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tese de mestrado

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - RJ

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

POR UMA REFORMA DOS SISTEMAS

HORIZONTAL E VERTICAL DE DIVISÃO

DE FUNÇÕES DO ESTADO

DISSERTAÇÃO APRESENTADA A ESCOLA

BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA

Rio de Janeiro

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

POR UMA REFORMA DOS SISTEMAS HORIZONTAL E VERTICAL

DE DIVISÃO DE FUNÇÕES DO ESTADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR

MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA

APROVADA EM 2£/õ*> /2-QOJL

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

ProP. Deborah Moraes Zouain

Doutora em Engenharia de Produção

Prof. Aspásfa Brasileir

)outora em Sociolaín

Prof. Pauímde Bessa Antunes

Doutor em Direito

BARREIRA, Maurício Balesdent. Por uma reforma dos

sistemas horizontal e vertical de divisão de funções do

estado.

Não há realização minha que não tenha, direta ou indiretamente,

origem em Patrícia, Gabriel e Tiago. A eles dedico esta

monografia, como tenho dedicado todo meu viver.

Agradeço aos professores da EBAPE, em especial a Aspásia

Camargo e Frederico Lustosa, fontes constantes de inspiração, e

à Deborah Moraes Zouain, minha orientadora, bem como a todos

meus alunos de graduação e pós-graduação, pois de sua avidez

por conhecimento nasce a maior parte de meu estímulo para

refletir e estudar sempre.

SUMARIO

Dedicatória 4

Agradecimentos 5

Resumo 7

Abstract 9

Introdução 11

Metodologia 13

Objetivos do Estudo e a Delimitação do Tema 14

Capítulo I: A Reordenação da Divisão Horizontal das

Funções do do Estado: O Papel do Poder Legislativo 20

1. O Legislativo no Brasil: um Poder em crise 20

2. A Separação de Poderes 29

3. O Princípio da Legalidade 37

4. Primeira Proposição: A Revisão de Funções do

Poder Legislativo 49

Capítulo II: Federalismo à Brasileira 59

1.0 Modelo Federativo Brasileiro 59

2. Segunda Proposição: Instituições Regionais e

Federalismo 68

Conclusão 79

Bibliografia 83

RESUMO

Enquanto muito se discute nos meios acadêmicos e no próprio

Congresso Nacional o teor das reformas política, tributária e

previdenciária, todas elas, aliás, fundamentais ao país, esta

monografia aborda outras dimensões de reforma, relacionadas à

organização funcional do Estado Brasileiro.

Assim porque a exigência de um Estado eficiente responde não

somente a questão de sua legitimidade, mas é, hoje, no ambiente

globalizado de intensa competição e de constante instabilidade,

imperativo do próprio desenvolvimento de uma nação, especialmente

o Brasil, que deve, paralelamente, enfrentar um enorme déficit social

acumulado.

Procura-se, então, discutir, numa visão prospectiva, uma nova divisão

de funções entre os Poderes Executivo e Legislativo, especialmente

no que concerne à produção normativa, cujo modelo atual, ainda

fundado no dogma da reserva de lei, apresenta-se incapaz de

responder com o grau de agilidade e competência que se exige do

Estado atual. Remanesce, obviamente, a preocupação com a

preservação dos valores democráticos e com a contenção do poder do

Executivo, que instruíram a formação dos Estados constitucionais,

mas a monopolização, pelo Legislativo, da produção de normas gerais

e abstratas não é fator imprescindível ao alcance de tais objetivos e

sequer corresponde ao modelo empiricamente em vigor no Brasil.

No outro aspecto, da divisão vertical de funções determinada pelo

modelo federativo brasileiro, aborda-se a "crise de relacionamento"

entre os Entes Federativos, que se nota na dificuldade de adoção de

políticas públicas conjuntas, problema que mais se agrava ante à

justa demanda da sociedade em encontrar, para seus organismos,

espaço de participação nessa mesma seara.

Deixando à parte algumas sugestões de reconfiguração federativa,

com inclusão ou exclusão de Entes, o presente estudo procura

defender a adoção de soluções institucionais para a concretização da

cooperação entre os Entes e para participação da sociedade na busca

do interesse público.

ABSTRACT

While discussions go on within academic environment and The

National Congress over reforms, be it political, tributary or on social

welfare — actual subject in Brazil which is, indeed, primordial — the

present monograph reaches into different paradigms on amendments,

focusing the functional organization of the Brazilian State.

The demand of an efficient State is due to the matter of legitimacy, as

well as — within the contemporary globalized world, with intense

competition and frequent instability — it is peremptory to the

development of a country, particularly Brazil, which should,

concomitantly, meet its huge social déficit.

Thus, in a prospective point of view, one intends to scrutinize a new

division of tasks between the Executive and Legislative; specially

concerning normative production, which the current model — still

based on the 'reservation of law' dogma — is unable to respond as

nimble and proper as nowadays' State may claim. Prevails the

apprehension with the preservation of democratic values along with the

restraint of the Executive's power — which, both, answer for the

development of constitutional State. Nevertheless, the Legislative

monopolization of the general and abstract production of norms is not

vital to achieve the referred goal; neither does it correspond to the

current model in Brazil.

On the hierarchical division of functions aspect, set by BraziliarTs

federative model, the "relationship crisis" between Federative Entities

is analyzed. Such crisis points out the obstruction to adopt public

policies as a whole — an increasing problem, inasmuch as society

strives delegation for its body politic.

Not examining possible federative recostructions, such as Entities'

omission or comprehension, this essay works on the adoption of

institutional solutions to form a coalition between these Entities, and to

stimulate the participation of society in public issues.

10

INTRODUÇÃO

A presente monografia encontra-se sistematizada em quatro partes

distintas, com o seguinte teor:

Na primeira, caracteriza-se a estrutura e a forma do texto, abordando

seus objetivos, a delimitação do tema e a metodologia utilizada.

No segunda (Capítulo I), discorre-se sobre o Poder Legislativo e os

princípios correlatos a sua função no Estado de Direito. A

demonstração de que a Teoria da Separação de Poderes buscava

responder a demandas do Estado Liberal erigido no século XVIII, de

manutenção do poder pela burguesia (em face do monarca e da

própria "massa" popular), e que nesse intento seu caráter instrumental

revelou-se mo uso de proteções meramente formais, como o princípio

da legalidade, leva à conclusão da inadequação de um sistema em

que os poderes são separados.

Remanesce, sim, a divisão funcional de competências entre os

poderes, sem, no entanto, que tal se dê em regime de monopólio das

atribuições que lhes dão nome. Na função de produção normativa, que

demanda em si mudança brusca, quer pela retirada do âmbito do

Estado de um amplo espectro de matérias, fundada no princípio da

subsidiariedade, quer pelo enxugamento do rol de assuntos

submetidos à reserva de lei (princípio formal), admitindo-se que

apenas as que se refiram aos direitos fundamentais, às garantias

democráticas, à segurança jurídica e outros meios essenciais de

manutenção de um Estado de Direito Democrático devem a ela

adstringir-se, estendendo-se, quanto às demais, a capacidade

normativa do Poder Executivo.

Na terceira parte (Capítulo II), dá-se a análise da divisão vertical de

funções perpetrada na adoção do federalismo, e após rápida análise

de sua origem no mundo, parte-se da constatação de que, no Brasil, a

dicotomia centralismo-descentralização acompanhou toda sua

trajetória histórica e que tal aspecto determinou especial dificuldade de

inter-relação entre os entes federados, problema que não encontra

solução senão na criação de instâncias institucionais próprias à ação

conjunta.

Assim, propõe-se a criação de instâncias - algumas personalizadas e

outras não personalizadas - titularizadas por União, Estados,

Municípios, setor produtivo e pela a sociedade civil organizada,

constituindo-se uma simulação da própria vontade geral, em âmbito

regional, de forma a otimizar a atividade estatal e mesmo de

demonstrar a propriedade da manutenção de um Estado Federal.

No último bloco, procura-se um adequado concerto entre as duas

proposições cunhadas, a partir da premissa de que tanto a divisão

vertical quanto a horizontal devem justificar-se diante do princípio da

eficiência, de observância imperiosa ao Estado contemporâneo.

12

A METODOLOGIA UTILIZADA

Trata-se de monografia de análise teórica, cujo desenvolvimento se

dá, como prescrevem Tachizawa e Mendes1, mediante uuma análise

crítica ou comparativa de uma teoria ou modelo já existente, a partir

de um esquema conceituai bem definido".

O meio de investigação utilizado foi fundamentalmente bibliográfico,

com o que se procurou determinar, a partir de um estudo exploratório,

o quadro de insatisfação quanto aos modelos de divisão de poderes e

de federalismo em vigor no Brasil. A partir desse delineamento de

correntes doutrinárias atreladas às idéias ora defendidas, foram

apresentadas algumas proposições teóricas para mudança dos

referidos modelos.

1 Takeshy Tachizawa e Gildásio Mendes. Coma Fazer Monografia na Prática. 6a. ed. Rio deJaneiro: Editora FGV, 2001.

13

OS OBJETIVOS DO ESTUDO E A DELIMITAÇÃO DO TEMA

Reforma do Estado é expressão um tanto equívoca, pois sob

sua égide têm surgido uma enorme gama de reflexões e propostas, e

a maior parte a identifica com apenas uma de suas dimensões (a

reforma administrativa, ou a reforma fiscal, por exemplo). De fato, uma

verdadeira reforma do Estado não tem como prescindir do

enfrentamento de questões políticas, econômicas e administrativas.

Mesmo que os paradigmas reinantes nos processos de reforma

de Estado já implantados ou em curso no mundo sejam, como nota

Sônia Fleury, "o novo gerencialismo e a perspectiva democratizante"2,

a abordagem deste trabalho, não obstante compartilhar dos principais

objetivos desses dois eixos - a eficiência administrativa e a

participação da sociedade -, adota norteamento próprio, na medida em

que privilegia a análise de questões que se referem à própria

organização do Estado.

Para reformar o Estado, porém, há de se ter claro o papel que se

deseja para esse Estado, como faz Adam Przeworski segundo seu

prisma:

"A reforma do Estado deve ser concebida

em termos de mecanismos institucionais pelos

2 \jn Reforma dei Estado, artigo publicado na Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro:Fundação Getulio Vargas, 35 (5): 16, set/out 2001.

14

quais os governos possam controlar o

comportamento dos agentes econômicos

privados, e os cidadãos possam controlar os

governos".

Parece óbvio que o objetivo que norteia a idéia de reforma é, via

de regra, variável segundo o modelo ideológico que o inspira, como se

depreende dos objetivos cunhados por Adam Przeworski, de

inspiração neoliberal, que parece prevalecer nas experiências norte-

americana, inglesa, australiana e neozelandesa, sob a forma do

managerialism, que compreende a idéia de emprestar da

administração de empresas técnicas gerenciais, fundadas na

flexibilidade, nos processos (e não na estrutura), na delegação de

poder, na fixação de metas, no desempenho e na responsabilização

(accountability) dos funcionários e no foco no cliente

Não obstante a inspiração ideológica, parece igualmente claro

que as medidas propostas e tomadas no bojo das reformas têm um fio

condutor comum, qual seja, conferir ao Estado mais eficiência e

eficácia em suas ações, alcançando o devido equilíbrio entre, de um

lado, as limitações fiscais, e de outro, as expectativas dos cidadãos.

A Eficiência, que sempre se exigiu do Estado - ao que parece

com êxito reduzido -, como ocorre no Brasil agora com expressa

elevação do princípio correspondente à égide constitucional (art. 37,

caput), ganha contornos ainda mais rígidos, com a parametrização da

eficiência privada a se impor, mesmo que a superioridade desta não

15

seja sempre um dado de realidade, mas muitas vezes uma mera

imagem produzida pela propaganda e pela própria comparação com a

combalida administração pública burocrática.

De fato, a mudança cultural, fortemente estimulada pela recente

revolução tecnológica e pelo fenômeno da globalização, fez ampliar a

demanda geral por eficiência dentre os cidadãos, que a exigem do

Estado como o fazem, na qualidade de clientes, de seus fornecedores

privados. É o que alertam Moreira Neto e Rabello de Castro (1998:

53)3:

"E aqui se chega à palavra-chave d

globalização: eficiência...Com efeito, as

pessoas querem ver seus interesses

satisfeitos, pouco importando quem o faça: se

será uma empresa ou uma entidade

governamental, se nacional, multinacional ou

estrangeira."

É que, seja qual for o modelo de Estado pretendido, mais ou

menos interventor, mais ou menos preocupado com as políticas

sociais, há necessidade de modernização dos procedimentos da

Administração Pública que o instrumentaliza, preocupação que, de

certa forma, sempre permeou os Estados modernos, como se viu na

reforma pombalina, ou, no Brasil, na reforma "Daspiniana" de 30, ou

na impetrada pelo Decreto-lei 200, em 1967.

