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Disponibilizo a todos meu Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção da pós-graduação em Jornalismo, Cidadania e Políticas Públicas sobre "Belo Monte: Informação e Contrainformação". O TCC está disponível na biblioteca da Pós-Graduação da Unana/Quintino, em Belém. Minha orientadora foi a professora Marise Morbach, que me emitiu o conceito EXCELENTE. Meu TCC foi avaliado também pelo professor Rodolfo Marques.
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1
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU
CLEIDE LÚCIA MAGALHÃES DE SOUZA
BELO MONTE:
INFORMAÇÃO E CONTRAINFORMAÇÃO
BELÉM - PA
OUTUBRO/2013
2
CLEIDE LÚCIA MAGALHÃES DE SOUZA
BELO MONTE:
INFORMAÇÃO E CONTRAINFORMAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Programa de Pós-
Graduação Latu Sensu da
Universidade da Amazônia como
requisito para obtenção do curso de
especialista em Jornalismo,
Cidadania e Políticas Públicas – sob
a orientação da professora Dra.
Marise Morbach.
BELÉM / PA
OUTUBRO/2013
3
A Deus,
Aos pais,
Aos amigos Ana Mônica Monteiro e
Max André Costa e
Aos professores, que me incentivaram
durante a vida de estudante e
profissional de jornalismo.
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo, Andrey Moraes, que me deu apoio e, principalmente,
ajudou a cuidar do nosso filho, Eros Magalhães Moraes, durante algumas
noites que levei na produção deste trabalho.
Ao meu filho Eros que nasceu há poucos meses e serviu de mais um motivo
para eu concluir a especialização.
Ao Movimento Xingu Vivo para Sempre por ter me dado valiosa contribuição
ao disponibilizar sua atenção e material de arquivo para a concretização
deste trabalho.
À professora Marise Morbach ter me norteado na elaboração deste estudo.
5
Existir é resistir, fincar os calcanhares
no chão para se opor à correnteza.
José Ortega y Gasset,
filósofo espanhol, na obra “A Rebelião
das Massas”.
6
RESUMO
Este estudo discute a comunicação sobre a Usina Hidrelétrica de Belo
Monte, no Complexo Hidrelétrico do rio Xingu, em Altamira, na região da
Transamazônica, no Pará, tendo como objeto de análise os ambientes
comunicacionais pela internet – Site, Blog, Twitter e Facebook - do Movimento
Xingu Vivo para Sempre, que nasceu na década de 1980, e há cinco anos
recebeu atual nome. O Movimento é contra-hegemônico e tem a finalidade de
divulgar a contrainformação frente ao Estado Nacional sobre a Usina para a
sociedade. Além de debater a respeito das hidrelétricas que estão em
andamento e novas previstas para a Amazônia. Assim, a comunicação pelas
mídias sociais desenvolvidas pelo Xingu Vivo é uma ferramenta essencial à
defesa das comunidades afetadas por Belo Monte e pelas outras hidrelétricas
na região.
Palavras-chave: Amazônia – hidrelétrica – internet – informação –
contrainformação – hegemonia - contra-hegemonia
7
ABSTRACT
This study discuss the communication concerning Belo Monte´s
hydroelectric dam in the Xingu River, Altamira-PA, Brazil, having as main object
the internet communication environments of “Movimento Xingu Vivo para
Sempre” – Site, Blog, Twitter and Face Book Page – that exists since 1980 and
has the current name for the last five years. The movement is counter
hegemonic and has as focus the dissemination of counter information withhold
by the federal state about the dam; also discussing dam´s that are already in
construction and the possibility of others inside the Amazon basin. There for the
communication with social medias used by “Xingu Vivo” is an essential tool for
the communities affected by Belo Monte´s dam and others in this region.
Keywords: Amazon – hydroelectric – internet – information – counter
information – hegemony – counter hegemony
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONFLITO 12
2.1 ESTUDOS DE IMPACTOS AMBIENTAIS 16
2.2 ATORES SOCIAIS 17
2.3 HISTÓRIAS DE CONSTRUÇÃO DA USINA 19
2.4 INTENSIFICA O CONFLITO 22
2.5 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS 24
2.6 PESQUISA CIENTÍFICA QUESTIONA EIA/RIMA 27
2.7 O QUE DIZ O GOVERNO 30
3 O QUE É O MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE 32
3.1 A CIRCULAÇÃO DA CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO 36
3.2 ESPAÇO DO MOVIMENTO NA GRANDE MÍDIA 38
3.3 A CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO 40
4 AS MÍDIAS SOCIAIS DO MOVIMENTO 42
4.1 SITE 42
4.2 BLOG 43
4.3 TWITTER 45
4.4 FACEBOOK 45
5 A EFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO DO XINGU VIVO 47
5.1 MOBILIZAÇÕES 47
5.1.1 Nacional 47
5.1.1.1 AUDIOVISUAL 48
5.1.2 Internacional 49
5.2 MOVIMENTO É FONTE DE INFORMAÇÃO DO MPF 50
5.3 PESQUISA AVALIA OPINIÃO SOBRE A OBRA DE BELO MONTE 51
5.3.1 Entrevistas 53
5.4 FATORES QUE PREJUDICAM A COMUNICAÇÃO DO XINGU 54
5.4.1 Falta recurso financeiro 54
5.4.2 Falta de energia elétrica 55
5.4.3 Exclusão digital 56
9
6 CONCLUSÃO 58
REFERÊNCIAS 62
APÊNDICE A 64
ANEXO A 87
10
INTRODUÇÃO
Este estudo mostra que a partir das mídias sociais começou a mudar o
tradicional cenário de pouca participação popular nas decisões à
implementação dos grandes projetos na Amazônia, que tiveram início na
década de 1960 com a rodovia Transamazônica. O Movimento Xingu Vivo para
Sempre já conseguiu atingir milhões de pessoas no mundo, principalmente
pela internet, que aderiram ao maior ideal do Movimento: ser contra a polêmica
construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
O Xingu Vivo é abordado neste trabalho porque embora tenha nascido
na década de 1980 somente há quase quatro anos passou a utilizar as redes
sociais para difundir informações contrárias as do governo federal sobre a
Usina. Revelando, assim, a importância que a internet tem como ambiente de
comunicação e mobilização na sociedade.
Estudar o Movimento é relevante também porque este é um dos poucos
instrumentos de resistência e defesa das comunidades que deverão ser
afetadas direta e indiretamente pelo projeto de Belo Monte, além de o
Movimento ser cronista de uma série de irregularidades que ocorrem na região.
No contexto que envolve Belo Monte há dois projetos políticos
ambientais divergentes. De um lado estão povos indígenas, agricultores,
ambientalistas, intelectuais e católicos progressistas, que, em tese, defendem a
soberania e autodeterminação dos povos da região, considerando a
biodiversidade da floresta amazônica como vital para o desenvolvimento da
espécie humana. Do outro, empresários, governos, especuladores de terra,
entre outros, que veem a Amazônia como potencial energético fundamental
para o abastecimento do mercado capitalista e, consequente, desenvolvimento
econômico do país.
No primeiro momento deste estudo, há uma contextualização histórica
do conflito da construção da polêmica Usina de Belo Monte envolvendo
questões teóricas, que norteiam as discussões sobre o papel da Amazônia na
política de desenvolvimento do Brasil; os dados oficiais e não oficiais sobre a
obra; os estudos de impactos ambientais; a apresentação dos atores sociais do
conflito incluindo de forma breve o conceito de hegemonia e contra-hegemonia;
11
as histórias de construção da Usina; a intensificação do conflito; as polêmicas
audiências públicas; a pesquisa científica que contesta os estudos de impactos
ambientais da obra e o que diz o governo, por meio do seu site oficial.
No segundo momento, é apresentado o Movimento Xingu Vivo para
Sempre falando da sua criação do Movimento, objetivos à política ambiental da
Amazônia, como circulam as informações do Xingu Vivo e quais são suas
fontes e qual espaço ocupa na grande mídia. Além de falar sobre a
contrainformação do Movimento trazendo conceitos sobre a importância da
internet na comunicação desenvolvida. No capítulo seguinte, é feita descrição e
análise das mídias sociais do Xingu Vivo – Site, Blog, Twitter e Facebook.
Já o último capítulo desta pesquisa trata da eficácia da comunicação do
Movimento no contexto nacional e internacional e sua importância como fonte
de informação às peças processuais elaboradas pelo Ministério Público Federal
no Pará no que diz respeito à obra. Analisa também da única pesquisa no
Estado realizada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) que apontou se a
população é a favor ou contra a obra e Belo Monte.
Por último, ainda no quarto capítulo, são mostrados os problemas que
prejudicam o melhor desempenho da comunicação do Xingu Vivo, que, são a
falta de recursos financeiros; contraditoriamente, a falta de energia elétrica nos
lares amazônidas e a exclusão digital, em especial no Pará.
12
1º CAPÍTULO
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONFLITO
Desde a década de 1960, durante a construção da rodovia
Transamazônica, a Amazônia tem sido palco de conflitos sócio, econômico e
ambiental - resultado de diversos grandes projetos que o governo federal, com
apoio de empresários, especuladores de terras, entre outros, empurram “goela
adentro” para implementar na região diversas ações sob o argumento de que
os empreendimentos ajudarão no desenvolvimento e progresso do País.
Pela pujança do seu revestimento vegetal, pela riqueza e variedade de
sua fauna, pelo número da caudalosidade dos seus rios, enfim pela
exuberância e amplitude de seus cenários, a Amazônia é considerada por
Eidorfe Moreira como sendo a região de maior interesse geográfico no País.
Porém, o autor salienta que a região não é dotada somente deste
caráter peculiar, e que o aspecto econômico se sobrepõe ao geográfico.
A Amazônia é também – e sobretudo – um imenso potencial econômico, e como tal uma soma de possibilidades a serem exploradas em função de um critério racional e técnico. E é como perspectiva econômica – fato que até bem pouco tempo não passava de um mero tema literário, sem outro sentido senão o de um ufanismo retórico da nossa grandeza geográfica – que se tende a definir e fundamentar o conceito atual da região. Com efeito, a Amazônia interessa hoje em dia menos pelo que é no sentido geográfico do que pelo que significa ou promete economicamente falando. Rara é a consideração de ordem geográfica ou científica a seu respeito que não se subordine a uma preordenação econômica e não tenha nessa preordenação o seu leit motiv. (MOREIRA, 1960)
Segundo Ab´Saber Norib, o que se cometeu na Amazônia já nessa
época foi um “planejamento suicida” ou o que o autor chama de
“pseudoplanejamento”.
13
A metade Norte do Brasil, foi por muito tempo o grande espaço físico e ecológico oferecido à imaginação inconsequente dos tecnocratas, destituídos de qualquer noção de escala1, senso da realidade empírica e responsabilidades pelas propostas fantasiosas colocadas em mapas. O que se cometeu de pseudoplanejamento, feito à distância [Brasília], na fase que fundamentou a abertura da rodovia Transamazônica, não tem paralelo em qualquer parte do mundo, em termo de ausência de noção de escala responsabilidade civil por propostas predatórias, e falta de conhecimento efetivo da realidade física, ecológica e social da Amazônia brasileira (...) sem qualquer proposta válida para o desenvolvimento econômico e social da região. (AB´SABER, 1996).
Essa era ganhou força na metade da década de 70, com a construção
da hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no Estado do Pará. A
incompatibilidade entre a obra e o conhecimento acumulado sobre como
aproveitar de forma inteligente grandes cursos d´água em uma região
denominada por floresta tropical não interrompeu a sucessão de grandes
barragens idealizadas para a região.
O velho enredo foi retomado com um projeto ainda mais grandioso: a
construção da Usina de Belo Monte, que integra atualmente o Complexo
Hidrelétrico do rio Xingu2, no município de Altamira, na região da
Transamazônica, no Pará. Em 1975, sob o comando dos militares que
governavam o Brasil desde o golpe de Estado de 1964, a Centrais Elétricas do
Norte do Brasil S.A (Eletronorte)3 iniciou os estudos do Inventário Hidrelétrico
da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu. Foi o primeiro passo no projeto de
construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. 1 Noção de escala: equivale realizar um estudo para determinar a vocação de todos os subespaços que compõem um certo território e efetuar o levantamento de suas potencialidades específicas ou preferenciais de cada um subespaço. Essa busca das vocações de cada, inseridas em conjunto maiores do espaço regional, exige um conhecimento do mosaico dos solos; a detecção das tendências de uso econômico ou especulativo dos espaços rurais, urbanos e reurbanos; o balanço da economicidade dos sistemas de exploração econômica; entre outros. 2 Xingu: é uma palavra indígena que significa água boa e limpa. O rio Xingu é o quinto mais caudaloso (e o sexto em extensão) rio do Brasil, que começa no Mato Grosso, no Centro Oeste, e termina no Pará, Norte do Brasil. Do rio dependem cerca de 14 mil indígenas desses estados, além de centenas de comunidades compostas por ribeirinhos, pescadores, extrativistas, quilombolas e agricultores.
3 Eletronorte: empresa estatal subsidiária da Eletrobrás com jurisdição sobre toda a Amazônia Legal.
14
O Xingu é o quinto mais caudaloso e o sexto em extensão rio do Brasil
Foto: Google
Mesmo que Belo Monte gere bastante polêmica e resistência social
desde a década de 80 e, principalmente, a partir de 2009, quando o
empreendimento foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC
II), o governo federal tenta passar com rolo compressor por cima da sociedade
civil organizada, em especial os indígenas, que serão os mais prejudicados
com a obra iniciada em 2011, para implementar o projeto, que, atualmente,
conta com cerca de 25% das obras de infraestrutura já concluídas.
De acordo com o balanço do 7° ano do Programa, publicado neste ano
no site oficial do governo federal (www.brasil.gov.br), referente aos meses que
vão de entre janeiro a abril de 2013, o PAC II prevê investimentos na ordem de
mais de R$ 94 bilhões para construção de hidrelétricas na Amazônia.
São R$ 67,38 bilhões para obras em andamento (Jirau, Santo Antônio,
Belo Monte, Santo Antônio do Jari, Colider, Teles Pires, Estreito e Ferreira
Gomes) e mais R$ 26,78 bilhões em novas usinas (São Luiz do Tapajós,
Jatobá, São Manoel, Sinop).
15
PAC II traz oito UHEs com obras em andamento e quatro novas à Amazônia
Mapa: 7º Balanço do PAC II
A previsão do governo federal é que a primeira das 24 turbinas da Usina
de Belo Monte comece a operar em fevereiro de 2015, e a última, em janeiro
de 2019. Devido tantas contestações por parte da sociedade civil e com a
sequência de paralisações provocadas por índios e trabalhadores, estima-se
que a obra esteja um ano atrasada. Se continuar nesse ritmo, além dos
investimentos aumentarem, a concessionária poderá perder R$ 4 bilhões em
receita.
A Usina foi orçada em R$ 16 bilhões, leiloada por R$ 19 bilhões e
financiada por R$ 28 bilhões. Quase dois anos depois do início das obras, o
valor não para de subir. Já supera R$ 30 bilhões e pode aumentar ainda mais
com as dificuldades para levar a construção adiante. Entretanto, no balanço, o
governo reconhece oficialmente R$ 28,9 bilhões.
Nos planos do governo, Belo Monte está destinada a ser a terceira maior
usina do planeta e é o maior empreendimento de geração de energia do Brasil
– superando, inclusive, Itaipu3 – servindo de primeiro passo à construção do
Complexo Hidrelétrico do Rio Xingu. Nos últimos ajustes feitos no projeto da
Usina, empreendedores estimam que Belo Monte produza 11.233,1 megawatts
(MW) de potência e geração anual prevista de 38.790.156 megawatts-hora
16
(MWh) ou 4,57mil MW médios tendo fator de 43%, isto é, abaixo da média
internacional, que prevê 50%.
Dessa forma, a obra vai provocar alagamento de cerca de 640 Km² de
área de floresta (área maior que a cidade de Curitiba, com seus 435 Km²)
deixando submersas centenas de espécies de árvores de pequeno e grande
porte. Com isso, alterando a dinâmica de vida de indígenas e agricultores e
afetando a floresta e a biodiversidade local.
1.1 ESTUDOS DE IMPACTOS AMBIENTAIS
Os Estudos de Impactos Ambientais da Usina de Aproveitamento
Hidrelétrico Belo Monte (EIA/Rima)4 - que contabiliza apenas 197 páginas para
estudar tamanha área do Xingu - cabem muitas questões que intrigam quem o
lê. Uma delas é que a corredeira de água será desviada, através de canais,
para Belo Monte, onde serão colocadas as turbinas, provocando alagamento
da área Oeste, acima do Xingu, e a diminuição do volume de água na região
leste, abaixo do Rio.
EIA/Rima com apenas 197 páginas estuda tamanha área do Xingu
Foto: Cleide Magalhães
4 EIA/Rima: os Estudos de Impactos Ambientais da Usina de Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte foi elaborado pela Leme Consultoria, afiliada ao Grupo Tractebel Engineering. Foram feitos pelas empresas Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Odebrecht. A publicação foi em maio de 2009.
