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1 UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU CLEIDE LÚCIA MAGALHÃES DE SOUZA BELO MONTE: INFORMAÇÃO E CONTRAINFORMAÇÃO BELÉM - PA OUTUBRO/2013

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Disponibilizo a todos meu Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção da pós-graduação em Jornalismo, Cidadania e Políticas Públicas sobre "Belo Monte: Informação e Contrainformação". O TCC está disponível na biblioteca da Pós-Graduação da Unana/Quintino, em Belém. Minha orientadora foi a professora Marise Morbach, que me emitiu o conceito EXCELENTE. Meu TCC foi avaliado também pelo professor Rodolfo Marques.

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

CLEIDE LÚCIA MAGALHÃES DE SOUZA

BELO MONTE:

INFORMAÇÃO E CONTRAINFORMAÇÃO

BELÉM - PA

OUTUBRO/2013

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2

CLEIDE LÚCIA MAGALHÃES DE SOUZA

BELO MONTE:

INFORMAÇÃO E CONTRAINFORMAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Programa de Pós-

Graduação Latu Sensu da

Universidade da Amazônia como

requisito para obtenção do curso de

especialista em Jornalismo,

Cidadania e Políticas Públicas – sob

a orientação da professora Dra.

Marise Morbach.

BELÉM / PA

OUTUBRO/2013

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3

A Deus,

Aos pais,

Aos amigos Ana Mônica Monteiro e

Max André Costa e

Aos professores, que me incentivaram

durante a vida de estudante e

profissional de jornalismo.

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4

AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo, Andrey Moraes, que me deu apoio e, principalmente,

ajudou a cuidar do nosso filho, Eros Magalhães Moraes, durante algumas

noites que levei na produção deste trabalho.

Ao meu filho Eros que nasceu há poucos meses e serviu de mais um motivo

para eu concluir a especialização.

Ao Movimento Xingu Vivo para Sempre por ter me dado valiosa contribuição

ao disponibilizar sua atenção e material de arquivo para a concretização

deste trabalho.

À professora Marise Morbach ter me norteado na elaboração deste estudo.

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5

Existir é resistir, fincar os calcanhares

no chão para se opor à correnteza.

José Ortega y Gasset,

filósofo espanhol, na obra “A Rebelião

das Massas”.

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6

RESUMO

Este estudo discute a comunicação sobre a Usina Hidrelétrica de Belo

Monte, no Complexo Hidrelétrico do rio Xingu, em Altamira, na região da

Transamazônica, no Pará, tendo como objeto de análise os ambientes

comunicacionais pela internet – Site, Blog, Twitter e Facebook - do Movimento

Xingu Vivo para Sempre, que nasceu na década de 1980, e há cinco anos

recebeu atual nome. O Movimento é contra-hegemônico e tem a finalidade de

divulgar a contrainformação frente ao Estado Nacional sobre a Usina para a

sociedade. Além de debater a respeito das hidrelétricas que estão em

andamento e novas previstas para a Amazônia. Assim, a comunicação pelas

mídias sociais desenvolvidas pelo Xingu Vivo é uma ferramenta essencial à

defesa das comunidades afetadas por Belo Monte e pelas outras hidrelétricas

na região.

Palavras-chave: Amazônia – hidrelétrica – internet – informação –

contrainformação – hegemonia - contra-hegemonia

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ABSTRACT

This study discuss the communication concerning Belo Monte´s

hydroelectric dam in the Xingu River, Altamira-PA, Brazil, having as main object

the internet communication environments of “Movimento Xingu Vivo para

Sempre” – Site, Blog, Twitter and Face Book Page – that exists since 1980 and

has the current name for the last five years. The movement is counter

hegemonic and has as focus the dissemination of counter information withhold

by the federal state about the dam; also discussing dam´s that are already in

construction and the possibility of others inside the Amazon basin. There for the

communication with social medias used by “Xingu Vivo” is an essential tool for

the communities affected by Belo Monte´s dam and others in this region.

Keywords: Amazon – hydroelectric – internet – information – counter

information – hegemony – counter hegemony

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONFLITO 12

2.1 ESTUDOS DE IMPACTOS AMBIENTAIS 16

2.2 ATORES SOCIAIS 17

2.3 HISTÓRIAS DE CONSTRUÇÃO DA USINA 19

2.4 INTENSIFICA O CONFLITO 22

2.5 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS 24

2.6 PESQUISA CIENTÍFICA QUESTIONA EIA/RIMA 27

2.7 O QUE DIZ O GOVERNO 30

3 O QUE É O MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE 32

3.1 A CIRCULAÇÃO DA CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO 36

3.2 ESPAÇO DO MOVIMENTO NA GRANDE MÍDIA 38

3.3 A CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO 40

4 AS MÍDIAS SOCIAIS DO MOVIMENTO 42

4.1 SITE 42

4.2 BLOG 43

4.3 TWITTER 45

4.4 FACEBOOK 45

5 A EFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO DO XINGU VIVO 47

5.1 MOBILIZAÇÕES 47

5.1.1 Nacional 47

5.1.1.1 AUDIOVISUAL 48

5.1.2 Internacional 49

5.2 MOVIMENTO É FONTE DE INFORMAÇÃO DO MPF 50

5.3 PESQUISA AVALIA OPINIÃO SOBRE A OBRA DE BELO MONTE 51

5.3.1 Entrevistas 53

5.4 FATORES QUE PREJUDICAM A COMUNICAÇÃO DO XINGU 54

5.4.1 Falta recurso financeiro 54

5.4.2 Falta de energia elétrica 55

5.4.3 Exclusão digital 56

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9

6 CONCLUSÃO 58

REFERÊNCIAS 62

APÊNDICE A 64

ANEXO A 87

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10

INTRODUÇÃO

Este estudo mostra que a partir das mídias sociais começou a mudar o

tradicional cenário de pouca participação popular nas decisões à

implementação dos grandes projetos na Amazônia, que tiveram início na

década de 1960 com a rodovia Transamazônica. O Movimento Xingu Vivo para

Sempre já conseguiu atingir milhões de pessoas no mundo, principalmente

pela internet, que aderiram ao maior ideal do Movimento: ser contra a polêmica

construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

O Xingu Vivo é abordado neste trabalho porque embora tenha nascido

na década de 1980 somente há quase quatro anos passou a utilizar as redes

sociais para difundir informações contrárias as do governo federal sobre a

Usina. Revelando, assim, a importância que a internet tem como ambiente de

comunicação e mobilização na sociedade.

Estudar o Movimento é relevante também porque este é um dos poucos

instrumentos de resistência e defesa das comunidades que deverão ser

afetadas direta e indiretamente pelo projeto de Belo Monte, além de o

Movimento ser cronista de uma série de irregularidades que ocorrem na região.

No contexto que envolve Belo Monte há dois projetos políticos

ambientais divergentes. De um lado estão povos indígenas, agricultores,

ambientalistas, intelectuais e católicos progressistas, que, em tese, defendem a

soberania e autodeterminação dos povos da região, considerando a

biodiversidade da floresta amazônica como vital para o desenvolvimento da

espécie humana. Do outro, empresários, governos, especuladores de terra,

entre outros, que veem a Amazônia como potencial energético fundamental

para o abastecimento do mercado capitalista e, consequente, desenvolvimento

econômico do país.

No primeiro momento deste estudo, há uma contextualização histórica

do conflito da construção da polêmica Usina de Belo Monte envolvendo

questões teóricas, que norteiam as discussões sobre o papel da Amazônia na

política de desenvolvimento do Brasil; os dados oficiais e não oficiais sobre a

obra; os estudos de impactos ambientais; a apresentação dos atores sociais do

conflito incluindo de forma breve o conceito de hegemonia e contra-hegemonia;

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as histórias de construção da Usina; a intensificação do conflito; as polêmicas

audiências públicas; a pesquisa científica que contesta os estudos de impactos

ambientais da obra e o que diz o governo, por meio do seu site oficial.

No segundo momento, é apresentado o Movimento Xingu Vivo para

Sempre falando da sua criação do Movimento, objetivos à política ambiental da

Amazônia, como circulam as informações do Xingu Vivo e quais são suas

fontes e qual espaço ocupa na grande mídia. Além de falar sobre a

contrainformação do Movimento trazendo conceitos sobre a importância da

internet na comunicação desenvolvida. No capítulo seguinte, é feita descrição e

análise das mídias sociais do Xingu Vivo – Site, Blog, Twitter e Facebook.

Já o último capítulo desta pesquisa trata da eficácia da comunicação do

Movimento no contexto nacional e internacional e sua importância como fonte

de informação às peças processuais elaboradas pelo Ministério Público Federal

no Pará no que diz respeito à obra. Analisa também da única pesquisa no

Estado realizada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) que apontou se a

população é a favor ou contra a obra e Belo Monte.

Por último, ainda no quarto capítulo, são mostrados os problemas que

prejudicam o melhor desempenho da comunicação do Xingu Vivo, que, são a

falta de recursos financeiros; contraditoriamente, a falta de energia elétrica nos

lares amazônidas e a exclusão digital, em especial no Pará.

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1º CAPÍTULO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CONFLITO

Desde a década de 1960, durante a construção da rodovia

Transamazônica, a Amazônia tem sido palco de conflitos sócio, econômico e

ambiental - resultado de diversos grandes projetos que o governo federal, com

apoio de empresários, especuladores de terras, entre outros, empurram “goela

adentro” para implementar na região diversas ações sob o argumento de que

os empreendimentos ajudarão no desenvolvimento e progresso do País.

Pela pujança do seu revestimento vegetal, pela riqueza e variedade de

sua fauna, pelo número da caudalosidade dos seus rios, enfim pela

exuberância e amplitude de seus cenários, a Amazônia é considerada por

Eidorfe Moreira como sendo a região de maior interesse geográfico no País.

Porém, o autor salienta que a região não é dotada somente deste

caráter peculiar, e que o aspecto econômico se sobrepõe ao geográfico.

A Amazônia é também – e sobretudo – um imenso potencial econômico, e como tal uma soma de possibilidades a serem exploradas em função de um critério racional e técnico. E é como perspectiva econômica – fato que até bem pouco tempo não passava de um mero tema literário, sem outro sentido senão o de um ufanismo retórico da nossa grandeza geográfica – que se tende a definir e fundamentar o conceito atual da região. Com efeito, a Amazônia interessa hoje em dia menos pelo que é no sentido geográfico do que pelo que significa ou promete economicamente falando. Rara é a consideração de ordem geográfica ou científica a seu respeito que não se subordine a uma preordenação econômica e não tenha nessa preordenação o seu leit motiv. (MOREIRA, 1960)

Segundo Ab´Saber Norib, o que se cometeu na Amazônia já nessa

época foi um “planejamento suicida” ou o que o autor chama de

“pseudoplanejamento”.

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A metade Norte do Brasil, foi por muito tempo o grande espaço físico e ecológico oferecido à imaginação inconsequente dos tecnocratas, destituídos de qualquer noção de escala1, senso da realidade empírica e responsabilidades pelas propostas fantasiosas colocadas em mapas. O que se cometeu de pseudoplanejamento, feito à distância [Brasília], na fase que fundamentou a abertura da rodovia Transamazônica, não tem paralelo em qualquer parte do mundo, em termo de ausência de noção de escala responsabilidade civil por propostas predatórias, e falta de conhecimento efetivo da realidade física, ecológica e social da Amazônia brasileira (...) sem qualquer proposta válida para o desenvolvimento econômico e social da região. (AB´SABER, 1996).

Essa era ganhou força na metade da década de 70, com a construção

da hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no Estado do Pará. A

incompatibilidade entre a obra e o conhecimento acumulado sobre como

aproveitar de forma inteligente grandes cursos d´água em uma região

denominada por floresta tropical não interrompeu a sucessão de grandes

barragens idealizadas para a região.

O velho enredo foi retomado com um projeto ainda mais grandioso: a

construção da Usina de Belo Monte, que integra atualmente o Complexo

Hidrelétrico do rio Xingu2, no município de Altamira, na região da

Transamazônica, no Pará. Em 1975, sob o comando dos militares que

governavam o Brasil desde o golpe de Estado de 1964, a Centrais Elétricas do

Norte do Brasil S.A (Eletronorte)3 iniciou os estudos do Inventário Hidrelétrico

da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu. Foi o primeiro passo no projeto de

construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. 1 Noção de escala: equivale realizar um estudo para determinar a vocação de todos os subespaços que compõem um certo território e efetuar o levantamento de suas potencialidades específicas ou preferenciais de cada um subespaço. Essa busca das vocações de cada, inseridas em conjunto maiores do espaço regional, exige um conhecimento do mosaico dos solos; a detecção das tendências de uso econômico ou especulativo dos espaços rurais, urbanos e reurbanos; o balanço da economicidade dos sistemas de exploração econômica; entre outros. 2 Xingu: é uma palavra indígena que significa água boa e limpa. O rio Xingu é o quinto mais caudaloso (e o sexto em extensão) rio do Brasil, que começa no Mato Grosso, no Centro Oeste, e termina no Pará, Norte do Brasil. Do rio dependem cerca de 14 mil indígenas desses estados, além de centenas de comunidades compostas por ribeirinhos, pescadores, extrativistas, quilombolas e agricultores.

3 Eletronorte: empresa estatal subsidiária da Eletrobrás com jurisdição sobre toda a Amazônia Legal.

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O Xingu é o quinto mais caudaloso e o sexto em extensão rio do Brasil

Foto: Google

Mesmo que Belo Monte gere bastante polêmica e resistência social

desde a década de 80 e, principalmente, a partir de 2009, quando o

empreendimento foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC

II), o governo federal tenta passar com rolo compressor por cima da sociedade

civil organizada, em especial os indígenas, que serão os mais prejudicados

com a obra iniciada em 2011, para implementar o projeto, que, atualmente,

conta com cerca de 25% das obras de infraestrutura já concluídas.

De acordo com o balanço do 7° ano do Programa, publicado neste ano

no site oficial do governo federal (www.brasil.gov.br), referente aos meses que

vão de entre janeiro a abril de 2013, o PAC II prevê investimentos na ordem de

mais de R$ 94 bilhões para construção de hidrelétricas na Amazônia.

São R$ 67,38 bilhões para obras em andamento (Jirau, Santo Antônio,

Belo Monte, Santo Antônio do Jari, Colider, Teles Pires, Estreito e Ferreira

Gomes) e mais R$ 26,78 bilhões em novas usinas (São Luiz do Tapajós,

Jatobá, São Manoel, Sinop).

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PAC II traz oito UHEs com obras em andamento e quatro novas à Amazônia

Mapa: 7º Balanço do PAC II

A previsão do governo federal é que a primeira das 24 turbinas da Usina

de Belo Monte comece a operar em fevereiro de 2015, e a última, em janeiro

de 2019. Devido tantas contestações por parte da sociedade civil e com a

sequência de paralisações provocadas por índios e trabalhadores, estima-se

que a obra esteja um ano atrasada. Se continuar nesse ritmo, além dos

investimentos aumentarem, a concessionária poderá perder R$ 4 bilhões em

receita.

A Usina foi orçada em R$ 16 bilhões, leiloada por R$ 19 bilhões e

financiada por R$ 28 bilhões. Quase dois anos depois do início das obras, o

valor não para de subir. Já supera R$ 30 bilhões e pode aumentar ainda mais

com as dificuldades para levar a construção adiante. Entretanto, no balanço, o

governo reconhece oficialmente R$ 28,9 bilhões.

Nos planos do governo, Belo Monte está destinada a ser a terceira maior

usina do planeta e é o maior empreendimento de geração de energia do Brasil

– superando, inclusive, Itaipu3 – servindo de primeiro passo à construção do

Complexo Hidrelétrico do Rio Xingu. Nos últimos ajustes feitos no projeto da

Usina, empreendedores estimam que Belo Monte produza 11.233,1 megawatts

(MW) de potência e geração anual prevista de 38.790.156 megawatts-hora

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(MWh) ou 4,57mil MW médios tendo fator de 43%, isto é, abaixo da média

internacional, que prevê 50%.

Dessa forma, a obra vai provocar alagamento de cerca de 640 Km² de

área de floresta (área maior que a cidade de Curitiba, com seus 435 Km²)

deixando submersas centenas de espécies de árvores de pequeno e grande

porte. Com isso, alterando a dinâmica de vida de indígenas e agricultores e

afetando a floresta e a biodiversidade local.

1.1 ESTUDOS DE IMPACTOS AMBIENTAIS

Os Estudos de Impactos Ambientais da Usina de Aproveitamento

Hidrelétrico Belo Monte (EIA/Rima)4 - que contabiliza apenas 197 páginas para

estudar tamanha área do Xingu - cabem muitas questões que intrigam quem o

lê. Uma delas é que a corredeira de água será desviada, através de canais,

para Belo Monte, onde serão colocadas as turbinas, provocando alagamento

da área Oeste, acima do Xingu, e a diminuição do volume de água na região

leste, abaixo do Rio.

EIA/Rima com apenas 197 páginas estuda tamanha área do Xingu

Foto: Cleide Magalhães

4 EIA/Rima: os Estudos de Impactos Ambientais da Usina de Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte foi elaborado pela Leme Consultoria, afiliada ao Grupo Tractebel Engineering. Foram feitos pelas empresas Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Odebrecht. A publicação foi em maio de 2009.

