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AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY PREFÁCIO POR James H. Fairchild Presidente da Faculdade Oberlin, 1876 O autor da narrativa a seguir explica suficientemente sua origem e propósito nas páginas iniciais. Ele deixou os manuscritos à disposição de sua família, sem nunca ter decidido por si só se valia a pena publicá-los. Muitos de seus amigos, ao saberem de sua existência, ansiaram pela publicação, e seus filhos, cedendo à exigência geral, entregaram o manuscrito para a Faculdade Oberlin com esse propósito. Ao disponibilizá-lo para o público, é extremamente necessário que o apresentemos essencialmente como foi encontrado. Nenhuma liberdade pode ser tomada com ele para modificar as visões ou declarações que podem às vezes parecer extremadas ou parciais, ou mesmo para seguir um estilo que, embora às vezes áspero, é sempre dramático e eloqüente. Poucos homens mereceram mais o direito de exprimir seus próprios pensamentos, em suas próprias palavras. Esses pensamentos e palavras são o que os muitos amigos do Sr. Finney desejarão. As únicas mudanças que pareceram aceitáveis foram omissões ocasionais, para evitarmos repetições desnecessárias, ou detalhes por demais minuciosos, ou, às vezes, referências que possam parecer distintamente muito pessoais. A narrativa é, em sua própria natureza, pessoal, envolvendo experiências de ambos o autor e daqueles que tiveram envolvimentos com as mesmas. O manuscrito deve seu valor e interesse, em grande parte, a essas experiências pessoais. Sendo que a narrativa apresenta as memórias e anseios de um pastor veterano, com uma paixão por ganhar almas, espera-se e acredita-se que, em suas referências pessoais, o conteúdo não será considerado como além dos limites cristãos apropriados. Para quase tudo, a idade do texto descarta todas as perguntas. Em uma ou outra parte, talvez, as declarações podem parecer inadequadas, como se envolvessem apenas uma visão parcial dos fatos. Será lembrado que tais pontos de vista são parte de uma observação e opinião totalmente pessoal, e cada uma terá naturalmente a correção que parece necessária. J. H. F. FACULDADE OBERLIN, Janeiro, 1876.

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AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

PREFÁCIO

POR James H. Fairchild

Presidente da Faculdade Oberlin, 1876

O autor da narrativa a seguir explica suficientemente sua origem e propósito nas páginas iniciais. Ele deixou os manuscritos à disposição de sua família, sem nunca ter decidido por si só se valia a pena publicá-los. Muitos de seus amigos, ao saberem de sua existência, ansiaram pela publicação, e seus filhos, cedendo à exigência geral, entregaram o manuscrito para a Faculdade Oberlin com esse propósito.

Ao disponibilizá-lo para o público, é extremamente necessário que o apresentemos essencialmente como foi encontrado. Nenhuma liberdade pode ser tomada com ele para modificar as visões ou declarações que podem às vezes parecer extremadas ou parciais, ou mesmo para seguir um estilo que, embora às vezes áspero, é sempre dramático e eloqüente. Poucos homens mereceram mais o direito de exprimir seus próprios pensamentos, em suas próprias palavras. Esses pensamentos e palavras são o que os muitos amigos do Sr. Finney desejarão. As únicas mudanças que pareceram aceitáveis foram omissões ocasionais, para evitarmos repetições desnecessárias, ou detalhes por demais minuciosos, ou, às vezes, referências que possam parecer distintamente muito pessoais. A narrativa é, em sua própria natureza, pessoal, envolvendo experiências de ambos o autor e daqueles que tiveram envolvimentos com as mesmas. O manuscrito deve seu valor e interesse, em grande parte, a essas experiências pessoais. Sendo que a narrativa apresenta as memórias e anseios de um pastor veterano, com uma paixão por ganhar almas, espera-se e acredita-se que, em suas referências pessoais, o conteúdo não será considerado como além dos limites cristãos apropriados. Para quase tudo, a idade do texto descarta todas as perguntas.

Em uma ou outra parte, talvez, as declarações podem parecer inadequadas, como se envolvessem apenas uma visão parcial dos fatos. Será lembrado que tais pontos de vista são parte de uma observação e opinião totalmente pessoal, e cada uma terá naturalmente a correção que parece necessária.

J. H. F. FACULDADE OBERLIN, Janeiro, 1876.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO I.

NASCIMENTO E EDUCAÇÃO INFANTIL

DEUS tem se aprazido em ligar meu nome e meus trabalhos a um grande movimento na igreja de Cristo, considerado por alguns como uma nova era em seu progresso, especialmente em relação a avivamentos religiosos. Sendo que esse movimento envolve consideravelmente o desenvolvimento de visões da doutrina cristã não muito comuns, e apareceu por mudanças nos meios de transmitir o trabalho de evangelização, era natural que alguns receios desnecessários permanecessem a respeito dessas declarações modificadas de doutrina e do uso desses novos meios; e que conseqüentemente, todos os bons homens devem questionar, até certo ponto, a sabedoria de tais meios e a solidez dessas declarações teológicas; e que homens que não são de Deus deveriam irritar-se, e por algum tempo deveriam se opor arduamente a esses grandes movimentos.

Já me referi a mim mesmo como ligado a esses movimentos; mas apenas como um dos muitos ministros e outros servos de Cristo, que têm compartilhado proeminentemente na realização dos mesmos. Tenho consciência de que tenho sido considerado um inovador por uma certa porção da igreja, tanto em relação às doutrinas quanto aos meios; e que muitos têm olhado para mim como um tanto proeminente, especialmente por enfrentar algumas das velhas formas teológicas de pensamento e expressão, e por declarar as doutrinas do Evangélho e muitos assuntos que dizem respeito a ele em uma nova linguagem.

Fui especialmente importunado, por vários anos, por amigos que conhecera naqueles avivamentos que envolveram meu nome e trabalho, para que escrevesse a história deles. Sendo que tantos temores desnecessários permaneceram em relação a esses movimentos, acredita-se que a verdade da história exige uma declaração de minha parte das doutrinas que foram pregadas, até onde eu sabia; dos meios usados, e dos resultados da pregação dessas doutrinas e do uso desses meios.

Minha mente parece instintivamente recuar de falar tanto sobre mim mesmo quanto se faz necessário, se eu falar honestamente sobre tais avivamentos e sobre minha relação com eles. Por este motivo, recusei, até o presente momento, aceitar tal trabalho. Há pouco tempo, os membros do conselho diretor da Faculdade Oberlin expuseram a mim esse assunto mais uma vez, insistindo que eu aceitasse. Eles, juntamente com inúmeros amigos neste país e na Inglaterra, insistiam que isso era pela causa de Cristo, que um entendimento melhor do que o que então havia, deveria existir na igreja, principalmente no que dizia respeito aos avivamentos que aconteceram no centro de Nova Iorque e demais lugares, de 1821 em diante, por vários ano, pois tais avivamentos tiveram muita oposição e errôneas representações.

Abordo o assunto, devo dizer, com relutância, por muitas razões. Não mantive nenhum tipo de diário, conseqüentemente, devo depender de minha memória. É verdade que minha memória e naturalmente muito tenaz, e que os eventos que testemunhei nos avivamentos religiosos ficaram fortemente marcados em minha mente; lembro-me também, detalhadamente, muitos mais do que os que terei tempo para comunicar.

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Todos que já testemunharam avivamentos poderosos têm a consciência de que muitos casos de conversão e convicção acontecem diariamente, de grande interesse para o povo no meio de quem eles ocorrem. Onde todos os fatos e circunstâncias são conhecidos, por vezes, um efeito empolgante é produzido; e tais casos são freqüentemente tão numerosos que se todos os fatos altamente interessantes de um mesmo avivamento, em uma única localidade, fosse narrado, preencheria incontáveis páginas.

Não proponho seguir este curso no que estou prestes a escrever. Farei tao somente um desenho de contorno tal que, num todo, dará uma idéia clara e tolerável do tipo que esses avivamentos assumiram; e que relatará apenas algumas das específicas situações de conversão que ocorreram em diferentes lugares.

Devo também empenhar-me para dar conta das doutrinas que foram pregadas, e dos meios que foram utilizados, e mencionar tais fatos em linhas gerais, de maneira a possibilitar que a igreja de agora em diante, pelo menos parcialmente, estime o poder a pureza daqueles grandes trabalhos de Deus.

Mas hesito em escrever uma narrativa daqueles avivamentos, pois por muitas vezes me surpreendo com o quanto minhas próprias lembranças dos fatos diferem das de outras pessoas que estavam em meio à tais cenas. Claro que devo declarar os fatos como lembro-me deles. Vários daqueles eventos já foram usados por mim como referência em pregações, como ilustrações da verdade que eu estivesse apresentado ao povo. Já fui tão lembrado deles e já me referi tanto a eles ao longo de todos os meus anos de ministério que não posso não ter uma forte confiança de que lembro-me substancialmente deles como ocorreram. Se por qualquer motivo eu falhar da descrição desses fatos, ou se em algum momento minhas memórias em muito se distanciarem das dos outros, creio que a igreja acreditará que minhas declarações estão inteiramente de acordo com a minha lembrança de tais fatos. Eu tenho hoje (1867-68) setenta e cinco anos de idade. É claro que me lembro de coisas que se passaram há mais tempo mais definidamente do que de eventos recentes. No que diz respeito às doutrinas pregadas, até onde sei, e aos meios usados para promover os avivamentos, não creio que eu possa estar errado.

Para dar conta de forma inteligível das partes para as quais fui chamado para agir em tais cenas, é necessário que eu conte um pouco da história da maneira pela qual acabei por adotar as visões doutrinárias que há tanto tempo tenho e prego, e que têm sido consideradas por muitas pessoas como censuráveis.

Devo começar contando rapidamente sobre meu nascimento, primeiras condições e educação, minha conversão a Cristo, meu estudo de teologia e o ingresso no trabalho ministerial. Que seja lembrado que não estou prestes a escrever uma autobiografia; e não entrarei com mais detalhes relacionados a minha vida pessoal do que o que parecer necessário para dar conta de forma inteligível, da maneira em que fui levado, no que diz respeito a esses grandes movimentos da igreja.

Nasci em Warren, no condado de Litchfield, Connecticut, em 29 de agosto de 1792. Por volta de meus dois anos de idade, meu pai mudou-se para o condado de Oneida, em Nova Iorque, que era, na época, em grande parte uma floresta. O povo não gozava de nenhum privilégio religioso. Havia pouquíssimos livros religiosos. Os novos estabelecidos, sendo a maioria vinda da Nova Inglaterra, estabeleceram quase que imediatamente escolas públicas; mas tinham entre si pouquíssima pregação inteligente do Evangélho. Eu gozei dos privilégios de um colégio público, do verão e do inverno até

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meus dezesseis anos, creio eu; e avancei até ser considerado capaz de lecionar em uma escola pública, nas normas em que eram então conduzidas.

Nenhum de meus pais era professor de religião e, eu creio que, entre nossos vizinhos, haviam poucas pessoas religiosas. Eu raramente ouvia um sermão, a menos que fosse um ocasional, de algum ministro viajante, ou de alguma posse miserável de um pregador ignorante que por vezes podia-se encontrar naquele país. Lembro-me tão bem que a ignorância dos pregadores que ouvia era tanta, que as pessoas ao voltarem da reunião gastavam um tempo considerável com gargalhadas irrepreensíveis dos estranhos erros cometidos e os absurdos expostos.

Na vizihança da casa de meu pai, tinhamos acabado de erguer um local para reuniões e estabelecer um ministério quando meu pai foi levado a mudar-se novamente para um local inexplorado, nas proximidades da margem sul do Lago Ontario, pouco mais ao sul do porto de Sacketts. Aqui vivi novamente vários anos com privilégios religiosos não diferentes dos que eu gozava no condado de Oneida.

Quando eu tinha aproximadamente vinte anos de idade, voltei para Connecticut, e de lá fui para Nova Jersey, perto da cidade de Nova Iorque, e comecei a lecionar. Eu lecionava e estudava fazendo meu melhor, e duas vezes retornei à Nova Inglaterra para lecionar em um colégio por um ano letivo. Enquanto trabalhava para o colégio, meditava sobre ir para a faculdade de Yale. Meu mentor era formado em Yale, mas aconselhou-me a não ir. Disse-me que seria uma perda de tempo, pois eu conseguiria facilmente cumprir toda a grade curricular ensinada naquela instituição em apenas dois anos, enquanto que em Yale, levaria quatro anos para me formar. As considerações que ele apresentou marcaram-me de tal forma que desisti de prosseguir com minha educação a partir de então. Contudo, mais adiante adqüiri algum conhecimento de latim, grego e hebraico. Mas nunca fui um estudante tradicional, e nunca tive conhecimento suficiente das línguas antigas a ponto de achar-me capaz de criticar independentemente nossa tradução para o inglês da Bíblia.

O professor a quem me referi me convidou a unir-me a ele na direção de uma academia em um dos estados do sul. Estava disposto a aceitar sua proposta, com o plano de prosseguir e completar minha educação sob sua tutela. Mas quando transmiti notícia a de uma possível mudança para o sul a meus pais, que já não via há quatro anos, ambos vieram imediatamente a meu encontro, e convenceram-me a ir para casa com eles, no condado de Jefferson, em Nova Iorque. Depois de fazer uma visita a eles, decidi ingressar, como estudante, no escritório de advocacia Do Juiz W, em Adams, naquele mesmo condado. Isso ocorreu em 1818.

Até esse momento, eu nunca havia desfrutado do que se pode chamar de privilégios religiosos. Nunca tinha vivido em uma comunidade de oração, exceto pelos períodos nos quais trabalhei no colégio na Nova Inglaterra; e a religião naquele lugar era de um tipo que de maneira nenhuma conseguia me prender a atenção. A pregação era feita por um velho senhor do clero, um homem excelente, muito amado e venerado por seu rebanho, mas ele lia seus sermões de maneira que não marcavam de maneira alguma minha mente. Ele tinha um meio monótono e enfadonho o que ele havia escrito provavemente anos antes.

Para dar uma idéia do que ele pregava, deixe-me dizer que seus manuscritos eram grandes o suficiente para completarem uma pequena bíblia. Eu me sentava no mesanino, e observava que ele colocava seus manuscritos no meio de sua bíblia, e colocava seus dedos nos lugares onde as passagens eram encontradas nas Escrituras,

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a fim de que fossem mencionadas durante a leitura de seu sermão. Para isso, era necessário que ele segurasse a bíblia com ambas as mãos, fazendo qualquer gesticulação impossível. Conforme prosseguia, ele lia as passagens das Escrituras onde seus dedos marcavam, liberando assim um dedo de cada vez, até que ambas as mãos estivessem livres. Quando já tivesse “lido todos os dedos”, ele estava perto do final do sermão. Sua leitura era toda monótona e sem paixão; e apesar de as pessoas assistirem atentamente e com reverência, ainda assim devo confessar, para mim não era muito bem uma pregação.

Quando saíamos da reunião, por vezes ouvia as pessoas falarem bem de seu sermão, e algumas vezes até se perguntavam sobre a possibilidade de uma alusão ao que ocorria no meio deles ter sido feita pelo que ele dissera. Parecia sempre uma curiosidade comum saber qual era o objetivo dele, especialmente se havia alguma coisa a mais em seu sermão do que uma discussão seca sobre doutrina. E isso era de fato o melhor que eu já tinha ouvido, em termos de pregações, do que em qualquer outro lugar. Mas qualquer um pode julgar se tais pregações eram feitas para instruir ou chamar o interesse de um jovem que não sabia nem se importava em nada quanto à religião.

Quando eu lecionava em Nova Jersey, as pregações nas redondezas eram mormente feitas em alemão. Creio que não cheguei a escutar meia dúzia de sermões em inglês durante todo o tempo que estive em Nova Jersey, que foi aproximadamente três anos.

Assim, quando fui para Adams para estudar direito, era quase tão ignorante em religião quanto um gentio. Praticamente cresci em lugares inexplorados. Não tinha quase que consideração alguma pelo guardar o sábado, e não tinha nenhum conhecimento definido sobre a verdade religiosa.

Em Adams, pela primeira vez, sentei e ouvi com atenção, por um bom tempo, um ministro culto. Reverendo George W. Gale, de Princeton, Nova Jersey, tornou-se, logo após minha chegada lá, o pastor da Igreja Presbiteriana local. Suas pregações eram pelo método antigo, isto é, eram detalhadamente Calvinistas, e sempre que ele falava sobre as doutrinas, o que raramente fazia, ele pregava aquilo que se tem chamdo de hiper-Calvinismo. Ele era, é claro, considerado altamente ortodoxo, mas eu não consegui obter muita instrução por suas pregações. Como algumas vezes disse a ele, para mim, ele parecia começar pelo meio de seu discurso, e presumia muitas coisas que para a minha mente, ainda precisavam ser provadas. Ele parecia presumir que seus ouvintes eram teólogos, e que portanto ele podia presumir que conhecessem todas as grandes e fundamentais doutrinas do evangélho. Mas eu devo dizer que ficava mais perplexo do que edificado por suas pregações.

Eu nunca, até esse momento, tinha vivido em um lugar onde pudesse participar de uma reunião de oração fixa. Já que uma dessas reuniões acontecia toda semana em uma igreja próxima a nosso escritório, eu costumava ir e escutar as orações, sempre que conseguia ser liberado do trabalho naquela hora.

No estudo da lei elementar, encontrei antigos autores que freqüentemente mencionavam as Escrituras, e referindo-se especialmente às Instituições de Moisés, como autoridade para muitos dos grandes princípios da lei comum. Isso instigou tanto minha curiosidade que foi comprar uma bíblia, a primeira que já tive; e sempre que eu encontrava uma referência à bíblia pelos autores da lei, ia até a passagem e a consultava em suas conexões. Isso logo me levou a ter um novo interesse pela bíblia, e

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comecei a ler e meditar sobre ela muito mais do que jamais havia feito em uma vida. Entretando, não compreendia muito dela.

Sr. Gale tinha o hábito de aparecer freqüentemente em nosso escritório, e parecia ansioso para saber qual fora a impressão de seus sermões em minha mente. Eu costumava conversar abertamente com ele, e agora penso que algumas vezes o critiquei sem pena. Eu levantava objeções contra seus positionamentos conforme os forçava sob minha própria atenção.

Ao conversar com ele e questioná-lo, percebi que sua mente era, como eu pensava, mistificada, e que ele não definia com exatidão, para si mesmo, o que queria dizer com muitos dos termos importantes que usava. De fato achei impossível dar qualquer significado a muitos dos termos que ele usava com grande formalidade e freqüência. O que ele queria dizer com repetância? Será que era um mero sentimento de culpa pelo pecado? Será que era um estado absoluto de passividade da mente, ou será que evolvia algum elemento voluntário? Se fosse uma mudança de mente, seria uma mudança a respeito de quê? O que ele queria dizer com o termo regeneração? O que tal linguagem significava quando se tratava de uma mudança espiritual? O que ele quiria dizer com fé? Será que era meramente um estado intelectual? Meramente uma convicçao, ou persuasão, de que as coisas declaradas no Evangélho eram verdade? O que ele queria dizer com santificação? Será que alguma mudança física estava envolvida no assunto, ou alguma influência física da parte de Deus? Eu não sabia, e nem ele parecia conseguir entender para si mesmo o sentido no qual usava esses e outros termos similares.

Tivemos muitas conversas interessantes, mas elas pareciam mais estimular minha mente à questionar do que me satisfazer a respeito da verdade.

Mas conforme eu lia minha bíblia e ia às reuniões de oração, ouvia o Sr. Gale pregar e conversava com ele, com os presbíteros da igreja, e com outros de tempos em tempos, tornei-me incansável. Uma pequena consideração convencera-me de que de maneira alguma eu tinha uma mente pronta para ir para o céu caso eu morresse. Para mim, parecia haver algo na religião de importância infinita, e logo tive a convicção de que se a alma é imortal, eu precisava de uma grande mudança no meu estado introspectivo para poder estar preparado para a felicidade no céu. Mas ainda assim, minha mente não estava convencida quanto à veracidade ou falsidade do Evangélho e do Cristianismo. A dúvida, no entanto, era importante demais para me permitir descansar enquanto ainda havia qualquer incerteza no assunto.

Eu tinha receio em especial em virtude do fato de que as orações que eu ouvia toda semana, não eram, que eu pudesse ver, respondidas. De fato, eu conseguia entender pela maneira com que se expressavam nas orações, e por outros detalhes em suas reuniões, que aqueles que declaravam tais orações não as consideravam como respondidas.

Quando eu li minha bíblia aprendi o que Cristo disse em relação à oração, e às repostas às orações. Ele disse “Pedí e dar-se-vos-á, buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á. Porque aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, se abre.” Também li que Cristo afirma, que Deus está mais desejoso de dar o Seu Santo Espírito àqueles que pedem a Ele, do que pais humanos estão de darem bons presentes a seus filhos. Eu os ouvi orando continuamente pelo derramamento do Espírito Santo, e não muitas vezes confessarem que não haviam recebido o que pediram.

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Eles exortavam uns aos outros a acordarem e se comprometerem, e a orar sinceramente por um avivamento religioso, pensando que se fizessem seus deveres, orassem pelo derramamento do Espírito, e fossem sinceros, que o Espírito de Deus seria derramado, que eles teriam um avivamento, e que os não arrepedidos seriam convertidos. Mas em suas orações e reuniões de conferência eles confessavam continuamente, consideravelmente, que não tinham feito nenhum progresso no alcançar de um avivamento.

Essa inconsistência, o fato que oravam tanto e não eram respondidos, era uma triste pedra de tropeço para mim. Eu não sabia o que fazer dela. Era uma pergunta em minha mente se eu devia compreender

que estas pessoas não eram verdadeiramente cristãs, e conseqüentemente não permaneciam com Deus; ou será que entendi mal as promessas e os ensinos do bíblia nesse assunto, ou deveira eu concluir que a bíblia não era verdadeira? Havia algo inexplicável para mim; e pareceu, uma vez, que isso me quase me levou ao ceticismo. Parecia-me que os ensinamentos da bíblia não concordavam em nada com os fatos que estavam diante de meus olhos.

Em uma ocasião, quando eu estava em uma das reuniões de oração, perguntaram-me se eu não desejava que orassem por mim! Eu lhes disse que não, porque não via que Deus respondia a suas orações. Eu disse, "suponho que eu necessito de oração, porque tenho consciência de que sou um pecador; mas não vejo que será bom que vocês orem por mim; pois vocês estão continuamente pedindo, mas não recebem. Vocês têm orado por um avivamente desde que estou em Adams, no entanto vocês não o tem. Vocês têm orado para que o Espírito santo desça sobre vós, e contudo queixam-se de sua escasses." Recordo-me de ter usado essa expressão naquela hora: "vocês já oraram o suficiente desde que assisto essas reuniões para terem banido o diabo para fora de Adams à base de oração, se houvesse alguma virtude em suas orações. Mas aqui estão vocês, continuam orando, e ainda se queixando." Eu fui completamente sério no que eu disse, e não estava nem um pouco irritado, eu penso que em conseqüência de ter sido trazido assim, continuamente, a cara à cara com a verdade religiosa; o que era um estado novo das coisas para mim.

