidade do mundo, o que tornaria toda ciência inótil, inclusive as ciências médicas.

Todo conceito é extraído da análise das relações conhecidas (supostas ou inferidas) que o objeto conceituado mantém com suas qualidades, inclusive seus atributos. Por isto, o ponto focal de um conceito (que costuma originar a palavra que o designa) é aquela relação que a coisa conceituada mantem com sua característica tida como mais geral e mais essencial.

Embora, deva-se considerar sempre que o julgamento de valor ou a avaliação de utilidade das coisas que, em geral, estão implícita nos seus conceitos (principalmente nos conceitos das patologias), frequentemente são componentes subjetivos (de origem psicológica ou ideológica) atribuídos às coisas pelas pessoas, e não sejam parte de suas qualidades naturais; se uma enfermidade é uma coisa boa ou má, por exemplo, não integra a estrutura de um conceito científico da patologia, é um atributo adicional do senso comum que se adere a ele. A noção de dano, pessoal ou social. Está sempre presente em toda conceituação de patologia. O que não muda o carácter factual de uma enfermidade como fenômeno ou processo natural.

Uma fratura pode ser considerada como um dado acidental na anatomia de um osso. A enfermidade fratura completa do terço médio da tíbia direita é um conceito inicialmente concreto que, apesar de sua aparência neutra e descritiva, trás implícita uma avaliação de valor negativo porque danoso para a pessoa que tem seu osso fraturado. Neste caso, como em qualquer patologia física lesional, não é possível distinguir o componente concreto do abstrato ma unidade da condição patológica.

E esta é uma contradição formal presente em todos os conceitos patológicos: uma enfermidade ou patologia se caracteriza essencialmente pelo dano que aquela condição ocasiona para o organismo; contudo, a noção de dano é axiológica (valorativa) e, portanto, inutilizável nos marcos teóricos das ciências objetivas, a partir da restrição positivista.

Em um plano mais restrito, se coloca a questão das manifestações patológicas do comportamento. Para muitos, como Schneider, parece impossível entender o fenômeno da enfermidade fora do corpo. Entretanto, isto parece uma concessão ao dualismo que não deve ser necessariamente aceita.

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As manifestações mórbidas (ou enfermidades) podem se expressar no corpo, na conduta (inclusive na conduta social) ou no desepenho das funções mentais (ainda que estas não sejam bem conhecidas e, ainda não bem definidas).

A noção de transtorno (disorder), muito empregada hoje pelos positivistas se destina a fugir ao conceito de enfermidade, traduz esta dificuldade ontológica essencial. Por isto, conceitos como enfermidade, doença, patologia, moléstia e tantos outros não se referem a coisas naturais, mas a construtos ideológicos. seu compromisso com o dano causado às pessoas é nitidamente ideológico. E isto pode ser muito bem exemplificado nas diferenças que podem ser verificadas na diversidade de atitudes de médicos e de biólogos quando estudam um mesmo agente biológico.

Veja-se o estudo do bacilo de Koch, por exemplo. Para o biólogo, aquele micro-organimo é unicamente um objeto de estudo cuja história natural precisa ser conhecida porque aquilo ampliará o conhecimento humano, lhe trará fama e, com sorte e jeito, algum lucro.

O médico, por sua vez, estuda aquele agente biológico como um inimigo. O conhecimento de sua história natural (além de todas as motivações que animam os demais cientistas), precisa ser conhecida por, para que possa descobrir seus pontos fracos. A melhor maneira de eliminá-lo, extinguí-lo de uma vez por todas. E, se isto não for possível, ao menos controlar sua reprodução, impedir ao máximo sua ação maléfica. No entanto, este malefício não éuma ideologia nem um julgamento convencional ou preconceituoso. Traduz uma avaliação médica de valor.

Avaliação médica de valor que se faz a partir de uma realidade humana concreta; ponderação que se faz sobre a existência daquele ser vivo, o bacilo de Koch, do ponto de vista da humanidade, dos interesses dos seres humanos. De todos os seres humanos ou de algum em particular.

A validade de um conceito científico é dada nas ciências factuais pelo reconhecimento da sua consonância com a realidade que pretende expressar.

Quando se trata das enfermidades em geral e, das enfermidades psiquiátricas, em particular, a dificuldade de interpretação epistemológica se mostra bem mais exigente. Primeiro, porque aí se dá notável influência do senso comum e esta exerce um efeito pernicioso sobre a elaboração científica.

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Principalmente para aqueles médicos que acreditam em explicações sobrenaturais para o advento das enfermidades e de seu combate. E para os que se aventuram a empregar o conceito de loucura para designar a enfermidade psiquiátrica. Conceito que não pertence à linguagem científica, mas ao senso-comum arcaico. 5 Por causa de sua imprecisão, nem na antropologia emprega-se mais a palavra loucura como termo científico, sequer como termo descritivo. Mas ele se presta muito bem a xingamento ou outras designações depreciativas ou a inferências mágico-sobrenaturais.

Por tudo isto, é bastante mais interessante (e menos aventureiro) empregar o conceito de enfermidade mental, expressão mental de enfermidade ou, melhor, enfermidade psiquiátrica, que parece ser a melhor tendência atual. Tal como acontece com as enfermidades somáticas lesionais, também as enfermidades psiquiátricas mantêm esta dubiedade. E mais ainda porque se trata de dois níveis de fenômenos subjetivos: a experiência do fenômenos e sua valoração como uma patologia, ambos se dão como abstrações, produções subjetivas.

A Ideia, a Coisa e a Palavra

O objeto, a ideia e a palavra, embora sejam três dados cognitivos individualizados reconhecíveis por si mesmos (como três categorias da teoria do conhecimento) e três fenômenos individualizáveis por suas características próprias, na medida em que cada uma destas coisas tem sua própria definição, estão sempre inteiramente integrados na unidade lógica e psicológica do seu conceito.

A noção de conceito integra e sintetiza a palavra, a ideia e a coisa conceituada em um amálgama lógico e psicológico único que não pode ser decomposto senão como uma exercício de análise. Igualmente, sabe-se que o conceito, ao apontar para as características mais gerais e mais essenciais da coisa conceituada, cria as condições para que ela seja explicada e definida e, tornar-se progressivamente mais rico e atualizado.

Na verdade, não existe qualquer conceito que não constitua uma síntese perfeitamente integrada destas três instâncias inseparáveis em sua unidade (ideia, coisa e palavra) e que, por causa de seu valor na estrutura conceitual, podem ser denominadas dimensões conceituais, porque sem elas não pode existir um conceito ou uma categoria.5 A designação de loucura, para uma doença psiquiátrica, além de obsoleta mantém uma conotação ofensiva e insultuosa que a indica que deva ser evitada por um médico em referência a um paciente.

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O que aqui se denomina dimensões conceituaissão as três dimensões do conceito: a coisaque é o objeto do conceito, a ideiaque a reflete subjetivamente e a palavraque expressam e simboliza objetivamente tanto a coisa quanto a ideia. É possível, como acontece nos conceitos abstratos e nos conceitos dos processos subjetivos, que o objeto e a ideia se superponham a ponto de se confundirem.

O conhecimento só pode existir como uma estrutura lógica verbalizada; sendo impossível pensar e conhecer o conteúdo ou a essências das coisas sem as palavras (ou outros símbolos), porque, por mais concreta que seja a coisa, sua essência é sempre uma abstração. Isto se dá em todos os aspectos do conhecimento, tanto do conhecimento como processo de construção do saber, quanto como resultado deste processo de conhecer alguma coisa (o acervo de conhecimento); e, muito mais ainda, do conhecimento como manifestação da articulação lógica de ideias, do conhecimento como resultado do raciocínio.

A possibilidade psicológica de abstrair é uma decorrência da capacidade simbólico-verbal; nenhum grau de abstração seria possível sem que existissem as palavras. Porque é impossível abstrair sem elas ou outros recursos simbólicos que as substituam. Até a generaliação sobre coisas concretas, redundaria insuficiente até para o conhecimento vulgar. Ao mesmo tempo, seria impossível raciocinar sem abstrair ou generalizar. Pensamento inteligente e linguagem são duas dimensões inseparáveis do conhecimento e absolutamente em interação; sendo impraticável determinar qual é primário ou secundário em relação ao outro ou, mesmo, separá-las na unidade do conceito.

O conceito inexistiria sem palavras ou outros signos capazes de simbolizar os objetos e fenômenos, mas não se pode reduzir o conceito àpalavra, como ele não pode ser reduzido àideia que transmite. Esta característica que têm os conceitos, de serem fenômenos essencialmente (mas não exclusivamente) verbais, ainda que sempre simbólicos, não se refere apenas aos símbolos dos conhecimentos mais elementares; pois se sabe que os conhecimentos mais complexos são, em verdade, sistemas conceituais, sistema simbólicos mais ou menos complexos, que podem ser organizados sob a forma de juízos ou de raciocínios ou de sistemas de conceitos, categorias, juízos e raciocínios.

Todo conhecimento, qualquer que for sua complexidade ou natureza, há de ter sua estrutura composta por três colunas-mestras:

a) a coisa a conhecer (seja uma coisa concreta ou abstrata),

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b) uma estrutura de ideias e

c) um símbolo verbal (ou não-verbal) que representa e materializa a coisa e a ideia e possibilita sua comunicação.

Questão cognitiva maior no estudo da epistemologia, no momento atual do estudo das ciência que confluem para a psiquiatria, é saber se as palavras são o próprio conhecimento ou unicamente sua expressão, porque esta é uma polêmica que ocorre frequentemente na ciência atual.

Para os empiristas e pragmatistas de ascendência norte-americana, os novos nominalistas, as palavras são o objeto da investigação científica, não as coisa. Por isto, preocupam-se mais com os diagnósticos do que com as enfermidades e, mais ainda, com os enfermos como elementos da realidade. Consequentemente, confundem a _nosotaxia_ (qualquer sistematização de enfermidades), a _nosografia_ (organização sistemática dos diagnósticos) com e a _nosologia_ (estudo das entidades clínicas, sistematização das entidades nosológicas a partir de seus elementos explicativos).

As formas das palavras, seus significados e os conteúdos sintáticos impregnados nelas são apenas dados convencionais, inexistindo uma relação direta entre o som das palavras e o significado que elas representam; mas o conhecimento que elas comunicam deve ser muito mais que uma convenção ou uma mera construção imposta pela utilidade. Não deve haver necessidade de saber se os conceitos se referem às palavras ou às coisas. Referem-se a ambos, porque as palavras, as coisas e as ideias são inseparáveis na unidade conceitual.

Quando se menciona um diagnóstico, este deve se referir a uma condição patoógica.

A Filosofia da ciência deve elucidar o problema lógico das relações recíprocas que se estabelecem entre o fato (abstrato ou concreto, que constitui o objeto ou acontecimento) expresso no conceito, o fenômeno subjetivo (ideia que reflete aquilo que se reconhece como as propriedades mais gerais e essenciais do fato conceituado) e a palavra (que simboliza, simultaneamente, o conceito e o fato).

O amálgama resultante da união mental do objeto, ideia e palavra constitui, ao mesmo tempo, ação e reflexão, substituição da experiência e antecipação do futuro; por isto, se reflete não apenas na cognição, mas na afetividade.

Recordar ou empregar a palavra que denomina um objeto ou fenômeno qualquer é um comportamento corriqueiro e, em geral, não costuma provocar cogitações mais demoradas ou profundas.

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_ê_ raro que alguém busque analisar aquele acontecimento como algo especial, mas qualquer um pode distinguir em seu mundo subjetivo a diferença entre a palavra, a ideia e o objeto, ainda que as três coisas pertençam ao mundo da realidade e estejam compreendidas no processo global de conhecer.

É muito importante saber que a separação que aqui se propõe do pensamento e da linguagem é unicamente um artifício didático (que só é possível como um exercício de análise) para melhor entender os processos cognitivos e a estrutura do conhecimento científico.

Como qualquer outro produto do pensamento, o conhecimento (principalmente o conhecimento científico) constitui uma estrutura na qual o pensamento é o conteúdo e a linguagem a forma. Neste caso, como em outros semelhantes ou análogos, a forma e o conteúdo de um objeto, fenômeno ou processo não podem ser separados sob pena de desintegração da coisa estudada. E também é por isto que os formalistas do passado (verbalistas antigos e nominalistas medievais) e os logicistas modernos (representados pelos autores do Círculo de Viena) se ucupam apenas de um dos extremos desta síntese, permanecem presos a uma única das dimensões da totalidade do conhecimento, vítimas de sua própria parcialidade e da incapacidade de verem o todo.

Estudando as possíveis opiniões existentes acerca das relações possíveis entre todas estas dimensões conceituais (ideia, palavra e objeto) verifica-se que é possível identificar duas posições básicas: os que integram estes fenômenos em uma totalidade divisível apenas por análise e os que têm delas uma noção dissociada, como se existissem ou pudessem existir como conceitos separados, uns dos outros.

O dualismo religioso inspirou a ideia da separação da noção, coisa e palavra. No século passado, houve duas reações monistas, materialistas e historicistas contra o dualismo: o positivismo de Comte (conservadora e mecanicista) e a doutrina de Marx (revolucionária e dialética). 6

Uma das concepções extremas derivadas do positivismo lógico(ou empirismo lógico), manobra com a qual se intenta reduzir toda Filosofia à linguística, é que a linguagem seria apenas uma espécie de jogo subordinado a determinadas regras e que todos os jogos linguísticos teriam o mesmo valor. E, com isto se estabelece uma cisão entre a palavra e seu significado e a coisa a que se referem.

O empirismo lógico é uma tendência da teoria do conhecimento positivista que tanto se dirige para o

6 Há um estudo interessante de WING, J.K., Reflexões sobre a Loucura, Ed. Zahar, Rio, 1979, pp. 11 e seguintes.

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conhecimento vulgar, quanto para o conhecimento científico e, se pode inferir que, nele se tende a definir o homem como animal falante e confunde o psiquismo com a linguagem.

O verbalismo é uma tendência derivada desta corrente que (como os nominalistas medievais) tenta substituir o estudo da realidade pela análise linguística, a investigação dos fatos pela interpretação das palavras que os denominam, a definição das coisas pela definição verbal. Enfim, substitui os objetos pelas palavras que se referem a eles. Esta tendência filosófica tem exercido muita influência em escolas médicas e, principalmente, psiquiátricas norte-americanas de orientação epidemiológicas e em grupos psicoanalíticos de orientação lacaniana. E como é cultivada na matriz econômica, política e cultural de nossa sociedade, é bem natural que seja absorvida mais ou menos acriticamente em nossa cultura de periferia pelos intelectuais mais ou menos colonizados.

Descobrir e Criar

Tarefa importante na elaboração do conhecimento de qualquer ciência é justamente descobrir, o que significa separar, denominar e isolar as coisas ou os conceitos mais elementares daquela área do mundo. Descobrir é encontrar uma coisa nova ou um aspecto novo de uma coisa já conhecida; notar e perceber uma coisa que estava despercebida.

Depois da descoberta, segue-se a exploração do descoberto.Em termos de conhecimento científico, trata-se de elaborar e operar os meios que permitam estabelecer de modo preciso, válido e confiável as relações entre os fenômenos mais simples e suas qualidades mais características no âmbito de seu objeto; a descoberta científica de uma coisa (concreta ou abstrata, como um novo conecito, por exemplo) consiste em identificar suas categorias conceituais, buscando distinguir as características que devasm ser tidas como as mais essenciais e as mais generalizáveis no fenômeno natural descoberto e nominado; separando as características essenciais e gerais daquelas que são acessórias (acidentais) ou individuais em relação ao objeto ou fenômeno que se descreve. Segue-se a tarefa de ordenar e classificar logicamente os conceitos obtidos, prosseguindo na tarefa de estabelecer mais relações entre as coisas e os fenômenos entre si e com suas características. Esta é a estratégia que se deve usar para estudar e aprender qualquer coisa, tendo servido há séculos para estudar as enfermidades e constituindo o fundamento lógico do método clínico, reconhecido há muitos séculos como instrumento específico do conhecimento médico.

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Esta trajetória cognitiva tem sido exatamente a que caracteriza essencialmente o que se convencionou chamar de método clínico, ou seja, a criteriosa aplicação da observação e da descrição, classificação e explicação genética na construção do conhecimento médico-clínico e da descoberta das definições científicas em Medicina.

O método clínico se mantém como o grande construtor do conhecimento médico e está bem longe de ser superado por recursos laboratoriais ou investigações de campo. Ainda que não se deva ou possa negar importância àcontribuição destas áreas de investigação.