17
Isso certamente implica em mudanças significativas, sobretudo, na vida
de dezenas de povos indígenas, que terão sua sobrevivência colocada em
risco, por conta, entre outros fatores, da diminuição de peixes no Rio, morte de
diversos animais da fauna da região e destruição de diversas áreas de plantios,
que garantem a subsistência dos povos originários da floresta.
Volta Grande - Rio Xingu, onde será construída Belo Monte
Imagem: IPAM
1.2 ATORES SOCIAIS
No contexto que envolve a polêmica Belo Monte há dois projetos
políticos ambientais que se divergem. De um lado estão povos indígenas,
agricultores, ambientalistas, intelectuais e católicos progressistas, que, em
tese, defendem a soberania e autodeterminação dos povos da região,
considerando a biodiversidade da floresta amazônica como vital para o
desenvolvimento da espécie humana.
18
Os povos indígenas são os principais atores na luta contra a Usina
Foto: Google
Na outra ponta, empresários, governos, especuladores de terra, entre
outros, que veem a Amazônia como potencial energético fundamental para o
abastecimento do mercado capitalista e, consequente, desenvolvimento
econômico do país.
O conflito em torno de Belo Monte ilustra a situação tensa que costuma marcar a construção de hidrelétricas na pan-amazônia latino-americana. Com 66% do potencial hidrelétrico do Brasil – país onde está localizada a maior parte da região –, a Amazônia, pela sua própria biodiversidade, é o locus ideal para um conflito entre interesses internos e externos, que buscam através da força e do convencimento estabelecer sua hegemonia um sobre o outro. (COSTA, 2008).
Nesse sentido, não se pode deixar de fazer referência ao conceito de
hegemonia, porque nesse processo são reproduzidas as relações de poder e a
correlação de forças entre classes sociais que estão em constante disputa por
representatividade.
A hegemonia vive é sempre um processo. Não é, senão do ponto de vista analítico, um sistema ou uma estrutura. É um complexo realizado de experiências, atividades, compressões e limites específicos e mutáveis. Na prática, a hegemonia nunca pode ser singular. Suas estruturas concretas são altamente complexas e, sobretudo, não existe apenas passivamente na
19
forma de dominação. Deve ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada e é continuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por pressões que não são suas. Nesse sentido, devemos acrescentar ao conceito de hegemonia aos conceitos de contra-hegemonia e hegemonia alternativa, que são elementos reais e persistentes da prática (...). (GRAMSCI, apud CHAUÍ, 1986:22)
No embate de Belo Monte, as principais informações que se divergem
entre o Estado Nacional e os movimentos sociais envolvem, principalmente,
questões de emprego, desenvolvimento e geração de energia, como observou
Maurício Santos Matos, ativista social e membro da assessoria de
comunicação do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
O EIA/Rima traz que, ao longo do período de construção da obra, vão ser atraídas para a região 100 mil pessoas e serão gerados cerca de 40 mil empregos diretos e indiretos. Ou seja, não terá emprego para todos e resultarão em 60 mil desempregados. Outro ponto, utilizado inclusive bastante pela grande mídia, é que a obra vai impactar o meio ambiente, mas é necessária porque vai gerar desenvolvimento. Não é verdade. O EIA/Rima, em seu parágrafo final, diz que ‘mas é preciso que o projeto também se torne um projeto de desenvolvimento à região onde se pretende construí-lo’. Isto é, se também é necessário que o projeto gere desenvolvimento é porque na sua essência não o prevê isso. Quanto à geração de energia, Belo Monte vai gerar 4,5 mil megawatts. A imprensa divulga 11 mil megawatts, que é o pico de potência instalada em três ou quatro meses. Ao longo do ano, a média cai. Em razão dessa queda de energia gerada, os dados técnicos mostram que fica com 39%, sendo menos de 55% do total. Isso indica que vai ser uma hidrelétrica deficitária e contra a existência econômica de uma UHE para ser rentável. (M.S.M, informação verbal - pessoalmente).5
1.3 HISTÓRIAS DE CONSTRUÇÃO DA USINA
A Usina de Belo Monte teve início na década de 80, quando o
empreendimento ainda era denominado de Usina de Kararaô6. Mas os estudos
5 Entrevista de M.S.M., Belém, 04 de setembro de 2013. 6 Kararaô: são também conhecidos como índios Kaiapó, que vivem no Baixo Xingu, no Pará.
20
começaram na década anterior e, a partir 1988, surgiram as primeiras
mobilizações sociais contra a obra, como diz Maurício:
Os primeiros estudos de levantamentos hidrográficos iniciam na década de 70. O projeto ganhou corpo na década seguinte durante o governo do então presidente José Sarney (PMDB). Em 1988 começaram as primeiras mobilizações sociais, quando o projeto começou a ser divulgado por um pesquisador do Museu Emílio Goeldi e dois indígenas, que palestraram nos Estados Unidos denunciando a obra. Em razão disso, eles foram chamados para mais uma palestra para relatar a situação do Xingu, mas quando voltaram à região foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional, que data da Ditadura Militar no Brasil. Inicia-se, assim, a cobrança da divulgação sobre as áreas afetadas.
A largada do governo poderia ter sido dada em 1989, quando o projeto
entrou pela primeira vez na agenda das decisões. Mas neste ano a Eletronorte
(chamada de “Eletromorte” pelos ativistas sociais) perdeu a batalha da opinião
pública para o movimento contrário à Usina, explicou o jornalista e pesquisador
sobre a Amazônia Lúcio Flávio Pinto:
A empresa perdeu a batalha para índios, ambientalistas, militantes políticos, e até mesmo banqueiros internacionais, assustados com o perfil negativo do complexo hidrelétrico que a estatal havia concebido. A Usina teria dois enormes reservatórios, que inundariam quase 7.500 km2 de floresta, formando o maior lago artificial do planeta, e afetando a vida de algumas comunidades indígenas. (PINTO, 2002).
É nesse ano que acontece um marco no processo de resistência ao
Complexo Hidrelétrico do Xingu. Os povos indígenas do Xingu realizaram o I
Encontro dos Povos Indígenas contando com apoio de muita gente. Chico
Mendes é assassinado em dezembro de 1988 e isso fez com que os olhos do
mundo se voltassem para a Amazônia. O evento, então, é visto como algo
grande que estaria acontecendo na região atraindo toda a imprensa
internacional.
Foi durante o I Encontro, em Altamira, no seio da região amazônica,
onde estiveram presentes cerca de três mil pessoas - entre elas o cantor inglês
Sting - que aconteceu a célebre imagem na qual a índia Kaiapó Tuíra esfregou
21
um facão no rosto do técnico da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, que
desde então subiu ao posto da presidência da Eletronorte e hoje da Eletrobrás.
O flagrante correu o mundo disseminando a má fama da Usina, que, em linhas
gerais, foi tratada na mídia como uma “monstruosidade apocalíptica.”
Em protesto, índia Tuíra esfrega facão no rosto do técnico da Eletronorte
Foto: Google
A Eletronorte ainda tentou convencer a opinião pública de que não iria
além de Belo Monte e que dela tiraria toda a energia necessária para cobrir as
necessidades do País por algum tempo, ao menor de kw instalado, mas a
batalha estava perdida. O Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (Bird) cancelou toda a linha de financiamento às hidrelétricas
na Amazônia.
Com isso e devido toda pressão que ocorreu no I Encontro dos Povos
Indígenas, o projeto foi engavetado, e reaberto no governo de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) sendo estimulado pela crise nacional de
abastecimento energético imposto pelo “apagão”, que bateu à porta em 2001.
O projeto inicial foi reapresentado com novo perfil. Nele, ao invés de
represar o Xingu em sua própria calha, na grande volta que o rio dá após
22
Altamira, inundando-a, se opunha a desviar a água por dois canais laterais,
diminuindo à metade a área do reservatório – de 1.300 para 650 km².
O esclarecido observador das questões sobre hidrelétricas na Amazônia
lembra ainda que para não perder de novo a guerra da opinião pública e
buscou implementar a hidrelétrica, a empresa se abriu para atender às
consultas e se antecipou aos críticos com informações, atendendo-os conforme
as regras do figurino de relações públicas com ênfase maior à inserção
regional do empreendimento.
Agora este será um dos elementos fundamentais do discurso, pró e contra, exatamente porque na Amazônia os projetos se consolidam como enclaves clássicos, de pouco ou nenhum efeito local, destinados a se multiplicar economicamente no mercado comprador de matéria prima ou insumo básico, não no sítio da produção. (PINTO, 2002)
Morbach (2006), que nos seus estudos também trata da informação e
política na Amazônia, completou:
O planejamento e execução de políticas públicas quando em relação à extensão de seus efeitos sobre as comunidades, ou quando da necessidade de difusão de valores e ideias a respeito da importância de sua execução, geralmente, são acompanhadas de campanhas publicitárias. Essas campanhas buscam amenizar os efeitos danosos dessas políticas, buscam traçar políticas de consenso, ou buscam qualificar uma importância e, quase sempre, enaltecem aqueles que tomaram a decisão de implantá-las. (MORBACH 2006)
Contudo, o governo FHC envolvido em várias frentes de batalha, como
eleitoral e a crise econômico-financeira, desistiu de lançar o edital da
concorrência antes de terminar seu mandato, em 2002.
1.4 INTENSIFICA O CONFLITO
Mas é a partir de 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
que, de fato, o projeto polêmico de Belo Monte é desengavetado trazendo novo
modelo: não mais com as cinco hidrelétricas e duas barragens ao longo do rio
23
Xingu, mas somente Belo Monte, tendo como discurso que não haveria toda
aquela devastação.
O conflito se intensifica a partir de 2003 durante o governo Lula
Foto: Site Xingu
É também nessa gestão federal que o Movimento Xingu Vivo para
Sempre avalia que se intensifica o conflito acerca de Belo Monte junto aos
movimentos sociais. Assim, vale resgatar observação de Dion Monteiro,
economista e componente do Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo
para Sempre.
De 2003 aos dias atuais, o governo federal implementa uma política econômica que mistura o nacional desenvolvimentismo (marcado pela abertura das fronteiras e grandes projetos na Amazônia, implementados pela Ditadura Militar) e o liberalismo. É um liberal desenvolvimentismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que atende a liberação das taxas de juros, pagamento da dívida, traz a implementação de hidrelétricas, mineração, agronegócio, entre outros, na região. A intensificação do conflito da Usina junto aos movimentos sociais se dá a partir da implementação dessa compreensão de desenvolvimento econômico e social no Brasil, que se fortalece com a chegada do PT ao poder. (D.M, informação verbal - pessoalmente).7
7 Entrevista de D.M., Belém, 04 de setembro de 2013.
24
Dezesseis anos depois, em agosto de 2005, os estudos foram
retomados. A Eletrobrás firmou acordo de cooperação com as construtoras
Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa para a conclusão
dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da Usina.
Quase vinte anos depois que a índia Kaiapó Tuíra encostou um facão no
rosto de José Antônio Muniz Lopes, o conflito entre povos indígenas e
defensores da construção de usinas hidrelétricas às margens do Rio Xingu, no
Estado do Pará, ganhou mais um capítulo.
A data foi 20 de maio de 2008, durante o encontro Xingu Vivo para
Sempre, no município de Altamira, o engenheiro da Eletrobrás, Paulo Rezende,
foi agredido e ferido por índios da etnia Kaiapó, quando defendia a construção
da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em meio às críticas de intelectuais,
católicos progressistas, ambientalistas e dos movimentos contrários
desenvolvidos por índios e pelos povos originários da floresta.
Engenheiro da Eletrobrás é agredido por Kaiapós ao defender a obra
Foto: Google
1.5 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
Em 2009, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto
Ambiental foram entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
25
Recursos Naturais Renováveis (Ibama)8. O licenciamento ambiental, entre
outras questões, previa a realização de audiências públicas, às quais a
sociedade civil organizada deveria ser convocada antecipadamente para
discutir o assunto.
Mas, segundo o Movimento Xingu Vivo para Sempre, durante as
audiências - que ocorreram em quatro municípios do Estado - a população teve
poder de intervenção bastante limitado, sobretudo pela falta de transparência
da gestão pública federal quanto às informações a respeito do tema e a
presença de agentes da Força Nacional.
Ativistas ocupam “Eletromorte”, em Belém, e entregam a “Carta em Defesa da Vida”
Foto: Blog Xingu Vivo
A problemática quanto às formas antidemocráticas de realização das
audiências seria o fator que acirrou, ainda mais, o conflito entre o governo
federal e o Movimento, como explicou Marquinho Mota, ativista social e
membro do setor de comunicação da entidade, que hoje representada mais de
100 instituições no País.
8 Ibama: órgão brasileiro responsável pela análise dos documentos e posterior emissão das licenças para a realização do leilão e obras da hidrelétrica.
26
Em 2008 e 2009, ocorreram audiências em Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo. A última aconteceu em Belém dia 15 de setembro, no e centenas de pessoas, representantes de ONGs, movimentos sociais, lideranças indígenas e pesquisadores foram impedidos de entrar no local por agentes da Força Nacional, que estiveram presentes em todas as sessões. A alegação dos policiais que bloqueavam a entrada era de que a sala já estava lotada. Nas audiências foram apresentados documentos que questionavam a obra, mas não reconhecidos pelo Ibama. O Comitê Xingu Vivo, Fórum Social Pan-Amazônico e Fórum da Amazônia Oriental mobilizaram as outras entidades em Belém. A mobilização foi para atender ao apelo do Movimento em Altamira, estávamos sem recursos, mas fizemos toda articulação por telefone e pela internet. (M.M, informação verbal - pessoalmente).9
Observa-se, assim, que mesmo que a Amazônia esteja em outro
momento de sua história quanto à implementação de grandes projetos - já que
o assunto gera discussão e mobilização da sociedade civil organizada pela
internet principalmente pelas redes sociais-, a forma de exclusão da sociedade
nas decisões políticas e ambientais para a região mantém-se similar à estrutura
de poder do período da Ditadura Militar no Brasil, quando a definição era
tecnocrata, ou seja, de cima para baixo.
Mas para a surpresa do Movimento e do governo, salientou Marquinho
Mota, a articulação online conseguiu atrair cerca de 400 pessoas para
audiência na capital criando um fato político, que marcou a história de lutas do
Xingu Vivo e serviu de pontapé para a manutenção de suas ações de protesto.
O Ministério Público Estadual (MPE) se retirou do local no meio da audiência, em solidariedade ao direito dos povos indígenas e das populações locais de participarem do processo. A parir desse momento, sentimos necessidade de fazer mais articulação para discutir sobre Belo Monte, pois, até então, o tema estava fora da pauta na mídia em Belém. Um mês depois, 15 de outubro, criamos o Comitê Xingu Vivo e nossas ações continuam até hoje.
9 Entrevista de M.M., Belém, 04 de setembro de 2013.
27
1.6 PESQUISA CIENTÍFICA QUESTIONA EIA/RIMA
Ainda em 2009, cinco meses após a versão final de o EIA/Rima ser
entregue ao Ibama, chegou ao Instituto e ao MPF um relatório alternativo
intitulado “Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento
Hidrelétrico de Belo Monte”. A pesquisa, contendo 230 páginas, foi elaborada
por mais de 40 pesquisadores de diversas áreas que compõem o Painel de
Especialistas, ligado a universidades e centros de pesquisas nacionais e
internacionais.
O documento, que o governo aparentemente não quis ouvir, traz análise
detalhada dos estudos de Belo Monte e levanta várias interrogações, que
segundo o Movimento, ainda estão sem respostas, e pontuou diversas
questões que teriam sido abordadas de forma incorreta ou inconsistente no
EIA/Rima.
Mesmo com todo o processo de resistência que existe contra a
construção da Usina de Belo Monte, no início de 2010, o governo brasileiro
emitiu a chamada Licença Prévia (LP) que autoriza o leilão de Belo Monte.
Além das empreiteiras já citadas, apoiaram o processo o grupo francês GDF
Suez; importantes grupos eletro-intensivos e mineradores, como Votorantim,
Vale e Alcoa; diversos empresários; governadores; prefeitos e parlamentares.
Mais uma vez na história da Amazônia o governo brasileiro passou com
rolo compressor e iniciou as obras de infraestrutura da Usina de Belo Monte em
2011, no governo de Dilma Rousseff (PT), e já tem 25% concluídas, segundo o
7º Relatório do PAC II.
28
Caciques partem para vistoriar canteiro de obras da Usina de Belo Monte
Foto: Site Xingu
Entretanto, todas as ações governamentais provocaram reações e a
sociedade civil organizada, que já realizou diversas manifestações pelo Brasil
reunindo milhares de pessoas contra a Usina.
Ativistas e indígenas vão às ruas de Belém protestar contra Belo Monte
Foto: Blog Xingu Vivo
29
Contudo, ao longo de parte desse tempo, dezenas de ações nos mais
diversos campos sociais foram impetradas contra a Norte Energia S.A10, pelo
Ministério Público Estadual e Federal, e organizações da sociedade civil.
Algumas delas visam impedir a construção de Belo Monte. Outras objetivam
apenas corrigir as graves irregularidades cometidas pela empresa, Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Empresa de Pesquisa Energética, Ibama
e Fundação Nacional do Índio (Funai), além de vários entes públicos e privados
envolvidos na obra.