Mas em uma leitura mais adiante de minha bíblia, entendi que a razão porque suas orações não eram respondidas, era porque eles não viviam de acordo com as circunstâncias reveladas, sob as quais Deus tinha prometido responder às orações; que eles não oravam na fé, no sentido de esperar que Deus lhes desse as coisas que pediram.

Esse pensamento, por algum tempo, ficou em minha mente como um questionamento confuso, ao invéz de alguma forma definitivo que poderia ser posta em palavras. Entretanto, isso me aliviou, no que dizia respeito à verdade do evangélho; e após esforçar-se nessa maneira por uns dois ou três anos, minha mente tornou-se certa de que apesar de qualquer mistificação que pudesse haver na minha mente, na mente do meu pastor, ou na mente da igreja, a bíblia era, não obstante, a verdadeira palavra de Deus.

Isto estabelecido, dei-me cara à cara com a pergunta se eu aceitaria Cristo como apresentado no evangélho, ou se seguiria um percurso mais racional na vida. Nesse período, minha mente, desde que me lembro, estava tão impressionada pelo Espírito Santo, que eu não poderia deixar essa pergunta sem resposta, nem poderia hesitar por muito tempo entre os dois cursos de vida apresentados a mim.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO II.

CONVERSÃO A CRISTO

Numa noite de sábado, no outono de 1821, tinha decidido resolver a questão da salvação da minha alma imediatamente, que se fosse possível, eu faria as pazes com Deus. Mas à medida que estava muito ocupado com os assuntos do escritório, eu sabia que sem uma grande firmeza de propósito, eu nunca resolveria efetivamente o assunto. Eu portanto, lá e então resolvi, na medida do possível, evitar todo negócio, e tudo que divergiria minha atenção, e dar me dedicar completamente ao trabalho de assegurar a salvação da minha alma. Eu executei essa decisão o mais austera e totalmente que pude. Eu era , no entanto, obrigado a ser um bom funcionário no escritório. Mas à medida que a providência de Deus age, eu estive pouco ocupado tanto na segunda quanto na terça-feira ; e tive a oportunidade de ler minha bíblia e ficar em oração a maior parte do tempo.

Mas eu era muito orgulhoso sem sabê-lo. Eu tinha suposto que eu não tinha muita consideração pela opinião dos outros, se pensavam isso ou aquilo a respeito de mim; e eu tinha de fato sido bastante singular em ir às reuniões de oração, e na atenção que eu tinha prestado à religião, quando em Adams. Neste respeito eu não tinha sido assim único, como acabei por conduzir à igreja às vezes a pensar que que eu devia ser um ansioso questionador. Mas eu descobri, quando enfrentei a questão, que não era disposto que qualquer um soubesse que eu procurava a salvação de minha alma. Quando eu orava eu apenas sussurrava minha oração, após ter fechado o buraco da fechadura na porta, a fim de que ninguém descobrisse que eu estava em oração. Antes disso, eu tinha minha bíblia sobre a mesa, junto com os livros de direito; e nunca tinha-me ocorrido de envergonhar-me por ter sido encontrado lendo a bíblia, da mesma maneira que era encontrado lendo alguns de meus outros livros.

Mas depois que eu tinha decidido ser sério no assunto de minha própria salvação, mantive minha bíblia, tanto quanto pude, fora de vista. Se eu estivesse lendo quando qualquer um entrasse, eu jogaria meus livros de direito por cima dela, para criar a impressão que eu não a tinha tido em minha mão. Em vez de ser extrovertido e de querer falar com todos e qualquer um sobre esse assunto como antes, encontrei-me sem vontade de conversar com ninguém. Eu não queria ver meu pastor, porque não queria que ele soubesse o que sentia, e não tinha confiança alguma de que ele compreenderia meu caso, e daria as respostas que eu precisava. Pelas mesmas razões eu evitei conversar com os presbíteros da igreja, ou com qualquer cristão. Por um lado eu tinha vergonha que eles soubessem como eu me sentia; e por outro, eu tinha medo que me mostrassem a direção errada. Senti-me limitado à bíblia.

Durante segunda e terça-feira minhas convicções aumentaram; mas ainda parecia que meu coração se endurecia. Eu não podia verter uma lágrima; eu não poderia orar. Eu não tive nenhuma oportunidade de orar por meu próprio fôlego; e freqüentemente senti, que se pudesse estar sozinho num lugar onde pudesse usar minha voz e me soltar, eu encontraria alívio na oração. Eu era tímido, e evitava tanto quanto eu podia, falar a qualquer sobre qualquer assunto. Esforcei-me, entretanto, para fazer isso de uma

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maneira que não levantasse nenhuma suspeita, para ninguém, que eu procurava a salvação da minha alma.

Naquela noite de terça-feira eu fiquei muito nervoso; e durante a noite um sentimento estranho veio sobre mim como se eu estivesse a ponto de morrer. Eu sabia que se morresse iria direto para o inferno; mas aquietei-me o máximo que pude até a manhã.

Bem cedo parti para o escritório. Mas logo antes de chegar lá, algo pareceu confrontar-me com perguntas como essas: De fato, parecia que o inquérito estava dentro de mim, como se uma voz interna me dissesse, "que você está esperando? Você não prometeu dar seu coração a Deus? E que você está tentando fazer? Está se esforçando para criar uma justiça própria?"

Nesse exato momento todo o assunto da salvação do evangélho se abriu na minha mente de uma maneira mais que maravilhosa para mim. Eu penso que então vi, tão claro como jamais em minha vida, a realidade e totalidade da remissão de Cristo. Eu vi que seu trabalho era um trabalho terminado; e em vez de ter, ou de necessitar, justiça minha para recomendar-me a Deus, eu tinha que submeter-se à justiça de Deus através de Cristo. A salvação do evangélho pareceu-me ser uma oferta de algo ser aceitado; e que estava inteira e completa; e que tudo que era necessário em minha parte, era meu próprio consentimento de desistir de meus pecados, e aceitar Cristo. Salvação, pareceu-me, em vez de ser algo a ser feito para fora, por minhas próprias obras, era algo a ser encontrado inteiramente no Senhor Jesus Cristo, que se apresentou diante de mim como meu Deus e meu salvador.

Sem estar plenamente ciente, eu tinha parado na rua bem onde a voz interna pareceu me cativar. Quanto tempo fiquei naquela posição não posso dizer. Mas depois que essa distinta revelação tinha ficado por algum tempo diante da minha mente, a pergunta pareceu ser colocada, "você aceita agora, hoje?" Eu respondi, "sim; eu aceito hoje, ou morrerei tentando."

Ao norte da vila, depois de um monte, ficava uma parte de floresta, na qual eu tinha o hábito quase que diário de caminhar, mais ou mais menos, quando a temperatura era agradável. Era então outubro, e o tempo de minhas freqüentes caminhadas lá já passara. Não obstante, em vez de ir ao escritório, eu virei e mudei meu percurso para a mata, sentindo que eu devia estar sozinho, e afastado de todos os olhos e ouvidos humanos, de modo que eu pudesse derramar minha oração a Deus.

Mas meu orgulho ainda devia mostrar-se. Enquanto eu ia por sobre o monte, ocorreu-me que alguém pudesse me ver e supôr que eu estava indo orar. Contudo provavelmente não havia uma pessoa sequer na Terra que suspeitaria tal coisa, mesmo que me tivesse visto. Mas meu orgulho era tão grande, e eu estava tão possuído pelo medo dos homens, que recordo que esgueirei-me ao longo da cerca, até que ficar tão longe de vista que nenhuma pessoa da vila poderia me ver. Eu então entrei na mata, penso que, uns quartocentos metros, passei para o outro lado do monte, e encontrei um lugar onde algumas árvores grandes tinham caído uma sobre a outra, deixando um lugar aberto no meio. Ali eu vi que poderia fazer um tipo do salinha. Eu rastejei para aquele lugar e ajoelhei-me para oração. Conforme eu ia entrando na floresta, recordo-me de ter dito, "eu darei a meu coração a Deus, ou nunca voltarei de lá." Lembro-me repetir isso conforme subia: "Eu darei meu coração para Deus antes que eu desça outra vez."

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Mas quando eu tentei, vi que meu coração não ia. Eu tinha suposto que se eu podesse somente estar onde eu pudesse falar alto, sem ser ouvido, poderia orar livremente. Mas não! quando tentei, fui bobo; isto é, eu não tinha nada a dizer para Deus; ou ao menos eu poderia dizer algumas poucas palavras, e palavras sem coração. Na tentativa de orar eu ouvia um barulho entre as folhas, ou pensava que ouvia, e parava para ver se alguém não estava vindo. Isso eu fiz diversas vezes.

Por fim me encontrei chegando rápido à beira do desespero. Eu disse a mim mesmo, "Eu não posso orar. Meu coração está morto para Deus, e não orará." Então repreendi a mesmo mim por ter prometido dar meu coração a Deus antes que deixasse aquele lugar. Quando tentei, vi que não poderia dar meu coração a Deus. Minha alma resistia, e meu coração não saia até Deus. Comecei a sentir profundamente que era tarde demais; que Deus devia ter desistido de mim e já se fora a esperança.

O pensamento da impetuosidade de minha promessa me pressionava, que eu daria meu coração a Deus naquele dia ou morreria tentando. Parecia-me que aquilo se grudava à minha alma, e ainda assim, estava prestes a quebrar meu voto. Um enorme desânimo tomou conta de mim, sentí-me quase que fraco demais para ficar de pé.

Nesse exato momento, pensei novamente ter ouvido alguém se aproximar, e abri meus olhos para ver se era isso mesmo. Mas logo aí, a revelação do meu coração orgulhoso, como sendo a grande dificuldade no meu caminho, foi mostrada a mim. Sucumbiu-me uma noção da iniqüidade de sentir-me envergonhado por ser visto de joelhos perante Deus por outro ser humano, e possuiu-me de tal forma que gritei com todas as minhas forças e exlcamei que não deixaria aquele lugar mesmo se todos os homens da terra e todos os demônios do inferno me rodeassem. “O que!” eu disse, “tão degradante pecador que sou, de joelhos, confessando meus pecados ao grande e santo Deus; e envergonhado de ser achado por outro ser humano, pecador como eu, de joelhos, esforçando-me para fazer as pazes com meu ofendido Deus!" O pecado parecia terrível, infinito. Ele me quebrou diante do Senhor.

Nesse instante, essa passagem das Escrituras pareceu invadir minha mente com um dilúvio de luz: “Então me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei. E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração." Apeguei-me nisso imediatamente com todo meu coração. Acreditava racionalmente na bíblia antes, mas minha mente nunca havia percebido que na verdade a fé é uma confiança voluntária, e não uma posição intelectual. Naquele momento tive confiança na veracidade de Deus, tanto quanto tenho consciência de que existo. De alguma forma eu sabia que aquilo era uma passagem das Escrituras, apesar de que creio nunca a ter lido antes. Eu sabia que era a palavra de Deus e a voz de Deus, assim como era, que falara comigo. Eu clamei “Senhor, eu tomo a Ti e a Tua palavra. Agora sabes que de fato procuro por Ti de tod meu coração e que vim aqui para orar a Ti, e Tu prometeste me ouvir."

Isso parecia resolver a questão que eu poderia então, naquele dia, cumprir meu voto. O Espírito parecia destacar a idéia do texto “Quando me buscardes de todo o teu coração”. A questão do quanto, que era do momento presente, parecia cair fortemente no meu coração. Eu disse ao Senhor que eu deveria tomá-lO conforme a Sua palavra, que Ele não podia mentir, e que portanto eu tinha certeza que Ele escutara minha oração, e que seria achado meu.

Ele então deu minhas muitas outras promessas, de ambos Velho e Novo Testamento, especialmente algumas das mais preciosas, em relação ao nosso Senhor Jesus Cristo.

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Eu nunca poderei, em palavras, fazer qualquer ser humano entender quão preciosas aquelas promessas se mostraram a mim. Tomei-as, uma após a outra, como verdade infalível, as assertações de Deus, que não podia mentir. Elas não pareciam tanto entrar em meu intelecto, mas sim em meu coração, para serem colocadas dentro do domínio dos poderes voluntários da minha mente; e eu apeguei-me a elas, apropriei-me delas, e amarrei-me a elas com a vontade de alguém que se afoga e luta pela vida.

Eu continuei assim a orar, e a receber e me apropriar das promessas por um longo período, não sei quanto tempo. Orei até que minha mente estivesse tão cheia que, antes que eu percebesse, estava de pé e cambaleando na subida a caminho da estrada. A dúvida sobre eu estar convertido ou não sequer ficou na minha mente, mas conforme eu atravessava as folhas e arbustros, lembro-me de dizer enfaticamente “Se algum dia eu me converter, vou pregar o Evangélho."

Logo eu cheguei à estrada que levava à vila, e comecei a refletir no que havia ocorrido; e percebi que minha mente tornara-se maravilhosamente quieta e calma. Eu disse a mim mesmo, “O que é isso? Devo ter espantato todalmente o Espírito Santo. Perdi toda minha convicção. Não tenho nenhuma partícula de preocupação sobre minha alma, e deve ser porque o Espírito me deixou”. Por quê! Eu pensei. Jamais estive tão distante das preocupações obre minha própria salvação em minha vida.

Então lembrei-me do que havia dito a Deus enquanto estava de joelhos, que eu O tomaria conforme a Sua palavra, e de fato, lembrei-me de muitas das coisas que eu dissera, e concluí que não era de se duvidar que o Espírito me havia deixado, que para um pecador como eu, tomar a Palavra de Deus daquela maneira, era no mínimo presunção, se não fosse blasfêmia. Eu concluí que em minha empolgação, eu tinha afastado o Espírito Santo, e talvez cometido o pecado sem perdão.

Eu caminhei calmamente para o vilarejo, e minha mente estava tão perfeitamente quieta que parecia toda natureza escutar. Era dia 10 de outubro, um dia muito agradável. Eu tinha ido para a mata imediatamente um café da manhã bem cedinho, e quando voltei para a cidade, descobri que era hora do jantar. Mesmo estando totalmente consciente do tempo que se passara, parecia a mim que estive longe por apenas alguns instantes.

Mas como eu podia compreender a quietude de minha mente? Tentei lembrar-me de minhas convicções, a retomar a carga de pecados sob a qual vinha trabalhando. Mas todo sentido de pecado, toda consciência disso presente ou de culpa haviam me deixado. Disse a mim mesmo, “O que é isso, que não posso sentir culpa nenhuma em minha alma, sendo tão pecador como sou?” Tentei em vão fazer-me ansioso sobre meu estado. Eu estava tão calmo e quieto que tentei sentir-me preocupado com isso, para que isso não fosse um resultado de eu ter afastado o Espírito. Mas sob qualquer ponto de vista que eu visse, não conseguia ficar ansioso quanto à minha alma e meu estado espiritual. O descanso de minha mente era inexplicavelmente grande. Nunca poderei descrever em palavras. O pensamento de Deus era doce para minha mente, e a mais profunda tranquilidade espiritual se apossara de mim. Isso era um grande mistério, mas não me preocupava nem me deixava perplexo.

Fui jantar, e descobri que não tinha apetite algum. Então fui ao escritório e descobri que O Juiz W tinha ido jantar. Peguei meu baixo e, como costumava fazer, comecei a tocar e cantar algumas peças de música sacra. Mas assim que comecei a cantar aquelas palavras sagradas, comecei a chorar. Meu coração parecia totalmente líquido, e meus sentimentos tinham um estado que não me era possível escutar minha própria voz sem

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causar um transbordar de minha sensibilidade. Maravilhei-me com isso e tentei conter minhas lágrimas, mas não consegui. Após tentar em vão para de chorar, guardei novamente meu instrumento e parei de cantar.

Após o jantar, estávamos preocupados em mudar nossos livros e mobília para outro escritório. Estávamos muito ocupados com isso, e não tínhamos conversado muito durante toda a tarde. Minha mente, no entanto, continuava naquele profunto estado de tranqüilidade. Havia grande doçura e gentileza em meus pensamentos e sentimentos. Tudo parecia estar dando certo e nada parecia me encomodar ou irritar.

No final da tarde, tomou conta da minha mente o pensamento de que logo que estivesse sozinho no novo escritório, tentaria orar novamente... que eu não iria abandonar o assundo religião e desistir, a qualquer custo, e portanto, apesar de não ter mais nenhuma preocupação sobre minha alma, eu ainda continuaria a orar.

No começo da noite já tinhamos arrumado os livros e mobília, e eu começei um bom fogo em uma lareira que estava aberta, na esperança de passar a noite sozinho. Assim que escureceu, O Juiz W, vendo que tudo estava em seu lugar, deu-me boa noite e foi para casa. Eu o tinha acompanhado até a saída, e conforme eu fechava a porta e me virava, meu coração parecia como líquido dentro de mim. Todos os meus sentimentos pareciam surgir e fluir e a expressão do meu coração era “Quero derramar toda a minha alma para Deus." Minha alma se levantava de tal forma que corri para a sala ao fundo do escritório da frente para orar.

Não havia fogo nem luz naquela sala, no entanto, parecia-me perfeitamente clara. Ao fechar a porta, parecia que me encontrara com o Senhor Jesus Cristo face a face. Não pensei então, nem durante um bom tempo, que aquilo era um completamente parte de um estado mental. Pelo contrário, a mim parecia que eu O podia ver, assim como podia ver qualquer outro homem. Ele não disse nada, mas olhor para mim de maneira a fazer-me cair a Seus pés. Eu sempre considerei isso como um memorável estado mental, pois para mim parecia realidade, que Ele colocou-se diante de mim, e eu caí a seus pés derramando a Ele minha alma. Eu chorava alto como uma criança, e confessei tudo que pude em meio a meus soluços. Parecia-me que eu lavara Seus pés com minhas lágrimas, e ainda assim, não tinha a distinta impressão de tê-lO tocado, que eu me lembre.

Devo ter permanecido nesse estado por um bom tempo, mas minha mente estava por demais absorvida com a visita para lembrar qualquer coisa que eu disse. Mas eu sei que, logo que minha mente se aquietou o suficiente para sair do confronto, retornei ao escritório da frente e vi que o fogo que eu tinha feito com um grande pedaço de madeira já estava praticamente se apagando. Mas conforme eu me virei e fui sentar perto do fogo, eu recebi um poderoso batismo do Espírito Santo. Sem expectativa alguma disso, sem jamais ter pensado que havia algo assim para mim, sem lembrança nenhuma de já ter ouvido alguma menção sobre isso de ninguém no mundo, o Espírito Santo veio sobre mim de uma maneira que parecia me atravessar, corpo e alma. Eu podia sentir, como uma onda de eletricidade passando e passando por mim. De fato, parecia vir em ondas e mais ondas de amor líquido, pois não consigo explicar de nenhuma outra maneira. Parecia a respiração do próprio Deus. Lembro-me distintamente que sentia uma brisa, um vento como de imensas asas.

Não há palavras que possam expressar o maravilhoso amor que foi entornado por todo meu coração. Eu chorava alto com alegria e amor, e eu não sei, mas devo dizer, eu literalmente berrei, uivei o inexpressável arrebatamento do meu coração.

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Essas ondas vinham sobre mim, e sobre mim, e uma após a outra, até que me recordo ter dito, “Senhor, eu morrerei se essas ondas continuarem a vir sobre mim”. Eu disse “Senhor, não posso agüentar mais”, no entanto, eu não tinha medo algum da morte.

Quanto tempo eu continuei nesse estado, com o batismo a continuar passando sobre mim e por mim eu não sei. Mas eu sei que era bem tarde da noite quando um membro do meu coral (pois eu era o regente do coral) veio ao escritório me ver. Ele era um membro da igreja. Encontrou-me nesse estado de choro alto e disse-me: “Sr. Finney, o que lhe aflige?”. Não consegui respondê-lo por algum tempo, então ele disse “O senhor está sentindo alguma dor?”. Recompus-me o máximo que pude e respondi “Não, mas uma felicidade tamanha que não posso mais viver.”

Ele se virou e deixou o escritório, e depois de alguns minutos voltou com um dos presbíteros da igreja, que tinha uma loja do outro lado da rua. Esse ancião era um homem muito sério, e perto de mim havia sido sempre muito atento, e eu o tinha visto rir pouquíssimas vezes. Quando ele entrou, eu estava praticamente no mesmo estado que fiquei quando o jovem saíra para chamá-lo. Ele me perguntou como eu estava me sentindo e eu comecei a contar. Em vez de falar alguma coisa, ele caiu numa gargalhada quase que convulsiva. Parecia que era impossível para ele para de rir do fundo de seu coração.

Havia um jovem na vizinhança que se preparava para ingressar na faculdade, de quem eu era bastante íntimo. Nosso pastor, como vim a saber mais tarde, tinha conversado várias vezes com ele sobre religião, e o avisara para não ser enganado por mim. Ele lhe disse que eu era um jovem muito descuidado quanto à religião, e ele pensava que se aproximasse muito de mim, sua mente sua mente seria divergida e ele não seria convertido.

Depois que eu me converti, e que esse jovem se converteu, ele me disse que havia dito ao Sr. Gale várias vezes, quando ele o admoestava sobre aproximar-se muito de mim, que minhas conversas por vezes o afetaram mais, religiosamente, do que as pregações dele. Eu tinha, de fato, exposto boa parte de meus sentimentos àquele rapaz.

Mas exatamente no momento em que eu dava conta de meus sentimentos a esse presbítero da igreja, e ao outro membro que estava com ele, esse jovem entrou no escritório. Eu estava sentado de costas para a porta, e mal observei que ele entrou. Ele ouvia com espanto o que eu dizia, e pela primeira vez o vi caindo no chão, e gritando com grande agonia de mente “Orem por mim!” O ancião da igreja e o outro membro ajoelharam-se e começaram a orar por ele, e quando ele oraram, eu orei por ele também. Logo após isso, todos eles se retiraram e me deixaram sozinho.

A pergunta então veio à minha mente “Por quê o presbítero B riu tanto? Será que ele pensou que eu estivesse tendo alguma ilusão ou que estivesse louco?” Essa sugestão trouxe uma certa escuridão sobre a minha mente e eu comecei a me questionar sobre se era certo que eu, tal pecador tinha sido, orasse por aquele rapaz. Uma nuvem parecia ter se fechado sobre mim. Fui dormir, não com uma mente distraída, mas ainda perdido quanto à o quê fazer com meu presente estado. Apesar do batismo que recebera, essa tentação obscureceu minha visão de tal forma que foi para a cama sem sentir a certeza de que tinha feito as pazes com Deus.