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Isso certamente implica em mudanças significativas, sobretudo, na vida

de dezenas de povos indígenas, que terão sua sobrevivência colocada em

risco, por conta, entre outros fatores, da diminuição de peixes no Rio, morte de

diversos animais da fauna da região e destruição de diversas áreas de plantios,

que garantem a subsistência dos povos originários da floresta.

Volta Grande - Rio Xingu, onde será construída Belo Monte

Imagem: IPAM

1.2 ATORES SOCIAIS

No contexto que envolve a polêmica Belo Monte há dois projetos

políticos ambientais que se divergem. De um lado estão povos indígenas,

agricultores, ambientalistas, intelectuais e católicos progressistas, que, em

tese, defendem a soberania e autodeterminação dos povos da região,

considerando a biodiversidade da floresta amazônica como vital para o

desenvolvimento da espécie humana.

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Os povos indígenas são os principais atores na luta contra a Usina

Foto: Google

Na outra ponta, empresários, governos, especuladores de terra, entre

outros, que veem a Amazônia como potencial energético fundamental para o

abastecimento do mercado capitalista e, consequente, desenvolvimento

econômico do país.

O conflito em torno de Belo Monte ilustra a situação tensa que costuma marcar a construção de hidrelétricas na pan-amazônia latino-americana. Com 66% do potencial hidrelétrico do Brasil – país onde está localizada a maior parte da região –, a Amazônia, pela sua própria biodiversidade, é o locus ideal para um conflito entre interesses internos e externos, que buscam através da força e do convencimento estabelecer sua hegemonia um sobre o outro. (COSTA, 2008).

Nesse sentido, não se pode deixar de fazer referência ao conceito de

hegemonia, porque nesse processo são reproduzidas as relações de poder e a

correlação de forças entre classes sociais que estão em constante disputa por

representatividade.

A hegemonia vive é sempre um processo. Não é, senão do ponto de vista analítico, um sistema ou uma estrutura. É um complexo realizado de experiências, atividades, compressões e limites específicos e mutáveis. Na prática, a hegemonia nunca pode ser singular. Suas estruturas concretas são altamente complexas e, sobretudo, não existe apenas passivamente na

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forma de dominação. Deve ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada e é continuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por pressões que não são suas. Nesse sentido, devemos acrescentar ao conceito de hegemonia aos conceitos de contra-hegemonia e hegemonia alternativa, que são elementos reais e persistentes da prática (...). (GRAMSCI, apud CHAUÍ, 1986:22)

No embate de Belo Monte, as principais informações que se divergem

entre o Estado Nacional e os movimentos sociais envolvem, principalmente,

questões de emprego, desenvolvimento e geração de energia, como observou

Maurício Santos Matos, ativista social e membro da assessoria de

comunicação do Movimento Xingu Vivo para Sempre.

O EIA/Rima traz que, ao longo do período de construção da obra, vão ser atraídas para a região 100 mil pessoas e serão gerados cerca de 40 mil empregos diretos e indiretos. Ou seja, não terá emprego para todos e resultarão em 60 mil desempregados. Outro ponto, utilizado inclusive bastante pela grande mídia, é que a obra vai impactar o meio ambiente, mas é necessária porque vai gerar desenvolvimento. Não é verdade. O EIA/Rima, em seu parágrafo final, diz que ‘mas é preciso que o projeto também se torne um projeto de desenvolvimento à região onde se pretende construí-lo’. Isto é, se também é necessário que o projeto gere desenvolvimento é porque na sua essência não o prevê isso. Quanto à geração de energia, Belo Monte vai gerar 4,5 mil megawatts. A imprensa divulga 11 mil megawatts, que é o pico de potência instalada em três ou quatro meses. Ao longo do ano, a média cai. Em razão dessa queda de energia gerada, os dados técnicos mostram que fica com 39%, sendo menos de 55% do total. Isso indica que vai ser uma hidrelétrica deficitária e contra a existência econômica de uma UHE para ser rentável. (M.S.M, informação verbal - pessoalmente).5

1.3 HISTÓRIAS DE CONSTRUÇÃO DA USINA

A Usina de Belo Monte teve início na década de 80, quando o

empreendimento ainda era denominado de Usina de Kararaô6. Mas os estudos

5 Entrevista de M.S.M., Belém, 04 de setembro de 2013. 6 Kararaô: são também conhecidos como índios Kaiapó, que vivem no Baixo Xingu, no Pará.

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começaram na década anterior e, a partir 1988, surgiram as primeiras

mobilizações sociais contra a obra, como diz Maurício:

Os primeiros estudos de levantamentos hidrográficos iniciam na década de 70. O projeto ganhou corpo na década seguinte durante o governo do então presidente José Sarney (PMDB). Em 1988 começaram as primeiras mobilizações sociais, quando o projeto começou a ser divulgado por um pesquisador do Museu Emílio Goeldi e dois indígenas, que palestraram nos Estados Unidos denunciando a obra. Em razão disso, eles foram chamados para mais uma palestra para relatar a situação do Xingu, mas quando voltaram à região foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional, que data da Ditadura Militar no Brasil. Inicia-se, assim, a cobrança da divulgação sobre as áreas afetadas.

A largada do governo poderia ter sido dada em 1989, quando o projeto

entrou pela primeira vez na agenda das decisões. Mas neste ano a Eletronorte

(chamada de “Eletromorte” pelos ativistas sociais) perdeu a batalha da opinião

pública para o movimento contrário à Usina, explicou o jornalista e pesquisador

sobre a Amazônia Lúcio Flávio Pinto:

A empresa perdeu a batalha para índios, ambientalistas, militantes políticos, e até mesmo banqueiros internacionais, assustados com o perfil negativo do complexo hidrelétrico que a estatal havia concebido. A Usina teria dois enormes reservatórios, que inundariam quase 7.500 km2 de floresta, formando o maior lago artificial do planeta, e afetando a vida de algumas comunidades indígenas. (PINTO, 2002).

É nesse ano que acontece um marco no processo de resistência ao

Complexo Hidrelétrico do Xingu. Os povos indígenas do Xingu realizaram o I

Encontro dos Povos Indígenas contando com apoio de muita gente. Chico

Mendes é assassinado em dezembro de 1988 e isso fez com que os olhos do

mundo se voltassem para a Amazônia. O evento, então, é visto como algo

grande que estaria acontecendo na região atraindo toda a imprensa

internacional.

Foi durante o I Encontro, em Altamira, no seio da região amazônica,

onde estiveram presentes cerca de três mil pessoas - entre elas o cantor inglês

Sting - que aconteceu a célebre imagem na qual a índia Kaiapó Tuíra esfregou

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um facão no rosto do técnico da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, que

desde então subiu ao posto da presidência da Eletronorte e hoje da Eletrobrás.

O flagrante correu o mundo disseminando a má fama da Usina, que, em linhas

gerais, foi tratada na mídia como uma “monstruosidade apocalíptica.”

Em protesto, índia Tuíra esfrega facão no rosto do técnico da Eletronorte

Foto: Google

A Eletronorte ainda tentou convencer a opinião pública de que não iria

além de Belo Monte e que dela tiraria toda a energia necessária para cobrir as

necessidades do País por algum tempo, ao menor de kw instalado, mas a

batalha estava perdida. O Banco Internacional para Reconstrução e

Desenvolvimento (Bird) cancelou toda a linha de financiamento às hidrelétricas

na Amazônia.

Com isso e devido toda pressão que ocorreu no I Encontro dos Povos

Indígenas, o projeto foi engavetado, e reaberto no governo de Fernando

Henrique Cardoso (PSDB) sendo estimulado pela crise nacional de

abastecimento energético imposto pelo “apagão”, que bateu à porta em 2001.

O projeto inicial foi reapresentado com novo perfil. Nele, ao invés de

represar o Xingu em sua própria calha, na grande volta que o rio dá após

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Altamira, inundando-a, se opunha a desviar a água por dois canais laterais,

diminuindo à metade a área do reservatório – de 1.300 para 650 km².

O esclarecido observador das questões sobre hidrelétricas na Amazônia

lembra ainda que para não perder de novo a guerra da opinião pública e

buscou implementar a hidrelétrica, a empresa se abriu para atender às

consultas e se antecipou aos críticos com informações, atendendo-os conforme

as regras do figurino de relações públicas com ênfase maior à inserção

regional do empreendimento.

Agora este será um dos elementos fundamentais do discurso, pró e contra, exatamente porque na Amazônia os projetos se consolidam como enclaves clássicos, de pouco ou nenhum efeito local, destinados a se multiplicar economicamente no mercado comprador de matéria prima ou insumo básico, não no sítio da produção. (PINTO, 2002)

Morbach (2006), que nos seus estudos também trata da informação e

política na Amazônia, completou:

O planejamento e execução de políticas públicas quando em relação à extensão de seus efeitos sobre as comunidades, ou quando da necessidade de difusão de valores e ideias a respeito da importância de sua execução, geralmente, são acompanhadas de campanhas publicitárias. Essas campanhas buscam amenizar os efeitos danosos dessas políticas, buscam traçar políticas de consenso, ou buscam qualificar uma importância e, quase sempre, enaltecem aqueles que tomaram a decisão de implantá-las. (MORBACH 2006)

Contudo, o governo FHC envolvido em várias frentes de batalha, como

eleitoral e a crise econômico-financeira, desistiu de lançar o edital da

concorrência antes de terminar seu mandato, em 2002.

1.4 INTENSIFICA O CONFLITO

Mas é a partir de 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),

que, de fato, o projeto polêmico de Belo Monte é desengavetado trazendo novo

modelo: não mais com as cinco hidrelétricas e duas barragens ao longo do rio

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Xingu, mas somente Belo Monte, tendo como discurso que não haveria toda

aquela devastação.

O conflito se intensifica a partir de 2003 durante o governo Lula

Foto: Site Xingu

É também nessa gestão federal que o Movimento Xingu Vivo para

Sempre avalia que se intensifica o conflito acerca de Belo Monte junto aos

movimentos sociais. Assim, vale resgatar observação de Dion Monteiro,

economista e componente do Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo

para Sempre.

De 2003 aos dias atuais, o governo federal implementa uma política econômica que mistura o nacional desenvolvimentismo (marcado pela abertura das fronteiras e grandes projetos na Amazônia, implementados pela Ditadura Militar) e o liberalismo. É um liberal desenvolvimentismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que atende a liberação das taxas de juros, pagamento da dívida, traz a implementação de hidrelétricas, mineração, agronegócio, entre outros, na região. A intensificação do conflito da Usina junto aos movimentos sociais se dá a partir da implementação dessa compreensão de desenvolvimento econômico e social no Brasil, que se fortalece com a chegada do PT ao poder. (D.M, informação verbal - pessoalmente).7

7 Entrevista de D.M., Belém, 04 de setembro de 2013.

Page 24: Tccxinguvivo versaofinal

24

Dezesseis anos depois, em agosto de 2005, os estudos foram

retomados. A Eletrobrás firmou acordo de cooperação com as construtoras

Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa para a conclusão

dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da Usina.

Quase vinte anos depois que a índia Kaiapó Tuíra encostou um facão no

rosto de José Antônio Muniz Lopes, o conflito entre povos indígenas e

defensores da construção de usinas hidrelétricas às margens do Rio Xingu, no

Estado do Pará, ganhou mais um capítulo.

A data foi 20 de maio de 2008, durante o encontro Xingu Vivo para

Sempre, no município de Altamira, o engenheiro da Eletrobrás, Paulo Rezende,

foi agredido e ferido por índios da etnia Kaiapó, quando defendia a construção

da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em meio às críticas de intelectuais,

católicos progressistas, ambientalistas e dos movimentos contrários

desenvolvidos por índios e pelos povos originários da floresta.

Engenheiro da Eletrobrás é agredido por Kaiapós ao defender a obra

Foto: Google

1.5 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

Em 2009, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto

Ambiental foram entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Page 25: Tccxinguvivo versaofinal

25

Recursos Naturais Renováveis (Ibama)8. O licenciamento ambiental, entre

outras questões, previa a realização de audiências públicas, às quais a

sociedade civil organizada deveria ser convocada antecipadamente para

discutir o assunto.

Mas, segundo o Movimento Xingu Vivo para Sempre, durante as

audiências - que ocorreram em quatro municípios do Estado - a população teve

poder de intervenção bastante limitado, sobretudo pela falta de transparência

da gestão pública federal quanto às informações a respeito do tema e a

presença de agentes da Força Nacional.

Ativistas ocupam “Eletromorte”, em Belém, e entregam a “Carta em Defesa da Vida”

Foto: Blog Xingu Vivo

A problemática quanto às formas antidemocráticas de realização das

audiências seria o fator que acirrou, ainda mais, o conflito entre o governo

federal e o Movimento, como explicou Marquinho Mota, ativista social e

membro do setor de comunicação da entidade, que hoje representada mais de

100 instituições no País.

8 Ibama: órgão brasileiro responsável pela análise dos documentos e posterior emissão das licenças para a realização do leilão e obras da hidrelétrica.

Page 26: Tccxinguvivo versaofinal

26

Em 2008 e 2009, ocorreram audiências em Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo. A última aconteceu em Belém dia 15 de setembro, no e centenas de pessoas, representantes de ONGs, movimentos sociais, lideranças indígenas e pesquisadores foram impedidos de entrar no local por agentes da Força Nacional, que estiveram presentes em todas as sessões. A alegação dos policiais que bloqueavam a entrada era de que a sala já estava lotada. Nas audiências foram apresentados documentos que questionavam a obra, mas não reconhecidos pelo Ibama. O Comitê Xingu Vivo, Fórum Social Pan-Amazônico e Fórum da Amazônia Oriental mobilizaram as outras entidades em Belém. A mobilização foi para atender ao apelo do Movimento em Altamira, estávamos sem recursos, mas fizemos toda articulação por telefone e pela internet. (M.M, informação verbal - pessoalmente).9

Observa-se, assim, que mesmo que a Amazônia esteja em outro

momento de sua história quanto à implementação de grandes projetos - já que

o assunto gera discussão e mobilização da sociedade civil organizada pela

internet principalmente pelas redes sociais-, a forma de exclusão da sociedade

nas decisões políticas e ambientais para a região mantém-se similar à estrutura

de poder do período da Ditadura Militar no Brasil, quando a definição era

tecnocrata, ou seja, de cima para baixo.

Mas para a surpresa do Movimento e do governo, salientou Marquinho

Mota, a articulação online conseguiu atrair cerca de 400 pessoas para

audiência na capital criando um fato político, que marcou a história de lutas do

Xingu Vivo e serviu de pontapé para a manutenção de suas ações de protesto.

O Ministério Público Estadual (MPE) se retirou do local no meio da audiência, em solidariedade ao direito dos povos indígenas e das populações locais de participarem do processo. A parir desse momento, sentimos necessidade de fazer mais articulação para discutir sobre Belo Monte, pois, até então, o tema estava fora da pauta na mídia em Belém. Um mês depois, 15 de outubro, criamos o Comitê Xingu Vivo e nossas ações continuam até hoje.

9 Entrevista de M.M., Belém, 04 de setembro de 2013.

Page 27: Tccxinguvivo versaofinal

27

1.6 PESQUISA CIENTÍFICA QUESTIONA EIA/RIMA

Ainda em 2009, cinco meses após a versão final de o EIA/Rima ser

entregue ao Ibama, chegou ao Instituto e ao MPF um relatório alternativo

intitulado “Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento

Hidrelétrico de Belo Monte”. A pesquisa, contendo 230 páginas, foi elaborada

por mais de 40 pesquisadores de diversas áreas que compõem o Painel de

Especialistas, ligado a universidades e centros de pesquisas nacionais e

internacionais.

O documento, que o governo aparentemente não quis ouvir, traz análise

detalhada dos estudos de Belo Monte e levanta várias interrogações, que

segundo o Movimento, ainda estão sem respostas, e pontuou diversas

questões que teriam sido abordadas de forma incorreta ou inconsistente no

EIA/Rima.

Mesmo com todo o processo de resistência que existe contra a

construção da Usina de Belo Monte, no início de 2010, o governo brasileiro

emitiu a chamada Licença Prévia (LP) que autoriza o leilão de Belo Monte.

Além das empreiteiras já citadas, apoiaram o processo o grupo francês GDF

Suez; importantes grupos eletro-intensivos e mineradores, como Votorantim,

Vale e Alcoa; diversos empresários; governadores; prefeitos e parlamentares.

Mais uma vez na história da Amazônia o governo brasileiro passou com

rolo compressor e iniciou as obras de infraestrutura da Usina de Belo Monte em

2011, no governo de Dilma Rousseff (PT), e já tem 25% concluídas, segundo o

7º Relatório do PAC II.

Page 28: Tccxinguvivo versaofinal

28

Caciques partem para vistoriar canteiro de obras da Usina de Belo Monte

Foto: Site Xingu

Entretanto, todas as ações governamentais provocaram reações e a

sociedade civil organizada, que já realizou diversas manifestações pelo Brasil

reunindo milhares de pessoas contra a Usina.