Movimento amplia e protestos também acontecem no Rio de Janeiro
Foto: Google
Uma das mais recentes ação, em meados de setembro de 2013, foi da
Funai solicitando aplicação de multa à Norte Energia S.A. ou o cancelamento
da licença de instalação da obra, porque a empresa teria dito que não iria
cumprir uma das condicionantes do empreendimento, que é a compra de terras
10 Norte Energia S.A: é formada por empresas estatais e privadas do setor elétrico, fundos de pensão e de investimento e empresas autoprodutoras, para construir e operar a Usina Hidrelétrica Belo Monte. Ela é executora da obra (19,9%); Elerobras (15%); Chesf (15%); Petros (10%); Funcef (5%); Amazônia - Cemig e Light (9,7%); Neoenergia (10%); Vale (9%); Sinobras (1%); Caixa FIP Cevix (5%) e J. Malucelli Energia (0,25%).
30
para os índios Jurunas, do quilômetro 17, da Aldeia Boa Vista, impactados de
forma direta pelo desenvolvimento de Belo Monte.
Assim, Dion avalia que Ditadura Militar oficialmente terminou no Brasil,
mas na Amazônia não, uma vez que ainda hoje a implementação dos projetos
acontecem sem que sejam ouvidos os anseios da população local, a qual fica
às margens do dito desenvolvimento socioeconômico brasileiro restando
mazelas e convulsões sociais na região.
Todos os projetos são implementados na mesma forma: com autoritarismo, a militarização da Força Nacional na região junto a pesquisadores que fazem estudo na Amazônia. Em uma avaliação técnica séria - e não política- a licença de instalação da Usina de Belo Monte já seria cassada há muito tempo, porque para que aconteça o funcionamento da Usina é preciso que as condicionantes sejam garantidas, e isso não ocorre. A decisão de construir barragens na Amazônia é política, e não técnica. Por isso tem que ser feito para pagar dívida de campanha do governo federal.
1.7 O QUE DIZ O GOVERNO
Nas ferramentas de comunicação na internet o governo federal e as
empresas que constroem Belo Monte a utilizam apenas para informar sobre a
obra, entretanto, não há um espaço para debate público sobre a Usina. No site,
para justificar a construção da Usina, o governo federal afirma que a UHE Belo
Monte vai aumentar a oferta de energia e garantir mais segurança ao Sistema
Interligado Nacional (SIN).
Da energia produzida por Belo Monte, 70% deverão ir para 27
distribuidoras localizadas em 17 estados. Dez por cento, às empresas
autoprodutoras no Pará e sócias do empreendimento e 20%, para o mercado.
As indústrias não receberão energia subsidiada.
O Sítio Pimental, que terá a barragem principal, fica a 40 quilômetros de
Altamira e o Sítio Belo Monte, onde está localizada a casa de força principal,
fica a 52 quilômetros da cidade. O site traz ainda que para obter a licença de
instalação, o empreendimento teria se comprometido a atender a uma série de
exigências feitas pelo Ibama.
31
Ao todo, são 14 planos de ação governamental, envolvendo 54
programas e 86 projetos para o desenvolvimento regional nos cinco municípios
da área de influência direta da usina (Altamira, Brasil Novo, Senador José
Porfírio, Vitória do Xingu e Anapu). Além disso, consta no site do governo:
A obra não inundará terras indígenas, nem terá impacto direto sobre esses territórios, apesar da mudança de vazão na área da Volta Grande do Xingu. Mesmo assim, o hidrograma proposto não deve alterar as condições das etnias Juruna e Arara, que habitam a área. Os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica referentes ao meio ambiente, bem como às populações indígenas e aos ribeirinhos, foram identificados no EIA para a elaboração do Projeto Básico Ambiental e do Projeto Básico Ambiental da Componente Indígena (PBA-CI).
O governo diz ainda que a Norte Energia S.A. também teria o
compromisso de investir ao longo de 20 anos R$ 500 milhões no Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), que “promove
projetos de interesse regional propostos, discutidos e aprovados pelas próprias
instituições, oficiais ou não, com foco na região do Xingu e Transamazônica”. O
governo federal, por meio de seus programas, ficou de investir na região e no
mesmo período cerca de R$ 3 bilhões.
32
2º CAPÍTULO
1 O QUE É O MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE
Diante de todo esse conflito, o Movimento Xingu Vivo para Sempre é
um instrumento de defesa das comunidades e, segundo MPF, cronista de uma
série de absurdos e irregularidades que ocorrem na região. É formado por um
coletivo que congrega mais de cem organizações e movimentos sociais e
ambientalistas da região de Altamira e das áreas de influência do projeto da
hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que, historicamente, se opuseram a
instalação da obra no rio Xingu.
Além de contar com o apoio de organizações locais, estaduais,
nacionais e internacionais, o MXVPS agrega entidades representativas de
ribeirinhos, pescadores, trabalhadores e trabalhadoras rurais, indígenas,
moradores de Altamira, atingidos por barragens, movimentos de mulheres e
organizações religiosas e ecumênicas.
O coletivo que congrega mais de cem organizações e movimentos sociais
Foto: Blog Xingu Vivo
33
O MXVPS realiza ações em oposição ao governo federal e empresários
quanto à instalação da Usina e questiona também sobre os demais projetos
hidrelétricos públicos já feitos e os que estão previstos para a Amazônia.
Hoje compõe o Fórum de Discussão, Debate e Ação do Movimento mais
de cinquenta organizações diversificadas como movimento estudantil,
coletivos, central e movimento sindical, partidos de esquerda, anarcopunks,
institutos de pesquisa, fóruns que discutem as questões amazônicas,
pesquisadores, entre outros.
Segundo Antônia Melo, membro da coordenação do Movimento Xingu
Vivo para Sempre, em Altamira, em 1989, a denominação do Movimento era
Sobrevivência da Transamazônica. Há cinco anos, quando ocorreu o II
Encontro dos Povos Indígenas, no município, os participantes proclamaram
para o atual nome.
Xingu Vivo foi criado oficialmente a partir da fundação do seu Comitê,
após a realização da audiência pública11 em Belém, 15 de setembro de 2009,
depois que centenas de pessoas, representantes de ONGs, movimentos
sociais, lideranças indígenas e pesquisadores teriam sido impedidos de entrar
na sessão, ocorrida na Fundação Cultural Tancredo Neves (Centur), por
agentes da Força Nacional, que estiveram presentes em todas as quatro
audiências feitas na região. Foi o que relatou Maurício Matos, ativista social e
membro da assessoria de comunicação do Movimento, em Belém.
11 Audiência pública: Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a audiência pública é um processo de avaliação de impacto ambiental é revestido de caráter público. Nesse sentido, incorpora a participação social, por meio da realização de consultas públicas que balizam o processo decisório sobre a viabilidade ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente poluidores. É a forma de consulta pública usual no processo de licenciamento e tem por objetivo a divulgação para a sociedade das informações sobre o projeto e discussão do EIA/Rima. Dependendo do tipo de empreendimento e seu impacto, podem ser realizadas uma ou várias audiências públicas com a finalidade de informar, esclarecer e coletar subsídios junto à sociedade sobre o empreendimento ou atividade em processo de licenciamento.
34
O Movimento foi criado em razão da existência desse conflito no rio Xingu. É uma forma de resistirmos à tentativa de implementação das hidrelétricas no Rio. As audiências públicas é o início desse conflito, porque são meras formalidades para cumprir a legislação, há nelas a falta de democracia, o uso do aparato policial tentando impedir os movimentos a participarem. (A.M, informação verbal – por telefone).12
Movimento Xingu Vivo para Sempre exibe faixas em protesto pelas ruas de Belém
Foto: Blog Xingu Vivo
Dion Monteiro afirmou que o Movimento ainda não tem uma proposta
política ambiental consensuada para a Amazônia, mas lista o que precisa ser
feito - de forma imediata - pelo governo federal para beneficiar a região e sua
população: suspensão de todas as barragens e projetos de mineração
pensados para a Amazônia; repotenciação das usinas hidrelétricas mais
antigas que existem; mais investimento em energia eólica e solar e a
substituição das linhas de transmissão por cabos com novas tecnologias.
12
Entrevista de A.M., Belém, 04 de outubro de 2013.
35
Algumas propostas de Projetos de Emenda Constitucional e Decretos do governo junto a outras medidas que dão suportes a estas mostram bem as parcerias que existe com multinacionais e público-privada para exploração de áreas na Amazônia sem recuperação e definição a partir da diversidade da região. Por isso, avaliamos quer a política ambiental do governo é arcaica, retoma o que havia de pior no estado de recessão e propicia todos os problemas ambientais vistos no mundo. Ainda não temos uma proposta ambiental consensuada, mas nosso objetivo é conciliar os interesses ambientais, econômicos e sociais sem que haja supremacia do econômico sobre os outros elementos, mas que exista um equilíbrio. Assim, ao longo desse tempo, toda ação do governo provoca reação no Movimento e realizamos atos, manifestações e ocupações para protestar.
Marquinho Mota completou:
Não há política ambiental do governo. O que há é o desmonte de uma política e de conquistas históricas dos povos quilombolas, indígenas e extrativistas adquiridas na Constituição Federal de 1988. Esses projetos do governo rasgam acordos internacionais feitos pelo Brasil, como é o caso da Convenção 69 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a oitiva das comunidades indígenas afetadas13, a qual, no caso de barragens e mineração em terras indígenas, traz que os povos atingidos tem o direito de decidir se aceitam ou não os grandes projetos – o que não é respeitado nos projetos implementados na região. O governo brasileiro traz na oitiva que vai ouvir o que os indígenas sugerem, para que as coisas não sejam ruins e supostamente alteraria o projeto, mas nunca abortar o projeto. Na verdade, as consultas indígenas do governo brasileiro são somente para cumprir protocolo, mas o estado não vai ouvi-los.
13 Oitiva indígena: a oitiva às comunidades indígenas faz referência o parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal é claramente um tipo de consulta prévia. A oitiva se refere à obrigação do Congresso Nacional de consultar sobre uma decisão que evidentemente afeta povos indígenas, como o é o aproveitamento do potencial hidrelétrico de rios em terras indígenas. Dita obrigação, de origem constitucional, está complementada e reforçada pelo artigo 6º da C - 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada e incorporada na legislação brasileira no ano de 2003 e pelos artigos 19 e 32 da Declaração das nações Unidas sobre os Direitos dos Povos (DNUDPI) aprovada pelo Brasil em 2007.
36
1.1 A CIRCULAÇÃO DA CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO
Para o enfrentamento do conflito em torno de Belo Monte, o Movimento
Xingu Vivo para Sempre criou instrumentos alternativos de comunicação com
objetivo de difundir a contrainformação acerca do assunto indo de encontro ao
poder hegemônico para defender suas ideias ambientais à região.
A iniciativa, enfatizou Marquinho, foi devido, especialmente, à falta de
transparência do governo federal nas informações e licitações da obra, na
utilização dos recursos públicos e impactos ambientais irreversíveis causados à
floresta.
A partir da comunicação, queremos cumprir o papel de informar à sociedade os reais interesses que existem por de trás de Belo Monte, a quê e a quem a Usina servirá. Buscamos mostrar, ainda, o posicionamento dos povos indígenas em relação à Usina, alertando o que poderá ocorrer, caso o governo federal insista em agredir a floresta, e às pessoas que moram na Amazônia.
Na opinião do procurador federal da República do Ministério Público
Federal (MPF) no Pará, Felício Pontes, que atua no caso desde 2011, quando
a primeira ação foi interposta pelo MPF, a falta de informações dos gestores
públicos e empresas envolvidas compromete a democracia do País.
Além das informações, que deveriam ser publicadas pelo governo e empresas responsáveis, a questão de Belo Monte mostra como o descaso do governo com as informações produzidas pela sociedade também é uma violação aos direitos humanos. A sociedade tem direito de saber como os governantes estão atuando e também de ser ouvida. Isso não somente fere a democracia, mas acaba com ela. Sem informação não há diálogo, e a democracia se sustenta no diálogo, na construção conjunta de um país. É preciso lembrar que, além de Belo Monte, o governo está construindo ou em vias de tentar construir diversas outras hidrelétricas na Amazônia. As perguntas que o MPF, movimentos sociais e pesquisadores fazem são: qual o impacto que essas obras podem gerar juntas? Quais as consequências dos impactos se ocorrerem cumulativamente? Não há uma linha de informação do governo sobre isso. A informação é vital, porque mostra ao mundo todo o que a irresponsabilidade dos gestores públicos pode causar na Amazônia. (F.P, informação por e-mail).14
14
Entrevista de F.P., Belém, 15 de outubro de 2013.
37
A principal fonte de informação do Xingu Vivo são as 230 páginas
elaboradas por mais de 40 pesquisadores de diversas áreas que compõem o
Painel de Especialistas, ligado a universidades e centros de pesquisas
nacionais e internacionais, que contrapõem diversas questões que constam no
EIA/Rima.
Todavia, os questionamentos científicos são simplesmente ignorados e
jogados para debaixo do tapete, comentou Felício Pontes:
Movimentos sociais, MPF, Defensoria Pública, estudantes, acadêmicos, institutos de pesquisa, organismos nacionais e internacionais de defesa das leis e dos direitos humanos estão todos os dias produzindo mais e mais informações, estatísticas, projeções e análises sobre o caso, mas, infelizmente, essa massa de dados é ignorada pelo governo, empresas responsáveis pela obra e pela Justiça. A batalha de Belo Monte é comunicacional, jurídica, política, educacional, financeira. Não podemos negar o aspecto cultural envolvido: ainda vivemos em uma sociedade que considera que obras de grande porte são sinônimas de progresso, apesar das diversas indicações de pesquisas que mostram que o desenvolvimento só merece esse nome se for sustentável.
É também a partir, principalmente, do Fórum de Discussão, Debate e
Ação que as informações circulam no Movimento e são trabalhadas para serem
utilizadas nas diversas formas de comunicação, em especial pela internet. A
finalidade é que o Xingu Vivo possa se comunicar com diversos setores, como
a academia e a sociedade em geral. Para isso, realiza reuniões periódicas para
definir estratégias de ação para cada período, pois as ações são dinâmicas.
Antônia Melo ressaltou também que o Movimento entende que a
comunicação deve estar vinculada a outras frentes e busca dialogar com três
delas: científica, a qual mune de pesquisa e informações o Movimento; política,
que conversa com o trabalhador, agricultor, indígena e ribeirinho, e busca ouvir
o que acontece na base social e qual o desejo de quem está sendo agredido
pelos impactos; e jurídica, na qual o governo apresenta propostas que são
analisadas, contrapostas com a legislação existente, e, em contrapartida, o
conteúdo, a intenção e a proposição são denunciadas pelo Xingu Vivo.
38
A comunicação nos ajuda a avançar. Sem a consistência e elementos concretos para dialogar com os setores ficaria complicado. Por isso, entendemos a comunicação vinculada às outras frentes. A da comunicação é importante e verbera as demais em todos os cantos. É fundamental entender a comunicação não desvinculada dos outros elementos e temos conseguido isso. Toda semana há grupos de pessoas nacionais e internacionais em Altamira produzindo documentários e reportagens sobre a problemática. Temos levado o assunto para palestras, encontros e outros eventos. Isso é resultado do trabalho desenvolvido pela comunicação, que também nos ajuda na sensibilização social e resistência do movimento.
1.2 ESPAÇO DO MOVIMENTO NA GRANDE MÍDIA
Entretanto, a difusão do debate público sobre a obra que o Movimento
Xingu Vivo visa desenvolver praticamente não tem espaço na grande imprensa,
já que historicamente os meios de comunicação no Brasil estão concentrados
nas mãos de poucas famílias que representam interesses políticos e
econômicos específicos e fortes. Dion Monteiro considera essa luta árdua e
desigual:
A luta da comunicação é árdua e desigual, e ainda não há necessidade de se construir outras formas de discussão na grande mídia, uma vez que o Movimento contesta o modelo de desenvolvimento e a proposta da política, econômica e ambiental do governo federal, apoiado por políticos e empresários, os quais, geralmente, são proprietários de grandes grupos de comunicação no País.
Em poucas ocasiões o Movimento Xingu Vivo conseguiu furar o bloqueio
da grande imprensa, e, na maioria das vezes, sofre discriminação. Foi o que
observou Mota.
A gente não está na grande imprensa, e quando entramos somos criminalizados, acusados de sermos os mesmos de sempre, que só sabemos reclamar e não queremos o progresso do País. Os três pontos que são pilares do que contestamos sobre Belo Monte (emprego, desenvolvimento à região e geração de energia) são os principais discursos da mídia em prol da Usina.
39
Nesse contexto, é fundamental compreender o papel da comunicação
como mecanismo facilitador da ampliação da cidadania e, consequentemente,
efetivação de direitos, como a garantia de acesso à informação mais próxima
da realidade acerca da política ambiental do governo federal quanto à
construção de Belo Monte.
Para isso, é preciso entender a complexidade do campo da
comunicação na sociedade contemporânea ocidental, na qual a mídia passou a
ser o palco privilegiado das relações de poder. Este campo é caracterizado por
uma relação recíproca de autonomia e, ao mesmo tempo, de interferência com
outros campos sociais (político, econômico, religioso, científico, entre outros) e
pode determinar o perfil da informação divulgada, o exercício da cidadania e
até mesmo a formulação de políticas públicas, considerando o contexto
político, social econômico em que a informação foi divulgada (MAIA, 2006).
