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VIII Simpósio Nacional da ABCiber COMUNICAÇÃO E CULTURA NA ERA DE TECNOLOGIAS MIDIÁTICAS ONIPRESENTES E ONISCIENTES ESPM-SP 3 a 5 de dezembro de 2014 Aplicanções: materialidades no aplicativo "n", de Jorge Drexler 1 Belisa Zoehler Giorgis 2 Universidade do Vale do Rio dos Sinos Resumo O aplicativo para dispositivos móveis n, lançado por Jorge Drexler em 2012, é composto por três canções que podem ser alteradas, dentro de possibilidades delimitadas, por meio da interação do usuário. O produto surge em um momento de consolidação da reconfiguração da indústria fonográfica, que vem passando por transformações desde o final da década de 1990, em razão da Internet, e da popularização dos smartphones, também como dispositivos para escutar música. Desse modo, este trabalho pretende verificar o aplicativo como uma manifestação da arte eletrônica na cibercultura e, nisso, como se articulam as materialidades e como ocorre a produção de presença. Concluiu-se que as materialidades do aplicativo n, que constituem a produção de presença, são determinantes para a experiência estética e a produção de sentido. Palavras-chave: Cibercultura; Materialidades da Comunicação; Produção de Presença; Consumo musical; Aplicativo para dispositivos móveis. Introdução O cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler lançou em novembro de 2012 o aplicativo “n”, em que foram sendo lançadas, a um certo intervalo de tempo, três canções, as quais o artista conceitou como combinatórias. Cada uma, de diferentes maneiras, pode ser alterada de “n” modos pelo usuário do aplicativo, que depois tem a possibilidade de compartilhar em suas redes ou salvar esse arquivo de áudio. Para divulgar o aplicativo e orientar os usuários, foram publicados vídeos no YouTube e foi criada uma página explicativa na web, cujo conteúdo aparecia quando se acessava o site oficial do artista. A ação surgiu em um período de consolidação da reconfiguração do mercado fonográfico, assim como da popularização dos smartphones, que passaram a ter, além 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Mercado do entretenimento e da música na cibercultura, do VIII Simpósio Nacional da ABCiber, realizado pelo ESPM Media Lab, nos dias 03, 04 e 05 de dezembro de 2014, na ESPM, SP. 2 Graduada em Comunicação Social Publicidade e Propaganda (2008) e Relações Públicas (2009) e especialista em Cultura Digital e Redes Sociais (2013) UNISINOS, e-mail [email protected].

Aplicanções: materialidades no aplicativo n, de Jorge Drexler

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Aplicanções: materialidades no aplicativo "n", de Jorge Drexler1

Belisa Zoehler Giorgis2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Resumo

O aplicativo para dispositivos móveis “n”, lançado por Jorge Drexler em 2012, é composto

por três canções que podem ser alteradas, dentro de possibilidades delimitadas, por meio da interação do usuário. O produto surge em um momento de consolidação da reconfiguração da

indústria fonográfica, que vem passando por transformações desde o final da década de 1990,

em razão da Internet, e da popularização dos smartphones, também como dispositivos para escutar música. Desse modo, este trabalho pretende verificar o aplicativo como uma

manifestação da arte eletrônica na cibercultura e, nisso, como se articulam as materialidades e

como ocorre a produção de presença. Concluiu-se que as materialidades do aplicativo “n”,

que constituem a produção de presença, são determinantes para a experiência estética e a produção de sentido.

Palavras-chave: Cibercultura; Materialidades da Comunicação; Produção de Presença;

Consumo musical; Aplicativo para dispositivos móveis.

Introdução

O cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler lançou em novembro de 2012 o

aplicativo “n”, em que foram sendo lançadas, a um certo intervalo de tempo, três

canções, as quais o artista conceitou como combinatórias. Cada uma, de diferentes

maneiras, pode ser alterada de “n” modos pelo usuário do aplicativo, que depois tem a

possibilidade de compartilhar em suas redes ou salvar esse arquivo de áudio. Para

divulgar o aplicativo e orientar os usuários, foram publicados vídeos no YouTube e foi

criada uma página explicativa na web, cujo conteúdo aparecia quando se acessava o

site oficial do artista.

A ação surgiu em um período de consolidação da reconfiguração do mercado

fonográfico, assim como da popularização dos smartphones, que passaram a ter, além

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Mercado do entretenimento e da música na cibercultura,

do VIII Simpósio Nacional da ABCiber, realizado pelo ESPM Media Lab, nos dias 03, 04 e 05 de

dezembro de 2014, na ESPM, SP. 2 Graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (2008) e Relações Públicas (2009) e

especialista em Cultura Digital e Redes Sociais (2013) – UNISINOS, e-mail [email protected].