Ativistas e indígenas vão às ruas de Belém protestar contra Belo Monte

Foto: Blog Xingu Vivo

Page 29: Tccxinguvivo versaofinal

29

Contudo, ao longo de parte desse tempo, dezenas de ações nos mais

diversos campos sociais foram impetradas contra a Norte Energia S.A10, pelo

Ministério Público Estadual e Federal, e organizações da sociedade civil.

Algumas delas visam impedir a construção de Belo Monte. Outras objetivam

apenas corrigir as graves irregularidades cometidas pela empresa, Agência

Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Empresa de Pesquisa Energética, Ibama

e Fundação Nacional do Índio (Funai), além de vários entes públicos e privados

envolvidos na obra.

Movimento amplia e protestos também acontecem no Rio de Janeiro

Foto: Google

Uma das mais recentes ação, em meados de setembro de 2013, foi da

Funai solicitando aplicação de multa à Norte Energia S.A. ou o cancelamento

da licença de instalação da obra, porque a empresa teria dito que não iria

cumprir uma das condicionantes do empreendimento, que é a compra de terras

10 Norte Energia S.A: é formada por empresas estatais e privadas do setor elétrico, fundos de pensão e de investimento e empresas autoprodutoras, para construir e operar a Usina Hidrelétrica Belo Monte. Ela é executora da obra (19,9%); Elerobras (15%); Chesf (15%); Petros (10%); Funcef (5%); Amazônia - Cemig e Light (9,7%); Neoenergia (10%); Vale (9%); Sinobras (1%); Caixa FIP Cevix (5%) e J. Malucelli Energia (0,25%).

Page 30: Tccxinguvivo versaofinal

30

para os índios Jurunas, do quilômetro 17, da Aldeia Boa Vista, impactados de

forma direta pelo desenvolvimento de Belo Monte.

Assim, Dion avalia que Ditadura Militar oficialmente terminou no Brasil,

mas na Amazônia não, uma vez que ainda hoje a implementação dos projetos

acontecem sem que sejam ouvidos os anseios da população local, a qual fica

às margens do dito desenvolvimento socioeconômico brasileiro restando

mazelas e convulsões sociais na região.

Todos os projetos são implementados na mesma forma: com autoritarismo, a militarização da Força Nacional na região junto a pesquisadores que fazem estudo na Amazônia. Em uma avaliação técnica séria - e não política- a licença de instalação da Usina de Belo Monte já seria cassada há muito tempo, porque para que aconteça o funcionamento da Usina é preciso que as condicionantes sejam garantidas, e isso não ocorre. A decisão de construir barragens na Amazônia é política, e não técnica. Por isso tem que ser feito para pagar dívida de campanha do governo federal.

1.7 O QUE DIZ O GOVERNO

Nas ferramentas de comunicação na internet o governo federal e as

empresas que constroem Belo Monte a utilizam apenas para informar sobre a

obra, entretanto, não há um espaço para debate público sobre a Usina. No site,

para justificar a construção da Usina, o governo federal afirma que a UHE Belo

Monte vai aumentar a oferta de energia e garantir mais segurança ao Sistema

Interligado Nacional (SIN).

Da energia produzida por Belo Monte, 70% deverão ir para 27

distribuidoras localizadas em 17 estados. Dez por cento, às empresas

autoprodutoras no Pará e sócias do empreendimento e 20%, para o mercado.

As indústrias não receberão energia subsidiada.

O Sítio Pimental, que terá a barragem principal, fica a 40 quilômetros de

Altamira e o Sítio Belo Monte, onde está localizada a casa de força principal,

fica a 52 quilômetros da cidade. O site traz ainda que para obter a licença de

instalação, o empreendimento teria se comprometido a atender a uma série de

exigências feitas pelo Ibama.

Page 31: Tccxinguvivo versaofinal

31

Ao todo, são 14 planos de ação governamental, envolvendo 54

programas e 86 projetos para o desenvolvimento regional nos cinco municípios

da área de influência direta da usina (Altamira, Brasil Novo, Senador José

Porfírio, Vitória do Xingu e Anapu). Além disso, consta no site do governo:

A obra não inundará terras indígenas, nem terá impacto direto sobre esses territórios, apesar da mudança de vazão na área da Volta Grande do Xingu. Mesmo assim, o hidrograma proposto não deve alterar as condições das etnias Juruna e Arara, que habitam a área. Os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica referentes ao meio ambiente, bem como às populações indígenas e aos ribeirinhos, foram identificados no EIA para a elaboração do Projeto Básico Ambiental e do Projeto Básico Ambiental da Componente Indígena (PBA-CI).

O governo diz ainda que a Norte Energia S.A. também teria o

compromisso de investir ao longo de 20 anos R$ 500 milhões no Plano de

Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), que “promove

projetos de interesse regional propostos, discutidos e aprovados pelas próprias

instituições, oficiais ou não, com foco na região do Xingu e Transamazônica”. O

governo federal, por meio de seus programas, ficou de investir na região e no

mesmo período cerca de R$ 3 bilhões.

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2º CAPÍTULO

1 O QUE É O MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE

Diante de todo esse conflito, o Movimento Xingu Vivo para Sempre é

um instrumento de defesa das comunidades e, segundo MPF, cronista de uma

série de absurdos e irregularidades que ocorrem na região. É formado por um

coletivo que congrega mais de cem organizações e movimentos sociais e

ambientalistas da região de Altamira e das áreas de influência do projeto da

hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que, historicamente, se opuseram a

instalação da obra no rio Xingu.

Além de contar com o apoio de organizações locais, estaduais,

nacionais e internacionais, o MXVPS agrega entidades representativas de

ribeirinhos, pescadores, trabalhadores e trabalhadoras rurais, indígenas,

moradores de Altamira, atingidos por barragens, movimentos de mulheres e

organizações religiosas e ecumênicas.

O coletivo que congrega mais de cem organizações e movimentos sociais

Foto: Blog Xingu Vivo

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33

O MXVPS realiza ações em oposição ao governo federal e empresários

quanto à instalação da Usina e questiona também sobre os demais projetos

hidrelétricos públicos já feitos e os que estão previstos para a Amazônia.

Hoje compõe o Fórum de Discussão, Debate e Ação do Movimento mais

de cinquenta organizações diversificadas como movimento estudantil,

coletivos, central e movimento sindical, partidos de esquerda, anarcopunks,

institutos de pesquisa, fóruns que discutem as questões amazônicas,

pesquisadores, entre outros.

Segundo Antônia Melo, membro da coordenação do Movimento Xingu

Vivo para Sempre, em Altamira, em 1989, a denominação do Movimento era

Sobrevivência da Transamazônica. Há cinco anos, quando ocorreu o II

Encontro dos Povos Indígenas, no município, os participantes proclamaram

para o atual nome.

Xingu Vivo foi criado oficialmente a partir da fundação do seu Comitê,

após a realização da audiência pública11 em Belém, 15 de setembro de 2009,

depois que centenas de pessoas, representantes de ONGs, movimentos

sociais, lideranças indígenas e pesquisadores teriam sido impedidos de entrar

na sessão, ocorrida na Fundação Cultural Tancredo Neves (Centur), por

agentes da Força Nacional, que estiveram presentes em todas as quatro

audiências feitas na região. Foi o que relatou Maurício Matos, ativista social e

membro da assessoria de comunicação do Movimento, em Belém.

11 Audiência pública: Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a audiência pública é um processo de avaliação de impacto ambiental é revestido de caráter público. Nesse sentido, incorpora a participação social, por meio da realização de consultas públicas que balizam o processo decisório sobre a viabilidade ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente poluidores. É a forma de consulta pública usual no processo de licenciamento e tem por objetivo a divulgação para a sociedade das informações sobre o projeto e discussão do EIA/Rima. Dependendo do tipo de empreendimento e seu impacto, podem ser realizadas uma ou várias audiências públicas com a finalidade de informar, esclarecer e coletar subsídios junto à sociedade sobre o empreendimento ou atividade em processo de licenciamento.

Page 34: Tccxinguvivo versaofinal

34

O Movimento foi criado em razão da existência desse conflito no rio Xingu. É uma forma de resistirmos à tentativa de implementação das hidrelétricas no Rio. As audiências públicas é o início desse conflito, porque são meras formalidades para cumprir a legislação, há nelas a falta de democracia, o uso do aparato policial tentando impedir os movimentos a participarem. (A.M, informação verbal – por telefone).12

Movimento Xingu Vivo para Sempre exibe faixas em protesto pelas ruas de Belém

Foto: Blog Xingu Vivo

Dion Monteiro afirmou que o Movimento ainda não tem uma proposta

política ambiental consensuada para a Amazônia, mas lista o que precisa ser

feito - de forma imediata - pelo governo federal para beneficiar a região e sua

população: suspensão de todas as barragens e projetos de mineração

pensados para a Amazônia; repotenciação das usinas hidrelétricas mais

antigas que existem; mais investimento em energia eólica e solar e a

substituição das linhas de transmissão por cabos com novas tecnologias.

12

Entrevista de A.M., Belém, 04 de outubro de 2013.

Page 35: Tccxinguvivo versaofinal

35

Algumas propostas de Projetos de Emenda Constitucional e Decretos do governo junto a outras medidas que dão suportes a estas mostram bem as parcerias que existe com multinacionais e público-privada para exploração de áreas na Amazônia sem recuperação e definição a partir da diversidade da região. Por isso, avaliamos quer a política ambiental do governo é arcaica, retoma o que havia de pior no estado de recessão e propicia todos os problemas ambientais vistos no mundo. Ainda não temos uma proposta ambiental consensuada, mas nosso objetivo é conciliar os interesses ambientais, econômicos e sociais sem que haja supremacia do econômico sobre os outros elementos, mas que exista um equilíbrio. Assim, ao longo desse tempo, toda ação do governo provoca reação no Movimento e realizamos atos, manifestações e ocupações para protestar.

Marquinho Mota completou:

Não há política ambiental do governo. O que há é o desmonte de uma política e de conquistas históricas dos povos quilombolas, indígenas e extrativistas adquiridas na Constituição Federal de 1988. Esses projetos do governo rasgam acordos internacionais feitos pelo Brasil, como é o caso da Convenção 69 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a oitiva das comunidades indígenas afetadas13, a qual, no caso de barragens e mineração em terras indígenas, traz que os povos atingidos tem o direito de decidir se aceitam ou não os grandes projetos – o que não é respeitado nos projetos implementados na região. O governo brasileiro traz na oitiva que vai ouvir o que os indígenas sugerem, para que as coisas não sejam ruins e supostamente alteraria o projeto, mas nunca abortar o projeto. Na verdade, as consultas indígenas do governo brasileiro são somente para cumprir protocolo, mas o estado não vai ouvi-los.

13 Oitiva indígena: a oitiva às comunidades indígenas faz referência o parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal é claramente um tipo de consulta prévia. A oitiva se refere à obrigação do Congresso Nacional de consultar sobre uma decisão que evidentemente afeta povos indígenas, como o é o aproveitamento do potencial hidrelétrico de rios em terras indígenas. Dita obrigação, de origem constitucional, está complementada e reforçada pelo artigo 6º da C - 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada e incorporada na legislação brasileira no ano de 2003 e pelos artigos 19 e 32 da Declaração das nações Unidas sobre os Direitos dos Povos (DNUDPI) aprovada pelo Brasil em 2007.

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36

1.1 A CIRCULAÇÃO DA CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO

Para o enfrentamento do conflito em torno de Belo Monte, o Movimento

Xingu Vivo para Sempre criou instrumentos alternativos de comunicação com

objetivo de difundir a contrainformação acerca do assunto indo de encontro ao

poder hegemônico para defender suas ideias ambientais à região.

A iniciativa, enfatizou Marquinho, foi devido, especialmente, à falta de

transparência do governo federal nas informações e licitações da obra, na

utilização dos recursos públicos e impactos ambientais irreversíveis causados à

floresta.

A partir da comunicação, queremos cumprir o papel de informar à sociedade os reais interesses que existem por de trás de Belo Monte, a quê e a quem a Usina servirá. Buscamos mostrar, ainda, o posicionamento dos povos indígenas em relação à Usina, alertando o que poderá ocorrer, caso o governo federal insista em agredir a floresta, e às pessoas que moram na Amazônia.

Na opinião do procurador federal da República do Ministério Público

Federal (MPF) no Pará, Felício Pontes, que atua no caso desde 2011, quando

a primeira ação foi interposta pelo MPF, a falta de informações dos gestores

públicos e empresas envolvidas compromete a democracia do País.

Além das informações, que deveriam ser publicadas pelo governo e empresas responsáveis, a questão de Belo Monte mostra como o descaso do governo com as informações produzidas pela sociedade também é uma violação aos direitos humanos. A sociedade tem direito de saber como os governantes estão atuando e também de ser ouvida. Isso não somente fere a democracia, mas acaba com ela. Sem informação não há diálogo, e a democracia se sustenta no diálogo, na construção conjunta de um país. É preciso lembrar que, além de Belo Monte, o governo está construindo ou em vias de tentar construir diversas outras hidrelétricas na Amazônia. As perguntas que o MPF, movimentos sociais e pesquisadores fazem são: qual o impacto que essas obras podem gerar juntas? Quais as consequências dos impactos se ocorrerem cumulativamente? Não há uma linha de informação do governo sobre isso. A informação é vital, porque mostra ao mundo todo o que a irresponsabilidade dos gestores públicos pode causar na Amazônia. (F.P, informação por e-mail).14

14

Entrevista de F.P., Belém, 15 de outubro de 2013.

Page 37: Tccxinguvivo versaofinal

37

A principal fonte de informação do Xingu Vivo são as 230 páginas

elaboradas por mais de 40 pesquisadores de diversas áreas que compõem o

Painel de Especialistas, ligado a universidades e centros de pesquisas

nacionais e internacionais, que contrapõem diversas questões que constam no

EIA/Rima.

Todavia, os questionamentos científicos são simplesmente ignorados e

jogados para debaixo do tapete, comentou Felício Pontes:

Movimentos sociais, MPF, Defensoria Pública, estudantes, acadêmicos, institutos de pesquisa, organismos nacionais e internacionais de defesa das leis e dos direitos humanos estão todos os dias produzindo mais e mais informações, estatísticas, projeções e análises sobre o caso, mas, infelizmente, essa massa de dados é ignorada pelo governo, empresas responsáveis pela obra e pela Justiça. A batalha de Belo Monte é comunicacional, jurídica, política, educacional, financeira. Não podemos negar o aspecto cultural envolvido: ainda vivemos em uma sociedade que considera que obras de grande porte são sinônimas de progresso, apesar das diversas indicações de pesquisas que mostram que o desenvolvimento só merece esse nome se for sustentável.

É também a partir, principalmente, do Fórum de Discussão, Debate e

Ação que as informações circulam no Movimento e são trabalhadas para serem

utilizadas nas diversas formas de comunicação, em especial pela internet. A

finalidade é que o Xingu Vivo possa se comunicar com diversos setores, como

a academia e a sociedade em geral. Para isso, realiza reuniões periódicas para

definir estratégias de ação para cada período, pois as ações são dinâmicas.

Antônia Melo ressaltou também que o Movimento entende que a

comunicação deve estar vinculada a outras frentes e busca dialogar com três

delas: científica, a qual mune de pesquisa e informações o Movimento; política,

que conversa com o trabalhador, agricultor, indígena e ribeirinho, e busca ouvir

o que acontece na base social e qual o desejo de quem está sendo agredido

pelos impactos; e jurídica, na qual o governo apresenta propostas que são

analisadas, contrapostas com a legislação existente, e, em contrapartida, o

conteúdo, a intenção e a proposição são denunciadas pelo Xingu Vivo.

Page 38: Tccxinguvivo versaofinal

38

A comunicação nos ajuda a avançar. Sem a consistência e elementos concretos para dialogar com os setores ficaria complicado. Por isso, entendemos a comunicação vinculada às outras frentes. A da comunicação é importante e verbera as demais em todos os cantos. É fundamental entender a comunicação não desvinculada dos outros elementos e temos conseguido isso. Toda semana há grupos de pessoas nacionais e internacionais em Altamira produzindo documentários e reportagens sobre a problemática. Temos levado o assunto para palestras, encontros e outros eventos. Isso é resultado do trabalho desenvolvido pela comunicação, que também nos ajuda na sensibilização social e resistência do movimento.

1.2 ESPAÇO DO MOVIMENTO NA GRANDE MÍDIA

Entretanto, a difusão do debate público sobre a obra que o Movimento

Xingu Vivo visa desenvolver praticamente não tem espaço na grande imprensa,

já que historicamente os meios de comunicação no Brasil estão concentrados

nas mãos de poucas famílias que representam interesses políticos e

econômicos específicos e fortes. Dion Monteiro considera essa luta árdua e

desigual:

A luta da comunicação é árdua e desigual, e ainda não há necessidade de se construir outras formas de discussão na grande mídia, uma vez que o Movimento contesta o modelo de desenvolvimento e a proposta da política, econômica e ambiental do governo federal, apoiado por políticos e empresários, os quais, geralmente, são proprietários de grandes grupos de comunicação no País.

Em poucas ocasiões o Movimento Xingu Vivo conseguiu furar o bloqueio

da grande imprensa, e, na maioria das vezes, sofre discriminação. Foi o que

observou Mota.