Aqui se situa também a diferença fundamental entre a descoberta científica e a criação artística. Na descoberta, proclama-se um conceito que identifica um objeto ou um acontecimento que já existia previamente na natureza, mas estava encoberto, ignorado, disfarçado ou simplesmente despercebido porque não se sabia dele. Descobre-se o que já existia no mundo e não se conhecia, não importa a razão pela qual aquilo estava ignorado.

O objetivo essencial das ciências factuais tem sido sempre descobrir <D>as realidades da natureza, da sociedade e dos homens e desvendar as verdades sobre elas; tanto as coisas e fenômenos naturais, sociais e humanos quanto as leis que explicam seu movimento (no sentido mais amplo possível desta expressão, de toda mudança que experimentem). Já na criação artística, algo novo é acrescentado ao mundo através da invenção de um conceito isolado ou de um corpo de conceitos.

Diferentemente da descoberta, a criação faz-se pelo procedimento de tornar existente uma coisa nova, coisa que antes de ser criada era inexistente. Na criação se materializa o que antes de ser criado era só uma imagem mental, um desejo, um projeto do criador.

A ciência descobre, explica e prevê coisas e acontecimentos que devem existir objetivamente e, portanto, independentes do observador; enquanto a arte cria coisas que não tinham existência por si mesmas e que não existiriam não fossem inventadas por seu criador. Esta é a diferença essencial entre a ciência e a arte e esta diferença lhes impõe incontáveis exigências compatíveis com ela. Por isto, a consonância com a realidade (validade) deve ser considerada como uma das características essenciais da coisa descoberta, da descoberta científica. No plano científico, as hipóteses e as suposições guardam muita afinidade com a criação artística e, justamente

por isto, necessitam ser aferidas, verificadas e submetidas àprova de consinância com a realidade.

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Nem toda descoberta é científica, bem como nem toda criação pode ser tida como artística.

As palavras e as ideias empregadas pelo investigador quando decobre alguma coisa nova cientificamente ou quando usadas pelo artista quando cria uma produção artística, podem ser idênticas, mas as coisas a que se referem são essencialmente diversas, como são diferentes os caminhos cognitivos que levam a elas. Apesar de ambas, a descoberta e a criação, serem expressas por palavras, a estrutura do conhecimento que se emprega na criação é completamente diversa do tipo de conhecimento usado para descobrir, explicar e prever.

Os conceitos científicos estão comprometidos com a realidade, pois devem representar a realidade natural, social ou comportamental a que se refiram (mesmo que a recriem a partir de uma teoria ou de uma ideologia sob forma de teoria); ainda que não estejam isentos de bias conceituais, deformações e causas de erro capazes de contaminar os juízos e os raciocínios construídos com aqueles conceitos.

Os conceitos artísticos podem ser, no máximo, uma fonte de referência para o conhecimento da realidade, uma ilustração, um exemplo.

A invenção técnica (invenção ou invento) é um fenômeno técnico que se situa como intermediário entre a criação e a descoberta, quando se descobre um meio prático, engenhoso e criativo de produzir uma utilidade a partir de um conhecimento.

Palavra e Significado

Um conjunto vocálico só pode ser chamado de palavra se tiver significação que lhe tenha sido atribuída no interior de um sistema cultural. Além de recursos indispensáveis àcomunicação, as palavras podem ser empregadas para formar proposições, enunciados ou juízos, que são figuras linguísticas nas quais se afirma ou nega alguma coisa em relação a outra coisa ou a um processo. Quando se considera a significação das palavras, principalmente seus significados articulados em juízos (como os enunciados científicos, por exemplo), é possível lhes reconhecer três espécies de significação e o conhecimento delas permite entender melhor o emprego dos termos científicos.

Tipos de significados das palavras:

a) significado lógico,

b) significado factual e

c) significado expressivo.

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Pode-se dizer que um enunciado qualquer pode ter os segintes significados:

= um significado lógicoquando pode ser declarado verdadeiro

ou falso unicamente a partir de seus termos (como os teoremas ou enunciados, como em: os homens não são mulheres);

um significado factual além de incluir termos que têm significado, encontra sua significação em algum fato ou conjunto de fatos, como ocorre nas ciências, por isto mesmo chamadas de factuais; e

= um enunciado tem significado expressivoquando o enunciado não tem qualquer significação teórica (como acontece com as interjeições) ou quando comunicam um significado diverso daquele que contém (como acontece com as metáforas e outras figuras de linguagem).

Define-se signo como qualquer sinal, objeto ou acontecimento empregado como capaz de produzir a evocação de uma outra coisa ou acontecimento que ela simboliza. O signo é um símbolo de uma coisa (objeto material ou conceitual) que permite a comunicação sobre ela. Quando se estuda a origem da significação das palavras e sua evolução no tempo, pode parecer a alguém que a relação existente entre uma palavra e seu significado seja algo dado, uma convenção mais ou menos casual, que a significação de um vocábulo seja alguma coisa que possa acontecer e existir de modo natural e espontâneo. Ou pode parecer que a palavra e seu significado apresentem entre si um vínculo natural, como qualquer outra vinculação natural que, eventualmente, una dois ou mais elementos na realidade da natureza; que mantivessem uma relação natural, semelhante àquela existe entre uma árvore e seu fruto, por exemplo. Mas a relação existente entre uma palavra e sua significação não é um acontecimento natural ou espontâneo, mas uma relação convencionada pelos indivíduos que criaram e empregam aquela palavra no curso de sua existência social, como aquela que se dá entre uma pessoa e seu nome, ainda que aquela palavra se refira a um objeto da natureza.

Desde cedo em sua existência, enquanto uma pessoa toma contacto com o mundo fora dele próprio, aprende nomes que foram atribuídos para as coisas que existem àsua volta e aprende a empregar aqueles nomes para mencionar aquelas coisas. Com isto, passa a identificar dois aspectos que devem ser tidos como extremamente valiosos em filosofia da ciência: a coisa e seu nome.

Na fase primitiva do pensamento mágico, a identificação entre a coisa e seu nome foi tão intensa e tão abrangente que estes dois conceitos se confundiam. Os seres humanos chamados primitivos confundiam o nome e a coisa, o nome e a pessoa. Esta influência ainda hoje se manifesta em pessoas que evitam falar em coisas

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"ruins" para evitar "atrair o mal", não "mencionam o diabo para que ele não apareça"...

Toda estrutura das explicações míticas sobre a origem do mundo, das pessoas, das instituições e outras explicações míticas para contentar a curiosidade e a necessidade de conhecer se originam nesta tendência. Não obstante, ela também fornece campo fértil para o estudo dos fenôemnos psicopatológicos das obsessões e compulsões. Grande parte do crescimento do mundo pessoal é determinado pelo aumento do vocabulário (e, muitas vezes, se resume a isto). Ainda que formalmente o conhecimento se inicie na evidenciação e se continue na apreensão de informações descritivas sobre seu objeto, só dizemos que conhecemos alguma coisa quando sabemos seu nome ou inventamos um para ela. Por isto, ao contrário do conhecimento vulgar, para muitos epistemólogos, o conhecimento científico se inicia com a nominação. Mas, à medida em que as coisas são melhor conhecidas, aprende-se a denominá-las de outro modo que não aquele signo que fora usado até então ou se modifica o significado do símbolo verbal empregado para designá-las, de modo a incluir os novos conhecimentos substituindo os anteriores, ou adicionando os novos significados às significações anteriores às quais são incorporadas.

Na nossa cultura, só muito recentemente se aprendeu a separar a coisa de seu nome, principalmente no âmbito da psicologia.

Significado, Essência e Conteúdo do Conceito

As palavras são símbolos artificiais (signos verbais construídos intencionalmente para representar alguma coisa na linhiagem) que permitem integrar em uma unidade comunicativa a coisa e a ideia que a representa para ser transmitida a um receptor que a decodifica e entende seu conteúdo comunicativo, sua significação. A significação de um símbolo é, pois, aquilo que integra o emissor e o receptor no processo comunicativo (a comunidade simbólica). Além disto, a significação de uma palavra, como expressão da essência e do conteúdo do conceito que ela representa, integra a coisa, a ideia e a palavra em uma totalidade simbólica e uma unidade lógica, constituindo o elemento mais importante do conceito, entendido como sistema lógico e psicológico.

Também é por este motivo, que a linguagem e o pensamento se integram inseparavelmente em uma estrutura indeslindável, constituindo em exercício inútil tentar considerá-los separadamente, não apenas para estudar sua patologia, mas para estudar seu funcionamento não patológico (como já se mencionou, mas nunca é demais repetir).

O significado é a essência e o conteúdo do conceito, apesar de seu caráter abstrato, sendo, por isto, seu elemento mais importante, aquele que o caracteriza e qualifica; enquanto a palavra é sua

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forma, seu envoltório concreto, sua dimensão material. O significado é uma realidade sunjetiva. Estes são algumas categorias essenciais para entender o que é básico na comunicação científica, ainda que se apliquem em todos os processos comunicativos inteligentes, mesmo sem qulquer pretensão de cientificidade.

A semântica é o capítulo da semiótica que estuda os sistemas de signos como meios de expressão do significado, o significado dos signos

Significado é a representação mental despertada por uma determinada forma liguística, o conteúdo simbólico de um signo (no caso, uma palavra), exatamente qual objeto ou fenômeno que aquela palavra denomina e ao qual se refere em sua função comunicativa.

Significante é o próprio signo porque contém o significado; no caso, o signo é a palavra, entendida apenas como elemento vocálico, em última análise, o envoltório material de uma ideia.

A forma linguística é um modo de expressar a palavra carregada com seu significado; a relação entre o significado e o significante.

Linguagem é a produção e o entendimento das palavras enquanto signos verbais, significados.

Fala é a articulação, emissão e pronúncia das palavras enquanto conjuntos vocálicos, significantes.

A significação é o elemento mais importante de um signo qualquer, principalmente de um conceito, ainda que sua forma e outros elementos da aparência (como sua função gramatical) não possam ser considerados como desimportantes. Por isto, o estudo dos conceitos e sua avaliação como procedimento comunicativo, inclusive na comunicação científica, deve ser centrado da verificação de seu significado.

Mudanças da Significação dos Conceitos

Os conceitos não são construções convencionais estáticas e imutáveis. Sabe-se que os conceitos são entes lógicos dinâmicos que mudam de forma e de conteúdo com o passar do tempo. Por diferentes razões que não serão consideradas aqui, os conceitos não conservam seu conteúdo perenemente, nem as palavras mantêm sua forma ou seu significado de uma maneira estática e permanente.

Em geral, as palavras mudam sua forma e sua significação no decorrer do tempo. Destas mudanças, aparentemente as variações de conteúdo são tidas como as mais importantes. Como já se viu logo acima, esta faculdade que têm os conceito de atualizar seu significado se denomina semântica e este fenômeno é

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particularmente importante para se estudar o processo de conhecer e de reconhecer. Neste sentido de semântica como o capítulo da linguística que estuda a significação dos conceitos e a mudança do significado das palavras no decorrer do tempo, os processos semânticos constituem acontecimentos correntes na linguagem vulgar, quando acontecem de maneira mais ou menos espontânea e assistemática (por causa da própria científica, mas isto deve se dar de maneira bastante disciplinada. Os movimentos semânticos são características das línguas vivas e expressam a criatividade do saber popular e as novas necessidades que acontecem no desenvolvimento temporal das culturas. Não obstante, a linguagem educada é muito mais resistente às mudanças (a não ser as aditivas) porque, ao menos formalemente, dispõe dos recursos comunicativos de que necessita para se comunicar com precisão.

A linguagem científica, como ramo particular da linguagem culta evidencia esta característica de modo ainda mais arraigado.

A semântica lógica (ou metalógica) é o ramo da lógica que se incumbe da linguagem formalizada. Mas deve-se insistir que a linguagem científica (ou as linguagens científicas) não deve ser comparada à linguagem natural porque se diferencia dela por numerosos fatores, entre os quais está a diferença com que trata as mudanças semânticas, como se vê logo adiante.

Grande parte do aperfeiçoamento do conhecimento que se tem sobre as coisas se concretiza de duas maneiras: a) da troca das palavras que o designam ou b) na atualização do significado de suas denominações, a mudança de significação de seus nomes. Porque a significação de um conceito é algo dinâmico que se enriquece cada vez que se amplia o conhecimento sobre a coisa que ele designa.

No primeiro caso, quando se troca seu nome, pode-se pensar que as coisas estão apenas mudando de nome, mas, o que acontece na verdade, é que está mudando a forma de denominá-las porque a forma antiga já não pode comunicar o que de novo se sabe sobre aquilo que ela designa. A mudança do nome significa que o conhecimento sobre a coisa, provavelmente, caso não tenha ficado mais rico e mais mudar a denominação (como aconteceu na passagem do conceito de dor-de-barriga para gastroenterite, de loucura para psicose, de enfermidade para transtorno, de lepra para hanseníase, de defluxo para resfriado e de resfriado para influenza).

Contudo, a maneira mais comum de aperfeiçoar a significação de um conceito consiste em mudar seu conteúdo, atualizando-o sem que se altere a forma da palavra que o designa (processo semântico diacrônico). Na linguagem comum, este processo se dá espontaneamente. A linguagem culta, inclusive na linguagem das ciências, no entanto, é mais exigente e um termo só se incorpora a ela depois de dicionarizado, o que significa que a mudança foi

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amplamente aceita. Por isto, na linguagem científica, a incorporação de um termo novo ou a atualização do significado de um antigo, se dá a partir de um amplo consenso da comunidade científica interessada acerca daquela transformação conceitual e essa mudança reuniu consenso suficiente.

Coisa diversa acontece quando se dá uma mudança no eixo político ideológico de hegemonia e dominação. Porque uma das instâncias de manifestação da hegemonia e da dominação políica é, seguramente, a linguagem (mesmo a linguagem científica).

Mas, é necessário estar atento para mudanças de significado dos conceitos promovidas unicamente com o propósito de garantir a homogeneidade teórica de uma escola ou tendência doutrinária, configurando um jargão de iniciados, como o jargão psicoanalítico, o jargão behavourista ou outro qulquer. A soma do vocabulário conhecido (palavras cujos significados são conhecidos) e, principalmente seu vocabulário ativo (palavras usada mais ou menos regularmente) de alguém constitui seu patrimônio linguístico, seu principal instrumento para desenvolvimento intelectual e indica suas possibilidades cognitivas. Por isto, a pobreza conceitual, que caracteriza a linguagem inculta, não se expressa apenas no pequeno número de palavras conhecidades e empregadas, mas na limitação do conhecimento dos diversos significados de cada expressão. O processamento mais ou menos erudito da linguagem, o mínimo que se pode esperar de um graduado em universidade, exige o domínio linguístico dos conteúdos do repertório científico de sua área de formação específica.

Pode-se exemplificar a transformação dos conceitos em geral, com a evolução de um conceito importante (na verdade, uma categoria) da Medicina, examinando-se a recente evolução do conceito de morte. Como resultado direto da prática dos transplantes de órgãos, mas também por causa da evolução do conhecimento de neurofisiologia, o conceito de morte mudou radicalmente nos últimos anos, passando da abolição da respiração e dos batimentos cardíacos para o desaparecimento da atividade bio-elétrica encefálica. Porque este segundo conceito é muito mais útil e não compromete o entendimento do que é essencial no fenômeno cogitado.

Conceitos como neurose e psicose mudaram muitas vezes como resultado de mudanças no conhecimento sobre aqueles fenômenos e alterações do paradigmas científicos e pelas mudanças que se deram no entendimento das condutas que estes termos expressam. Em geral, os conceitos descritivos (aqueles construídos unicamente a partir do conhecimento de características da aparência e da forma das coisas que designam) apenas se completam, na medida em que a descrição se torna mais completa ou mais precisa, até o ponto de

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permitir estabelecer as regularidades estáveis na coisa conceituada e a explicação de sua existência. Já os conceitos explicativos (estruturados sobre dados essenciais e de conteúdo, referentes a seus mecanismos internos), podem mudar radicalmente por ter havido uma substituição importante da explicação.

Além de mudar o nome, sabe-se que é possível ampliar ou, de qualquer maneira, mudar a ideia (neste sentido de noção sobre algo) que se tenha sobre uma coisa, a despeito de conservar a mesma palavra para denominá-la (como aconteceu com os termos científicos anemia, átomo). Neste último caso , quando a palavra muda de conteúdo mas conserva sua forma (denominado fenômeno semântico diacrônico), a mudança da ideia sobre a coisa (o significado) não foi acompanhada da troca da palavra que a expressa (o seu significante).