Assim, vale resgatar observação de mais autores como Morbach (2006),
que destacou outra determinação importante trazida pelo advento dos mídias à
política e que está na visibilidade destes.
Os mídias são importantes na difusão dos interesses dos grupos políticos e na difusão de políticas públicas por estabelecer relações de interdependência entre as linguagens próprias a estes meios e a forma de difusão da política; como que desenvolver uma nova cultura política resultaria naquilo que Thompson (1995, p. 12) denomina de ‘midiação da cultura moderna’ em que a transmissão das formas é sempre mais mediada pelos aparatos técnicos e institucionais da indústria da mídia. (MORBACH, 2006).
Maia (2006) também trata da temática e destaca que é nos espaços
midiáticos que as interações políticas tomam força, pela abrangência e
simultaneidade da informação, o que pode causar uma reorganização nos
processos de aprendizagem e de mobilização.
40
1.3 A CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO
Foi também por esse fator que, nesse processo de enfrentamento, o
Movimento criou diversos instrumentos de comunicação na mídia alternativa
atuando, principalmente, pela internet, por meio das redes sociais como o Site
Xingu Vivo (www.xinguvivo.org.br), Blog Xingu Vivo para Sempre – Comitê
Metropolitano (www.xingu-vivo.blogspot.com.br), Twitter
(www.twitter.com/xinguvivo) e Facebook (Xingu Vivo), além de agir em rede
junto a dezenas de entidades, através de e-mail.
Além de servirem de canais de comunicação com o mundo, essas
mídias também propiciam oportunidades de discussão sobre as hidrelétricas na
Amazônia e seus impactos social, ambiental e cultural na região e no mundo.
Assim, a internet tem sido elemento fundamental para a formação de
outros discursos ou da contrainformação do Movimento Xingu Vivo para
Sempre, uma vez que esta é um espaço público de debate e qualquer pessoa
pode ser emissor e receptor – diferente do que ocorre na comunicação de
massa, como avaliou Gomes:
A comunicação possibilitada pela internet distingue-se da comunicação executada pelos meios de comunicação de massa porque na comunicação mediada por computadores, a qualquer momento, sem autorização social e sem grandes investimentos em recursos (a) qualquer sujeito pode se tornar emissor, (b) qualquer receptor pode se tornar emissor e vice-versa, (c) qualquer receptor pode se tornar em provedor de informação, produzindo informação e distribuindo-a por rede ou simplesmente repassando informações produzidas por outro. (GOMES, 2005)
Segundo Marquinho Mota, o melhor resultado da comunicação do
Movimento pela net já resultou em milhares de pessoas nas ruas no dia 20 de
agosto de 2011, quando ocorreu o Dia Mundial contra Belo Monte.
41
Conseguimos com que mais de vinte países se mobilizassem contra a Usina. Em Belém, pelo menos cinco mil pessoas foram às ruas para ato político. A mobilização aconteceu pela internet, via Facebook e Blog. Não tínhamos dinheiro para fazer anúncio nem outdoor. Nossas mídias sociais são alimentadas por uma galera jovem que entende como funciona e faz estardalhaço.
Nesse sentido, considerando o desenvolvimento técnico-científico, a
internet obtém papel fundamental na organização dos processos de resistência
e contrainformação, conforme assegura Gomes (2005):
No rol das vantagens políticas na internet, insiste-se com frequência nas novas possibilidades de expressão que permitem a um cidadão ou a um grupo da sociedade civil alcançar, sem maiores mediações institucionais, outros cidadãos, o que promoveria uma reestruturação, em larga escala, dos negócios públicos e conectaria governos e cidadãos. Nesse sentido, a internet pode desempenhar um papel importante na realização da democracia deliberativa, porque pode assegurar aos interessados em participar do jogo democrático dois dos seus requisitos fundamentais: informação política atualizada e oportunidade de interação. (GOMES, 2005).
O autor ainda acrescentou:
A informação política disponível na internet tornou-se rápida, fácil, barata e conveniente, e é frequentemente desprovida das ações dos meios industriais de comunicação, o que significa que, em geral, não é distorcida ou alterada para servir aos interesses particulares, nem a forças do campo político nem à indústria da informação. (GOMES, 2005).
42
3º CAPÍTULO
1 AS MÍDIAS SOCIAIS DO MOVIMENTO XINGU VIVO
Há pelo menos quatro anos, as mídias sociais do Movimento Xingu Vivo
para Sempre – Site, Blog, Twitter e Facebook – foram criadas para fazer frente
ao discurso do Estado Nacional sobre Belo Monte e seus links estão presentes
nas ferramentas de comunicação de diversas entidades parceiras dando
acesso cada vez mais a novas pessoas.
Essas ferramentas têm proporcionado a tão sonhada liberdade de
expressão e acesso à informação para quem as buscam atraindo milhares de
seguidores, entre pessoas físicas de diversas idades, formação e status social,
e entidades de dentro e fora do País. Ambos utilizam os espaços para fazerem
debates e articulações contra Belo Monte e às demais hidrelétricas em
andamento e previstas para o País, especialmente à Amazônia.
1.1 SITE
O site (www.xinguvivo.org.br) do Movimento Xingu Vivo contava, até o
dia 16 de outubro de 2013, com mais de 21 mil pessoas que o curtiram. O
espaço foi criado há cerca de três anos e atualmente é administrado por um
profissional da comunicação que atua de forma voluntária, em São Paulo.
O site apresenta os links “Ação”, “Notícia”, “Documentos”, “Deu na
Imprensa”, “Compartilhe”, “Quem Somos” e “Contatos”. Os principais
destaques em “Documentos” são respostas às perguntas frequentes dos
internautas; impactos sociais, econômicos e ambientais; projeto; histórico;
cronologia de um desastre anunciado; soluções e alternativas; questões
jurídicas e análises técnico-jurídicas sobre Belo Monte.
Além de trazer na sua página principal o link “Apoie o Xingu Vivo”, que
serve para receber doações de quem quiser colaborar com o Movimento, e em
“Newsletter” a pessoa pode preencher seu cadastro para receber por e-mail
informações sobre o Movimento contrário a Belo Monte.
43
O site traz informações dos atores sociais que se opõem à obra
Imagem: Site Xingu Vivo
O espaço eletrônico conta também com uma sessão específica de
audiovisual trazendo vídeos e documentários que tratam de Belo Monte e
questões relacionadas aos direitos humanos produzidos por várias entidades,
como “Democracy: União e Luta” e “Vozes do Xingu”. Além de banco de
imagens que trazem principalmente as mobilizações realizadas pelo País e
cadastro para Flickr para aquisição de fotografias.
À página virtual matérias jornalísticas também são produzidas e
publicados textos de colaboradores provenientes de organizações da
sociedade civil organizada com objetivo de estimular o debate sobre os fatos.
Muitas delas contam com comentários de pessoas interessadas nos assuntos e
viram longas conversas e debates.
1.2 BLOG
O blog (www.xingu-vivo.blogspot.com.br) é mais um espaço de busca de
informações sobre Belo Monte. Criado em 2009, quando foi fundado o Comitê
Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, o qual ganhou força a partir da
realização das polêmicas audiências públicas ocorridas na capital paraense e
em três municípios da região do Xingu.
44
O blog é mais uma das ferramentas de comunicação do Xingu Vivo
Imagem: Blog Xingu Vivo
O blog não conta com publicações diárias, mas se verifica que cada
postagem ocorre, em média, no intervalo de duas semanas. O espaço
contabilizava, em 16 de outubro de 2013, mais de 190 mil acessos, 465
membros como seguidores e um total de 803 postagens, das quais 345
somente em 2011, quando o Movimento realizou caminhada e ocupou a sede
da Eletronorte, em Belém, para entregar à direção da empresa a “Carta de
Belém” contendo reivindicações sobre a construção da obra.
Neste ano já somam 123 postagens. A última delas foi publicada em 3
de outubro e trouxe a carta aberta ao mundo com o título “Ataque aos povos
indígenas, criminalização aos ativistas sociais e a aliança do bispo de Itaituba-
PA com o da capital”, assinada por dezenas de entidades.
A página é alimentada por jovens que participam do Movimento e traz
notícias jornalísticas, fotos, manifestos e cartas elaboradas principalmente
pelos atores sociais que estão envolvidos na problemática, em especial os
indígenas. Além de contar com a colaboração das entidades que fazem parte
do Movimento.
O blog Xingu Vivo disponibiliza também espaço para publicação de
vídeos e documentários, e uma gama de links que levam a endereços
eletrônicos de organizações locais, nacionais e internacionais que têm como
45
foco de atuação a luta contra as hidrelétricas na Amazônia e a defesa dos
direitos humanos.
Todo o conteúdo do blog é levado por meio de links e notas divulgadas
também pelas redes sociais como o Twitter e o Facebook do Movimento.
1.3 TWITTER
Até 16 de outubro de 2013, o Twitter (twitter.com/xinguvivo) do Xingu
Vivo tinha 8,4 mil seguidores e apresentava postagens praticamente todos os
dias. A maior parte do conteúdo do Twitter são informações contidas também
no site e blog do Movimento. Entretanto, em forma de notas seguidas de links
que dão acesso à notícia na íntegra. A mídia social disponibiliza também fotos
e vídeos presentes nas demais ferramentas de comunicação na internet.
O Twitter também é utilizado para difundir a contrainformação
Imagem: Twitter Xingu Vivo
1.4 FACEBOOK
O Facebook é a ferramenta de comunicação mais recente em que o
Movimento está presente por meio do perfil do Comitê Xingu Vivo, em Belém.
Nele, também até o dia 16 de outubro, havia 4,3 mil pessoas físicas e
instituições adicionadas como amigos e 696 fotos publicadas. Essa mídia social
46
é mais utilizada pelo Movimento para postagens e compartilhar links de notícias
publicadas no site, blog e twitter do Xingu Vivo. Além de baneres que visam a
mobilização social na internet relacionada não somente às hidrelétricas, mas
diversas causas sociais no Brasil e no mundo.
O Facebook conta com milhares de amigos do Movimento
Imagem: Facebook Xingu Vivo
47
4º CAPÍTULO
1 A EFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO DO XINGU VIVO
1.1 MOBILIZAÇÕES
1.1.1 Nacional
Um dos maiores êxitos da comunicação do Xingu Vivo dentro e fora do
País foi no Dia Mundial de Luta Contra Belo Monte, 20 de agosto de 2011,
quando milhares de pessoas foram às ruas das principais capitais brasileiras se
posicionarem contrários à construção da Usina. Em Belém, eram pelo menos
cinco mil manifestantes.
A comunicação do Xingu mobiliza pessoas dentro e fora do País
Foto: Site Xingu Vivo
Outra importante mobilização nacional, com apoio do Movimento, reuniu
em um abaixo-assinado mais de 500 mil assinaturas de brasileiros e
estrangeiros contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Cerca de 100
pessoas entre índios, comunidades ribeirinhas, pequenos agricultores,
ambientalistas e simpatizantes fizeram manifestação em frente ao Congresso
48
Nacional, em Brasília (DF), em 8 de fevereiro de 2011, e levaram a carta ao
Palácio do Planalto, com a assinatura de caciques das comunidades indígenas
do Alto Xingu, encabeçada à presidenta Dilma Rousseff.
1.1.1.1 AUDIOVISUAL
Há também entidades parceiras ao Movimento Xingu Vivo para Sempre
que, a partir do apoio e das informações obtidas pelo Movimento, realizam
ações de protesto à criação da usina de Belo Monte no rio Xingu. Uma delas é
o Movimento Gota D'água, que conseguiu reunir mais de um milhão de
assinaturas em sua página de internet (www.movimentogotadagua.com.br). A
petição online pediu a interrupção imediata das obras da usina e o incentivo a
políticas alternativas de geração de energia.
A campanha do Gota D´água ganhou adesão após a divulgação de um
vídeo produzido por este movimento, que foi massivamente divulgado na
internet e entregue à presidenta Dilma Rousseff.
Com direção de Marcos Prado diretor de "Estamira", "Ônibus 174" e "Os
Carvoeiros", e produtor de "Tropa de Elite", o vídeo contou com a participação
de 19 atores, entre eles os globais Ary Fontoura, Juliana Paes, Cissa
Guimarães, Maitê Proença e Marcos Palmeira.
Segundo Antônia Melo, membro da coordenação do Xingu Vivo em
Altamira, não há como mensurar a quantidade de brasileiros e estrangeiros
que todas as semanas chegam ao município para levantar informações e
trabalhar na produção de documentários profissionais e amadores, e
reportagens sobre Belo Monte.
Contudo, os documentários são também elementos importantes na
contrainformação ao que diz o governo federal sobre a obra, pois ajudam a
disseminá-la. Muitos deles são publicados, gratuitamente, no Youtube - canal
fantástico para divulgação.
Alguns filmes que estão no Youtube contêm informações utilizadas
também pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre: “Belo Monte, Anúncio de
uma Guerra”, “À Margem do Xingu – Vozes Não Consideradas”, “Belo Monte:
Justice Now!” (Belo Monte: Justiça Agora!) e outros.
49
1.1.2 Internacional
O Movimento contrário à usina também tenta mobilizar a opinião pública
internacional. Em 2010, cem entidades civis que representam 40 comunidades
de municípios paraenses apresentaram documento a relatores da Organização
das Nações Unidas (ONU) denunciando violações de direitos humanos que
seriam causadas com a construção da hidrelétrica.
Além da ONU, os ativistas mobilizaram o diretor de cinema James
Cameron, que chegou a participar de ato contra a usina após ter ganhado três
prêmios Oscar pelo filme Avatar. A articulação com o cineasta, que esteve em
Altamira, foi feita pela ONG Amazon Watch, que tem sede na Califórnia
(Estados Unidos).
Ativistas mobilizam o diretor de cinema
James Cameron, que esteve em Altamira
Foto: Google
A polêmica construção da usina de Belo Monte chamou a atenção até
mesmo de atriz americana Daryl Hannah, que criticou o projeto durante uma
palestra no festival de música SWU, que acontece em Paulínia (SP).
50
1.2 MOVIMENTO É FONTE DE INFORMAÇÃO DO MPF
Outro fator a ser levado em conta para analisar a eficácia da
comunicação do Xingu Vivo é que, nesse embate contra Belo Monte, as
informações e denúncias do Movimento ajudam a fundamentar ações do MPF.
As peças processuais elaboradas pelos procuradores da República que
atuam contra as irregularidades do projeto de Belo Monte são também
cotidianamente utilizadas pela assessoria de comunicação do Ministério na
produção de releases repassados à imprensa, a jornalistas que buscam dados
como MPF e publicados nas ferramentas de comunicação do Ministério Público
Federal.
. O procurador federal da República ressaltou que os dados mostram as
reivindicações das comunidades e quais os impactos que já ocorrerem ou
estão ocorrendo na região.
Utilizamos as informações em todos os casos que o MPF precisa relatar à Justiça sobre os impactos sofridos pelas comunidades e também em casos de descumprimento de acordos ou decisões judiciais por parte dos responsáveis pela obra. Muitas vezes o Movimento tem em primeira mão informações sobre o cumprimento ou não dos acordos e decisões. Tanto as informações do Xingu Vivo quanto as levadas ao MPF por outros movimentos sociais são decisivas para a tomada de decisões pelo Ministério. Até hoje não houve informação que tenha se mostrado inverídica. Isso nos motiva a considerar essa fonte de dados como imprescindível.
Em um caso recente, com base em dados do Xingu Vivo e Instituto
Socioambiental, o MPF denunciou à Justiça que a Norte Energia não cumpriu
obrigações assumidas ao receber a licença prévia para o projeto. Falta
construção de escolas, postos de saúde, hospitais e obras de saneamento nos
municípios e localidades diretamente afetados.
No dia 25 de outubro de 2013, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF1), em Brasília, ordenou nova paralisação das obras de Belo Monte por
ilegalidade no licenciamento. O desembargador Antônio Souza Prudente
considerou procedente a ação do MPF ajuizada em 2011 que questionava a
emissão de uma licença parcial para os canteiros de obras da usina, contrária a
51
pareceres técnicos do próprio Ibama. A licença foi concedida sem que as
condicionantes da fase anterior, da Licença Prévia, fossem cumpridas. A
decisão do TRF1 foi notificada ao Ibama e à Norte Energia S.A, responsável
pela usina. Como ficou anulado o licenciamento, as obras deveriam parar
enquanto as condicionantes não forem cumpridas. A multa em caso de
descumprimento da decisão era de R$ 500 mil por dia.
1.3 PESQUISA AVALIA OPINIÃO SOBRE A OBRA DE BELO MONTE
Mesmo com toda polêmica gerada sobre Belo Monte, as gestões
públicas municipais, estaduais e federais ainda não realizaram estudos para
ouvir o que a sociedade tem a dizer. Tem-se conhecimento de que há no Pará
somente uma pesquisa científica realizada que procurou saber a opinião da
população sobre a obra.
Trata-se da Pesquisa eleitoral realizada pelo Laboratório do Programa
de Pós- Graduação em Ciências Política, da Universidade Federal do Pará
(UFPA), que analisou a intenção de voto à eleição de 2010 para governo do
Estado e dentre outras questões, apontou se o eleitor era a favor ou contra a
construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, sudoeste do Pará.