16

Não se pode negar o acerto das constatações de Abrucio (1999:

175) acerca do modelo de Estado que se esfacelou a partir dos anos

70 a olhos vistos e por todos os lados do mundo - o Estado do Bem-

Estar Social, interventor e apoiado no modelo burocrático weberiano4-

comprometido pela crise econômica mundial dos anos 70 e 80, cuja

face recessiva pôs o Estado frente à forte crise fiscal, a qual, por sua

vez, agravou sua incapacidade para responder às demandas dos

cidadãos, gerando crise de legitimidade e de governabilidade.

É natural que se associe a idéia de reformar o Estado às debilidades

do regime burocrático, cujas disfunções suplantam suas qualidades.

Não se pode, portanto, negar a necessidade de revisão de diversos

mecanismos mediante os quais o Estado se move, boa parte deles

relacionados à Administração Pública - termo que designa, pelo

critério formal, o complexo de órgãos responsáveis pela função

administrativa, e pelo material, o complexo de atividades concretas

desempenhadas pelo Estado, visando o atendimento de necessidades

coletivas - de forma a que esse Estado adapte-se à nova realidade do

mundo globalizado, em que predominam as "regras de mercado" e se

torne, quanto ao menos, o que irônica e precisamente denominou o

sociólogo Michel Crozier de "Estado Modesto" (1989:10)5.

3Moreira Neto, Diogo de Figueiredo & Rabello de Castro, Paulo. O Futuro do Estado: do pluralismoà desmonopolização do poder. ]n O Estado do Futuro. Ives Gandra da Silva Martins (coordenador)

. São Paulo: Pioneira, 1998.

4Abrucio, Fernando Luiz. Artigo. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma daadministração pública à luz da experiência internacional recente. In Reforma do Estado e

Administração Pública Gerencial. Orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Kevin Spink. 3a. ed.

Rio de Janeiro: Editora FG, 1999.

5Crozier, Michel. Estado modesto, Estado moderno: uma estratégia para uma outra mudança.Tradução de J.M. Villar de Queiroz. Brasília:FUNCEP, 1989.

17

Ocorre que as propostas e reflexões que permeiam o tema

Reforma do Estado induzem à idéia de que é suficiente, para que o

Estado se torne mais eficiente e eficaz, que suas funções e objetivos

sejam definidos claramente (o que fazer) e que sua máquina

administrativa seja modernizada {como fazer), quando o que pretende

demonstrar a presente dissertação é que fatores estruturais do

Estado, relacionados à distribuição de suas funções e à própria

origem das diretrizes governamentais (a quem compete fazer)

deveriam receber tratamento prioritário e antecedente.

Destarte, cabe investigar se remanesce válida a premissa de

limitação de poder que instruiu os ideais do Estado Moderno,

mediante a clássica tripartição de poderes concebida por Locke e

Montesquieu, a qual encontra correlação direta com os ditames

federalistas (também já vislumbrados por Montesquieu), que

igualmente visam a evitar a concentração de poder em uma só pessoa

política. Tratou-se de conter o poder mediante separação horizontal

(dos Poderes) e vertical (entes federais).

Ou, se inadmitindo que ainda caiba ao Estado o monopólio do

Poder, que nessa hipótese dissemina-se na sociedade - é o Estado

pluriclasse, como conceituado por Massimo Severo Giannini

(1988:60)6 -, é a busca da eficiência que se apresenta como elemento

norteador dessas divisões verticais e horizontais de funções (não mais

de poder) perpetradas pelos princípios da separação de poderes e

18

federativo, e dessa forma o ponto ótimo de equilíbrio dessas divisões

deve ser intentado tão-somente com vistas a tornar o Estado mais

eficaz.

Nesse sentido, o presente estudo assume caráter propositivo, ao

procurar demonstrar que esses sistemas de divisão de funções devem

ser permanentemente flexibilizados, tanto, no que concerne aos

poderes constituídos, mediante a redistribuição do rol de atribuições

de cada qual, quanto, no âmbito da divisão federativa, por intermédio

de alternativas institucionais que permitam uma cooperação sem

interferência entre os entes federados.

É, pois, por considerar que a relação entre os Poderes e o

modelo federativo constituem os eixos sobre os quais se erige o

Estado, que o presente estudo pretende abordar suas peculiaridades,

os motivos das crises que os cercam e as propostas e perspectivas de

mudança que sirvam a propiciar a aplicação das demais dimensões, já

amplamente debatidas, da reforma do Estado Brasileiro.

In Trattatodi Diritto Amministrativo, Padua, CEDAM, 1988.

19

CAPÍTULO I : A Reordenação da Divisão Horizontal das Funções

do Estado: O Papel do Poder Legislativo

1. O Legislativo no Brasil: um Poder em crise

Desde que o Estado passou a assumir uma maior gama de

atribuições, incorporando as chamadas funções sociais, ampliou-se e

especializou-se o papel do legislativo, posto a estabelecida

precedência da lei ante a atividade executiva, fenômeno que por certo

tanto contribuiu para ampliar sua importância, quanto seu

questionamento.

Já então o poder executivo se pretendia ágil a responder às

novas demandas, e para tanto especializava o chamado aparelho de

Estado (especialmente a burocracia), processo esse para o qual não

contribuía a morosidade e o conservadorismo do legislativo, já

ressaltado por Huntington acerca do Congresso americano:

"Velhas idéias, velhos valores, velhas

crenças custam a morrer no Congresso. A

estrutura do Congresso encoraja sua

perpetuação"7

7 Huntington, Samuel. Congressional Responses to the Twentieth Century. In Truman, David. Ed.The Congress and America's Future. New York, Prentice-Hall, 1965, p. 16. APUD Abranches,

Sérgio Henrique Hudson de & Soares, Gláucio Ary Dillon. As Funções do Legislativo. Revista de

Administração Pública, 7(1):p. 74, jan//mar 1973, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1973.

20

A associação do Poder Legislativo à idéia de conservadorismo,

de instabilidade, de inoperância, de crise, enfim, praticamente

acompanhou toda a história dos parlamentos, e não foi diferente no

Brasil.

É bem verdade que as câmaras municipais das primeiras vilas

do Brasil-colônia até o século XVII gozavam de grande autonomia de

fato, em razão da ausência de maior controle da metrópole, mas esses

tempos já vão longe e há de se notar que tais instituições ainda

exerciam funções policiais, judiciárias e administrativas - não havia

separação de poderes.

Desde então, até a outorga da primeira constituição brasileira,

em 1824, o Poder Legislativo manteve-se, como as demais

instituições, sob dependência dos monarcas, como sói ocorrer em

regimes como o aqui então em vigor.

A inauguração de nosso período constitucional deu-se sob a

influência dos ventos liberais da Constituição americana, mas,

permanecendo o regime monárquico, preservou-se o poder do

imperador mediante a inserção de um quarto poder, o moderador, que

exercido conjuntamente com o Executivo, excluía o Legislativo de

qualquer esfera decisória.

O advento da república não alterou a correlação de forças entre

os poderes, com a adoção do presidencialismo justificada pela tese da

incompatibilidade entre parlamentarismo e federalismo, encampada

21

por Rui Barbosa8. Prevalecia o Poder Executivo, sustentado na

política dos governadores e no coronelismo9, sistema que se manteve

por muito tempo e excluía qualquer participação dos demais poderes,

como bem ressalta José Afonso da Silva acerca da Primeira República

(1889-1930):

"A Constituição enumerava, é verdade, as

matérias de competência presidencial, mas isso

não tinha maior significado, porque o poder

estava para além (ou para aquém, segundo as

circunstâncias) do formalismo constitucional. A

realidade forjou um presidencialismo de mando,

sem freio e sem contrapeso constitucional."

A Segunda República, iniciada com a revolução de 1930 sob

liderança de Getulio Vargas, pôs por terra qualquer eventual aspiração

de retomada de força do Poder Legislativo; foi, aliás, anulado pelo

Governo Provisório, que avocou para o Poder Executivo a própria

função legislativa, até que eleita a Assembléia Constituinte.

A Constituição de 1934, mesmo alterando a estrutura do Poder

Legislativo, com o abandono do bicameralismo puro mediante a

Barbosa, Rui. Comentários à Constituição Federal brasileira. São paulo:Saraiva, 1933, p. 404,

APUD Silva, José Afonso. Presidencialismo e Parlamentarismo no Brasil. Revista de Ciência

Política. Rio de Janeiro: FGV, 33(1) 9-32, nov. 1989.

"O Coronelismo resulta da superposição de um amplo regime representativo a uma estrutura econômica e

social inadequada. Manifesta-se em um compromisso, uma troca de favores, entre o poder público, que se

fortalece e a influência social dos chefes locais (poder privado), calcada na estrutura agrária". In Leal, Victor

Nunes. Coronelismo, Enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-

Omega, 1975.

22

retirada da função legiferante do âmbito do Senado - transformado em

um tipo de conselho (ou órgão de controle) cuja atribuição principal

consistia na busca da coordenação dos poderes - trazia conotação

formal que propiciava maior equilíbrio entre os poderes, o que não

logrou ocorrer porquanto as forças políticas dominantes já indicavam o

intuito de manutenção do status quo ante, e o Poder Legislativo

mantinha-se fraco na prática, "dominado que era por tendências

oligárquicas e conservadoras"10.

No período entre 1937 e 1945, sob a égide da chamada

"Constituição Polaca"11, o Senado é substituído por um Conselho de

Estado, instaura-se censura prévia, pena capital, afinal mecanismos

típicos de um período ditatorial, que reforça, obviamente, ainda mais

as competências presidenciais, como deixava claro o art. 73 da

citada Carta de 37:

"art. 73. O Presidente da República,

autoridade suprema do Estado, coordena a

atividade dos órgãos representativos, de

grau superior, dirige a política interna e

externa, promove e orienta a política

legislativa de interesse nacional, e

superintende a administração do país."

O processo de redemocratização do país sacramentada na

Constituição de 1946 foi protagonizado pelo Legislativo e tal papel

10 Silva, José Afonso. Op. cit., p. 18.

23

garantiu um período de estabilidade e equilíbrio na relação entre os

poderes; mas já vigorava uma nova correlação de forças políticas,

com partidos diversos e movimentos alheios às oligarquias

tradicionais, realidade essa que gerou mais tarde ferrenha disputa pelo

poder e substancial instabilidade política, quadro que se manteve

durante a vigência do sistema parlamentarista de governo e impediu

que o Poder Legislativo exercesse na plenitude suas funções de

Estado - salvo as políticas - mesmo que, talvez pela primeira vez na

história deste país, gozasse de prerrogativas formais e materiais para

exercê-las.

Mas não foi pequena a importância do Legislativo no decorrer

das diversas crises políticas vivenciadas nos anos 50 e início dos anos

60. Nesses momentos parecia revelar-se uma oculta força, a se

contrapor à imagem corrente de ineficiência que revestia todas as

casas legislativas. Afonso Arinos, no início dos anos 60, já defendia

que o Congresso deveria "controlar a legislação sem legislar", ao

qualificar a legislação editada pelo Legislativo como 'esparsa, muitas

vezes supérflua, quando não demagógica e desligada das

verdadeiras necessidades públicas"12, o Ministro do Supremo

Tribunal Oswaldo Trigueiro, em seminário realizado pela Universidade

de Brasília sobre a Reforma do Poder Legislativo, também já se

pronunciava pela revisão das funções do Poder Legislativo, em

especial no campo legislativo, criticando a atuação do Congresso :

Boa parte da doutrina nela constatou inspiração da Constituição Polonesa, considerada de natureza fascista.

24

"Ele vota poucas leis, e as poucas que

vota, pelos defeitos do processo legislativo, não

são evidentemente de melhor qualidade"13

Novos ventos favoráveis ao Legislativo somente surgiram com a

"Constituição-cidadã" de 1988 (antes disso, sob o regime militar,

manteve-se a regra de submissão ao Executivo). Considerada um dos

corolários da redemocratização do país e da nova realidade

constitucional, a ampliação da importância do Poder Legislativo na

condução do Estado concretizou-se em princípios e normas

constitucionais.14

Criou-se a expectativa de que o Poder Legislativo seria

verdadeiro co-gestor do Estado, postos a valorização de seu papel na

atividade legislativa - que lhe dá nome - , com a redução do rol de

matérias cuja iniciativa de lei pertence, privativamente, ao Poder

Executivo, bem como nas atividades de fiscalização e controle.

Chegou-se a afirmar que a despeito de se ter ratificado a opção pelo

sistema presidencialista, resultará da discussão um "sistema híbrido",

dados os poderes substanciais deferidos ao parlamento. A prática,

entretanto, afasta tal avaliação.

12 Mello Franco, Afonso Arinos de. Evolução da crise brasileira. São Paulo: Cia. Editora Nacional,1965, p. 35-36.

13 APUD Marinho, Armando de Oliveira. A Modernização do Poder Legislativo. Revista de CiênciaPolítica 7 (3): 104. Rio de Janeiro: FGV, 1973.