A gente não está na grande imprensa, e quando entramos somos criminalizados, acusados de sermos os mesmos de sempre, que só sabemos reclamar e não queremos o progresso do País. Os três pontos que são pilares do que contestamos sobre Belo Monte (emprego, desenvolvimento à região e geração de energia) são os principais discursos da mídia em prol da Usina.

Page 39: Tccxinguvivo versaofinal

39

Nesse contexto, é fundamental compreender o papel da comunicação

como mecanismo facilitador da ampliação da cidadania e, consequentemente,

efetivação de direitos, como a garantia de acesso à informação mais próxima

da realidade acerca da política ambiental do governo federal quanto à

construção de Belo Monte.

Para isso, é preciso entender a complexidade do campo da

comunicação na sociedade contemporânea ocidental, na qual a mídia passou a

ser o palco privilegiado das relações de poder. Este campo é caracterizado por

uma relação recíproca de autonomia e, ao mesmo tempo, de interferência com

outros campos sociais (político, econômico, religioso, científico, entre outros) e

pode determinar o perfil da informação divulgada, o exercício da cidadania e

até mesmo a formulação de políticas públicas, considerando o contexto

político, social econômico em que a informação foi divulgada (MAIA, 2006).

Assim, vale resgatar observação de mais autores como Morbach (2006),

que destacou outra determinação importante trazida pelo advento dos mídias à

política e que está na visibilidade destes.

Os mídias são importantes na difusão dos interesses dos grupos políticos e na difusão de políticas públicas por estabelecer relações de interdependência entre as linguagens próprias a estes meios e a forma de difusão da política; como que desenvolver uma nova cultura política resultaria naquilo que Thompson (1995, p. 12) denomina de ‘midiação da cultura moderna’ em que a transmissão das formas é sempre mais mediada pelos aparatos técnicos e institucionais da indústria da mídia. (MORBACH, 2006).

Maia (2006) também trata da temática e destaca que é nos espaços

midiáticos que as interações políticas tomam força, pela abrangência e

simultaneidade da informação, o que pode causar uma reorganização nos

processos de aprendizagem e de mobilização.

Page 40: Tccxinguvivo versaofinal

40

1.3 A CONTRAINFORMAÇÃO DO MOVIMENTO

Foi também por esse fator que, nesse processo de enfrentamento, o

Movimento criou diversos instrumentos de comunicação na mídia alternativa

atuando, principalmente, pela internet, por meio das redes sociais como o Site

Xingu Vivo (www.xinguvivo.org.br), Blog Xingu Vivo para Sempre – Comitê

Metropolitano (www.xingu-vivo.blogspot.com.br), Twitter

(www.twitter.com/xinguvivo) e Facebook (Xingu Vivo), além de agir em rede

junto a dezenas de entidades, através de e-mail.

Além de servirem de canais de comunicação com o mundo, essas

mídias também propiciam oportunidades de discussão sobre as hidrelétricas na

Amazônia e seus impactos social, ambiental e cultural na região e no mundo.

Assim, a internet tem sido elemento fundamental para a formação de

outros discursos ou da contrainformação do Movimento Xingu Vivo para

Sempre, uma vez que esta é um espaço público de debate e qualquer pessoa

pode ser emissor e receptor – diferente do que ocorre na comunicação de

massa, como avaliou Gomes:

A comunicação possibilitada pela internet distingue-se da comunicação executada pelos meios de comunicação de massa porque na comunicação mediada por computadores, a qualquer momento, sem autorização social e sem grandes investimentos em recursos (a) qualquer sujeito pode se tornar emissor, (b) qualquer receptor pode se tornar emissor e vice-versa, (c) qualquer receptor pode se tornar em provedor de informação, produzindo informação e distribuindo-a por rede ou simplesmente repassando informações produzidas por outro. (GOMES, 2005)

Segundo Marquinho Mota, o melhor resultado da comunicação do

Movimento pela net já resultou em milhares de pessoas nas ruas no dia 20 de

agosto de 2011, quando ocorreu o Dia Mundial contra Belo Monte.

Page 41: Tccxinguvivo versaofinal

41

Conseguimos com que mais de vinte países se mobilizassem contra a Usina. Em Belém, pelo menos cinco mil pessoas foram às ruas para ato político. A mobilização aconteceu pela internet, via Facebook e Blog. Não tínhamos dinheiro para fazer anúncio nem outdoor. Nossas mídias sociais são alimentadas por uma galera jovem que entende como funciona e faz estardalhaço.

Nesse sentido, considerando o desenvolvimento técnico-científico, a

internet obtém papel fundamental na organização dos processos de resistência

e contrainformação, conforme assegura Gomes (2005):

No rol das vantagens políticas na internet, insiste-se com frequência nas novas possibilidades de expressão que permitem a um cidadão ou a um grupo da sociedade civil alcançar, sem maiores mediações institucionais, outros cidadãos, o que promoveria uma reestruturação, em larga escala, dos negócios públicos e conectaria governos e cidadãos. Nesse sentido, a internet pode desempenhar um papel importante na realização da democracia deliberativa, porque pode assegurar aos interessados em participar do jogo democrático dois dos seus requisitos fundamentais: informação política atualizada e oportunidade de interação. (GOMES, 2005).

O autor ainda acrescentou:

A informação política disponível na internet tornou-se rápida, fácil, barata e conveniente, e é frequentemente desprovida das ações dos meios industriais de comunicação, o que significa que, em geral, não é distorcida ou alterada para servir aos interesses particulares, nem a forças do campo político nem à indústria da informação. (GOMES, 2005).

Page 42: Tccxinguvivo versaofinal

42

3º CAPÍTULO

1 AS MÍDIAS SOCIAIS DO MOVIMENTO XINGU VIVO

Há pelo menos quatro anos, as mídias sociais do Movimento Xingu Vivo

para Sempre – Site, Blog, Twitter e Facebook – foram criadas para fazer frente

ao discurso do Estado Nacional sobre Belo Monte e seus links estão presentes

nas ferramentas de comunicação de diversas entidades parceiras dando

acesso cada vez mais a novas pessoas.

Essas ferramentas têm proporcionado a tão sonhada liberdade de

expressão e acesso à informação para quem as buscam atraindo milhares de

seguidores, entre pessoas físicas de diversas idades, formação e status social,

e entidades de dentro e fora do País. Ambos utilizam os espaços para fazerem

debates e articulações contra Belo Monte e às demais hidrelétricas em

andamento e previstas para o País, especialmente à Amazônia.

1.1 SITE

O site (www.xinguvivo.org.br) do Movimento Xingu Vivo contava, até o

dia 16 de outubro de 2013, com mais de 21 mil pessoas que o curtiram. O

espaço foi criado há cerca de três anos e atualmente é administrado por um

profissional da comunicação que atua de forma voluntária, em São Paulo.

O site apresenta os links “Ação”, “Notícia”, “Documentos”, “Deu na

Imprensa”, “Compartilhe”, “Quem Somos” e “Contatos”. Os principais

destaques em “Documentos” são respostas às perguntas frequentes dos

internautas; impactos sociais, econômicos e ambientais; projeto; histórico;

cronologia de um desastre anunciado; soluções e alternativas; questões

jurídicas e análises técnico-jurídicas sobre Belo Monte.

Além de trazer na sua página principal o link “Apoie o Xingu Vivo”, que

serve para receber doações de quem quiser colaborar com o Movimento, e em

“Newsletter” a pessoa pode preencher seu cadastro para receber por e-mail

informações sobre o Movimento contrário a Belo Monte.

Page 43: Tccxinguvivo versaofinal

43

O site traz informações dos atores sociais que se opõem à obra

Imagem: Site Xingu Vivo

O espaço eletrônico conta também com uma sessão específica de

audiovisual trazendo vídeos e documentários que tratam de Belo Monte e

questões relacionadas aos direitos humanos produzidos por várias entidades,

como “Democracy: União e Luta” e “Vozes do Xingu”. Além de banco de

imagens que trazem principalmente as mobilizações realizadas pelo País e

cadastro para Flickr para aquisição de fotografias.

À página virtual matérias jornalísticas também são produzidas e

publicados textos de colaboradores provenientes de organizações da

sociedade civil organizada com objetivo de estimular o debate sobre os fatos.

Muitas delas contam com comentários de pessoas interessadas nos assuntos e

viram longas conversas e debates.

1.2 BLOG

O blog (www.xingu-vivo.blogspot.com.br) é mais um espaço de busca de

informações sobre Belo Monte. Criado em 2009, quando foi fundado o Comitê

Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, o qual ganhou força a partir da

realização das polêmicas audiências públicas ocorridas na capital paraense e

em três municípios da região do Xingu.

Page 44: Tccxinguvivo versaofinal

44

O blog é mais uma das ferramentas de comunicação do Xingu Vivo

Imagem: Blog Xingu Vivo

O blog não conta com publicações diárias, mas se verifica que cada

postagem ocorre, em média, no intervalo de duas semanas. O espaço

contabilizava, em 16 de outubro de 2013, mais de 190 mil acessos, 465

membros como seguidores e um total de 803 postagens, das quais 345

somente em 2011, quando o Movimento realizou caminhada e ocupou a sede

da Eletronorte, em Belém, para entregar à direção da empresa a “Carta de

Belém” contendo reivindicações sobre a construção da obra.

Neste ano já somam 123 postagens. A última delas foi publicada em 3

de outubro e trouxe a carta aberta ao mundo com o título “Ataque aos povos

indígenas, criminalização aos ativistas sociais e a aliança do bispo de Itaituba-

PA com o da capital”, assinada por dezenas de entidades.

A página é alimentada por jovens que participam do Movimento e traz

notícias jornalísticas, fotos, manifestos e cartas elaboradas principalmente

pelos atores sociais que estão envolvidos na problemática, em especial os

indígenas. Além de contar com a colaboração das entidades que fazem parte

do Movimento.

O blog Xingu Vivo disponibiliza também espaço para publicação de

vídeos e documentários, e uma gama de links que levam a endereços

eletrônicos de organizações locais, nacionais e internacionais que têm como

Page 45: Tccxinguvivo versaofinal

45

foco de atuação a luta contra as hidrelétricas na Amazônia e a defesa dos

direitos humanos.

Todo o conteúdo do blog é levado por meio de links e notas divulgadas

também pelas redes sociais como o Twitter e o Facebook do Movimento.

1.3 TWITTER

Até 16 de outubro de 2013, o Twitter (twitter.com/xinguvivo) do Xingu

Vivo tinha 8,4 mil seguidores e apresentava postagens praticamente todos os

dias. A maior parte do conteúdo do Twitter são informações contidas também

no site e blog do Movimento. Entretanto, em forma de notas seguidas de links

que dão acesso à notícia na íntegra. A mídia social disponibiliza também fotos

e vídeos presentes nas demais ferramentas de comunicação na internet.

O Twitter também é utilizado para difundir a contrainformação

Imagem: Twitter Xingu Vivo

1.4 FACEBOOK

O Facebook é a ferramenta de comunicação mais recente em que o

Movimento está presente por meio do perfil do Comitê Xingu Vivo, em Belém.

Nele, também até o dia 16 de outubro, havia 4,3 mil pessoas físicas e

instituições adicionadas como amigos e 696 fotos publicadas. Essa mídia social

Page 46: Tccxinguvivo versaofinal

46

é mais utilizada pelo Movimento para postagens e compartilhar links de notícias

publicadas no site, blog e twitter do Xingu Vivo. Além de baneres que visam a

mobilização social na internet relacionada não somente às hidrelétricas, mas

diversas causas sociais no Brasil e no mundo.

O Facebook conta com milhares de amigos do Movimento

Imagem: Facebook Xingu Vivo

Page 47: Tccxinguvivo versaofinal

47

4º CAPÍTULO

1 A EFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO DO XINGU VIVO

1.1 MOBILIZAÇÕES

1.1.1 Nacional

Um dos maiores êxitos da comunicação do Xingu Vivo dentro e fora do

País foi no Dia Mundial de Luta Contra Belo Monte, 20 de agosto de 2011,

quando milhares de pessoas foram às ruas das principais capitais brasileiras se

posicionarem contrários à construção da Usina. Em Belém, eram pelo menos

cinco mil manifestantes.

A comunicação do Xingu mobiliza pessoas dentro e fora do País

Foto: Site Xingu Vivo

Outra importante mobilização nacional, com apoio do Movimento, reuniu

em um abaixo-assinado mais de 500 mil assinaturas de brasileiros e

estrangeiros contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Cerca de 100

pessoas entre índios, comunidades ribeirinhas, pequenos agricultores,

ambientalistas e simpatizantes fizeram manifestação em frente ao Congresso

Page 48: Tccxinguvivo versaofinal

48

Nacional, em Brasília (DF), em 8 de fevereiro de 2011, e levaram a carta ao

Palácio do Planalto, com a assinatura de caciques das comunidades indígenas

do Alto Xingu, encabeçada à presidenta Dilma Rousseff.

1.1.1.1 AUDIOVISUAL

Há também entidades parceiras ao Movimento Xingu Vivo para Sempre

que, a partir do apoio e das informações obtidas pelo Movimento, realizam

ações de protesto à criação da usina de Belo Monte no rio Xingu. Uma delas é

o Movimento Gota D'água, que conseguiu reunir mais de um milhão de

assinaturas em sua página de internet (www.movimentogotadagua.com.br). A

petição online pediu a interrupção imediata das obras da usina e o incentivo a

políticas alternativas de geração de energia.

A campanha do Gota D´água ganhou adesão após a divulgação de um

vídeo produzido por este movimento, que foi massivamente divulgado na

internet e entregue à presidenta Dilma Rousseff.

Com direção de Marcos Prado diretor de "Estamira", "Ônibus 174" e "Os

Carvoeiros", e produtor de "Tropa de Elite", o vídeo contou com a participação

de 19 atores, entre eles os globais Ary Fontoura, Juliana Paes, Cissa

Guimarães, Maitê Proença e Marcos Palmeira.

Segundo Antônia Melo, membro da coordenação do Xingu Vivo em

Altamira, não há como mensurar a quantidade de brasileiros e estrangeiros

que todas as semanas chegam ao município para levantar informações e

trabalhar na produção de documentários profissionais e amadores, e

reportagens sobre Belo Monte.

Contudo, os documentários são também elementos importantes na

contrainformação ao que diz o governo federal sobre a obra, pois ajudam a

disseminá-la. Muitos deles são publicados, gratuitamente, no Youtube - canal

fantástico para divulgação.

Alguns filmes que estão no Youtube contêm informações utilizadas

também pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre: “Belo Monte, Anúncio de

uma Guerra”, “À Margem do Xingu – Vozes Não Consideradas”, “Belo Monte:

Justice Now!” (Belo Monte: Justiça Agora!) e outros.

Page 49: Tccxinguvivo versaofinal

49

1.1.2 Internacional

O Movimento contrário à usina também tenta mobilizar a opinião pública

internacional. Em 2010, cem entidades civis que representam 40 comunidades

de municípios paraenses apresentaram documento a relatores da Organização

das Nações Unidas (ONU) denunciando violações de direitos humanos que

seriam causadas com a construção da hidrelétrica.

Além da ONU, os ativistas mobilizaram o diretor de cinema James

Cameron, que chegou a participar de ato contra a usina após ter ganhado três

prêmios Oscar pelo filme Avatar. A articulação com o cineasta, que esteve em

Altamira, foi feita pela ONG Amazon Watch, que tem sede na Califórnia

(Estados Unidos).

Ativistas mobilizam o diretor de cinema

James Cameron, que esteve em Altamira

Foto: Google

A polêmica construção da usina de Belo Monte chamou a atenção até

mesmo de atriz americana Daryl Hannah, que criticou o projeto durante uma

palestra no festival de música SWU, que acontece em Paulínia (SP).

Page 50: Tccxinguvivo versaofinal

50

1.2 MOVIMENTO É FONTE DE INFORMAÇÃO DO MPF

Outro fator a ser levado em conta para analisar a eficácia da

comunicação do Xingu Vivo é que, nesse embate contra Belo Monte, as

informações e denúncias do Movimento ajudam a fundamentar ações do MPF.

As peças processuais elaboradas pelos procuradores da República que

atuam contra as irregularidades do projeto de Belo Monte são também

cotidianamente utilizadas pela assessoria de comunicação do Ministério na

produção de releases repassados à imprensa, a jornalistas que buscam dados

como MPF e publicados nas ferramentas de comunicação do Ministério Público

Federal.

. O procurador federal da República ressaltou que os dados mostram as

reivindicações das comunidades e quais os impactos que já ocorrerem ou

estão ocorrendo na região.

Utilizamos as informações em todos os casos que o MPF precisa relatar à Justiça sobre os impactos sofridos pelas comunidades e também em casos de descumprimento de acordos ou decisões judiciais por parte dos responsáveis pela obra. Muitas vezes o Movimento tem em primeira mão informações sobre o cumprimento ou não dos acordos e decisões. Tanto as informações do Xingu Vivo quanto as levadas ao MPF por outros movimentos sociais são decisivas para a tomada de decisões pelo Ministério. Até hoje não houve informação que tenha se mostrado inverídica. Isso nos motiva a considerar essa fonte de dados como imprescindível.