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de suas funções relacionadas ao meio telefone celular e o acesso à Internet, a de um

dispositivo móvel para se escutar música, com a consequente modificação das práticas

comunicacionais e sociais, implicando em uma determinada experiência estética.

Assim, a questão que se nos apresenta é: como o aplicativo “n” se coloca como uma

manifestação da cibercultura dentro das transformações do mercado fonográfico, e

como ocorre nele a produção de presença? O objetivo principal é verificar como se

articulam as materialidades na utilização do aplicativo "n". Os objetivos específicos

são: identificar os detalhamentos do aplicativo e suas diferentes canções; descrever a

base teórica conceituando cibercultura e a teoria das materialidades; e analisar o

aplicativo "n" com base na referida conceituação.

De forma a responder ao problema de pesquisa, alcançando os objetivos

delineados, foi realizada revisão bibliográfica sobre cibercultura e materialidades da

comunicação. Também foram consultados sites, como o do artista, com a página do

aplicativo, e o da empresa que o desenvolveu, além dos de jornais que publicaram

matérias a respeito na época, e também os vídeos que divulgam o projeto e suas

canções.

O aplicativo “n”

No final de 2012, o cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler publicou o

aplicativo para dispositivos móveis “n”, com versões para Android e iOS disponível

em 70 países. De acordo com Huerta (2012) produto recebeu este nome em razão de

“n” ser um símbolo matemático para uma série de números naturais, e era descrito

como um “aplicativo de canções combinatórias”, ou seja, com n possibilidades. O

artista também as chamou de “aplicanciones”, que, em português, poderiam ser

chamadas de “aplicanções”. O aplicativo possuía versões nos idiomas espanhol e

inglês.

Neste trabalho iremos nos ater ao aplicativo em si, sem desdobrar a análise às

demais ações conjugadas ao acontecimento do aplicativo. No entanto, para fins de

contextualização e entendimento, serão mencionadas, quando pertinentes,

informações obtidas por meio desses outros conteúdos. Assim, cabe dizer que,

juntamente com o lançamento do aplicativo, foi criada uma página que era

visualizada ao ser acessado o site oficial do artista – www.jorgedrexler.com – onde

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havia uma explicação sobre o app e seu uso. Como ainda estava em divulgação seu

disco recente na época, intitulado “Amar la Trama”, nesta página havia um link onde

dizia “Seguir para jorgedrexler.com”, remetendo ao site completo. Juntamente a isso,

foram publicados vídeos em seu canal no YouTube, relativos ao projeto.

O aplicativo foi desenvolvido em uma parceria entre a Samsung Espanha (com

dispositivos da marca o uso era totalmente gratuito), a Warner Music Espanha, a

empresa de desenvolvimento de aplicativos Wake App e a Reactable Systems, todas

espanholas. O grupo que compõe esta última foi o responsável por desenvolver, em

2005, a reactable, um instrumento eletrônico que, conforme o site da empresa, utiliza

uma interface tangível em que o aquele que toca controla o sistema manipulando

objetos reais, e com isso combina diferentes elementos como sintetizadores, efeitos,

samples e elementos de controle para criar uma composição única. Na superfície do

instrumento, os fluxos sônicos resultantes são representados graficamente, mostrando

os formatos de onda reais que vão de um objeto a outro, tornando a música visível e

tangível. Este instrumento tornou-se mais conhecido a partir de seu uso pela cantora

Björk em suas turnês Volta (2007-2008) e Biophilia (2011-2013), e, mais

recentemente, pela banda Coldplay, que utilizou o instrumento em seu show no

iTunes Festival 2014.

O aplicativo “n” foi desenvolvido com esta tecnologia, permitindo ao usuário,

segundo o site da Wake App, intervir diretamente sobre as canções, incidindo sobre a

letra, arranjos e instrumentos, modificando conforme seu gosto as três canções

especificamente escritas e produzidas para este fim: n1, “Habitación 316” - , n2,

“Madera de deriva”, e n3, “Décima a la décima”. Após construídas, as canções

tinham a possibilidade de ser compartilhadas por meio de um link a ser publicado nas

redes sociais do usuário (Facebook e Twitter), ou ainda enviado por e-mail; de outra

forma, também podia ser salvo o arquivo no dispositivo. Hoje, as canções de “n” se

encontram disponíveis para aquisição e download em formato de EP na loja virtual

iTunes.