14É o que explica José Afonso da Silva, in op. c/f., p. 30: "Contudo, a Constituição tentou fortalecero Congresso Nacional na busca do equilíbrio dos poderes. Especialmente, ampliou-lhe as

atribuições, devouveu-lhe boa parte do poder financeiro, mormente quanto à iniciativa de leis

nesse campo, e reforçou seu poder de controle sobre oo Executivo e a Administração Federal,

dando, para tanto, maiores poderes às comissões parlamentares e ao sistema de controle externo,

com o auxílio do Tribuna! de Contas."

25

Parece claro hoje que essa valorização propiciada pela

Constituição de 1988 não se fez concretizar, quer por razões relativas

à própria debilidade das instituições e de seus quadros (os agentes

políticos in casu), situação que gera, quanto àquela, uma relação de

subserviência das Casas Legislativas perante o Poder Executivo e,

quanto a estes, conchavos políticos que maculam a independência do

Poder, quer pelos bruscos - considerando o processo histórico -

adventos da chamada era tecnológica e do fenômeno da globalização,

que agravam ainda mais o que se logrou chamar de ingovernabilidade

- segundo Habermas15, uma combinação de "crise de gestão

administrativa com crise de apoio político dos cidadãos", cuja

ocorrência repercute na própria concepção dos Poderes. Os dois

elementos determinaram importantes mudanças de paradigma nas

relações na sociedade como um todo e, como não poderia deixar de

ocorrer, impuseram impacto nas relações desta com o Estado.

Consolida-se, assim, uma tendência que já se alinhavara quando

o Estado assumiu a feição de Estado prestador de serviços (Welfare

State); ao assumir uma bem mais extensa (ou especializada) gama de

atribuições, fez-se imperativo ao Executivo tornar-se mais forte não só

em sua função natural (administrativa), mediante melhoria qualitativa

de seu aparelhamento burocrático e de suas relações com parceiros

privados, mas também na função legislativa, que aos poucos deixa de

ser exclusiva do Poder Legislativo.

15 Habermas Juergen. Raison e Légitimité - problèmes de légitimation dans le capitalisme avance(1973), trad. fr., Paris, Payot, 1978, p.70

26

Inverte-se, já a partir de então, sem aparente abalo da

democracia e do Estado de Direito, a hierarquia relativa entre Poderes

à qual se refere Gordillo16 - em que o Legislativo seria preeminente

em relação ao Executivo, sedimentando-se a prevalência do Poder

Executivo.

Se por um lado a informação se distribui com mais facilidade e

os instrumentos de participação popular nas ações de governo têm

seu uso difundido, por outro a celeridade imposta pelo mundo

globalizado da chamada era da informação torna inadequado e

ineficaz o atual (antigo) modo de legislar. O processo legislativo é, nos

moldes atuais, lento e não responde à administração de crises. Faz-

se, assim, acirrar a edição de normas e medidas pelo Poder

Executivo, o que, no contexto atual, constitui-se em grande parte em

clara subtração do campo competencial do Legislativo. Mas a

necessidade de rapidez em suas ações não explica tudo; o uso das

Medidas Provisórias pelo Governo Federal, quando indiscriminado e

quando ausentes seus pressupostos constitucionais, representa,

irremediavelmente, grave desrespeito ao princípio da separação entre

os Poderes.

Não se pode deixar de registrar que a inclusão das Medidas

Provisórias na Constituição de 1988 foi intentada pelos constituintes

como meio de equilíbrio entre as duas variáveis, a necessidade de

16Gordillo, Agustin. Princípios Gerais de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p.

52-57.

27

dotar o Executivo de meio de ação ágil e o refreamento do uso

autoritário, como se pode depreender da otimista afirmativa do

deputado Ferreira Lima, transcrita da obra de Figueiredo e Limongi:

"O decreto-lei, sempre abastardado pelos

regimes autoritários, reconquista a sua

roupagem democrática e os seus fundamentos

históricos como fator de modernização e

rapidez na ação administrativa nos casos de

importância e urgência, tão presentes no

mundo moderno."17

De fato o que se impõe é a revisão do próprio sistema de

separação de Poderes, cabendo ao Legislativo, em especial, encontrar

novo rumo, com valorização das funções de planejamento (formulação

e discussão de políticas públicas), controle e fomento. Essa mudança

insere-se na natural evolução da estrutura de poder do Estado, cuja

organização se altera, ora - como está a ocorrer - ao atribuir funções

(novas) a uma gama maior de órgãos, ora - como se impõe ocorrer -

a rever a estabelecida divisão de funções entre os Poderes.

E seja como reação ao mencionado incremento das iniciativas

legislativas por parte do Executivo, como supõem Abranches e

Soares, ou porque de fato a atividade de controle representar

prioritariamente - ela, sim, e não a atividade legislativa - a função do

17 Figueiredo, Angelina Cheibub & Limongi, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordemconstitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p.7.

28

Legislativo essencial ao Estado Democrático de Direito, dá-se que é

nesse campo que o Legislativo brasileiro tem obtido maiores tentos.

Aliás, os mesmos Abranches e Soares lembram que "para

Huntington, o Congresso, para subsistir e ser importante, não

precisa legislar. Sua função primordial deve ser o controle da

administração governamental.".

2. A Separação de Poderes

Mesmo que na Antigüidade Aristóteles (384 - 322 a.C), em sua

monumental obra Política, já identificasse e diferenciasse as

chamadas funções estatais ao classificar os atos correspondentes em

três tipos - deliberações sobre assuntos de interesse comum,

organização de cargos e magistraturas e atos judiciais -, por longo

período tal distinção se pôs em plano menor, ocultada pela

preponderância dos monarcas, que as personificavam e exerciam de

forma una.

Somente muitos séculos depois, quando da criação dos grandes

Estados territoriais, o estudo dos poderes do Estado retoma

relevância com a obra do francês Jean Bodin (1530 - 1596), precursor

da dicotomia público-privado e grande teórico da soberania que, não

obstante, nega o equilíbrio (de poderes) ao vislumbrar um poder

predominante (poder soberano - o Estado) e outros subordinados

(funções de governo); também trouxe à baila tal discussão Hobbes,

29

em sua defesa da indivisibilidade do poder e em sua crítica aos

governos mistos18, mesmo repelindo a idéia da separação das funções

do Estado.

Mas foi Montesquieu, em sua concepção de "governos

moderados" - contrapostos a "governos despóticos" - que

efetivamente lapida e formula a teoria da separação de poderes,

considerada baluarte do moderno Estado de Direito. Fê-lo no Livro XI

de "O Espírito das Leis" partilhando o poder soberano segundo suas

funções - executiva, legislativa e judiciária -, o que representou

avanço em relação à citada teoria mista, como bem assevera Bobbio :

"O governo misto deriva de uma

recomposição das três formas clássicas, e

portanto de uma distribuição do poder pelas

três partes componentes da sociedade, entre os

diversos possíveis "sujeitos" do poder, em

particular entre as duas partes antagônicas - os

ricos e os pobres (patrícios e plebeus). O

governo moderado de Monstesquieu deriva,

contudo, da dissociação do poder soberano e

da sua partição com base nas três funções

fundamentais do Estado...'*9

18 Sistema político idealizado por Políbio (séc. II a. C.) na obra clássica História (Livro VI), quecombina as três formas clássicas de governo, na busca do equilíbrio e da contenção do poder.

19 Bobbio, Norberto. A teoria sobre as formas de governo. 10a edição (trad.), p. 70. Brasília: Ed.Universidade de Brasília, 2000.

30

Se a contenção do poder contra o abuso já era objeto da

preocupação de Políbio e, após, entre outros, de Locke, inovou

Montesquieu ao vislumbrar, como destaca Bobbio "ao lado de uma

divisão horizontal do poder...uma divisão vertical"20, atribuindo as

funções do Estado a órgãos diferentes - poderes como instituições -

de forma que "o poder limite o poder"21 (le pouvoir arrete le pouvoir).

Tal idéia (um ideal, até então) inspirou a Revolução francesa e, com

especial reforço da concepção do freios e contrapesos (também

sugerida pelo próprio Montesquieu), a Constituição americana.

Quer seja na qualidade de poder predominante (como

vislumbrado por Bodin e, após, por LocKe22), ou como um dos poderes

autônomos descritos por Montesquieu; quer seja para, como foi objeto

da preocupação desses pensadores, o controle do poder do executivo,

ou para fins de eficiência governamental, como após acrescido nos

artigos federalistas23, o papel do Legislativo no Estado Liberal - cuja

matriz sobreviveria ao Estado contemporâneo - já se delineara,

cabendo-lhe não só formular as leis, mas fiscalizar-lhes a execução

("Mas, se, num Estado livre, o poder legislativo não deve ter o

direito de frear o poder executivo, tem o direito e deve ter a

20 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 136.21 Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de, O Espírito das Leis, p. 166. São Paulo: Martins Fontes,

1996.

22 "Where the legislative and executive power are in distinct hands, as they are in ali moderatedmonarchies and well framed govemments (...) In ali cases whilst the government subsisits, the

legislative is the supreme power...". In Locke, John. Treatises of government. USA: Easton Press,

1991, p. 213 e 207, APUD Silveira, Paulo Fernando, Freios e Contrapesos (Checks and Balances),

Belo Horizonte: DeIRev, 1999, p.75.

23 Série de artigos que antecederam a Constituição americana, mais tarde atribuídos a Hamilton,Madison e Jay.

31

faculdade de examinar de que maneira as leis que criou foram

executadas...")24.

Qualquer análise sobre a Teoria da Separação de Poderes deve partir

do pressuposto de que não há uma fórmula única, um sistema

aplicável de modo indistinto em todos os Estados. Assim, a

similaridade entre os sistemas de separação de poderes adstringe-se

à idéia da tripartição das funções do Estado, mas mesmo em cada

Estado a forma de partilha varia conforme o momento histórico e a

positivação constitucional que o encerra.

Estabelecido tal pressuposto, cabe lembrar que mesmo que se

reconheça a Aristóteles as primeiras reflexões sobre a idéia de

separação de poderes, sua projeção se deu por intermédio de Locke

e, principalmente, de Monstesquieu, que não só conferiu-lhe um

sistema coerente em seu Espírito das Leis, como encontrou nas

circunstâncias históricas a si contemporâneas sede ideal para sua

proliferação.

Em França, a burguesia via chegada sua hora de se apropriar do

poder político que lhe faltava a complementar seu status social e

econômico, e dessa forma se fez o terceiro estado, o estado burguês:

"Essa identificação de si mesma com a

nação dava à burguesia, ao mesmo tempo,

consciência de sua importância e disposição de

24 Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de. Op. cit. p. 174.

32

lutar pela sua ascensão política, pelejar pela

tomada do poder e pela direção efetiva dos

negócios públicos." (Victor Nunes Leal)25

A defender a liberdade econômica e o direito de propriedade, que se

constituíam nas pedras de toque do liberalismo implantado, encaixou-

se perfeitamente o sistema de contenção do poder erigido por

Montesquieu, que "não foge à regra da natureza instrumental das

instituições políticas; é, ao contrário, um exemplo elucidativo

dessa concepção básica."26

Mesmo que autores mais recentes identifiquem uma tendência

conservadora na concepção de Montesquieu, por considerarem-na

instrumento de arrefecimento das reivindicações das massas27, a

verdade é que o princípio da separação de poderes foi alçado à

posição de dogma do sistema democrático, tendo sido abarcado pelos

inúmeros Estados nos quais brotava o constitucionalismo, como nos

Estados Unidos da América, em cuja Carta Constitucional foi

consolidado o sistema de checks and balances, . e na própria

Constituição brasileira outorgada por D. Pedro I em 1824.

Esse sistema de freios e contrapesos, cuja abordagem no

Espírito das Leis de Montesquieu representou inegável contradição à

25, in Cinco Estudos, Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas.

26 Victor Nunes Leal in A Divisão de Poderes no Quadro Político da Burguesia. Revista de CiênciaPolítica. Rio de Janeiro : 20 (especial): 127-142, 1977.

33

sua formulação primeira, de especialização e monopolização de

funções por cada Poder, conferiu pragmatismo à teoria da separação

de poderes, tanto que seu autor ousou imaginar um sistema perfeito,

calcado no Estado Inglês, em que a contenção do poder ganhava

relevo sobre a especialização de funções.

Nesse ponto, em especial, denota-se a utilidade do princípio da

separação de poderes ao ideário liberal, pois soma-se a idéia de um

estado mínimo à utilização de diversos mecanismos que, sob a égide

da contenção do poder (ou, mais propriamente, do abuso de poder),

acabam por tornar o estado inerte e, dessa forma, propicia-se a

liberdade do indivíduo e a liberdade econômica desejada pela

burguesia, finalidades maiores da doutrina de Montesquieu.