Na semântica diacrônica, conserva-se a forma da palavra, mas muda seu conteúdo, isto é, a ideia que ela expressa. E tal mudança pode se dar pelo aperfeiçoamento daquilo que se conhece sobre ela ou, como acontece com o conceito de átomo, uma radical mudança de seu significado.

Além da troca do nome ou da atualização de seu significado na evolução muitas palavras na linguagem comum (inclusive a palavra ciência), por um fenômeno linguístico denominado polissemia, uma palavra costuma incorporar novas significações àmedida em que se aperfeiçoa o conhecimento sobre o que ela simboliza, estes sentidos vão se superpondo, os novos aos outros preexistentes; nesta caso, a palavra passa a servir de suporte material a diversos conceitos, a simbolizar diversas coisas e a expressar várias ideias que podem estar mais ou menos próximas ou serem completamente distintas, na dependência das circunstâncias de sua evolução histórica.

A polissemia, que é um atributo indispensável ao enriquecimento do conhecimento comum, sendo o que garante a condição de um idioma vivo, não pode ser tolerada na terminologia da ciência (porque a linguagem científica se comporta como um idioma morto, só empregado por eruditos e que não se transforma mais, como o latim, por exemplo). Os conceitos científicos devem ser, necessariamente, exatos, estáveis e, portanto, destituídos de ambiguidade. Este fato é da maior importância porque se verifica atualmente uma tendência a confundir o vocabulário comum com a terminologia científica, principalmente nas dimensões sociais e humanas das ciências médicas, com grande prejuízo para o resultado obtido. Este é um aspeto que separa a linguagem científica da linguagem comum.

Nos conceitos científicos, não se deve admitir a polissemia ou semântica sincrônica; nem deve haver, havendo o necessário rigor, qualquer mudança no significado de um termo científico (a semântica diacrônica), embora esta última norma não seja sempre

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seguida face àdinâmica do conhecimento científico. Na terminologia científica, neste caso, deve-se eleger ou construir um novo termo para a nova significação. Contudo, essa eleição não se faz espontaneamente, nen deve ser uma iniciativa isolada de poucos, ao menos m tese, exige senão unanimidade ao menos consenso da comunidade científica interessada. Na prática, pode ser imposto por um interesse econômico, ideológico ou político hegemônico.

Em nomenclatura científica, deve-se construir um termo novo para cada novo significado que se imponha pela necessidade, sempre que a mera lapidação e polimento da significação comum (o sentido) for insuficiente para as exigências da comunicação científica rigorosamente controlada.

A semântica sincrônica (ou descritiva) é o estudo dos significados simultâneos que se atribuem a uma palavra em um dado momento; enquanto a semântica diacrônica (ou histórica) é o estudo das diversas significações sucessivamente assumidas por um significante no decorrer do tempo. Em Medicina e em psiquiatria, existem numerosos casos de semântica sincrônica, fator que compromete sua cientificidade, como se há de ver mais adiante. O conceito de degeneração vem mudando desde o século dezenove. Distimia, é um bom exemplo de semântica sincrônica, enquanto significa literalmente qualquer alteração do humor (dis=perturbação timia=humor), atribuiu-se-lhe mais recentemente oara atender a interesses ideológicos e mercantís o significado de uma categoria patológica dedifinida de depressão crônica de baixa intensidade e curso oscilante.

Sentido, neste contexto particular, além de ser empregado como sinônimo de significado ou significação, costuma ser usado como o significado particular que uma palavra tem em uma ciência, subcultura ou em uma comunidade em particular; podendo significar, ainda, a intenção especial de quem fala, em um determinado contexto verbal ou circunstancial. Fenômeno que não deve aconteer em uma disciplina científica madura.

Na linguagem vulgar, mesmo educada, é comum que as palavras tenham mais de um sentido, mesmo muito distantes entre si. O exemplo dos diversos sentidos da palavra manga, é o exemplo didático muito empregado para exemplificar este fenômeno linguístico. Os diferentes sentidos podem ser entendidos pelo contexto verbal em que são empregados ou por uma variação significativa da expressão do emissor. Contudo, isto não deve existir na terminologia científica, até porque a linguagem da ciência não deve permitir estas variações expressivas e nem os termos científicos comportam mais de uma significação (a mais exata possível em cada momento da cultura).

Deve-se diferenciar os sentidos particulares que se pode atribuir a uma palavra em seu emprego corrente, de dois fenômenos

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linguísticos denominados metáfora e de metonímia, que são tipos particulares de linguagem figurada na qual se dá uma atribuição intencional de sentido a uma palavra que é diversa daquele que ela tem. Mas, na linguagem da ciência, não pode ou não deve haver metáfora nem metonímia, como não pode nem deve haver semântica. Em terminologia científica, quem sabe o que faz não pratica qualquer figura de linguagem. Muito menos trata a terminologia científica ou as regras de sua sintaxe com a liberdade da linguagem comum.

Metáfora é uma figura de linguagem que emprega uma palavra com significado diferente daquele que é dela, mas com o qual pode ser facilmente comparado subjetivamente (como o desemprego é uma doença da sociedade). Caso em que a expressão doença caracteriza um recurso metafórico, que deve ser entendido como se o desemprego fosse uma doença.

A metonímia é uma figura de linguagem pela qual se amplia o âmbito da significação original de uma palavra, a partir de uma relação objetiva que se reconheça existir entre a significação original própria e a figurada que lhe é atribuída neste processo, (como em cem cabeças de gado).

As figuras de linguagem desempenham papel muito importante na linguagem literária e em todas as maneiras mais cultas de comunicação do senso comum. Contudo, na linguagem científica não se admite, sequer, o empregos de variações sinônimas, quanto mais o uso de figuras de linguagem, de variações expressivas indicativas de julgamento (como admiração, ironia, reprovação), de licenças poéticas.

Linguagem, Língua e Ciência

No estudo dos conceitos, principalmente comparando-se a conceituação vulgar com a conceituação científica, pode-se inferir a importância particular que têm as questões linguísticas na atividade da ciência. Há, até, quem afirme que uma ciência é sua liguagem e isto é bem pertinente. De certa maneira, cada ciência é uma linguagem bem disciplinada, não sendo possível separar o conteúdo de uma atividade científica da linguagem que a contém e pela qual ela se concretiza.

A capacidade verbal (e mais as capacidades de trabalhar e amar) e sua realização na linguagem constitui importante atributo da espécie humana e um fator dos mais significativos para separar os humanos dos demais seres vivos. Definir o homem como um animal que fala, (ou que ama, ou que trabalha) é um processo definidor

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pertinente e muito usado. Neste sentido, pode-se inferir muito sobre toda cultura em função do estudo da sua linguagem.

A linguagem comum é mais ou menos espontânea e se estrutura naturalmente ao longo do processos histórico-social. Já a linguagem científica é uma linguagem artifical, construída deliberadamente de maneira controlada (sentido unívoco e exatidão do significado) para servir aos propósitos científicos com fiabilidade e validade. Há quem defenda a opinião de que só a linguagem matemática pode atingir estes objetivos.

A linguagem pode ser definida como o recurso humano intencional de comunicar ideias ou outros conteúdos psicológicos por meio de um sistema de símbolos. A linguagem é uma manifestação essencialmente social e se distingue da fala, sua dimensão individual. Distingue-se, ainda, a linguagem não verbal da linguagem verbal e, esta última se sub-divide em linguagem falada (expressão verbal direta) e linguagem escrita (expressão verbal indireta).

Língua ou idioma é o sistema linguístico característico de uma nação, cultura ou grupo étnico.

Linguística é a ciência da linguagem.

No início da história da ciência não se fazia qualquer diferença entre a linguagem comum culta e a linguagem da ciência. Os conceitos eram empregados indistintamente nas duas atividades cognitivas, porque não se exigia que fossem diferentes. No entanto, foram se dando mudanças nas duas áreas da linguagem e da ciência e da interaçã havida entre elas. O conhecimento sobre a linguagem foi se aperfeiçoando enquanto progredia o conhecimento científico. Houve um momento em que se deu um aparente paradoxo.

A ciência amadurecida passou a exigir conceitos que fossem precisos (se possível, absolutamente exatos) e a linguagem comum não foi capaz de atender esta exigência.

Para fazer isto, teria que produzir uma linguagem com conceitos infensos à semântica, fosse sincrônica ou diacrônica, enriquecendo a conexão lógica no interior de seus conceitos e reduzindo seu vocabulário extirpando os conceitos em que isto não pudesse ser feito. Isto é, empobrecendo seu vocabulário. Os cientistas necessitam de conceitos que comuniquem conteúdos lógicos inteligíveis com a maior precisão possível (os termos), os conceitos que não tiverem esta característica não podem integrar sua terminologia específica.

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Os conceitos podem ser observacionais e não observacionais (ou teóricos). E as proposições demonstráveis e indemonstráveis (nas ciências formais) ou verificáveis e inverificáveis, comprováveis e incomprováveis (nas ciências factuais).

Foi esta situação que levou ànecessidade do operacionalismo, a tendência da filosofia da ciência que recusa termos inobserváveis.

Quando todas as atividades científicas tiverem o mesmo rigor terminológico (isto é, forem elaboradas com termos que satisfaçam as exigênciascien tíficas), terão desaparecido as diferenças de maturidade científica elas e todas poderão ser denominadas ciências exatas. O que, há de se convir, representa uma situação ideal em termos cognitivos. Contudo, esta não é a realidade e as ciências da sociedade, muito mais que as ciências da natureza estão longe de atingir este ideal. O que não é bastante para lhes negar a designação de atividade científica.

Cada ciência, de certa maneira, constitui uma sub-cultura destinada ao estudo de um objeto definido, necessita dispor de uma linguagem que possa traduzir os fenômenos que ocorrem em seu objeto, formulando conceitos e juízos que reflitam o mais exatamente possível, a sua realidade.

Os termos de uma ciência, reunidos em sua terminologia devem possibilitar a comunicação rigorosamente científica sobre os conceitos mais importantes contidos no seu objeto e em sua metodologia.

Caso uma atividade cognitiva não disponha destes recursos linguísticos, jamais poderá postular o statusde ciência ou pretender reconhecimento de cientificidade para seus achados.

Por esta razões, é bem fácil entender porque uma ciência se confunda com sua linguagem ou, mesmo, cada ciência possa ser reduzida à sua linguagem.

As palavras que expressam os conceitos científicos, a nomenclatura científica, são chamadas termose seu coletivo, terminologia.

Os operacionalistas, por causa de seu compromisso com o empirismo radical, advogam que qualquer conceito só pode ter interpretação e utilidade científica quando forem suscetíveis de interpretação empírica. Mas isto é um exagero tendencioso influenciado pelo superdimensionamento da experimentação.

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Ainda na perspectiva empirista, os termos são divididos em termos observacionais(quando se referem a coisas observáveis) e termos teóricos(que expressam construtos retirados de uma teoria).

O que se denomina termo é um vocábulo ou um grupo vocabular simples que tem significação estrita e bem definida, devendo ser empregado apenas para expressar um conceito ou uma categoria científica; os termos são as unidades conceituais e as formas verbais do conhecimento científico e sua exata definição é pré-requisito para qualquer formulação científica (da quais as mais importantes são os juízos científicos e as proposições científicas).

A maior parte das ciências não dispõe, como acontece na Matemática, de uma terminologia própria composta por um conjunto de símbolos bastante rigorosos para serem suficientes para suas necessidades de comunicação, e de uma sintaxe que permita a estruturação rigorosa de seus símbolos em uma articulação suficientemente lógica para formar proposições que respondam às suas necessidades comunicativas.

As ciências factuais, por causa das características de seus objetos e de sua evolução histórica se servem dos idiomas dos povos que as produzem para a construção de sua terminologia (de seu vocabulário e de sua sintaxe). Por isto, mesmo que se trate de uma comunicação culta, seu emprego e seu entendimento sofrem grande influência do senso comum.

Mais do que acontece nas ciências da natureza e muito mais do que ocorre nas ciência exatas, a influência do senso comum determina significativo de cientificidade às ciências sociais e psicológicas. O uso coincidente dos mesmo vocábulos, empregados como conceitos científicos e como conceitos da linguagem vulgar, com sentidos necessariamente diferentes ainda que próximos (e tanto pior quanto mais aproximados), dá lugar a um importante fator de erro na alaboração da atividade científica. Nas ciências exatas, seus termos e os símbolos que os expressam são tão característicos que não podem ser confundidos com os do senso comum. O que não acontece com as ciências humanas e da sociedade.

Mas, isto se refere principalmente àlinguagem burilada das pessoas cultas, não da linguagem inculta, como muita gente faz. Quando se trata de traduções, então, o problema se multiplica, principalmente pela intrusão do senso comum. Principalmente agora, na vigência de uma ideologia que recusa todos os valores dominantes, inclusive a cultura e a erudição. Tal ideologia anti-intelectual tem duas vertentes idênticas em sua aparente oposição: o anti-intelectualismo pragmático e pragmatista da cultura norte-americana de exportação e o anti-intelectualismo anarcóide do umpen esquerdismonacional.

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Como já se mencionou antes, traduzir um texto científico, o que sempre acontece sob a influência da linguagem comum, exige três pré-condições indispensáveis: fidelidade àlíngua vernácula de quem promove a tradução, fidelidade àlingua de origem do material a ser traduzido; e, não se pode minimizar, fidelidade àlínguagem daquela ciência, àsua terminologia específica. Quem quer que pretenda traduzir textos científicos tem que estar certo de que não lida apenas com dois idiomas, mas com três: os dois idiomas em jogo e o idioma da ciência que forma o conteúdo a ser traduzido.

Quando este ato é ignorado, decai muito a qualidade da apresentação do material traduzido e prejudica-se seu entendimento. Este defeito pode causar muito prejuízo no mundo sub-desenvolvido, principalmente no Brasil, onde a baixa produção científica obriga a quem quer estudar ciência fazê- lo em textos estrangeiros, o que induz aos menos formados a empregar vocabulário e sintaxe do idioma alheio.

Por estas razões, muitos pensam, com bastante razão, que as ciências só estarão verdadeiramente maduras quando dispuserem de símbolos matemáticos para sua comunicação. O que, aliás, faz algumas ciências mais exatas que outras.

Esta situação de pobreza conceitual é mais evidente ainda na ciências do homem, em cuja área se encontram grande parte das ciências sociais, das psicologias e da psiquiatria, à qual se deve somar a decadência de nosso sistema educacional. As psicologias e a psiquiatria são ciências de dois mundos, do mundo na natureza e do mundo da sociedade e do homem. Quando se pretende restringi-las a apenas um destes mundos, cria-se uma imensa causa de erro.

Tal situação concreta de indigência cultural própria do colonialismo cultural, manifesta-se por numerosos tipos de alienação e outras formas de repúdio da própria herança cultura e arremedo das culturas dominantes.

Uma das formas de alienação que infestam nossos meios acadêmicos. Destes, um dos que se manifesta de modo mais evidente é a alienação idiomática. Forma de alienação que se traduz nos barbarismos e solecismos de quem entra em contato com uma cultura alheia sem que tenham dominado a sua, pela qual não nutrem qualquer simpatia. Até porque sua língua pátria é uma ilustre desconhecida para ele e só lhe desperta sentimento de inferioridade; porque sua própria cultura lhe é motivo de constrangimento, de mal-estar, visto que ele a tem como inferior, atrasada. E ele lastima tanto não ser um membro da cultura superior, tão mais adiantada, além de mais bonita e mais inteligente...

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Faz qualquer sacrifício para obter um green card.

Estrutura Lógica da Ciência

Os conceitos da nomenclatura científica, os termos de uma ciência, são empregados na construção de uma estrutura lógica para construir os juízos daquela ciência. Sem elementos verbais inteligentes (conceitos com conteúdos lógicos inteligíveis ou termos observacionais), é impossível elaborar construções teóricas mais complexas, porque não é possível construir proposições científicas com eles.

A qualidade lógica dos juízos depende do conteúdos dos conceitos empregados neles. Sem conceitos, os juízos seriam impossíveis e com conceitos não científicos não é possível construir juízos científicos. As proposições científicasnão podem ser elaboradas senão com conceitos ou categorias cientificamente reconhecíveis e criadas em moldes confiáveis e válidos e devem, sempre, ser passíveis de demonstração ou de comprovação (verificação).