Ao ser lançado, o aplicativo tinha liberada somente a primeira destas músicas.

A canção n1, “Habitación 316”, trazia, conforme Huerta (2012), 19 versos simples e

19 versos curtos, contando a história de duas pessoas em um quarto de hotel e as

infinitas versões das lembranças daquela noite, que a memória teria ido modificando.

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No aplicativo, uma série de círculos concêntricos traziam em suas divisões versos da

canção. Dessa forma, o usuário podia escutar de forma linear ou então ir tocando a

tela e girando esses círculos, o que alterava a ordem dos versos, formando várias

opções da mesma canção, sem que ela saísse do ritmo ou a união diferenciada dos

versos a tornasse sem nexo. Além disso, ao tocar no círculo central, o usuário optava

por escutar a canção com a banda completa ou somente com voz e violão. Esta

canção também possuía uma versão em inglês.

Em 29 de novembro de 2012, data de lançamento do aplicativo, foi publicado

no canal de Jorge Drexler um vídeo em que o artista apresentava o produto e

explicava seu uso, a partir da canção n1. No dia seguinte, foi disponibilizado um

vídeo em que o artista, com sua banda, tocava a canção “Habitación 316” de acordo

com a ordem dos versos que era escolhida pelo público presente em seus dispositivos

móveis. Performance semelhante pôde ser presenciada em shows da turnê “Mundo

Abisal” (2012-2013) em um momento em que Drexler chamava ao palco alguns fãs

para irem escolhendo em um dispositivo, cuja tela aparecia projetada ao fundo do

palco, a ordem dos versos desta mesma canção, enquanto era tocada ao vivo.

No aplicativo, n1 aparece assim:

Figura 1: Tela inicial da canção n1 Figura 2: Início da canção n1

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Figura 3: As opções que vão surgindo Figura 4: Ao pressionar pause, aparece a letra da canção

Em 13 dezembro do mesmo ano, foi lançada a n2, intitulada “Madera de

deriva”. A letra da canção fala do ir e vir da vida e como isso determina o que cada

pessoa é. Na ocasião, foi publicado no canal de Drexler no YouTube um vídeo em que

o artista explica o processo desta canção. A gravação foi realizada com a Orquesta

Sinfónica del País Vasco (Euskadiko Orkestra Sinfonikoa) e com as vozes do coro

KUP Talde, de Tolosa, Espanha, com mais de 80 músicos. Conforme a descrição do

vídeo, a canção se divide em 12 pistas, mais a voz. Para esta canção, de início, o

usuário tinha acesso somente à voz. Como a temática se refere a movimento e deriva,

ela se baseia em geolocalização. Assim, é necessário estar com o serviço de

localização do dispositivo, o GPS, ativado, e o usuário deve ir se deslocando

fisicamente, o que vai liberando diferentes pistas com grupos de instrumentos, que

podem ser ativadas ou não, de modo a construir a canção. No aplicativo, vai sendo

indicada a distância que se está do instrumento seguinte mais próximo, e aparece

também, para as pistas desbloqueadas, em que momentos da canção esses

instrumentos são mais relevantes.

Assim aparece n2 no aplicativo:

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Figura 5: Tela inicial da canção n2 Figura 6: Buscando a geolocalização

Figura 7: Opção já liberada e a geolocalização atual Figura 8: As opções liberadas

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A canção n3, "Décima a la décima", foi lançada em 18 de dezembro.

Conforme a descrição do vídeo em que era apresentada, consiste em dez décimas com

um mesmo esquema de rima, que podem ser combinadas entre si, contabilizando-se

cem versos com os quais se podem formar dez bilhões de estrofes diferentes, cada

uma com um significado. Nessa canção, a disponibilidade dos versos depende do

momento do dia: ela se tornava maior ao longo do dia, depois ficava mais curta e

recomeçava. Assim, a canção vai se alongando a partir da 1h e chegava ao seu

máximo de dez estrofes entre as 22h e a meia-noite. O usuário podia escolher entre 10

diferentes vozes: além da de Jorge Drexler, os versos estavam gravados por Xoel

López, Vitor Ramil, Fernando Cabrera, Martín Buscaglia, Kevin Johansen, Daniel

Drexler, Kiko Veneno, Alex Ferreira e René Pérez.