Eu logo peguei no sono, mas quase fui acordado novamente com o grande fluir do amor de Deus que estava em meu coração. Eu estava tão cheio de amor que não conseguia dormir. Mas logo, peguei no sono novamente, e acordei da mesma maneira.

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Quando eu acordava, essa tentação voltava sobre mim, e o amor que parecia estar em meu coração se abatia, mas logo que eu adormecia era tão reconfortante dentro de mim que eu imediatamente acordava. Assim eu continuei, até que bem tarde da noite, obtive um bom repouso.

Quando acordei de manhã o sol já havia nascido, e uma forte luz entrava em meu quarto. Palavras não podem expressar a impressão que essa luz do sol me causou. No mesmo instante, o batismo que recebera na noite anterior voltou sobre mim da mesma maneira. Ajoelhei-me na cama e chorei alto com alegria, e permaneci por algum tempo envolvido demais pelo batismo do Espírito para fazer qualquer outra coisa senão derramar meu minha alma para Deus. Parecia que o batismo daquela manhã vinha acompanhado de uma gentil prova, e o Espírito parecia dizer para mim “Você vai duvidar? Você vai duvidar?” Eu clamei “Não! Eu não vou duvidar! Eu não posso duvidar.” Ele então clareou tanto o assunto em minha mente que era de fato impossível para mim, duvidar que o Espírito de Deus se apossara de minha alma.

Nesse estado aprendi a doutrina de justificação pela fé como uma experiência presente. Essa doutrina nunca se apossara de tal maneira de minha mente que eu a visse distintamente como uma doutrina fundamental do Evangélho. Na verdade, eu não sabia qual era o significado dela em seu sentido apropriado. Mas eu podia agora ver e entender o que queria dizer a passagem “Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo." Eu pude ver que naquele momento eu cri, enquanto estava lá na mata, todo o sentimento de condenação deixara completamente minha mente, e que a partir daquele momento, eu não conseguiria mais sentir culpa ou condenação mesmo que me esforçasse. Minha culpa foi embora, meus pecados foram embora, e acredito que não me senti culpado, como se jamais tivesse pecado.

Essa era exatamente a revelação que eu precisava. Senti-me justificado pela fé, e até onde podia ver, eu estava num estado no qual eu não tinha pecado. Ao invés de sentir que eu estava pecando o tempo todo, meu coração estava tão cheio de amor que transbordava. Meu cálice transbordava com benção e amor, e eu não conseguia sentir que estava pecando contra Deus. Nem conseguia sentir a menor culpa por meus pecados passados. Sobre essa experiência, não disse nada, que me lembre, a ninguém na época, isto é, dessa experiência de justificação.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO III.

O COMEÇO DE SUA OBRA

Nessa manhã que falei, desci para o escritório, e lá estava eu recebendo o renovo dessas poderosas ondas de amor e salvação a fluir sobre mim quando O Juiz W entrou na sala. Eu disse algumas poucas palavras a ele sobre a sua salvação. Ele me olhou com espanto, mas não deu nenhuma resposta, que eu me recorde. Ele baixou a cabeça e após ficar ali alguns minutos deixou o escritório. Não pensei mais no assunto, porém mais tarde descobri que o comentário que fizera o cortou como uma espada, e que ele não se recuperou disso até sua conversão.

Logo após o Sr. W ter saído do escritório, o diácono B entrou em minha sala e disse “Sr. Finney, o senhor está lembrado que minha causa vai a julgamento às dez horas dessa manhã? Suponho que esteja pronto?” Eu havia sido designado para cuidar desse processo como seu advogado. Respondi-lhe “Diácono B, fui designado pelo Senhor Jesus Cristo para defender a causa dEle, e não posso pleitear a sua”. Ele olhou assustado para mim e disse “O que você quer dizer?” Eu disse a ele em poucas palavras que tinha me alistado à causa de Cristo, então repeti que tinha sido designado por Ele para defender e pleitear a Sua causa, e que ele deveria conseguir outra pessoa para cuidade de seu processo, eu não poderia fazê-lo. Ele baixou sua cabeça e sem dar resposta alguma, saiu. Alguns momentos depois, ao passar pela janela, observei que o Diácono B estava parado na rua, aparentemente perdido em profunda meditação. Ele foi embora, como fiquei sabendo depois, e imediatamente resolveu seu processo. Ele então levou-se a oração, e logo chegou a um estado espiritual muito mais elevado do que jamais teve.

Eu logo saí do escritório para ir conversar com aqueles com quem deveria falar sobre suas almas. Eu tive a impressão, que nunca mais deixou minha mente, que Deus queria que eu pregasse o Evangélho, e que deveria começar imediatamente. De alguma forma eu sabia disso. Se você me perguntar como eu sabia, não sei te dizer, assim como não sei dizer que sabia que era o amor de Deus e o batismo do Espírito Santo que recebera. Eu sabia com uma certeza que ultrapassava qualquer possibilidade de dúvida. E então eu parecia saber que o Senhor me designara para pregar o Evangélho.

Logo que me convenci, veio-me o pensamento de que se algum dia me convertesse, seria obrigado a deixar minha profissão, da qual gostava muito, e sair a pregar o Evangélho. Isso no começo me atrapalhou. Eu achava que tinha agüentado muita dor, e gastado muito tempo com estudo na minha profissão para pensar agora em me tornar um cristão, se ao fazer isso, eu seria obrigado a pregar o Evangélho. Contudo, eu finalmente cheguei a conclusão de que deveria fazer essa pergunta a Deus, que eu nunca tinha começado a estudar direito por uma ordem de Deus, e que eu não tinha o direito de impor condições a Ele, e eu portanto deixei de lado minha idéia de tornar-me um pastor, até que ela nasceu novamente em minha mente, como já relatei, quando estava a caminho de meu lugar de oração na mata.

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Mas agora após receber esses batismos do Espírito, eu estava muito desejoso de pregar o Evangélho. Não, na verdade descobri que não tinha vontade de fazer outra coisa além disso. Não tinha mais o desejo de advogar. Tudo nessa direção foi desfeito, e já não mais me atraía. Não tinha vontade de ganhar dinheiro. Não tinha fome nem sede de prazeres e diversões descritíveis de qualquer natureza. Minha mente estava completamente tomada por Jesus e por Sua salvação; e o mundo me parecia de poucas conseqüências. Nada, a meus olhos, poderia comparar-se com o valor das almas, e trabalho algum, para mim, poderia ser mais doce, e emprego nenhum tão exaltado quanto mostrar Cristo para um mundo à beira da morte.

Com esse sentimento, como disse, saí rapidamente do escritório para conversar com qualquer um que encontrasse. Primeiro parei na loja de um sapateiro, que era um homem devoto, e um dos cristão que mais orava, pensava eu, na igreja. Encontrei-o conversando com um filho de um dos presbíteros da igreja, e o jovem estava a defender o Universalismo. Sr W, o sapateiro, virou-se para mim e disse “Sr. Finney, o que o senhor acha do argumento desse jovem?”; então ele declarou o que vinha dizendo em defesa do Universalismo. A resposta apareceu para mim tão certa que em um instante eu fui capaz de mandar seu argumento pelos ares. O jovem viu que seu argumento se fora de vez, e levantou, sem dar resposta, saido de repente. Mas eu logo observei, ficando de pé no meio da loja, que o jovem, ao invés de sair andando pela rua, tinha dado a volta na loja e pulado a cerca, e olhava fixamente os campos, em direção à floresta. Não pensei mais nisso até a noite, quando o jovem voltou e parecia ser um recém-convertido, relatando sua experiência. Ele foi até a mata e lá, como ele mesmo disse, deu seu coração a Deus.

Falei com muitas pessoas aquele dia, e acredito que o Espírito de Deus causou impressões duradouras sobre cada uma delas. Não me lembro de nenhuma das pessoas com quem falei não ter se convertido pouco depois. No começo da noite, liguei para a casa de um amigo, onde um jovem, empregado para destilar whisky, vivia. A família soubera que eu me tornara um cristão, e quando estavam prestes a se sentar para o chá, insistiram para que eu me unisse a eles. Ambos o homem da casa e sua esposa eram professores de religião, mas a irmã da senhora, que estava presente, não era uma garota convertida. E este jovem de quem falei, parente distante da família, era um Universalista assumido. Era um Universalista um tanto quanto falador e extrovertido, e um jovem com muita energia e caráter.

Sentei-me com eles para tomar chá, e eles solicitaram que eu pedisse por uma benção. Nunca tinha feito isso, mas não hesitei nem por um instante, e comecei a pedir a benção de Deus conforme nos sentávamos à mesa. Eu acabara de começar quando o estado desses jovens me veio à mente e me moveu com tanta compaixão que comecei a chorar, não podendo mais prosseguir. Todos ao redor da mesa ficaram mudos por algum tempo, enquanto eu continuava a chorar. Diretamente, o jovem afastou-se da mesa e saiu às pressas da sala. Ele fugiu para seu quarto e lá se trancou, e não foi visto novamente até a manhã seguinte, quando saiu expressando uma abençoada esperança em Cristo. Por muitos anos, ele tem sido um hábil ministro do Evangélho.

Durante o dia, uma grande agitação foi criada na cidade em virtude de se espalhar a notícia do que o Senhor fizera por minha alma. Alguns pensavam uma coisa, outros outra. Ao anoitecer, sem nada marcado, que eu soubesse, notei que as pessoas estavam indo para o lugar onde geralmente aconteciam as conferências e reuniões de oração. Minha conversão tinha causado um considerável espanto na vila. Mais tarde

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vim a saber que antes de tudo isso, alguns membros da igreja haviam proposto que eu fosse colocado como um assunto específico de oração, e que o Sr. Gale os desencorajou, dizendo que ele não acreditava que eu jamais poderia me converter, que por nossas conversas ele percebera que eu tinha conhecimento demais do assunto religião, e era muito duro. E além disso, ele dissera estar quase totalmente desencorajado, pois já que eu regia o coral e ensinava música sacra aos jovens, eles estavam por demasiado sob minha influência e que ele não cria que, enquanto eu estivesse em Adams, os jovem poderiam se converter.

Descobri depois de convertido, que alguns dos homens iníquos da cidade escondiam-se em mim. Um homem em específico, um Sr. C, cuja esposa era devota, constante mente dizia a ela “Se a religião é verdadeira, por quê vocês não convertem o Finney? Se os cristãos puderem converter o Finney, eu acreditarei na religião”.

Um velho advogado de nome M, que vivia em Adams, ao escutar naquele dia o rumor de que eu me convertera, disse que era tudo brincadeira, que eu só estava tentando ver no quê eu poderia fazer o povo cristão acreditar.

Contudo, o povo parecia apressar-se para o local de adoração em unanimidade. Eu também fui para lá. O pastor estava lá e praticamente todas as personalidades da cidade. Ninguém parecia preparado para iniciar a reunião, mas a casa estava lotada até quase sua capacidade máxima. Eu não esperei por ninguém, mas levantei-me e comecei a dizer que eu agora sabia que a religião procedia de Deus. Eu prossegui e contei partes de minha experiência que me pareceram importantes contar. Esse tal Sr. C, que prometera a sua mulher que se eu me convertesse ele acreditaria em religião, estava lá. O sr. M, o velho advogado, também estava presente. O que o Senhor capacitou-me a dizer pareceu envolver de forma maravilhosa as pessoas. O Sr. C se levantou, empurrou a multidão, e foi para casa, deixando para trás seu chapéu. Sr. M também foi embora para casa, dizendo que eu estava louco. “Ele está sendo sincero” disse ele, “não há erro, mas ele está claramente perturbado”.

Assim que eu terminei de falar, o Sr. Gale, o pastor, levantou-se e fez uma confissão. Ele disse que acritava que estivesse no meio do caminho, atrapalhando a igreja, e então confessou que desencorajara a igreja quando propuseram que orassem por mim. Disse também que naquele dia quando ouvira que eu me convertera, não dissera de prontidão que não acreditava. Disse que não tinha alguma. Ele falou de uma forma muito humilde.

Eu nunca tinha orado em público. Mas logo que o Sr. Gale terminou de falar, ele me pediu para orar. Eu orei, e creio que tive bastante liberdade e abrangência na oração. Tivemos uma reunião maravilhosa naquela noite, e daquele dia em diante, tivemos reuniões todas as noites por um bom tempo. O trabalho expandiu-se para todos os lados.

Sendo que eu já era um líder entre os jovens, imediatamente agendei uma reunião para eles, à qual todos compareceram, isso é, todos da minha classe. Eu utilizava meu próprio tempo para trabalhar por suas conversões, e o Senhor abençoôu cada esforço que foi feito, de maneira maravilhosa. Eles se converteram um após o outro, muito rapidamente, e esse trabalho continuou no meio deles até que nenhum permanecesse sem se converter.

Esse trabalho abrangiu todas as classes, e acabou por extender-se, não somente na cidade, mas para fora da cidade em todas as direções. Meu coração estava tão cheio

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que, por mais de uma semana, não tinha a mínima vontade de dormir ou comer. Eu parecia literalmente ter uma carne para comer da qual o mundo nada sabia. Eu não sentia necessidade de comida ou descanso. Minha mente estava cheia do amor de Deus e transbordava. Continuei dessa forma por alguns bons dias, até que descobri que precisava descansar e dormir, ou acabaria me tornando louco. A partir de então, fui mais cauteloso com meus trabalhos, comia regularmente e dormia o quanto podia.

A Palavra de Deus tinha um poder maravilhoso, e todos os dias eu me supreendia ao descobrir que as poucas palavras ditas a um indivíduo, atingiam seu coração como uma flecha.

Pouco tempo depois, eu fui a Henderson, onde meu pai vivia, para visitá-lo. Ele não era um homem convertido, e meu irmão caçula era o único da família a proferir uma religião. Meu pai recebeu-me no portão e disse “Como vai, Charles?” Eu respondi “Estou bem, pai, corpo e alma. Mas pai, o senhor é um homem velhor, todos os seus filhos já cresceram e deixaram a sua casa, e eu nunca ouvi uma oração sequer na casa de meu pai.” Ele baixou a cabeça e caiu em lágrimas, respondendo “Eu sei, Charles, entre e ore você mesmo”.

Eu entrei e começei a orar. Meu pai e minha mãe estavam grandemente comovidos, e pouquíssimo tempo depois, ambos com certeza se converteram. Eu não sei com certeza, mas minha mãe já esperava isso em secreto, mas ninguém da família, creio eu, sabia disso.

Eu permaneci naquele bairro, creio eu, por dois ou três dias, e conversei mais ou menos tantas pessoas quanto pude encontrar. Acredito que foi na noite da segunda-feira seguinte, eles tinham uma reunião mensal de oração naquela cidade. Havia uma igreja Batista que tinha um pastor, e uma pequena igreja Congregacional sem um pastor. A cidade no entanto, era praticamente sem moral, e naquele tempo a religião estava totalmente em decadência.

Meu irmão mais novo participava dessa reunião mensal que mencionei, e depois contou-me sobre ela. Os Batistas e os Congregacionais tinham o hábito de fazer essa reunião mensal em conjunto. Mas poucos compareciam, e portanto ela era realizada na casa de alguém. Nessa ocasião haviam-se reunido, como de costume na sala de uma casa. Alguns poucos membros da igreja Batista e alguns poucos Congregacionais estavam presentes.

O diácono da igreja Congregacional era um homem velho, magro e frágil, de nome M. Ele era discreto em seus modos, e tinha uma boa reputação pela devoção, mas raramente falava sobre o assunto. Ele era um bom exemplo de um diácono da Nova Inglaterra. Ele estava presente e solicitaram que liderasse a reunião. Ele leu uma passagem das Escrituras, como de costume. Cantaram um hino, o Diácono M ficou de pé atrás de sua cadeira e liderou em oração. As outras pessoas presentes, todas elas mestres de religião, e os mais jovens, ajoelharam-se pela sala.

Meu irmão disse que o diácono M começara a oração como de costume, com uma voz baixa e fraca, mas logo começou a esquentar-se e a levantar sua voz, que tornou-se trêmula de emoção. Ele prosseguia e orava com mais e mais sinceridade, até que logo começou a ficar na ponta de seus pés, e voltava a apoiar-se no calcanhar, então ficava na ponta dos pés, e voltava-se para o calcanhar, de maneira que podiam sentir a vibração na sala. Ele continuou a erguer sua voz, e erguer-se nas pontas dos pés e de volta aos calcanhares com mais empolgação. E conforme o espírito de oração o

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continuava a levá-lo ele começou a levantar a cadeira junto com seus calcanhares, e deixá-la de volta no chão, e logo levantava um pouco mais, e levava ao chão com mais ênfase. Ele continuou a fazer isso, e ficou mais e mais envolvido, até que batia a cadeira no chão como se fosse quebrá-la em pedaços.

Durante isso, os irmãos e irmãs que estavam de joelhos começaram a gemer, e a suspirar, e a chorar, e agonizar em oração. O diácono continuou sua luta até ficar exausto, e quando ele parou, meu irmão disse que ninguém na sala conseguia se levantar. Conseguiam apenas chorar e confessar, e derreterem-se diante do Senhor. A partir dessa reunião, a obra de Deus espalhou-se por todos os lados da cidade. E assim, espalhou-se naquele tempo a partir de Adams, como centro, para praticamente todas as cidades naquele condado.

Eu já falei da convicção do Juiz W, em cujo escritório estudei direito. Também já falei que quando me converti, foi num bosque onde fui orar. Logo depois de minha conversão, muitos outros casos de conversão foram relatados como ocorridos em circunstâncias similares, isto é, pessoas que foram até a mata para orar e fizeram as pazes com Deus.

Quando o Juiz W os ouviu contando suas experiências, uma atrás da outra, em nossas reuniões, ele pensou que tinha uma sala para orar, e que não iria subir até o bosque, para ter a mesma história que já tinha ouvido tantas vezes, para contar. A isso ele aparentemente comprometeu-se com seriedade. Apesar de isso ser algo inteiramente não material, ainda assim era um ponto no qual seu orgulho se comprometera, e portanto não poderia entrar no reino de Deus.

Em minha experiência ministerial, encontrei muitos casos como este, nos quais em uma questão, talvez não material em si, o orgulho de um pecador o acometia. Em todos esses casos, a disputa deve se render, ou o pecador jamais entrará no reino. Já conheci pessoas que permaneceram por semanas com uma grande tribulação na mente, pressionadas pelo Espírito, mas não podiam fazer progresso algum até o ponto de se entregarem. O Sr. W foi o primeiro caso desse tipo que notei.

Depois que ele se converteu, disse que essa questão freqüentemente surgia quando estava em oração; e que ele foi levado a ver que fora o orgulho que o tinha feito tomar aquela posição, e o manteve fora do reino de Deus. Mas ainda assim ele não estava disposto a admitir isso, nem para si mesmo. Ele tentou de todas as maneira se fazer acreditar, e fazer Deus acreditar, que ele não era orgulhoso. Certa noite, disse ele, orou a noite inteira em sua sala para que Deus tivesse misericódia dele, mas pela manhã, ele sentia-se mais angustiado que nunca. Ele por fim tinha certeza que Deus não ouvia sua oração, e ficou tentado a suicidar-se. Então estava tão a usar um canivete para isso, que ele acabou por jogá-lo longe, de maneira que se perdesse, para que essa tentação não prevalecesse. Ele disse que uma noite, quando voltava da reunião, ele teve tanta noção de seu orgulho, e de que isso o impedia de subir ao bosque para orar, que ele estava decidido a fazer-se acreditar, e fazer Deus acreditar que ele não era orgulhoso, que procurou em volta uma poça de lama, na qual ele ajoelhou para demonstrar que não era orgulho que o impedia de ir para a mata. E assim ele continuou nessa luta por várias semanas.

Mas numa tarde eu estava sentado em nosso escritório, e dois presbíteros da igreja estavam comigo, quando o jovem que eu conhecera na loja do sapateiro, exclamou enquanto entrava correndo “O Juiz W se converteu!” e continuou dizendo: “eu fui até o bosque orar, e ouvi alguém lá no vale gritando muito alto. Eu subi até o topo do monte,

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de onde eu pude ver, e vi o Juiz W de um lado para o outro, cantando o mais alto que podia, e a toda hora ele parava e batia palmas com toda sua força, e gritava ‘Eu regozijarei no Deus da minha salvação!’ Então ele voltava a marchar e a cantar, e então parava, e gritava, e batia palmas!”. Enquanto o jovem nos estava contando isso, eis que vemos o Juiz W, vindo por sobre o monte. Conforme ele descia, encontrou com o Padre T, como chamávamos um velho irmão metodista. Ele correu para ele e o pegou no colo. Depois de colocá-lo no chão e conversar por um momento, ele veio rapidamente em direção ao escritório. Quando ele entrou, estava com uma respiração ofegante – ele era um homem pesado, e gritava “Eu entendi! Eu consegui! Eu tenho!”, batia palmas com toda sua força e caiu de joelhos, e começou a agradecer a Deus. Ele então nos contou o que passava em sua mente, e porquê ele não tinha obtido essa esperança antes. Ele disse que assim que desistiu daquilo e foi até o bosque, sua mente foi liberta, e quando ele se ajoelhou para orar, o Espírito do Senhor veio sobre ele e o encheu com uma alegria não indescritível que resultou na cena que o jovem havia testemunhado. É claro que a partir de então, o Juiz W decidiu-se por Deus.

Perto da primavera, os membros mais velhos da igreja começaram a perder seu entusiasmo. Eu tinha criado o hábito de levantar bem cedo de manhã e passar um período em oração sozinho na casa de reunião, e eu finalmente convencera alguns irmãos a me encontrarem lá pela manhã para uma reunião de oração. Isso acontecia muito cedo, e geralmente já estavamos reunidos muito antes de estar claro o suficiente para enxergar e ler. Eu convenci meu pastor a comparecer a essas reuniões matinais.

Mas logo eles começaram a descuidar, e foi quando eu comecei a levantar a tempo de passar na casa de todos e acordá-los. Muitas vezes eu ia pela vila e chamava os irmãos que, cria eu, seriam os mais prováveis a comparecer, e nós teríamos um período precioso de oração. Mas mesmo assim, descobri que os irmãos compareciam com mais e mais relutância, fato esse que me provou grandemente.

Certa manhã, tinha ido chamar os irmãos, e quando retornei à casa de reunião, apenas alguns poucos estavam lá. O Sr. Gale, o pastor, estava de pé na porta da igreja e conforme eu me aproximava, a glória de Deus brilhou sobre mim e ao meu redor de uma forma maravilhosa. O dia estava começando a raiar, mas como um único raio, uma luz perfeitamente inexprimível brilhou em minha alma que quase prostrei-me ao chão. Nessa luz, eu parecia poder ver que toda a natureza louvava e adorava a Deus, exceto o homem. Essa luz parecia o brilho do sol em todas as direções. Era muito intensa para meus olhos. Lembro-me de baixar meus olhos e cair numa inundação de lágrimas, em vista do fato que a humanidade não louvava a Deus. Acho que alí entendi algo, por experiência real, daquela luz que fez Paulo se prostrar em seu caminho a Damasco. Era com certeza uma luz tal que eu não agüentaria por muito tempo.