Porém, esse estado letárgico só pôde corresponder às

necessidades de um Estado pré-industrial e suas debilidades logo se

demonstraram, como notou Paulo Bonavides:

"O princípio que requer três ramos

separados e teoricamente coordenados é

menos apropriado ao alarido e excursões da

política do século XX do que era ao ritmo lento

de dezessete décadas atrás'*8

27 ver Paulo Bonavides, in Ciência Política, São Paulo: Malheiros, 10a ed., 2001, e Franz Neumannin Estado Democrático e Estado Totalitário, Rio de Janeiro, Zahar, 1969p. 156

28 In Do Estado Liberal ao Estado Social, Ed. Saraiva, , São Paulo: Ed. Saraiva, 7a edição,

2001, p. 37

34

Com a evolução do constitucionalismo e com a afirmação do

sistema de checks and balances, afastada portanto qualquer idéia de

soberania dos poderes, restou claro que as funções do Estado

atribuídas aos Poderes constituídos - Executivo, Legislativo e

Judiciário - não se ajustam, como ensina Celso Bastos29 a um critério

orgânico (ou subjetivo) de classificação, segundo o qual, por exemplo,

considerar-se-ia como sendo função legislativa todo ato proveniente

do Poder Legislativo.

É que além dos mecanismos de checks and balances,

destinados ao controle recíproco dos poderes, a realidade demonstrou

claramente que a divisão rígida de funções entre os poderes não se

aplicava, como bem se depreende da lição do citado jurista:

"...a tal ponto que é perfeitamente lícito

afirmar-se que hoje dizer que a função

legislativa é própria do Poder Legislativo é uma

verdade tão-somente relativa porque esse

próprio poder desempenha também funções

administrativas e judiciárias. Do mesmo modo

que também é verdadeiro o fato de o Poder

Executivo e o Judiciário legislarem, ainda que

em pequena escala. Daí porque o nome da

função de cada um dos poderes é o daquela

que eles exercem preponderantemente sobre

29 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20a ed. atual, p. 345. São Paulo:Saraiva, 1999.

35

as outras, que ele cumpre a título minoritário e

que não correspondem ao modelo de alocação

feito por Montesquieu e às quais se dá o nome

de funções atípicas."30

Se, de certa forma, a assertiva de Bastos já era verdadeira nos

primórdios do constitucionalismo, a revolução tecnológica e o advento

do Estado do Bem-Estar Social passaram a expor a fragilidade do

sistema, em especial no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, o

que claramente se percebeu no Brasil.

Resta esclarecer, para conferir justiça ao brilhantismo da

construção de Montesquieu, que esta, disseminada como separação

de poderes, sempre teve na divisão de poderes seu foco maior e tal

assertiva não revela qualquer intuito de compartimentalização rígida

de funções, pois prescreve aos Poderes, especialmente ao Executivo

e ao Legislativo( os que considera "visíveis"31) algumas prerrogativas

típicas de outros (o poder de veto ao Executivo, funções jurisdicionais

ao Legislativo).

30 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciêncuia Política. 3* ed., p.79. São Paulo:Saraiva, 1995.

31 Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de. Op. cit. p. 284.

36

3. O Princípio da Legalidade

Como, no absolutismo, o monarca, "legitimado" pela vontade divina,

concentrava em si todos os poderes (recorde-se a célebre frase de

Luis XIV: "L'Etatc'est moi"), parece claro que o princípio da legalidade

não poderia então prosperar nesse período em que prevalecia a idéia

do Estado de Polícia.

Foi com o advento da Revolução Francesa, já influenciada pelos ares

do nascente constitucionalismo norte-americano, que a legalidade foi

alçada à posição de importância que até hoje usufrui, de principal

instrumento de submissão dos governos à vontade geral do povo -

mesmo que essa vontade ainda não fosse tão geral assim, dadas as

limitações ao sufrágio ainda reinantes no período revolucionário.

Nesse contexto, assim como o princípio da separação de poderes teve

no sistema de freios e contrapesos seu ponto de equilíbrio, teve na lei

sua expressão de validade, especialmente porque o conceito desta no

Estado Liberal deixa de se restringir a sua dimensão material (a

contemplação do justo e do racional), como pensavam os antigos -

(Platão, Sócrates, Aristóteles, Cícero, S. Tomás; após Hobbes, a lei

assume caráter voluntarista, passa a ser vontade e ordem, e Locke

tratou de vincular esse conteúdo volitivo da lei ao conceito de

liberdade ("não é tanto a limitação, mas sim o guia de um agente livre

37

e inteligente, no seu próprio interesse"32).

Quando Rousseau em seu Contrato Social33 cunha um conceito de lei

fundada na vontade geral, conferindo generalidade à origem (de

todos) e ao próprio objeto (para todos), erige-se em torno dessa idéia

todo um novo sistema, em que a lei impera, como fonte única das

obrigações impingidas ao cidadão. O art. 3o da Constituição Francesa

de 1791 estabelece que " não há na França autoridade superiora da

lei. O rei não reina mais senão por ela e só em nome da lei pode exigir

obediência". A Declaração dos Direitos do Homem já prenunciava em

1789,por seu artigo 5, que "a lei não proíbe senão as ações nocivas à

sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei não pode ser impedido e

ninguém pode ser forçado a fazer o que ela não ordena". Estava

consagrado o princípio da legalidade.

Ademais, a generalidade da lei concebida por Rousseau traz ínsito o

princípio da igualdade, o qual, por sua vez, desdobra-se, na lição de

Manoel Gonçalves Ferreira Filho34, em Igualdade de todos perante o

Direito, a obrigatória uniformidade de tratamento dos casos iguais e,

face negativa, a proibição das discriminações"; e a tríade

principiológica conformadora do Estado de Direito completava-se com

o princípio da justicialidade, ou do controle judicial dos atos praticados

pelo poder público.

Essa nova forma de Estado, também denominado Estado Moderno, ou

32 In Macpherson, La Teoria Política dei Individualismo Posesivo, De Hobbes a Locke, p. 169,APUD J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 818.

33 Do Contrato Social, Livro II, Cap. IV, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX34 In Estado de Direito e Constituição, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 27.

38

Estado Constitucional, possuía, pois, como traços marcantes,

ressaltados de forma acurada pela doutrina de Vasquez Jiménes35, (i)

Um estatuto constitucional, o corpo fundamental de leis, que

estabelece e limita os direitos e atribuições do indivíduo e do Estado,

conciliando autoridade e liberdade; (ii) a concepção do princípio da

separação de poderes; (iii) a adoção e vigência dos princípios

fundamentais destinados a garantir a vida, a igualdade e as formas

capitais de igualdade (pensamento, culto, expressão, ir e vir, petição

etc); e (iv) a Plena garantia constitucional dos direitos públicos

subjetivos.

Essa concepção teórica restritiva conferida à legalidade impunha aos

Poderes Executivo e Judiciário papel de meros executores da Lei, e

esse ponto fez claro a distinção dos modelos francês, que a abarcava,

e norte-americano, que prestigiava outras fontes do Direito (common

law).

Não obstante, mesmo nos Estados Europeus que adotaram o sistema

francês, o princípio da legalidade não obteve, perante o Poder

Executivo, o alcance limitador dos tempos recentes e mesmo atuais,

pois então prevalecia a chamada vinculação negativa da

Administração, restando a esta liberdade de ação em todos os pontos

não alcançados pela lei. Alimentada ainda pelos costumes

remanescentes de liberdade de ação gozados pelas monarquias

absolutas antecedentes ao novo regime, operava-se de fato uma

35 Renato Vasquez Jimenes. Princípio da legalidad en Ia ley general de administración pública. SanJosé, CR.: Editorial Alma Alma, 1985, p. 31-32

39

discricionariedade administrativa, indesejada porque identificada com

o abuso dos monarcas, mas cujo advento foi assim explicado por

Maurice Hauriou:

"A lei foi colocada sobre um pedestal e

uma teoria jurídica foi construída para

reconduzir todo o direito à regra de direito e

para subordinar a esta todo o poder, recusando

ao poder discricionário qualquer relevância

jurídica. Para responder a estes exageros, será

suficiente recordar que mesmo na França pós-

revolucionária, a supremacia da lei escrita

lentamente declinou e que, por um movimento

inverso, restaurou-se lentamente o poder dos

juízos discricionários, a ponto que fosse

restabelecido, entre os dois domínios, um novo

equilíbrio."

No âmbito judiciário, o juiz, como lembra Garcia de Enterría, fora

reduzido a ser apenas "Ia bouche qui prononce les paroles de Ia Io?', e

havia de se limitar a buscar a lei aplicável e extrair dela a

particularização que requeria a solução do caso concreto.36

O Poder Judiciário, porém constatando tal limitação da lei, passou a

privilegiar também a construção jurisprudencial, cuja relevância se

36 Eduardo Garcia de Enterría e Aurélio Menéndez Menéndez. Cuadernos Civitas. Madrid: CivitasEdiciones, 1997, p. 42-43

40

notava, ampliava e até originava institutos jurídicos, como o fez,

conforme lembra Alexandre Santos de Aragão37, no âmbito do direito

público e do direito privado, com a teoria da imprevisão, com a

vedação ao enriquecimento sem causa, com a responsabilidade civil

do Estado, o abuso de direito, o desvio de finalidade, entre outros.

Esse império da lei, que se desdobrou, no Direito francês, na

implantação, por Napoleâo, de toda uma nova administração e de

uma codificação extensa (Códigos Civil, Comercial, Penal, Processual

Civil e Processual Penal, todos editados entre 1804 e 1810),

demonstrava, contudo, suas fragilidades, à medida que ficava clara a

impossibilidade de uma norma geral abarcar toda a gama de preceitos

que se lhe exigia, mormente porque o sistema era, por natureza, ab-

rogatório de todo o Direito anterior.

Cabe, porém, esclarecer que a legalidade até aqui tratada, de origem

liberal, concerta as idéias de soberania popular e de representação

parlamentar, consubstanciando o princípio da reserva legal, que

visava à proteção, em face do Estado, dos valores burgueses - a

propriedade e a liberdade.

Posta a lei, assim, como instrumento de contenção do Poder

(Executivo) e de garantia de objetivos racionalmente definidos,

consumou-se seu conceito como "eixo de concretização constitucional

do Estado de Direito. Tratava-se de um conceito unitário (não

37 In Princípio da Legalidade e Poder Regulamentar no Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro:Revista de Direito Administrativo, 225: 109-129, 2001.

41

unilateralmente formal ou material), pois ele continha uma dimensão

material intrínseca e uma dimensão formal-processuaf, ensina

Canotilho38 (mesmo que não lhe agrade a distinção dicotômica desses

aspectos).

Mas o advento do Estado Social, ou Estado do Bem-Estar Social, em

que o Estado viu-se instado a atender a uma extensa gama de

atribuições em prol da coletividade - a busca do interesse público

passa a se constituir em função primordial do Estado, em detrimento

do atendimento de interesses individuais que caracterizou o Estado

Liberal - foi acompanhado também da prevalência da doutrina do

positivismo jurídico, para a qual ao Direito competia apenas determinar

não o conteúdo, nem o fim do Estado, mas a forma mediante a qual o

Estado agia39. Adstringia-se o conceito à legalidade administrativa, no

que Eros Roberto Grau40 chamou de processo de "transformação (na

verdade, involução)" da legalidade:

"Concebida a legalidade como a imposição

de um limite à atuação estatal, originalmente

implicava que todo elemento de um ato da

Administração deveria estar expressamente

previsto como elemento de uma hipótese

normativa, devendo a norma fixar poderes,

direitos, deveres etc, modos e seqüências dos

38 J.J. Gomes Canotilho, in op. Cit., p. 353..39 F. J. Stahl tornou-se ícone desse pensamento com sua obra Filosofia do Direito .40 In Algumas Notas Para a Reconstrução do Princípio da Legalidade, Revista da Faculdade deDireito da USP, n° 78.

42

procedimentos, atos e efeitos em cada um dos

seus componentes e requisitos de cada ato -

do que resultava a concepção do Poder

Executivo como administração e da

Administração como execução".

Nessa linha evolutiva narrada de forma célere - porque o caráter

histórico não é fim desta reflexão -, chega-se ao chamado Estado de

Direito Democrático, em que se recupera a conjugação e mesmo a

confusão, que prefere Canotilho, dos aspectos material e formal do

Estado. No aspecto material, o Estado visa a um ideal de justiça, não

como mera abstração, mas como resultante de uma formulação

normativa de origem jurídico-constitucional. Formalmente, o Estado de

Direito Democrático reveste-se do princípio da divisão funcional dos

poderes, do princípio da legalidade da administração, da

independência dos tribunais e do acesso ao judiciário, segundo

taxionomia de Canotilho.

Se não se deve perder de vista o papel da legalidade como

instrumento da forma jurídica, que Von lhering considerava inimiga

declarada da arbitrariedade e irmão gêmea da liberdade41; é na sua

relação com o aspecto material do Estado de Direito que a legalidade

há de ser compreendida nos tempos atuais. Nem o princípio da

legalidade, nem o conceito de Estado de Direito fazem qualquer

sentido se desvinculados dos objetivos que encerram, vale dizer, das

41 Rudolph von lhering. O Espírito do Direito Romano. V. III. Rio de Janeiro:Alba Editora, 1943, p.115.

43

próprias funções atribuídas ao Estado.

Se esse Estado Democrático de Direito deve, essencialmente, visar à

justiça social e se sua conformação deve corresponder à existência de

uma sociedade polissistêmica, que assume a primazia do Poder e

que compartilha a busca do interesse público , é nesse contexto que o

princípio da legalidade há de ser posto.