As telas da n3 são as que seguem:

Figura 9: Ao pressionar pause, é mostrada uma visão esquemática do arranjo

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Figura 10: O início da n3

Figura 11: As opções de cantores

Figura 12: Ao pressionar pause, aparece a letra da

música

Figura 13: Opção de compartilhamento ao

final de cada canção

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Desse modo, após o detalhamento do aplicativo, cabe passarmos à

conceituação teórica que irá basear nossa análise.

Indústria fonográfica, cibercultura e materialidades

O processo de reconfiguração da indústria da música, iniciado no final da

década de 1990, trouxe uma série de mudanças significativas na cadeia produtiva,

segundo Kischinhevsky e Herschmann (2011), como a redução do elenco de artistas e

do número de funcionários das grandes gravadoras, a crise da noção de álbum, que vai

deixando de ser o objetivo central, o desaparecimento de funções como a de

compositor não-intérprete e o surgimento de novas profissões vinculando o setor a

novas tecnologias digitais. Ainda conforme os autores, esta indústria figura como um

tipo de “laboratório” para acontecimentos que já afetam outras áreas das indústrias

culturais. Essas transformações trouxeram, de acordo com os autores, a

desvalorização dos fonogramas e uma busca por novos modelos de negócio “que hoje

emergem na forma de diferentes tipos de plataformas digitais e nos serviços da

telefonia móvel”, com “a utilização das tecnologias em rede como uma relevante

estratégia de comunicação e circulação” (KISCHINHEVSKY e HERSCHMANN,

2011, p. 3).

Na década de 2000, ainda de acordo com Kischinhevsky e Herschmann

(2011), houve transformações em todas as etapas do processo industrial da música: a

pré-produção, a produção, a distribuição, a comercialização e o consumo, sendo que

as tecnologias digitais tornaram a música onipresente, com a fruição nos mais

diferentes dispositivos e espaços. Ao mesmo tempo que cresceu o consumo por meio

de aparelhos móveis, como telefones celulares, o que “engendra uma cultura da

portabilidade” (KISCHINHEVSKY, 2009, apud KISCHINHEVSKY e

HERSCHMANN, 2011, p. 5), uma política das indústrias fonográficas passou a ser o

estabelecimento de relações com operadoras de telefonia móvel e fabricantes de

telefones celulares, estabelecendo novos modelos de negócio cuja sustentabilidade,

conforme Kischinhevsky e Herschmann (2011), ainda necessita de mais tempo para

ser avaliada.

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Nisso, relaciona-se a cibercultura, que, segundo Lemos (2005) tratando-se de

uma nova relação entre as tecnologias e a sociabilidade, compreende as relações entre

as tecnologias da comunicação e informação e a cultura. De acordo com o autor, a

cibercultura é regida pelo princípio da “re-mixagem”, que é um “conjunto de práticas

sociais e comunicacionais de combinações, [...] trazendo uma nova configuração

cultural” (LEMOS, 2005, p. 1), e é caracterizada pela liberação do polo da emissão, o

princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas

sociais. Um de seus expoentes, a arte eletrônica, consiste em “processos interativos,

abertos, coletivos” (LEMOS, 2005, p. 4), que perpassam também a ideia de

“remediação”, dentro de uma noção tanto de um meio sobre outro, como também de

reconfiguração, segundo o autor.

Como uma manifestação disso, temos o aplicativo “n”, que coloca-se como

uma aposta da indústria fonográfica tradicional na utilização da tecnologia por meio

de dispositivo móvel, em uma parceria com a Samsung, fabricante de smartphones e

tablets. As canções de “n” – “Habitación 316”, “Madera de deriva” e “Décima a la

décima”, tratam-se de criações realizadas especificamente para essa forma de

distribuição, consistindo como arte eletrônica, por seu caráter interativo e aberto,

regido pela lógica da “re-mixagem”, sendo, cada uma a seu modo, combinatórias.

Assim, acontece a liberação do polo da emissão, alinhado também com uma mudança

nas práticas sociais, tanto pela intervenção da criação artística, como pela

possibilidade de posterior compartilhamento. Além disso, a relação do fã do artista

com a obra consiste, de forma ampla, em uma “remediação”, por sua ação ativa e pela

reconfiguração de como essa mesma relação se articula.