O conhecimento científico deve ser organizado como uma estrutura lógica, um sistema de conceitos sobre seu objeto (além de um arsenal de métodos e procedimentos técnicoa para investigar). Esta organização sistêmica de ideias se denomina teoria. Da mesma forma, no plano superior da estrutura da ciência, as conceitos, categorias e juízos científicos são indispensáveis para construir raciocínios e teorias científicas e modelos que possibilitem explicar o ainda inexplicado.

Tal como acontece aos juízos da linguagem comum, os juízos de uma ciência (merecedores do título de científicos) são conjuntos asseverativos de signos pelos quais se afirma ou nega um atributo qualquer a um conceito ou a uma categoria científica; também podem ser chamados enunciados científicos e devem sempre ser construídos com terminologia aceitável científicamente; isto é, tanto o seu sujeito (o conceito ou categoria de que se fala no juízo), quanto seu predicado aquilo que se atribui ou se nega ao sujeito) devem ter significados estabelecidos de maneira satisfatória para as exigências da ciência.

Uma proposição é um recurso do conhecimento que consiste em uma sentença declarativa, bem formada gramaticalmente e formulada no presente do indicativo; as proposições são chamadas categóricas quando contêm o juízo e asseverado sem condições, ao contrário, quando contêm condições, as proposições são denominadas condicionais.

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Uma proposição científica encerra o conteúdo de um enunciado ou juízo científico. Na prática, as duas palavras (enunciado e proposição) são palavras empregadas indistintamente porque nelas se superpõem e se confundem os conceitos de forma e conteúdo dos juízos científicos.

Da mesma maneira como se superpõem os conceitos fisiológicos de tensão arterial (resistência das paredes do vaso) e pressão arterial (pressão que a coluna de sangue no interior das artérias exerce sobre suas paredes) e os conceitos linguísticos de fala (manifestação formal) e linguagem (conteúdo da comunicação oral).

Uma teoria científica consiste em um sistema lógico composto de conceitos, categorias, proposições, leis e princípios científicos, comprovados ou por comprovar mas viáveis, que se destina a explicar uma área específica do mundo.

Uma imposição ética faz com que os elementos comprovados e não comprovados em uma teoria devam ser caracterizados asssim. Não se deve aceitar como certo e honesto que hipóteses, suposições ou, até, especulações sejam apresentadas como fatos comprovados.

Na linguagem científica, toda proposição categórica (seja afirmativa ou negativa) deve ter sido comprovada ou verificada.

Há muito que as ciências humanas precisam construir e estruturar um corpo de conceitos que, por seu rigor e precisão, posam ser considerados termos científicos, de modo a lhes permitir a construção de proposiçõese teorias científicas. No entanto, em muitas atividades científicas este objetivo ainda não foi conseguido e esta falta de sistematicidade terminológica tem sido um dos impedimentos mais evidentes para a conquista do status científico daquela atividade cognitiva e para a respeitabilidade acadêmica de seus cultivadores.

A sistematicidade terminológica é essencial para passar da busca dos tipos (o que é uma característica do pensamento aristotélico), para a busca das leis (que caracterizam o pensamento galilaico, característico da ciência moderna). E para chegar a estes conceitos científicos e a estas leis explicativas (o que significa transitar dos conceitos descritivos para os conceitos explicativos), importa em superar o momento descritivo e passar para o hipotético-explicativo, o que depende mais das possbiliddaes técnicas do que da vontade do pesquisador.

Como qualquer outra atividade científica, a patologia geral ou qualquer patologia especial, como a psicopatologia, continuarápresa

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àbusca do que é típico (característica do momento fenomenológico), enquanto carecer de recursos lógicos e metodológicos para passar ao momento sintético-explicativo (característico das ciências naturais).

A palavra teoria costuma ser empregada com dois sentidos: o primeiro, oposto de prática e o segundo, a teoria científica, como oposto ao conhecimento vulgar, significando um um corpo integrado de informações científicas, um sistema lógico composto de conceitos, categorias, proposições, leis e princípios científicos que se destina a explicar uma área significativa do mundo (teoria da relatividade, teoria da evolução, teoria heliocêntrica, teoria de enfermidade, teoria da enfermidade infecciosa).

A expressão teoria, no conhecimento vulgar, também significa conhecimento especulativo, desinteressado de suas circunstâncias, desvinculado de aplicação ou utilidade, um sentido exatamente oposto do que deve ser.

As teorias científicas são sistemas de conceitos, categorias, leis e princípios, destinados a descrever e ou a explicar um certo setor do mundo, que podem ser comprovados ou por comprovar, mas devem estar suficientemente apoiados em fatos comprovados para serem tidas como aceitável por todos.

As teorias fornecem a configuração global que as pessoas empregam para situar nela os objetos e acontecimento particulares.

Quando se utiliza um conceito expresso por uma palavra que representa uma ideia para representar um objeto ou um fenômeno qualquer da natureza, como uma patologia, por exemplo, uma febre, neste procedimento cognitivo ou comunicativo dar-se-á uma convergência destes três fenômenos: um corpo com temperatura elevada, a ideia que representa isto e uma palavra que simboliza simultaneamente o corpo febril e a noção subjetiva de febre.

O conceito de febre, seu significado e valor comunicativo, além de outras qualidades que lhe possam ser atribuídas, é uma construção mental que, a partir de certos elementos culturais mais ou menos influentes, representa um fenômeno real que se dá no corpo humano com mais de 37 graus centígrados de temperatura corporal, é reconhecido como um fenômeno da natureza, apesar de encerrar um valor (como tudo que é patológico). Já quando se conceitua o que é alucinação, o estabelecimento deste fenômeno com a realidade já se faz de modo menos óbvio, mas não dá para supor que se trata de uma irrealidade somente porque é uma

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experiência subjetiva sem qualquer referência objetiva que não a narrativa de que aexperimenta.

A correlação regular que se identifique entre o fenômeno chamado e reconhecido como febre e outrosestados mórbidos constatáveis característicos seus (elevação da temperatura corporal, consequências) associados a ela, compõe um conjunto mais ou menos previsível de relações conceituais que se referem a acontecimentos naturais, ainda que sua valoração seja um artefato cultural. O significado de febre (como o de qualquer outro vocábulo que se refira a um acontecimentonatural, psicológico ou social) é bem mais que uma simples convenção de significação ou uma mera constatação de uma fato natural, é, simultaneamente, uma interpretação inteligente de um fenômeno (mas poderia ser subjetivo) e uma construção cultural que implica em uma explicação de sua natureza e uma inferência axiológica sobre seu valor de acordo como o entendimento daquele fenômenos nomeado com a palavra febre em seu contexto de significação.

A palavra febre implica em um conceito da patologia, por causa de sua identificação com dano e sofrimento, o que reflete a relação que se estabeleceu cientificamente entre uma pessoa com alta temperatura corporal e um determinado conjunto de outros acontecimentos danosos que permitiram que se enquadrassem em uma categoria da patologia geral, a categoria de enfermidade.

O reconhecimento da existência de um objeto concreto ou abstrato, real ou irreal, independe de sua valoração como bom ou mau, sadio ou patológico. O aumento do apetite em um paciente anorético, por exemplo, indica saúde; em um obeso, é um indicativo de doença. Em oposição a isto, os nominalistas medievais afirmavam que os conceitos não tinham este caráter geral, que as palavras eram unicamente sons com significados convencionados e nada mais que isto.

O nominalismo moderno (sucessor do verbalistas antigos e dos nominalistas medievais, representado principalmente pelos adeptos da tendência denominada empirismo lógico, que já foi referido) segue os passos de seu antecessor e sustenta a inexistência da verdade como nexo entre a palavra e a realidade e considera a verdade apenas como uma convenção empírica comprovável e o significado das palavras unicamente convenções adotadas em função de sua utilidade.

Desde a Idade Média, os nominalistas mais radicais recusam todo e qualquer valor objetivo aos conceitos e, consequentemente, às categorias e às leis naturais ou científicas e substituem a noção de valor objetivo pela de linguagem objetiva comprovável empiricamente. Isto

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porque consideram todos os conceitos como meros arranjos convencionados entre os significantes e os significados que são atribuídos a eles por seus descobridores, inventores ou usuários.

O neopositivismo, o empirismo, o pragmatismo, o individualismo, o objetivismo e o operacionalismo são provavelmente as tendências mais importantes do pensamento científico moderno que incorporaram as teses do nominalismo em suas teoria sobre as ciências e o conhecimento científico. E estão todas bem sintonizados com o individualismo filosófico. Sustentam que o conhecimento se refere às estruturas verbais, se confunde com elas que nada têm a ver com a realidade senão como significação convencionada. Que não se deve buscar explicação ou essência, bastando a identificação dos fenômenos. Que toda noção de valor deve ser abandonada.

Para os nominalistas medievais e modernos, as palavras seriam o próprio conhecimento e não apenas sua expressão objetiva. O que, em última análise, implica em entender o conhecimento, não como um processo inacabado em permanente construção na interação do homem com o mundo por via da descoberta, mas como uma eterna ilusão, um perpétuo autoengano convencionado a cada momento por força das necessidades imediatas.

A não ser de um ponto de vista nominalista, não se pode concordar que o conceito de enfermidade bem como os demais conceitos da patologia, por terem sido feitos pelo homem, por isto, não devam refletir alguma propriedade intrínseca da natureza. Na verdade, todos os conceitos que existem, existiram ou existirão, foram, são e serão estruturados pelos seres humanos, podendo manter uma relação de verdade ou de falsidade com a realidade (validade). Igualmente, qualquer conceito pode estar contaminado por algum juízo de valor ou por qualquer associação mais ou menos preconcebida, o que não invalida necessariamente seu núcleo cognitivo acerca do fenômeno ou do objeto. Principalmente porque se sabe que um dos remédios (provavelmente o mais eficaz) para esta situação é, justamente, a ampliação do conhecimento.

Quanto mais se conhece sobre uma coisa, menos se está sujeito àação da ideologia, dos preconceitos ou de outro viés que possa influir em sua imagem.

Nas palavras em geral, e quando formam termos científicos, em particular, a conceituação descritiva

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fornece elemento essencial à explicação e é enriquecida por ela. A nominação se inicia com um mínimo de informações descritivas. A passagem de um conceito do momento descritivo para o momento explicativo é o objetivo de todo e qualquer conhecimento, e não apenas de ciência; na construção da ciência isto se faz ou deve ser feito de maneira controlada e sistemática, diferentemente do que acontece no conhecimento comum. Quando se explica uma coisa qualquer ou se aperfeiçoa a explicação que se tem dela, muda o seu conceito ainda que, como se viu, possa permanecer a mesma denominação.

Os positivistas não creem que a explicação integre o objetivo da ciência e consideram a explicação inepta como procedimento científico.

Como os microbiologistas do século XIX (entre eles, Pasteur) chegaram à conclusão da existência dos micróbios por meios lógico-explicativos e depois os comprovaram experimentalmente, como não fossem percebidos diretamente, os positivistas não acreditaram neles, enquanto não puderam ser observados diretamente. Por isto, recusavam as vacinas. Os oficiais positivistas do exército chegaram a levantar a Vila Militar, no Rio, contra a vacina antivariólica, só tendo se submetido ante a ação enérgica do governo.

Na estrutura do conhecimento, como um processo progressivamente aperfeiçoado, os conceitos descritivos devem anteceder aos explicativos na construção do conhecimento, mesmo comum, porque o desenvolvimento cognitivo exige esta transformação. Porque conhecer é, fundamentalmente explicar e prever e isto se dá principalmente quando se trata do conhecimento científico.

No plano geral do conhecimento, deve-se discutir a maior ou menor validade dos conceitos concretos e abstratos, os que se referem a coisas objetivas e os que dizem respeito a dados da subjetividade.

Os conceitos acerca das coisas concretas, às vezes são chamados metaforicamente conceitos concretos(os quais seriam muito melhor chamados conceitos sobre o concreto), como acontececom o conceito de pedra, por exemplo, e os conceitos sobre fenômenos abstratos, como o de justiça, bondade, doença ou beleza podem traduzir coisas reais ou irreais, podem se referir a coisas verdadeiras ou falsas.

Os conceitos são chamados reais quando refletemcaracterísticas reais de coisas igualmente reais. Já os conceitos de grifo, dragão e duende, anjoreflitam coisas irreais e unicamente idealizadas e, por isto, devam ser denominados conceitos sobre o irreal. Não são os conceitos que são reais ou irreais; porque o fato de existirem e

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serem usados, os faz reais. Seus conteúdos é que se referem a coisas que podem ser reais ou irreais; e se as coisas são reais, podem ser concretas ou abstratas (pois, uma abstração pode ser uma realidade). Os conceitos sobre o real e sobre o irreal não se distinguem uns dos outros por características suas, nem por elementos formais seus. Os conceitos concretos não são essencialmente diversos dos abstratos. Tal diferença se dá entre a coisa concreta e a coisa abstrata.

Nunca é demais repetir (sobretudo, no momento presente), um conceito se caracteriza essencialmente por seu conteúdo, inclusive os conceitos científicos e as categorias científicas. ê bem preciso, por isto, irreal se caracterizam por aquilo a que se referem em seus conteúdos e não por sua forma e aparência; isto porque, na verdade, repita-se que reais e irreais não são os conceitos, desde que todos compõem a realidade porque existem e são reais, são as coisas conceituadas neles que podem pertencer ao mundo da realidadeou da fantasia. O conceito de fantasma é bem real, irreal é a fatasmagoria. Ainda que muita gente tenha a mais arraigada convicção de que os fantasmas existem realmente. Sabe-se que é bastante comum que coisastidas como reais sejam, depois, com o avanço do conhecimento, reonhecidas como irreais e vice-versa.

Mas, os conceitos científicos devem se referir sempre a objetos reais, ainda que tais coisas sejam fenômenos subjetivos e abstratos, como acontece nas ciências humanas, principalmente no campo das psicologias.

No campo da teoria da ciência, deve-se ter como real apenas um conceito sobre coisa objetiva e de existência comprovada objetivamente. O que, em última análise atende àexigência de objetividade científica.

Os conceitos devem refletir aquilo que é tido como essencial da coisa conceituada, desde o ponto de vista em que foram elaborados e em suas circunstâncias histórico-sociais, além disto, devem conter a possibilidade de comunicar a verdade. Ainda que uma verdade reconhecida como posível de ser provisória, incompleta e relativa. Porque, acreditar no contrário, seria aceitar a ideia da incognoscibilidade do mundo, o que tornaria toda ciência inútil, inclusive a psicopatologia e as demais ciências médicas.

Todo conceito é extraído da análise das relações conhecidas (supostas ou inferidas) que a coisa conceituada mantém com seus atributos. Por isto, o ponto focal de um conceito (que costuma originar a palavra que o designa) é aquela relação que a coisa conceituada mantem com seu atributo tido como mais geral e mais essencial.

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Embora, deva-se considerar sempre que o julgamento de valor ou a avaliação de utilidade das coisas que, em geral, estão implícita nos seus conceitos (principalmente nos conceitos das patologias), frequentemente são componentes subjetivos (de origem psicológica ou ideológica) atribuídos às coisas pelas pessoas, e não sejamparte de seus atributos naturais; se uma enfermidade é uma coisa boa ou má, por exemplo, não integra a estrutura de um conceito científico de uma condição patológica, é um atributo adicional do senso comum que se adere a ele. A noção de dano pessoal ou social está sempre presente em toda conceituação de patologia. O que não muda o carácter factual de uma enfermidade como fenômeno ou processo natural.

Uma fratura pode ser considerada como um dado acidental na anatomia de um osso. A enfermidade fratura completa do terço médio da tíbia é um conceito inicialmente concreto que, apesar de sua aparência neutra e descritiva, trás implícita uma avaliação de valor negativo porque danoso para a pessoa que tem seu osso fraturado. Neste caso, como em qualquer patologia física lesional, não é possível distinguir o componente concreto do abstrato. Essa é uma contradição formal presente em todos os conceitos patológicos: uma enfermidade ou patologia se caracteriza essencialmente pelo dano que ocasiona; contudo, a noção de dano é axiológica (valorativa) e, portanto, inutilizável nos marcos teóricos das ciências objetivas.

Em um plano mais restrito, se coloca a questão das manifestações patológicas do comportamento. Para muitos, como Schneider, parece impossível entender o fenômeno da enfermidade fora do corpo. Entretanto, isto parece uma concessão ao dualismo que não deve ser necessariamente aceita. As manifestações mórbidas podem se expressar no corpo, na conduta (inclusive na conduta social) ou no desepenho das funções mentais (ainda que estas não sejam bem conhecidas e, ainda não bem definidas).