Quando eu comecei com esse choro tão alto, o Sr. Gale disse “Qual é o problema, irmão Finney?” Eu não conseguia dizer a ele. Descobri que ele não tinha visto luz alguma, e que ele não via o motivo para minha mente estar em tal estado. Eu portanto não disse muito. Acredito que mal respondi, que tinha visto a glória de Deus, e que eu não agüentaria pensar na maneira que Ele era tratado pelos homens. De fato, naquele momento não me parecia que a visão que tivera de Sua glória poderia ser decrita com palavras. Eu chorei. E a visão, se é que posso chamá-la assim, passou, deixando minha mente calma.

Eu costumava ter, quando era um jovem cristão, muitos períodos de comunhão com Deus que não podem ser descritos em palavras. E não raro, esses períodos

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terminavam deixando uma impressão como essa em minha mente: “Olhai para que ninguém o saiba”. Eu não entendia isso na época, e muitas vezes não prestei atenção a essa imposição, mas tentava contar a meus irmãos em Cristo o quê o Senhor comunicara a mim, ou sobre os períodos de comunhão que eu tivera com Ele. Mas logo descobri que não deveria contar aos irmãos o que se passava entre o Senhor e a minha alma. Eles não poderiam entender. Eles ficavam surpresos e, às vezes, penso eu, com incredulidade. Então logo aprendi a guardar em segredo tais manifestações divinas, falando pouco sobre elas.

Eu passava muito tempo em oração. Algumas vezes, eu achava, literalmente orando sem cessar. Também descobri bastante proveitável e sentia-me inclinado a fazer vários dias de jejum em particular. Nesses dias, eu procurava ficar totalmente a sós com Deus, e geralmente entrava pelo bosque, ou ficava na casa de oração, ou algum lugar distante, totalmente isolado.

Algumas vezes jejuava de maneira errada, e tentava examinar a mim mesmo de acordo com as idéias de auto-avaliação então defendidas por meu pastor e pela igreja. Eu tentava olhar para meu próprio coração, no sentido de examinar meus sentimentos, e voltava minha atenção em especial para meus motivos e meu estado mental. Quando eu seguia esses passos, invariavelmente percebia que o dia chegava ao fim sem que nenhum avanço fosse feito. Depois vi claramente porquê isso acontecia. Tirando minha atenção, como eu fazia, do Senhor Jesus Cristo, e olhando para mim mesmo, examinando meus motivos e meus sentimentos, esses se abatiam, é claro. Mas sempre que eu jejuava e deixava o Espírito me guiar, e desistia de mim mesmo para deixá-lo instruir-me, eu sempre via que tirava o máximo de proveito disso. Descobri que não podia viver sem gozar da presença de Deus, e que se em qualquer momento uma nuvem me sobreviesse, eu não conseguia descansar, não conseguia estudar, não podia fazer nada com o mínimo de satisfação ou benefício, até que o caminho estivesse limpo novamente entre minha alma e Deus.

Eu gostava muito da minha profissão. Mas como já disse, quando me converti, tudo nessa direção se tornara obscuro e eu não tinha mais prazer algum em fazer parte do mundo dos negócios jurídicos. Eu havia recebido muitos convites insistentes para cuidar de processos legais, mas recusei uniformemente. Eu não ousava confiar em mim mesmo na agitação de um processo contestado, além do que, em si, o negócio de conduzir as controvérsias de outras pessoas parecia-me odioso e ofensivo.

O Senhor me ensinou, naqueles primeiros dias de minha experiência cristã, muitas verdades importantes relacionadas ao espírito de oração. Não muito tempo depois de me converter, uma mulher que me hospedara como pensionista, apesar de já não mais morar lá nessa época, ficou muito doente. Ele não era uma mulher cristã, mas seu marido era professor de religião. Ele entrou em nosso escritório numa noite, sendo um irmão do Juiz W, e disse para mim: “Minha mulher não sobreviverá esta noite”. Isso caiu como uma flecha no meu coração. Veio sobre mim num sentido de júgo que acabou comigo, cuja natureza não conseguia entender, mas com isso veio também um intenso desejo de orar por aquela mulher. O fardo era tão grande que deixei o escritório quase que imediatamente, e fui até a casa de reunião, para orar por ela. Alí eu lutava, mas não conseguia falar muita coisa. Eu podia apenas gemer com gemidos altos e profundos.

Eu fiquei na igreja por um tempo considerável, com minha mente nesse estado, sem conseguir nenhum alívio. Retornei ao escritório, mas não conseguia ficar sentado,

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quieto. Eu só conseguia ficar andando de um lado para o outro em minha sala, agonizando. Voltei novamente para a casa de reunião, e passei pelo mesmo processo de peleja. Por um longo período, eu tentava colocar minha oração diante do Senhor, mas de alguma forma as palavras não conseguiam expressar. Eu só conseguia gemer e chorar, sem conseguir expressar o que queria em palavras. Voltei de novo para o escritório, e descobri que ainda era incapaz de descansar, então voltei uma terceira vez para a igreja. Nessa vez, o Senhor deu-me o poder de prevalecer. Fui capaz de colocar esse fardo sobre Ele, e tive a certeza de que aquela mulher não morreria naquela noite, e de fato, ela jamais morreria em pecado.

Retornei ao escritório. Minha mente estava perfeitamente quieta, e logo retirei-me para descansar. Bem cedo na manhã seguinte, o marido dessa mulher veio ao escritório. Perguntei como sua esposa estava. Ele, sorrindo, disse “Ela está viva, e ao que parece, melhor esta manhã”. Eu respondi “Irmão W, ela não morrerá com essa doença, pode confiar nisso. E ela jamais morrerá em pecado.” Eu não sei como tive certeza disso, mas de alguma forma estava tão claro para mim, que eu não tinha nenhuma dúvida que ela iria se recuperar. E de fato isso aconteceu, pouco depois de ela ter encontrado esperança em Cristo.

A princípio eu não entendia o que esse exercício mental pelo qual eu passara, era. Mas logo depois, relatando o acontecimento ao um irmão cristão, disse-me: “Ora, isso foram as dores de parto da sua alma”. Alguns minutos de conversa e ao mostrar-me certas passagens da bíblia, pude compreender o que isso queria dizer.

Outra experiência que tive pouco tempo depois dessa, ilustra a mesma verdade. Já mencionei uma jovem que pertencia à minha classe de jovens, que continuava sem se converter. Isso chamava bastante atenção, e havia muitos comentários entre os cristãos sobre seu caso. Ela era uma menina encantadora por natureza e muito esclarecida no assunto religião, porém, permanecia em seus pecados.

Um dos presbíteros da igreja e eu, concordamos em colocá-la diariamente em nossas orações, a continuamente apresentar seu caso no trono de graça, de manhã, à tarde e à noite, até que ela se convertesse ou morresse, ou por algum motivo fossemos incapacitados de cumprir nosso acordo. Percebi que minha mente trabalhava muito sobre ela, e mais e mais, conforme por ela orava. Logo descobri, porém, que o presbítero que entrara nesse propósito comigo, estava perdendo seu espírito de oração por ela. Mas isso não me desanimou. Continuei firme com crescente importunismo. Eu também me aproveitava de todas as oportunidades que tinha para conversar clara e longamente com ela sobre sua salvação.

Depois de continuar agindo assim por algum tempo, fui vistá-la num fim de tarde, perto do pôr-do-sol. Conforme me aproximava da porta, ouvi gritos de uma voz feminina, passos e uma confusão do lado de dentro. Parei e esperei até que a confusão acabasse. A senhora da casa logo veio abrir a porta e tinha na mão um pedaço de um livro, que obviamente fora partido em dois. Ela estava pálida e muito agitada. Ela mostrou a parte do livro que estava em sua mão e disse “Sr. Finney, o senhor não acha que minha irmã tornou-se uma Universalista?”. Era um livro sobre a defesa do Universalismo. Sua irmã a encontrara lendo em particular, e tentou tirá-lo dela, o que causou a briga que ouvi, a começar.

Recebi essa informação à porta, quando declinei o convite para entrar. Aquilo atingira-me da mesma maneira que o fizera a notícia de que a mulher doente, já mencionada, estava prestes a morrer. Enchi-me de grande agonia. Enquanto voltava para meu

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quarto, a uma certa distância daquela casa, senti-me quase como se cambaleasse sob o fardo que estava em minha mente, e eu pelejei, e gemi, e agonizei, mas não conseguia apresentar esse caso a Deus em palavras, mas somente em gemidos e lágrimas.

Parecia-me que a descoberta de que aquela jovem, ao invés de se converter, estava se tornando uma Universalista tanto me espantou, que não conseguiu acabar com minha fé, mas sim apegar-me a Deus com relação a seu caso. Parecia haver uma certa escuridão sobre essa questão, como se uma nuvem se tivesse colocado entre mim e Deus, no que dizia respeito a prevalecer sua salvação. Mas ainda assim o Espírito lutava dentro de mim com gemidos que não podiam ser descritos.

Contudo, fui obrigado a retirar-me naquela noite sem ter prevalecido. Mas logo que era dia, acordei, e o primeiro pensamento que tive foi de rogar ao Deus de graça novamente por aquela jovem. Eu imediatamente levantei e caí de joelhos. Assim que ajoelhei-me, a escuridão foi embora, e todo o assunto ficou muito aberto em minha mente. Logo que pedi por ela, Deus disse a mim “Sim! Sim!”. Se Ele falasse com uma voz audível, não teria sido mais distintamente entendido que essa palavra foi dentro de minh’alma. Imediatamente recebi alívio sobre tudo que pedira. Minha mente tornara-se cheia de grande paz e gozo, e tive certeza absoluta que sua salvação era segura.

Tive uma falsa idéia, no entanto, em relação ao tempo, que de fato não foi algo marcado em especial na minha mente no momento da oração. Ainda assim, eu esperava que ela se convertesse imediatamente, mas não foi assim. Ela permaneceu em seus pecados por vários meses. No momento apropriado, terei a oportunidade de falar sobre sua conversão. Senti-me decepcionado na época, que ela não se convertera de vez, e fiquei um pouco confuso quanto ao fato de ter prevalecido ou não junto a Deus em favor dela.

Logo depois que eu me converti, um homem com quem me hospedava como pensionista por algum tempo, que era um magistrado e um dos principais homens do local, estava profundamente convencido do pecado. Ele havia sido eleito um membro da legislação do estado. Eu orava diariamente por ele, e insistia com ele para que entregasse seu coração a Deus. Sua convicção tornou-se muito profunda, mas ainda assim, ele adiava sua entrega e não conseguia a esperança. Meu encargo por ele aumentou.

Certa tarde vários de seus amigos políticos tiveram uma prolongada entrevista com ele. Na noite do mesmo dia tentei levar mais uma vez seu caso diante de Deus, pois a ansiedade em minha mente por sua conversão tornara-se muito grande. Em minha oração, eu havia-me aproximado muito de Deus. Não me lembro de jamais estar em comunhão mais íntima com o Senhor Jesus Cristo do que estava naquele momento. Na verdade Sua presença era tão real que banhei-me em lágrimas de alegria, gratidão e amor, e nesse pensamento, tentei orar por esse amigo. Mas no instante que tentei, minha boca se fechou. Vi que era impossível orar uma palavra se quer por ele. O Senhor parecia dizer-me “Não, eu não ouvirei”. Uma angústia tomou conta de mim. Achei a princípio que fosse uma tentação, mas a porta foi batida em minha cara. Parecia que o Senhor estava dizendo para mim “Não fale mais comigo sobre esse assunto”. Isso machucava-me inexplicavelmente. Não sabia o que fazer.

Na manhã seguinte encontrei com ele, e logo que toquei no assunto de submissão a Deus, ele me disse: “Sr. Finney, não tratarei mais disso até que retorne da legislatura. Estou comprometido com meus amigos da política a cumprir certas medidas da

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legislatura, que são incompatíveis com tornar-me um cristão. E prometi não mais tratar sobre esse assunto até que retorne de Albany”.

Desde o que acontecera na noite anterior, eu não tinha mais nenhum espírito de oração por ele. Logo que ele me contou o que tinha feito, eu compreendi o porquê. Pude ver que todas as suas convicções desapareceram, e que o Espírito de Deus o deixara. A partir de então, ele tornou-se menos cuidadoso e mais duro do que nunca.

Quando chegou a hora, ele foi para a legislatura, e quando retornou, na primavera, era um Universalista quase que insano. Digo quase que insano, pois, ou invés de formar suas opiniões a partir de alguma prova ou curso de argumento, ele me disse isso: “Cheguei a essa conclusão, não porque achei explicado na bíblia, mas porque tal doutrina é tão oposta à mente carnal. É uma doutrina no geral tão rejeitada e contradita, que a prova intragável à mente carnal ou não convertida.” Isso era espantoso para mim. Ele permanecia em seus pecados, finalmente entrou em decadência, e por fim morreu, ao que me disseram, um homem dilapidado, e totalmente crente de seu Universalismo.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO IV.

SUA EDUCAÇÃO DOUTRINÁRIA E OUTRAS EXPERIÊNCIAS EM ADAMS

Logo após de me converter, fiz uma visita a meu pastor e tive uma longa conversa som ele sobre a remissão. Ele era um estudante de Princeton, e é claro, tinha uma visão limitada da remissão, que ela fora feita para os eleitos e não estava disponível para mais ninguém. Nossa conversa durou quase metade de um dia. Ele acreditava que Jesus havia sofrido pelos eleitos a pena literal da lei divina, que Ele sofrera apenas o que era destinado a cada um dos eleitos passar como resultado da justiça de retribuição. Não concordei dizendo que isso era absurdo, pois se esse fosse o caso, Ele sofrera o equivalente à miséria sem fim multiplicada pelo número total dos eleitos. Meu pastor insistia que isso era verdade. Ele afirmava que Jesus literalmente pagou a dívida dos eleitos, e cumpriu completamente a lei de retribuição. Pelo contrário, a mim parecia que Jesus cumprira apenas a justiça pública, e isso era tudo que o governo de Deus podia exigir.

Eu, no entanto, não passava de uma criança em teologia. Era um neófito em religião e aprendizado bíblico, mas eu não achava que ele baseava seus pontos de vista na bíblia e disse isso para ele. Eu nunca tinha lido nada sobre o assunto, exceto pela minha bíblia, e o que encontrara lá sobre o assunto, tinha interpretado como entenderia a mesma passagem ou um texto semelhante num livro de direito. Eu pensei que ele evidentemente tinha interpretado aqueles textos em conformidade com uma teoria estabelecida sobre a remissão. Eu nunca o tinha ouvido pregar sobre os pontos de vista que defendia naquela discussão. Fiquei surpreso em vista de suas posições, e aceitei-as da melhor maneira que pude.

Ele estava espantado, ouso dizer, com o que para ele parecia ser uma obstinação minha. Eu achava que minha bíblia ensinava claramente que a remissão fora feita para todos os homens. Ele a limitava a uma parte. Eu não podia aceitar esse ponto de vista, pois não consguia entender que ele pobremente provava a partir da bíblia. Suas regras de interpretação não eram de acordo com meus pontos de vista. Elas eram muito menos definidas e inteligíveis do que aquelas com as quais estava acostumado em meus estudos sobre as leis. Para as objeções que eu levantava, ele não conseguia dar respostas satisfatórias. Perguntei-lhe se a bíblia não pedia para que todos quantos ouvissem o evangélho, se arependessem, acreditassem e fossem salvos. Ele admitiu que pedia a todos que acreditassem e fossem salvos. Mas como poderiam acreditar e aceitar uma salvação que não fora destinada a eles?

Cobrimos todos os assuntos debatendo sobre as divinas maneiras de ver, antiga e nova, o assunto da remissão, conforme aprendi com meus estudos teológicos subseqüentes. Não me recordo de ter jamais lido uma página sequer sobre o assunto exceto pelo que encontrei na bíblia. Nunca tinha ouvido, que me lembrasse, um sermão ou qualquer discussão sobre o assunto.

Essa discussão era por vezes retomada, e continuou durante todo meu curso de estudos teológicos sob sua tutela. Mostrou-se preocupado por temer que eu não aceitasse a fé ortodoxa. Creio que ele tinha a plena convicção de que verdadeiramente

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me convertera, mas também tinha um grande desejo de manter-me sob as estritas linhas da teologia de Princeton.

Ele tinha a idéia fixa em sua mente de que eu deveria ser um pastor, e ficou temeroso ao dizer-me que se eu de fato me tornasse um pastor, o Senhor não abençoaria minhas obras, e Seu Espírito não seria testemunha de minhas pregações, a menos que eu pregasse a verdade. Eu também cria nisso. Mas para mim isso não era um argumento muito forte a favor de seus pontos de vista, pois ele me havia dito, não nessa conversa em específico, que não sabia se jamais fora usado como instrumento na conversão de um pecador.

Eu nunca o tinha ouvido pregar em específico sobre o assunto da redenção. Acredito que ele tinha medo de apresentar seus próprios pontos de vista para o povo. Sua igreja, tenho certeza, não apoiava sua idéia de remissão limitada.

Depois disso divemos conversas freqüentes, não somente sobre a redenção, mas sobre várias questões teológicas, sobre as quais terei a oportunidade de comentar mais, mais adiante.

Eu já disse que na primavera desse ano, os membros mais velhos da igreja começaram a perder seu entusiasmo e zelo por Deus. Isso muito me oprimiu, tanto a mim quanto aos novos convertidos, num geral. Na mesma época, li um artigo em um jornal sob a manchete “Um Avivamento Restaurado”. Seu conteúdo dizia que em um certo lugar um avivamento acontecera durante o inverno, e esfriara na primavera, e que diante de sinceras orações feitas para o contínuo derramar do Espírito, o avivamento foi poderosamente restaurado. Esse artigo levou-me a um rio de lágrimas.

Nessa época eu estava sendo hospedado leo Sr. Gale, e levei o artigo até ele. Eu estava tão tomado de um senso de bondade divina quanto à escutar e enviar respostas de oração, e com uma certeza de que Ele ouviria e responderia a oração pelo avivamento de Sua obra em Adams, que atravessei a casa chorando alto como uma criança. O Sr. Gale pareceu surpreso com meus sentimentos, e minha explícita confiança que Deus avivaria Sua obra. Esse artigo não causou a mesma impressão nele.

Na próxima reunião de jovens, propus que deveríamos realizar uma reunião fechada de oração pelo avivamento da obra de Deus; que deveríamos orar de manhã, à tarde e à noite, em nossos quartos, e continuar com isso por uma semana, quando novamente nos reuniríamos e veríamos o que seria feito dalí por diante. Nenhum outro método foi usado para o avivamento da obra de Deus. Mas o espírito de oração foi imediatamente derramado de forma maravilhosa sobre os jovens convertidos. Antes que terminasse a semana, soube que alguns deles, quanto tentavam entrar em oração nesse período, perdiam todas as suas forças e eram incapazes de ficar de pé, ou até mesmo de joelhos em seus quartos, e que alguns prostravam-se no chão, e oravam com gemidos inexprimíveis pelo derramar do Espírito de Deus.

O Espírito foi derramado, antes que a semana terminasse, todas as reuniões estavam aglomeradas, e havia tanto interesse pela religião, creio eu, quanto havia durante todo o tempo do avivamento.

E foi então que, sinto dizer, um erro foi feito, ou talvez eu devesse dizer, um pecado foi cometido, por alguns dos membros mais velhos da igreja, que resultou em um grande mal. Como vim a saber depois, um número considerável dos mais velhos resistiu a esse novo movimento em meio aos jovens convertidos. Tinham inveja. Não sabiam o que

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fazer com isso, e sentiam que os jovens estavam fora do que lhes era devido, ao serem tão proativos e tão insistentes com os senhores e senhoras da igreja. Essa mentalidade finalmente afligiu o Espírito de Deus. Não demorou muito até que alienações começaram a se levantar em meio a esses irmãos mais velhos, o que por fim resultou em um grande mal àqueles que se permitiram resistir a esse avivamento mais recente.

Os jovens resistiram bem. Os que se converteram, até onde sei, foram quase todos totalmente sérios, e têm sido cristãos minuiosamente eficientes.

Na primavera desse ano, 1822, coloquei-me sob os cuidados do Presbitério como um candidato a ministro do Evangélho. Alguns dos pastores insistiram para que eu ingressasse em Priceton para estudar teologia, mas recusei. Quando me perguntaram por que eu não iria a Princeton, disse-lhes que minha situação financeira não me permitia ir. Isso era verdade, mas a isso eles disseram que assegurariam que todas as minhas despesas fossem pagas. Ainda assim, recusei-me a ir, e quando pressionaram-me a dar-lhes minhas razões, eu claramente disse a eles que não me colocaria sob a mesma influência que eles tiveram, que eu estava certo de que haviam sido erroneamente ensinados, e que não eram pastores que se encaixavam em meus ideais sobre o quê um ministro de Cristo deveria ser. Contei-lhes isso com relutância, mas não podia honestamente não contar. Eles designaram meu pastor para supervisionar meus estudos. Ele me ofereceu o uso de sua biblioteca, e disse que iria ajudar-me no que precisasse para meus estudos de teologia.

Mas meus estudos, até onde ele via como professor, eram um tanto controversos. Ele defendia a velha metodologia doutrinária de pecado original, ou que a constituição humana estava moralmente depravada. Ele defendia também que, quando os homens eram expressivamente incapazes de concordar com os termos do Evangélho, de se arrepender, de acreditar, ou de fazer qualquer coisa que Deus lhes pedia que fizessem, que enquanto eles estivessem livres para todo mau, no sentido de serem capazes de cometer todos os pecados, ainda assim não eram livres para fazer nada de bom, que Deus condenara o homem por sua natureza pecaminosa, e que por isso, bem como por causa de suas transgressões, eles mereciam a morte eterna.

Ele também acreditava que as influências do Espírito de Deus nas mentes dos homens eram físicas, agindo diretamente sobre a substância da alma, que os homens eram passivos na regeneração, e em resumo, acreditava em todas aquelas doutrinas que logicamente vinham em si, do fato de uma natureza pecaminosa.

Eu não podia aceitar essas doutrinas. Eu não podia aceitar seus pontos de vista na questão da remissão, da regeneração, fé, arrependimento, a escravidão da vondade, ou qualquer outra doutrina relacionada. Mas ele era um tanto quando tenaz nesses pontos de vista, e parecia às vezes nem um pouco impaciente porque eu não as recebia sem questionar.