No estudo, do total de 1.1581 pessoas, 697 (14%) disseram ser a favor
da construção da hidrelétrica de Belo Monte, 408 (25,8%) falaram que eram
contra e 476 (30,1%) não souberam responder.
A pesquisa foi apresentada no dia 15 de setembro de 2010, no
Laboratório do Programa de Pós- Graduação em Ciências Política, no Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da UFPA. Diante dos dados, é
possível analisar que o número de pessoas que há três anos eram contra à
construção da Usina (25,8%) e que não souberam opinar (30,1%) são
consideráveis.
52
Pesquisa analisou se o eleitor era a favor ou contra Belo Monte
Fonte: Laboratório do Programa de Pós- Graduação em Ciências Política da UFPA
Um dos fatores a ser levado em conta é que quando a pesquisa
foi realizada praticamente toda informação que circulava sobre Belo Monte era
na grande mídia local e nacional (à qual a população tem mais acesso), que,
em geral, traz na sua linha editorial posição favorável à obra garantindo como
destaque as informações do discurso governista: geração de energia e
emprego, e desenvolvimento social à Amazônia.
Os grandes problemas que envolvem a construção da Usina de Belo
Monte somente começaram a ser expostos, de fato, pela grande mídia, após o
inicio da obra, em junho de 2011, e da primeira ocupação pelos movimentos
sociais na sede da Eletronorte, em Belém, em outubro do mesmo ano, quando
os conflitos sociais ficaram mais fortes. Não tendo, dessa forma, como os
veículos de comunicação não noticiarem, entretanto, seguindo sua linha
editorial, que, em geral, buscou atenuar os fatos.
Todavia, a contrainformação do Movimento Xingu Vivo para Sempre
começou a ter um pouco mais de visibilidade fora da região do Xingu após a
realização das polêmicas audiências públicas, das quais três ocorreram em
Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo, em 2008, e em Belém, dia 15 de
setembro de 2009.
Foi a partir deste ano que as informações do Movimento contra o poder
hegemônico do governo federal passaram a circular principalmente pela
53
internet, por meio das mídias sociais do Xingu Vivo, e hoje mobiliza milhares de
pessoas dentro e fora no País.
Assim, pode-se auferir que o resultado de quase 26% das pessoas
contrárias a Belo Monte, como mostrou a pesquisa feita em 2010, pode ter sido
fruto do trabalho inicial do Xingu Vivo, que já realizava manifestações e
discussões sobre a Usina em fóruns, palestras, seminários, entre outros
eventos ocorridos em espaços públicos e privados no Pará.
A partir da pesquisa, é possível deduzir também que a ampla
comunicação que o governo utiliza para difundir sobre a obra ainda não foi
esclarecedora, pois, de acordo com o estudo, não convenceu muitos
paraenses de que Belo Monte não trará benefícios sócio, econômicos e
ambientais à região e para sua população.
1.3.1 Entrevistas
A pesquisa envolveu a participação de professores, doutores estudantes
de mestrado em Ciência Política da UFPA. Foram aplicadas 1,6 mil entrevistas,
aplicadas de 9 a 14 de setembro deste ano com homens e mulheres, de 16 a
65 anos, que possuíam renda entre um e 10 salários mínimos escolaridade
desde a 4ª série do ensino fundamental até o nível superior
completo e incompleto.
As entrevistas aconteceram em 36 municípios localizados nas seis
mesorregiões do Pará (Baixo Amazonas, Marajó, Metropolitana, Nordeste,
Sudeste e Sudoeste). A margem de erro era de 2,5% para mais ou para
menos, com um intervalo de confiança de 95%.
O professor Celso Vaz, coordenador do Programa de Pós- Graduação
em Ciências Políticas da UFPA, explicou que, na primeira etapa, foi usado o
modelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de divisão do
Estado em mesorregiões geográficas e definidos, dentro de cada mesorregião,
os municípios que fizeram parte da amostra, de acordo com a população total,
localização geográfica e relevância demográfica dentro da mesorregião.
A segunda fase consistiu em quantificar o número de entrevistas para
cada município e bairro de acordo com a população de eleitores dos mesmos.
54
Já na terceira etapa, os entrevistados foram selecionados por
amostragem aleatória, obedecendo às quotas proporcionais de gênero, idade,
escolaridade e renda familiar, de acordo com o perfil da população em estudo.
A pesquisa contou com 61 páginas e foi registrada, conforme o artigo 33
da Lei 9.504/97 e à Resolução 23.190, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob
o número 30089/2010, em 9 de setembro de 2010, e no Tribunal Regional
Eleitoral do Pará (TRE/PA) sob número 16558/2010, no dia 10 de setembro de
2010, realizados em nome do VCHA Serviços Ltda. - VERITATE.
1.4 FATORES QUE PREJUDICAM A COMUNICAÇÃO DO XINGU VIVO
1.4.1 Falta recurso financeiro
Um dos principais fatores é que pelo fato de o Movimento Xingu Vivo
não dispor de recursos financeiros suficientes não utiliza todas as ferramentas
de comunicação existentes no jornalismo, na publicidade e na propaganda para
conseguir ampliar a divulgação e atingir maior número de pessoas com a
contrainformação que o Movimento faz frente ao poder hegemônico do Estado
Nacional sobre a Usina.
A informação do MXVPS se dá basicamente por meio do jornalismo e da
publicidade pela internet. Além de panfletagens, participação de entrevistas em
rádios comunitárias, e da participação em fóruns, simpósios, congressos,
palestras, seminários e outros debates em espaços públicos e privados.
Dessa forma, o confronto é desigual em relação à comunicação feita
pelo governo federal, já que este dispõe de recursos financeiros e explora
todas as frentes de comunicação que envolvem o jornalismo, a publicidade e a
propaganda tanto na internet quanto nas mídias convencionais (rádio, televisão
e impresso) e outras, como apontou o procurador federal da República.
55
A concorrência é desleal. É impossível competir com gestores que preferem investir dinheiro público em orçamentos milionários de publicidade a organizar audiências públicas que sigam a legislação, que garantam o direito ao debate. Como Belo Monte foi projetado e está sendo realizado, é uma ideia indefensável sob os pontos de vista jurídico, econômico e político. Por isso, é sempre mais fácil acobertar a fragilidade da ideia por meio de investimentos enormes em publicidade, por meio de imagens e slogans que não condizem com a realidade.
Assim, o governo consegue levar informações que chegam a milhares
de pessoas, mesmo sem nitidez e elucidação de diversos pontos polêmicos
sobre a obra, como quase sempre acontece na história dos grandes projetos
implementados na Amazônia, que, ao final, têm efeito contrário ao prometido à
região e sua população.
1.4.2 Falta de energia elétrica
Mais uma razão é que, de forma paradoxal, mesmo que os amazônidas
sejam vizinhos de uma das maiores hidrelétricas do Brasil (Tucuruí, sudoeste
do Pará) - e se Belo Monte acontecer, não será diferente -, a energia gerada na
região acentua o contraste já que esta não é repassada a toda a população,
pois ainda existem milhares de pessoas que não têm o produto em casa,
embora no 7º Balanço do PAC II o governo federal comemore que o Programa
Luz para Todos já realizou mais de três milhões de ligações de luz elétrica no
País.
Todavia, a falta da energia impossibilita com que os cidadãos
desenvolvam diversas atividades do cotidiano inclusive o acesso à internet -
principal ferramenta de comunicação que o Movimento Xingu Vivo para
Sempre usufrui junto à sociedade para ir de encontro ao poder hegemônico do
Estado Nacional no que diz respeito às informações sobre a Usina.
56
1.4.3 Exclusão digital
Mesmo que a energia um dia chegue para todos, em especial na
Amazônia, outra questão a ser observada é a exclusão digital que ainda
persiste em existir na região - após mais de cinquenta anos do surgimento da
internet nos Estados Unidos e metade desse tempo no Brasil.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT), o Pará ocupa o primeiro ranking na inclusão digital do
Norte do Brasil. Do total de 2.653 Pontos de Inclusão Digital (PIDs), 1.065
estão em território paraense. Em segundo ficou o Amazonas com 673 PIDs,
seguido do Tocantins, com 315 PIDs.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou, em
2012, que das 84 prefeituras que fornecem acesso à internet via conexão sem
fio (Wi-Fi) da região Norte, 46 delas estão em território paraense.
Hoje o programa NavegaPará - desenvolvido pelo Governo do Estado -
em parceria coma a Eletronorte, Governo Federal, prefeituras municipais e
organizações da sociedade civil - conta com 180 infocentros e 90 pontos de
acesso livre em espaços públicos no Pará.
Segundo a assessoria de comunicação da Empresa de Processamento
de Dados do Estado do Pará (Prodepa), empresa que promove ações de
tecnologia da informação e comunicação com foco principal para o Governo do
Estado, o Navega Pará está presente em somente 62 dos 144 municípios
paraenses e capacitou 21 mil usuários dos infocentros. Até 2015, o
programa visa chegar aos municípios da região da Calha Norte, Paragominas e
expandir para o sul do Pará até Conceição do Araguaia.
A ação é implantada de forma conjunta pela Prodepa e Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti). Para implementar o Navega Pará, o
Estado tem contratado com um provedor 622 megabytes de acesso à internet
mais 155 megabytes da Oi; 300 megabytes da Embratel e 130 megabytes da
Telebras. Cada espaço público tem 300 kilobytes dedicados ao acesso.
Entretanto, essas iniciativas podem atenuar o problema da exclusão
digital, mas enquanto não inclui todos os cidadãos da Amazônia muitos
continuam a ficar tão carente de informações sobre o que acontece em seu
57
próprio território e de fora da grande polêmica que é Belo Monte. Dessa forma,
deixa de exercer sua participação no espaço público de debate, por meio de
um dos principais ambientes comunicacionais que é a internet.
58
CONCLUSÃO
Desde a construção da rodovia Transamazônica até os dias atuais, a
avaliação que se tem, embora a Amazônia esteja em outro momento de sua
história quanto à implementação dos grandes projetos na região, é que forma
de exclusão da sociedade das decisões políticas e ambientais ainda é feita a
distância (centralizada em Brasília - DF). Ou seja, similar à estrutura de poder
do período da Ditadura Militar no Brasil, pois esses projetos acontecem sem
que sejam ouvidos os anseios da população diretamente interessada, a
amazônica, a qual fica às margens do desenvolvimento socioeconômico
brasileiro.
Porém, diferente de outras épocas, nos últimos quatro anos, esse
cenário de pouca participação popular nas decisões começou a mudar. Desde
que o Movimento Xingu Vivo para Sempre passou a articular e mobilizar a
sociedade pela web já conseguiu atingir milhões de pessoas no mundo.
Representando não só uma forma resistência a práticas abusivas do Estado,
mas uma fonte alternativa de informação, constituindo-se em uma
contrainformação à gestão pública federal sobre Belo Monte, a partir
fundamentalmente da utilização da internet – em especial das mídias sociais:
Site, Blog, Twitter e Facebook – como forma de sensibilizar e atrair pessoas
para assinatura de documentos e atos contra a Usina.
É nesses ambientes comunicacionais construídos a partir dessas mídias
que o público discute, interage e obtém informações, não só sobre a Usina de
Belo Monte, mas também sobre os demais projetos hidrelétricos previstos para
a região, pautando as discussões não só nos aspectos ambientais, mas nos
aspectos sociais, econômicos e culturais. E, apesar de recente, as mídias
sociais do Movimento Xingu Vivo - com seu acesso fácil e instantâneo a muitos
cidadãos - está cada vez mais presente e ganha importante espaço na vida das
pessoas em todo o planeta, que passam a fazer parte dessa rede.
Com isso, a internet altera a forma como elas se relacionam e debatem
os assuntos de interesse público. Amplia a participação e esclarece a respeito
dos assuntos e dos agentes envolvidos na problemática que é Belo Monte.
Que para o Movimento e o Ministério Público Federal se for construída deverá
59
gerar riqueza material para poucos, em detrimento da miséria e da morte de
muitos seres humanos e da própria natureza, pois a forma como a obra está
sendo implementada na Amazônia ainda é baseada em um tipo de mentalidade
que não parece estar preocupar com o bem-estar das gerações futuras.
Dessa forma, a comunicação desenvolvida pelo Movimento Xingu Vivo
para Sempre se mostra uma ferramenta essencial para a defesa das
comunidades afetadas por Belo Monte e um exemplo à defesa de outras
questões envolvidas na problemática das hidrelétricas na Amazônia.
Além disso, é importante que o governo considere aos estudos dos
cientistas brasileiros e especialmente os estudos produzidos por pesquisadores
da região, que apontaram diversos questionamentos sobre Belo Monte,
inclusive sobre os estudos de impacto ambiental que teriam sido abordados de
forma incorreta ou inconsistente no EIA/Rima.
Nesses estudos os pesquisadores apresentaram até mesmo alternativas
para a geração de energia no País. Uma delas é a repotencialização das
hidrelétricas já existentes para que não fosse necessário construir nenhuma
nova UHE. Mas a gestão federal simplesmente jogou a sugestão para debaixo
do tapete e preferiu seguir com sua agenda política e econômica à geração de
energia atual baseada ainda no discurso neocolonialista.
Um ponto importante que merece esclarecimento é que a continuidade
da obra não é apenas uma questão que envolve a falta de comunicação e
informação sobre as irregularidades existentes, mas também é uma questão
que envolve política de estado, interesse econômico e aspectos culturais dos
povos que ali vivem. Infelizmente ainda persiste a mentalidade que considera
as grandes obras como sinônimas de progresso, mesmo existindo pesquisas
que apontam o contrário e que mostram que esse desenvolvimento somente é
possível quando atrelado à sustentabilidade.
Apesar das diversas contribuições teóricas em nível de Brasil, na região
amazônica – e em particular no Estado do Pará – as análises científicas sobre
as formas alternativas de comunicação utilizadas pelos movimentos sociais que
se opõem à política ambiental do governo federal para a Amazônia ainda são
limitadas.
60
Nessa temática, o avanço das redes sociais aponta o desafio de
desenvolver mais pesquisas para compreender o papel da internet na formação
de outros discursos ou da contrainformação. Esta carência foi uma das
motivações deste estudo, que teve como maior dificuldade a falta de
disponibilidade de fontes de informação, principalmente por parte do governo e
empresas, já que as suas sedes concentram-se em Brasília, e Belém, mesmo
sendo considerada metrópole da Amazônia, serve apenas de quintal para a
obtenção de informações e exerce papel secundário sobre a sua própria
região.
Assim, toda informação do governo sobre Belo Monte que consta neste
estudo se deu através do site oficial do governo federal, o que demonstra o
grau de indisponibilidade dos gestores públicos de prestarem esclarecimento
sobre essa obra. O que vai de encontro ao princípio da transparência com a
coisa pública, uma vez que a informação e dados precisos são fundamentais
para o planejamento, decisão e execução de quaisquer projetos públicos -
sobretudo os que são capazes de impactar uma região toda, como é o caso de
Belo Monte.
É bom lembrar também que a transparência dos dados públicos reforça
a democracia no País, o qual criou a Lei da Informação nº 12.527, de 18 de
novembro de 2011, que tem o propósito de dar o acesso à sociedade às
informações públicas, para que haja melhoria na gestão. No Brasil, o direito de
acesso à informação pública foi previsto na Constituição Federal, no inciso
XXXIII do Capítulo I - dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos - que
dispõe que:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Contudo, não basta que os grandes projetos, causadores de
irreversíveis impactos negativos sobre a sociedade e o meio ambiente,
elaborem seus EIA/Rima. Apenas isso não os legitima. É necessário que
61
deixem de fazer parte de agendas ocultas e passem a ser discutidos pela
sociedade em diversos espaços públicos ou privados da vida real, uma vez que
a população precisa ter a oportunidade de opinar e, eventualmente, até de
vetar seu desenvolvimento, principalmente quando se trata da construção de
hidrelétricas em terras indígenas, as quais contam com legislação específica no
Brasil.
Portanto, construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu,
representa um atentado social, ambiental e cultural contra a Amazônia e sua
população. Além de ter se mostrado um exemplo de violação aos direitos
humanos e ao direito à informação e transparência dos dados públicos para a
sociedade.