Em um caso recente, com base em dados do Xingu Vivo e Instituto

Socioambiental, o MPF denunciou à Justiça que a Norte Energia não cumpriu

obrigações assumidas ao receber a licença prévia para o projeto. Falta

construção de escolas, postos de saúde, hospitais e obras de saneamento nos

municípios e localidades diretamente afetados.

No dia 25 de outubro de 2013, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região

(TRF1), em Brasília, ordenou nova paralisação das obras de Belo Monte por

ilegalidade no licenciamento. O desembargador Antônio Souza Prudente

considerou procedente a ação do MPF ajuizada em 2011 que questionava a

emissão de uma licença parcial para os canteiros de obras da usina, contrária a

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51

pareceres técnicos do próprio Ibama. A licença foi concedida sem que as

condicionantes da fase anterior, da Licença Prévia, fossem cumpridas. A

decisão do TRF1 foi notificada ao Ibama e à Norte Energia S.A, responsável

pela usina. Como ficou anulado o licenciamento, as obras deveriam parar

enquanto as condicionantes não forem cumpridas. A multa em caso de

descumprimento da decisão era de R$ 500 mil por dia.

1.3 PESQUISA AVALIA OPINIÃO SOBRE A OBRA DE BELO MONTE

Mesmo com toda polêmica gerada sobre Belo Monte, as gestões

públicas municipais, estaduais e federais ainda não realizaram estudos para

ouvir o que a sociedade tem a dizer. Tem-se conhecimento de que há no Pará

somente uma pesquisa científica realizada que procurou saber a opinião da

população sobre a obra.

Trata-se da Pesquisa eleitoral realizada pelo Laboratório do Programa

de Pós- Graduação em Ciências Política, da Universidade Federal do Pará

(UFPA), que analisou a intenção de voto à eleição de 2010 para governo do

Estado e dentre outras questões, apontou se o eleitor era a favor ou contra a

construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, sudoeste do Pará.

No estudo, do total de 1.1581 pessoas, 697 (14%) disseram ser a favor

da construção da hidrelétrica de Belo Monte, 408 (25,8%) falaram que eram

contra e 476 (30,1%) não souberam responder.

A pesquisa foi apresentada no dia 15 de setembro de 2010, no

Laboratório do Programa de Pós- Graduação em Ciências Política, no Instituto

de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da UFPA. Diante dos dados, é

possível analisar que o número de pessoas que há três anos eram contra à

construção da Usina (25,8%) e que não souberam opinar (30,1%) são

consideráveis.

Page 52: Tccxinguvivo versaofinal

52

Pesquisa analisou se o eleitor era a favor ou contra Belo Monte

Fonte: Laboratório do Programa de Pós- Graduação em Ciências Política da UFPA

Um dos fatores a ser levado em conta é que quando a pesquisa

foi realizada praticamente toda informação que circulava sobre Belo Monte era

na grande mídia local e nacional (à qual a população tem mais acesso), que,

em geral, traz na sua linha editorial posição favorável à obra garantindo como

destaque as informações do discurso governista: geração de energia e

emprego, e desenvolvimento social à Amazônia.

Os grandes problemas que envolvem a construção da Usina de Belo

Monte somente começaram a ser expostos, de fato, pela grande mídia, após o

inicio da obra, em junho de 2011, e da primeira ocupação pelos movimentos

sociais na sede da Eletronorte, em Belém, em outubro do mesmo ano, quando

os conflitos sociais ficaram mais fortes. Não tendo, dessa forma, como os

veículos de comunicação não noticiarem, entretanto, seguindo sua linha

editorial, que, em geral, buscou atenuar os fatos.

Todavia, a contrainformação do Movimento Xingu Vivo para Sempre

começou a ter um pouco mais de visibilidade fora da região do Xingu após a

realização das polêmicas audiências públicas, das quais três ocorreram em

Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo, em 2008, e em Belém, dia 15 de

setembro de 2009.

Foi a partir deste ano que as informações do Movimento contra o poder

hegemônico do governo federal passaram a circular principalmente pela

Page 53: Tccxinguvivo versaofinal

53

internet, por meio das mídias sociais do Xingu Vivo, e hoje mobiliza milhares de

pessoas dentro e fora no País.

Assim, pode-se auferir que o resultado de quase 26% das pessoas

contrárias a Belo Monte, como mostrou a pesquisa feita em 2010, pode ter sido

fruto do trabalho inicial do Xingu Vivo, que já realizava manifestações e

discussões sobre a Usina em fóruns, palestras, seminários, entre outros

eventos ocorridos em espaços públicos e privados no Pará.

A partir da pesquisa, é possível deduzir também que a ampla

comunicação que o governo utiliza para difundir sobre a obra ainda não foi

esclarecedora, pois, de acordo com o estudo, não convenceu muitos

paraenses de que Belo Monte não trará benefícios sócio, econômicos e

ambientais à região e para sua população.

1.3.1 Entrevistas

A pesquisa envolveu a participação de professores, doutores estudantes

de mestrado em Ciência Política da UFPA. Foram aplicadas 1,6 mil entrevistas,

aplicadas de 9 a 14 de setembro deste ano com homens e mulheres, de 16 a

65 anos, que possuíam renda entre um e 10 salários mínimos escolaridade

desde a 4ª série do ensino fundamental até o nível superior

completo e incompleto.

As entrevistas aconteceram em 36 municípios localizados nas seis

mesorregiões do Pará (Baixo Amazonas, Marajó, Metropolitana, Nordeste,

Sudeste e Sudoeste). A margem de erro era de 2,5% para mais ou para

menos, com um intervalo de confiança de 95%.

O professor Celso Vaz, coordenador do Programa de Pós- Graduação

em Ciências Políticas da UFPA, explicou que, na primeira etapa, foi usado o

modelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de divisão do

Estado em mesorregiões geográficas e definidos, dentro de cada mesorregião,

os municípios que fizeram parte da amostra, de acordo com a população total,

localização geográfica e relevância demográfica dentro da mesorregião.

A segunda fase consistiu em quantificar o número de entrevistas para

cada município e bairro de acordo com a população de eleitores dos mesmos.

Page 54: Tccxinguvivo versaofinal

54

Já na terceira etapa, os entrevistados foram selecionados por

amostragem aleatória, obedecendo às quotas proporcionais de gênero, idade,

escolaridade e renda familiar, de acordo com o perfil da população em estudo.

A pesquisa contou com 61 páginas e foi registrada, conforme o artigo 33

da Lei 9.504/97 e à Resolução 23.190, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob

o número 30089/2010, em 9 de setembro de 2010, e no Tribunal Regional

Eleitoral do Pará (TRE/PA) sob número 16558/2010, no dia 10 de setembro de

2010, realizados em nome do VCHA Serviços Ltda. - VERITATE.

1.4 FATORES QUE PREJUDICAM A COMUNICAÇÃO DO XINGU VIVO

1.4.1 Falta recurso financeiro

Um dos principais fatores é que pelo fato de o Movimento Xingu Vivo

não dispor de recursos financeiros suficientes não utiliza todas as ferramentas

de comunicação existentes no jornalismo, na publicidade e na propaganda para

conseguir ampliar a divulgação e atingir maior número de pessoas com a

contrainformação que o Movimento faz frente ao poder hegemônico do Estado

Nacional sobre a Usina.

A informação do MXVPS se dá basicamente por meio do jornalismo e da

publicidade pela internet. Além de panfletagens, participação de entrevistas em

rádios comunitárias, e da participação em fóruns, simpósios, congressos,

palestras, seminários e outros debates em espaços públicos e privados.

Dessa forma, o confronto é desigual em relação à comunicação feita

pelo governo federal, já que este dispõe de recursos financeiros e explora

todas as frentes de comunicação que envolvem o jornalismo, a publicidade e a

propaganda tanto na internet quanto nas mídias convencionais (rádio, televisão

e impresso) e outras, como apontou o procurador federal da República.

Page 55: Tccxinguvivo versaofinal

55

A concorrência é desleal. É impossível competir com gestores que preferem investir dinheiro público em orçamentos milionários de publicidade a organizar audiências públicas que sigam a legislação, que garantam o direito ao debate. Como Belo Monte foi projetado e está sendo realizado, é uma ideia indefensável sob os pontos de vista jurídico, econômico e político. Por isso, é sempre mais fácil acobertar a fragilidade da ideia por meio de investimentos enormes em publicidade, por meio de imagens e slogans que não condizem com a realidade.

Assim, o governo consegue levar informações que chegam a milhares

de pessoas, mesmo sem nitidez e elucidação de diversos pontos polêmicos

sobre a obra, como quase sempre acontece na história dos grandes projetos

implementados na Amazônia, que, ao final, têm efeito contrário ao prometido à

região e sua população.

1.4.2 Falta de energia elétrica

Mais uma razão é que, de forma paradoxal, mesmo que os amazônidas

sejam vizinhos de uma das maiores hidrelétricas do Brasil (Tucuruí, sudoeste

do Pará) - e se Belo Monte acontecer, não será diferente -, a energia gerada na

região acentua o contraste já que esta não é repassada a toda a população,

pois ainda existem milhares de pessoas que não têm o produto em casa,

embora no 7º Balanço do PAC II o governo federal comemore que o Programa

Luz para Todos já realizou mais de três milhões de ligações de luz elétrica no

País.

Todavia, a falta da energia impossibilita com que os cidadãos

desenvolvam diversas atividades do cotidiano inclusive o acesso à internet -

principal ferramenta de comunicação que o Movimento Xingu Vivo para

Sempre usufrui junto à sociedade para ir de encontro ao poder hegemônico do

Estado Nacional no que diz respeito às informações sobre a Usina.

Page 56: Tccxinguvivo versaofinal

56

1.4.3 Exclusão digital

Mesmo que a energia um dia chegue para todos, em especial na

Amazônia, outra questão a ser observada é a exclusão digital que ainda

persiste em existir na região - após mais de cinquenta anos do surgimento da

internet nos Estados Unidos e metade desse tempo no Brasil.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e

Tecnologia (IBICT), o Pará ocupa o primeiro ranking na inclusão digital do

Norte do Brasil. Do total de 2.653 Pontos de Inclusão Digital (PIDs), 1.065

estão em território paraense. Em segundo ficou o Amazonas com 673 PIDs,

seguido do Tocantins, com 315 PIDs.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou, em

2012, que das 84 prefeituras que fornecem acesso à internet via conexão sem

fio (Wi-Fi) da região Norte, 46 delas estão em território paraense.

Hoje o programa NavegaPará - desenvolvido pelo Governo do Estado -

em parceria coma a Eletronorte, Governo Federal, prefeituras municipais e

organizações da sociedade civil - conta com 180 infocentros e 90 pontos de

acesso livre em espaços públicos no Pará.

Segundo a assessoria de comunicação da Empresa de Processamento

de Dados do Estado do Pará (Prodepa), empresa que promove ações de

tecnologia da informação e comunicação com foco principal para o Governo do

Estado, o Navega Pará está presente em somente 62 dos 144 municípios

paraenses e capacitou 21 mil usuários dos infocentros. Até 2015, o

programa visa chegar aos municípios da região da Calha Norte, Paragominas e

expandir para o sul do Pará até Conceição do Araguaia.

A ação é implantada de forma conjunta pela Prodepa e Secretaria de

Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti). Para implementar o Navega Pará, o

Estado tem contratado com um provedor 622 megabytes de acesso à internet

mais 155 megabytes da Oi; 300 megabytes da Embratel e 130 megabytes da

Telebras. Cada espaço público tem 300 kilobytes dedicados ao acesso.

Entretanto, essas iniciativas podem atenuar o problema da exclusão

digital, mas enquanto não inclui todos os cidadãos da Amazônia muitos

continuam a ficar tão carente de informações sobre o que acontece em seu

Page 57: Tccxinguvivo versaofinal

57

próprio território e de fora da grande polêmica que é Belo Monte. Dessa forma,

deixa de exercer sua participação no espaço público de debate, por meio de

um dos principais ambientes comunicacionais que é a internet.

Page 58: Tccxinguvivo versaofinal

58

CONCLUSÃO

Desde a construção da rodovia Transamazônica até os dias atuais, a

avaliação que se tem, embora a Amazônia esteja em outro momento de sua

história quanto à implementação dos grandes projetos na região, é que forma

de exclusão da sociedade das decisões políticas e ambientais ainda é feita a

distância (centralizada em Brasília - DF). Ou seja, similar à estrutura de poder

do período da Ditadura Militar no Brasil, pois esses projetos acontecem sem

que sejam ouvidos os anseios da população diretamente interessada, a

amazônica, a qual fica às margens do desenvolvimento socioeconômico

brasileiro.

Porém, diferente de outras épocas, nos últimos quatro anos, esse

cenário de pouca participação popular nas decisões começou a mudar. Desde

que o Movimento Xingu Vivo para Sempre passou a articular e mobilizar a

sociedade pela web já conseguiu atingir milhões de pessoas no mundo.

Representando não só uma forma resistência a práticas abusivas do Estado,

mas uma fonte alternativa de informação, constituindo-se em uma

contrainformação à gestão pública federal sobre Belo Monte, a partir

fundamentalmente da utilização da internet – em especial das mídias sociais:

Site, Blog, Twitter e Facebook – como forma de sensibilizar e atrair pessoas

para assinatura de documentos e atos contra a Usina.

É nesses ambientes comunicacionais construídos a partir dessas mídias

que o público discute, interage e obtém informações, não só sobre a Usina de

Belo Monte, mas também sobre os demais projetos hidrelétricos previstos para

a região, pautando as discussões não só nos aspectos ambientais, mas nos

aspectos sociais, econômicos e culturais. E, apesar de recente, as mídias

sociais do Movimento Xingu Vivo - com seu acesso fácil e instantâneo a muitos

cidadãos - está cada vez mais presente e ganha importante espaço na vida das

pessoas em todo o planeta, que passam a fazer parte dessa rede.

Com isso, a internet altera a forma como elas se relacionam e debatem

os assuntos de interesse público. Amplia a participação e esclarece a respeito

dos assuntos e dos agentes envolvidos na problemática que é Belo Monte.

Que para o Movimento e o Ministério Público Federal se for construída deverá

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59

gerar riqueza material para poucos, em detrimento da miséria e da morte de

muitos seres humanos e da própria natureza, pois a forma como a obra está

sendo implementada na Amazônia ainda é baseada em um tipo de mentalidade

que não parece estar preocupar com o bem-estar das gerações futuras.

Dessa forma, a comunicação desenvolvida pelo Movimento Xingu Vivo

para Sempre se mostra uma ferramenta essencial para a defesa das

comunidades afetadas por Belo Monte e um exemplo à defesa de outras

questões envolvidas na problemática das hidrelétricas na Amazônia.

Além disso, é importante que o governo considere aos estudos dos

cientistas brasileiros e especialmente os estudos produzidos por pesquisadores

da região, que apontaram diversos questionamentos sobre Belo Monte,

inclusive sobre os estudos de impacto ambiental que teriam sido abordados de

forma incorreta ou inconsistente no EIA/Rima.

Nesses estudos os pesquisadores apresentaram até mesmo alternativas

para a geração de energia no País. Uma delas é a repotencialização das

hidrelétricas já existentes para que não fosse necessário construir nenhuma

nova UHE. Mas a gestão federal simplesmente jogou a sugestão para debaixo

do tapete e preferiu seguir com sua agenda política e econômica à geração de

energia atual baseada ainda no discurso neocolonialista.

Um ponto importante que merece esclarecimento é que a continuidade

da obra não é apenas uma questão que envolve a falta de comunicação e

informação sobre as irregularidades existentes, mas também é uma questão

que envolve política de estado, interesse econômico e aspectos culturais dos

povos que ali vivem. Infelizmente ainda persiste a mentalidade que considera

as grandes obras como sinônimas de progresso, mesmo existindo pesquisas

que apontam o contrário e que mostram que esse desenvolvimento somente é

possível quando atrelado à sustentabilidade.

Apesar das diversas contribuições teóricas em nível de Brasil, na região

amazônica – e em particular no Estado do Pará – as análises científicas sobre

as formas alternativas de comunicação utilizadas pelos movimentos sociais que

se opõem à política ambiental do governo federal para a Amazônia ainda são

limitadas.

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60

Nessa temática, o avanço das redes sociais aponta o desafio de

desenvolver mais pesquisas para compreender o papel da internet na formação

de outros discursos ou da contrainformação. Esta carência foi uma das

motivações deste estudo, que teve como maior dificuldade a falta de

disponibilidade de fontes de informação, principalmente por parte do governo e

empresas, já que as suas sedes concentram-se em Brasília, e Belém, mesmo

sendo considerada metrópole da Amazônia, serve apenas de quintal para a

obtenção de informações e exerce papel secundário sobre a sua própria

região.

Assim, toda informação do governo sobre Belo Monte que consta neste

estudo se deu através do site oficial do governo federal, o que demonstra o

grau de indisponibilidade dos gestores públicos de prestarem esclarecimento

sobre essa obra. O que vai de encontro ao princípio da transparência com a

coisa pública, uma vez que a informação e dados precisos são fundamentais

para o planejamento, decisão e execução de quaisquer projetos públicos -

sobretudo os que são capazes de impactar uma região toda, como é o caso de

Belo Monte.