Não há mais porque adstringi-lo ao papel instrumental da divisão de

poderes, cuja concepção original - seja em Locke ou em Montesquieu

-, de natureza orgânica, consubstancia as funções estatais segundo

um critério subjetivo - função Executiva é do Poder Executivo, função

Legislativa é do Poder Legislativo e função judiciária é do Poder

Judiciário.

A simples utilização de taxionomia diversa, como fazem Renato Alessi

e, aqui no Brasil, Eros Grau, conduz à solução diversa a questão da

legalidade. A partir de um critério material, pautado, pois, no objeto da

ação do Estado, as funções deste, sob consenso geral, são a

normativa (produção de normas), a administrativa (execução de

normas) e judicial (aplicação de normas).

Sustentam esses autores que a função normativa é gênero, da qual

são espécies a função legislativa, a função normativa e a função

regimental, e com base nesse entendimento não vislumbram óbices a

uma ampla atividade normativa do Poder Executivo, que, aliás, não

adviria de delegação legislativa, mas de função própria atribuída pela

44

lei, como bem observa Eros Roberto Grau:

"Essa atribuição [normativa] conferida ao

Executivo pelo Legislativo consubstancia

permissão para o exercício de função que é

própria do Executivo, como faculdade

vocacionada à integração do ordenamento

jurídico. Por isso, ela preexiste à atribuição, da

qual podemos dizer cumprir o papel de

instrumento de controle da legalidade daquele

exercício. Assim, a atribuição conferida ao

Executivo para aludido exercício poderia ser

comparada ao tiro de partida que é dado para

que se desenrole uma corrida de 100 metros; a

faculdade de correr velozmente é própria a

quem participa da prova, como é própria ao

Executivo, repito, a função normativa

regulamentar; não obstante, tanto a faculdade

de correr quanto a função normativa

regulamentar não poderão ser desencadeadas

- a atleta a correr, o Executivo a emanar

regulamentos - senão após, respectivamente,

o estampido do tiro de partida e a expedição,

pelo legislativo, daquela atribuição."42

Assim, contra a maior parte da doutrina brasileira, que não admite

espaço para os regulamentos autônomos, mas apenas aos

45

regulamentos executivos, esse autor, de forma consistente, vislumbra

mesmo na Constituição brasileira alguns espaços para a ação

normativa do Poder Executivo, que se situariam, por exemplo, no

espaço distintivo entre o que chama de princípio da legalidade em

termos relativos (CF/88, art. 5o, II) e princípio da legalidade em termos

absolutos (art. 150, I).

A posição de Eros Grau coaduna-se com a percepção de que a visão

da legalidade pelo aspecto puramente da lei formal - emanada do

parlamento - não é garantidora das finalidades do Estado de Direito

Democrático, pois não se preocupa com seu conteúdo (material). Dei

Vecchio já advertia que a mais cruel das injustiças consiste

exatamente naquela que é feita em nome da lei...

Sendo assim, se a contenção da ação estatal em face da liberdade

dos cidadãos e os valores democráticos permanecem resguardados,

nada deve obstar a que a o Estado brasileiro adote, com vistas a uma

ação mais eficiente e eficaz, um modelo de divisão de poderes em

cujo bojo a atribuição normativa seja, em grande medida, atribuída ao

Executivo, desde que se resguarde ao Legislativo a proeminência

legislativa propriamente dita, quer autorizando aquele Poder nas

matérias que a Constituição exige reserva de lei formal (não

normativas), quer na expedição de leis acerca de matérias cuja

relevância e generalidade, amplitude e similaridade de tratamento

(pelo aspecto federativo) demandem sua regulação, como ocorre nos

Códigos (civil, comercial, penal etc), nas leis de normas gerais, nas

42 Op. Cit, p. 250.

46

leis de plano, nas que se referem a direitos sociais, a obrigações

tributárias, nas que instituem crime etc.

Ter-se-ia de forma expressa, tal qual no direito alemão, um rol de

matérias sujeitas à lei formal, cuja normatividade seria integrada pelos

regulamentos expedidos pelo Poder Executivo, com natureza

autônoma quanto ao conteúdo da norma, o qual agiria, assim,

pretensamente, de forma mais ágil e apropriada (aos casos

concretos); outro rol sujeitar-se-ia também à lei material (com

conteúdo normativo), sem que tal importe em exclusão de capacidade

normativa do Executivo, mas esta se dá mediante os regulamentos

executivos.

Parte-se da consideração de que as leis emanadas do Legislativo

possuem densidades normativas variáveis segundo a predita

relevância que lhes confere o texto constitucional, ou mesmo a

peculiaridade da matéria - matérias mais relevantes são submetidas à

reserva absoluta de lei; matérias de alta complexidade técnica, ou que

demandem particularizações só possíveis no âmbito do administrador,

recebem da lei apenas preceitos gerais (são as lois-cadre do Direito

francês). Serve também a nortear tais divisões a distinção doutrinária43

que considera a existência de leis de arbitragem e leis de impulsão,

aquelas editadas com objetivo de compor interesses inter-individuais,

de manter a ordem interna, e estas com vistas a estabelecer políticas

públicas, conteúdo material que avoca a predominância de

43 Verem Manoel Gonçalves Ferreira Filho, íq Do Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968,p. 218 e seguintes.

47

normatividade advinda do Executivo.

Mas que não se considere tais alternativas como derrogatórios do

princípio da separação dos poderes, nem como redutores da

importância do Poder Legislativo, a uma porque, como bem observa

Canotilho, "a separação dos poderes existe em cada direito positivo se

nele contemplada e qual nele tenha sido contemplada"44; a duas,

porque assim como importariam em acréscimo da função normativa do

Executivo, já prevalece hoje a possibilidade de edição, pelo

Legislativo, de leis cuja materialidade é ausente não pela inexistência

de conteúdo prescritivo, mas pela falta de generalidade e abstração,

configurando atuação tipicamente administrativa, própria dos atos

administrativos. São as leis-medida, próprias ao Direito alemão, mas

igualmente encontráveis na Carta brasileira.

No mais, o princípio da subsidiariedade, cuja aplicação cada vez

mais se impõe na implantação da divisão vertical de funções entre os

entes federados, também na seara ora tratada encontra sede própria,

mediante subtração de determinadas matérias do âmbito da Lei

formal, como exercício do fenômeno da deslegalização (]á abarcada

pela Constituição francesa de 1958), que se apresenta, conforme

descreve o eminente professor Diogo de Figueiredo45, sob as formas

da extralegalização, da paralegalização, da sublegalização e do

fomento público.

44 Op. Cit, p. 72-75.45 Neto, Diogo de Figueireso Moreira. Sociedade, Estado e Administração Pública. Rio deJaneiro:Topbooks, 1995. p. 88-90.

48

A deslegalização, que consiste na "retirada, pelo próprio

legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de Ia loi)

passando-as ao domínio do regulamento (domaine de rordonnance)"46

comporta situações em que a atribuição normativa é distinguida a

entidade estatais ( as agências reguladoras, por exemplo), ou mesmo

a pessoas privadas, neste caso sob a égide da subsidiariedade, que

enuncia a prevalência das medidas tomadas pela própria sociedade e

põe o Estado, por conseguinte, em função subsidiária, o que já vem

ocorrendo no Brasil em relação a diversas profissões, já sujeitas à

auto-regulação.

4. PRIMEIRA PROPOSIÇÃO: A REVISÃO DAS FUNÇÕES DO

PODER LEGISLATIVO

Como já se demonstrou, nenhuma das funções estatais deve ser

objeto de monopólio de um Poder específico, pois, em alguma medida,

todos exercem atribuições normativas, julgadoras e administrativas. O

que se ora propõe é que haja, mais do que alteração substancial,

clareza normativa quanto, em especial, ao papel do Poder Legislativo.

Esse Poder, antes inexistente ou subjugado, assumiu, com

maior ou menor relevo, nas teorias de Bodin, Locke, Montesquieu e

Kant, entre outros que cunharam a base do Estado de Direito, posição

de extrema importância (proeminência, para Kant, por exemplo), pois

46 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in Mutações do Direito Administrativo, Rio de Janeiro:Renovar, 2000, p. 166.

49

a ele caberia tanto servir de contrapeso ao poder do Executivo, cuja

contenção constituía-se na principal motivação do advento desse novo

modelo de Estado, como representar a vontade geral, na produção da

lei.

A elaboração de leis, assim consideradas as normas genéricas e

abstratas que inovam a ordem jurídica, editadas segundo o

procedimento formal determinado pela Constituição, é função ainda

hoje exercida pelo Poder Legislativo sob a égide do princípio da

reserva legal, que não se confunde com o princípio da legalidade,

como já afirmado. Este determina a submissão à lei, ou a atuação

segundo os ditames da lei, enquanto aquele estabelece o alcance da

lei formal, vale dizer, a fixação, pela Constituição, de um espectro de

matérias cuja normatização compete à lei formal, editada pelo Poder

Legislativo.

Há de se lembrar que a função normativa, compreendida em

sentido amplo, que extrapola os limites da lei formal, é exercida

também pelos demais Poderes, tanto que ao Executivo, segundo a

Constituição brasileira, cabe editar até normas gerais e abstratas, por

Medida Provisória e por Regulamento (mesmo que a edição deste

decorra de anterior previsão em lei). Como função atípica, todos

expedem normas de efeito interno e outras não sujeitas ao princípio da

reserva legal.

Atualmente, no campo legislativo já se vislumbra clara

manifestação da preponderância do Poder Executivo com a utilização

50

das medidas provisórias, mediante as quais, é verdade, tanto (às

vezes) usurpa a função legislativa ao tornar por demais elástico os

conceitos de relevância e urgência, quanto determina a agenda das

Casas Legislativas ao lhes impor apreciação das medidas sob pena de

sobrestamento das demais matérias. Mesmo na tramitação dos

projetos de lei, a força do Executivo se exterioriza, especialmente pela

utilização de práticas tipicamente patrimonialistas - satisfação de

demandas dos parlamentares versus apoio na aprovação de projetos

do interesse do governo.

De fato, como observaram Figueiredo e Limongi, no período de

1989 a 1994, de um total de 1259 leis sancionadas, 85% foram

iniciadas pelo Poder Executivo (excluindo os 7% de leis iniciadas pelo

Judiciário no exercício de sua competência exclusiva). Notaram ainda

os citados pesquisadores que os projetos iniciados no Congresso têm

tempo muito maior de tramitação e são muito mais rejeitados dos que

os oriundos do Poder Executivo.47

Mas obviamente não se propõe aqui que a atividade de

produção normativa caiba apenas ao Poder Executivo, até porque

este, no sistema atual, não recebe para tanto o devido mandato dos

eleitores. Remanescem válidas as idéias de lei como ato de

consentimento dos cidadãos, como instrumento de contenção do

poder do Executivo e como sede autorizativa primária da atuação

administrativa (legalidade administrativa), ensejadoras do princípio da

51

reserva de lei.

Propõe-se aqui uma reordenação da função normativa, com a

adoção de um modelo que propicie um Estado eficiente, sem renúncia

às garantias e direitos intrínsecos ao Estado de Direito Democrático.

Há de se notar que o princípio da reserva legal - vale lembrar, da

exigência de tratamento de determinadas matérias por lei formal

(editada pelo Poder Legislativo) - não encontra mais, como bem

ensina o mestre Canotilho, fundamento na preservação dos valores

liberais de liberdade e propriedade, mas, sim, na preservação e

aplicabilidade dos direitos fundamentais, de forma que só a lei pode

dimensioná-los e determinar o âmbito de sua aplicação.

Assim sendo, é com base na premissa de preservação desse

valor fundamental do Estado de Direito Democrático que a reserva de

lei há de ser considerada quando se visa determinar não só o rol de

matérias a ele submetido, como, dentro deste rol, o quantum de

densidade normativa haverá de ser preenchido pelo próprio Poder

Legislativo e o quanto caberá ao Executivo.

Na fixação do âmbito da reserva de lei, há de guiar pelo

acolhimento de matérias afetas aos "princípios concretizadores do

princípio do Estado de Direito (princípio da confiança e seguranças

jurídicas, princípio da proporcionalidade, princípio da igualdade,

47 Op. Cit.,p. 50-55.

52

princípio da imparcialidade)"48.

Mas a preocupação com uma mais ampla integração normativa

por parte do próprio Legislativo, que deve nortear a delimitação do

sub-âmbito da reserva total à lei (formal e material) há que incidir

sobre um rol diminuto de matérias, em especial as que se refiram a

questões como defesa externa, organização do território, direitos e

responsabilidade políticos, garantias, direitos sociais, tributos, crimes

etc.

No campo das políticas públicas, em que pesa mais fortemente a

capacidade do Executivo de atender às variações de demanda e às

complexidades técnicas, bem como de priorizar os recursos,

conferindo maior agilidade e eficácia à ação governamental, deve

caber ao Legislativo apenas editar leis formais, autorizativas, com

reduzido ou nenhum conteúdo diretivo, como o faz com as leis

orçamentárias, ou fazer ressuscitar a lei delegada, prevista na

Constituição, mas relegada ao esquecimento, alternativa que combina

as exigências de lei formal e a possibilidade de o Executivo impor a

normatividade necessária.