62
REFERÊNCIAS AB´SABER, Aziz Norib. A Amazônia: Do Discurso à Práxis. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 1996. ALDÉ, Alessandra. A construção da política: cidadão comum, mídia e atitude política. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2001. (Tese de Doutorado) ALMEIDA, Jorge. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo e Xamã Editora, 2002 BARBERO, Jesús Martín. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001 CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986 CONSULTORIA, Leme. Relatório de Impacto Ambiental – Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, Maio 2009 COSTA, Max André Correa. Do local ao global: a disputa por hegemonia na pan-amazônia latino-americana. Salvador: Colóquio Nacional: Processos de hegemonia e contra-hegemonia, 2008. (Artigo) EISENBERG, José. Internet, Democracia e República. In: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 46, no. 3, 2003, p. 491 a 511 GOMES, Wilson. A democracia digital e o problema da participação civil na decisão política. In: Revista Fronteiras – estudos midiáticos, 2005. (Artigo) GOMES, Wilson. Opinião Política na Internet. Uma abordagem ética das questões relativas à censura e liberdade de expressão na comunicação em rede, 2005. (Ensaio) LÉVY, Pierre. O que é o Virtual?.Rio de Janeiro, Editora 34 MAIA, Rousiley. Mídia e vida pública: modos de abordagem. In: CASTRO, Maria Ceres; MAIA, Rousiley (orgs.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 11-35 MONTEIRO, DION MÁRCIO C. Belo Monte: doze questões sem resposta. In: Outras Palavras.Net, 2010 (artigo) MORBACH, Marise Rocha. O Período Médice na Amazônia: a fronteira midiática e a difusão de uma identidade social. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa, 2006. (Tese de Doutorado) MOREIRA, Eidorfe. Amazônia – o conceito e a paisagem. Coleção Araújo Lima – Agência da SPVEA – Rio. Nova edição, 1960 PINTO, Lúcio Flávio. Hidrelétricas na Amazônia: predestinação, fatalidade ou engodo? Edição Jornal Pessoal, Belém 2002. PORTO, Mauro Pereira. Mídia e deliberação política: o modelo do cidadão interpretante. Departamento de Comunicação da Universidade da Califórnia, em San Diego, 2001. (Artigo) SITES NA WEB: www.outraspalavras.net/posts/belo-monte-doze-questoes-sem-resposta/ www.brasil.gov.br/sobre/economia/energia/obras-e-projetos/belo-monte www.movimentogotadagua.com.br/projeto www.xingu-vivo.blogspot.com.br www.xinguvivo.org.br www.twitter.com/xinguvivo
63
www.oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2012/09/18/o-projeto-secreto-por-tras-de-belo-monte-por-carlos-tautz-465884.asp www.pac.gov.br/pub/up/pac/7/05-PAC7_energia.pdf www.pac.gov.br/pub/up/pac/7/09-PAC7_agua_e_luz_e_finais.pdf www.belomontedeviolencias.blogspot.com.br www.movimentogotadagua.com.br Facebook Xingu Vivo ENTREVISTAS Dion Monteiro, Marquinho Mota e Maurício Matos. Entrevista concedida à autora. Setembro, 2013 Téo Pires. Entrevista concedida à autora. Setembro, 2013 Antônia Melo. Entrevista concedida à autora. Setembro, 2013 Felício Pontes. Entrevista concedida à autora. Outubro, 2013. VÍDEOS Belo Monte, Anúncio de uma Guerra www.xingu-vivo.blogspot.com.br/2011/12/belo-montge-o-anuncio-de-uma-guerra.html Movimento Gota D´Água http://www.youtube.com/watch?v=TWWwfL66MPs
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APÊNDICE A - ENTREVISTAS
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Decupagem da entrevista pessoal feita com membros do Movimento Xingu
Vivo para Sempre
Data: 04/09/2013
Local: Confederação dos Bispos do Brasil – CNBB, no Marco, em Belém
Entrevistadora: Cleide Magalhães
Entrevistados: Dion Monteiro, mestre em Planejamento e Desenvolvimento
Regional e membro do Comitê Xingu Vivo para Sempre; Marquinho Mota e
Maurício Santos Matos, ambos ativistas e membros da equipe de comunicação
do Movimento.
1 – Conte a história do Movimento, como e quando surgiu e quem faz
parte dele?
Marquinho – Em 2009 mediante ao começou da “audiência pública” de Belo
Monte, o governo programou a última para acontecer em Belém em 15 de
setembro. Por estarmos a 70 quilômetros de Altamira, o governo imaginava
que ia fechar com chave de outro e que não teria nenhum tipo de reação ou
ação. As audiências ocorreram em Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo. Mas
já tínhamos contato com o pessoal do Movimento em Altamira. Todas elas
com, a presença da Força Nacional impedindo a entrada de manifestantes
contrários. Em todas elas foram apresentados documentos que questionavam
que não foram reconhecidos pelo Ibama. O Comitê, Fórum Social Pan-
Amazônico e Faor mobilizaram as outras entidades em Belém. A mobilização
foi um apelo do Movimento, estávamos sem recursos, fizemos a mobilização
por telefone e internet. Para nossa surpresa e do governo, conseguimos atrair
cerca de 400 pessoas para ausência no Centur e criamos um fato político
dentro da audiência pública de Belo Monte. Foi a primeira vez que o MPF foi
chamado a participar, e o promotor Raimundo Moraes nos convocou a nos
retirar para não legitimar aquele processo. A parir desse momento, sentimos
necessidade de fazer articulação maior e mais firme para discutir o tema sobre
Belo Monte, porque, até então, estava fora da pauta na mídia na capital
paraense. Um mês depois, 15 de outubro, foi criado o Comitê Xingu Vivo tendo
representada 70 instituições, com a presença de mais de 200 pessoas, em
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evento no Memorial dos Povos Indígenas, na Pedreira, com programação
cultural e política. Depois foram aproximando outras pessoas.
Dion - Hoje compõe o Fórum de Discussão, Debate e Ação mais de 50
organizações bastante diversificada: movimento estudantil, coletivos, central e
movimento sindical, partidos de esquerda, anarcopunks, institutos de pesquisa,
fóruns que discutem as questões amazônicas, pesquisadores, entre outros,
que nos fornecem informações para serem trabalhadas no processo dos
elementos para serem utilizadas na comunicação para que possamos nos
comunicar com diversos setores como academia, população em geral.
Reunimos-nos periodicamente para definir a estratégia de ação para cada
período porque as ações são muito dinâmicas.
2 – Como começou o conflito entre o Movimento e o governo federal,
quando se acirrou e como está hoje?
Dion - Na minha reflexão, a partir de 2002, quando o Partido dos
Trabalhadores conseguiu eleger Lula e agora Dilma trouxe uma visão de
mundo que se formos analisar na história e modelo econômico nesse período é
algo meio híbrido, porque na Carta ao Povo Brasileiro, 2002, onde o candidato
Lula sintetiza sua proposta econômica do governo do PT apresentando
elemento do chamado Nacional Desenvolvimentismo (abertura das fronteiras,
grandes projetos, território) dos anos 50 e 60 implementados pela Ditadura
Militar. Mas também já traz a experiência dos anos 90 com o Neoliberalismo.
Então, de 2003 pra cá o governo federal implementa uma política econômica
que mistura entre o Nacional Desenvolvimentismo e liberalismo. É um liberal
desenvolvimentismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que atende a liberação das
taxas de juros, pagamento da dívida, ele traz a implementação de hidrelétricas,
mineração, agronegócio, entre outros. A intensificação do conflito se dá a partir
da implementação dessa compreensão de desenvolvimento econômico e social
no Brasil, que se fortalece após 2002, com a chegada ao poder do PT.
Marquinho – Quando o Lula troca a Dilma pelo Lobão no Ministério das Minas
e Energias, ele assume de vez a política de hidrelétricas do Sarney, que é
quem controla o processo de produção de energia no País. Seu grupo político
controla desde o período da Ditadura Militar. Com a substituição Lula assumiu
67
que ele ia atender às demandas desse grupo e fez isso para não ser cassado
no Mensalão. Então, a mudança de postura mais radical à construção de
hidrelétricas é uma dívida política do Lula.
Dion – Avaliamos que a Ditadura Militar oficialmente terminou no Brasil, mas
na Amazônia não. Todos os projetos são implementados na mesma forma:
com autoritarismo, a militarização da Força Nacional na região junto a
pesquisadores que fazem estudo na região.
Maurício – O Movimento é criado em razão da existência desse conflito no
Xingu. É uma forma de o Movimento resistir à tentativa de implementação das
hidrelétricas do Xingu. As audiências públicas é o início desse conflito, porque
elas são mera formalidade para cumprir a legislação, porque nelas há falta de
democracia, o uso do aparato policial tentando impedir os movimentos a
participarem. Acirra-se ao longo do tempo, com a realização dos leilões, início
das obras. Tudo marcado com atos, manifestações e ocupações como forma
de protesto pelo Movimento.
3 – Faça breve apanhado sobre a história de Belo Monte.
Maurício – Os primeiros estudos de levantamentos hidrográficos iniciam na
década de 70. O projeto ganha corpo na década seguinte, governo Sarney. Em
1988 começam as primeiras mobilizações quando começa a ser divulgado e
inicia a ser cobrada a divulgação sobre as áreas afetadas. Um pesquisador do
Museu Emílio Goeldi e dois indígenas palestram nos EUA para denunciar. Em
razão disso, são chamados para mais uma palestra, para relatar a situação do
Xingu, quando voltam são enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Começa haver entre os povos indígenas do Xingu a compreensão da
necessidade de fazer o Encontro dos Povos do Xingu, no início de 1989. Chico
Mendes é assassinado em dezembro de 1988 e isso faz com que os olhos do
mundo se voltam para a Amazônia. Então, o encontro começa a ser visto como
algo grande que estaria acontecendo na Amazônia atraindo toda a imprensa
internacional. Em 1989, acontece a célebre imagem da índia Tuíra que encosta
o facão no rosto do Muniz, então diretor da Eletronorte. Hoje presidente da
Eletrobrás. Com toda a pressão que houve no Encontro, o projeto é
engavetado e reaberto no governo de FHC. Mas é no governo Lula que é de
68
fato desengavetado trazendo uma nova roupagem: não mais com as cinco
hidrelétricas e duas barragens ao longo do rio Xingu do projeto original, mas
somente Belo Monte. O discurso passa a ser de que não haveria toda a
devastação. Isso inclusive ganha alguns ambientalistas para defesa ou ficarem
omissos diante dessa nova construção. Então, é apresentado como algo novo,
que não iria devastar tanto, que teria sustentabilidade, proteção aos indígenas,
etc. Em 2005, recomeçam os estudos. Em 2009, é apresentado o EIA/Rima.
Em meados deste ano, há pressão sobre o Ibama para aprovar o EIA/Rima.
Elaborado pela Leme Consultoria. Os estudos foram feitos pela Camargo
Correa, Andrade Gutierrez e Odebrecht. Final de 2009, cai o presidente do
Ibama porque se negou a assinar o projeto. Assume novo presidente, que
banca o EIA/Rima mesmo com parecer contrário de técnicos do Ibama e Funai.
É marcado o leilão para início de 2010, quando começa a aumentar a
resistência. As obras começaram em 2011.
Marquinho - O argumento do governo é que o projeto foi discutido durante 30
anos. É mentira. O projeto surgiu em 2009. A discussão se deu sobre Kararaô,
que foi barrado. Os próprios estudos feitos em relação a Belo Monte não foram
levados em consideração. O Painel dos Especialistas protocolou o relatório no
Ibama, e o presidente do Ibama disse que nenhum questionamento da
sociedade civil foi apresentado nas audiências. Em 2011 começam as obras de
infraestrutura (abertura de canais, alojamento) e já contam com cerca de 20%.
As obras que deverão afetar diretamente o leito do rio ainda não aconteceram.
Então, ainda não é fato consumado.
4 – Qual é o projeto político ambiental que o Movimento defende para
Belo Monte? Como o Movimento vê a política ambiental do governo
federal para Belo Monte?
Dion – Quando elencamos algumas propostas concretas de Projetos de
Emenda Constitucional e Decretos do governo junto a outras que vem como
suportes mostram bem a parcerias com multinacionais e público-privada para
exploração de áreas na Amazônia sem recuperação sem definir a partir da
diversidade da região, mas de monocultura. Então, avaliamos que a política
ambiental, que ela é arcaica, retoma o que pior havia no estado de recessão e
69
propicia todos os problemas ambientais vistos no mundo. Nossa proposta é
conciliar os interesses ambientais, econômicos e sociais sem que haja
supremacia do econômico sobre os outros elementos, mas que haja um
equilíbrio.
Marquinho – Não há política ambiental do governo. O que há é o desmonte de
uma política ambiental e de conquista históricas dos povos quilombolas,
indígenas e extrativistas que conquistaram na Constituição de 1988. Esses
projetos rasgam acordos internacionais que o Brasil fez como é o caso da
Convenção 69 da OIT, que garante a oitiva indígena no caso de barragens e
mineração em terras indígenas. Para instalação de Belo Monte foi inventada
uma licença parcial de instalação que não existe na Constituição, no Conama,
nas leis ambientais. O governo criou uma lei. Por isso, entendemos que existe
um arremedo e não política ambiental.
Maurício - Geração de energia sim, mas para atender a quem, como pra quê?
Para atender onde há concentração de capital, que é uma minoria. Para ir para
as indústrias eletro intensivas subsidiadas pelo governo federal. Belo Monte
será uma contradição como Tucuruí.
Marquinho – O movimento não traz uma proposta política ambiental
consensuada, mas avalia que tem que ser feito de forma imediata: suspensão
de todas as barragens e projetos de mineração pensados para a Amazônia;
repotenciação das usinas hidrelétricas mais antigas que existem; mais
investimento em eólica e solar; substituição das linhas de transmissão por
cabos com novas tecnologias. Um país que precisa de energia ainda joga fora
20% do que produz. Isso tudo tem que ser pensado e por que não se faz isso?
Porque o acordo, a decisão de construir barragens é político, e não técnica. Por
isso tem que ser feito para pagar dívida de campanha do Lula e da Dilma com
o grupo do Sarney.
5 - Como fazer com que a proposta do Movimento chegue à população?
Qual é a importância da comunicação nesse processo?
Dion - Os instrumentos, veículos de comunicação no Brasil são concentrados
nas em poucas famílias que representam interesses econômicos específicos e
fortes. Nosso debate, que contesta o modelo de desenvolvimento e a proposta
70
da política, econômica e ambiental do governo federal, não tem espaço nesses
veículos, não há necessidade de se construir outras formas de discussão.
Com o advento e possibilidade de utilizar a internet. O acesso, embora ainda
seja bem restrito na Amazônia, tem sido elemento importante para a
comunicação. Acho que podemos explorar melhor a web rádio já que, por
enquanto, não é preciso ter concessão para ter uma.
Marquinho – Temos conseguido pautar o debate sobre as hidrelétricas na
Amazônia também nos grandes fóruns, encontros ajudando na disseminação
da informação. Outro elemento importante foram as produções de
documentários profissionais e amadores levados ao Youtube, canal fantástico
para divulgação: Belo Monte o anúncio de uma guerra, A outra margem do
Xingu e outros.
O nosso blog é um espaço de busca de informação e esta é reproduzida pelos
sites das demais entidades. Algumas vezes conseguimos furar o bloqueio da
grande mídia. Mas na maioria das vezes a gente não entra na grande mídia,
quando entramos somos criminalizados, acusados de ser os mesmos de
sempre, que só sabemos reclamar e não queremos o progresso do País.
O melhor exemplo de como funciona a comunicação foi o Dia Mundial contra
Belo Monte. Mais de 20 países se mobilizaram e em Belém pelo menos cinco
mil pessoas foram para as ruas para o ato político. A mobilização foi pela
internet, via Facebook e blog. Não tínhamos dinheiro para fazer anúncio nem
outdoor. Nossas mídias sociais são alimentadas por uma galera jovem que faz
estardalhaço. Mas o por Belo Monte ser paga pelo governo e não mais pelo
BNDES não sensibiliza mais. Quando era pago pelo BNDES a gente conseguia
uma pressão internacional.
Maurício – A luta da comunicação é árdua e desigual. A Norte Energia mais
que um consórcio privado ocupa o papel do estado na região. O governo em
vez de passar para as prefeituras o dinheiro passa para a Norte Energia, via
BNDES, os R$ 30 bilhões e o prefeito vai à Norte Energia buscar para construir
escola, posto de saúde, etc. Quando as mobilizações estavam muito fortes,
eles fizeram chamada no aeroporto de Altamira dizendo que Belo Monte era
uma maravilha e que só traria benefício à população. A realidade mostra o
contrário.
71
Maurício – O governo manobra as informações. Uma delas é a história da
inundação. Nunca o movimento disse que Belo Monte ia inundar terra indígena.
Mas para tentar manobrar o governo diz que nós afirmamos que vai alagar,
mas nunca dissemos isso. Eles baseiam a propaganda em cima de mentiras.
A área diretamente afetada no EIA/Rima é o leito do rio. A margem eles
consideram como área de influência direta. É como se fosse possível secar o
rio e sua margem não sofrer impacto. É essa mentira absurda que está no
EIA/Rima. O governo manipula essa informação para dizer que não vai afetar
as áreas.
Marquinho – No leilão estava previsto alagamento de 419 quilômetros
quadrados. Hoje são 640, e mudaram isso sem ter nenhum tipo de estudos. Na
verdade não tem estudo, porque na área poucas pessoas foram entrevistadas.
Diferente do que fez o Painel dos Especialistas que se instalou em Belo Monte
para estudar a área.
Maurício - Outra forma de ampliar a informação através dos sindicatos e
associações dos grêmios estudantis fazemos os debates com as lideranças e
direções para conscientizar e ganhar as pessoas para a luta. A partir daí, abre
um campo junto aos sindicatos que têm base naquela região, nas escolas
secundaristas, universidades, etc. É uma forma de furarmos o bloqueio das
informações.
6 - Em seu processo de resistência à Usina Hidrelétrica de Belo Monte,
como o Movimento utiliza o campo midiático enquanto espaço de
informação e difusão do debate público sobre a obra? Como o movimento
avalia a linha editorial adotada pela grande mídia ao processo de
resistência ao empreendimento?