É bom lembrar também que a transparência dos dados públicos reforça

a democracia no País, o qual criou a Lei da Informação nº 12.527, de 18 de

novembro de 2011, que tem o propósito de dar o acesso à sociedade às

informações públicas, para que haja melhoria na gestão. No Brasil, o direito de

acesso à informação pública foi previsto na Constituição Federal, no inciso

XXXIII do Capítulo I - dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos - que

dispõe que:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Contudo, não basta que os grandes projetos, causadores de

irreversíveis impactos negativos sobre a sociedade e o meio ambiente,

elaborem seus EIA/Rima. Apenas isso não os legitima. É necessário que

Page 61: Tccxinguvivo versaofinal

61

deixem de fazer parte de agendas ocultas e passem a ser discutidos pela

sociedade em diversos espaços públicos ou privados da vida real, uma vez que

a população precisa ter a oportunidade de opinar e, eventualmente, até de

vetar seu desenvolvimento, principalmente quando se trata da construção de

hidrelétricas em terras indígenas, as quais contam com legislação específica no

Brasil.

Portanto, construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu,

representa um atentado social, ambiental e cultural contra a Amazônia e sua

população. Além de ter se mostrado um exemplo de violação aos direitos

humanos e ao direito à informação e transparência dos dados públicos para a

sociedade.

Page 62: Tccxinguvivo versaofinal

62

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www.oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2012/09/18/o-projeto-secreto-por-tras-de-belo-monte-por-carlos-tautz-465884.asp www.pac.gov.br/pub/up/pac/7/05-PAC7_energia.pdf www.pac.gov.br/pub/up/pac/7/09-PAC7_agua_e_luz_e_finais.pdf www.belomontedeviolencias.blogspot.com.br www.movimentogotadagua.com.br Facebook Xingu Vivo ENTREVISTAS Dion Monteiro, Marquinho Mota e Maurício Matos. Entrevista concedida à autora. Setembro, 2013 Téo Pires. Entrevista concedida à autora. Setembro, 2013 Antônia Melo. Entrevista concedida à autora. Setembro, 2013 Felício Pontes. Entrevista concedida à autora. Outubro, 2013. VÍDEOS Belo Monte, Anúncio de uma Guerra www.xingu-vivo.blogspot.com.br/2011/12/belo-montge-o-anuncio-de-uma-guerra.html Movimento Gota D´Água http://www.youtube.com/watch?v=TWWwfL66MPs

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APÊNDICE A - ENTREVISTAS

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Decupagem da entrevista pessoal feita com membros do Movimento Xingu

Vivo para Sempre

Data: 04/09/2013

Local: Confederação dos Bispos do Brasil – CNBB, no Marco, em Belém

Entrevistadora: Cleide Magalhães

Entrevistados: Dion Monteiro, mestre em Planejamento e Desenvolvimento

Regional e membro do Comitê Xingu Vivo para Sempre; Marquinho Mota e

Maurício Santos Matos, ambos ativistas e membros da equipe de comunicação

do Movimento.

1 – Conte a história do Movimento, como e quando surgiu e quem faz

parte dele?

Marquinho – Em 2009 mediante ao começou da “audiência pública” de Belo

Monte, o governo programou a última para acontecer em Belém em 15 de

setembro. Por estarmos a 70 quilômetros de Altamira, o governo imaginava

que ia fechar com chave de outro e que não teria nenhum tipo de reação ou

ação. As audiências ocorreram em Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo. Mas

já tínhamos contato com o pessoal do Movimento em Altamira. Todas elas

com, a presença da Força Nacional impedindo a entrada de manifestantes

contrários. Em todas elas foram apresentados documentos que questionavam

que não foram reconhecidos pelo Ibama. O Comitê, Fórum Social Pan-

Amazônico e Faor mobilizaram as outras entidades em Belém. A mobilização

foi um apelo do Movimento, estávamos sem recursos, fizemos a mobilização

por telefone e internet. Para nossa surpresa e do governo, conseguimos atrair

cerca de 400 pessoas para ausência no Centur e criamos um fato político

dentro da audiência pública de Belo Monte. Foi a primeira vez que o MPF foi

chamado a participar, e o promotor Raimundo Moraes nos convocou a nos

retirar para não legitimar aquele processo. A parir desse momento, sentimos

necessidade de fazer articulação maior e mais firme para discutir o tema sobre

Belo Monte, porque, até então, estava fora da pauta na mídia na capital

paraense. Um mês depois, 15 de outubro, foi criado o Comitê Xingu Vivo tendo

representada 70 instituições, com a presença de mais de 200 pessoas, em

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evento no Memorial dos Povos Indígenas, na Pedreira, com programação

cultural e política. Depois foram aproximando outras pessoas.

Dion - Hoje compõe o Fórum de Discussão, Debate e Ação mais de 50

organizações bastante diversificada: movimento estudantil, coletivos, central e

movimento sindical, partidos de esquerda, anarcopunks, institutos de pesquisa,

fóruns que discutem as questões amazônicas, pesquisadores, entre outros,

que nos fornecem informações para serem trabalhadas no processo dos

elementos para serem utilizadas na comunicação para que possamos nos

comunicar com diversos setores como academia, população em geral.

Reunimos-nos periodicamente para definir a estratégia de ação para cada

período porque as ações são muito dinâmicas.

2 – Como começou o conflito entre o Movimento e o governo federal,

quando se acirrou e como está hoje?

Dion - Na minha reflexão, a partir de 2002, quando o Partido dos

Trabalhadores conseguiu eleger Lula e agora Dilma trouxe uma visão de

mundo que se formos analisar na história e modelo econômico nesse período é

algo meio híbrido, porque na Carta ao Povo Brasileiro, 2002, onde o candidato

Lula sintetiza sua proposta econômica do governo do PT apresentando

elemento do chamado Nacional Desenvolvimentismo (abertura das fronteiras,

grandes projetos, território) dos anos 50 e 60 implementados pela Ditadura

Militar. Mas também já traz a experiência dos anos 90 com o Neoliberalismo.

Então, de 2003 pra cá o governo federal implementa uma política econômica

que mistura entre o Nacional Desenvolvimentismo e liberalismo. É um liberal

desenvolvimentismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que atende a liberação das

taxas de juros, pagamento da dívida, ele traz a implementação de hidrelétricas,

mineração, agronegócio, entre outros. A intensificação do conflito se dá a partir

da implementação dessa compreensão de desenvolvimento econômico e social

no Brasil, que se fortalece após 2002, com a chegada ao poder do PT.

Marquinho – Quando o Lula troca a Dilma pelo Lobão no Ministério das Minas

e Energias, ele assume de vez a política de hidrelétricas do Sarney, que é

quem controla o processo de produção de energia no País. Seu grupo político

controla desde o período da Ditadura Militar. Com a substituição Lula assumiu

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que ele ia atender às demandas desse grupo e fez isso para não ser cassado

no Mensalão. Então, a mudança de postura mais radical à construção de

hidrelétricas é uma dívida política do Lula.

Dion – Avaliamos que a Ditadura Militar oficialmente terminou no Brasil, mas

na Amazônia não. Todos os projetos são implementados na mesma forma:

com autoritarismo, a militarização da Força Nacional na região junto a

pesquisadores que fazem estudo na região.

Maurício – O Movimento é criado em razão da existência desse conflito no

Xingu. É uma forma de o Movimento resistir à tentativa de implementação das

hidrelétricas do Xingu. As audiências públicas é o início desse conflito, porque

elas são mera formalidade para cumprir a legislação, porque nelas há falta de

democracia, o uso do aparato policial tentando impedir os movimentos a

participarem. Acirra-se ao longo do tempo, com a realização dos leilões, início

das obras. Tudo marcado com atos, manifestações e ocupações como forma

de protesto pelo Movimento.

3 – Faça breve apanhado sobre a história de Belo Monte.

Maurício – Os primeiros estudos de levantamentos hidrográficos iniciam na

década de 70. O projeto ganha corpo na década seguinte, governo Sarney. Em

1988 começam as primeiras mobilizações quando começa a ser divulgado e

inicia a ser cobrada a divulgação sobre as áreas afetadas. Um pesquisador do

Museu Emílio Goeldi e dois indígenas palestram nos EUA para denunciar. Em

razão disso, são chamados para mais uma palestra, para relatar a situação do

Xingu, quando voltam são enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Começa haver entre os povos indígenas do Xingu a compreensão da

necessidade de fazer o Encontro dos Povos do Xingu, no início de 1989. Chico

Mendes é assassinado em dezembro de 1988 e isso faz com que os olhos do

mundo se voltam para a Amazônia. Então, o encontro começa a ser visto como

algo grande que estaria acontecendo na Amazônia atraindo toda a imprensa

internacional. Em 1989, acontece a célebre imagem da índia Tuíra que encosta

o facão no rosto do Muniz, então diretor da Eletronorte. Hoje presidente da

Eletrobrás. Com toda a pressão que houve no Encontro, o projeto é

engavetado e reaberto no governo de FHC. Mas é no governo Lula que é de

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fato desengavetado trazendo uma nova roupagem: não mais com as cinco

hidrelétricas e duas barragens ao longo do rio Xingu do projeto original, mas

somente Belo Monte. O discurso passa a ser de que não haveria toda a

devastação. Isso inclusive ganha alguns ambientalistas para defesa ou ficarem

omissos diante dessa nova construção. Então, é apresentado como algo novo,

que não iria devastar tanto, que teria sustentabilidade, proteção aos indígenas,

etc. Em 2005, recomeçam os estudos. Em 2009, é apresentado o EIA/Rima.

Em meados deste ano, há pressão sobre o Ibama para aprovar o EIA/Rima.

Elaborado pela Leme Consultoria. Os estudos foram feitos pela Camargo

Correa, Andrade Gutierrez e Odebrecht. Final de 2009, cai o presidente do

Ibama porque se negou a assinar o projeto. Assume novo presidente, que

banca o EIA/Rima mesmo com parecer contrário de técnicos do Ibama e Funai.

É marcado o leilão para início de 2010, quando começa a aumentar a

resistência. As obras começaram em 2011.

Marquinho - O argumento do governo é que o projeto foi discutido durante 30

anos. É mentira. O projeto surgiu em 2009. A discussão se deu sobre Kararaô,

que foi barrado. Os próprios estudos feitos em relação a Belo Monte não foram

levados em consideração. O Painel dos Especialistas protocolou o relatório no

Ibama, e o presidente do Ibama disse que nenhum questionamento da

sociedade civil foi apresentado nas audiências. Em 2011 começam as obras de

infraestrutura (abertura de canais, alojamento) e já contam com cerca de 20%.

As obras que deverão afetar diretamente o leito do rio ainda não aconteceram.

Então, ainda não é fato consumado.

4 – Qual é o projeto político ambiental que o Movimento defende para

Belo Monte? Como o Movimento vê a política ambiental do governo

federal para Belo Monte?

Dion – Quando elencamos algumas propostas concretas de Projetos de

Emenda Constitucional e Decretos do governo junto a outras que vem como

suportes mostram bem a parcerias com multinacionais e público-privada para

exploração de áreas na Amazônia sem recuperação sem definir a partir da

diversidade da região, mas de monocultura. Então, avaliamos que a política

ambiental, que ela é arcaica, retoma o que pior havia no estado de recessão e

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propicia todos os problemas ambientais vistos no mundo. Nossa proposta é

conciliar os interesses ambientais, econômicos e sociais sem que haja

supremacia do econômico sobre os outros elementos, mas que haja um

equilíbrio.

Marquinho – Não há política ambiental do governo. O que há é o desmonte de

uma política ambiental e de conquista históricas dos povos quilombolas,

indígenas e extrativistas que conquistaram na Constituição de 1988. Esses

projetos rasgam acordos internacionais que o Brasil fez como é o caso da

Convenção 69 da OIT, que garante a oitiva indígena no caso de barragens e

mineração em terras indígenas. Para instalação de Belo Monte foi inventada

uma licença parcial de instalação que não existe na Constituição, no Conama,

nas leis ambientais. O governo criou uma lei. Por isso, entendemos que existe

um arremedo e não política ambiental.

Maurício - Geração de energia sim, mas para atender a quem, como pra quê?

Para atender onde há concentração de capital, que é uma minoria. Para ir para

as indústrias eletro intensivas subsidiadas pelo governo federal. Belo Monte

será uma contradição como Tucuruí.

Marquinho – O movimento não traz uma proposta política ambiental

consensuada, mas avalia que tem que ser feito de forma imediata: suspensão

de todas as barragens e projetos de mineração pensados para a Amazônia;

repotenciação das usinas hidrelétricas mais antigas que existem; mais

investimento em eólica e solar; substituição das linhas de transmissão por

cabos com novas tecnologias. Um país que precisa de energia ainda joga fora

20% do que produz. Isso tudo tem que ser pensado e por que não se faz isso?

Porque o acordo, a decisão de construir barragens é político, e não técnica. Por

isso tem que ser feito para pagar dívida de campanha do Lula e da Dilma com

o grupo do Sarney.

5 - Como fazer com que a proposta do Movimento chegue à população?

Qual é a importância da comunicação nesse processo?

Dion - Os instrumentos, veículos de comunicação no Brasil são concentrados

nas em poucas famílias que representam interesses econômicos específicos e

fortes. Nosso debate, que contesta o modelo de desenvolvimento e a proposta

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da política, econômica e ambiental do governo federal, não tem espaço nesses

veículos, não há necessidade de se construir outras formas de discussão.

Com o advento e possibilidade de utilizar a internet. O acesso, embora ainda

seja bem restrito na Amazônia, tem sido elemento importante para a

comunicação. Acho que podemos explorar melhor a web rádio já que, por

enquanto, não é preciso ter concessão para ter uma.

Marquinho – Temos conseguido pautar o debate sobre as hidrelétricas na

Amazônia também nos grandes fóruns, encontros ajudando na disseminação

da informação. Outro elemento importante foram as produções de

documentários profissionais e amadores levados ao Youtube, canal fantástico

para divulgação: Belo Monte o anúncio de uma guerra, A outra margem do

Xingu e outros.

O nosso blog é um espaço de busca de informação e esta é reproduzida pelos

sites das demais entidades. Algumas vezes conseguimos furar o bloqueio da

grande mídia. Mas na maioria das vezes a gente não entra na grande mídia,

quando entramos somos criminalizados, acusados de ser os mesmos de

sempre, que só sabemos reclamar e não queremos o progresso do País.

O melhor exemplo de como funciona a comunicação foi o Dia Mundial contra

Belo Monte. Mais de 20 países se mobilizaram e em Belém pelo menos cinco

mil pessoas foram para as ruas para o ato político. A mobilização foi pela

internet, via Facebook e blog. Não tínhamos dinheiro para fazer anúncio nem

outdoor. Nossas mídias sociais são alimentadas por uma galera jovem que faz

estardalhaço. Mas o por Belo Monte ser paga pelo governo e não mais pelo

BNDES não sensibiliza mais. Quando era pago pelo BNDES a gente conseguia

uma pressão internacional.

Maurício – A luta da comunicação é árdua e desigual. A Norte Energia mais

que um consórcio privado ocupa o papel do estado na região. O governo em

vez de passar para as prefeituras o dinheiro passa para a Norte Energia, via

BNDES, os R$ 30 bilhões e o prefeito vai à Norte Energia buscar para construir

escola, posto de saúde, etc. Quando as mobilizações estavam muito fortes,

eles fizeram chamada no aeroporto de Altamira dizendo que Belo Monte era

uma maravilha e que só traria benefício à população. A realidade mostra o

contrário.

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Maurício – O governo manobra as informações. Uma delas é a história da

inundação. Nunca o movimento disse que Belo Monte ia inundar terra indígena.

Mas para tentar manobrar o governo diz que nós afirmamos que vai alagar,

mas nunca dissemos isso. Eles baseiam a propaganda em cima de mentiras.

A área diretamente afetada no EIA/Rima é o leito do rio. A margem eles

consideram como área de influência direta. É como se fosse possível secar o

rio e sua margem não sofrer impacto. É essa mentira absurda que está no

EIA/Rima. O governo manipula essa informação para dizer que não vai afetar

as áreas.

Marquinho – No leilão estava previsto alagamento de 419 quilômetros

quadrados. Hoje são 640, e mudaram isso sem ter nenhum tipo de estudos. Na

verdade não tem estudo, porque na área poucas pessoas foram entrevistadas.

Diferente do que fez o Painel dos Especialistas que se instalou em Belo Monte

para estudar a área.

Maurício - Outra forma de ampliar a informação através dos sindicatos e

associações dos grêmios estudantis fazemos os debates com as lideranças e

direções para conscientizar e ganhar as pessoas para a luta. A partir daí, abre

um campo junto aos sindicatos que têm base naquela região, nas escolas

secundaristas, universidades, etc. É uma forma de furarmos o bloqueio das

informações.

6 - Em seu processo de resistência à Usina Hidrelétrica de Belo Monte,

como o Movimento utiliza o campo midiático enquanto espaço de

informação e difusão do debate público sobre a obra? Como o movimento

avalia a linha editorial adotada pela grande mídia ao processo de

resistência ao empreendimento?

