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Formação em Saúde e
Possíveis Articulações:
As Vivências de Estágio nas
Realidades do SUS – VER-SUS
Jean Jeison Führ
Mestrando em Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
Resumo:
A formação dos profissionais de saúde é constituída desde o século XVIII no mundo e desde o século XX no Brasil por contextos em que as práticas e os discursos estão centralizados nos complexos hospitalares e nos profissionais médicos de forma hegemônica. Entretanto, existem experiências de formação dos profissionais da saúde que tencionam evidenciar discursos e práticas sobre as realidades sanitárias que extrapolem os contextos destas práticas e discursos hegemônicos de orientação flexneriana. As Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) são algumas destas experiências diferenciadas.
Objetivo:
Nosso objetivo com o presente artigo será propor uma metodologia capaz de tentar compreender como se estabelecem articulações entre coletivos estudantis, organizações da sociedade civil, Instituições de Ensino Superior (IES’s) e o Estado Brasileiro durante os acontecimentos designados como VER-SUS.
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
A formação dos trabalhadores no campo da saúde como ensino clínico em meio hospitalar se constituiu enquanto prática vigente a partir do século XVIII. Neste período o espaço hospitalar deixa de ser considerado um local de morte assistencial aos pobres mantido por organizações religiosas e começa a ser considerado um instrumento
terapêutico da população em geral.
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
Segundo Foucault (1994, p.66), mesmo quando o
espaço hospitalar se hegemoniza, os discursos
constituídos evidenciavam que no “hospital, o doente é
sujeito de sua doença, o que significa que ele constitui
um caso; na clínica, onde se trata apenas de exemplo, o
doente é o acidente de sua doença, o objeto transitório
de que ela se apropriou”.
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
A partir do século XVIII o campo da saúde começa a ser esquadrinhado e tecnologias sociais que são engendradas para disciplinar aquilo que de mais precioso existe para o
pleno desenvolvimento do capitalismo: a força de trabalho da população. Em países como a Alemanha, a
Inglaterra e a França surgiram diferentes modos de articular o campo da saúde, leia-se medicina vigente, e o
controle da população produtiva .
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
O modelo inglês de articular o campo da saúde em diferentes focos de atuação sanitária: a assistência aos pobres, a administração da força de trabalho e a saúde familiar privada; se tornou o modelo hegemônico que
superou os modelos de saúde estatal alemã e de saúde urbana francesa. O modelo inglês sobressaiu-se em
função de que delimitou discursivamente as atribuições sanitárias que cabiam aos interesses da iniciativa privada,
pública e estatal de forma articulada e consoante.
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
No Brasil a percepção de que o campo da saúde deveria ser tratado como uma questão política surge no início do
século XIX. Os relatos da literatura realista sobre as endemias dos sertões evidenciaram às elites brasileiras
sobre a necessidade de que deveria existir alguma forma de preocupação sanitária para com a população brasileira.
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
No Brasil a percepção de que o campo da saúde deveria ser tratado como uma questão política surge no início do
século XIX. Os relatos da literatura realista sobre as endemias dos sertões evidenciaram às elites brasileiras
sobre a necessidade de que deveria existir alguma forma de preocupação sanitária para com a população brasileira.
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
Entretanto até o findar do período ditatorial o problema político da sanitariedade da população brasileira ficou restrito a tradicional
assistência religiosa e a correlata saúde previdenciária e trabalhista. Somente com o recrudescimento da Ditadura Militar, o Movimento
de Saúde (MOS) conseguiu articular as associações médicas, os centros estudantis e os grupos de bairro e instituir junto aos
aparatos estatais a proposta de um sistema público, universal e integral de atendimento a população em geral que recebeu o nome
de Sistema Único de Saúde (SUS).
A Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
Conforme estabelece o artigo nº. 200 § III da Constituição Nacional Brasileira, o SUS tem a obrigatoriedade e o dever de promover
ações de ordenação na formação de trabalhadores da saúde. As ações desenvolvidas pelas diferentes instâncias (União, Estados e
Municípios) sempre foram muito tímidas no que se refere à institucionalização de políticas públicas articuladas de formação
dos trabalhadores da saúde pública e coletiva. Na prática a formação de trabalhadores do campo da saúde é centrado no
discursos que hegemonizam os profissionais médicos, os espaços hospitalares e as práticas assistenciais.
Hegemonia e Articulação: duas perspectivas antagônicas e complementares
Ernesto Laclau (1935-2014) e Chantal Mouffe (1943-) ao terem publicado em 1985 a obra “Hegemonía y Estrategia Socialista: Hacia una radicalización de la
democracia” possibilitaram a partir de uma crítica ao marxismo, uma reapropriação das categorias do pensamento gramsciano (tais como
hegemonia, articulação e bloco histórico) que em correlação com categorias do pensamento althusseriano (tais como sobredeterminação e aparatos
repressivos e ideológicos do Estado) possibilitam perceber o social a partir da lógica de uma Teoria do Discurso.
