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22 Bahia Agríc., v.8, n. 2, nov. 2008 COMUNICAÇÃO Araçá boi: uma alternativa para agroindústria Célio Kersul do Sacramento* Waldemar de Sousa Barretto** José Cláudio Faria** O araçazeiro-boi (Eugenia stipitata McVaugh) é uma fruteira da Amazônia Ocidental cultivada em pequena esca- la no Peru, Bolívia, Equador e Colômbia, sendo adaptada ao clima tropical úmido (CHÁVES FLORES; CLEMENT, 1984). Essa frutífera é um arbusto que alcança até três metros de altura e igual diâmetro de copa. O fruto é uma baga globosa, com o peso variando entre 30 a 800 g, apre- senta formato arredondado ou achata- do, diâmetro longitudinal de 5 a 10 cm e transversal de 5 a 12 cm, casca fina de coloração amarela, polpa ácida de colo- ração amarelo-clara, com 4 a 10 semen- tes de 0,5 a 1,0 cm de comprimento. A polpa é suculenta e bastante ácida, por- tanto não serve para consumo ao natu- ral, sendo utilizada para a preparação de sucos, sorvetes e geléias para a produção de néctar, sendo bastante útil na mistura com polpa de frutas de baixa acidez. A propagação do araçazeiro é feita, principalmente, por sementes, as quais devem vir de plantas bem produtivas e que produzam frutos grandes. As se- mentes são retiradas dos frutos, lavadas para eliminação da polpa e posterior- mente colocadas para germinar, preferi- velmente em leito de areia + pó de serra curtido (na razão de 1:1), para posterior transplantio para sacos de polietileno. As sementes de araçá boi demoram de 60 a 180 dias para germinar e mais 180 dias para o plantio. O araçazeiro pode ser também propagado por estaquia, utili- zando-se vértices de ramos apicais com 10 cm de comprimento e com 1 mm de diâmetro, em condições de irrigação por nebulização. A muda pode ser plantada quando tiver 30 cm de altura (CHÁVEZ FLORES; CLEMENT, 1984). O araçazeiro adapta-se bem aos so- los de textura média (argilo-arenosos) *Engenheiro Agrônomo, DSc., Professor Titular do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) Ilhéus-BA; e-mail: [email protected] [email protected] **Técnico de Laboratório do Setor de Fisiologia Vegetal do CEPEC/CEPLAC, Ilhéus-BA; e-mail: [email protected] ***Engenheiro Agrônomo, DSc., professor Titular (DCET/UESC), Ilhéus-BA; e-mail: [email protected] Foto: Acervo Biblioteca Seagri

Araçá boi

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22 Bahia Agríc., v.8, n. 2, nov. 2008

C O M U N I C A Ç Ã O

Araçá boi: uma alternativa para agroindústria

Célio Kersul do Sacramento* Waldemar de Sousa Barretto**

José Cláudio Faria**

O araçazeiro-boi (Eugenia stipitata McVaugh) é uma fruteira da Amazônia Ocidental cultivada em pequena esca-la no Peru, Bolívia, Equador e Colômbia, sendo adaptada ao clima tropical úmido (CHÁVES FLORES; CLEMENT, 1984). Essa frutífera é um arbusto que alcança até três metros de altura e igual diâmetro de copa.

O fruto é uma baga globosa, com o peso variando entre 30 a 800 g, apre-senta formato arredondado ou achata-do, diâmetro longitudinal de 5 a 10 cm e transversal de 5 a 12 cm, casca fi na de coloração amarela, polpa ácida de colo-

ração amarelo-clara, com 4 a 10 semen-tes de 0,5 a 1,0 cm de comprimento. A polpa é suculenta e bastante ácida, por-tanto não serve para consumo ao natu-ral, sendo utilizada para a preparação de sucos, sorvetes e geléias para a produção de néctar, sendo bastante útil na mistura com polpa de frutas de baixa acidez.

A propagação do araçazeiro é feita, principalmente, por sementes, as quais devem vir de plantas bem produtivas e que produzam frutos grandes. As se-mentes são retiradas dos frutos, lavadas para eliminação da polpa e posterior-mente colocadas para germinar, preferi-

velmente em leito de areia + pó de serra curtido (na razão de 1:1), para posterior transplantio para sacos de polietileno. As sementes de araçá boi demoram de 60 a 180 dias para germinar e mais 180 dias para o plantio. O araçazeiro pode ser também propagado por estaquia, utili-zando-se vértices de ramos apicais com 10 cm de comprimento e com 1 mm de diâmetro, em condições de irrigação por nebulização. A muda pode ser plantada quando tiver 30 cm de altura (CHÁVEZ FLORES; CLEMENT, 1984).