Marquinho - A mídia sempre coloca as informações de forma diferente. Um
fato que fiquei mais chocado foi um debate na Globo News, no qual a
entrevistadora falou que seriam gerados em Belo Monte 100 mil empregos. Na
verdade, o relatório diz que vão migrar 100 mil pessoas e que empregos serão
20 mil. Mesmo tendo o EIA/Rima em mãos ela distorceu. Eu questionei isso,
mas ninguém deu resposta.
72
7– Qual foi um fato importante sobre a obra que saiu na grande mídia
online e nos instrumentos do Movimento de forma bastante diferenciada?
Quais foram as informações distorcidas, na visão do MXVPS? Qual o
período?
Dion - O caso da boate Xingu, que fica na área de utilidade pública de Belo
Monte, dentro de uma grande área desapropriada pelo governo para atender à
Norte Energia. Não faz sentido alguém atender uma boate ali se não tem
cidade, é claramente para atender aos trabalhadores da obra. Quando isso foi
denunciado pelos movimentos sociais e MPF e divulgado na mídia. A mídia
colocou o foco para os supostos proprietários da boate e não para a Norte
Energia, responsável pela área. E no depoimento dos trabalhadores, o carro da
Norte Energia ia levar os trabalhadores na boate e trazia. A mídia não podia
esconder o fato, mas em momento algum vinculava à empresa.
Teve ainda a história do espião, sobre a qual a imprensa se limitou a reproduzir
uma nota da Norte Energia que dizia “A Norte Energia não manda
observadores à reunião de ninguém”. Temos inclusive o vídeo de o homem
dizendo que foi pago pelo consórcio, que recebia instrução do governo e da
ABIN. A grande mídia ignorou um caso de espionagem de uma empresa
privada junto com o governo em cima dos movimentos sociais. Repercutimos
nas mídias sociais.
Maurício – Há três pontos que são pilares do que contestamos (discordamos),
mas que a grande mídia ainda propaga: emprego, desenvolvimento à região e
geração de energia. São os pilares do discurso da mídia:
Emprego – O EIA/Rima traz que, ao longo do período de construção da obra,
vão ser atraídas para a região 100 mil pessoas, que serão gerados cerca de 40
mil empregos diretos e indiretos. Ou seja, serão 60 mil desempregados.
Desenvolvimento – O discurso da mídia é que vai impactar o meio ambiente,
mas é necessário porque vai gerar desenvolvimento. É mentira. O EIA/Rima,
em seu parágrafo final, diz que “mas é preciso que o projeto também se torne
um projeto de desenvolvimento à região onde se pretende construí-lo”. Ou seja,
se também é necessário que o projeto gere desenvolvimento é porque na sua
essência não prevê isso. Mas é uma mentira contada à população e esta tem
aceitado porque quem implanta o projeto é o governo federal, que antes
73
liderava as massas e criou relação de confiança com essas pessoas durante a
Ditadura e Redemocratização. Hoje a população começa a refazer esses
conceitos.
Geração de Energia – Belo Monte vai gerar 4,5 mil megawatts. A imprensa
divulga 11 mil megawatts, que é o pico de potência instalada em três ou quatro
meses. Ao longo do ano, a média cai. Em razão dessa queda de energia
gerada, os dados técnicos mostram que fica com 39%, sendo menos de 55%
do total. Isso indica que vai ser uma hidrelétrica deficitária, contra a existência
econômica de uma hidrelétrica para ser rentável.
8 - De onde advêm as informações do Movimento, quais são suas fontes e
qual a credibilidade da informação divulgada?
Marquinho – As informações do Movimento são da academia, pesquisas feitas
pela UFPA, a pedido do MPF, painel de especialistas da UFPA que fizeram
pesquisas científicas. Apropriamos-nos desses dados que são da academia.
9 - Como o conteúdo chega ao público e qual é a participação
(feedback/opinião) deste na esfera política sobre Belo Monte?
Marquinho – Se a gente consegue com que cada capital do Brasil, fora as
cidades pequenas, realize uma ação contra Belo Monte como foi no Dia
Mundial Contra Belo Monte, a partir do MXVPS e do Comitê, fazendo
articulação e organização pela internet. Em Belém, foram pelo menos cinco mil
pessoas. Então, temos retorno. Nossa ação repercutiu também no parlamento,
porque contamos com três senadores que vão para a tribuna do Congresso
Nacional falar contra Belo Monte e exigir as audiências públicas com os
indígenas. Quando têm pessoas da classe artística brasileira que fazem
campanha como o Gota D´Água, que obteve dois milhões de acesso na
internet, em menos de dois meses. Quando existe Comitê Xingu Vivo na
Áustria, Belo Monte é tema internacional de documentário, seminário e outros.
Isso tudo é repercussão das ações que fazemos.
10 - Existe uma cultura e um sistema político disposto (ou forçado) a
acolher a participação desse público?
74
Dion - Quem tem pautado a questão no Congresso Nacional são senadores do
PSOL. No Comitê temos quatro grupos partidários: PSOL, PSTU, PCB e PPR.
Tem militantes de base do PT que participam das reuniões, e não concordam
com a política do PT e seus aliados. Em termos de executivo e legislativo, não
há iniciativa para criar mecanismo ou leis para incluir verdadeiramente os
atingidos, ouvi-los e deixá-los ter o poder de definir o seu futuro. O que fazem é
subverter isso, quando, por exemplo, não reconhecem que a Convenção 69 da
OIT traz que os povos atingidos tem o direito de decidir se aceitam ou não os
grandes projetos. Mas o governo brasileiro, na proposta de oitiva, retira essa
possibilidade. O governo brasileiro traz na oitiva que vai ouvir o que eles
sugerem para que as coisas não sejam ruins e supostamente alteraria o
projeto, mas nunca abortar o projeto. Na verdade, as consultas indígenas do
governo brasileiro são só para cumprir protocolo, mas o estado não vai ouvir os
indígenas.
Dion- Na comunicação é importante repetir e informar essa questão. Se
fôssemos fazer a comunicação sem consistência e elementos concretos para
dialogar com os setores ficaria complicado. Por isso, entendemos a
comunicação vinculada a outras frentes. Por isso trabalhamos e dialogamos
junto à frente científica, que nos mune de pesquisa e informações; política, que
tá na base conversando com o trabalhador, agricultor, indígena e ribeirinho, e
ouvir concretamente o que acontece na base e qual o desejo de quem está
sendo agredido pelos impactos; a frente jurídica, o governo apresenta
propostas que são analisadas, contrapostos com a legislação que existe e
denunciamos o conteúdo a intenção e proposição. A frente de comunicação
verbera isso em todos os cantos. Então, entender a comunicação não
desvinculada dos outros elementos é fundamental e temos conseguido isso.
Esse trabalho em conjunto faz com que a comunicação flua com consistência,
com elementos sólidos para fazer e ganhar o debate. Ganhamos na
comunicação porque os elementos que apresentamos o governo não tem como
contestar, a menos que a informação seja manipulada, mas em um debate
sério o governo não ganha. Hoje o governo nem manda representantes para os
debates.
75
Marquinho - Movimento não participa das discussões sobre o Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu. Não participamos porque não
queremos, porque nossa proposta não é debater mitigação nem acompanhar
obra, mas parar a barragem. Se participarmos desse fórum, vamos legitimar
esse processo.
11 – A comunicação utilizada pelo Movimento tem eficácia? Qual é a
eficácia?
Dion- Tem eficácia. Há uma pesquisa da Ciência Política da UFPA, é um
levantamento de intenção de voto para eleição de 2010. Saiu em outubro deste
ano. Um ano depois de iniciarem as atividades do Comitê e o MXVPS já estava
com atividades permanentes desde 2008. A pesquisa faz levantamento da
intenção de votos e pergunta se a pessoa é a favor ou contra Belo Monte.
Aparece que 32% era contra Belo Monte, em Belém. Se for fazer essa
pesquisa hoje, será muito mais. Se a gente ver o abaixo assinado que o
movimento Gota D´Água, em 2012, que teve mais de dois milhões de
assinaturas. Mostramos dados antigos que mostram adesão e cada vez mais
esta acontece. Isso é resultado desse processo integrado das quatro frentes,
que culmina com a comunicação.
12 – Quais são as dificuldades encontradas pelo Movimento à eficácia da
comunicação?
Marquinho - Tem o bloqueio da mídia e falta de dinheiro. Não temos como
colocar um outdoor nas ruas.
Dion - O que colocamos nas mídias sociais tem muita eficácia, mas
enfrentamos dificuldades de atingir as pessoas que moram nas áreas mais
longícuas da Amazônia, como na Transamazônica, onde muitos nem tem
energia elétrica. Precisamos ter mais recurso financeiros para produzir mais
material impresso, deixar na casa das pessoas e fazer o debate.
Marquinho - Se levar em consideração que o projeto do governo é de R$ 30
bilhões, então mesmo com a solidariedade internacional o que conseguimos é
pouco contra o que brigamos, mesmo ainda infringimos derrotas a eles de vez
76
em quando. Vamos a cada seis meses nas aldeias e a Norte Energia todos os
dias.
13 – Como está a obra hoje, sua situação judicial e política? É possível
parar Belo Monte?
Dion – Todo período surge denúncia contra a obra, nem sempre feita pelos
movimentos sociais, mas pelos órgãos legais de fiscalização. A última foi a
Funai solicitando a multa a Norte Energia ou o cancelamento da licença de
instalação, porque a Norte Energia disse que não vai cumprir uma das
condicionantes, que é comprar terras para os Jurunas, do quilômetro 17, da
Aldeia Boa Vista, que é impactado direto pelo desenvolvimento da obra.
Anteriormente, teve uma do MPE em relação à questão da habitação. O MPF
denunciou a incapacidade técnica em relação à mensuração da área alagada -
cota 100. A exploração sexual na boate Xingu envolvendo até criança. O não
pagamento do valor de mercado das pessoas indenizadas. Há um mês, eram
pelo menos 82 ações contra a Norte Energia pelo MPF, MPE e organizações
da sociedade civil nos mais diversos campos.
Em uma avaliação técnica séria, e não política a licença de instalação da obra
já seria cassada há muito tempo, porque para funcionamento precisa que as
condicionantes sejam garantidas e isso não ocorre. Para nós, tudo isso mostra
que a obra pode e precisa parar. É isso que o Movimento defende.
Dentre as ações, há a das oitivas indígenas. Se ela for favorável ao MPF, a
obra para independente do estágio em que estiver. Tem que parar porque tem
muitas irregularidades. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica. Ainda não
é um fato consumado porque a obra que vai afetar diretamente o leito do rio
ainda não iniciou. Se for ter prejuízo, que o consórcio arque com as
responsabilidades porque a Norte Energia executa uma obra ilegal, baseado
em licença que não existe. Perdemos porque as ações travam no Judiciário.
Dion - A obra só anda porque o presidente do STF, Aires Brito, em 2012,
tomou para si uma lei de suspensão de segurança, criada à época da Ditadura,
que diz que a obra tem que seguir porque é de interesse público da economia.
Logo antes, a quinta turma do TRF tinha decidido que as obras tinham que
parar se as oitivas indígenas não fossem feitas.
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A previsão é que seja concluída de 2011 a 2021. São 23 turbinas. Em tese
querem colocar a primeira em 2014. A obra, devido tantas contestações, está
atrasada há um ano. É um total de R$ 30 bilhões fora a linha de transmissão,
que são de R$ 15 a R$ 20 bilhões. Hoje o governo reconhece oficialmente R$
28 bilhões. Fora as subestações.
78
Entrevista feita por e-mail com Téo Pires, presidente da Empresa de
Processamento de Dados do Estado do Pará (Prodepa), que promove ações
de tecnologia da informação e comunicação com foco principal para o Governo
do Estado.
Data: 30/09/2013
Entrevistadora: Cleide Magalhães
Perguntas:
1 - O Pará se mantém inserido no Plano Nacional de Banda Larga?
Téo - Sim. O Governo do Estado, por intermédio da Empresa de
Processamento de Dados do Estado do Pará (Prodepa), e o Ministério das
Comunicações, via Telebras, assinou um Termo de Ajuste e Plano de Trabalho
que levará o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) a um número maior
de municípios paraenses. O acordo estende esse atendimento para outras
localidades no interior e prevê que a empresa paraense ceda espaço e
infraestrutura nas estações das cidades de Jacundá, Tailândia, Santa Maria,
Tucuruí e Vila do Conde e um par de fibras ópticas apagadas. A Telebras, por
sua vez, disponibilizará serviço de banda larga e construirá Estações de
Atendimento (EAs) nessas cidades. O Termo de Cooperação Técnica com a
Prodepa foi assinado em março de 2012 prevendo a integração das redes de
telecomunicações federal e estadual, como também que cada empresa
arcasse isoladamente com seus custos, não havendo, portanto, repasse de
recursos financeiros.
2 - O serviço chegou em 2012 no Estado? Com o anda a implementação
do Plano?
Téo - O serviço chegou em 2013. Quanto a implementação, é responsabilidade
da Telebras.
3 - Se positivo, quais os municípios que já são beneficiados? Quais ainda
serão?
79
Téo - Belém e Santarém já são beneficiados. Os próximos a serem
beneficiados são os municípios da Calha Norte: Jacundá, Tailândia, Santa
Maria, Tucuruí e Vila do Conde.
4 - Como ficam os valores? São mais acessíveis?
Téo - Pelo acordo, os provedores de Internet são obrigados a oferecer ao
consumidor internet de alta velocidade (um megabyte), ao preço de R$ 35,90.
5 - Quais os recursos que a Prodepa tem para investir em tecnologia em
2013?
Não respondeu
6 - O Navega Pará conta hoje com quantos infocentros e quantos pontos
de acesso livre e pontual em espaços públicos?
Téo - São 180 infocentros no Pará, 90 pontos de acesso livre em espaços
públicos.
7 - Atende a quantos municípios?
Téo - O programa está presente em 62 municípios paraenses.
8 - Qual a estimativa da quantidade de pessoas que tem o acesso no
Pará?
Téo - O Navegapará atende cerca de dois mil órgãos municipais, estaduais e
federais, em todo o estado. Já capacitou 21.000 usuários dos infocentros.
9 - Quais são os dados de acesso à internet na Amazônia?
Téo - Segundo dados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT), dos 2.653 Pontos de Inclusão Digital (PIDs) da região
Norte, 1065 estão em território paraense. E o Navegapará, programa do
governo paraense, implantado de forma conjunta pela Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Inovação (Secti) e pela Empresa de Processamento de Dados do
Estado do Pará (Prodepa), tem contribuído bastante para que o Estado ocupe
o primeiro lugar no ranking da inclusão digital no Norte do Brasil. O Estado do
80
Amazonas está em segundo lugar, com 673 PIDs, seguido do Tocantins, com
315 PIDs.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
dos 84 municípios que fornecem acesso à internet via conexão Wi-Fi da região
Norte, 46, ou seja, mais da metade, estão em território paraense. O
Navegapará, vem contribuindo para que o Estado tenha o maior percentual
(32%) de prefeituras conectadas e que oferecem acesso à internet entre os
estados brasileiros. O estado do Amazonas está em segundo lugar, com 29%.
É a primeira vez que o IBGE levanta dados sobre oferta de conexão sem fio
por prefeituras. Os dados foram coletados em 2012. Apesar de numericamente
ter poucas iniciativas, a região Norte se destaca em relação ao percentual de
municípios com algum tipo de programa – 18%. No Sudeste, por exemplo, o
índice é de 15%.
10 - Qual é a meta de ampliação no Pará até 2015?
Téo - O Navegapará deve chegar até 2015 aos municípios da região da Calha
Norte, Paragominas e expandir o sul do Pará até Conceição do Araguaia.
11 - O contrato do Estado ainda é com um provedor 770 megabytes de
acesso à internet?
Téo - São 622 + 155 megabytes da Oi; 300 megabytes da Embratel e
130 megabytes da Telebras.
81
Entrevista por e-mail com Felício Pontes, procurador federal da República que
atua no caso de Belo Monte desde 2011.
Duas perguntas foram direcionadas à Assessoria de Comunicação do MPF.
Data: 15/10/2013
Entrevistadora: Cleide Magalhães
Perguntas ao procurador Felício Pontes:
1 - Qual a sua atuação no caso de Belo Monte?
Procurador Felício - Tenho atuado no caso Belo Monte desde a primeira ação
interposta pelo MPF, em 2011. Trabalho no caso como autor ou coautor das
ações ou promovendo o debate público sobre o tema, seja no incentivo ou
participação em palestras, simpósios, congressos e outros eventos sobre a
questão, seja em entrevistas à imprensa ou na produção de estudos, seja no
diálogo direto com as comunidades atingidas e com os movimentos sociais,
instituições públicas, cientistas, pesquisadores e acadêmicos ligados à
questão.
2 - Qual é a importância da informação na questão que envolve Belo
Monte?
Procurador Felício - É de importância vital. Desde o início do debate jurídico e
social sobre Belo Monte, esse caso tem se mostrado exemplar sobre como a
falta da informação é uma violação aos direitos humanos. E não só a falta de
informações que deveriam ser publicadas pelo governo e empresas
responsáveis – a questão Belo Monte mostra como o descaso do
governo com as informações produzidas pela sociedade também é uma
violação aos direitos humanos. A sociedade tem direito de saber
como os governantes estão atuando e também de ser ouvida.