O funcionamento da proposta do aplicativo é somente possível em razão do

desenvolvimento tecnologia e como esta alterou a cultura contemporânea. Isso pode

ser verificado observando-se que isso ocorre por conta da existência dos dispositivos e

aplicativos que a suportem, assim como pela forma como de desenvolve atualmente a

relação dos usuários com essas manifestações, a popularização da Internet e dos

smartphones, as formas possíveis de comercialização e consumo do produto música e

a aceitação disso pelas pessoas. Esse estabelecimento de parcerias com fabricantes de

dispositivos, com este tipo de disponibilização de fonogramas, de acordo com

Kischinhevsky e Herschmann (2011), traz geralmente um retorno financeiro irrisório

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para os artistas, mas ocasionalmente é positivo como ação de divulgação. Em termos

de visibilidade para o artista, no caso de Drexler, é interessante considerar que, na

época, seu último álbum havia sido lançado dois anos antes. Assim, “n” pode ter

colaborado para uma manutenção da visibilidade de Drexler entre seus fãs,

relacionada ao caráter de inovação que procura imprimir nos trabalhos que realiza.

Conforme Gumbrecht (2010, p.28), as materialidades podem ser conceituadas

como “todos os fenômenos e condições que contribuem para a produção de sentido

sem serem, eles mesmos, sentido”. Dentro disso, é preciso considerar que, de acordo

com Felinto (2001), a existência de um suporte material é fundamental para todo ato

de comunicação, e a materialidade do meio de transmissão tem influência sobre uma

mensagem, inclusive, até certo ponto, determinando sua estruturação. Em relação a

isso, é relevante também trazer a noção da acoplagem, que sugere que “os meios de

comunicação são elementos constitutivos das estruturas, da articulação da circulação

de sentido, deixando marcas que se imprimem nas relações que as pessoas mantêm

com seus corpos, com sua consciência e com suas ações” (SÁ, 2011, p. 9),

considerando que, segundo Gumbrecht (1998 apud SÁ, 2011), é importante

compreender como se formam novas cadeias de significantes a partir da relação do

corpo com o computador, o que consiste em uma forma de acoplagem estrutural entre

diferentes sistemas.

A partir disso, tem-se que os diferentes elementos que constituem as

materialidades desse aplicativo são determinantes da experiência estética, que é

“como uma oscilação (às vezes, uma interferência) entre “efeitos de presença” e

“efeitos de sentido” (GUMBRECHT, 2010, p. 22), junto a “um processo de

significação e revelação atrelado à ideia de „epifania‟” (PEREIRA e CASTANHEIRA,

2011, p. 141), sendo que a produção de presença consiste em “todos os tipos de

eventos e processos nos quais se inicia ou se intensifica o impacto dos objetos

„presentes‟ sobre corpos humanos” (GUMBRECHT, 2010, p.13).

Dessa forma, é possível dizer que a produção de presença no aplicativo “n”

ocorre em uma consonância de diferentes aspectos como a tecnologia com a qual ele

foi desenvolvido, o formato de seus elementos, as possibilidades de interação e a

forma como elas ocorrem. Junto a isso, o dispositivo que estiver sendo utilizado pelo

usuário também influi na forma como se desenvolve essa experiência estética. A

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produção de presença constitui-se, portanto, como em continuidade e de forma

complementar ao interpretativo, trazido, por exemplo, pelas letras das canções,

gerando a produção de sentido a partir da vivência do usuário com o aplicativo.

Considerações finais

O aplicativo “n”, em razão das diferentes características presentes em cada

uma de suas três canções, quem implicam em uma série de interações, tem uma

grande riqueza de possibilidades do desenvolvimento de um olhar sobre seus

diferentes detalhes. Para este estudo buscou-se verificar as articulações deste

aplicativo como uma manifestação da cibercultura na reconfiguração do mercado

fonográfico, a partir de um olhar sobre suas materialidades, objetivando observar suas

implicações interativas, a experiência estética e a produção de presença.

Foi possível verificar que as questões relacionadas à tecnologia, enquanto

meio e suporte, assim como as relacionadas à presença, resultando em uma epifania a

partir do impacto do objeto físico em relação ao corpo humano, questão também

implicada com a noção de acoplamento, foram fundamentais para o desenvolvimento

do produto, como arte eletrônica e produto fonográfico. Da mesma forma, estes

aspectos resultam experiência estética que se completou a partir da produção de

sentido.

Pode-se dizer que, embora este trabalho tenha correspondido a seus objetivos e

tenha sido respondido o problema de pesquisa, existe uma série de possíveis

desdobramentos de análise para este aplicativo. Em razão destas características, o

objeto não se esgota, ainda mais quando se considera a possibilidade de abranger

também os demais elementos comunicacionais aliados ao seu lançamento – a página

no site, os vídeos, a performance ao vivo em shows da turnê “Mundo Abisal”, o EP

hoje disponível para compra online. Assim, apresenta-se a intenção de desenvolver e

analisar outros desdobramentos deste estudo.

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