O araçazeiro adapta-se bem aos so-los de textura média (argilo-arenosos)

*Engenheiro Agrônomo, DSc., Professor Titular do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) Ilhéus-BA; e-mail: [email protected] [email protected]**Técnico de Laboratório do Setor de Fisiologia Vegetal do CEPEC/CEPLAC, Ilhéus-BA; e-mail: [email protected]***Engenheiro Agrônomo, DSc., professor Titular (DCET/UESC), Ilhéus-BA; e-mail: [email protected]

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profundos e bem drenados. O espaça-mento recomendado para o araçazeiro é de 3 a 4 metros, servindo, portanto, para consorciação com outras espécies que exijam espaçamento maior. A época de plantio depende da umidade do solo, por isso recomenda-se o período de iní-cio de chuvas. O araçazeiro não precisa de poda de condução, pois a planta dis-tribui seus ramos, formando uma copa arredondada, entretanto, ramos secos devem ser retirados. Nos locais onde é cultivado o araçazeiro verifi cam-se diver-sas colheitas por ano, permitindo, assim, a disponibilidade de matéria-prima para as indústrias. A produtividade, segundo Cháves Flores e Clement (1984) situa-se acima de 20 t/ha.

Considerando esses aspectos o araçá-boi foi introduzido na região Sul da Bahia, mas ainda não é explorado de forma econômica. A região Sul da Bahia, localizada entre Valença e Teixeira de Freitas caracteriza-se por ter um clima tropical úmido com temperatura média de 24ºC, umidade relativa acima de 85% e precipitação pluviométrica de 1500 a 1800 mm, bem distribuída durante o ano. Tais condições favorecem o cultivo de diversas espécies frutíferas originárias da região Amazônica. Na região Sul da Bahia há inúmeras agroindústrias de su-cos, por conseguinte novos sabores são interessantes para atender a crescente demanda do mercado de polpas.

Desse modo, este trabalho tem o ob-jetivo de conhecer o comportamento e a qualidade do araçá-boi produzido na região Sul da Bahia.

Observações sobre o comporta-mento do araçazeiro-boi, nas condições da região Sul da Bahia, foram efetuados durante quatro anos, em pomares dos municípios de Ituberá e de Una para ve-rifi car o início de fl oração após o plantio, época de produção e incidência de pra-gas e doenças. Foram também efetuadas análises para caracterização da qualidade dos frutos. Os frutos utilizados para carac-terização físico-química foram coletados na fazenda Kamui, localizada em Ituberá, Bahia, (Latitude 13º 44´S e Longitude 39º 9´W). Os solos da fazenda são do tipo

Latossolo Vermelho Amarelo, a região apresenta clima tropical úmido, com temperatura média de 24ºC, umidade relativa de 85 % e precipitação anual de 1.800 mm bem distribuída. Os frutos fo-ram transportados para o Centro de Pes-quisas do Cacau da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPEC/CEPLAC), onde foram avaliados quanto às características fi sicas e químicas. Os frutos foram pesados individualmente e mensurados quanto aos diâmetros trans-versal e longitudinal, número e peso de sementes, rendimento de polpa e por-centagem de casca. A polpa dos frutos foi reunida numa só amostra e analisada quanto ao pH, acidez total em ácido cítri-co, açúcares solúveis totais e sólidos-so-lúveis-totais, ácido ascórbico, conforme os métodos analíticos preconizados pelo Manual de Normas Analíticas do Institu-to Adolfo Lutz (1985). Utilizou-se o pro-grama Statistica (STATSOFT, 2001), para a análise estatística dos dados (explorató-ria, intervalo de confi ança para as médias populacionais).

Sobre o comportamento da plan-ta, na região Sul da Bahia, foi observado que as primeiras fl orações ocorreram a partir de 15 a 18 meses após o plantio, nos pomares visitados. Nas condições da Bahia, os araçazeiros fl orescem e fru-tifi cam durante todo o ano e a colheita concentra-se em quatro ou cinco safras durante o ano. Tal comportamento é semelhante no Peru e na Região Ama-zônica, conforme relato de Cháves Flores e Clement (1984). O porte pequeno e a precocidade de produção possibilitam a utilização do araçazeiro em consórcios agrofl orestais com plantas perenes de início de produção tardia. Embora o ara-çá-boi comporte-se melhor à pleno sol,

tem apresentado frutifi cação satisfatória em locais sombreados.

Com relação às pragas, o maior pro-blema é a mosca-das-frutas (dentre as quias destaca-se a Anastrepha sp.), as quais ovipositam nos frutos, onde ocor-re o desenvolvimento de larvas de 10 mm de comprimento e 3 mm de diâ-metro, entretanto, diferentemente do que ocorre em frutos cítricos, a presença das larvas não altera o sabor do fruto e estas podem ser retiradas manualmente da polpa. Como método de redução da população da mosca recomenda-se a utilização das mesmas armadilhas utili-zadas em pomares cítricos e também a catação, seguido de enterro de frutos im-prestáveis que apresentem sintomas de ataque dessa praga.