3 - Como o MPF vê a comunicação desenvolvida pelo Movimento Xingu
Vivo para Sempre?
82
Procurador Felício - É uma ferramenta essencial para a defesa das
comunidades afetadas por Belo Monte e um exemplo para a defesa de outras
comunidades afetadas por hidrelétricas na Amazônia.
4 - Essa comunicação é importante? Por quê?
Procurador Felício - É essencial, porque mostra ao mundo todo o que a
irresponsabilidade dos gestores públicos pode causar na Amazônia. Nesse
sentido, o Movimento é cronista de uma série de absurdos, de irregularidades
que ocorrem na região. É um instrumento de defesa das comunidades também,
porque ajuda instituições como o MPF a agir.
5 - As informações/denúncias do Movimento ajudam a fundamentar as
ações do Ministério? De que forma? Cite algum caso já ocorrido que
obteve sucesso.
Procurador Felício - Sim. São dados que mostram as reivindicações das
comunidades e quais os impactos que já ocorrerem ou estão ocorrendo na
região. Assim, em todos os casos que precisamos relatar à Justiça os impactos
sofridos pelas comunidades, utilizamos dados do Movimento. E também em
casos de descumprimento de acordos ou decisões judiciais por parte dos
responsáveis pela obra. Muitas vezes o Movimento Xingu Vivo Para
Sempre tem em primeira mão informações sobre o cumprimento ou não desses
acordos e decisões. Em um caso recente, com base em dados do Movimento
Xingu Vivo Para Sempre e do Instituto Socioambiental, denunciamos à
Justiça que a Norte Energia não cumpriu obrigações assumidas ao
receber a licença prévia para o projeto. Falta construção de escolas,
postos de saúde, hospitais e obras de saneamento nos municípios e
localidades diretamente afetados.
6 - Como o MPF vê o conteúdo da informação do Movimento Xingu Vivo?
Procurador Felício - Tanto as informações do Xingu Vivo quanto as levadas
ao MPF por outros movimentos sociais são decisivas para a tomada de
decisões pelo MPF. Até hoje não houve informação do Movimento Xingu Vivo
83
que tenha se mostrado inverídica. Isso nos motiva a considerar essa fonte de
dados como imprescindível.
7 - Qual é a importância da informação clara, precisa e transparente sobre
Belo Monte? A falta desse perfil de informação fere a democracia no
País?
Procurador Felício - A informação pública e precisa é fundamental para o
planejamento, decisão sobre o interesse na execução e eventual execução de
quaisquer projetos públicos, sobretudo em projetos capazes de impactar tão
intensamente uma região toda, como é o caso de Belo Monte. A falta
dessas informações não fere a democracia. Faz pior: acaba com ela. Sem
informação não há diálogo, e a democracia se sustenta no diálogo, na
construção conjunta de um país. E é preciso lembrar o seguinte: além de
Belo Monte, o governo está construindo ou em vias de tentar construir
diversas outras hidrelétricas na Amazônia. A pergunta que o MPF,
movimentos sociais e pesquisadores fazem é a seguinte: qual o impacto
que essas obras podem gerar juntas? Quais as consequências dos impactos
se ocorrerem cumulativamente? Não há uma linha de informação do governo
sobre isso.
8 - Você vê que a comunicação do Movimento se comparada a do governo
é uma concorrência desleal, já que a do movimento se dá hoje
basicamente no jornalismo e publicidade pela internet e a do governo
envolve jornalismo, publicidade e propaganda e acontece por meio de
diversas mídias?
Procurador Felício - Sim, é impossível competir com gestores que preferem
investir dinheiro público em orçamentos milionários de publicidade a organizar
audiências públicas que sigam a legislação, que garantam o direito ao debate.
Como Belo Monte foi projetado e está sendo realizado, é uma ideia
indefensável de vários pontos de vista – jurídico, econômico,
político – por isso é sempre mais fácil acobertar a fragilidade da
ideia por meio de investimentos enormes em publicidade, por meio de
imagens e slogans que não condizem com a realidade.
84
9 - O Governo Federal tem utilizado as informações sobre Belo Monte de
forma transparente junto à sociedade?
Procurador Felício - Nem um pouco. São sempre informações insuficientes,
incompletas, não comprovadas. É apenas um discurso marqueteiro, não é
realmente comunicação pública. Não há espaço para o debate. Temos
dezenas de estudos, alguns produzidos por grupos de dezenas de
pesquisadores, que apresentam uma série imensa de questionamentos ao
governo. Esses questionamentos são simplesmente ignorados, jogados para
debaixo do tapete.
10 - A comunicação do Movimento seria parcialmente eficaz junto à
sociedade, já que a obra de Belo Monte continua?
Procurador Felício - Não podemos dizer que a continuidade da obra seja
apenas uma questão de falta de comunicação, de informação sobre as
irregularidades existentes. Seria uma simplificação exagerada. Os movimentos
sociais, o MPF, a Defensoria Pública, estudantes, acadêmicos, institutos de
pesquisa, organismos nacionais e internacionais de defesa das leis e dos
direitos humanos estão todos os dias produzindo mais e mais informações,
estatísticas, projeções e análises sobre o caso, mas infelizmente
essa massa de dados é ignorada pelo governo, empresas responsáveis pela
obra e pela Justiça. E não podemos negar o aspecto cultural envolvido:
ainda vivemos em uma sociedade que considera que obras de grande porte
são sinônimas de progresso, apesar das diversas indicações de
pesquisas que mostram que o desenvolvimento só merece esse nome se for
sustentável.
11 - Em sua opinião, a batalha de Belo Monte é comunicacional, jurídica
ou política?
Procurador Felício - É comunicacional, é jurídica, é política, é educacional, é
financeira. É uma questão que põe em xeque a seguinte questão: qual é o
modelo de desenvolvimento que o mundo quer? É o baseado na exploração
predatória dos recursos naturais ou é aquele que leva em consideração a
85
sustentabilidade? É o que gera riqueza material para poucos seres
humanos em detrimento da miséria e da morte de muitos outros seres
humanos e da morte da natureza ou é o baseado em um tipo de mentalidade
que se preocupa com o bem-estar das próximas gerações?
Perguntas para a Ascom/MPF:
1 - A Assessoria de Comunicação do MPF já utilizou informações do
Movimento Xingu Vivo para Sempre? Como?
Ascom/MPF - Sim. As informações produzidas pelo Movimento Xingu Vivo
para Sempre são cotidianamente utilizadas pela assessoria de comunicação do
MPF. É o movimento que muitas vezes tem em primeira mão informações
sobre impactos sofridos pelas comunidades atingidas pelo projeto Belo Monte,
sobre as reivindicações apresentadas por essas comunidades e sobre o
resultado de reuniões e manifestações promovidas pelas comunidades, por
exemplo. Além de esses dados servirem para a assessoria de comunicação
do MPF informar a equipe do MPF sobre a situação dessas comunidades,
também são sempre utilizados como fonte de informações repassadas a
jornalistas que buscam dados como MPF.
2 - Já houve informação do MPF que silenciou na grande mídia, mas
repercutiu de outra forma no Movimento Xingu Vivo? Conte-me qual foi a
notícia, quando e de que forma isso ocorreu?
Ascom/MPF - As informações produzidas pelo MPF, sejam os releases
publicados pela assessoria de comunicação ou peças processuais produzidas
pelos procuradores da República que atuam contra as irregularidades do
projeto Belo Monte, são sempre motivo de muita repercussão nas ferramentas
de comunicação do Movimento Xingu Vivo e nos meios de comunicação
dirigidos pelo movimento (reuniões, encontros com as comunidades afetadas,
entrevistas a jornalistas). As irregularidades do projeto Belo Monte são todas
geradas por violações às leis. Dentre essas violações, algumas das mais
recorrentes são às violações ao direito da sociedade à informação e à
transparência dos dados públicos. Assim, quaisquer publicações de releases
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ou peças processuais que permitam à sociedade ver ampliado o acesso à
informação ou à discussão sobre esse tema, é extremamente válida e utilizada
pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre e por outros movimentos sociais e
instituições que defendem o respeito à legislação e ao ser humano.
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ANEXO A – Alguns dados do Relatório do Painel de Especialistas
88
O relatório do Painel de Especialistas, ligado a universidades e centros
de pesquisas nacionais e internacionais, contrapõem diversas questões que
constam no EIA/Rima. Dentre elas, as 12 abaixo são instigantes para o
Movimento Xingu Vivo para Sempre, que sempre as utiliza para contrapor às
informações do governo federal:
1 - O primeiro fator a chamar atenção – e um dos menos destacados pelo
governo federal – é a destinação da energia a ser gerada UHE Belo Monte.
Aproximadamente 80% da eletricidade atenderão as empresas do Centro-Sul
do país. Até 20%, caso a negociação realizada entre a União e o governo do
Pará se concretize, ficarão para atender empresas eletrointensivas deste
estado, principalmente as Vale e Alcoa. Gerarão vantagens competitivas para
estes grupos no cenário internacional, mas não proverão nem 1 quilowatt (KW)
para as comunidades amazônicas que até hoje não possuem energia elétrica.
2 - Também não é divulgado que a energia prometida (aproximadamente 11 mil
megawatt (MW), só será entregue durante quatro meses no ano. Em outros
quatro meses a usina funcionará apenas com 30% a 40% de sua capacidade
máxima; nos quatro meses restantes, não gerará praticamente nenhuma
energia. A média anual ficará em torno de 4,5 mil MW, segundo os dados da
própria Eletrobrás – uma média muito baixa quando se faz a relação custo-
benefício, podendo inclusive inviabilizar financeiramente o projeto.
3 - O estudo entregue pela Eletrobrás ao IBAMA não informa que mais de 20
mil pessoas serão obrigatoriamente deslocadas das áreas onde vivem,
deixando para trás suas relações sociais e econômicas, além de elementos
materiais de suas memórias. Chama atenção que o EIA utiliza como parâmetro
a média brasileira de componentes por grupo familiar, entre três e quatro
pessoas. Na região amazônica, porém, a média é outra. A bibliografia
disponível indica que o grupo familiar é composto, em média, por 5,5 a 7
pessoas. As consequências deste equívoco são graves, pois ao subestimar a
população remanejada não é possível pensar corretamente as estruturas e
equipamentos sociais necessários para atender quem precisará de moradia,
89
escola, posto de saúde, estradas e outros equipamentos públicos. Problemas
semelhantes já se manifestaram nas construções das hidrelétricas de Tucuruí
(PA), Balbina (AM) e Samuel (RO).
4 - O EIA de Belo Monte afirma que o reservatório, com 516 Km², atingirá
diretamente três municípios: Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo. Porém,
especialistas afirmam que Anapu e Senador José Porfírio também serão
afetados pelo lago. O estudo oficial diz que onze municípios sofrerão impactos
socioeconômicos e ambientais da hidrelétrica: Altamira, Senador José Porfírio,
Anapu, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo,
Gurupá e Medicilândia, perfazendo mais de 300 mil habitantes. Pautado nesta
informação, o MPF tem apresentado uma das contestações ao processo de
licenciamento. Se o próprio EIA informa que onze municípios sofrerão
impactos, sustentam os procuradores do Ministério Público, então, não são
suficientes as quatro audiências públicas realizadas – em Belém, Altamira,
Brasil Novo e Vitória do Xingu. Faltaram a participação, o amplo debate e os
esclarecimentos à população afetada, razões de ser das audiências.
5 - A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas
e Energia (MME), afirmou, em outubro de 2009, que o custo de Belo Monte
seria R$ 16 bilhões de reais. Cinco meses depois, e um mês após a emissão
da LP, a EPE reavaliou este custo, estimando-o em aproximadamente R$ 20
bilhões. As empreiteiras, principais interessadas na construção da usina,
avaliam que o valor final não será menor que R$ 30 bilhões. Esta indefinição
sobre o custo total da obra impossibilita uma segura avaliação em relação ao
custo-benefício e à viabilidade econômica. É importante frisar que não estão
sendo consideradas a rede de transmissão de energia, subestações, e outras
estruturas necessárias ao completo funcionamento do complexo hidrelétrico.
Em março de 2010, a EPE também elevou, em mais de 20% (de R$ 68 para
R$ 83), o preço-teto da energia vendida nos leilões da Usina de Belo Monte.
6 - Os empreendedores estimam que aproximadamente 100 mil pessoas
migrem para a região, principalmente rumo à cidade de Altamira. Alguns
90
especialistas falam que este número, como outros informados pelo governo,
também está subestimado. Calculam, amparados no que ocorreu em obras
semelhantes, um mínimo de 150 mil pessoas. A Eletrobrás observa no
EIA/Rima que 18 mil empregos diretos serão gerados no pico da obra, no
terceiro e o quarto anos de construção. Somados os 23 mil empregos indiretos
previstos, seriam 41 mil postos de trabalho. Nas contas do próprio governo,
portanto, aproximadamente 60 mil pessoas que migrarão não terão emprego
em nenhum momento. A obra deve durar dez anos. No final da construção, a
quantidade de empregos estimados é de apenas 700 diretos e 2,7 mil indiretos.
O EIA/Rima avalia que 32 mil migrantes deverão ficar na região após o término
da obra, a maioria em Altamira.
7 - De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC, na sigla em inglês) o metano (CH4) é um gás de efeito-estufa que
causa um impacto 25 vezes maior no aquecimento global que o gás carbônico,
por tonelada emitida. As hidrelétricas são responsáveis pela liberação de
metano, pois a vegetação que fica submersa com a formação do lago (no caso
de Belo Monte, com mais de 500 Km²), libera, ao se decompor, grandes
quantidades do gás. A produção de CH4 também ocorre com o processo de
passagem da água pelas turbinas e vertedouros da hidrelétrica, algo ignorado
pelo EIA/Rima. As grandes hidrelétricas agravam em especial esta situação,
pois quanto maior a área alagada, e a água movimentada, maior a emissão de
metano.
8 - O EIA/Rima afirma que serão afetadas diretamente pela usina de Belo
Monte as Terras Indígenas Paquiçamba (do povo Juruna), e Arara da Volta
Grande do Xingu (do povo Arara), além da Área Indígena Juruna do quilômetro
17 (também do povo Juruna). O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma
que também será afetada diretamente a Terra Indígena Trincheira Bacajá (dos
povos Kayapó e Xicrin). Porém, mesmo reconhecendo este impacto direto, o
governo recusa-se a realizar as oitivas indígenas, conforme determinam o
artigo 231 da Constituição e a convenção 169 da Organização Internacional do
91
Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Este também é um dos principais
questionamentos levantados pelo Ministério Público Federal.
9 - Com a construção da barragem principal da usina de Belo Monte, uma área
de aproximadamente 100 quilômetros, na chamada Volta Grande do Xingu,
terá a sua vazão de água reduzida a algo em torno de 30% do fluxo atual.
Sobre isso, o parecer técnico nº 114/2009, assinado por seis analistas
ambientais do Ibama, e um dos documentos básicos para a emissão da LP, é
claro. Diz o parecer: “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta
informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a
navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de
Vazão Reduzida]”.
10 - Para que as águas do rio Xingu possam fluir da barragem principal até as
vinte turbinas que estão previstas para Belo Monte, serão abertos dois
gigantescos canais no meio da floresta, o que movimentará aproximadamente
150 milhões de metros cúbicos de terra e 60 milhões de metros cúbicos de
rocha, equivalentes à movimentação de material realizada na abertura do canal
do Panamá. Os impactos não foram totalmente contabilizados no EIA/Rima de
Belo Monte, além de não ter sido fornecida informação clara sobre o local onde
o material retirado será depositado, caso a obra avance.
11 - O parecer técnico nº 114/2009 também afirma que “tendo em vista o prazo
estipulado pela presidência [do Ibama], esta equipe não concluiu sua análise a
contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade
apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das
audiências públicas”. Porém, em relação ao que puderam identificar, os
analistas ambientais destacam, além das questões referentes ao TVR, o não
dimensionamento a contento dos impactos decorrentes do afluxo populacional
para a região. Em consequência, podem ser insuficientes as medidas que
tentarão preparar a região para receber tal afluxo, além de estar indefinida a
responsabilidade de cada agente público nas ações necessárias. Um terceiro
elemento apresentado no parecer 114/2009 é um elevado grau de incerteza em
92
relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos
canais da hidrelétrica.
12 - A Licença Prévia nº 342/2010, emitida pelo Ibama em 1º de fevereiro de
2010, apresentou quarenta condições para a execução da obra. O
cumprimento de várias delas, porém, só poderá ser atestado após a conclusão
e pleno funcionamento da obra. É o caso da garantia de qualidade da água,
navegação e modos de vida da população da Volta Grande do rio Xingu. A
licença também posterga a apresentação das estratégias para garantir a
infraestrutura que antecede as obras. Ela só será definida depois da escolha da
empresa que gerará a energia. Estas indefinições estão sendo questionadas
por diversos movimentos sociais, ONGs e Ministério Público. Entende-se que
não é possível adiar o atendimento destas condicionantes.
Fonte: Artigo “Belo Monte: doze questões sem resposta”, de Dion Monteiro,
2010.