Sem embargo, essas sugestões não demandam sequer

alteração do texto constitucional, mas exigem que o Poder Legislativo

se submeta a um planejamento estratégico, com clara previsão de

suas funções no campo legislativo, julgador e fiscalizatório, pois só

assim poderá recuperar sua importância histórica e permitir que o

48 J. J. Gomes Canotilho, op. Cit. P. 792.

53

Estado seja mais eficiente em suas ações e respostas às crescentes e

mutáveis demandas da sociedade.

Ademais, não é demais lembrar que a função normativa como

um todo está a sofrer alterações decorrentes da revolução tecnológica

em curso, que propicia cada vez mais meios de participação e mesmo

manifestação direta do cidadão acerca da agenda governamental;

também a ampliação da organização e dos espaços de participação

dos segmentos da sociedade civil transforma o processo de produção

normativa, retirando parte do mandato dos parlamentares, que se faz

substituir por meios outros de impulso e intervenção nessa agenda,

que deixa assim de ser apenas governamental para ser pública.

A redução de seu espectro de produção legislativa, ou sua

alteração para uma atuação mais negativa (por sustação ou veto),

como hoje ocorre com as medidas provisórias, otimizaria a ação

parlamentar na função de fiscalização, principalmente.

Esta atribuição do Poder Legislativo relaciona-se com suas

próprias origens e consiste na prerrogativa de fiscalizar os atos

administrativos e políticos praticados no âmbito do Poder Executivo,

mediante requerimentos de informação, constituição de comissões,

inclusive com poderes especiais de investigação (as CPI's),

convocação de ministros, acompanhamento contábil, financeiro,

patrimonial e operacional, auxiliado pelos tribunais de contas, entre

outros mecanismos.

54

Dentre tais instrumentos investigatórios de que dispõe o Poder

Legislativo, destaca-se a instauração de comissões parlamentares de

inquérito, adequadas às situações em que as prerrogativas

corriqueiras de fiscalização não logram resultados, daí a Constituição

Federal atribuir-lhes "poderes de investigação próprios das

autoridades judiciárias". Ademais, a própria forma de instituição da CPI

lhe confere caráter de excepcionalidade, traduzido no direito de uma

minoria (um terço) de decidir por sua instauração, quando, é cediço,

em regra as deliberações legislativas submetem-se à vontade da

maioria.

Há outros tipos de atos praticados pelo Poder Legislativo que

refogem à classificação básica antes enunciada e que representam

verdadeiras formas de ingerência - legítimas, pois são instrumentos

constitucionais de freios e contrapesos - do Poder Legislativo sobre os

demais poderes, em especial o Executivo. Decorrem, segundo

exemplos previstos na Constituição brasileira e em muitas outras, de

competências para aprovar escolha de titulares de determinados

cargos, para sustar atos normativos, efeitos de contratos etc.

Suas funções políticas também não podem ser relegadas a

segundo plano, pois é no âmbito do Poder Legislativo que se

implementam com mais vigor as atividades de mediação de interesses

da sociedade e do Estado, o que bem se pode perceber em

momentos de crises político-institucionais, em que cresce a

importância do Legislativo, como se abordará mais à frente.

55

Cabendo reafirmar-se a importância do Poder Legislativo na

condução do Estado, mediante a reordenação, em especial, de sua

participação na feitura das leis, para tanto se faz mister assumir, sem

amarras dogmáticas, uma revisão da divisão de funções estatais ora

estabelecida, mormente quanto ao alcance do princípio da legalidade.

Justifica-se certo temor quando se pretende rediscutir o princípio

em que se funda o Estado de Direito, assim denominado aquele que

garante proteção do particular frente o Estado - conceito cunhado em

contraposição ao antes predominante Estado de Polícia. Há um dito

popular segundo qual "gato escaldado tem medo de água fria". Não

se quer pôr em risco as conquistas do Estado de Direito, as proteções

cunhadas contra o arbítrio do Executivo, mas, como se procurou

demonstrar, ao menos no Brasil a concepção de (estrita) legalidade

não foi suficiente a determinar o almejado equilíbrio entre os poderes e

sequer governos ditatoriais, ao passo que a ciência política já tem

demonstrado que tal proteção da sociedade (contra o arbítrio do

Estado) se perfaz com a conjugação de determinados fatores sociais e

políticos e não propriamente em função da existência de leis. Tácito,

aliás, já constatara que "As leis abundam nas Repúblicas

corrompidas"49.

Mesmo no âmbito constitucional, restou claro que a distinção da

atividade legislativa não representa, por si, quebra do Estado de

Direito. Bobbio, ao discorrer sobre os "limites internos" a que se

submete o Estado, arrola, ao lado do "governo das leis" e da

56

separação de poderes, a consolidação dos direitos fundamentais do

homem e do cidadão. Constituem, na dicção de Kelsen, limites à

validade material do Estado, como bem ressalta o citado filósofo

italiano:

"Costuma-se chamar de constitucionalismo

à teoria e à prática dos limites do poder: pois

bem, o constitucionalismo encontra a sua plena

expressão nas constituições que estabelecem

limites não só formais mas também materiais

ao poder político, bem representados pela

barreira que os direitos fundamentais, ..."50

Trata-se de cogitar de uma reordenação da produção legislativa,

a se iniciar com a aplicação do festejado princípio da subsidiariedade,

deixando a cargo da sociedade tudo o que estiver a seu alcance

resolver, reduzindo-se, por conseguinte, o espectro da ação estatal e,

pois, da legislação que rege (e limita) o Estado; seguindo-se com a

retirada, do âmbito da lei formal, de determinadas matérias cuja

especificidade técnica ou volaticidade impõem deliberação executiva;

e da ampliação do princípio da legalidade, substituindo-se, como

enfatiza Garcia de Enterria51, a concepção de mero atrelamento a

normas específicas pela noção de regularidade jurídica, de adequação

do Direito como um todo, o que se logrou chamar de "princípio da

49 "Corruptissima republica prurimae /eges(Tácito: Anais, III, 27)50 Bobbio, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma teoria geral de política, (trad.). Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1987, p.101.

57

juridicidade".

Procura-se, assim, sem comprometimento do Estado de Direito,

reforçar a atuação do Poder Legislativo nas ações de planejamento e -

mais ainda - nas de controle, sendo de se cogitar, no âmbito da

reformulação proposta, a inserção de novos mecanismos além dos já

existentes, dado que neles residiria boa parte da garantia de estabilidade

democrática e de respeito aos direitos individuais e coletivos que a

sociedade reclama a seus parlamentares.

51 Garcia de Enterría, Eduardo & Fernandes, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. 4a

ed. , vol. I , Madrid: Civitas, 1983, p. 413 e ss.

58

CAPÍTULO II: FEDERALISMO À BRASILEIRA

1. O Modelo Federativo Brasileiro

Até o advento da Constituição Norte-Americana de 1787, vigiam no

mundo, basicamente, duas forma de organização do Estado - a

unitária e a confederação - e foi na busca de um sistema

intermediário, que excluísse a indesejada possibilidade de um

centralismo autocrático (como o de Bodin), ao passo que

compartilhasse funções e interesses comuns ao estados originários (a

defesa externa, em especial), sem lhes retirar autonomia, que a

Federação pôs-se a prevalecer em muitos Estados, em todas partes.

Daí o conceito tradicional de Estado Federal, como o de Jellinek,

segundo o qual trata-se de "Estado soberano, formado por uma

pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dosCO

Estados-membros, ligados numa unidade estatal."

Como deixam transparecer tanto o modelo original norte-americano,

quanto o próprio conceito genérico a partir deste erigido, a pre

existência dos estados-membros, - detentores, até então, de

soberania -, sobre o Estado Federal a se conformar parece ser traço

característico do federalismo.

52 G, Jellinek, in Allgemeine Staatslehre, 3a ed... p. 769, APUD Bonavides, Paulo, in CiênciaPolítica, São Paulo: Malheiros, 10a edição, p. 179.

59

Surge, então, no contexto escolhido para o presente estudo, a questão

da evidente inaplicabilidade de tal preceito ao caso do Brasil, onde

inexistiam estados soberanos (sequer autônomos) e o federalismo,

não obstante, prosperou, mesmo que sua existência jamais tenha sido

serena, imune a crises.

Essa aparente atipicidade do caso brasileiro convola-se, porém, em

apenas uma das diversas facetas assumidas pelo federalismo mundo

afora, diversidade essa que em muito se explica por sua origem em

modelo basicamente empírico, como observou Max Bellof ("the

Federalist was written for a praticai pumose. and to be read bv praticai

me/7.")53. A subjunção do estudo do federalismo a modelos teóricos

pouco ou nada contribui a sua compreensão, dada sua natureza

dinâmica, que o caracteriza, na visão de Alexandre Marc, como "uma

revolução permanente, aperfeiçoado constantemente pela experiência

e pela razão"54.

É fácil perceber que o federalismo é idéia que serve tanto à motivação

originária pela centralização (quando se requer um ente de

agregação), como no caso norte-americano, quanto pela

descentralização, como ocorreu no Brasil, que passou do unitário ao

federal.

53 Tunc, André. Lê Fédéralism. Paris, LGDJ, 1957. p. 10-16. APUD Tavares, Ana Lúcia de Lyra.Oestado Federal: Delineamentos. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro: Fundação Getulio

Vargas, v. 22, n° 4, p. 42, 1979.

54 Marc, Alexandre. Révolution Américaine, revolution européenne. Lausane, Centre deRecherches Européenes, 1977. APUD Tavares, Ana Lúcia de Lyra. Oestado Federal:

Delineamentos. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, v. 22, n° 4,

p. 48, 1979.

60

Assim é que no Brasil a adoção do Estado Federal não surgiu de

estados pré-existentes, mas de unidades territoriais que adquiriram,

paulatinamente, em processo bem mais fático do que normativo,

relevante autonomia. Porém, tal peculiar contexto histórico não fez do

processo de adoção do federalismo no Brasil algo tão diferenciado dos

demais, posto a incidência de identidade de propósitos políticos. A

idéia do Estado liberal vigorava forte e seu impulsionador, a burguesia,

vislumbrou nesse novel modelo forma eficaz de evitar o despotismo

monárquico, ou sua mais danosa característica - na concepção

burguesa -, o intervencionismo estatal.

Esse citado processo de autonomização espontânea (mas não isenta

de condicionantes externos) das unidades territoriais já se podia

identificar no período das capitaniais hereditárias, daí o fato de muitos

autores, como Clóvis Beviláqua, nele vislumbrarem o embrião do

federalismo brasileiro:

"As capitanias desenharam, no organismo

social, o esboço das futuras províncias e

prepararam a federação dos estados sob a

República"55

A dimensão e a variedade do território brasileiro foram também citados

como fatores motivadores da adoção do federalismo, no Manifesto

Republicano, documento redigido por Quintino Bocaiúva e subscrito

61

por diversos intelectuais, publicado em 1870 e grande impulsionador

do ideal republicano no Brasil. Do manifesto, sobre a federação consta

que:

"No Brasil, antes ainda da idéia

democrática, encarregou-se a natureza de

estabelecer o princípio federativo. A topografia

do nosso território, as zonas diversas em que

ele se divide, os climas vários, as produções

diferentes, as cordilheiras e as águas estavam

indicando a necessidade de modelar a

administração e o governo local

acompanhando e respeitando as próprias

divisões criadas pela natureza física e imposta

pela imensa superfície do nosso território."56

Esse singelo e assistemático relato da adoção do federalismo no

Brasil serve a demonstrar que, em parte, tal se deu por conformações

territoriais (extensão x diversidade) e em outra parte por força do

contexto histórico, em que a luta por descentralização surge como

natural reação ao centralismo imposto por D.Pedro I na Constituição

de 1824. Não obstante, a divisão do território em vinte províncias,

prevista na Carta outorgada, mesmo com dirigentes provinciais

(Presidentes) mantidos sob total controle do Imperador (os nomeava e

demitia ad nutum). já delineava a organização federativa, como, aliás

55 Beviláqua, Clóvis. Estudos Jurídicos, p. 11456 Cavalcanti, Themístocles. A Federação e a Verdade Democrática no Manifesto Republicano de1870. Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 4(4): 5-22, out/dez

1970.

62

o fizera antes a Coroa Portuguesa quando de sua instalação no

Brasil, ao valorizar e reforçar o poder das províncias, tornando-as

interlocutoras do Poder Central, assim limitando o mandonismo local

até então em vigor57.

Ao apagar das luzes do período monárquico, o ideal federalista e seu

adjacente efeito (ou causa?) descentralizador representavam

aspirações mais fortes até do que a própria instalação da República.

Poder-se-ia dizer que os conceitos (de federação e de República)

pareciam então indissociáveis (não o eram tempos antes, quando se

discutiu a instauração do federalismo monárquico) mas era a luta por

maior autonomia das províncias que dominava os debates no período

pré-republicano.