A noção de transtorno (disorder), muito empregada hoje se destina a fugir ao conceito de enfermidade, traduz esta dificuldade ontológica essencial. Por isto, conceitos como enfermidade, doença, manifestação patológica, moléstia e tantos outros não se referem a coisas naturais, mas a construtos ideológicos. seu compromisso com o dano causado às pessoas é nitidamente ideológico. E isto pode ser muito bem exemplificado nas diferenças que podem ser verificadas na diversidade de atitudes de médicos e de biólogos quando estudam um mesmo agente biológico.

Quando se cuida de estudar o bacilo de Koch, por exemplo. Para o biólogo dado a investigações microbiológicas, aquele micro-organimo é unicamente um objeto de estudo cuja história natural

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precisa ser conhecida porque aquilo ampliará o conhecimento humano, lhe trará fama e, com sorte e jeito, até algum lucro. O médico, por sua vez, estuda aquele agente biológico como um inimigo. O conhecimento de sua história natural (além de todas as motivações que animam os demais cientistas), precisa ser conhecida por ela, para que possa descobrir seus pontos fracos.

A melhor maneira de eliminá-lo, extinguí-lo de uma vez por todas. E, se isto não for possível, ao menos controlar sua reprodução, impedir ao máximo sua ação maléfica. No entanto, este malefício não é uma ideologia nem um julgamento convencional ou preconceituoso. Esta designação traduz a avaliação de valor que se faz sobre a existência daquele ser vivo do ponto de vista da humanidade, dos interesses dos seres humanos. De todos os seres humanos ou de algum deles especificamente.

A validade de um conceito científico é dada pela sua consonância com a realidade que pretende expressar. Quando se trata de enfermidades psiquiátricas, então, a dificuldade de interpretação epistemológica é bem mais exigente. Primeiro, porque aí se dá notável influência do senso comum e esta exerce um efeito pernicioso sobre a elaboração científica. Principalmente para aqueles médicos que se aventuram a empregar o conceito de loucura, que não pertence á linguagem científica da Medicina, mas ao senso-comum arcaico.

A designação de loucura, além de obsoleta mantém uma conotação ofensiva e insultuosa que a indica para ser evitada por um médico em referência a um paciente. Por causa de sua imprecisão, nem na antropologia emprega-se o conceito de loucura como termo científico. Mas ele se presta muito bem a xingamento ou outras designações depreciativas ou a inferências mágico-sobrenaturais.

Por tudo isto, é mais interessante (e menos aventureiro) empregar o conceito de enfermidade mental, expressão mental de enfermidade ou, melhor, enfermidade psiquiátrica, que é a tendência atual. Tal como acontece com as enfermidades somáticas lesionais, também as enfermidades psiquiátricas mantêm esta dubiedade. E mais ainda porque se trata de dois níveis de fenômenos subjetivos: a experiência do fenômenos e sua valoração como uma patologia, ambos se dão como abstrações, produções subjetivas.

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8.4. Explicação - Conceituação Explicativa

Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

"O homem moderno tem utilizado a relação (linear) de causa e efeito do mesmo modo como o homem da antiguidade usava os deuses, isto é, para ordenar o universo. Isto não ocorria apenas porque se tratava do sistema mais verdadeiro, mas porque era o mais conveniente". Henri Poincaré

Na evolução do processo cognitivo, depois de descrever e nominar, segue-se a explicação como parte do processo menta; de apropriação pelo sujeito cognoscente das propriedades de um objeto material ou conceitual.

Na linguagem comum, a palavra explicar acumula diversos sentidos mais ou menos convergentes, como: transformar uma coisa desconhecida em conhecida, tornar inteligível o obscuro; justificar, ensinar, expor, explanar; dar conhecer a origem, o motivo ou o mecanismo gerador de um processo ou desenvolvimento; dar satisfação a alguém sobre alguma coisa (explicar-se), expor o porquê de um acontecimento; e diversos outros análogos a estes. A explicação das coisas simples deve ser bem mais fácil que a de fatos complexos.

A explicação de um termo se resume e enunciar o que ele significa, que ideia e coisa ele simboliza e oque a determina.

A explicação de uma condição patológica em um enfermo exige a enunciação de sua etiologia, dos mecanismos de sua patogenia, o tipo de dano ocasionado e suas implicações na vida do paciente e das outras pessoas. Explicar um objeto material ou conceitual (um construto) é apontar para sua essência.

A essência de um objeto é aquilo que faz com que ele seja o que é.

Na filosofia da ciência, explicar tem sentido um tanto mais restrito e. entretanto, mais valioso porque, em última análise, a explicação é o objetivo mais importante do conhecimento científico. Na teoria científica, uma coisa fica explicada quando se pode reconhecer o que há de essencial nela.

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A explicação científica busca estabelecer os nexos entre os fatos e suas origens e mecanismos e essa busca é o núcleo do procedimento explicativo. E, tendo a explicação como objetivo, ela se torna o ponto crucial de toda atividade científica para se libertar do descritivismo.

O descritivismo é a doutrina que limita o conhecimento à descrição como reação ao racionalismo, que recusa a experiência e os sentidos como fonte do conhecimento, preferia a fé.

Do ponto de vista da teoria do conhecimento, em ciência explicar significa conhecer aquilo que um determinado fenômeno ou objeto tem de essencial, não de maneira absoluta ou em todas as ocasiões, mas pelo menos naquele contexto específico em que está sendo cogitado. Neste enfoque cognitivo, encontra-se ao menos um rudimento de explicação desde a estruturação do conceito que é construído, justamente, a partir da identificação da qualidade essencial dentre as que conformam sua descrição. Contudo, neste texto, emprega-se o termo explicação como um conceito científico porque é com este sentido que interessa aos propósitos presentes aqui.

Existe um excelente livro de Hegenberg sobre as explicações científicas, onde o assunto está exposto de modo bastante detalhado, mais do que é possível ou necessário aqui.

Em filosofia da ciência consideram-se três sentidos para a explicação científica; embora, em geral, unicamente o terceiro (denominado semântica lógica) costume ser reconhecido como uma explicação científica, no sentido com que o termo está sendo empregado aqui. Neste sentido, a explicação de um objeto ou fenômeno transforma sua designação corrente em um termo científico por que, desde então, definível geneticamente. No entanto, mesmo como conceito científico, o termo explicar compartilha alguns sentidos convergentes que são vistos a seguir.

Sentidos do Explicar em Ciência

Em Filosofia da ciência, o termo explicar pode abrigar três sentidos diferentes, ainda que bastante próximos e estejam frequentemente superpostos:

1. Etapa da investigação científica que consiste em esclarecer a essência de um objeto ou fenômeno estudado.

2. Processo do desenvolvimento cognitivo que conduz ao esclarecimento do conteúdo de uma certa unidade sistêmica, da qual os seus elementos possam ser independentes e diferenciados uns dos outros.

3. Procedimento lógico-metodológico de substituição de um conceito proveniente do conhecimento comum ou da representação

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habitual e corriqueira de um objeto ou fenômeno qualquer, ambos imprecisos, por um conceito científico exato.

Em Filosofia da ciência, o principal sentido do termo explicação consiste em um procedimento lógico-metodológico que promove a substituição de um conceito do conhecimento comum ou da representação habitual e corriqueira de um objeto ou fenômeno qualquer, ambos imprecisos, por um conceito científico exato.

Em Medicina, o conceito de explicação (de uma patologia) sempre se confundiu com a noção de causalidade e o entendimento de seus mecanismos patogênicos (etio-patogenia). Para os médicos, explicar uma ocorrência clínica se resume em conhecer sua causalidade e entender os mecanismos patogênicos pelos quais se formam seus sintomas. Isto, desde a época da monocausalidade característica do monismo causal aristotélico, A multicausalidade implícita no condicionalismo. 7

Na atividade científica, as explicações devem ter as seguintes características: serem restringidas a questões bem formuladas e se referirem a um aspecto bem limitado de uma fato; sendo referidos os dados do explicado e as circunstâncias do procedimento; as premissas devem ser exatas e as generalizações expressas em leis.

Conhecer um objeto qualquer, como uma enfermidade, por exemplo, não se limita a poder reconhecê-la, isto é, diagnosticá-la com o sentido de lhe atribuir um nome em função de sua aparência, o que fazem os descritivistas.

Já se viu que no sentido científico, conhecer algo significa principalmente explicar e prever a existência daquele objeto. Enquanto, no caso da explicação de uma enfermidade, trata-se principalmente de conhecer sua etiologia, sua causação. E, ainda no caso particular da explicação de uma enfermidade, importa igualmente em conhecer os seus mecanismos patogênicos (como são os mecanismo dos seus danos) e seu prognóstico (a previsão de sua evolução).

O conhecimento da etiopatogenia e do prognóstico são, pois, os dados essenciais da explicação científica de uma enfermidade, inclusive de uma enfermidade psiquiátrica. Simplesmente diagnosticar, como sentido de aplicar um nome não significa conhecer se este diagnóstico não serve para explicar a enfermidade e apontar para aquilo que ela tem de essencial.

7 Almeida, N. Fo., Epidemiologia sem Números, Ed. Campus, S.Paulo, 1989, p. 90.

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Explicações Dedutivas, Probabilísticas e Genéticas

Existem diversos tipos de explicações científicas, dentre as quais podem ser destacadas algumas por causa de seu significado especial para a investigação científica, especialmente no campo do conhecimento médico.

As explicações são, em tudo, análogas às conclusões lógicas e não podem ser entendidas fora de sua referência.

Tais modalidades de explicação científica são:

explicações dedutivas,

explicações probabilísticas e

explicações genéticas.

A explicação dedutiva pode ser entendida em diversos planos de significação: raciocínio imediato, raciocínio descendente que vai do geral ao particular, derivação do concreto a partir do abstrato. Aqui, estão entendidas como processo lógico oposto à indução.

Ainda que características da ciência, cada uma destas modalidades de explicação tem sua utilidade manifesta na construção de qualquer tipo de conhecimento, principalmente do conhecimento científico, mas também costumam ser empregadas na elaboração do conhecimento vulgar.

Não se deve pensar que estas modalidades de explicação se oponham ou que se excluam umas às outras. Cada uma delas representa uma possibilidade de explicação a ser empregado quando for mais útil ou mais viável. As explicações, quaisquer que forem estão sempre associadas a pressupostos teóricos e a estruturas lógicas propostas nas teorias (estejam ou não comprovadas). A explicação situa porque existe um certo objeto ou porque sucede um dado acontecimento.

Uma breve explanação sobre cada um destes tipos de explicação resulta no seguinte quadro sinóptico dos diferentes tipos possíveis de explicação como instrumentos do conhecimento científico:

As explicações dedutivas são a metodologia específica das ciências formais, como a lógica e a matemática, nas quais a explicação se confunde com a demonstração e o critério de verdade é a coerência interna do raciocínio.

As explicações dedutivas, como sua designação indica, é a maneira de chegar a conclusões inteligentes usando a dedução como processamento lógico-racional.

Desde Aristóteles, tem-se a dedução como modalidade de raciocínio, pelo qual se conclui sobre o particular, a de

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uma proposição a outra que decorre dela. Para os efeitos de sua aplicação da filosofia da ciência, toda dedução (do latim, deductio) resulta da aplicação das leis da lógica; deduzir consiste na conclusão lógica que decorre da derivação ou demonstração correta de uma afirmação (uma consequência lógica), de uma ou várias outras afirmações, as suas premissas. As consequências se encontram de forma encoberta nas premissas e devem ser extraídas delas pela análise lógica.

As explicações probabilísticas substituem as explicações genéticas, quando estas não forem possíveis, encerrando já um componente importante de cientificidade. As explicações científicas por excelência são as explicações genéticas. Isto é verdadeiro em todas as ciências factuais, inclusive nas aplicações científicas da Medicina. Explicar uma patologia é conhecer suas causas e seus mecanismos patogênicos. Explicar uma terapêutica é saber como age um determinado remédio em um doente que apresenta uma enfermidade determinada e conhecida.

A explicação probabilística ou estatística (na qual as premissas são logicamente insuficientes para garantir a verdade pelo conhecimento delas mesmas, mas tal conhecimento pode gerar enunciados que indiquem mais ou menos precisamente qual o grau de probabilidade de verdade contida nela);

As explicações probabilísticas ou estatísticas. de um modo geral, aplicam a metodologia indutiva para concluir inteligentemente. Diferentemente da dedução, a conclusão pela indução possibilita as generalizações a partir do conhecimento de casos particulares. Esta modalidade de explicação se apóia em técnicas estatísticas de significância, correlação e probabilidade e se presta muito para estudar os objetos, fenômenos e processos naturais (talvez por causa da uniformidade da natureza). As explicações probabilísticas implicam na determinação do grau de probabilidade de um acontecimento (uma explicação ou uma previsão) vir a ocorrer.

A explicação genética (que desvenda uma sequência de acontecimentos que explicam o desenvolvimento íntimo de um processo ou que determinam a transformação de um sistema em outro).

As explicações genéticas (de causação) se baseavam na lei da causalidade universal. Isto é, tudo tem uma causa e esta causa pode ser desvendada (a própria explicação genética). Acontece que os físicos, estudando os fenômenos subatômicos, concluíram que, naquele nível de existência natural, as coisas não eram bem assim. Ali, além de desaparecerem as partículas e imperando as

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ondas (como componentes elementares do mundo), também não vigorava a lei da causalidade universal. Foi o bastante para os sábios colocarem em dúvida a etiologia das enfermidades e a causação no resto da natureza...

Além das explicações científicas dedutivas, probabilísticas ou genéticas existem outras possíveis, principalmente com aplicação no campo do conhecimento comum, mas também para muitos cientistas, existem as explicações finalísticas (ou teleológicas), pelas quais uma coisa é explicada pela sua finalidade. Na Antiguidade (principalmente para Platão e Aristóteles) a identificação ou presunção de um objetivo permitia explicar os fenômenos. E isto se dá como um mecanismo contrário ao de causa e efeito do mundo natural, na qual a coisa passada prenuncia o que acontecerá no futuro. 8 Neste processo o que está para acontecer, o futuro, determina o comportamento presente.

Explicar e Entender

A explicação se completa no entendimento. De fato, a explicação se concretiza e se completa no entendimento daquilo que é explicado. Explicar e entender são fenômenos que se completam em sua aparente contradição, não podendo existir uma sem a outra. Entender é o processo de perceber as conexões inteligentes de um acontecimento, dar-se conta do que há de essencial em um objeto, uma série de fenômenos ou em um processo.

Dar-se conta disso é uma tarefa que exige superar o conhecimento da aparência. Por isso, em última análise, entender é perceber o significado da explicação. Como acontece com os processos de ensinar e aprender, só existe explicação se houver seu entendimento por parte de quem ela é dirigida.

Uma explicação não entendida não é uma explicação, por mais que se deseja, não passa de uma tentativa de explicar, não se concretiza. Por isto, estes conceitos formam um par de categorias dialéticas que se mostram fundamentais na estrutura da teoria do conhecimento, sobretudo naquilo que se refere À Medicina e à Psiquiatria. Alguma coisa só fica explicada se é entendida e o entendimento se resume no conhecimento da explicação.

Explicar e entender são conceitos perfeitamente intercomplementares (categorias dialéticas da psicologia e da teoria do conhecimento, pode-se dizer).

As ciências existem porque as pessoas se deram conta de que:

a) é possível explicar e entender o universo de uma maneira natural e inteligente; e,

b) que as explicações sobre os fatos do mundo estão mais ou menos escondidas atrás das aparências pela quais eles se apresentam antes os sentidos de quem os observa.

8 Hegenberg, L., Explicações científicas, Ed. EPU/EDUSP, S.Paulo, 1973, p. 193.

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A explicação é um procedimento essencialmente lógico-cognitivo, embora possa ter motivações e implicações afetivas. Entretanto, tais motivos e consequências não mudam sua natureza de processo essencialmente lógico, inteligente. Entender significa o procedimento ou processo cognitivo de estabelecer as conexões lógicas entre um fato e suas explicações; conhecer o mecanismo interno de um processo. O entendimento é o elemento essencial que diferencia a aprendizagem mecânica do aprendizado racional. Aprende-se mecanicamente aquilo que não se entende, por carecer de explicação suficiente e isto se denomina fixação mecânica.