Hegemonia e Articulação: duas perspectivas antagônicas e complementares
O conceito de Discurso aqui não deve ser entendido apenas como refletindo um conjunto de textos. Segundo Mendonça e Rodrigues
(2008, p.27), o discurso “é uma categoria que une palavras e ações, que tem natureza material e não mental e/ou ideal”, ou seja, o conceito de
discurso desenvolvido pela abordagem pós-estruturalista, da qual Laclau e Mouffe também fazem parte, se coaduna e muito com a perspectiva
foucaultiana de discurso enquanto uma exterioridade do sujeito.
Hegemonia e Articulação: duas perspectivas antagônicas e complementares
Laclau & Mouffe estabelecem a partir de sua obra (1985) novas possibilidades teóricas e metodológicas porque em suas perspectivas
pós-estruturalistas os autores simplesmente não rejeitam os conceitos e as teorias desenvolvidas anteriormente (incluindo com isso o marxismo, o estruturalismo e outras), mas sim operam dentro dos conceitos e das teorias desenvolvidas para desfazer postulações exclusivistas de pureza
e verdade que os mesmos e as mesmas possam apresentar.
A Hegemonia na Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
As universidades que foram constituídas no Brasil durante o século XX e início do atual século seguiram fidedignamente o modelo flexeneriano da sobredeterminação do discurso centrado no médico especialista, no contexto hospitalar e na assistência a doença. Nas “palavras do próprio Flexner “O estudo da medicina deve ser centrado na doença de forma individual e concreta‟ (PAGLIOSA & DA ROS, 2008, p.496)”. A formação
dos trabalhadores da saúde no Brasil se engendrou flexneriana, ou seja, se tornou a (...) hegemonia, que pressupõe uma certa colaboração, ou
seja, um consenso ativo e voluntário (GRAMSCI, 2004, p.436).
A Hegemonia na Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
Desse modo no Brasil essa “relação, segundo a qual um conteúdo diferencial particular passa a ser o significante da plenitude comunitária ausente, é exatamente o que denomino relação hegemônica (LACLAU, 2001, p.77)” junto à formação dos trabalhadores no campo da saúde:
Desta maneira, de forma mais sistemática, hegemonia é uma relação em que uma determinada identidade, num determinado contexto histórico,
de forma precária e contingente, passa a representar, a partir de uma relação equivalencial, múltiplos elementos
(MENDONÇA & RODRIGUES, 2008, p.29-30).
Articulação de Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
Uma das articulações que vem tencionando problematizar a relação hegemônica da formação discursiva flexneriana surgiu
dentro do próprio Movimento Estudantil e hoje articula diferentes aparatos institucionais tencionando uma diferente perspectiva da
formação de trabalhadores no campo da saúde brasileira.
Articulação de Formação dos Trabalhadores no Campo da Saúde
A articulação da qual mencionamos leva o nome de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) e conta hoje com a
inserção de: agentes de diferentes instâncias dos governos estatais, universidades, organizações da sociedade civil, movimentos sociais além
do próprio Movimento Estudantil (ME).
Contingência e Externalidade na Formação de Trabalhadores da Saúde
Intentamos a partir desta abordagem teórica analisar o VER-SUS perceber como uma articulação contingente as práticas hegemônicas da formação
dos trabalhadores no campo da saúde. Percebe-se até o momento a aplicabilidade da Teoria do Discurso em decorrência de que o VER-SUS se apresenta como uma externalidade da força articuladora em relação aos
elementos articulados da formação em saúde, no entanto, tal externalidade não pode ser pensada como uma separação efetiva dos
níveis de interior da totalidade constituída, já que se relaciona direta com os elementos articulados da própria formação em saúde.
Considerações Finais:
Partindo destes aprofundamentos teóricos que as postulações pós-estruturalistas de Laclau e Mouffe propõem das releituras de Gramsci e Althusser, acreditamos ser possível referenciar teoricamente sobre
aquilo que os coletivos estudantis que promovem o VER-SUS vêm designando sob o nome de articulação. A análise das práticas discursivas presentes na constituição identitária dos coletivos estudantis poderá revelar se as mesmas chegam ou não a se
constituírem enquanto uma verdadeira articulação política e os seus graus de heterogeneidade ou homogeneidade com a hegemonia
flexneriana dos aparatos institucionais estatais, universitários e sociais que estão presentes na estruturação do VER-SUS.
BIBLIOGRAFIA: AMARAL JÚNIOR, Aécio. BURITY, Joanildo Albuquerque (Org.). Inclusão social, identidade e diferença: perspectivas pós-estruturalistas de análise social. São Paulo: Annablume, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto VER-SUS/Brasil: relatório de avaliação do Projeto-Piloto. Brasília, 2004. BURITY, Joanildo Albuquerque. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia de Ernesto Laclau In: MENDONÇA, Daniel. RODRIGUES, Léo Peixoto (Org.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. DOIMO, Ana Maria. A voz e vez do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995. FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A universidade brasileira em busca de identidade. Petrópolis: Vozes, 1977. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1969. FÜHR, Jean Jeison. Repensando o público e o privado junto ao SUS. São Leopoldo: Oikos, 2013.
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