Ele costumava insistir que se eu racionalizasse o assunto, acabaria provavemente caindo na infidelidade. Então ele me lembrava de alguns dos estudantes que ingressaram em Princeton e deixaram como infiéis, porque racionalizavam o assunto, e não aceitavam a Confissão de Fé e os ensinamentos dos doutores naquela escola. Sobre tudo isso, ele repetidamente avisava-me, com muita sinceridade, que como pastor eu nunca sería útil, a menos que aceitasse a verdade, isto é, a verdade como ele via e ensinava.

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Eu tenho certeza que estava muito disposto a acreditar no que eu encontrasse na bíblia, e assim o disse. Costumávamos ter muitas discussões prolongadas, e muitas vezes eu saía de seus estudos muito deprimido e desencorajado, dizendo a mim mesmo “Não posso aceitar que essas visões sejam assim. Não posso acreditar que sejam ensinadas na bíblia." E muitas vezes estive prestes a desistir do estudo para o ministério para sempre.

Havia somente um membro na igreja para quem eu abria minha mente com liberdade sobre esse assunto, e ele era o Presbítero H, um homem de Deus, homem de oração. Ele fora ensinado segundo as visões de Princeton, e defendia muito as mais altas doutrinas do Calvinismo. Contudo, conforme tínhamos longas e freqüentes conversas, ele passou a acreditar que eu estava certo, e visitava-me freqüentemente para que orássemos juntos, para que eu me fortalecesse em meus estudos e em minhas discussões com o Sr. Gale, e para que eu me decidisse com mais firmeza de que, não importa o que houvesse, eu pregaria o Evangélho.

Várias vezes ele se unia a mim quando eu estava grandemente deprimido, ao retornar dos estudos com o Sr. Gale. Nessas ocasiões, ele ia comigo para meu quarto, e às vezes ficávamos até tarde da noite clamando a Deus por luz e força, e por fé para aceitar e cumprir Sua vontade perfeita. Ele vivia a quase cinco quilômetros da vila, e freqüentemente ficava comigo até dez ou onze horas da noite, e depois ia andando para casa. Aquele senhor querido! Tenho razões para acreditar que orou por mim todos os dias de sua vida.

Depois que ingressei no ministério e que grande oposição se levantara contra minhas pregações, encontrei uma vez com o Presbítero H, e ele mencionou as oposições e disse “Ah! Minha alma está tão aflita que oro por você dia e noite. Mas tenho certeza que Deus o ajudará. Vá em frente” ele disse “vá em frente, irmão Finney, o Senhor lhe dará libertação”.

Certa tarde, Sr. Gale e eu conversávamos longamente sobre a redenção, e chegou a hora de irmos para a reunião de oração. Continuamos nossa conversa sobre o assunto até entrarmos na igreja. Como tinhamos chegado cedo e ainda poucas pessoas estavam lá, continuamos a conversar. As pessoas continuavam entrando, sentavam-se e escutavam com grande atenção o que falávamos. Nossa discussão era muito sincera, e creio que conduzida de forma cristã. As pessoas ficaram cada vez mais interessadas em ouvir nossa discussão, e quando propusemos que parássemos para dar início à reunião, imploravam-nos com sinceridade que continuássemos para que aquela fosse nossa reunião. Assim o fizemos, e passamos a noite inteira, creio que em grande parte para a satisfação dos presentes, e também para sua edificação.

Após estar estudando teologia por alguns meses, e a saúde do Sr. Gale não o permitia mais pregar, um pregador Universalista veio e começou a promulgar suas doutrinas desagradáveis. Os membros da comunidade que não se haviam arrependido pareciam muito dispostos a ouvi-lo, e por fim as pessoas ficaram tão interessadas que muitas delas começaram a titubiar em suas mentes, quanto às visões da bíblia comumente recebidas.

Nessa situação, o Sr. Gale, juntamente com alguns dos presbíteros de sua igreja, pediram que eu falasse ao povo sobre esse assunto, e ver se eu não poderia responder aos argumentos do Universalista. O grande esforço deste era, claro, mostrar que o pecado não merecia punição sem fim. Ele acusava a punição eterna de injusta,

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infinitamente cruel e absurda. Deus era amor, como poderia um Deus de amor punir o homem eternamente?

Levantei-me em uma de nossas reuniões vespertinas e disse “Esse pregador Universalista defende doutrinas que são novas para mim, e não creio que elas sejam ensinadas na bíblia. Mas vou examinar o assunto, e se não puder provar que seus pontos de vista são falsos, eu mesmo hei de me tornar um Universalista”. Então sugeri uma reunião na semana seguinte, onde prometi apresentar uma palestra em oposição a seus pontos de vista. O povo cristão estava um tanto quanto chocado com minha ousadia em dizer que tornar-me-ia um Universalista, se não pudesse provar que suas doutrinas eram falsas. Entretanto, eu tinha certeza que podia.

Quando chegou a noite de minha palestra, a casa estava lotada. Eu tomei a questão da justiça da punição eterna, e dissertei naquela noite, bem como na noite seguinte. Havia uma satisfação geral em relação à apresentação.

O próprio Universalista viu que o povo estava convencido de que ele estava errado, então adotou outra política. Sr. Gale, junto com sua escola de teologia, continuavam a defender que a redenção de Cristo era o pagamento literal da dívida dos eleitos, um sofrimento de apenas o quê eles mereciam sofrer, de maneira que os eleitos fossem salvos sob princípios de justiça exata: Cristo, até onde eles viam, tendo cumprido completamente as exigências da lei. O Universalista aderiu a essa visão, presumindo que essa era a real natureza da remissão. Ele apenas tinha que provar que a remissão fora feita para todos os homens, e então ele poderia mostrar que todos os homens seriam salvos, pois a dívida da humanidade fora literalmente paga pelo Senhor Jesus Cristo, e o Universalismo seguiria baseado na justiça, pois Deus não poderia punir justamente aqueles cujas dívidas já foram pagas.

Eu vi, e as pessoas viram, aquelas que compreendiam a posição do Sr. Gale, que o Universalista colocara-se em uma situação justa. Pois era fácil provar que a redenção fora feita para toda a humanidade, e se a natureza e valor da redenção eram aqueles que o Sr. Gale defendia, a salvação universal era um resultado inevitável.

Isso mais uma vez afastou o povo. Sr. Gale me mandou chamar e pediu para que eu fosse e novamente respondesse a ele. Ele disse que entendia que a questão baseada na lei estava acertada, mas agora eu deveria responder a seu argumento baseado no Evangélho. Eu disse a ele “Sr. Gale, não posso fazer isso sem contradizer seus pontos de vista no assunto e colocá-los de lado. Com suas opiniões sobre a redenção, ele não pode ser respondido. Pois se o senhor tem a visão correta da redenção, as pessoas podem ver facilmente que Cristo morreu por todos os homens, pelo mundo inteiro de pecadores, e portanto a menos que o senhor permita-me descartar seus pontos de vista sobre o assunto, nada posso dizer para qualquer fim.” “Bem” o Sr. Gale disse, “não será possível deixar a situação do jeito que está. Você pode dizer o que quiser, apenas vá e responda-lhe de seu própria maneira. Se eu achar necessário pregar sobre o assunto da redenção, serei obrigado a contradizer você”. “Muito bem” eu disse, “deixe-me apenas mostrar meus pontos de vista, e posso responder ao Universalista, e depois o senhor pode dizer ao povo o que quiser.”

Eu então disse que falaria sobre o argumento do Universalista baseado no Evangélho. Dei duas palestras sobre a redenção. Nelas, creio que consegui mostrar plenamente que a remissão não consistia em um pagamento literal da dívida dos pecadores, no sentido que o Universalista acreditava, mas sim que ela simplesmente tornava possível a salvação de todos os homens, e que por si, não colocava Deus na obrigação de

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salvar ninguém, que não era verdade que Cristo sofrera somente aquilo que aqueles por quem morreu mereciam sofrer, que tal ensinamento não estava na bíblia, e que não era verdade, pelo contrário, que Cristo morrera simplesmente para remover um obstáculo intransponível do caminho do perdão de Deus aos pecadores, para que fosse possível a Ele proclamar uma anistia universal, convidando todos os homens a se arrepender, a acreditar em Cristo, e a aceitar a salvação; que ao invés de ter satisfeito apenas uma justiça de retribuição e ter sofrido apenas o que os pecadores mereciam, Cristo cumprira uma justiça pública, ao honrar a lei, tanto na obediência do Senhor quanto na morte, tornando possível que Deus perdoasse o pecado, perdoasse os pecados de qualquer homem e de todo homem que se arrependesse e acreditasse nEle. Eu defendi que Cristo, em sua redenção, fez meramente aquilo que era necessário como condição para perdão dos pecados, e não aquilo que cancelava os pecados, no sentido de literalmente pagar as dívidas dos pecadores.

Isso respondeu ao Universalista, e pôs um fim a qualquer agitação que poderia vir a se levantar sobre o assunto. Mas o que foi muito inesperado, foi que essas palestras asseguraram a conversão daquela jovem por quem, como já contei, orações tão sinceras e agonizantes foram feitas. Isso foi muito espantoso para o Sr. Gale, pois era evidente que o Espírito de Deus abençoara minhas visões da redenção. Eu creio que isso o deixou consideravelmente confuso quanto à veracidade de seus pontos de vista. Eu podia ver, ao conversar com ele, que ele ficara por demais surpreso que essa opinião quanto à remissão seria instrumento para a conversão de uma jovem.

Depois de muitas discussões com o Sr. Gale ao longo de meus estudos teológicos, o presbitério foi finalmente chamado para meu exame, e se concordassem em assim o fazer, licenciar-me para pregar o Evangélho. Isso foi em março de 1824. Eu esperava por uma severa peleja com eles em meu exame, mas os encontrei bastante flexíveis. A benção manifesta que se apresentara em minhas conversas, e meus ensinamentos nas reuniões de oração e palavra, e nesssas palestras das quais falei, fizeram-nos, creio eu, mais cautelosos do que seriam antes em entrar em assuntos controversos comigo. Durante o exame eles evitaram citar tais questõs que naturalmente levariam minhas opiniões de encontro com as suas.

Quando fui examinado, foram unânimes nos votos para licenciarem-me a pregar. Eu mesmo fiquei surpreso e eles perguntaram se eu havia recebido a Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana. Eu não havia examinado, isto é, o grande trabalho contendo o credo e a confissão. Isso não fizera parte de meu estudo. Respondi que até onde entendi, eu a havia recebido como substância de doutrina. Porém falei de uma maneira que claramente sugeria, eu acho, que não fingia saber muito sobre ela. Contudo, respondi honestamente, segundo meu entendimento sobre ela naquela época. Eles ouviram os exemplos que havia escrito para um ou outro sermão, sobre textos indicados a mim pelo presbitério, e prosseguiram com todos os detalhes normais de um exame como esse.

Nessa reunião do presbitério, o primeiro que vi foi o Reverendo Daniel Nash, que era em geral conhecido com “Padre Nash”. Ele era um membro do presbitério. Muita gente estava reunida para assistir meu exame. Eu cheguei um pouco atrasado, e um homem no púlpito falado ao povo, presumi no momento. Observei que ele olhava para mim conforme eu entrava, e olhava para os outros conforme eles passavam pelos corredores.

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Assim que cheguei a meu lugar e ouvi, percebi que ele estava orando. Fiquei surpreso ao vê-lo olhar por toda a igreja, como se estivesse falando com as pessoas, enquanto na verdade ele estava orando a Deus. Claro que para mim, aquilo não soava muito como uma oração, e ele estava na verdade em um estado muito frio e errôneo. Terei muitas oportunidades de mencioná-lo mais adiante.

No primeiro domingo seguinte à minha lincença, preguei pelo Sr. Gale. Quando desci do púlpito ele disse para mim “Sr. Finney, hei de ficar muito envergonhado que se saiba, onde quer que senhor vá, que estudou teologia comigo.” Isso era muito típico dele, e como tudo que ele repetidamente dizia para mim, quase não dei nenhuma resposta. Baixei minha cabeça, senti-me desencorajado, e segui meu caminho.

Mais tarde ele via esse assunto de maneira bastante diferente, e disse-me que bendizia ao Senhor pois em todas as nossas discussões, e em tudo que ele falara a mim, não havia tido a menor influência sequer em mudar meus pontos de vista. Ele confessou de maneira muito franca seus erros na forma em que lidava comigo, e disse que se eu o tivesse escutado, teria sido arruinado como pastor.

O fato é que a educação do Sr. Gale para o ministério fora inteiramente defeituosa. Foram-lhe impostas uma série de opiniões, tanto teológicas quanto práticas, que eram uma camisa de força para ele. Ele conseguiria realizar muito pouco ou nada se seguisse seus próprios princípios. Eu tinha livre acesso à sua biblioteca, e pesquisei minuciosamente sobre todas as questões de teologia que seriam usadas na avaliação, e quanto mais eu examinava os livros, mais eu ficava insatisfeito.

Eu tinha sido usado para fechar julgamentos lógicos dos juízes, como encontrei relatado em nossos livros de direito, mas quando fui à biblioteca de velha metodologia do Sr. Gale, não encontrei quase nenhuma prova suficiente à minha satisfação. Tenho certeza que isso não era porque eu estava contrariando a verdade, mas eu estava satisfeito porque os posicionamentos desses autores teológicos não eram sólidas nem suficientemente baseadas. Várias vezes parecia-me que eles diziam uma coisa e provavam outra, e frequentemente deixavam a desejar nas provas lógicas de qualquer coisa.

Eu finalmente disse ao Sr. Gale: “Se não houver nada melhor que eu possa encontrar na sua biblioteca para sustentar as doutrinas ensinadas pela nossa igreja, devo ser um infiel.” E eu sempre acreditei que se o Senhor não me levasse a ver a falácia em tais argumentos, e a ver a real verdade como apresentada nas escrituras, e em especial Ele Mesmo não se revelasse a mim pessoalmente de forma que eu não pudesse duvidar a verdade do Cristianismo, eu seria forçado a ser um infiel.

A priori, não sendo nenhum teólogo, minha atitude em relação à suas visões tão peculiares era mais de negação do que de oposição a qualquer um de seus positivos pontos de vista. Eu dizia “Suas posições não são comprovadas”. Eu freqüentemente dizia “Elas não são sucetíveis de prova”. Era assim que eu pensava e continuo pensando. Mas mesmo com tudo isso, ele insistia em dizer que eu deveria diferir das opiniões dos grandes e bons homens que, depois de muita consulta e deliberação, haviam chegado àquelas conclusões, e não era certo que eu, um jovem, treinado para ser um advogado, sem nenhuma formação teológica, opusesse minhas visões àquelas de grandes homens e profundos teólogos, cujas opiniões encontrei em sua biblioteca. Ele insistia que se eu persistisse em satisfazer meu intelecto em tais pontos, com argumentos, eu acabaria me tornando um infiel. Ele acreditava que as decisões da

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igreja deveriam ser respeitadas por um jovem como eu, e que eu deveria render meu próprio julgamento ao de outros de maior sabedoria.

Agora, não posso negar que havia uma porção considerável de força nisso tudo, mas ainda assim achava-me totalmente incapaz de aceitar doutrinas com base na autoridade. Se eu tentasse aceitar tais doutrinas como meros dogmas, não conseguiria. Não conseguiria fazê-lo com honestidade. Não respeitaria a mim mesmo se o fizesse. Muitas vezes ao deixar o Sr. Gale, eu ia para meu quarto e passava um longo período de joelhos, sobre minha bíblia. Na verdade, eu lia minha bíblia de joelhos muitas vezes durante aqueles dias de conflito, implorando ao Senhor que me desse Sua própria mente nesses assuntos. Eu não tinha para onde ir a não ser diretamente para a bíblia, e para as filosofias ou obras de minha própria mente, como reveladas conscientemente.

Meus pontos de vista tomaram uma forma positiva, mas bem devagar. A princípio percebi que eu era incapaz de aceitar suas visões peculiares, e então gradualmente formei minhas próprias opiniões opostas às dele, segundo o que a mim parecia estar inequivocadamente ensinado na bíblia.

Mas como se não bastasse que as visões teológicas do Sr. Gale eram tais que anulavam sua própria utilidade, suas visões práticas eram igualmente errôneas. Por tudo isso ele declarava, sobre os meus pontos de vista, todo tipo de mau. Ele me assegurara que o Espírito de Deus não cooperaria com minhas obras, que se eu falasse aos homens como dissera a ele que pretendia, eles não me ouviriam, que se eles viessem por algum tempo, logo ficariam ofendidos, e minha congregação desfazer-se-ia, que a menos que eu escrevesse meus sermões, eu imediatamente me tornaria desinteressante e desgastado, não sendo mais capaz de satisfazer o povo, que eu acabaria dividindo e dispersando a congregação ao invés de edificá-la sempre que eu pregasse. De fato percebi que seus pontos de vista eram praticamente reversos aos que eu tinha em todas as questões praticas quanto a meus deveres como pastor,

Eu não me espanto, e nem me espantei na época, que ele estivesse tão chocado com minhas idéias e propostas em relação a pregar o Evangélho. Com sua formação, não poderia ser diferente. Ele seguia seus ideais com pouquíssimos resultados práticos. Eu seguia os meus, e pela benção de Deus os resultados eram opostos aos que ele havia previsto. Quando esse fato foi exposto claramente, abateram completamente suas idéias práticas e teológicas como pastor. Esse resultado, conforme hei de comentar no momento certo, aniquilou sua esperança como cristão, e finalmente o transformou como pastor.

Mas havia outro defeito na educação do Irmão Gale que eu considerava fundamental. Se ele em algum momento se convertera a Cristo, falhara em receber a unção divina do Espírito Santo que o faria um poder no púlpito e na sociedade, para a conversão de almas. Ele não chegou a alcançar o batismo do Espírito Santo, que é indispensável para o sucesso ministerial.

Quando Cristo enviou Seus apóstolos para irem e pregarem, Ele lhes disse para que esperassem em Jerusalém até que fossem revestidos com o poder vindo do alto. Esse poder, como todos sabem, era o batismo do Espírito Santo derramado sobre eles no dia de Pentecoste. Essa era uma qualificação indispensável para que fossem bem-sucedidos em seus ministérios. Na época eu não achava, e agora também não acho, que esse batismo era simplesmente o poder de fazer milagres. O poder de realizar milagres e o dom de línguas foram dados como sinais para provar a realidade de sua incumbência divina. Mas o batismo em si era uma purificação divina, uma unção,

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conferindo a eles uma luz divina, enchendo-os de fé e amor, de paz e poder, para que suas palavras fossem afiadas em atingir o coração dos inimigos de Deus, de forma rápida e poderosa, como uma espada de dois gumes. Isso é uma qualificação indispensável para um ministério bem-sucedido, e eu muitas vezes fico supresso e magoado pois até o dia de hoje, tão pouca importância se dá a essa qualificação para a pregação de Cristo a um mundo cheio de pecados. Sem o ensinamento direto do Espírito Santo, um homem jamais progredirá na pregação do evangélho. O fato é que, a menos que ele consiga pregar o evangélho como sendo uma experiência, apresente a religião à humaninadade como uma questão de consciência, suas especulações e teorias serão muito menores do que a pregação do Evangélho.

Eu já disse que o Sr. Gale depois veio a concluir que não era convertido. Que ele era um homem bom e sincero, no sentido de defender honestamente suas opiniões, eu não tenho dúvidas. Mas fora infelizmente educado, teológica, filosófica e praticamente, e até onde puder perceber sobre seu estado espiritual, ele não tinha a paz do Evangélho, durante o tempo que fiz parte de seu rebanho.

Que o leitor não suponha, de nada que eu disse, que eu não amava o Sr. Gale, e que não o respeitasse. Pois o amava e respeitava muitíssimo. Eu e ele permanecemos como melhores amigos, a meu saber, até o dia de sua morte. Eu disse o que disse com relação a seus pontos de vista pois acho que é cabível, temo dizer, a muitos ministros do Evangélho ainda hoje. E creio que suas visões práticas de pregar o evangélho, independentes de suas visões teológicas, são de fato defeituosas, e que sua necessidade de unção, e de poder do Espírito Santo, é um defeito radical em sua preparação para o ministério. Não digo isso com censura, mas recordo-me disso como um fato que há muito tempo estabeleceu-se em minha mente, e pelo qual tenho tido muitas oportunidades de lamentar. E conforme tornei-me mais e mais familiarizado com o ministério nesses outros países, tenho certeza de que, com todo seu treinamento, disciplina, educação, há uma falha nos pontos de vista práticos de como apresentar o evangélho aos homens, e em adaptar os meios para garantir os fins, e em especial em sua necessidade do poder do Espírito Santo.

Falei por um tempo considerável sobre minha prolongada controvérsia com meu professor de teologia, Sr. Gale. Depois de refletir, creio que devo declarar com um pouco mais de definição alguns dos pontos sobre os quais tivemos tantas discussões. Eu não podia aceitar aquela ficção teológica de atribuição. Descreverei, da melhor maneira que puder, as bases exatas que ele mantinha e nas quais insistia. Primeiro, ele defendia que a culpa da primeira transgressão de Adão fora literalmente imputada a toda sua posteridade, de forma que eles estão justamente sentenciados e expostos à eterna condenação por causa do pecado de Adão. Em segundo lugar, ele acreditava que nós recebemos de Adão, por geração natural, uma natureza completamente pecadora e moralmente corrompida em todas as faculdades do corpo e da alma, portanto somos totalmente incapazes de realizar qualquer ato aceitável a Deus, e necessitamos, por causa de nossa natureza pecaminosa, transgredir Suas leis, em todos os atos de nossas vidas. E esse, ele insistia, é o estado no qual todos os homens ficaram por causa do primeiro pecado e Adão. Em virtude dessa natureza pecaminosa, então recebida de Adão pela geração natural, toda a humanidade está também sentenciada a, e merece, a condenação eterna. Portanto, em terceiro lugar, além de tudo isso, ele acreditava que todos nós estavamos condenados e sentenciados à

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condenação eterna por nossa própria e inevitável transgressão da lei. Então encontramo-nos justamente sujeitos a uma triplha condenação eterna.

O segundo tópico dessa atribuição maravilhosa é conforme o seguinte: o pecado de todos os eleitos, tanto o original quanto os de fato, isto é, a culpa do pecado de Adão, junto com a culpa de sua natureza pecaminosa e a culpa por suas transgressões pessoais, são literalmente imputadas a Cristo, e portanto o governo divino O considerou como a personificação de todos os pecados e culpa dos eleitos, e tratou de acordo com isso, ou seja, o Pai puniu o Filho precisamente tanto quanto todos os eleitos mereciam. Por isso suas dívidas foram assim totalmente quitadas pela punição de Cristo, eles foram salvos sob princípios de justiça exata.