Marquinho - A mídia sempre coloca as informações de forma diferente. Um

fato que fiquei mais chocado foi um debate na Globo News, no qual a

entrevistadora falou que seriam gerados em Belo Monte 100 mil empregos. Na

verdade, o relatório diz que vão migrar 100 mil pessoas e que empregos serão

20 mil. Mesmo tendo o EIA/Rima em mãos ela distorceu. Eu questionei isso,

mas ninguém deu resposta.

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7– Qual foi um fato importante sobre a obra que saiu na grande mídia

online e nos instrumentos do Movimento de forma bastante diferenciada?

Quais foram as informações distorcidas, na visão do MXVPS? Qual o

período?

Dion - O caso da boate Xingu, que fica na área de utilidade pública de Belo

Monte, dentro de uma grande área desapropriada pelo governo para atender à

Norte Energia. Não faz sentido alguém atender uma boate ali se não tem

cidade, é claramente para atender aos trabalhadores da obra. Quando isso foi

denunciado pelos movimentos sociais e MPF e divulgado na mídia. A mídia

colocou o foco para os supostos proprietários da boate e não para a Norte

Energia, responsável pela área. E no depoimento dos trabalhadores, o carro da

Norte Energia ia levar os trabalhadores na boate e trazia. A mídia não podia

esconder o fato, mas em momento algum vinculava à empresa.

Teve ainda a história do espião, sobre a qual a imprensa se limitou a reproduzir

uma nota da Norte Energia que dizia “A Norte Energia não manda

observadores à reunião de ninguém”. Temos inclusive o vídeo de o homem

dizendo que foi pago pelo consórcio, que recebia instrução do governo e da

ABIN. A grande mídia ignorou um caso de espionagem de uma empresa

privada junto com o governo em cima dos movimentos sociais. Repercutimos

nas mídias sociais.

Maurício – Há três pontos que são pilares do que contestamos (discordamos),

mas que a grande mídia ainda propaga: emprego, desenvolvimento à região e

geração de energia. São os pilares do discurso da mídia:

Emprego – O EIA/Rima traz que, ao longo do período de construção da obra,

vão ser atraídas para a região 100 mil pessoas, que serão gerados cerca de 40

mil empregos diretos e indiretos. Ou seja, serão 60 mil desempregados.

Desenvolvimento – O discurso da mídia é que vai impactar o meio ambiente,

mas é necessário porque vai gerar desenvolvimento. É mentira. O EIA/Rima,

em seu parágrafo final, diz que “mas é preciso que o projeto também se torne

um projeto de desenvolvimento à região onde se pretende construí-lo”. Ou seja,

se também é necessário que o projeto gere desenvolvimento é porque na sua

essência não prevê isso. Mas é uma mentira contada à população e esta tem

aceitado porque quem implanta o projeto é o governo federal, que antes

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liderava as massas e criou relação de confiança com essas pessoas durante a

Ditadura e Redemocratização. Hoje a população começa a refazer esses

conceitos.

Geração de Energia – Belo Monte vai gerar 4,5 mil megawatts. A imprensa

divulga 11 mil megawatts, que é o pico de potência instalada em três ou quatro

meses. Ao longo do ano, a média cai. Em razão dessa queda de energia

gerada, os dados técnicos mostram que fica com 39%, sendo menos de 55%

do total. Isso indica que vai ser uma hidrelétrica deficitária, contra a existência

econômica de uma hidrelétrica para ser rentável.

8 - De onde advêm as informações do Movimento, quais são suas fontes e

qual a credibilidade da informação divulgada?

Marquinho – As informações do Movimento são da academia, pesquisas feitas

pela UFPA, a pedido do MPF, painel de especialistas da UFPA que fizeram

pesquisas científicas. Apropriamos-nos desses dados que são da academia.

9 - Como o conteúdo chega ao público e qual é a participação

(feedback/opinião) deste na esfera política sobre Belo Monte?

Marquinho – Se a gente consegue com que cada capital do Brasil, fora as

cidades pequenas, realize uma ação contra Belo Monte como foi no Dia

Mundial Contra Belo Monte, a partir do MXVPS e do Comitê, fazendo

articulação e organização pela internet. Em Belém, foram pelo menos cinco mil

pessoas. Então, temos retorno. Nossa ação repercutiu também no parlamento,

porque contamos com três senadores que vão para a tribuna do Congresso

Nacional falar contra Belo Monte e exigir as audiências públicas com os

indígenas. Quando têm pessoas da classe artística brasileira que fazem

campanha como o Gota D´Água, que obteve dois milhões de acesso na

internet, em menos de dois meses. Quando existe Comitê Xingu Vivo na

Áustria, Belo Monte é tema internacional de documentário, seminário e outros.

Isso tudo é repercussão das ações que fazemos.

10 - Existe uma cultura e um sistema político disposto (ou forçado) a

acolher a participação desse público?

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Dion - Quem tem pautado a questão no Congresso Nacional são senadores do

PSOL. No Comitê temos quatro grupos partidários: PSOL, PSTU, PCB e PPR.

Tem militantes de base do PT que participam das reuniões, e não concordam

com a política do PT e seus aliados. Em termos de executivo e legislativo, não

há iniciativa para criar mecanismo ou leis para incluir verdadeiramente os

atingidos, ouvi-los e deixá-los ter o poder de definir o seu futuro. O que fazem é

subverter isso, quando, por exemplo, não reconhecem que a Convenção 69 da

OIT traz que os povos atingidos tem o direito de decidir se aceitam ou não os

grandes projetos. Mas o governo brasileiro, na proposta de oitiva, retira essa

possibilidade. O governo brasileiro traz na oitiva que vai ouvir o que eles

sugerem para que as coisas não sejam ruins e supostamente alteraria o

projeto, mas nunca abortar o projeto. Na verdade, as consultas indígenas do

governo brasileiro são só para cumprir protocolo, mas o estado não vai ouvir os

indígenas.

Dion- Na comunicação é importante repetir e informar essa questão. Se

fôssemos fazer a comunicação sem consistência e elementos concretos para

dialogar com os setores ficaria complicado. Por isso, entendemos a

comunicação vinculada a outras frentes. Por isso trabalhamos e dialogamos

junto à frente científica, que nos mune de pesquisa e informações; política, que

tá na base conversando com o trabalhador, agricultor, indígena e ribeirinho, e

ouvir concretamente o que acontece na base e qual o desejo de quem está

sendo agredido pelos impactos; a frente jurídica, o governo apresenta

propostas que são analisadas, contrapostos com a legislação que existe e

denunciamos o conteúdo a intenção e proposição. A frente de comunicação

verbera isso em todos os cantos. Então, entender a comunicação não

desvinculada dos outros elementos é fundamental e temos conseguido isso.

Esse trabalho em conjunto faz com que a comunicação flua com consistência,

com elementos sólidos para fazer e ganhar o debate. Ganhamos na

comunicação porque os elementos que apresentamos o governo não tem como

contestar, a menos que a informação seja manipulada, mas em um debate

sério o governo não ganha. Hoje o governo nem manda representantes para os

debates.

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Marquinho - Movimento não participa das discussões sobre o Plano de

Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu. Não participamos porque não

queremos, porque nossa proposta não é debater mitigação nem acompanhar

obra, mas parar a barragem. Se participarmos desse fórum, vamos legitimar

esse processo.

11 – A comunicação utilizada pelo Movimento tem eficácia? Qual é a

eficácia?

Dion- Tem eficácia. Há uma pesquisa da Ciência Política da UFPA, é um

levantamento de intenção de voto para eleição de 2010. Saiu em outubro deste

ano. Um ano depois de iniciarem as atividades do Comitê e o MXVPS já estava

com atividades permanentes desde 2008. A pesquisa faz levantamento da

intenção de votos e pergunta se a pessoa é a favor ou contra Belo Monte.

Aparece que 32% era contra Belo Monte, em Belém. Se for fazer essa

pesquisa hoje, será muito mais. Se a gente ver o abaixo assinado que o

movimento Gota D´Água, em 2012, que teve mais de dois milhões de

assinaturas. Mostramos dados antigos que mostram adesão e cada vez mais

esta acontece. Isso é resultado desse processo integrado das quatro frentes,

que culmina com a comunicação.

12 – Quais são as dificuldades encontradas pelo Movimento à eficácia da

comunicação?

Marquinho - Tem o bloqueio da mídia e falta de dinheiro. Não temos como

colocar um outdoor nas ruas.

Dion - O que colocamos nas mídias sociais tem muita eficácia, mas

enfrentamos dificuldades de atingir as pessoas que moram nas áreas mais

longícuas da Amazônia, como na Transamazônica, onde muitos nem tem

energia elétrica. Precisamos ter mais recurso financeiros para produzir mais

material impresso, deixar na casa das pessoas e fazer o debate.

Marquinho - Se levar em consideração que o projeto do governo é de R$ 30

bilhões, então mesmo com a solidariedade internacional o que conseguimos é

pouco contra o que brigamos, mesmo ainda infringimos derrotas a eles de vez

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em quando. Vamos a cada seis meses nas aldeias e a Norte Energia todos os

dias.

13 – Como está a obra hoje, sua situação judicial e política? É possível

parar Belo Monte?

Dion – Todo período surge denúncia contra a obra, nem sempre feita pelos

movimentos sociais, mas pelos órgãos legais de fiscalização. A última foi a

Funai solicitando a multa a Norte Energia ou o cancelamento da licença de

instalação, porque a Norte Energia disse que não vai cumprir uma das

condicionantes, que é comprar terras para os Jurunas, do quilômetro 17, da

Aldeia Boa Vista, que é impactado direto pelo desenvolvimento da obra.

Anteriormente, teve uma do MPE em relação à questão da habitação. O MPF

denunciou a incapacidade técnica em relação à mensuração da área alagada -

cota 100. A exploração sexual na boate Xingu envolvendo até criança. O não

pagamento do valor de mercado das pessoas indenizadas. Há um mês, eram

pelo menos 82 ações contra a Norte Energia pelo MPF, MPE e organizações

da sociedade civil nos mais diversos campos.

Em uma avaliação técnica séria, e não política a licença de instalação da obra

já seria cassada há muito tempo, porque para funcionamento precisa que as

condicionantes sejam garantidas e isso não ocorre. Para nós, tudo isso mostra

que a obra pode e precisa parar. É isso que o Movimento defende.

Dentre as ações, há a das oitivas indígenas. Se ela for favorável ao MPF, a

obra para independente do estágio em que estiver. Tem que parar porque tem

muitas irregularidades. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica. Ainda não

é um fato consumado porque a obra que vai afetar diretamente o leito do rio

ainda não iniciou. Se for ter prejuízo, que o consórcio arque com as

responsabilidades porque a Norte Energia executa uma obra ilegal, baseado

em licença que não existe. Perdemos porque as ações travam no Judiciário.

Dion - A obra só anda porque o presidente do STF, Aires Brito, em 2012,

tomou para si uma lei de suspensão de segurança, criada à época da Ditadura,

que diz que a obra tem que seguir porque é de interesse público da economia.

Logo antes, a quinta turma do TRF tinha decidido que as obras tinham que

parar se as oitivas indígenas não fossem feitas.

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A previsão é que seja concluída de 2011 a 2021. São 23 turbinas. Em tese

querem colocar a primeira em 2014. A obra, devido tantas contestações, está

atrasada há um ano. É um total de R$ 30 bilhões fora a linha de transmissão,

que são de R$ 15 a R$ 20 bilhões. Hoje o governo reconhece oficialmente R$

28 bilhões. Fora as subestações.

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Entrevista feita por e-mail com Téo Pires, presidente da Empresa de

Processamento de Dados do Estado do Pará (Prodepa), que promove ações

de tecnologia da informação e comunicação com foco principal para o Governo

do Estado.

Data: 30/09/2013

Entrevistadora: Cleide Magalhães

Perguntas:

1 - O Pará se mantém inserido no Plano Nacional de Banda Larga?

Téo - Sim. O Governo do Estado, por intermédio da Empresa de

Processamento de Dados do Estado do Pará (Prodepa), e o Ministério das

Comunicações, via Telebras, assinou um Termo de Ajuste e Plano de Trabalho

que levará o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) a um número maior

de municípios paraenses. O acordo estende esse atendimento para outras

localidades no interior e prevê que a empresa paraense ceda espaço e

infraestrutura nas estações das cidades de Jacundá, Tailândia, Santa Maria,

Tucuruí e Vila do Conde e um par de fibras ópticas apagadas. A Telebras, por

sua vez, disponibilizará serviço de banda larga e construirá Estações de

Atendimento (EAs) nessas cidades. O Termo de Cooperação Técnica com a

Prodepa foi assinado em março de 2012 prevendo a integração das redes de

telecomunicações federal e estadual, como também que cada empresa

arcasse isoladamente com seus custos, não havendo, portanto, repasse de

recursos financeiros.

2 - O serviço chegou em 2012 no Estado? Com o anda a implementação

do Plano?

Téo - O serviço chegou em 2013. Quanto a implementação, é responsabilidade

da Telebras.

3 - Se positivo, quais os municípios que já são beneficiados? Quais ainda

serão?

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Téo - Belém e Santarém já são beneficiados. Os próximos a serem

beneficiados são os municípios da Calha Norte: Jacundá, Tailândia, Santa

Maria, Tucuruí e Vila do Conde.

4 - Como ficam os valores? São mais acessíveis?

Téo - Pelo acordo, os provedores de Internet são obrigados a oferecer ao

consumidor internet de alta velocidade (um megabyte), ao preço de R$ 35,90.

5 - Quais os recursos que a Prodepa tem para investir em tecnologia em

2013?

Não respondeu

6 - O Navega Pará conta hoje com quantos infocentros e quantos pontos

de acesso livre e pontual em espaços públicos?

Téo - São 180 infocentros no Pará, 90 pontos de acesso livre em espaços

públicos.

7 - Atende a quantos municípios?

Téo - O programa está presente em 62 municípios paraenses.

8 - Qual a estimativa da quantidade de pessoas que tem o acesso no

Pará?

Téo - O Navegapará atende cerca de dois mil órgãos municipais, estaduais e

federais, em todo o estado. Já capacitou 21.000 usuários dos infocentros.

9 - Quais são os dados de acesso à internet na Amazônia?

Téo - Segundo dados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e

Tecnologia (IBICT), dos 2.653 Pontos de Inclusão Digital (PIDs) da região

Norte, 1065 estão em território paraense. E o Navegapará, programa do

governo paraense, implantado de forma conjunta pela Secretaria de Ciência,

Tecnologia e Inovação (Secti) e pela Empresa de Processamento de Dados do

Estado do Pará (Prodepa), tem contribuído bastante para que o Estado ocupe

o primeiro lugar no ranking da inclusão digital no Norte do Brasil. O Estado do

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80

Amazonas está em segundo lugar, com 673 PIDs, seguido do Tocantins, com

315 PIDs.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

dos 84 municípios que fornecem acesso à internet via conexão Wi-Fi da região

Norte, 46, ou seja, mais da metade, estão em território paraense. O

Navegapará, vem contribuindo para que o Estado tenha o maior percentual

(32%) de prefeituras conectadas e que oferecem acesso à internet entre os

estados brasileiros. O estado do Amazonas está em segundo lugar, com 29%.

É a primeira vez que o IBGE levanta dados sobre oferta de conexão sem fio

por prefeituras. Os dados foram coletados em 2012. Apesar de numericamente

ter poucas iniciativas, a região Norte se destaca em relação ao percentual de

municípios com algum tipo de programa – 18%. No Sudeste, por exemplo, o

índice é de 15%.

10 - Qual é a meta de ampliação no Pará até 2015?

Téo - O Navegapará deve chegar até 2015 aos municípios da região da Calha

Norte, Paragominas e expandir o sul do Pará até Conceição do Araguaia.

11 - O contrato do Estado ainda é com um provedor 770 megabytes de

acesso à internet?

Téo - São 622 + 155 megabytes da Oi; 300 megabytes da Embratel e

130 megabytes da Telebras.

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81

Entrevista por e-mail com Felício Pontes, procurador federal da República que

atua no caso de Belo Monte desde 2011.

Duas perguntas foram direcionadas à Assessoria de Comunicação do MPF.

Data: 15/10/2013

Entrevistadora: Cleide Magalhães

Perguntas ao procurador Felício Pontes:

1 - Qual a sua atuação no caso de Belo Monte?

Procurador Felício - Tenho atuado no caso Belo Monte desde a primeira ação

interposta pelo MPF, em 2011. Trabalho no caso como autor ou coautor das

ações ou promovendo o debate público sobre o tema, seja no incentivo ou

participação em palestras, simpósios, congressos e outros eventos sobre a

questão, seja em entrevistas à imprensa ou na produção de estudos, seja no

diálogo direto com as comunidades atingidas e com os movimentos sociais,

instituições públicas, cientistas, pesquisadores e acadêmicos ligados à

questão.

2 - Qual é a importância da informação na questão que envolve Belo

Monte?

Procurador Felício - É de importância vital. Desde o início do debate jurídico e

social sobre Belo Monte, esse caso tem se mostrado exemplar sobre como a

falta da informação é uma violação aos direitos humanos. E não só a falta de

informações que deveriam ser publicadas pelo governo e empresas

responsáveis – a questão Belo Monte mostra como o descaso do

governo com as informações produzidas pela sociedade também é uma

violação aos direitos humanos. A sociedade tem direito de saber

como os governantes estão atuando e também de ser ouvida.