A primeira Constituição Republicana, de 1891, adotou então a forma

federativa, consolidando a descentralização política, antes apenas

administrativa. Tal distinção é imprescindível ao conceito de

federação, já que há Estados unitários descentralizados

administrativamente, mas é a descentralização política, representada

em termos formais, na Constituição, por poderes competenciais

distribuídos (para legislar, primordialmente) entre os entes federados,

que lhe dá forma.

Era o federalismo em sua variante organizacional dita dual, em que a

Carta constitucional - e só ela - prescreve rígida repartição de

57 Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil.2a edição. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.

63

competências entre o Estado Federal (a União) e os estados-

federados, excluindo qualquer relação hierárquica, interpenetrações,

ou interferências recíprocas. Procurava responder tal variante às

preocupações quanto a eventual predomínio entre os entes.

Mas se for possível afirmar que há uma disfunção comum a todos os

modelos de Estado Federal, por certo esta é, empiricamente

considerando, a tendência ao predomínio do ente central, da União,

contrariando a expectativa de Tocqueville. A história republicana

brasileira foi irremediavelmente marcada por esse centralismo e nem a

presença de competências distribuídas constitucionalmente, inclusive

aos municípios, serviu a evitar o poder extravagante da União, como

notam Pedro Barros Silva e Vera Cabral Costa:

"A Federação brasileira não se constituiu

como resultado de um processo de

estabilização das relações de poder entre as

unidades subnacionais - relativamente

homogêneas e politicamente equipotentes -

que se unem através de um Governo nacional.

No Brasil, o Governo nacional precede as

instâncias subnacionais e, num movimento

contínuo e célere de centralização, define, em

menos de 50 anos, os rumos do

desenvolvimento e o papel dessas

64

instâncias"5*

O advento do Welfare State, com a assunção, pelo Estado Brasileiro,

da responsabilidade de prestar serviços sociais e implementar

garantias em caráter universal, aliado ao aumento da complexidade

da gestão econômica, que demanda conduta intervencionista (para

qual só o poder central tem recursos) e boa dose de unidade

decisória, explicam, em boa medida, a revalorização do ente nacional,

em detrimento das unidades federadas, processo que encontra

combustível natural na sempre latente tendência centralista brasileira,

advinda do processo de formação do Estado por aqui.

A chamada crise do federalismo, causada pela tendência de

predomínio político e econômico do governo central sobre as unidades

federadas, incide especialmente sobre a autonomia, considerada

componente imprescindível ao sistema federativo. Paulo Bonavides

lembra que George Scelle identifica "dois princípios capitais que são a

chave de todo o sistema federativo: a lei da participação e a lei da

autonomia"59. Mas a participação, consistente na assunção, pelos

estados-membros, de papel relevante no processo de elaboração da

vontade política da Nação, remanesce forte, mantendo consistente o

sistema federal brasileiro.

É bem verdade que, comportando o modelo brasileiro forma

58 Silva, Pedro Luiz Barras & Costa, Vera Lúcia Cabral. Descentralização e Crise da Federação. ]nA Federação em Perspectiva:ensaios selecionados. São Paulo: FUNDAP, 1995, p. 262-283.

65

tridimensional, com a participação dos municípios, aos quais se fez

transferir boa parte da competência relativa à prestação de serviços à

coletividade, o poder dos estados-membros reduziu-se em termos

econômicos e fez-se carente de legitimidade e representatividade

frente aos anseios da população, mas a base forte das oligarquias

estaduais e a tradição política daí oriunda mantêm fortes os governos

estaduais.

Esse vínculo sólido das instituições políticas federais e estaduais,

acompanhado de relações com o poder local que se afirma como

interlocutor privilegiado da vontade (e pressão) popular, delineiam a

segunda variante de organização do Estado Federal,

concernentemente às competências, o federalismo cooperativo.

Trata-se não de uma panacéia, capaz de resolver todos os males do

federalismo dual, pois se sua essência reside na inexistência de

limites claros e definidos entre as competências dos níveis autônomos

de poder, é perigo inerente a tal modelo a possibilidade do

agravamento da predominância do governo central sobre os demais.

Paulo Bonavides há muito adverte que "o mal do chamado

'federalismo cooperativo' é a sua unidimensionalidade de fato, o

unilateralismo de decisão. Esse federalismo só tem uma cabeça: a

União."60

Esse modelo cooperativo apresenta, porém, duas vertentes, uma

59 Bonavides, Paulo. Ciência Política

66

autoritária e outra democrática. Aquela, de fato adotada no Brasil

desde a adoção do modelo federal, funda-se exatamente na força do

poder central, que se avoca competências e por isso nega o próprio

princípio federativo; esta advém do livre consentimento de unidades

verdadeiramente autônomas em prol de um pacto comum. Seus

pressupostos são, pois, a garantia da autonomia em todas suas

dimensões - política, administrativa, financeira -, além do fundamento

constitucional, já que só ele pode garantir mecanismos perenes de

inter-relação.

Hoje, no Brasil, não se pode afirmar presente qualquer dos dois

pressupostos citados, já que a autonomia, financeira em especial, não

se alcança ante a manutenção de proeminência da União no sistema

de arrecadação e sua ingerência constante na conformação do "bolo"

tributário do qual se transferem recursos a estados e municípios. É

certo que a redistribuição tributária operada pela Constituição de 1988

não foi capaz de conferir a esses entes, especialmente ao município,

"fatia" suficiente a respaldar a grande gama de atribuições que

assumiram. Remanesce, sem maiores motivos, no âmbito da União

uma grande parcela de recursos que, afinal, são distribuídos a estados

e municípios mediante a prática chamada de "transferência

negociada", a qual propicia campo para as antigas práticas de

clientelismo e patrimonialismo.

Não obstante, faltam ainda mecanismos constitucionais e legislações

60 In Política e Constituição - os caminhos da democracia, Rio de Janeiro, ed. Forense, 1985, p.103.

67

complementares reclamadas pela própria Constituição Federal, como

adverte o aqui multicitado mestre do federalismo pátrio, Prof. Paulo

Bonavides:

"Enquanto não chegam as fórmulas

jurídicas capazes de atualizar o problema

federativo e ultrapassar a crise, esta recresce a

cada momento, alteia a face ameaçadora sobre

as instituições e, quem sabe, nos não dará

dentro de pouco o aviso de despedida, se não

acudirmos com a medicação urgente que

requer."

2. SEGUNDA PROPOSIÇÃO: INSTITUIÇÕES REGIONAIS E

FEDERALISMO

A advertência de Bonavides acerca do estado terminal do modelo

federal em vigor no Brasil, um tanto lúgubre, torna-se aqui desafio e

não permite que o presente texto se veja desprovido de caráter

propositivo, atendo-se ao conforto da análise descritiva e crítica. A

necessária atualização do modelo federativo brasileiro há de se dar

mediante proposições legislativas concretas, ou pela inclusão, dentre

as fórmulas reclamadas pelo autor, de medidas não apenas jurídicas,

mas de políticas públicas que permitam, empiricamente como é da

tradição federalista, dar efetividade à cooperação.

68

Nessa cooperação sem dominação cabem as políticas de

desenvolvimento regional que se anunciam juntamente com o retorno

do planejamento regional. Sob o aspecto espacial, as macrorregiões

pouco ou nada mais significam em termos de locus da aplicação de

políticas, já que as referenciações físico-histórico-culturais que indicam

similitude de carências e potencialidades têm base mais reduzida, cuja

conformação não respeita aqueles limites entre os estados-membros;

sob o aspecto material, se o objeto das políticas públicas é ainda a

desigualdade e a estagnação econômica, seu instrumento não mais se

resume à injeção de recursos - tende, mais, a meios de integração e

aproveitamento do capital endógeno; sob o aspecto subjetivo, a

concentração das atividades de planejamento e execução em uma

instância única, autárquica, federal e com espessas camadas

burocráticas, tampouco responde à concepção equilibrada e

participativa que se requer para o federalismo cooperativo hoje

desejado.

As novas feições, que rompem o paradigma anterior, tem ainda a

região como foco, mas se renova a busca pela delimitação de um

espaço unido por uma amálgama chamada identidade - física e social,

sem dúvida, mas também cultural e de potencial econômico. A

ineficácia da espacialização segundo o modelo anterior de

desenvolvimento regional demonstra-se também na dificuldade de

contemplação de instâncias de articulação adequadas àquela

dimensão.

A institucionalização da Região é demanda que encontra defensores

69

dentre ilustres estudiosos61, que chegam a propor sua inserção na

composição federativa, como unidade dotada de poder político e

autonomia. Compor-se-ia a federação tetradimensional, como refere

Baracho62. Mas para prosperar, essa proposição, dado seu alcance,

careceria antes ampliar o âmbito da discussão, saindo da Academia e

chegando à sociedade, de forma a ingressar na agenda do Congresso

e do próprio Governo.

Mas a institucionalização não requer necessariamente o poder político,

pois sendo sua base a legitimidade, poder-se-á possui-la em

instâncias outras, algumas administrativas e executivas, outras

despersonalizadas e deliberativas. A alternativa administrativa é, aliás,

contemplada na Carta Constitucional em vigor, cujo art. 43 não só se

refere a Regiões, como a organismos regionais. Mantém-se, porém, a

competência apenas da União para instituir Regiões e para elaborar

os planos de desenvolvimento regional a serem executados pelos tais

organismos regionais, instituídos, segundo o texto constitucional, para

essa função específica.

Num federalismo de equilíbrio - terminologia utilizada por Pelayo63 -,

tanto a atividade de planejamento quanto a de execução de políticas

há de ser compartilhada, assertiva que torna válida tanto para o

âmbito das competências expressamente deferidas pela Constituição,

61 Vide Berçovici, Gilberto. Constituição e Superação das Desigualdades Regionais. DireitoConstitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001.

62 José Alfredo de Oliveira Baracho. In Teoria Geral do Federalismo. Eio de Janeiro: Forense,1996.

63 Pelayo, Manuel Garcia. Derecho Constitucional Comparado. Madrid:Aliança Universidad. P. 218,1984.

70

quanto, especialmente, para o campo das competências comuns, que

exigem efetivas articulações intergovernamentais, por meio de

instituições comuns, multitularizadas, ou mediante os tradicionais

convênios de cooperação.

As parcerias regionais entre os entes federados dão-se, também, nos

consórcios intermunicipais, em comitês de bacias e outras formas de

redes federativas, conceito trabalhado por Abrucio e Soares em seu

profundo estudo sobre a experiência de cooperação intermunicipal no

Grande ABC. Nessa mesma obra64, citam Marta Arretche, que recusa

a visão maniqueísta atribuída à discussão sobre a dicotomia

centralização-descentralização e ressalta:

"A concretização dos ideais democráticos

depende menos da escala ou nível de governo

encarregado da gestão das políticas e mais da

natureza das instituições que, em cada nível de

governo, devem processar as decisões."65

Mesmo que a institucionalização das regiões deva comportar diversas

iniciativas cooperadas, ou redes, a existência de uma instância-eixo

para a "rede federativa" na qual desagüem as demais instâncias

parece ser caminho adequado.

64 Abrucio, Fernando & Soares, Marta Miranda. Redes Federativas no Brasil: cooperaçãointermunicipal no grande abe. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer. Série Pesquisas, n° 24,

2001.

65 Arretche, Marta. A descentralização das políticas sociais no estado de São Paulo: 1986-94.Relatório-sínteses. Pesquisa: balanços e perspectivas da descentralização das políticas sociais no

Brasil.

71

Afinal, se muitas vezes nas discussões sobre federalismo no Brasil

acaba-se elegendo como prioridade a questão do equilíbrio fiscal -

imprescindível para funcionamento do modelo -, parece olvidar-se que

para uma adequada definição das fatias de receita que devem caber a

cada unidade e à União, primeiro se impõe definir os específicos

papéis (competências) no rol de atribuições estatais.

Anna Maria Brasileiro, em documento produzido para um Simpósio

sobre Relações Intergovernamentais, promovido pelo IBAM e pela

extinta SAREM, órgão federal de articulação com estados e

municípios, já identificava, dentre o que chamou de "disfunções do

sistema atual", a questão das competências comuns no texto

constitucional.

A Constituição Federal estabelece, quanto ao objeto da atuação dos

entes federados, competências legislativas e materiais; aquelas

referem-se à prerrogativa de elaborar normas legais e estas ao poder-

dever de realizar ações concretas. Foi essa competência material que

a Carta Constitucional, no art. 23, atribuiu a todos os entes, em

comum, vale dizer, todos devem implementar medidas em prol das

matérias arroladas no citado dispositivo.

Previu também o mesmo artigo constitucional a edição de uma lei

complementar que para fixar "normas para a cooperação entre a

União, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista

o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

72

Essa lei jamais foi editada e o que se vê é a geração de ações

superpostas em determinados assuntos e de vazios institucionais em

outros, causando dispersão ou desperdício de recursos humanos e

materiais.