O outro tópico dessa maravilhosa ficção teológica era: primeiro, a obediência de Cristo à lei divina é literalmente imputada aos eleitos, de maneira que nEle, eles são considerados como se sempre tivessem obedecido perfeitamente à lei. Segundo, Sua morte por ele também é atribuida aos eleitos, de maneira que nEle, eles são vistos como se já tivessem sofrido por completo tudo o que mereciam por causa da culpa do pecado de Adão imputada a eles, por causa de sua natureza pecaminosa, e também por causa de todas as suas transgressões pessoais. Terceiro, assim por meio do Fiador os eleitos já obedeceram perfeitamente à lei, depois também por meio de seu Fiador, já sofreram a total punição à qual estavam sujeitos em conseqüência da culpa do pecado de Adão imputada a eles, pela culpa de sua natureza pecaminosa, junto com merecida culpa por suas transgressões pessoais. Eles portanto sofreram em Cristo, da mesma maneira como se não tivessem obedecido nEle. Ele, primeiro, obedece perfeitamente por eles, obediência essa que é estritamente imputada aos eleitos, de forma que são considerados pelo governo de Deus como tendo obedecido plenamente por meio de seu Fiador; depois, Ele sofreu por eles a punição da lei, como se nenhuma obediência fora cumprida, então, após as leis haverem sido duplamente cumpridas, os eleitos devem se arrepender como se nenhum cumprimento fora feito, e por fim, tendo sido o pagamento feito duas vezes a mais, a remissão dos eleitos é considerada um ato de infinita graça. Assim, os eleitos foram salvos pela graça baseada em princípios de justiça, de maneira que não há estritamente nenhuma graça ou misericórdia em nosso perdão, mas toda a graça de nossa salvação é encontrada na obediência e sofrimento de Cristo.

Ela diz que os eleitos podem exigir sua remissão baseados nos resultados da justiça exata. Eles não precisavam orar por perdão, é um erro fazer isso. Essa é uma inferência pessoal minha, mas procede, como todos podem ver, sem resistência, do que a Confissão de fé em si declara, que os eleitos foram salvos com base em princípios de justiça perfeita e exata.

Vi que era impossível concordar com o Sr. Gale nesses pontos. Eu não podia fazer outra coisa a não ser considerar e tratar toda essa questão da atribuição como uma ficção teológica. Sobre esses assuntos, tivemos discussões constantes, de alguma forma, durante todo o tempo que estudei.

Não me recordo de o Sr. Gale ter insistido nenhuma vez em que a Confissão de Fé ensinava esses princípios, como vim a aprender quando a estudei. Eu não sabia que as regras do presbitério exigiam que eles perguntassem ao candidato se ele aceitava o Confissão de Fé Presbiteriana. Assim que aprendi quais eram os ensinamentos ambíguos da Confissão sobre esses pontos, não hesitei em declarar minha divergência deles. Eu os repudiava e expunha. Sempre que eu via que qualquer classe de pessoas

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estava se escondendo sob esses dogmas, eu não hesitava em demolí-los, da melhor maneira que podia.

Eu não caricaturizei essas posições do Sr Gale, mas declarei-as, o mais próximo que consegui, da mesma linguagem na qual ele as defenderia, quando eu as apresentava para ele em controvérsia. Ele não fingia que elas eram racionais, ou que elas aguentariam argumentação. Por isso ele insistia em dizer que minha argumentação acabaria por me levar à infidelidade. Mas eu insistia em dizer que nosso intelecto nos fora dado com o propósito de nos capacitar a justificar os meios de Deus, e que tal ficção de imputação não poderia de maneira alguma ser verdade.

É claro que haviam muitos outros pontos tão relacionados a esses que necessariamente eram discutidos, e sobre os quais eramos bastante controversos, mas nossas controvérsias sempre tinham isso como fundamento. Se o homem tem uma natureza pecaminosa, então a regeneração deve consistir em uma mudança de natureza. Se a natureza de um homem é pecaminosa, a influência do Espírito Santo deve regenerá-lo, deve ser física, e não moral. Se o homem tem uma natureza pecaminosa, não há adaptação no evangélho para mudar sua natureza, e conseqüentemente, nenhuma relação, na religião, entre meios e fim.

Isso, o Irmão Gale defendia severamente, e por conseqüência em suas pregações ele nunca parecia esperar e nem procurar converter ninguém, em nenhum sermão que já ouvi. Ainda assim, ele era um pregador muito capaz, do que se conhecia de pregações até então. O fato é que, esses dogmas eram uma camisa de força perfeita para ele. Se ele pregasse sobre arrependimento, ele precisava ter certeza antes de terminar, que deixara a impressão em todos de seu rebanho, que ele não podiam se arrepender. Se ele os chamasse a crer, ele precisava com certeza informá-los que, até que sua natureza fosse transformada pelo Espírito Santo, a fé era impossível para eles. Então sua ortodoxia era uma armadilha perfeita para ele mesmo e para seus ouvintes. Eu não podia aceitar. Não era assim que eu entendia minha bíblia, nem ele conseguia fazer-me ver que isso era ensinado na bíblia.

Quando eu li a Confissão de Fé, e vi as passagens que eles mencionavam para sustentar esses posicionamentos peculiares, fiquei totalmente envergonhado. Não podia ter respeito algum por um documento que era elvado a impor à humanidade dogmas tais como aqueles, sustentados, em sua maioria, por passagens das Escrituras que eram totalmente irrelevantes, e nenhuma vez sequer sustentados por passagens que, em uma corte de julgamento, teriam sido consideradas no mínimo conclusivas. Mas o presbitério, até onde sei, tinha somente um pensamento naquela época. Mais tarde no entanto, todos cederam, acredito, e quando o Sr. Gale mudou suas opiniões, não ouvi mais nada de nenhum dos membros do presbitério em defesa dessas visões.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO V.

PREGANDO COMO UM MISSIONÁRIO

EM FUNÇÃO de não ter tido nenhum treinamento regular para o ministério, eu não esperava nem desejava trabalhar em grandes cidades, ou ministrar a congregações cultivadas. Eu pretendia ir para os novos vilarejos que surgiam e pregar nas escolas, celeiros e bosques, o melhor que pudesse. De acordo com isso, logo após ter sido licenciado para pregar, a fim de que fosse apresentado à região na qual me propus trabalhar, aceitei uma incumbência por seis meses, de uma sociedade missionária feminina do condado de Oneida. Fui para a parte norte do condado de Jefferson, e comecei a trabalhar em Evan’s Mills, na cidade de Le Ray.

Nesse local eu encontrei duas igrejas, uma pequena igreja Congregacional sem pastor, e uma igreja Batista com um pastor. Apresentei minhas credenciais aos diáconos da igreja. Eles ficaram muito felizes em me ver, e eu logo comecei a trabalhar. Eles não tinham uma casa de reunião, mas as duas igrejas adoravam alternadamente em um grande edifício que era a escola, grande o suficiente acredito, para acomodar todas as crianças do vilarejo. Os Batistas ocupavam o local em um domingo, os Congregacionais no próximo, então eu teria o local domingo sim, domingo não, mas podia usá-lo sempre que quisesse à noite. Portanto, dividi meus domingos entre Evans’ Mills e Antwerp, um vilarejo a mais ou menos vinte e cinco, trinta quilômetros ainda mais ao norte.

Relatarei primeiro alguns fatos que ocorreram em Evans’ Mills durante aquele período, e depois uma breve narrativa dos acontecimentos em Antwerp. Mas sendo que eu pregava alternadamente nesses dois lugares, esses fatos ocorreram de semana a semana em uma ou em outra dessas localidades. Eu comecei, como já disse, a pregar no prédio da escola em Evans’ Mills. As pessoas estavam muito interessadas, e aglomeravam-se no lugar para ouvir-me pregar. Eles elogiavam a minha pregação e a pequena igreja Congregacional interessou-se muito, na esperança de que crecessem e que houvesse um avivamento. Algumas poucas ou várias convicções eram geradas a cada sermão que pregava, mas ainda assim, nenhuma convicção geral aparecia na opinião pública.

Eu estava muito insatisfeito com essa situação, e em um de meus cultos vespertinos, depois de ter pregado lá dois ou três domingos, e várias noites na semana, eu disse ao povo no encerramento de meu sermão, que eu tinha ido lá para assegurar a salvação de suas almas, que minhas pregações, eu sabia, era muito elogiada por eles, mas que, afinal, eu não tinha ido para lá para agradá-los mas sim para levá-los ao arrependimento, que a mim não importava o quanto eles gostassem da minha pregação, se no fim eles rejeitassem meu Mestre, que havia algo de errado em mim ou neles, que o tipo de interesse que eles manifestavam em minhas pregações não os estava edificando em nada, e que eu não podia gastar meu tempo com eles a não ser que eles recebessem o Evangélho. Então, citando as palavras do servo de Abraão, eu lhes disse: “Agora, pois, se vós haveis de mostrar beneficência e verdade a meu senhor, fazei-mo saber; e, se não, também mo fazei saber, para que eu olhe à mão direita ou à esquerda.” Eu passei essa questão para eles, e insisti que precisava saber

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qual direção eles queriam seguir. Se não quisessem se tornar cristãos, e se alistar no serviço ao Salvador, eu precisava saber imediatamente, para que não trabalhasse com eles em vão. Eu disse a eles: “Vocês admitem que o que eu prego é o evangélho. Voces dizem acreditar nele. Agora querem recebê-lo? Querem recebê-lo ou pretendem rejeitá-lo? Vocês devem ter uma opinião sobre isso. E agora eu tenho direito de presumir, sendo que vocês admitem que o que prego é a verdade, que vocês têm consciência de sua obrigação de tornarem-se cristãos de uma vez por todas. Essa obrigação vocês não contratiam, mas cumpri-la-ão? Ou apenas descartarão? Vocês farão o que admitem que tem que fazer? Fazei-mo saber; e, se não, também mo fazei saber, para que eu olhe à mão direita ou à esquerda”

Depois de apresentar isso até que vi que eles compreendiam bem o que dizia, e estavam muito surpresos com minha maneira de demonstrar, disse-lhes: “Agora, eu devo saber o que pensam, e quero que vocês que decidiram-se por tornarem-se cristãos e darão de sua parte uma garantia para fazer as pazes com Deus imediatamente, fiquem de pé, mas que aqueles de você que, pelo contrário, resolveram que não se tornarão cristãos, e quiserem que eu assim o entenda, e quiserem que Cristo assim o entenda, permaneçam sentados.” Após deixar isso bem claro, e ter certeza que todos compreenderam, eu disse: “Vocês que querem demonstrar a mim e a Cristo que farão imediatamente as pazes com Deus, por favor, levantem-se. Pelo contrário, vocês que querem que eu compreenda que se comprometem a permanecer em sua postura atual de não aceitar a Cristo, podem permanecer sentados”. Entreolharam-se e olharam para mim, e ficaram todos sentados, como eu já esperava.

Depois de olhar para eles por alguns momentos, eu disse “Portanto estão comprometidos. Tomaram sua decisão. Rejeitaram a Cristo e ao Seu evangélho; e todos são testemunhas uns dos outros, e Deus é testemunha de todos. Isso é explícito e vocês podem lembrar-se por toda vida, que assim publicamente comprometeram-se contra o Salvador, e disseram ‘não teremos esse homem, Cristo Jesus, reinando sobre nós’”. Esse é o teor do que insisti para com eles, nas palavras tão exatas quanto me recordo.

Quando eu os pressionei assim, aborreceram-se, levantaram-se em massa e foram em direção à porta. Quando eles começaram a andar, parei de falar. Logo que me calei, viraram-se para ver porque eu não continuara falando. Eu disse “Tenho pena de vocês, e pregarei mais uma vez, se assim o Senhor quiser, amanhã à noite.”

Todos deixaram o local exceto pelo Diácono McC, que era um diácono da igreja Batista naquele lugar. Eu vi que os Congregacionais estavam desconcertados. Eles eram poucos em número e muito fracos na fé. Eu presumi que todos os membros de ambas as igrejas que estavam presentes, exceto pelo Diácono McC, estavam confusos, e concluí que a situação estava totalmente acabada, que por minha imprudência eu havia atacado e destruido todas as aparências de esperança. O Diácono McC veio até mim, tomou-me pela mão e sorrindo disse: “Irmão Finney, você os conquistou. Eles não podem descansar isso, apoiarem-se nisso. Todos os irmãos estão desencorajados” dizia “mas eu não estou. Eu acredito que você fez exatamente o que precisava ser feito, e que nós veremos os resultados”. Eu também pensava assim, é claro. Eu pretendia colocá-los numa posição em que, com reflexão, os faria tremer em vista do que já haviam feito. Mas por aquela noite e durante o dia seguinte eles estavam cheios de ira. Eu e o Diácono McC concordamos imediatamente em passar o dia seguinte em jejum e oração separadamente de manhã, e juntos pela tarde. Descobri no decorrer do dia que

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as pessoas me ameaçavam – ameaçavam banir-me da comunidade, a cobrir-me com alcatrão e penas, a dar-me o bilhete azul, como diziam. Alguns maldiziam-me, e diziam que eu os colcara sob juramento, e os fizera jurar que eles nào serviriam a Deus, que levara-os a uma admissão pública e solene de rejeição a Cristo e a Seu Evangélho. Isso não era nada além do que eu esperava. À tarde, eu e o Diácono McC fomos a um bosque juntos e passamos a tarde inteira em oração. Já no anoitecer, o Senhor nos deu grande amplitude, e promessa de vitória. Ambos nos sentíamos seguros que havíamos prevalecido com Deus, e que, naquela noite, o poder de Deus seria revelado em meio ao povo.

Ao chegar a hora da reunião, deixamos a mata e fomos para o vilarejo. As pessoas já se aglomeravam no lugar de adoração, e aqueles que ainda não tinham ido, vendo-nos passar pela vila fecharam suas lojas e locais de negócios, deixaram suas bolas nos clubes onde jogavam sobre a grama, e lotaram a casa até sua capacidade máxima.

Eu não havia pensado nem uma vez sobre o que eu deveria pregar. Na verdade, isso era comum para mim na época. O Espírito Santo estava sobre mim, e eu estava confiante de que quanto chegasse o momento de agir, eu saberia o quê pregar. Assim que vi que a casa estava lotada, de forma que ninguém mais podia entrar, levantei-me, e acredito que, sem nenhuma introdução formal de cantorias, abri o discurso para eles com essas palavras: “Dizei aos justos que bem lhes irá, porque comerão do fruto das suas obras. Ai do ímpio! Mal lhe irá, porque a recompensa das suas mãos se lhe dará”. O Espírito de Deus veio sobre mim com tal poder, que parecia como se lançasse uma carga elétrica sobre eles. Por mais de uma hora, ou talvez por uma hora e meia, a Palavra de Deus veio através de mim para eles de uma maneira que eu podia ver que levava tudo sobre si. Era um fogo e um martelo a quebrar a pedra, e como uma espada tão afiada a ponto de dividir alma e espírito. Eu vi que uma convicção geral se espalhava sobre toda a congregação. Muitos não conseguiam manter suas cabeças erguidas. Naquela noite, não chamei ninguém para que revertessem a ação que tinham feito na noite anterior, nem para nenhum comprometimento de sua parte em nenhum sentido, mas presumi no decorrer de todo o sermão, que eles estavam comprometidos contra o Senhor. Então eu marquei outra reunião, e dispensei a congregação.

Conforme o povo saía, observei uma mulher nos braços de algumas de suas amigas que a sustentavam em uma parte da casa, e fui ver o que se passava, supondo que ela estivese quase desmaiando. Porém logo vi que ela não estava para desmaiar, mas sim que não conseguia falar. Havia nela um semblante de grande angústia, e ela me fez entender que não conseguia falar. Aconselhei as mulheres a levarem-na para casa e orarem por ela, e ver o que o Senhor haveria de fazer. Disseram-me que ela era a Srta. G, irmã de um famoso missionário, e que ela era uma membra da igreja de boa índole, e que assim o fora por muitos anos.

Naquela noite, ao invés de ir para meu alojamento, aceitei um convite, e fui para a casa de uma família onde ainda não passara a noite até então. Bem cedo pela manhã descobri que eu fora enviado ao lugar onde deveria estar, várias vezes durante a noite, visitar famílias onde haviam pessoas sob terrível infortúnio de mente. Isso me levou a tomar a sair em meio ao povo, e em todos os lugares eu encontrava uma convicção maravilhosa dos pecados e temor por suas almas.

Depois de ficar muda por quase dezesseis horas, a boca da Srta. G foi aberta, e um cântico novo foi-lhe dado. Ela fora tirada de um largo horrível de lodo, e seus pés foram firmados sobre uma rocha, e foi verdade que muitos viram e temeram. Isso ocasionou

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uma grande busca entre os membros da igreja. Ela declarou que estava totalmente enganada, que por oito anos fora parte da igreja, e pensava ser cristã, mas durante o sermão da noite anterior, ela viu que jamais conhecera o verdadeiro Deus, e que quando Ele surgiu diante de sua mente como fora então apresentado, sua esperança pereceu, ela mesma disse, como a traça. Ela disse que uma visão tal da santidade de Deus foi apresentada, que como uma grande onda a derrubou, e aniquilou sua esperança em um instante.

Encontrei nesse lugar um número de deístas, alguns deles, homens de grande expressão na comunidade. Um deles era o dono de um hotel no vilarejo, e outros homens respeitáveis e muitíssimo inteligentes. Mas eles pareciam unir-se para resistir ao avivamento. Quando avaliei exatamente seus princípios, dei um sermão que ia exatamente ao encontro de suas necessidades, pois aos domingos, compareciam às minhas pregações. Peguei esse texto: “Espera-me um pouco, e mostrar-te-ei que ainda há razões a favor de Deus. Desde longe repetirei a minha opinião; e ao meu Criador atribuirei a justiça.” Cobri todo o terreno, até onde podia compreender seu posicionamento, e Deus me capacitou a esclarecer tudo. Assim que dei por encerrada a reunião, o dono do hotel, que era o líder entre eles, veio francamente até mim, tomou-me pela mão e disse “Sr. Finney, estou convencido. O senhor respondeu a todas as minhas dificuldades. Agora quero que vá para casa comigo, pois quero conversar com o senhor”. Não ouvi mais falar sobre a infidelidade deles, e se me lembro bem, aquele grupo de homens foi quase, ou de fato, todo convertido.

Havia um velho senhor naquele lugar, que não apenas não era um fiel, mas também um grande repreendedor da religião. Ele estava muito bravo com o mover de avivamento. Todo dia eu escutava sobre seus resmungos e blasfêmias, mas não comentava publicamente sobre isso. Ele se recusava irremediavelmente em participar das reuniões. Mas no meio de sua oposição, e quando sua agitação era grande, enquanto estava sentado à mesa numa certa manhã, ele de repente caiu de sua cadeira num estado de apoplexia. Um médico foi imediatamente chamado e, depois de um breve exame, disse-lhe que ele não tinha mais muito tempo de vida, e que se ele tivesse alguma coisa a dizer, que dissesse logo. Ele apenas teve tempo e força o suficiente, como depois vim a saber, de exclamar “Não deixem que o Finney ore sobre meu corpo!”. Essa foi sua última oposição naquele lugar.

Durante aquele avivamento, chamou-me a atenção uma mulher doente naquela comunidade, que era membra da igreja batista, e bem conhecida naquele lugar, mas as pessoas não tinham certeza de sua devoção. Ela estava desfalecendo rapidamente, e imploraram-me para que fosse visitá-la. Eu fui e tive uma longa conversa com ela. Contou-me sobre um sonho que tivera quando criança que a fizera pensar que seus pecados já estavam perdoados. Nisso formou sua mente, e nenhum argumento faria com que ela mudasse. Tentei persuadí-la de que não havia prova alguma de sua conversão naquele sonho. Eu disse claramente que seus conhecidos afirmavam que ela nunca vivera uma vida cristã, e que nunca demonstrara uma índole cristã, e que estava ali para tentar convencê-la de desistir das falsas esperanças e fazer com que ela aceitasse Jesus Cristo para que fosse salva. Lidei com ela da forma mais gentil que consegui, mas não deixei de fazê-la entender o que queria dizer. Ainda assim, ela ficou muito ofendida, e depois que fui embora, reclamou dizendo que eu havia tentado roubar-lhe a esperança e angustiar-lhe a mente, que eu tinha sido cruel ao tentar angustiar uma mulher tão doente como ela estava, dessa maneira, tentando perturbar o

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descanso de sua mente. Ela morreu não muito tempo depois. Mas sua morte muitas vezes me lembra do livro do Dr. Nelson chamado “A Causa e a Cura da Infidelidade”. Quando essa mulher extava morrendo de fato, seus olhos foram abertos, e antes que deixasse esse mundo, ela pareceu ter uma tamanha visão do caráter de Deus, e do que de fato era o céu, e da santidade que era necessária para habitar lá, que gritou com agonia, e exclamou que estava indo para o inferno. Dessa maneira, disseram-me, ela faleceu.

Enquanto eu estava naquele lugar, certa tarde, um irmão em Cristo veio até meu alojamento e pediu que eu fosse visitar sua irmã que, como ele me informou, rapidamente desfalecia, e era uma Universalista. Disse-me que seu marido era Universalista, e que levara-a a tornar-se uma. Ele disse que não me pedia para ir visitá-la enquando seu marido estivesse em casa, pois temia o que ele pudesse fazer comigo. O marido estava determinado de que a mente de sua esposa não deveria ser perturbada quanto à questão da salvação universal. Eu fui, e percebi que ela não tinha nem um pouco de paz em suas visões do Universalismo, e durante nossa conversa, ela desistiu inteiramente dessas idéias e pareceu tomar posse do Evangélho de Cristo. Acredito que apoiou-se firmemente nessa esperança em Cristo até morrer.

À noite seu marido retornou, e ouvi dela mesma o que acontecera. Ele ficou muito irado e jurou que “mataria o Finney”. Como vim a saber depois, ele se armou com uma pistola carregada, e naquela noite foi à reunião na qual eu pregaria. No dia, entretanto, eu não sabia nada sobre isso. A reunião naquela noite foi em uma escola fora do vilarejo. A casa estava tão lotada que era quase sufocante. Comecei a pregar com meu melhor, e quase no meio de meu discurso, vi um homem aparentemente forte, mais ou menos no meio da congregação, cair de seu lugar. Conforme ele caia, gemia, e então chorava ou berrava, dizendo que iria para o inferno. Ele repetiu isso várias vezes. As pessoas sabiam quem ele era, mas para mim era um estranho. Creio que nunca o tinha visto antes.