3 - Como o MPF vê a comunicação desenvolvida pelo Movimento Xingu

Vivo para Sempre?

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Procurador Felício - É uma ferramenta essencial para a defesa das

comunidades afetadas por Belo Monte e um exemplo para a defesa de outras

comunidades afetadas por hidrelétricas na Amazônia.

4 - Essa comunicação é importante? Por quê?

Procurador Felício - É essencial, porque mostra ao mundo todo o que a

irresponsabilidade dos gestores públicos pode causar na Amazônia. Nesse

sentido, o Movimento é cronista de uma série de absurdos, de irregularidades

que ocorrem na região. É um instrumento de defesa das comunidades também,

porque ajuda instituições como o MPF a agir.

5 - As informações/denúncias do Movimento ajudam a fundamentar as

ações do Ministério? De que forma? Cite algum caso já ocorrido que

obteve sucesso.

Procurador Felício - Sim. São dados que mostram as reivindicações das

comunidades e quais os impactos que já ocorrerem ou estão ocorrendo na

região. Assim, em todos os casos que precisamos relatar à Justiça os impactos

sofridos pelas comunidades, utilizamos dados do Movimento. E também em

casos de descumprimento de acordos ou decisões judiciais por parte dos

responsáveis pela obra. Muitas vezes o Movimento Xingu Vivo Para

Sempre tem em primeira mão informações sobre o cumprimento ou não desses

acordos e decisões. Em um caso recente, com base em dados do Movimento

Xingu Vivo Para Sempre e do Instituto Socioambiental, denunciamos à

Justiça que a Norte Energia não cumpriu obrigações assumidas ao

receber a licença prévia para o projeto. Falta construção de escolas,

postos de saúde, hospitais e obras de saneamento nos municípios e

localidades diretamente afetados.

6 - Como o MPF vê o conteúdo da informação do Movimento Xingu Vivo?

Procurador Felício - Tanto as informações do Xingu Vivo quanto as levadas

ao MPF por outros movimentos sociais são decisivas para a tomada de

decisões pelo MPF. Até hoje não houve informação do Movimento Xingu Vivo

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83

que tenha se mostrado inverídica. Isso nos motiva a considerar essa fonte de

dados como imprescindível.

7 - Qual é a importância da informação clara, precisa e transparente sobre

Belo Monte? A falta desse perfil de informação fere a democracia no

País?

Procurador Felício - A informação pública e precisa é fundamental para o

planejamento, decisão sobre o interesse na execução e eventual execução de

quaisquer projetos públicos, sobretudo em projetos capazes de impactar tão

intensamente uma região toda, como é o caso de Belo Monte. A falta

dessas informações não fere a democracia. Faz pior: acaba com ela. Sem

informação não há diálogo, e a democracia se sustenta no diálogo, na

construção conjunta de um país. E é preciso lembrar o seguinte: além de

Belo Monte, o governo está construindo ou em vias de tentar construir

diversas outras hidrelétricas na Amazônia. A pergunta que o MPF,

movimentos sociais e pesquisadores fazem é a seguinte: qual o impacto

que essas obras podem gerar juntas? Quais as consequências dos impactos

se ocorrerem cumulativamente? Não há uma linha de informação do governo

sobre isso.

8 - Você vê que a comunicação do Movimento se comparada a do governo

é uma concorrência desleal, já que a do movimento se dá hoje

basicamente no jornalismo e publicidade pela internet e a do governo

envolve jornalismo, publicidade e propaganda e acontece por meio de

diversas mídias?

Procurador Felício - Sim, é impossível competir com gestores que preferem

investir dinheiro público em orçamentos milionários de publicidade a organizar

audiências públicas que sigam a legislação, que garantam o direito ao debate.

Como Belo Monte foi projetado e está sendo realizado, é uma ideia

indefensável de vários pontos de vista – jurídico, econômico,

político – por isso é sempre mais fácil acobertar a fragilidade da

ideia por meio de investimentos enormes em publicidade, por meio de

imagens e slogans que não condizem com a realidade.

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9 - O Governo Federal tem utilizado as informações sobre Belo Monte de

forma transparente junto à sociedade?

Procurador Felício - Nem um pouco. São sempre informações insuficientes,

incompletas, não comprovadas. É apenas um discurso marqueteiro, não é

realmente comunicação pública. Não há espaço para o debate. Temos

dezenas de estudos, alguns produzidos por grupos de dezenas de

pesquisadores, que apresentam uma série imensa de questionamentos ao

governo. Esses questionamentos são simplesmente ignorados, jogados para

debaixo do tapete.

10 - A comunicação do Movimento seria parcialmente eficaz junto à

sociedade, já que a obra de Belo Monte continua?

Procurador Felício - Não podemos dizer que a continuidade da obra seja

apenas uma questão de falta de comunicação, de informação sobre as

irregularidades existentes. Seria uma simplificação exagerada. Os movimentos

sociais, o MPF, a Defensoria Pública, estudantes, acadêmicos, institutos de

pesquisa, organismos nacionais e internacionais de defesa das leis e dos

direitos humanos estão todos os dias produzindo mais e mais informações,

estatísticas, projeções e análises sobre o caso, mas infelizmente

essa massa de dados é ignorada pelo governo, empresas responsáveis pela

obra e pela Justiça. E não podemos negar o aspecto cultural envolvido:

ainda vivemos em uma sociedade que considera que obras de grande porte

são sinônimas de progresso, apesar das diversas indicações de

pesquisas que mostram que o desenvolvimento só merece esse nome se for

sustentável.

11 - Em sua opinião, a batalha de Belo Monte é comunicacional, jurídica

ou política?

Procurador Felício - É comunicacional, é jurídica, é política, é educacional, é

financeira. É uma questão que põe em xeque a seguinte questão: qual é o

modelo de desenvolvimento que o mundo quer? É o baseado na exploração

predatória dos recursos naturais ou é aquele que leva em consideração a

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sustentabilidade? É o que gera riqueza material para poucos seres

humanos em detrimento da miséria e da morte de muitos outros seres

humanos e da morte da natureza ou é o baseado em um tipo de mentalidade

que se preocupa com o bem-estar das próximas gerações?

Perguntas para a Ascom/MPF:

1 - A Assessoria de Comunicação do MPF já utilizou informações do

Movimento Xingu Vivo para Sempre? Como?

Ascom/MPF - Sim. As informações produzidas pelo Movimento Xingu Vivo

para Sempre são cotidianamente utilizadas pela assessoria de comunicação do

MPF. É o movimento que muitas vezes tem em primeira mão informações

sobre impactos sofridos pelas comunidades atingidas pelo projeto Belo Monte,

sobre as reivindicações apresentadas por essas comunidades e sobre o

resultado de reuniões e manifestações promovidas pelas comunidades, por

exemplo. Além de esses dados servirem para a assessoria de comunicação

do MPF informar a equipe do MPF sobre a situação dessas comunidades,

também são sempre utilizados como fonte de informações repassadas a

jornalistas que buscam dados como MPF.

2 - Já houve informação do MPF que silenciou na grande mídia, mas

repercutiu de outra forma no Movimento Xingu Vivo? Conte-me qual foi a

notícia, quando e de que forma isso ocorreu?

Ascom/MPF - As informações produzidas pelo MPF, sejam os releases

publicados pela assessoria de comunicação ou peças processuais produzidas

pelos procuradores da República que atuam contra as irregularidades do

projeto Belo Monte, são sempre motivo de muita repercussão nas ferramentas

de comunicação do Movimento Xingu Vivo e nos meios de comunicação

dirigidos pelo movimento (reuniões, encontros com as comunidades afetadas,

entrevistas a jornalistas). As irregularidades do projeto Belo Monte são todas

geradas por violações às leis. Dentre essas violações, algumas das mais

recorrentes são às violações ao direito da sociedade à informação e à

transparência dos dados públicos. Assim, quaisquer publicações de releases

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ou peças processuais que permitam à sociedade ver ampliado o acesso à

informação ou à discussão sobre esse tema, é extremamente válida e utilizada

pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre e por outros movimentos sociais e

instituições que defendem o respeito à legislação e ao ser humano.

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ANEXO A – Alguns dados do Relatório do Painel de Especialistas

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O relatório do Painel de Especialistas, ligado a universidades e centros

de pesquisas nacionais e internacionais, contrapõem diversas questões que

constam no EIA/Rima. Dentre elas, as 12 abaixo são instigantes para o

Movimento Xingu Vivo para Sempre, que sempre as utiliza para contrapor às

informações do governo federal:

1 - O primeiro fator a chamar atenção – e um dos menos destacados pelo

governo federal – é a destinação da energia a ser gerada UHE Belo Monte.

Aproximadamente 80% da eletricidade atenderão as empresas do Centro-Sul

do país. Até 20%, caso a negociação realizada entre a União e o governo do

Pará se concretize, ficarão para atender empresas eletrointensivas deste

estado, principalmente as Vale e Alcoa. Gerarão vantagens competitivas para

estes grupos no cenário internacional, mas não proverão nem 1 quilowatt (KW)

para as comunidades amazônicas que até hoje não possuem energia elétrica.

2 - Também não é divulgado que a energia prometida (aproximadamente 11 mil

megawatt (MW), só será entregue durante quatro meses no ano. Em outros

quatro meses a usina funcionará apenas com 30% a 40% de sua capacidade

máxima; nos quatro meses restantes, não gerará praticamente nenhuma

energia. A média anual ficará em torno de 4,5 mil MW, segundo os dados da

própria Eletrobrás – uma média muito baixa quando se faz a relação custo-

benefício, podendo inclusive inviabilizar financeiramente o projeto.

3 - O estudo entregue pela Eletrobrás ao IBAMA não informa que mais de 20

mil pessoas serão obrigatoriamente deslocadas das áreas onde vivem,

deixando para trás suas relações sociais e econômicas, além de elementos

materiais de suas memórias. Chama atenção que o EIA utiliza como parâmetro

a média brasileira de componentes por grupo familiar, entre três e quatro

pessoas. Na região amazônica, porém, a média é outra. A bibliografia

disponível indica que o grupo familiar é composto, em média, por 5,5 a 7

pessoas. As consequências deste equívoco são graves, pois ao subestimar a

população remanejada não é possível pensar corretamente as estruturas e

equipamentos sociais necessários para atender quem precisará de moradia,

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escola, posto de saúde, estradas e outros equipamentos públicos. Problemas

semelhantes já se manifestaram nas construções das hidrelétricas de Tucuruí

(PA), Balbina (AM) e Samuel (RO).

4 - O EIA de Belo Monte afirma que o reservatório, com 516 Km², atingirá

diretamente três municípios: Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo. Porém,

especialistas afirmam que Anapu e Senador José Porfírio também serão

afetados pelo lago. O estudo oficial diz que onze municípios sofrerão impactos

socioeconômicos e ambientais da hidrelétrica: Altamira, Senador José Porfírio,

Anapu, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo,

Gurupá e Medicilândia, perfazendo mais de 300 mil habitantes. Pautado nesta

informação, o MPF tem apresentado uma das contestações ao processo de

licenciamento. Se o próprio EIA informa que onze municípios sofrerão

impactos, sustentam os procuradores do Ministério Público, então, não são

suficientes as quatro audiências públicas realizadas – em Belém, Altamira,

Brasil Novo e Vitória do Xingu. Faltaram a participação, o amplo debate e os

esclarecimentos à população afetada, razões de ser das audiências.

5 - A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas

e Energia (MME), afirmou, em outubro de 2009, que o custo de Belo Monte

seria R$ 16 bilhões de reais. Cinco meses depois, e um mês após a emissão

da LP, a EPE reavaliou este custo, estimando-o em aproximadamente R$ 20

bilhões. As empreiteiras, principais interessadas na construção da usina,

avaliam que o valor final não será menor que R$ 30 bilhões. Esta indefinição

sobre o custo total da obra impossibilita uma segura avaliação em relação ao

custo-benefício e à viabilidade econômica. É importante frisar que não estão

sendo consideradas a rede de transmissão de energia, subestações, e outras

estruturas necessárias ao completo funcionamento do complexo hidrelétrico.

Em março de 2010, a EPE também elevou, em mais de 20% (de R$ 68 para

R$ 83), o preço-teto da energia vendida nos leilões da Usina de Belo Monte.

6 - Os empreendedores estimam que aproximadamente 100 mil pessoas

migrem para a região, principalmente rumo à cidade de Altamira. Alguns

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especialistas falam que este número, como outros informados pelo governo,

também está subestimado. Calculam, amparados no que ocorreu em obras

semelhantes, um mínimo de 150 mil pessoas. A Eletrobrás observa no

EIA/Rima que 18 mil empregos diretos serão gerados no pico da obra, no

terceiro e o quarto anos de construção. Somados os 23 mil empregos indiretos

previstos, seriam 41 mil postos de trabalho. Nas contas do próprio governo,

portanto, aproximadamente 60 mil pessoas que migrarão não terão emprego

em nenhum momento. A obra deve durar dez anos. No final da construção, a

quantidade de empregos estimados é de apenas 700 diretos e 2,7 mil indiretos.

O EIA/Rima avalia que 32 mil migrantes deverão ficar na região após o término

da obra, a maioria em Altamira.

7 - De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas

(IPCC, na sigla em inglês) o metano (CH4) é um gás de efeito-estufa que

causa um impacto 25 vezes maior no aquecimento global que o gás carbônico,

por tonelada emitida. As hidrelétricas são responsáveis pela liberação de

metano, pois a vegetação que fica submersa com a formação do lago (no caso

de Belo Monte, com mais de 500 Km²), libera, ao se decompor, grandes

quantidades do gás. A produção de CH4 também ocorre com o processo de

passagem da água pelas turbinas e vertedouros da hidrelétrica, algo ignorado

pelo EIA/Rima. As grandes hidrelétricas agravam em especial esta situação,

pois quanto maior a área alagada, e a água movimentada, maior a emissão de

metano.

8 - O EIA/Rima afirma que serão afetadas diretamente pela usina de Belo

Monte as Terras Indígenas Paquiçamba (do povo Juruna), e Arara da Volta

Grande do Xingu (do povo Arara), além da Área Indígena Juruna do quilômetro

17 (também do povo Juruna). O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma

que também será afetada diretamente a Terra Indígena Trincheira Bacajá (dos

povos Kayapó e Xicrin). Porém, mesmo reconhecendo este impacto direto, o

governo recusa-se a realizar as oitivas indígenas, conforme determinam o

artigo 231 da Constituição e a convenção 169 da Organização Internacional do

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Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Este também é um dos principais

questionamentos levantados pelo Ministério Público Federal.

9 - Com a construção da barragem principal da usina de Belo Monte, uma área

de aproximadamente 100 quilômetros, na chamada Volta Grande do Xingu,

terá a sua vazão de água reduzida a algo em torno de 30% do fluxo atual.

Sobre isso, o parecer técnico nº 114/2009, assinado por seis analistas

ambientais do Ibama, e um dos documentos básicos para a emissão da LP, é

claro. Diz o parecer: “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta

informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a

navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de

Vazão Reduzida]”.

10 - Para que as águas do rio Xingu possam fluir da barragem principal até as

vinte turbinas que estão previstas para Belo Monte, serão abertos dois

gigantescos canais no meio da floresta, o que movimentará aproximadamente

150 milhões de metros cúbicos de terra e 60 milhões de metros cúbicos de

rocha, equivalentes à movimentação de material realizada na abertura do canal

do Panamá. Os impactos não foram totalmente contabilizados no EIA/Rima de

Belo Monte, além de não ter sido fornecida informação clara sobre o local onde

o material retirado será depositado, caso a obra avance.

11 - O parecer técnico nº 114/2009 também afirma que “tendo em vista o prazo

estipulado pela presidência [do Ibama], esta equipe não concluiu sua análise a

contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade

apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das

audiências públicas”. Porém, em relação ao que puderam identificar, os

analistas ambientais destacam, além das questões referentes ao TVR, o não

dimensionamento a contento dos impactos decorrentes do afluxo populacional

para a região. Em consequência, podem ser insuficientes as medidas que

tentarão preparar a região para receber tal afluxo, além de estar indefinida a

responsabilidade de cada agente público nas ações necessárias. Um terceiro

elemento apresentado no parecer 114/2009 é um elevado grau de incerteza em

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relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos

canais da hidrelétrica.

12 - A Licença Prévia nº 342/2010, emitida pelo Ibama em 1º de fevereiro de

2010, apresentou quarenta condições para a execução da obra. O

cumprimento de várias delas, porém, só poderá ser atestado após a conclusão

e pleno funcionamento da obra. É o caso da garantia de qualidade da água,

navegação e modos de vida da população da Volta Grande do rio Xingu. A

licença também posterga a apresentação das estratégias para garantir a

infraestrutura que antecede as obras. Ela só será definida depois da escolha da

empresa que gerará a energia. Estas indefinições estão sendo questionadas

por diversos movimentos sociais, ONGs e Ministério Público. Entende-se que

não é possível adiar o atendimento destas condicionantes.

Fonte: Artigo “Belo Monte: doze questões sem resposta”, de Dion Monteiro,

2010.