A aparente dificuldade em estabelecer campos definidos de atuação e

modos claros de colaboração poderia ser enfrentada sem maiores

sobressaltos, pois já há uma tendência histórica, afirmada por normas

constitucionais programáticas, de estimular a descentralização no

sentido de atribuir aos municípios a responsabilidade por boa parte

das prestações materiais - a municipalização. A ratificação dessa

diretriz, advém, em verdade, da aplicação final do princípio da

subsidiariedade, que consiste, na esclarecedora explicação de Manoel

Gonçalves Ferreira Filho em:

"...deixar ao homem o que ele pode fazer por

si; em nível mais alto, às comunidades, o que

podem estas realizar; aos grupos, inclusive

empresas, no plano da economia, da saúde, da

assistência, o que lhes está ao alcance; à

sociedade, o que somente esta pode atender;

ao Estado, o que não pode ser bem-feito pelos

círculos menores. E no âmbito deste, ao Poder

Local, o que este pode desempenhar. Apenas

dando ao Poder mais alto o que não pode ser

conduzido a não ser por ele."66

66 In Constituição e Governabilidade - ensaio sobre a (in) governabilidade brasileira. SãoPaulo:Saraiva, 1995, p. 129.

73

Esse princípio, a par de delimitar o próprio campo de atuação do

Estado, afirmando a sua não-exclusividade sobre os interesses

públicos (reconhece-se a existência de um espaço público não-

estatal), também concede à regra de cooperação demandada pela

Constituição um critério, que obviamente não isenta os entes maiores

de suas responsabilidades, mas se lhes indica os campos do

planejamento - no âmbito normativo, inclusive - e da contribuição

material e financeira.'

Se, então, no campo das competências materiais comuns, em que a

necessidade de inter-relacionamento entre os Entes estatais é

especialmente necessária, a menção expressa ao princípio da

subsidiariedade no dispositivo constitucional em pauta serviria a

facilitar a delimitação dos papéis de cada qual, o município como

natural executor e os demais a fornecer recursos humanos e

financeiros, sem embargo da necessária formulação conjunta das

políticas.

É claro que a complementariedade pode se dar nas formas

tradicionais, esparsas, mediante convênios de cooperação, mas a

perenização da atuação conjunta requer instrumentos institucionais

igualmente estáveis, como fóruns permanentes e organismos

regionais (na forma do art. 43 da Constituição Federal), por meio dos

quais se possam implementar os convênios e os consórcios

intermunicipais (art. 241 da Constituição Federal).

74

Já não são tão novas as experiências dos conselhos gestores,

criados por leis, em sua maioria federais (mas são leis de caráter

nacional), nos campos da saúde, da educação, da assistência social,

da proteção a menores e em muitos outros campos, os quais se

constituem em "espaço público de composição plural e paritària entre

Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é

formular e controlar a execução de políticas públicas setoriais"67

Seu caráter inovador reside principalmente no compartilhamento

de funções entre a sociedade civil e o Estado, mas até hoje tais

arranjos institucionais enfrentam dificuldades em romper a cultura

centralista e de monopólio estatal que permeia a formulação das

políticas públicas no Brasil. É de se observar que os conselhos

receberam das leis criadoras respectivas a prerrogativa de se

constituírem em instâncias deliberativas.

Como relata Tatagiba em sua pesquisa junto aos conselhos

gestores, as dificuldades por estes encontradas têm sua fonte principal

na recusa do Estado em partilhar o poder decisório, do que redundam

tanto em estratégias de esvaziamento das instâncias, mediante

indicação de agente público desqualificado ou sem poder, como em

estratégias de dominação da instância.

De toda sorte, a partir desses arranjos institucionais em que a

67 Luciana Tatagiba,, |n Os Conselhos Gestores e a Democratização das Políticas Públicas noBrasil (artigo). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil /Evelina Dagnino (org.). São Paulo:

Paz e Terra, 2002.

75

partilha de poder (ao menos em tese) dá-se no âmbito local,

constituindo-se, pois, uma dicotomia Poder Municipal - sociedade civil,

outras alternativas institucionais que demandam a participação dos

demais Entes, além da sociedade civil, agora se impõem, na

perspectiva de ação compartilhada que o federalismo requer.

A exitosa experiência da Câmara do Grande ABC, voltada ao

desenvolvimento regional, teve origem em proposta do Governo do

Estado de São Paulo, que a compôs juntamente com representantes

de empresários, trabalhadores, entidades civil e prefeituras

municipais, configurando já uma rede mais ampla, em que a questão

da cooperação inter-governamental torna-se mais relevante.

Os comitês de bacia previstos na Lei de Recursos Hídricos

incorporaram, mais recentemente, essa diretriz de configuração

orgânica institucional que contempla participação da União, dos

Estados, dos Municípios e da sociedade civil. O Mesmo se dá nos

fóruns mesorregionais constituídos com o apoio do Ministério da

Integração Nacional, cuja função é estabelecer prioridades para as

ações de desenvolvimento nas regiões delimitadas sob a forma de

mesorregiões.

Ambos os modelos têm o caráter inovador de se constituírem em

instâncias cuja composição de forças políticas (poder) reflete a própria

composição que incide no espaço público, que não mais se submete a

monopólio do Estado.

76

A participação dos atores sociais e de setores produtivos ao lado

os entes estatais em uma instância de discussão e deliberação

representa, em primeira medida, a adoção de uma base institucional

comum, uma instituição instruída pelos princípios da cooperação e da

participação. E vale lembra que instituições, segundo Moraes (2001:

34)68, com base nos estudos desenvolvidos por Nabli e Nugent

(1989:8): "são conjuntos de regras e restrições que governam as

relações sociais entre indivíduos ou grupo, emprestando a essas

relações uma certa estabilidade eprevisibilidade"

O aspecto inovador dessa forma institucional reside exatamente

na perenizaçâo de uma parceria público-privado que considere todas

as variáveis envolvidas, da participação à dimensão federativa. Esta é

fator determinante, pois - repita-se - uma das principais razões de

crise da federação brasileira é a inexistência de instâncias de ação

coordenada entre os diversos entes.

Se antes a conformação da agenda pública cunhava-se apenas

no âmbito interno dos governos, por políticos e pela tecnocracia, sem

a participação da sociedade; se com a redemocratização do país

foram surgindo instâncias em que a sociedade era chamada a se

pronunciar, mas o grau de efetividade de suas indicações ainda era (é)

reduzido; agora está a se propor uma instância em que participem em

pé de igualdade o Poder Público, as forças produtivas e o terceiro

setor. Não mais em duas instâncias, uma indicativa e outra decisória;

Moraes, Marcos Ribeiro de. As relações intergovernamentais na República Federal da

Alemanha. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.

77

uma instância deliberativa só, com o objetivo de união da agenda

governamental com a agenda sistêmica (que contém as demandas da

sociedade)69, que assumiria caráter vinculante que a parceria

(instituição) lhe conferir.

É óbvio que não se está a propor a supressão das instâncias

decisórias formais, constituídas dos mandatários da Nação,

representantes eleitos pelo povo para sua representação. A

determinação das prioridades públicas da União, estados e municípios

quanto ao destino dos recursos públicos permanece na seara dos

Poderes Legislativo e Executivo, mas força é convir que a instância

que ora se propõe, composta também por membros destes, nas três

esferas governamentais, alcança grau de legitimidade tamanho que

praticamente impede os atores políticos de desconsiderar suas

deliberações.

E a participação de representantes da União, estados e

municípios há de representar verdadeiro sistema de freios e

contrapesos, de forma a impedir a ocorrência do mal que mais assola

os conselhos gestores já existentes, qual seja, a cooptação da

sociedade civil pelo Poder Público. Cada esfera governamental, assim

como a sociedade civil, funciona como mitigador da eventual

pretensão dominatória de qualquer dos atores presentes ao fórum.

69 Viana, Ana Luiza. Abordagens Metodológicas em Políticas Públicas. Revista deAdministração Pública. Rio de Janeiro, FGV, 30(2):5-43, mar/abr 1996.

78

CONCLUSÃO FINAL

Ao reconhecer que tanto a separação (preferiu-se divisão) de Poderes

quanto o federalismo constituem, em última análise, formas

organizacionais do Estado que, além de visarem à contenção do poder

mediante a descentralização de suas fontes emanadoras, devem

servir a conferir maior eficiência às intervenções estatais, revela-se

não só o caráter instrumental que se deve lhes atribuir, como

possibilita enxergar o Estado não como algo abstrato, mas como um

emaranhado de instituições, emanado da própria sociedade, que deve

servir a gerenciar os interesses que constitucionalmente lhe são

atribuídos.

Esse caráter organizacional do Estado, ou a "constatação de que o

Estado é um conjunto de organizações e instituições complexas,...uma

organização complexa, como um sistema dotado de conexões de tipos

múltiplos, formais e informais, de configurações variadas..."70, não

deve conduzir apenas a uma abordagem de sua estrutura orgânica

como fim em si mesma, induzindo às idéias de permanente revisão de

seu aparato burocrático, mas, principalmente, à percepção de que a

ação estatal depende em elevado grau das formas de inter-relação

entre essas instituições que o compõem.

Não se pode deixar de perceber que ao Estado impõe-se, cada vez

mais, uma conduta eficiente. O princípio respectivo, que desde sempre

70 Fernando Prestes Motta in As Formas Organizacionais do Estado (artigo). Revista deAdministração de Empresas. São Paulo: FGV , 28(4) 15-31, 1988.

79

norteou as doutrinas da sociologia, da economia, da administração, ou

do direito, na concepção da atuação estatal, encontra agora no texto

constitucional pátrio conteúdo próprio, programático, como bem

ressalta Paulo Modesto71:

Não se trata de uma extravagância

retórica. Raciocínio semelhante vem sendo

adotado há anos pela doutrina alemã, que

chega a afirmar ser o princípio da eficiência

um "princípio constitucional estrutural pré-

dado" ou, como parece melhor, uma

"decorrência necessária da cláusula do

Estado Social". Para alguns, como para o

professor JOÃO CARLOS GONÇALVES

LOUREIRO, o princípio da eficiência é

percebido inclusive como uma decorrência

da idéia de Justiça. No seu dizer: "um

mínimo de eficiência é uma exigência que

integra a idéia de Justiça" (cf. O Procedimento

Administrativo entre a Eficiência e a Garantia

dos Particulares: algumas considerações,

Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 147).

Se assim é, esse complexo de instituições que conformam o

71 In NOTAS PARA UM DEBATE SOBRE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA.Artigo publicado em www.bresserpereira.org.br

80

Estado em suas divisões horizontal e vertical há de encontrar meios

de conformar sua atuação com a devida eficiência, não sendo lícito

quer aos estudiosos, quer à classe política, aceitar limitações

dogmáticas que obstaculizam tal intento.

Assim, no campo da produção normativa é certo que não se

pode renunciar às conquistas democráticas concretizadas na

previsibilidade e estabilidade das normas, propiciadoras da segurança

jurídica e do próprio Estado de Direito que se quer resguardar, cujos

traços básicos são a limitação jurídica do poder público e a

estabilidade das garantias individuais.

Porém, a obsessão pela eficiência afasta, de uma vez por todas,

a idéia de monopólio legislativo, restando manter-se no Poder

Legislativo apenas o monopólio da política legislativa, que comporta

ainda a exclusividade da elaboração de normas materiais que afetem

direitos e garantias individuais, mas concentra-se, quanto ao mais, no

delineamento de princípios e normas gerais a serem observados pelas

demais fontes normativas, vale dizer, pelo próprio Poder Executivo,

pelas agências reguladoras (atuando no espaço intermediário entre o

público e o privado) e mesmo por instituições privadas delegatárias de

tal função.

Quebra-se o dogma da separação de poderes, que, antes,

devem compartilhar funções, como incide, igualmente, nas relações

federativas, não mais isoladas, compartimentadas, nem

intervencionista; a federação só se justifica com consenso e as

81

cooperações daí advindas hão de se implementar em instituições

aptas a torná-las perenes, como o Kreis alemão, a mairie francesa, o

county norte-americano.

São instituições de caráter administrativo, organizações

funcionais que, organizadas em âmbito regional, como ora se propõe,

poderão representar não uma instância de poder político a mais como

chegaram a propor alguns estudiosos, mas uma instância de

cooperação entre os entes já existentes, que trataria das matérias

sujeitas à competência comum e de todas as demais que lhe fossem

atribuídas voluntariamente.

Essa instância cooperativa já encontra hoje, no Brasil, alguns

protótipos em pleno vigor: são as agências de desenvolvimento

regional constituídas não como entes estatais, mas como instituições

de caráter público compostas por União, estados, municípios, setor

produtivo e sociedade civil organizada, que poderão constituir-se no

braço operacional multititularizado que a cooperação de consenso

requer.

Não se pode permitir, contudo, que dogmas jurídico-formais

inviabilizem tais entidades, impondo-se-lhes controles e mecanismos

típicos das entidades estatais, já que tal não são; há de se constituir,

no âmbito do direito positivo, espécie nova (já esboçada na forma das

organizações sociais introduzidas pela Emenda Constitucional n° 19),

que sirva à associação de interesses não do estado ou da iniciativa

privada, mas da sociedade como um todo.

82

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