É claro que isso gerou uma grande agitação. Interrompeu minha pregação, e sua angústia era tão grande que passamos o resto de nosso tempo orando por ele. Quando a reunião foi encerrada, seu amigos levaram-no para casa. Na manhã seguinte, perguntei por ele, e descobri que ele passara a noite em claro, em grande agonia de mente, e que ao amanhecer saíra, e ninguém sabia para onde. Não se ouviu mais dele até as dez horas da manhã. Eu estava passando pela rua e o avistei, aparentemente vindo de um bosque a uma certa distância do vilarejo. Ele estava do outro lado da rua quando o vi pela primeira vez, vindo em minha direção. Quando me reconheceu, atravessou a rua para encontrar-me. Quando ele se aproximou o suficiente, vi que seu semblante todo brilhava. Disse-lhe “Bom dia, Sr. C.” “Bom dia.” ele respondeu. Perguntei “E como está sua mente esta manhã?” “Ah, não sei dizer” respondeu ele “tive uma noite terrível e penosa. Mas não conseguia orar em casa, e pensei que se conseguisse ficar sozinho, onde pudesse levantar minha voz com meu coração, então eu poderia orar. De manhã fui para a mata, mas quando cheguei lá, descobri que não conseguia orar. Eu pensei que podia me entregar a Deus, mas não consegui. Eu tentei e tentei até desanimar” continuava ele “Por fim eu vi que era inútil, e disse ao Senhor que me achava perdido e condenado, que não tinha um coração para orar a Ele, não tinha um coração para arrepender-me, que descobri que endurecera tanto a mim mesmo que era incapaz de dar-Lhe meu coração, e portanto deixo tudo à mercê dEle. Eu estava à Sua disposição, e não podia me opor ao que Ele tinha para mim, da

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maneira que fosse melhor aos Seus olhos, pois eu não tinha direito nenhum à Sua graça. Deixei a questão da minha salvação ou condenação inteiramente com o Senhor.” “Bem, e o que aconteceu a seguir?” Eu perguntei. Ele respondeu: “Bem, eu descobri que havia perdido toda minha convicção. Levantei-me e vim embora, e minha mente estava tão quieta que percebi que o Espírito de Deus foi afligido, e perdi toda a minha convicção. Mas quando vi você, meu coração se aqueceu e começou a queimar dentro de mim, e ao invés dos sentimentos de querer evitar-lhe, senti-me tão atraído que atravessei a rua para encontrar-lhe.” Mas eu deveria ter contado que quando ele se aproximou de mim, saltou, pegou-me no colo, deu duas voltas, e depois colocou-me novamente no chão. Isso precedeu a conversa que acabei de relatar. Depois de mais alguns minutos de conversa, fui embora. Ele logo chegou a um estado de mente que o levou a obter uma esperancá. Nunca mais ouvimos falar de sua oposição.

Naquele lugar vi mais uma vez o Padre Nash, aquele homem que orava com os olhos abertos, na reunião de presbitério, quando fui licenciado. Depois daquela reunião do presbitério, ele pegou uma inflamação nos olhos e foi mantido por várias semanas em um quarto escuro. Ele não podia ler nem escrever e, como eu vim a saber, dedicou-se quase que inteiramente à oração. Ele teve um terrível recondicionamento em toda sua experiência cristã, e assim que voltou a enxergar, com um duplo véu negro sobre seu rosto, saiu a pelejar por almas.

Quando ele chegou a Evans’ Mills ele estava cheio de poder de oração. Ele era um homem completamente diferente do que jamais fora em qualquer momento de sua vida cristã. Descobri que ele tinha uma lista de oração, como ele chamava, com os nomes das pessoas por quem ele orava diariamente, e de vez em quando, várias vezes em um dia. E ao orar com ele, e ao escutá-lo orar nas reuniões, descobri que seu dom de oração era maravilhoso, e sua fé quase miraculosa.

Havia um homem de nome D, que tinha uma pequena taverna em uma esquina do vilarejo, cuja casa era um clube para todos os que se opunham ao avivamento. O bar era um lugar de blasfêmia, e ele mesmo era um homem muito profano, abusivo, sem Deus. Ele passava resmungando nas ruas a respeito do avivamento, e tomava dores específicas para praguejar e maldizer sempre que via um cristão. Um dos jovens convertidos vivia praticamente do outro lado da rua, em frente a ele, e disse-me que pretendia vender sua casa e sair daquela vizinhança, pois toda vez que ele estava do lado de fora e D o via, também saía e começava a praguejar e maldizer, e falar tudo que podia para machucar seus sentimentos. D nunca tinha participado de nenhuma de nossas reuniões, creio eu. É claro que ele era um ignorante quanto às grandes verdades da religião, e despresava toda a organização cristã.

O Padre Nash escutou-nos falando sobre esse tal Sr. D como sendo um caso difícil, e imediatamente colocou o nome dele em sua lista de oração. Ele ficou na cidade por um ou dois dias, depois seguiu seu caminho, tendo em vista outra região para trabalhar.

Não muitos dias depois, enquanto tínhamos uma reunião muito lotada numa certa noite, quem não entra, senão o notável D? Sua entrada gerou um movimento considerável na congregação. As pessoas temiam que ele tivesse entrado para causar um tumulto. Creio que o temor e aborrecimento quanto à ele tornara-se comum em meio aos cristãos, que quando ele entrou, algumas das pessoas levantaram-se e retiraram-se. Eu conhecia sua personalidade, e fiquei de olho nele. Logo percebi que ele não tinha vindo para se opor, e que estava em grande agonia de mente. Sentado, contorcia-se em seu lugar, muito inquieto. Logo se levantou e tremendo, perguntou-me se permitia-lhe que

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dissesse algumas poucas palavras. Disse-lhe que poderia. Ele então começou a fazer uma das confissões mais sinceras de um coração quebrantado que jamais vi em minha vida. Sua confissão parecia abranger tudo sobre seu tratamento para com Deus, para com os cristãos, para com o avivamento e para com tudo que é bom.

Isso desfez o terreno sem cultivo de muitos corações. Foi o meio mais poderoso que podia ter sido usado, então, para dar um incentivo ao trabalho. D logo assumiu e professou uma esperança, aboliu toda revolta e profanação de sua taverna, e a partir de então, e durante toda minha estadia lá, não sei muito bem por quanto tempo, uma reunião de oração era realizada quase todas as noites em sua taverna.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO VI.

O AVIVAMENTO EM EVANS' MILLS E SEUS RESULTADOS

POUCO distante do vilarejo de Evans’ Mills, havia uma aldeia de alemães, onde havia uma igreja Alemã com muitos presbíteros, e um corpo de membros considerável, mas sem pastor e sem reuniões periódicas regulares. Uma vez por ano, eles tinham o hábito de ter um pastor convidado, vindo de Mohawk Valley, para administrar as ordenanças de batismo e realizar a ceia do Senhor. Ele ensinava as crianças, e recebia deles todos aqueles que tinham alcançado o conhecimento necessário. Essa foi a maneira na qual tornaram-se cristãos. Exigia-se que se comprometessem a memorizar os ensinamentos, e que fossem capazes de responder a certas questões doutrinárias, diante das quais eram admitidos em comunhão plena com a igreja. Após receber sua comunhão, presumiam que fossem cristãos, e que tudo era segudo pois já estavam salvos. Essa era a maneira na qual aquela igreja fora organizada e assim continuava.

Mas misturando-se, como mais ou menos faziam, com os fatos que se passavam no vilarejo, pediram-me que fosse até lá pregar. Eu fui, e a primeira vez que preguei, tomei essa passagem: “Sem santificação ninguém verá o Senhor”

A aldeia compareceu em massa, e a escola onde adoravam estava cheia até quase sua capacidade máxima. Eles compreendiam bem o inglês. Eu comecei mostrando o que não é santificação. Sob esse tópico, peguei tudo que eles consideravam ser religião, e mostrei que aquilo não era nem de perto santidade. Depois, mostrei o que é santidade. Eu então mostrei o que era pretendido ao se ver o Senhor, e por quê aqueles que não tinham santificação não poderiam vê-lO, por quê jamais poderiam estar em Sua presença, e ser aceitos por Ele. Por fim concluí com tópicos tão destacados, com a intenção de que o assunto fosse profundamente marcado neles. E realmente foi marcado pelo poder do Espírito Santo. A espada do Senhor atravessou-lhes na mão direita e na esquerda.

Dentro de poucos dias soube-se que toda a aldeia estava convicta, os presbíteros da igreja e todos estavam por demais temerosos, sentindo que não tinham santidade alguma. A pedido deles, marquei uma reunião para tirar as dúvidas daqueles que as tinham. Isso foi em sua época de colheita. Marquei a reunião para a uma hora da tarde, e encontrei o lugar literalmente lotado. As pessoas tinham deixado utensílios com os quais faziam sua colheita, e vindo para a reunião. Tantos quantos cabiam na casa estavam lá.

Posicionei-me no centro do salão, de maneira que não podia mover-me no meio eles. Fiz perguntas e encorajei-os a fazerem-me perguntas também. Eles ficaram muito interessados e à vontade para fazer perguntas, e para responder as que eu fazia a eles. Pouquíssimas vezes participei de uma reunião mais interessante ou edificante do que aquela.

Recordo-me que uma mulher chegou atrasada e sentou-se perto da porta. Quando fui falar com ela eu disse “A senhora não parece muito bem”. “Sim,” ela respondeu “estou muito doente. Estava na cama até vir para a reunião. Mas não posso ler, e queria tanto ouvir a palavra de Deus que levantei e vim para a reunião.” “Como a senhora veio?”

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perguntei. Ela disse “Vim à pé.” Minha próxima pergunta foi “Qual é a distância daqui?” “Dizemos que é a uns cinco quilômetros” ela disse. Ao questioná-la, descobri que ela tinha convicção de seus pecados, e estava notoriamente apreensiva quanto a seu caráter diante de Deus. Converteu-se logo depois, e foi uma cristã notável. Minha esposa disse que ela foi uma das mais impressionantes mulheres de oração que ela já tinha ouvido orar, e que citava mais as Escrituras em suas orações do que qualquer outra pessoa que já tinha visto.

Dirigi-me a outra mulher, alta e com aparência digna, e perguntei-lhe qual era a situação de sua mente. Ela respondeu imediatamente que entregara seu coração a Deus, e continuou dizendo que o Senhor a ensinara a ler, desde que ela aprendera a orar. Perguntei o que queria dizer com aquilo. Ela disse que nunca tinha lido, não conhecia as letras. Mas quando entregou seu coração a Deus, estava muito angustiada pois não podia ler a Palavra de Deus. “Mas eu pensei que Jesus podia me ensinar a ler, e pedi a Ele se por favor não me poderia ensinar a ler a Sua Palavra. Quando orei, achei que já podia ler. As crianças têm um Testamento, então fui e peguei-o, e vi que podia ler o que os tinha escutado ler. Então fui até a professora da escola e perguntei para ela se eu estava lendo direito, e ela disse que sim. Desde então, posso ler a Palavra de Deus por mim mesma.” disse ela. Eu não falei mais nada, mas achei que deveria ter algum erro nisso tudo, pois a mulher parecia na verdade, ser muito inteligente no que disse. Tomei as dores e mais tarde perguntei sobre ela a seus vizinhos. Todos disseram-na de excelente caráter, e todos confirmaram que era público e notório que ela não podia ler uma sílaba sequer até se converter. Deixo que esse fato explique-se a si mesmo, é inútil conjecturar sobre isso. Esses, creio eu, eram os fatos inquestionáveis.

Mas o avivamento entre os alemães resultou na conversão de toda a igreja, creio eu, e de quase toda a sua comunidade. Foi um dos avivamentos mais interessantes que já testemunhei.

Enquanto eu trabalhava nesse lugar, o presbitério foi chamado para me ordenar, como fizeram. Ambas as igrejas estavam tão fortalecidas, e tinham crescido tanto, que logo partiram a construir para cada uma, seus próprios e amplos edifícios de concreto, e acredito que têm tido uma vida religiosa saudável desde aquele tempo. Não fiquei lá por muitos anos.

Narrei apenas alguns dos principais fatos que me lembro em relação a esse avivamento. Mas diria também a respeito dele, que um maravilhoso espírito de oração permaneceu entre os cristãos, e um grande sentimento de unidade. A pequena igreja Congregacional, recuperou-se logo que viu os resultados da pregação da noite seguinte, pois tinham sido dispersos, desanimados e confundidos na noite anterior. Uniram-se e adotaram a obra da melhor maneira que puderam, e apesar de um grupo fraco e ineficiente, com uma ou duas exceções, eles continuavam a crescer em graça, e em sabedoria do Senhor Jesus Cristo, durante aquele avivamento.

A mulher alemã de quem falei como sendo doente quando foi à reunião de dúvidas, uniu-se à igreja Congregacional. Eu fui apresentado e a recebi na igreja. Recordo-me de um incidente muito comovente que aconteceu quando ela contava sobre sua experiência cristã. Havia uma mãe de Israel que pertencia àquela igreja, que se chamava S. Uma mulher de Deus, uma senhora madura e devota. Já estávamos ali há bastante tempo, escutando as experiências de um após o outro, que vinham como candidatos a serem admitidos na igreja. Foi quando essa mulher alemã levantou-se e

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relatou sua experiência. Foi uma das experiências cristãs mais tocantes, interessantes e infantis que já tinha ouvido. Conforme ela seguia com sua narrativa, percebi que a Sra. S levantou-se de seu lugar, e como a casa estava cheia, expremeu-se para passar como podia. A princípio achei que ela estivesse indo embora. Eu prestava tanta atenção na narrativa da mulher que mal percebi que a Sra. S estava indo naquela direção. Assim que ela chegou perto de onde a mulher estava de pé relatando sua experiência, deu mais um passo adiante, e jogou seu braços ao redor do pescoço dela, e caindo em lágrimas disse “Deus te abençoe, minha querida irmã! Deus te abençõe!” A mulher reagiu com todo seu coração, e aquela cena continuou, de forma tão imprevista, tão natural, tão infantil, tão transbordante de amor, que toda a congregação derreteu-se em lágrimas. Eles choravam nos ombros uns dos outros. Era uma cena comovente demais para ser descrita em palavras.

O pastor batista e eu raramente nos encontrávamos, porém algumas vezes eramos capazes de participar de uma reunião juntos. Ele pregava lá não mais do que a metade do tempo, e eu a outra metade; conseqüentemente, eu estava quase sempre fora quando ele estava lá, e ele geralmente ausente quando eu estava lá. Ele era um homem bom, e trabalhou da melhor maneira que pôde para promover o avivamento.

As doutrinas pregadas eram aquelas que eu sempre preguei como o Evangélhode Cristo. Eu insistia na total depravação moral voluntária dos não regenerados, e na imutável necessidade de uma mudança radical de coração pelo Espírito Santo, e por meio da verdade.

Eu destacava por demais a oração como uma condição indispensável para promover o avivamento. A remissão de Jesus Cristo, Sua divindade, Sua missão divina, Sua vida perfeita, Sua morte vicária, Sua ressurreição, arrependimento, fé, justificação pela fé, e todas as doutrinas relacionadas eram expostas tão minuciosamente quanto eu podia, e marcadas, e notoriamente feitas eficazes pelo poder do Espírito Santo.

Os meios usados eram simplesmente pregação, oração e reuniões de conferênci, muita oração particular, muitas conversas pessoais, e reuniões para tirar dúvidas. Esses, e nenhum outro método, foram usados para a promoção dessa obra. Não havia aparência alguma de fanatismo, nenhum espírito mau, nenhuma divisão, nenhuma heresia, nenhuma cisma. Nem naquela época, nem com certeza durante todo o tempo que estive lá, houve algum resultado do avivamento que fosse lamentável, nem nenhuma de suas características que fossem de efeito questionável.

Falei sobre casos de oposição intensificada a esse avivamento. Descobri que uma situação preparara as pessoas para essa oposição, e a fizera grandemente amargurada. Vi que aquela região do país era o que seria chamada por pessoas do oeste de um “distrito queimado”. Alguns anos antes, havia passado uma grande agitação por aquela região, que fora chamada por eles de um avivamento religioso, mas que acabou por ser igual na aparência, mas diferente na estrutura. Não posso dar conta desse acontecimento, a não ser pelo que ouvi dos cristãos e dos outros sobre ele. Foi relatado como uma agitação muito extravagante, e resultou em uma reação tão extensiva e profunda, que deixou na mente de muitos, a impressão de que a religião era uma mera ilusão. Muitos homens pareciam firmados nessa convicção. Considerando o que haviam visto como um exemplo de avivamento, sentiam-se justos ao se oporem a tudo que ia na direção de promover um avivamento.

Descobri que isso deixara algumas praticas ofensivas em meio aos cristãos, e levava apenas a incitar o ridículo ao invés de qualquer convicção séria sobre a verdade da

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religião. Por exemplo, em todas as suas reuniões de oração, encontrei um costume como esse: todos os mestres de religião sentiam-se no dever de testemunhar por Cristo. Eles deviam “tomar a cruz”, e dizer alguma coisa na reunião. Um deles se levantava e dizia consistentemente: “Eu tenho o dever de fazer o que ninguém mais pode fazer por mim. Levanto-me para testemunhar que a religião é boa, porém devo confessar que não aproveito bem no momento. Não tenho nada em particular para dizer, apenas para levar meu testemunho, e espero que orem por mim”. Isto posto, aquela pessoa voltava a sentar e outra se levantava e dizia, para o mesmo efeito: “A religião é boa, eu não gosto muito, não tenho mais nada a dizer, mas devo cumprir meu dever. Espero que orem por mim”. Assim, o tempo seria ocupado e a reunião acabava com pouca coisa mais interessante do que essas citações. É claro que os que não eram de Deus faziam disso seu esporte predileto.

Era na verdade ridículo e repulsivo. Mas a impressão de que essa era a maneira de se conduzir uma reunião de conferência ou de oração, e de que era dever de cada professor de religião, sempre que se apresentasse uma oportunidade, dar um testemunho como esse por Deus estava tão enraizada na mente do povo, que fui obrigado, com o propósito de acabar com isso, a não ter mais tais reuniões. Marquei todas as reuniões, por conseqüência, para pregações. Quando reuniamo-nos, eu começava pelos cânticos, então eu mesmo orava. Então eu chamava nominalmente mais um ou dois irmãos para orar. Então eu mencionava um texto, e falava por algum tempo. Então, quando vi que uma impressão fora feita, eu parava e pedia para que uma ou duas pessoas orassem pedindo a Deus que marcasse aquilo em suas mentes. Eu então continuava falando, e depois de um tempo parava novamente, e pedia para que uma ou duas pessoas orassem. Assim eu prosseguia, não abrindo espaço para comentários da parte dos irmãos. Eles então iam embora sem estarem em serviço, sentindo que haviam negligenciado seu dever ao não darem destemunho de Deus. Dessa forma, a maioria de nossas reuniões de oração não foram assim chamadas. Sendo realizadas para pregações, não se esperava que fossem abertas para que todos falassem, e dessa maneira fui capaz de superar aquele método bobo de realizar reuniões, que era tão hilário e ridículo da parte daqueles que não eram de Deus.

O avivamento foi minucioso nesse lugar, e conforme esses fatos que mencionei ocorriam, a oposição cessou inteiramente pelo que pude saber. Passei mais de seis meses naquele lugar e em Antwerp, trabalhando entre os dois lugares, e no final desse período não ouvi mais nada sobre oposição explícita.

Já falei das doutrinas pregadas. Devo dizer também que fui obrigado a passar por maus bocados na instrução durante reuniões para tirar dúvidas. A prática tem sido, creio eu, universal, de fazer com que pecadores ansiosos orem por um novo coração, e utilizem meios para suas próprias conversões. As instruções que recebiam sempre presumiam ou indicavam que eles estavam muito dispostos a se tornarem cristãos, e muito suplicavam a Deus que os convertesse. Eu tentei fazê-los entender que Deus utilizava os meios para com eles, e não eles para com Deus, que Deus estava disposto, e eles não, que Deus estava pronto e eles não. Em suma, tentei fazer com que se calassem e apresentar a fé e o arrependimento como sendo o que Deus queria deles, submissão presente e imediata à Sua vontade, aceitação presente e imediata de Cristo. Tentei mostrar a eles que toda a demora era apenas um subterfúgio do dever presente, que toda oração por um novo coração estava apenas tentando jogar a responsabilidade de

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sua conversão sobre Deus, e que todos os esforços para cumprir o dever, enquanto eles não entregassem seus corações a Deus, eram hipócritas e ilusionais.

Durante todos os seis meses que trabalhei naquela região, ia cavalgando de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, em várias direções, e pregava o evangélho sempre que tinha oportunidade. Quando saí de Adams minha saúde estava consideravelmente ruim. Eu estava tossindo sangue, e na época que recebi minha licença, meu amigos achavam que eu tinha pouco tempo de vida. O Sr. Gale me incumbiu, quando saí de Adams, a não tentar pregar mais do que uma vez por semana, e mesmo assim, assegurar-me que não falasse por mais de meia hora. Mas ao invés disso, eu fazia visits de casa em casa, participava de reuniões de oração, e pregava e trabalhava todos os dias, e quase todas as noites, durante todo aquele período. Antes que os seis meses terminassem, minha saúde estava completamente restaurada, meus pulmões estavam saudáveis, e eu conseguia pregar por duas horas, duas horas e meia ou até mais, sem sentir o mínimo de fadiga. Acho que em média meus sermões duravam duas horas. Eu pregava ao ar livre, pregava em celeiros, pregava em escolas, e um glorioso avivamento se espalhou por toda aquela nova região do país.

Especialmente durante toda a primeira parte de meu ministério, costumava encontrar muita recusa e reprova de pastores, em particular no que dizia respeito à minha maneira de pregar. Já comentei que o Sr. Gale, quando preguei por ele imediatamente depois de obter minha licença, dissera-me que ficaria envergonhado quando qualquer um soubesse que fui um de seus pupilos. O fato é que, a formação deles tinha sito tão inteiramente diferente da minha, que eles muito reprovavam minha maneira de pregar. Reprovavam-me por ilustrar minhas idéias usando referências a assuntos comuns aos homens, a diferentes atividades ao meu redor, como eu tinha o hábito de fazer. Em meio a fazendeiros e mecânicos, e outras classes sociais, utilizava-me de ilustrações de suas várias ocupações. Também tentava utilizar-me de uma linguagem tal que eles compreendessem. Dirigia-me a eles na linguagem das pessoas comuns. Eu procurava expressar todas as minhas idéias em poucas palavras, e em palavras que eram de uso comum.

Antes de me converter, eu tinha uma tendência diferente. Ao escrever e ao falar, havia-me permitido algumas vezes utilizar uma linguagem ornamentada. Mas quando vim a pregar o Evangélho, minha mente estava tão ansiosa por ser completamente entendida, que estudei da maneira mais franca, para evitar que por um lado se tornasse vulgar, e por outro expressar meus pensamentos com grande simplicidade na linguagem.