A única doença observada em ara-çazeiros na Bahia é a ferrugem causada pelo fungo Puccinia psidii, o qual causa necrose nas folhas e deformações e ne-croses nos frutos, sem, entretanto, afetar a polpa. E, em pomares do Sul da Bahia, têm sido observados genótipos com to-lerância a essa doença, podendo ser utili-zados em trabalhos de melhoramento ou para multiplicação através da estaquia.

A colheita é feita duas a três vezes por semana, quando os frutos apresenta-rem coloração amarelada e devido à sua consistência de casca e polpa é extrema-mente sensível ao transporte a longas distâncias principalmente quando sobre-postos. Desse modo, a comercialização tem sido feito na forma de polpa com ou sem semente ou frutos congelados.

Relativo à qualidade dos frutos, os re-sultados das avaliações físicas são apre-sentadas na Tabela 1. Observa-se que o intervalo de confi ança para a média po-

Tabela 1Média, intervalo de confi ança para a média populacional e desvio padrão das características físicas dos frutos de araçá-boi produzidos na região Sul da Bahia, Ilhéus, 2002

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pulacional (ICM) do peso dos frutos foi de 147,70 ± 26,86 g, estatisticamente igual aos valores de 159,5 g citados por Pinedo et al. (1981); 158,9 g citados por Andrade et al. (1989) e 161,5 citados por Ferreira et al. (1992). O peso do fruto pode ser infl uenciado por diversos fatores genéti-cos, fi siológicos, climáticos e nutricionais, sendo que o número de frutos por plan-ta infl uencia bastante o seu peso fi nal. O ICM do número de sementes por fruto foi de 11,60 ± 2,46 e a percentagem de peso em relação ao fruto foi 10,35 ± 2,02% se-melhantes aos valores citados por Andra-de et al. (1989).

O rendimento de polpa (78,62 ± 1,98%) dos frutos produzidos na Bahia foi inferior aos 85,6% citados por Andrade et al. (1989) e superiores aos 68,9 e 63,3%, citados por Pinedo et al. (1981) e Ferrei-ra et al (1992), respectivamente. O alto rendimento de polpa apresentado pelos frutos de araçá-boi, o bom sabor e a óti-ma aparência são considerados atrativos para o mercado internacional, o que tor-na esta fruta potencialmente importante para as agroindústrias de suco.

Diferente dos outras espécies de Mirtáceas, o araçá apresenta casca fi na a qual pode ser triturada junto com a polpa e poucas sementes, e estas com tamanho de 0,5 a 1 cm, as quais podem ser descartadas em peneiras de malha maior. Referente às características quí-micas, objeto das informações cons-tantes (Tabela 2), os frutos de araçá-boi apresentam teor de sólidos-solúveis de 5,54 ºBrix, valor superior aos 4,0 ºBrix re-latados por Andrade et al. (1989). O valor dos sólidos-solúveis-totais do araçá boi é bem inferior aos valores apresentados

pela maioria dos frutos tropicais utilizados para fabricação de sucos, como de pitan-ga (6 a 13ºBrix), acerola (10 a 14,0ºBrix), cajá (11,46 a 15,0ºBrix). O fruto apresenta acidez elevada (2,38%), valor bem maior que o registrado na maioria das polpas mais utilizadas para produção de suco: citros (0,6 a 1,8%), acerola (1,0 a 1,57%), cajá (0,89 a 1,61%). Desse modo, a relação brix/acidez de 2,33 é extremamente baixa para os padrões de gosto dos brasileiros. Entretanto, a polpa de araçá-boi, conve-nientemente misturada e com adição de açúcar, tem sido utilizada com sucesso na fabricação de sorvetes, mas poderá ter enorme importância na fabricação de néctares com frutas menos ácidas como manga, mamão e maçã, as quais, devido à baixa acidez, não são bem apreciadas na fabricação de sucos.

Concluindo, o comportamento pro-dutivo do araçazeiro nas condições da região Sul da Bahia e a qualidade de seus frutos credenciam essa frutífera com po-tencial para exploração econômica, en-tretanto há necessidade de trabalhos de pesquisas de seleção de plantas matrizes, visando produção e resistência à ferru-gem e também pesquisas quanto a sua utilização na composição de néctares.

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genia stitpitata sub. Esp. Sororia McVaugh). In: CON-

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Tabela 2Características químicas de frutos de araçá-boi produzidos na região Sul da Bahia - Ilhéus-BA, 2002

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