Não se deve confundir entender com aprender, equívoco que muitos cometem. Aprender é fixar, mas não se limita ao entendimento; porque, embora o entendimento seja indispensável ao aprendizado racional, a fixação racional exige que, além de entender, haja esforço e disciplina. Não basta entender para aprender, o entendimento é apenas o primeiro momento da fixação racional. Aprender significa fixar na memória aquilo que foi entendido. Não esquecer que a fixação racional é muito mais eficaz que a mecânica.

É muito importante saber disto porque é comum que uma explicação dada na aula seja perfeitamente entendida, propiciando uma ilusão de aprendizagem, sem que isto tenha ocorrido por faltar fixação daquele conteúdo.

Entender e Compreender

Na maior parte dos reinos da natureza e das ciências que se dedicam a estudá-los, as palavra entender e compreender são tidas como sinônimos, e tal identificação não implica em qualquer prejuízo aparente. Na linguagem comum também se emprega a expressão entender como sinônimo e equivalente a compreender, mas estes dois termos se referem a mecanismos psicológicos e a processos cognitivos diferentes. Enquanto entender significa estabelecer laços lógicos entre duas proposições, é um processo inteligente; compreender significa abranger, sentir como o outro que é compreendido, trata-se de um processo claramente afetivo.

Na Psicologia e na Psiquiatria (bem como deve suceder em toda Medicina), não se deve confundir as expressões entender e compreender porque aí importa respeitar sua diferença. Mesmo para a maioria dos cientistas e técnicos de outras áreas que não a psicológica, e a médica haja costuma de praticar esta analogia.

Contudo, esta prática deve ser evitada na linguagem técnica, porque indica desconhecimento imperdoável em um médico, um psicólogo, um pedagogo. Ainda que, para muitos, isto não deva acontecer, ao menos no terreno das explicações científicas, o conceito de explicação, se opõe e se completa no de compreensão,

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como categorias dialéticas. Entender, já se viu no item anterior, é um processo inteligente do pensamento que permite estabelecer uma relação lógica entre um fato e suas explicações conhecidas; um processo cognitivo.

Por seu lado, compreender é um processo basicamente afetivo, embora costume integrar componentes cognitivos, que é explicado pela dinâmica das esfera dos fenômenos e processos afetivos da personalidade; manifesta a relação dinâmica entre o sujeito e suas necessidades. Para os psicólogos e para os médicos entender e compreender são fenômenos (ou processos) existenciais diferentes, procedentes de instâncias qualitativamente diversas da personalidade.

Na verdade, este é um excelente exemplo de como a contaminação do entendimento do senso comum pode vir a transtornar o raciocínio científico. Em textos científicos, jamais se deve empregar os termos entender e compreender como se fossem sinônimos.

Compreender é uma categoria da psicologia e os técnicos desta área do conhecimento científico devem preservar este termo para seu emprego específico porque ele tem muita utilidade prática e muitas possibilidades teóricas.

A noção de compreensão tem sentido de forma de apreensão global e mais ou menos intuitiva e empática da expressão psíquica do outro; uma intuição ou um mecanismo de identificação de caráter bastante afetivo.

A rigor, o termo compreender significa sintonia afetiva, intuição empática, abranger, ter dentro de si como uma impressão sintética e completa, com conotação mais de apreensão, de interpretação e decodificação analítico-cognitiva (entender); compreender é apreender a explicação intuitivamente.

Para Jaspers, os fenômenos psicológicos podiam ser caracterizados exatamente por sua compreensibilidade (neste sentido intuitivo-empático) e o que não podia ser assim compreendido não se poderia explicar por mecanismos ou causas psicológicas. Para Jaspers, os fenômenos psíquicos deveriam ser explicados (nível inteligente) e compreendidos (nível afetivo).

A dicotomia que separava explicar de compreender, é bastante posterior a Jaspers e não tem qualquer apoio lógico ou científico. Reporta-se Às dificuldades epistemológicas da psicologia subjetivista.

De um ponto-de-vista restrito à área da saúde mental, principalmente porque interessa à teoria e à prática da psicoterapia e da nosologia clínica, ainda hoje, o explicar e o compreender se completam como categorias dialéticas, podendo se prestar a reducionismos. Existem técnicas explicativas e compreensivas de psicoterapia e abordagem clínica e isto origina diversos conflitos teóricos. No entanto, é preciso ter presente que muitos conflitos

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teóricos se originam por causa da exigência de uma opção entre o explicar e o compreender e esta exigência de opção é uma falácia.

O verbo explicar se completa perfeitamente no verbo entender. O explicar só se relaciona com o compreender, quando este último é aplicado com seu sentido mais restrito de ação de entendimento.

Ninguém precisa escolher entre explicar e compreender, mas todos devem saber o que dizem com estes termos e que fenômenos psicossociais reais eles traduzem.

Na história da ciência, especialmente na da Medicina e da Psicologia, os procedimentos compreensivos têm fornecido uma valiosa contribuição ao avanço do conhecimento sobretudo no fornecimento de sistemas explicativos globais e de possibilidades explicativas que permitam a estruturação de hipóteses que podem comprová-las ou não.

Em qualquer caso, embora não se deva absolutizar ou superestimar a compreensão como instrumento do conhecimento científico, como fazem alguns psicoanalistas, não se deve igualmente negá-la ou depreciá-la, como alguns empiristas, positivistas e neo-positivistas.

Em Medicina, já foi afirmado e há de ser repetido, entender uma enfermidade significa basicamente conhecer sua causação (ao menos nos níveis mais elevados que o subatômico), os mecanismos pelos quais são produzidos os danos patológicos, avaliar a extensão e as consequências da patologia, os meios para reconhecê-la e os recursos para tratar a pessoa afetada por ela. E, nestes termos, não se pode negar a necessidade de entender as enfermidades (que não deve se confundir com compreender o enfermo).

Compreender o enfermo, por sua vez, também é necessidade essencial da assistência médica. ê tão necessário entender a doença quanto compreender o doente. Assim como o processo diagnóstico da enfermidade tem o enfermo como referência obrigatória, o tratamento do enfermo se reporta, necessariamente ao entendimento de sua enfermidade.

Nunez 9 afirma com muita razão: A explicação pertence ao domínio da necessidade e da causalidade. A compreensão pertence ao domínio da liberdade, da possibilidade e da valoração. A necessidade é uma região ontológica, a liberdade é outra...

O conceito de compreensão escapa ao domínio puramente psicológico (até porque isto não existe), é sempre um conceito psicossocial, encontra-se sujeito a variáveis biológicas e culturais. O

9 Nunez, F.O. Psicologia médica, Ed. Lopez, Buenos Aires, 1974, p. 61.

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mesmo acontece com a noção do entendimento de uma enfermidade.

Apesar de se saber que as causas (e consequências) das enfermidades podem ter uma matriz biológica, psicológica ou social, estas estruturas etiológicas não se apresentam isoladas ou independentes. Em cada caso, é necessário traçar uma teoria específica para explicar aquela enfermidade, naquele enfermo, naquelas circunstâncias.

Entender e Interpretar

O entendimento pode resultar de uma interpretação e esta única palavra se refere a dois processos cognitivos bem diferentes, o que a coloca no eixo de uma ambiguidade que contra-indica seu emprego como termo científico. Entender, como já se viu, pode ser definido como o processo cognitivo de promover a decodificação de um significado; um procedimento ou processo psicológico eminentemente racional.

Enquanto o termo interpretação costuma ser usado com três sentidos distintos que se referem a procedimentos cognitivos diversos:

o mesmo que entender;

disposição organizada dos dados de um sistema e

descoberta do significado oculto pelos dados primários de uma descrição ou explicação.

Em outras palavras, interpretar pode significar entender ou pode significar compreender (com os dois sentidos que se atribui a estes termos em Psicologia). Mas também pode significar intuir usando uma teoria como referência obrigatória.

O primeiro destes sentidos da interpretação se mostra como fundamentalmente lógico.

O segundo sentido, encerra o conteúdo heurístico de descobrir o significado dos fatos narrados através do estudo deles (a hermenêutica).

O terceiro sentido do verbo interpretar, inclui a necessidade de se empregar um sistema de referência exterior aos fatos mesmos e própria da subjetividade de quem opera o procedimento para encontrar sua interpretação; uma referência externa que possibilita o procedimento interpretativo. E esta manobra permite que se corporifique qualquer aventura pseudocientífica ou que se consagre qualquer aberração lógica, desde que suficientemente capaz de se transformar em um dogma. Por causa disto, não se deve admitir interpretação na atividade científica (embora ela permaneça muito bem tolerada na religião).

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O segundo sentido inclui a elucidação do significado dos símbolos, escalas e outros elementos de referência empregados em uma investigação. Neste segundo sentido, que é o que interessa aqui neste texto, interpretar significa descobrir o significado oculto atrás de um símbolo ou de um sistema simbólico com mais de um nível de decodificação; pelos menos um deles aparente e, pelo menos um outro, subjacente e oculto à uma apreciação que não conte com a chave de interpretação.

Em psicologia e em psicoterapia, desde Freud, interpretar pode ter este segundo sentido, com alcance muito ampliado, e significa atribuir uma explicação a um certo comportamento a partir de um sistema explicativo aceito a prori como referência para aquela finalidade; de certa maneira, um explicação antecipadamente aceita. Mas também pode ser empregado com o terceiro dos sentidos listados acima.

Como este procedimento não pode ser objeto de verificação empírica, nos dois casos mencionados, por se carecer de metodologia conhecida para isto. Portanto, costuma ser excluído do arsenal dos procedimentos científicos; mas é um importante instrumento para o senso comum, ainda que não possa ser considerado um processo confiável de explicação científica.

Os autores de extração psicoanalítica pretendem, no entanto, que este procedimento, mesmo que não possa ter estabelecida sua confiabilidade, pretendem que ele possa ser validado por seus resultados práticos. O fato, em vez de validar a interpretação é seu fruto. 'A verificação é a cura (Ceriotto). 10

Conceito Explicativo

Um conceito explicativo é um conceito cujo conteúdo essencial ultrapassa os limites da descrição e encerra uma explicação. Assim como a explicação completa a descrição, o conceito explicativo completa o conceito descritivo. E a origem da coisa estudada é uma das manifestações mais importantes do procedimento explicativo. O conhecimento da origem de uma coisa é um dos elementos mais importantes de sua conceituação explicativa. Por tudo isto, como sucede em todas as atividades científicas, um dos objetivos do processamento de seus dados é a busca das causas dos fenômenos que estuda acerca de seu objeto.

A etiologia é justamente a disciplina filosófica dedicada a estudar a causalidade das enfermidades e os fatores e mecanismos potencialmente capazes de interferir em seu desenvolvimento.

10 Nuñez, F.O. Psicologia médica, Ed. Lopez Livreros y Editores, Buenos Aires, 1974, p. 69

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Nas ciências médicas, a etiologia é o ramo da patologia que tem por objeto o estudo da causação das enfermidades. Uma enfermidade só pode ser considerada explicada quando seu conceito encerra sua origem (sua etiologia) e os mecanismos patogênicos que os fatores etiológicos mobilizam.

A etio-patogenia é a explicação mais importante de uma enfermidade, ao menos do ponto de vista da Medicina e da atividade prática dos médicos.

Em Medicina, a transformação de um conceito clínico-descritivo em um conceito explicativo-patogênico é um dos objetivos mais caros de sua atividade científica que está intimamente relacionada ao conhecimento e à possibilidade reconhecimento de sua etio-patogenia não apenas com o objetivo de dirigir a terapêutica, mas para possibilitar a profilaxia.

Ao longo do processo da construção do conhecimento sobre uma enfermidade, o conhecimento da sua etiologia é a informação que vai permitir que se construa uma síntese da condição clínica em sua definição científica. O conceito explicativo substitui o conceito meramente descritivo que antes designava a enfermidade. E a definição a partir de uma explicação etio-patogênica constitui o fecho da investigação clínica.

Os dois fenômenos explicativos das condições patológicas mais importantes são: a causa e os mecanismos patogênicos.

Etiologia é o ramo da patologia que estuda as causas e os mecanismos causais dos fenômenos; também pode significar a causa de uma enfermidade. A etiologia psiquiátrica é o capítulo da Psicopatologia que estuda as causas da patologia psíquica e a patogenia estuda os mecanismos determinantes dos danos e sintomas daquela patologia. Dentre os tipos de fatores etio-patiogênicos, distinguem-se os causais, os predisponentes, os atenuadores, os agravadores e os desencadeantes.

O primeiro modelo etiológico, o lesional externo, considerava a ação traumática dos agentes físicos, químicos e biológicos e a resposta imediata do organismo.

O modelo etiológico unilinear e mecanicista estabelecido pela Medicina positivista do século passado para explicar doenças somáticas (o modelo das infecções) é um modelo mono-causal, de causalidade quase sempre direta (aquela na qual se pode estabelecer um nexo primário de causa e feito entre o estímulo patogênico e a resposta patológica) e muito frequentemente imediato ou quase imediato.

Seguiu-se a noção de localização e caracterização dos processos patológicos (inflamação, degeneração) com a descoberta dos processos anátomopatológicos.

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Atualmente, sobretudo graças à contribuição da epistemologia, da psicologia médica, da sociologia médica, da epidemiologia e de outras ciências naturais e da sociedade, a concepção etiológica evoluiu para um modelo dinâmico de cocausalidade. A psiquiatria foi talvez o primeiro ramo da Medicina em que se manifestou esta necessidade cognitiva; nela, há muito se defende um modelo etiológico multicausal (que não deve ser confundido com a negação da causalidade).

Quase todos os positivistas e muitos neo-positivistas recusam a explicação como etapa do conhecimento científico. Para eles, a ciência não tem o que explicar e a atividade científica deve se limitar a descrever. Por isto não existe uma explicação nominal e outra real.

Até para alguns deles deve parecer ridícula esta forma de considerar as coisas inexplicáveis, de só pretenderem explicar os seus próprios nomes.

Explicar e Prever

A explicação, enquanto procedimento lógico consiste em estabelecer uma relação estável entre uma coisa e algum antecedente seu; descobrir o antecedente de uma coisa conhecida. A previsão resulta do mecanismos lógico oposto; previsão é o procedimento lógico pelo qual, conhecendo-se o antecedente, descobre-se o consequente, podendo-se antecipar o que está para acontecer.

Explicar e prever são duas facetas da mesma operação lógica. De certa maneira, explicar é prever, porque os dois procedimentos empregam os mesmos recursos, apenas em sentidos opostos. Por esta razão, diagnosticar (no sentido de explicar uma enfermidade) é prognosticar (prever sua evolução).

8.5. Definição Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr.

O momento da definição consiste em uma etapa importante da construção do conhecimento. Etimologicamente, definição é uma palavra que se origina do latim definire, definitio, de finis (que significa fim), trata-se de um conceito que ultrapassa muito os limites da lógica e significa limite, fronteira.

O termo definição está dicionarizado como: enunciado dos atributos essenciais e específicos de algo, de modo a fazê-lo inconfundível com outro, ainda que semelhante; além do que pode significar

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manifestar-se com exatidão, esclarecer precisamente; estabelecer o significado de nomes ou de outros signos empregados; definir também pode encerrar o sentido de demarcar, fixar, estabelecer; decisão, decreto; ajuizar o sentido ou o objetivo de certos conceitos como: interpretação, declaração, resolução, decisão, explicação. Estes muitos sentidos refletem a multiplicidade de significações desta expressão no conhecimento comum (mesmo culto).

A definição de um objeto pode ser baseada em caracteres concretos ou abstratos, descritivos ou explicativos. As definições científicas devem estar baseadas em explicações.

Como instrumento do conhecimento científico, a definição científica deve resumir o que se conhece de mais essencial sobre a coisa ou o termo definido com ela enquanto situa esta coisa ou termo em um contexto da mesma classe de referência. O mais importante é que a classe de referência seja natural (contenha elementos de um único tipo natural) e a diferença específica seja exclusiva.

O termo definição pode ser empregado em muitas atividades científicas ou não científicas. No âmbito da lógica e da teoria do conhecimento, quando se trata de uma definição incompleta ou provisória, em vez do termo definição, deve-se empregar o termo delimitação, que é como se deve referir a uma tentativa de definição que resulte obviamente incompleta, ainda que ela possa ser tida por admissível, mesmo que não seja satisfatória, principalmente por não haver outra melhor para substituí-la.

Na lógica formal as definições são maneiras mais ou menos estáticas de explicar as coisas como coisas dadas e estáveis, na lógica dialética as definições se referem sempre às coisas como processos em desenvolvimento e em relação com outras e neste desenvolvimento e nestas relações que se encontram suas características essenciais e, por isto, o fundamento de suas definições.

Classicamente se denomina definiendum ao símbolo ou coisa que estiver sendo definido; e definiens, os termos empregados em uma definição.

Sócrates e Aristóteles empregaram o termo definição para indicar o preciso significado de uma palavra que empregassem, a definição nominal (que se diferencia da definição factual ou real, referente a uma coisa objetiva). Numa exposição científica que empregue termos ambíguos, estes devem ser definidos no interior do texto ou em um glossário anexo.

Bunge ensina que uma definição é estritamente uma correspondência signo-signo, que consiste em uma operação puramente conceitual, na qual se introduz formalmente um novo

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termo em um sistema de signos (uma linguagem ou uma teoria) e se especifica sua exata significação.

A definição é um instrumento do conhecimento científico que emprega o dado essencial da coisa estudada que foi levantado na explicação. ê possível reconhecer na definição apenas uma maneira particular e padronizada de expor a explicação. Pode-se dizer que a definição é o segundo nível de sintetização do conhecimento sobre o objeto, depois da primeira síntese havida na conceituação; uma síntese a partir de suas relações com outras coisas.

Como acontece com os conceitos, juízos, descrições e explicações, existem definições científicas e definições do senso comum. Embora as definições existam simultaneamente no conhecimento científico e no senso comum, as definições científicas constituem momento essencial do procedimento de conhecer cientificamente e são componentes importantes do patrimônio científico e nenhuma teoria poderia ser edificada sem elas. Sua subestimação há de resultar em um prejuízo para o procedimento de conhecer, explicar, prever (e transformar) o mundo e o que acontece nele.

A clássica definição: o homem é um animal racional situa o definido (homem) em dois níveis, primeiro, em uma classe de referência (animal) e, ao fim, declara sua qualidade específica tida como mais importante (ser racional).

Pode-se definir homem, a partir da classe de referência animal, de muitas outras maneiras: animal que ama, animal que fala, animal que trabalha. E todas serão certas, na dependência do referencial teórico que empreguem.

As definições científicas devem obedecer ao máximo aos critérios de cientificidade aceitos pela cultura em um certo momento de sua evolução. Atualmente, é possível aceitar como muito valiosos os critérios de cientificidade fornecidos por Marilena Chaui desde o ponto de vista dos construtivistas. 11

Tais critérios são:

a) que haja coerência (isto é ausência de contradições factuais ou entre os princípios teóricos de apoio);

b) que os modelos dos objetos sejam construídos com base em recursos metodológicos e técnicos aceitáveis;

c) que os resultados obtidos possam corrigir os modelos teóricos e práticos empregados em sua elaboração.

11 Chaui, M., Convite À Filosofia, 7a. edição, ed. <199>tica, S.Paulo, 1996, p. 253.

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Definição: Instrumento do Conhecimento

Como instrumento da gnosiologia, e até mesmo na elaboração do conhecimento vulgar, a definição pode ser entendida como a expressão breve e completa daquilo que significa um vocábulo ou o que se deve entender por alguma coisa. Esta definição de definição é bastante aceitável porque qualquer definição deve ser a melhor e mais sintética resposta que se possa dar à indagação: o que é esta coisa?

Como parece óbvio e acontece em todas as dimensões da filosofia, as definições sofrem a influência do estado do conhecimento sobre a coisa definida, das teorias empregadas em sua elaboração e no estudo desse objeto e das ideologias existentes. Por isto, são fenômenos dinâmicos e aperfeiçoáveis. A definição é uma exigência do conhecimento exato, por isto, o conhecimento científico a exige.

Além disto, a definição é a instância cognitiva que permite a utilização do conceito de uma coisa no raciocínio científico, o que é mais uma razão para os cientistas não prescidirem dela.

Mesmo na linguagem comum, a definição substitui uma longa descrição por um rótulo sintético; por isto, pode-se dizer que definir é sintetizar a descrição, empregando aqueles atributos que a coisa ou a palavra definida tem de mais essencial.

Como acontece com as outras etapas do conhecimento, as definições científicas diferem das vulgares, principalmente em termo de exatidão ou rigor.

Uma definição científica deve expressar as propriedades e relações específicas daquilo a que se refere. No conhecimento científico, definir implica na identificação do definido em dois planos: um, genérico, denotativo (ou intensivo) que designa uma classe de objetos à qual o termo pode ser aplicado; e, outra, conotativa (ou extensiva), que expressa sua(s) propriedade(s) específica(s) ou típica(s). Por isto, a definição de uma condição patológica exige a declaração de sua classe e de sua espécie patológica. Adiante, trata-se mais acuradamente disto.

Um mesmo objeto, fenômenos ou processo pode ser bem definido com diversas definições, Mas uma boa definição não deve ser aplicável a mais de uma categoria específica de coisas. O homem é um animal social, o homem é um animal que trabalha, o homem é um animal que fala, o homem é um animal que tem sentimentos. Assim como estas, muitas outras definições podem ser atribuídas aos seres humanos.

Tipos de Definição: Palavras ou Coisas

Existem diversos tipos de definição, sendo cada um deles um procedimento lógico que, em princípio, deve poder servir à

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finalidade para a qual estiver sendo usada a definição. Deve poder servir, por exemplo, para distinguir, encontrar ou construir qualquer objeto teórico; para formular o significado de um novo termo ou especificar o sentido exato de um outro termo já existente.

Levando em conta o seu objeto, as definições se dividem em dois grupos:

- definições nominais e

- definições reais.

A divisão das definições em nominais e reais, é uma sobrevivência do conflito medieval entre os nominalistas e os realistas. Definem-se palavras para explicar as coisas que elas expressam, o seu significado.

A definição nominal tem como objeto uma palavra, refere-se ao exato significado de uma palavra. Enquanto a definição de uma coisa, a delimitação da essência específica de um objeto ou fenômeno da realidade é a definição real. Qualquer um destes dois tipos de definição (na verdade, indeslindáveis) deve ser um instrumento lógico a serviço do conhecimento, sintetizando a descrição e, quando possível, resumindo a explicação.

Já se viu que, como acontece com os conceitos, haver quem contraponha neste campo do conhecimento, dois tipos de definições: as nominais e as reais. (Que, igualmente, seria melhor denominar definições sobre as palavras e sobre as coisas da realidade).

Os positivistas e os neopositivistas tendem a negar cientificidade às definições reais, empregando exclusivamente definições nominais como instrumentos de sua ciência e do seu pensamento científico. A exclusividade da definição nominal característica dos neopositivistas, permite a reedição contemporânea do nominalismo medieval.

Ao fim e ao cabo, trata-se de polêmica com pouco valor. Na verdade, a tentativa de separar a definição nominal da definição real, à semelhança do esforço de separar a ideia, a palavra e a coisa no conceito, encobre quase sempre uma tentativa de escamotear a realidade das coisas, a realidade e cognoscibilidade do mundo ou da fração do mundo que estiver sendo estudada; uma maneira de permitir moldar as conclusões ao interesse de quem as constrói; muito mais um golpe intelectual que uma manobra intelectual legitima.

A definição nominal é um artificialismo criado pelos nominalistas para simplificar a linguagem científica, fugir do psicologicismo e do platonismo (do subjetivismo, portanto) e facilitar seu uso por computadores. Contudo

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não simplificou (pois impõe a obrigação de criar uma imensidão de categorias. Tentando evitar o subjetivismo, caiu no objetivismo (erro metodológico análogo). Apenas facilitou eu emprego por computadores. Quem pretender estudar melhor o termo pode buscar em Bunge. 12

A construção das definições, principalmente das definições científicas, depende do estado do conhecimento sobre a coisa definida e do conhecimento de que elabora a definição. As coisas sobre as quais só se têm conceitos descritivos, recebem descrições descritivas (que se referem apenas À sua aparência, como J. é o aluno mais baixo do quinto ano). Quando a coisa já se expressa por conceitos explicativos, pode ser definida de modo genético ou essencial. Quando se considera o alcance cognitivo da definição, ela ainda pode ser: definição descritiva, definição essencial e definição genética; a definição operacional é um importante recurso para disciplinar a investigação científica.

A definição descritiva se reporta apenas a características descritivas da coisa definida, por isto, é insuficiente do ponto de vista da ciência e só deve ser usada quando não houver outra alternativa.

A definição essencial ou definição lógica de um coisa é a enunciação de seu gênero ou espécie e da diferença específica que a singulariza (v.g. o oxigênio é um elemento químico - o gênero - cujo peso atômico é 16 - diferença específica) ou a enumeração de suas partes essenciais (em termos de propriedades e relações). Numa enfermidade, qualquer enfermidade, a definição essencial deve incluir a etio-patogenia e a característica clínica tida como mais típica. Uma definição genética se refere à origem da coisa descrita. No caso de uma enfermidade, a definição genética seria a definição (ou o diagnóstico) que apontasse para a etiologia, para a causação da enfermidade, para os fatores etiológico, especificando suas noxas (fatores causais).

A verdadeira definição científica é a lógica ou essencial. Em Medicina, o diagnóstico se confunde muito mais com a definição do que com o conceito, mesmo que se trate de um conceito explicativo. Os diagnósticos médicos de entidades clínicas, em geral, são definições essenciais, mas os diagnósticos etiológicos são definições genéticas.

Forma particular de definição descritiva é a definição operacional, obtida mediante operações experimentais e seu resultado objetivo é acessível diretamente à observação empírica ou à quantificação. MAISONNEUVE diz que um conceito é operatório (ou operacional) quando pode ser definido por certos indicadores claramente designados, ligados a certos procedimentos cujo resultado observável se torna diretamente controlável. 13 A definição

12 Bunge, M., Filosofia Básica: semântica, Ed. EPU, S.Paulo, vol. 1, pp. 21 e segs.13 Maissonneuve, J., Introdução À Psicossociologia, Ed. Nacional/EDUSP, S.Paulo, 1977.

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operacional representa um esforço para ampliar a cientificidade das definições descritivas.

Tal qual sucede com as outras modalidades de definição, um mesmo termo pode receber diversas definições operacionais. Também as definições convencionadas destinadas a viabilizar ou homogeneizar um procedimento metodológico costumam ser chamadas operacionais ou operativas, mas isto não parece correto como procedimento rigorosamente científico, devendo-se diferenciar as definições operacionais das definições convencionadas (ainda que estas últimas objetivem propósitos operativos ou, melhor dizendo, objetivos operacionais).

Definição científica

Exatamente da mesma maneira que acontece com a conceituação e com a explicação, também pode haver uma definição científica e uma definição do senso-comum. E, também como acontece no conceito e na explicação, a diferença é resultado do grau de exatidão, que é muito maior na definição científica. A definição científica constitui, sempre, a maneira mais completa e exata de se definir alguma coisa, dentro das possibilidades viáveis em um certo momento, em um certo processo de investigação.

A definição operacional é, como já se viu, uma tentativa de garantir o máximo de cientificidade para uma definição ou a expressão um conceito.

Quando se compara o conhecimento científico com o senso comum, nota-se que existe uma razoável analogia conceitual entre o que acontece aos conceitos comuns e os conceitos científicos e o que se passa entre as definições vulgares e as definições da ciência. Não obstante, estas duas instâncias definidoras não devem ser confundidas.

A definição comum é aquela da linguagem comum, com a qual é dicionarizada. Padece do defeito adicional de parecer conhecida pela familiaridade que se tem com ela, o que é mais um fator de tendenciosidade. A definição científica deve ter sentido preciso com o qual é empregado na terminologia científica e é construída com mais rigor e exatidão, permitindo maior certeza e precisão.

Erro metodológico é empregar uma definição vulgar originada do senso comum e suficiente para seus propósitos, em uma tarefa científica, mesmo que tal definição esteja rigorosamente correta para os efeitos que ela foi construída. Analogamente, também é procedimento metodológico bastante inadequado convencionar definições operacionais distantes da realidade factual para chegar a conclusões desejadas.

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BACHRACH 14 menciona um terceiro tipo de definição, a definição poética (ou definição literária) que é um artifício literário que se concretiza em um jogo de palavras que produz um efeito eufônico que agrada, mas cujo poder comunicativo ainda é menor que a definição vulgar. Em ciência, empregar definições literárias ou poéticas pode resultar muito pior que usar as definições comuns.

Também existe analogia positiva entre as definições comuns e as definições científicas. Ambas, seguem o mesmo caminho em sua edificação e as coisas de que tratam somente são rigorosamente definidas depois de explicadas. Não havendo explicação para que se construa uma definição satisfatória, é necessário criar um artifício lógico para contornar esta dificuldade. Uma definição de coisa não explicada é sempre uma definição convencionada determinada pelos interesses de quem a propõe. Um artifício lógico para definir pode ser a definição operacional.

Operacionalidade

A operacionalidade é uma tendência da filosofia moderna derivada do empirismo, muitas vezes chamada impropriamente de operacionalismo, que sintetiza o positivismo lógico e o pragmatismo e pretende que a significação de qualquer conceito seja determinada apenas pela descrição das operações utilizadas para formá-lo e verificá-lo, conduzindo inevitavelmente à superestimação das palavras e das ideias frente às coisas.

Confusão difundida e ampliada pela má tradução de termos ingleses terminados em ism, como operacionalism, neuroticismo e criticism, que podem resultar em palavras portugueses terminadas com os sufixos dade ou ismo (redundando em significações diferentes, na dependência do contexto). Criticism, neuroticism e operacionalism devem ser traduzidos como crítica, neuroticidade e operacionalidade ou operacionalismo, dependendo da intenção comunicativa de quem fala.

Os operacionalistas pretendem que os conceitos científicos sejam definições passíveis de serem reduzidas a termos empíricos.

A rigor, denomina-se operacionalismo somente ao recurso prático utilitário usado para contornar a impossibilidade de definir uma coisa; assim, empregam-se criteriosamente os elementos de sua descrição para torná-la reconhecível e melhorar a confiabilidade de seu emprego.

Deveria haver algum esforço para diferenciar a operacionalidade (recurso legítimo de sistematização e exatidão da descrição) do operacionalismo (atitude reducionista). Contudo, isto não parece ser feito.

14 BACHRACH, A.J., Introdução À Pesquisa Psicológica, Ed. EPU, S.Paulo, 1974, p.53.

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De fato, neste terreno, parece ser necessário diferenciar o que seria operacionalismo (superestimação, reducão abusiva ou exclusivação das definições operacionais) da operacionalidade, ou seja, o emprego ponderado e adequado dos procedimentos operacionais em programas de investigação ou na elaboração de teorias científicas. Porque o recurso às definições operacionais, desde que contido em um procedimento metodológico controlado que impeça seus descaminhos, pode ser muito útil, principalmente para pesquisas clínicas ou relacionadas a variações dos quadros clínicos de enfermidades.

Contudo esta diferenciação entre operacionalismo e operacionalidade não é sequer tentada por muitos que estão envolvidos na negação ou na defesa dos recursos metodológicos operacionais. E talvez esta tentativa não se faça porque seus adversários não valorizam suficientemente esta providência, enquanto seus utilizadores devem tirar algum proveito desta ambiguidade. Que, de resto, lhes pareceria insuportável noutro contexto.

A rigor, deve ser unicamente à exclusividade, ao exagero ou à superestimação do emprego das definições operacionais que se poderia denominar operacionalismo, uma forma de reducionismo verbalista e idealista que marca o positivismo lógico e o empirismo americano que são duas tendências da Filosofia da ciência que exercem muita influência, não apenas na Medicina, mas em toda atividade científica contemporânea e são dependentes deste reducionismo para conduzir a termo seus programas de investigação. E como estas duas tendências filosóficas se prestam muito ao momento presente que vive a sociedade norte-americana, ela passa a ser imposta ideologiamente a todo o mundo marginal de sua cultura.

Definição Operacional

As definições operacionais são instrumentos utilitários para garantir maior confiabilidade à observação científica garantindo maior consistência aos significados dos termos e medidas e ampliando a validade dos conceitos descritivos. Isto é, pretende-se que o emprego das definições operacionais nos procedimentos da ciência possa facilitar o trabalho científico e garantir maior confiança aos seus achados, sobretudo quando se referem a termos convencionados ou a procedimentos e escalas de medidas e outros procedimentos baseados no conhecimento apenas descritivo.

Entretanto, deve-se convir que, quando as premissas de um raciocínio se resumirem ou estiverem exclusivamente baseados em definições operacionais convencionadas, pode-se chegar facilmente a qualquer conclusão desejada, seja qual for, desde que elas

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tenham sido apontadas pelas premissas. Não sendo por acaso que sejam cultivadas pelos pragmatistas.

O pragmatismo é a tendência filosófica que emprega um critério de utilidade para substituir o critério de verdade. Para eles, uma proposição deve ser tida como verdadeira enquanto for útil. Por isto, para estes operadores, as definições operacionais são reconhecidas por sua utilidade, não pela sua validade.

Neste último caso, parece lógico que sua comprovação ou rejeição deva ser determinada pela comparação com o real, com a coisa definida, quando isto for possível, em suma a busca da validade. E não com uma configuração lógica determinada por ela mesma, como acontece quando a comparação é feita com um protótipo construído com a própria definição operacional (exercício de fidedignidade).

Deve-se tomar cuidado para não confundir a operacionalidade (qualidade indispensável ou muito importante para toda atividade científica) com o operacionalismo (que consiste na supervalorização ou exclusivização dos recursos técnicos e metodológicos reconhecíveis como operacionais.

Na prática da investigação factual, as definições operacionais se assemelham aos axiomas e os postulados, enquanto recursos teóricos do conhecimento formal, tal como são empregados nos estudos filosóficos e nos jogos lógicos.

A ciência não teria chegado onde chegou sem empregar estes recursos operacionais, mas deve-se ter presente que eles são apenas isto: recursos e não os objetivos ou o conteódo da epistemologia ou da metodologia.

Os axiomas e os postulados são artefatos lógicos semelhantes às definições operacionais empregadas para facilitar ou possibilitar os procedimento racionais, principalmente a solução de problemas lógicos. Preenchem o vazio do não conhecido, ajudam a elaborar novos conhecimentos. Não são o conhecimento.

Postulado é o conceito, a proposição, o argumento u a teoria que se tioma convencionadamente como verdadeiro e um raciocínio.

Axioma é a proposição evidente por si mesma, tida por verdadeira, indemonstrável ou sem necessidade de demonstração. Nas ciências sociais, as definições vulgares funcionam mais ou menos como axiomas.

Para os operacionalistas a definição operacional deve ser usada em para substituir uma definição essencial impossível (o que deve-se denominar definição convencionada) ou como uma definição hipotética a ser confirmada no procedimento experimental.

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Analogamente com o que acontece aos axiomas e postulados, as definições operacionais que pretendem se referir a entidades clínicas, mas são validadas a partir de outro nível de organização patológica (como os sintomas ou as síndromes, por exemplo, que têm menor grau de complexidade factual) desempenham o papel de postulados. As definições operacionais são, por assim dizer, postulados factuais. E assim devem ser tratadas.

Embora muitos dos procedimentos de muitos autores indiquem diferente, ao menos para alguns outros, a operacionalidade (operacionalism) não deve ser entendida como um sistema filosófico. Para estes, o que se denomina "operacionalism "não é mais que uma abordagem operacional, uma espécie de artifício que deve se contentar a ser um conjunto de procedimentos técnicos para lidar com operações de verificação e não com a elaboração de conceitos, teorias ou, muito menos, com definições, nos termos em que se coloca neste texto sobre teoria do conhecimento geral e médico. Parece bastante conveniente buscar a operacionalidade, sem decair no operacionalismo, até porque ele não parece muito sério.

Nas ciências sociais e psicológicas modernas, principalmente da Medicina, especialmente da psiquiatria norte-americana, as definições operacionais ganharam grande prestígio, ainda que o recurso nem sempre seja bem usado.

A conduta “operacionalista” não desfruta aprovação unânime. BUNGE (em Epistemologia, 15nega qualquer importância a este recursos e afirma que aquilo que amiúde é chamado "definição operacional" não é definição nem é operacional, mas simplesmente uma relação entre variáveis inobserváveis, de uma parte, com variáveis observáveis ou mensuráveis, de outra. Sendo que as segundas agem como indicadores ou índices das primeiras. O que, segundo ele (e com bastante razão) resulta em uma hipótese e não em uma definição.

Nestes instrumentos operativos, a verdade resulta ser convencionada em sua elaboração e não surge como resultado da investigação científica, o que facilita muito qualquer mistificação.

Em trabalho muito interessante traduzido no Brasil, McHugh e Slavney 16 apontam para uma série de características propostas por Feigl 17 para permitir ter certeza sobre o que é a operacionalidade e, com isto, poder identificar com certeza as definições operacionais.

15 p.144.16 McHugh, P.R. e Slavney, P.R., as Perspectivas da Psiquiatria, Ed. Artes médicas, P. Alegre, 1989, p. 18. 17 <eigl, H. Operacionalism and Scientific Method, Psichological Review, 52, 1945..

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Para McHugh e Slavney, o operacionalismo é um procedimento técnico investigatório que lida com conceitos. Deste ponto-de-vista mais restrito sobre o operacionalismo como recurso pragmático, os conceitos que têm valor para as ciências concretas devem ser definíveis por operações que sejam: logicamente consistentes e suficientemente definidos, se possível, quantitativamente; empiricamente construídas e terem ligações ostensivas com o observável; tecnicamente possíveis, comunicáveis e reprodutíveis. Ademais, devem visar a criação de conceitos que funcionem em leis ou teorias de maior previsibilidade.

Para estes autores, todas as definições operacionais necessitam ter as seguintes qualidades essenciais: a) serem logicamente consistentes; b) estarem suficientemente definidas, se possível, quantitativamente; ç) terem sido empiricamente construídas e terem ligações ostensivas com o observável; d) serem tecnicamente possíveis; e) serem comunicáveis e reprodutíveis; e, por último, f) devem visar a criação de conceitos que funcionem em leis ou teorias de maior alcance de previsibilidade.

O emprego de conceitos operatórios ou operacionais fazem parte de um esforço para elaborar raciocínios psicológicos, médicos e sociológicos em uma linguagem, rigorosamente científica, na medida em que se estabelecem variáveis que podem permitir a descoberta das relações que eles mantêm entre si ou com o que há no resto do mundo. Para isto, necessita-se elaborar definições que sejam exatas, unívocas e coerentes entre si e com os objetos e fenômenos que pretendem definir.

Neste sentido, desde o ponto de vista operacional (mas não necessariamente radicalmente operacionalista) um conceito deve ser considerado como sendo operatório ou operacional quando puder ser definido por certos indicadores claramente designados, ligados a certos procedimentos, cujo resultado é possível de ser observado e diretamente controlado. Por isto, os conceitos operatórios podem ser um artifício expositivo ou classificatório, mas jamais permitem a elaboração de definições científicas devido a sua incapacidade para explicar e, por isto, para construir leis. 18

Por tudo isto, também se pode afirmar que as definições operacionais servem aos propósitos unicamente descritivos dos positivistas e finda por permitir a maior objeção ao seu emprego quando se pretendem classificações heurísticas.

Como Construir Definições

As definições não podem e não devem ser elaboradas ao gosto de quem o faz, nem pode ser confundidas com a conceituação ou a descrição. Existem regras estabelecidas para elaborar definições e estas regras devem ser seguidas estritamente quando se tratar de

18 Maisonnneuve, J., Introdução À Psicossociologia, Ed. Cia. Ed. Nacional/EDUSP, S.Paulo, 1977, pp. 26 e 27.

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definições para emprego científico. Como acontece com os conceitos, com as descrições e com as explicações em ciência, as definições científicas são mais exigentes de sistematicidade, objetividade e precisão.

As regras para construir definições têm importância prática, sobretudo no âmbito da pesquisa científica e técnica (e, também, porque a ignorância ou desobediência destas normas ocasiona muita tolice evitável).

As regras da lógica da ciência que servem como diretrizes para construir uma definição que possa ser empregada e aceitável como instrumento do conhecimento científico são as seguintes:

a) a definição deve ser mais clara que o ente definido e indicar seus atributos essenciais, tanto em termos de sua situação genérica, quanto específica;

b) a definição deve ser conversível simplesmente com o definido (a decodificação de seu significado deve ser imediata e direta) e não ser excessivamente ampla ou demasiadamente estreita (guardar correspondência com o definido, i. é, deve conter todo o definido e só o definido);

c) em uma definição deve ser vedado o recurso do círculo vicioso ou a tautologia (definir com o definido, a fórmula definidora não deve conter a palavra definida nem nenhum sinônimo direto dela);

d) para definir não deve ser negativa quando puder ser afirmativa;

e) uma definição não ser expressa em linguagem ambígua, obscura ou figurada (sendo proibido o emprego de qualquer figura de linguagem.

Questão gnosiológica polêmica acerca da definição refere-se ao seu objeto, ao que seria o objeto da definição: seria a palavra (definição nominal, característica dos nominalistas) ou seria a coisa (definição real típica dos realistasl). Tal como já se verificou com relação aos conceitos, tema em que existe idênticas divergências.

Para os filósofos idealistas, desde Parmênides, Platão, Berkeley, Hume, Descartes até Comte e os neopositivistas, a definição é nominal; para eles, só se define uma palavra, não uma coisa. Posto que para eles, consoante suas formulações teóricas, a coisa real, aquilo que se denomina como realidade objetiva não existe ou, se existisse, seria incognoscível, irreconhecível ou incomunicável.

Os filósofos realistas e os materialistas, como Empédocles, Demócrito, Aristóteles, Locke e Marx sustentam a opinião que o conhecimento se consubstancia na unidade do conceito que pode se referir tanto ao objeto real, quanto ao que o representa (que lhe seja correspondente) ou à

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palavra que o simboliza. Para eles a definição se aplica tanto às palavras (definição nominal) quanto às coisas (definição real); porque entendem o conceito como amálgama inseparável destas duas instâncias da realidade e que os elementos da realidade são reais, existem e podem ser notados, descritos, explicados e definidos. Em suma, conhecidos.

Uma avaliação dialética da questão da definição, deve recusar qualquer apreciação parcial, seja descritiva ou explicativa, encarando estes dois pontos (como em análise e síntese, abstração e concreção, objetividade e subjetividade) como instâncias unitárias e complementares.

Tudo o que existe pode ser definido, tanto as palavras quanto as coisas. Não existe oposição real entre definição real e definição nominal, assim como não há antagonismo entre a definição descritiva e a definição explicativa. Pois, como já se pode observar ao longo deste trabalho, descrever e explicar são etapas progressivamente mais evoluídas do processo de conhecer. Tanto do conhecimento vulgar, quanto do conhecimento científico. Enquanto não for possível uma definição explicativa, o conhecimento vulgar e o conhecimento científico têm que se contentar com uma definição descritiva.

No interior da definição descritiva também acontece coisa semelhante: enquanto não for possível uma definição descritiva suficientemente exata para atender as exigências científicas, o conhecimento das coisas do mundo precisa se contentar com descrições menos precisas, desde que suficientes (no limites das possibilidades tecnológicas daquele momento).

Uma outra questão prática muito importante neste terreno é a confusão entre as noções de definição e conceito, que deve ser aprecidada mais profundamente por quem estiver estudando o assunto e que o que se viu aqui permite enfrentar.

Definição, Ápice e Recomeço do Conhecimento

O conhecimento se completa na definição enquanto recomeça a partir da definição. Esta formulação aparentemente contraditória fornece o núcleo para o entendimento do significado da definição no processo cognitivo.

A elaboração cognitiva do conhecimento se completa na definição que pode ser considerada como a maneira mais precisa de se sintetizar o conhecimento que se tenha sobre alguma coisa, at é que novos conhecimentos imponham sua revisão. Quando se define alguma coisa, de certa maneira sintetiza-se o conhecimento mais

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aperfeiçoado que se tem sobre ela. Por isto, na medida em que se amplia ou se aprofunda o conhecimento sobre algo, sua definição pode e deve sofrer alguma mudanáa, ainda que esta modificação se dá unicamente no interior dos conceitos empregados para definir.

A definição ideal sintetiza a explicação; sobretudo a definição essencial que encerra o ponto culminante do conhecimento, inclusive do conhecimento científico. No entanto, por melhor que for uma definição e por melhores os recursos de cientificidade que contenha, não deve ser considerada completa, nem definitiva.

Em geral, deve-se considerar que qualquer definição precisa ser tida como potencialmente incompleta, além de provisória, porque, ainda que seja uma definição essencial, sua explicação factual conserva o defeito essencial de provisoriedade contido em suas formas de verificação, como se há de ver adiante, quando se tratar da comprobabilidade e das ciências factuais.

Nas ciências factuais, em princípio, qualquer informação está sujeita a ser modificada.

Embora a definição seja fruto da explicação e enriqueça todos os níveis do conhecimento que estão antes dela, por mais que se dê por conhecido um novo conhecimento ou um novo paradigma, existe sempre a possibilidade de ampliar e aprofundar este conhecimento ou, inclusive, substituí-lo. Por todas estas razões, é muito comum que, definido um objeto ou fenômeno, esta definição seja superada pelo conhecimento de novos fatos, muitas vezes advindo da própria definição ou da explicação que a precedeu, evidenciando o conhecimento como um processo sempre inacabado, sempre provisório, sempre relativo. Embora, é preciso que se saiba, nem todo conhecimento é assim atualizável, alguns podem ser definitivos. O problema seja que nem sempre se pode predizer qual deles pertence a este ou àquele tipo.

Para mais informações sobre o tema, vale a pena ler Definições, de HEGENBERG que é um valioso trabalho sobre as definições científicas, de onde se pode retirar algumas inferências para emprego em Medicina, principalmente quando se leva em conta que o diagnóstico é, em última análise, uma definição da enfermidade a que se reporta.

Diagnóstico Nosológico: Definição da Enfermidade

Diagnosticar é definir. Portanto, é perfeitamente plausível que se afirme que o diagnóstico, mais que um conceito, deve ser (ou conter) uma definição da enfermidade a que se refere. E, idealmente, de ser uma definição genética, apontando para a causa da patologia. Contudo, nem sempre é possível concretizar o processo diagnóstico com esta precisão.

Muitas vezes não se conhece o suficiente sobre a enfermidade; ou não existe, ao menos, uma teoria sobre a enfermidade que seja

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suficientemente provável para permitir a construção de uma definição a partir dela. Neste caso, o diaagnóstico médico deve permanecer no nível descritivo da conceituação da enfermidade. A falta de uma explicação impede uma definição genética e o diagnóstico daquela entidade clínica permanece como um conceito descritivo.

O diagnóstico descritivo se limita a permitir o reconhecimento de uma enfermidade por seus elementos formais e por suas características aparentes. Existem três tipos de diagnósticos descritivos: o reconhecimento de um ou mais sintomas; a identificação de uma ou mais síndromes (o diagnóstico sindrômico) e o reconhecimento do que anglófonos denominam disorders (entidades clínicas mais ou menos complexas descritos em uma lista nosográfica)

Em geral o diagnóstico descritivo é um diagnóstico analítico. Tipo de procedimento diagnosticador que recolhe uma série de características do quadro clínico, que vão sendo superpostas de modo a permitir a descrição mais perfeita possível daquela entidade clínica. Por isto, em geral, estes diagnósticos são denominados analítico-descritivos.

Já o diagnóstico explicativo é um diagnóstico sintético, composto de um termo ou uma expressão com poucas palavras que informam sobre a aparência da enfermidade (sintoma, síndrome ou entidade clínica), sua classificação patológica (deficiência ou déficit adquirido, doença ou moléstia-com o sentido de sofrimento inadequado), sua etiologia, a patogenia, a previsão de curso, o prognóstico e as indicações terapêuticas genéricas.

No processo de evolução do diagnóstico de uma enfermidade, é comum que o procedimento diagnosticador se inicie com alguns elementos descritivos. Estes elementos vão se enriquecendo e, quando já se reportam à etio-patogenia, já está maduro para o salto qualitativo de transformar-se em explicativo.

A eficiência e a eficácia do procedimento diagnosticador depende dos seguintes fatores: a teoria de doença vigente na cultura, o conhecimento objetivo que se tenha sobre a enfermidade especificamente, o paradigma diagnóstico vigente e o preparo técnico do diagnosticador.

Cada um destes elementos desempenha papel mais ou menos significativo no processo. Mas, agora importa muito destacar a necessidade de preparo técnico do médico que está diagnosticando. Sem preparação suficiente não estará a altura do que se espera dele. E a preparação para diagnosticar depende de um grande investimento em tempo para estudar, dedicação ao trabalho e incasável convívio com os doentes.

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