Isso era extramamente contrário às noções que prevaleciam entre os pastores naquela época, e até hoje permanecem em grande parte. Em relação a minhas ilustrações eles diziam: “Por que o senhor não faz ilustrações com eventos históricos, e ilustra suas idéias de maneira mais digna?”. A isso, é claro, eu respondia dizendo que se minhas ilustrações trouxessem consigo qualquer coisa que fosse nova e impactante, que elas em si ocupariam as mentes das pessoas, e não a verdade que eu desejara ilustrar. E quanto à simplicidade de minha linguagem, defendia-me dizendo que meu objetivo não era cultivar um tipo de oratória que voaria por sobre a cabeça das pessoas, mas sim de fazer-me entender, e que portanto eu utilizaria qualquer linguagem adaptada para esse fim, e que não envolvia grosserias nem vulgaridades.

Na época que saí de Evans’ Mills nosso presbitério se reuniu, e eu compareci à reunião. Deixei a obra do avivamento a pedido especial de alguns irmãos, e fui até o presbitério. Os irmãos haviam ouvido falar sobre minhas pregações, aqueles que ainda

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não me tinham ouvido pregar. O presbitério se reuniu de manhã, e prosseguiu com as transações de negócios, e depois de nosso recesso para o almoço, ao reunirmo-nos durante a tarde, a massa popular veio junto conosco e encheu a casa. Eu não tinha a mais remota ideia do que se passava na mente dos irmãos do presbitério. Eu portanto, sentei-me em meio à multidão e esperei pelo início da reunião.

Logo que a congregação estava reunida em grande parte, um dos irmãos levantou-se e disse: “As pessoas evidentemente se reuniram para ouvir uma pregação, e eu sugiro que o Sr. Finney dê um sermão.” Isso foi apoiado e unanimemente aprovado. Vi num momento que era plano dos irmãos do presbitério que eu fosse testado, para que vissem se eu realmente podia fazer como haviam escutado que fazia, levantando e pregando impulsivamente, sem qualquer preparação anterior. Não fiz nenhuma desculpa ou objeção a pregar, porque devo dizer que meu coração estava cheio da palavra, e que eu queria pregar. Levantei e saí para o corredor e olhando para cima, vi que era um púlpito pequeno e alto, junto à parede. Portanto coloquei-me no corredor e disse minha passagem: “Sem santificação ninguém verá o Senhor”. O Senhor ajudou-me a pregar. Eu andava para cima e para baixo naquele amplo corredor, e as pessoas estavam evidentemente muito comovidas.

Mas ao final da reunião, um dos irmãos veio até mim e disse: “Irmão Finney, se o senhor vier para nossa região, gostaria muito que pregasse em algumas de nossas escolas. Não gostaria que pregasse em nossa igreja, mas temos escolas em alguns dos distritos, fora do vilarejo. Eu gostaria que o senhor pregasse em algumas delas.” Eu menciono isso para mostrar qual era a idéia que eles tinham quanto à minhas pregações. Mas como estavam completamente cegos em consideração aos resultados daquele método de falar para as pessoas! Eles costumavam reclamar dizendo que eu decepcionara a dignidade do púlpito, que eu era uma disgraça para a profissão ministerial, que eu falava como um advogado na corte, que eu falava com as pessoas de maneira coloquial, que eu dizia “você”, ao invés de pregar sobre pecado e pecadores e falar “eles”, que eu falava “inferno” com tanta ênfase que chegava a chocar as pessoas, sobretudo, que eu insistia às pessoas com tal veemência como se elas não tivessem mais nenhum momento de vida, e algumas vezes eles reclamavam que eu culpava demais as pessoas. Um doutor em divindade disse-me que sentia que devia muito mais chorar pelos pecadores do que culpá-los. Respondí-lhe que não me espantava, pois se ele acreditava que tivessem uma natureza pecaminosa, que o pecado então estava enraizado neles, e não podiam evitar.

Depois de eu estar pregando por algum tempo, e o Senhor abençoara em todos os lugares, eu costumava dizer aos pastores, sempre que viessem discutir comigo sobre minha maneira de pregar, desejando que eu adotasse suas idéias e as pregasse da forma que eles faziam, que eu ousava não fazer a mudança que eles queriam. Eu dizia “Mostrem-me uma maneira mais excelente. Mostrem-me os frutos de seus ministérios, e se até agora excederam os meus, de forma a provarem para mim que vocês encontraram um caminho mais excelente, eu adotarei suas visões. Mas vocês esperam que eu deixe minhas visões e minhas práticas, e adote as suas, quando vocês mesmos não podem negar que, seja lá os erros nos quais caíram, ou seja lá quais imperfeições hajam em minhas pregações, no meu estilo ou em qualquer outra coisa, que os resultados justificam meus métodos?”. Eu dizia a eles: “Pretendo melhorar o quanto puder, mas não posso adotar sua maneira de pregar até ter prova maior de que vocês estão certos e eu errado”.

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Eles muitas vezes reclamavam dizendo que eu era repetitivo em minhas pregações. Que pegava um pensamento e o colocava sob vários ângulos, ilustrando de várias maneiras. Assegurei-lhes que eu achava necessário fazer isso, para fazer-me entender, e que eu não poderia ser persuadido a deixar de lado essa prática por quaisquer de seus argumentos. Então eles diziam, você não trará o interesse da parte culta da congregação. Mas os fatos logo calaram-nos nesse ponto. Eles descobriram que, sob minhas pregações, juizes, advogados, e homens formados convertiam-se aos montes, enquanto sob seus métodos, isso raramente ocorria.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO VII.

COMENTÁRIOS SOBRE A EDUCAÇÃO MINISTERIAL

ESPERO que meus irmão não atribuam a mim nenhum outro motivo a não ser uma gentil e benevolente consideração pela grande utilidade do que direi sobre esse assunto. Sempre aceitei gentilmente suas críticas, acreditando que suas intenções eram boas. Agora sou velho, e muitos dos resultados de minhas visões e métodos são conhecidos ao público. Não seria certo que eu falasse livremente ao ministério sobre esse assunto? Em resposta às suas objeções, algumas vezes eu lhes disse o que um juiz da suprema corte uma vez comentara a mim sobre esse assunto. Ele disse “Pastores não exercem bom senso ao se dirigirem às pessoas. Eles têm medo da repetição. Usam uma liguagem que não é bem compreendida pelas pessoas comuns. Suas ilustrações não são tiradas das atividades comuns da vida. Escrevem em um estilo muito elaborado, sem repetições, e não são compreendidos pelo povo. Agora, se advogados seguissem os mesmos passos, arruinariam a si mesmos e à causa que defendem. Quando eu advogava, sempre presumia que, quando tinha diante de mim um juri de homens respeitáveis, não precisava repetir muitas vezes meus principais posicionamentos para os jurados. Mas aprendi que a menos que fizesse isso, repetisse, ilustrasse e esgotasse os principais pontos, os pontos principais da lei e das provas, eu perderia a causa. Nosso objetivo” ele continuou “ao falarmos ao juri, é formar sua opinião antes que eles saiam da bancada, não fazer um discurso em uma linguagem parcialmente compreendida por eles, não nos deixar levar por ilustrações totalmente fora de sua compreensão, não mostrar nossas habilidades de oratória e deixá-los ir. Temos o objetivo de conseguir um veredito. Portanto, procuramos ser compreendidos. Queremos convencê-los, e se tiverem dúvidas quanto à lei, fazemo-lhes endenter, e fixar em suas mentes. Em suma, esperamos conseguir um veredito, e consegui-lo logo, de maneira que quando entrarem na sala do juri, perceber-se-á que nos entenderam, e que foram convencidos pelos fatos e argumentos. Se não nos preocuparmos assim em fazer com sejam marcados em sua mente que cada pensamento, cada palavra e cada ponto, de maneira que se instalem em suas convicções, com certeza perderemos a causa. Devemos superar seus preconceitos, devemos superar sua ignorância, devemos tentar superar até mesmo seus interesses, se os tiverem, contra nosso cliente. Portanto, se pastores fizessem isso, os efeitos de suas pregações seriam indiscritivelmente diferentes do que são. Eles entram em seus escritórios e escrevem um sermão, sobem ao púlpito e lêem, e aqueles que escutam pouco compreendem. Muitas palavras usadas não serão entendidas por eles até que cheguem em casa e consultem o dicionário. Eles não falam ao povo esperando convencê-los e conseguir seu veredito a favor de Cristo imediatamente. Não têm objetivo. Parecem mais procurar fazer ótimas produções literais, demonstrar grande eloqüência e um uso ornamentado da linguagem.” É claro que não transcrevo, tanto tempo depois, as palavras exatas usadas pelo juiz, mas relatei seus comentários substancialmente, como ficaram em mim naquela época.

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Nunca guardei ressentimento algum em relação a meus irmãos pela dureza com que freqüentemente me tratavam. Eu sabia que estavam ansiosos para que eu fizesse o bem, e de verdade supunham que eu estaria fazendo muito mais bem, e bem menos mau, se adotasse suas idéias. Mas eu tinha outra opinião.

Eu poderia mencionar muitos fatos ilustrativos das idéias de pastores, e da maneira com que algumas vezes me tratavam. Quando eu estava pregando na Filadélfia, por exemplo, o Dr. --, o célebre palestrante sobre temperamento de Connecticut, foi até lá e escutou minha pregação. Ele estava furioso com a maneira na qual eu “decepcionei a dignidade do púlpito”. Sua conversa principal, no entanto, era com o Sr. Patterson, com quem eu trabalhava na época. Ele insistia em dizer que eu não deveria ser permitido de pregar até que tivesse uma educação ministerial, que eu deveria parar de pregar e ingressar em Princeton para aprender teologia, e conseguir ver melhor a maneira com que o Evangélho devia ser pregado.

Que nada dito por mim sobre esse assunto cause a impressão em mente alguma, que eu considerava minhas idéias ou métodos perfeitos, pois não pensava assim. Eu tinha consciência de que ainda era uma criança. Eu não havia desfrutado das vantagens de uma educação superior, e fui sempre tão consciente de que não tinha essas qualificações que poderiam tornar-me aceitável, especialmente aos pastores, e temo em dizer, às pessoas nos grandes centros, que nunca tive qualquer outra ambição ou intenção do que a de ir para novas aldeias e lugares onde não se conhecia o Evangélho. Na verdade fiquei muito surpreso no primeiro ano de meu ministério, em descobrir que as pessoas mais cultas achavam minhas pregações tão edificantes e aceitáveis. Isso era mais do que eu esperava, e muito mais do que meus irmãos esperavam, e mais do que eu mesmo ousava imaginar. Desafiei-me a melhorar em todas as coisas nas quais encontrava-me em erro. Mas quanto mais eu pregava, menos razões tinha para pensar que meus erros estavam na direção em que deveriam estar, segundo meus irmãos pastores.

Quanto mais experiência eu tinha, mas eu via os resultados de meus métodos de pregação. Quanto mais eu conversava com todas as classes sociais, alta e baixa, cultos e incultos, mais eu tinha certeza do fato que Deus me havia guiado, ensinado, dado as concepções certas em relação à melhor maneira de ganhar almas. Eu digo que Deus me ensinou, e sei que deve ter sido assim, pois com certeza nunca obtive essas noções dos homens. Por muitas vezes pensei que pudesse dizer com perfeita verdade, como Paulo disse, que o Evangélho não me fora ensinado pelo homem, mas pelo Espírito do próprio Cristo. E isso me fora ensinado pelo Espírito do Senhor de uma maneira tão clara e eficaz, que nenhum argumento de meus irmãos do ministério, com os quais fui tão confrontado e durante tão tempo, não tinham a menor importância para mim.

Falo disso por questão de dever. Pois ainda tenho a solene convicção impressa em minha mente, de que as escolas estão estragando consideravelmente os ministros. Pastores hoje em dia têm grande facilidade para obter informações sobre qualquer questão teológica, e têm muito mais estudo no que diz respeito ao aprendizado teológico, histórico e bíblico, do que talvez jamais tivem em qualquer época da história mundial. Mas mesmo com todo seu conhecimento, eles não sabem como usá-lo. Eles são, afinal, em grande parte, como Davi na armadura de Saul. Um homem nunca aprenderá a pregar a não ser que pregue.

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Mas há algo que pastores precisam mais do que todos, unidade na visão. Se preocuparem-se demais com sua reputação, não farão muito além do bem necessário. Há muitos anos um amado pastor que conheci, deixou sua casa por motivos de saúde, e contratou um jovem, recém formado no seminário, para preencher seu lugar no púlpito em sua ausência. Esse jovem escrevia e pregava os mais esplêndidos sermões que podia. A esposa do pastor um dia finalmente ousou dizer-lhe: “Você prega além do entendimento de nosso povo. Eles não compreendem sua linguagem nem suas ilustrações. Você traz muito de sua formação para o púlpito”. A isso ele respondeu: “Eu sou um homem jovem. Estou cultivando um estilo. Tenho o objetivo de preparar-me para ocupar um púlpito e rodear-me com uma congregação cultivada. Não posso descer ao nível de seu povo. Devo cultivar um estilo elevado.” Desde então sempre pensei e mantive meus olhos nesse homem. Não sei se já faleceu, mas nunca vi seu nome ligado a qualquer avivamento, apesar de todos os grandes avivamentos que já tivemos, de no em ano, e não espero encontrar, a menos que suas visões foram radicalmente mudadas, e a menos que ele fale ao público de uma maneira inteiramente diferente, e por motivos inteiramente diferentes.

Eu poderia mencionar os nomes de pastores que ainda estão vivos, velhos senhores como eu, que muito se envergonharam de mim quando comecei a pregar, pois eu era tão indigno no púlpito, usava uma linguagem tão popular, dirigia-me tão diretamente ao povo, e porque não procurava o mínimo de ornamentação, nem apoiar a dignidade do púlpito.

Irmãos queridos eles eram, e sempre tive muito apreço a eles, e não me recordo de jamais ter ficado irritado ou bravo com o que me diziam. Desde o princípio eu sabia que encontraria tais oposições, e que havia esse enorme precipício entre nossos pontos de vista, e que assim seria também na prática entre eu e os outros pastores. Raramente me sentia como um deles, ou que realmente me considerassem como parte da irmandade. Eu era um advogado. Saíra do escritório direto para o púlpito, e falava com as pessoas como se falasse a um juri.

Logo descobri que entre os pastores, em meus primeiros anos de ministério, havia a opinião comum de que se eu fosse bem-sucedido no ministério, que acabaria por desonrar as escolas, e os homens começariam a questionar se valia mesmo a pena sustentá-los com seus fundos, se um alguém pudesse ser aceito como um pastor bem-sucedido sem eles. Agora, jamas tive a intenção de subestimar a educação fornecida delas faculdades ou seminários teológicos, apesar de pensar, até hoje, que em certos aspectos tais instituições estão tremendamente equivocadas no treinamento de seus alunos. Esses não são incentivados a falar com as pessoas, nem acostumados a improvisar ao dirigirem-se às pessoas pelo país, enquanto concluem seus estudos. Um homem não pode aprender a pregar com estudo sem prática. Os alunos deveriam ser encorajados a exercitar, a provar e improisar seus dons e chamado de Deus, saindo a quaisquer lugares abertos a eles, e expondo Cristo às pessoas em conversas sinceras. Eles devem aprender a pregar. Mas ao invés disso, exige-se que os alunos escrevam o que eles chamam de sermão, e apresentem-nos para críticas, para pregar, ou melhor, lê-los para a classe e para o professor. Assim fingem pregar. Ninguém pode pregar dessa maneira. Esses assim chamados ‘sermões’ depois das críticas que receberem, é claro, tornar-se-ão trabalhos literários, não é para suas pregações. Esses artigos são agradáveis ao gosto literário, mas não espiritualmente edificantes. Não responde às necessidades da alma. Não tem a intenção de ganhar almas para Cristo. Os alunos são

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ensinados a cultivarem um estilo culto e elevado de escrever. Quanto à real eloqüência, aquela oratória que jorra, persuasiva e impressionante, fluindo naturalmente de um homem estudado cuja alma arde com o que defende, e que tem a liberdade de abrir o coração para um povo ansioso e sincero, eles nada têm.

Uma mente reflectiva há de se sentir totalmente deslocada ao apresentar no púlpito para almas imortais, à beira da morte eterna, tais exemplos de aprendizado e retórica. Eles sabem que os homens não agem assim quando são realmente sinceros. O capitão de um corpo de bombeiros, quando uma cidade está pegando fogo, não lê um artigo ou dá um belo exemplo de retórica quando grita e comanda seus movimentos. É uma questão de urgência, e ele pretende que cada palavra sua seja entendida. Ele é inteiramente honesto com eles, e eles sentem que críticas à liguagem que ele usa não seria cabível.

Então é sempre que as pessoas são inteiramente honestas. Sua linguagem é direta e simples. Suas frases são curtas, convincentes, poderosas. O apelo é feito diretamente para ação, e dessa forma tais discursos sempre surtem efeito. É por essa razão que, antigamente, os pastores Metodistas incultos, e os pastores Batistas sinceros produziam muito mais resultado do que nossos mais estudados teólogos e divinistas. Hoje em dia eles fazem assim. As expressões apaixonadas de um exortante comum na maioria das vezes levará a congregação muito mais além do que aquelas exibições explêndidas de retórica poderiam. Belos sermões levam as pessoas a louvarem o pregador. Boa pregação leva as pessoas a louvarem o Salvador.

Nossas escolas teológicas teriam muito mais valor do que têm, se fossem muito mais práticas. Ouvi um professor de teologia ler um sermão sobre a importância da improvisação na pregação. Suas opiniões sobre o assunto estavam corretas, mas sua prática o contradizia inteiramente. Ele parecia ter estudado o assunto, e ter entendido as visões práticas mais importantes. Mesmo assim nunca soube de nenhum de seus estudantes que, na prática, adotou tais visões. Eu soube que ele dizia que se fosse começar novamente sua vida como pregador, agiria de acordo com suas idéias atuais, e que lamentava que sua educação fora errada sob esse aspecto, e conseqüentemente sua prática também fora errada.

Em nossa escola em Oberlin, nossos alunos foram ensinados, não por mim, devo dizer, a acreditarem que deviam escrever seus sermões, e poucos dentre eles, independente de tudo que eu lhes pudesse dizer, tiveram a coragem de descartar esse ensinamento, e dedicar-se à pregação de improviso. Foram repetidamente ensinados “Vocês não devem procurar imitar o Sr. Finney. Vocês não podem ser Finneys.”

Pastores não gostam de se levantar e conversar da melhor maneira que podem com as pessoas, e forçarem-se de uma vez por todas ao hábito de conersar com as pessoas. Eles devem pregar, e se devem pregar na aceitação comum do termo, devem escrever. Dessa forma, de acordo com essa visão, eu nunca preguei. De fato, muitas vezes as pessoas disseram: “Por quê o senhor não prega? O senhor conversa com as pessoas.” Um homem em Londres voltou para casa depois de uma de nossas reuniões muito convencido. Ele até então era um cético, e sua esposa, vendo-o tão animado, disse “Esposo, por acaso esteve ouvido o Sr. Finney pregar?” Ele respondeu: “Eu estive na reunião do Sr. Finney. Ele não prega, ele só explica o que as outras pessoas pregam.” Isso eu ouvi substancialmente, várias e várias vezes. Eles diziam “Oras, qualquer um pode pregar como o senhor prega. O senhor só fala com as pessoas. Fala como se

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estivesse sentado na sala de casa.” Outros diziam “Não parece uma pregação, mas parece que o Sr. Finney estava conversando só comigo, cara a cara.”

Pastores geralmente evitam pregar sobre algo que as pessoas diante dele entenderão como dirigido diretamente a elas. Pregam sobre outras pessoas, e sobre os pecados de outras pessoas, no lugar de falar diretamente com eles, dizendo “Você é culpado por esses pecados, e o Senhor quer isso de você.” Eles muitas vezes pregam sobre o Evangélho, ao invés de pregar o Evangélho. Muitas vezes pregam sobre pecadores, ao invés de pregar para eles. Cuidadosamente evitam ser pessoais, no sentido de causar a impressão em qualquer um dos presentes, que ele também é homem. Já eu pensava que era meu dever seguir outro caminho. Eu dizia muitas vezes: “Não pense que eu estou falando de outras pessoas. Estou falando de você, de você e de você.”

A princípio, pastores disseram-me que as pessoas não aceitariam isso, que iriam embora e nunca mais voltariam para me escutar. Mas todos estavam errados. Na verdade, tanto isso quanto todas as outras coisas, depende muito do espírito no qual é dito. Se as pessoas virem que tudo é dito com amor, com um desejo ardente de fazer-lhes bem, se não puderem chamar de uma ebulição de hostilidade pessoal, mas se virem, e não puderem negar que isso é falar a verdade em amor, que é certo a eles para salvá-los individualmente, poucos continuarão a resistir. Se no momento sentirem-se acusados e censurados, ainda assim a convicção que precisam está neles, e com certeza leva-los-á a um grande bem.

Muitas vezes disse às pessoas, quando via que pareciam ofendidas “Agora você se ofende com isso e irá embora, dizendo que nunca mais voltará aqui, mas voltará. Suas próprias convicções estão do meu lado. Você sabe que o que lhe digo é verdade, e que digo apenas para seu próprio bem, e que você não pode continuar resistindo.” E vi que isso era sempre verdade.

Tenho a experiência de que, mesmo no que diz respeito à popularidade pessoal, a honestidade é a melhor característica em um pastor; que se ele procura conquistar confiança, respeito, afeição de qualquer povo, ele deve ser fiel à suas almas. Ele deve deixá-los ver que não os corteja para obter popularidade, mas que está tentando salvar suas almas. Os homens não são tolos. Eles não têm respeito de verdade por um homem que sobe ao púlpito e prega sermões delicados. Eles cordialmente despresam essas palavras no íntimo de suas almas. E que homem nenhum pense que ganhará respeito permanente, que será permanentemente honrado por seu povo, a menos que como um embaixador de Criso ele lide fielmente com suas almas.

O maior argumento em oposição à minhas idéias de pregar o Evangélho era que, eu não dava tar tanta instrução ao povo como conseguiria, se escrevesse meus sermões. Eles diziam que eu não estudava, e conseqüentemente, embora talvez fosse um evangelista de sucesso quando trabalhasse por algumas semanas ou meses em determinado lugar, não seria adequado para um pastor pregar espontaneamente.

Mas tenho as melhores razões para acreditar que pregadores que usam sermões escritos não instruem tanto o povo como acham que o fazem. As pessoas não se lembram de suas palavras. Ouvi em muitas situações as pessoas reclamarem que não conseguiam levar para casa consigo nada do que escutaram do púlpito. Disseram-me em centenas de ocasiões: “Sempre lembramos do que ouvimos o senhor pregar. Lembramos de sua passagem, e da maneira com a qual lidou com ela, mas não conseguimos recordar de sermões escritos.”

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Hoje, de fato já sou pastor há muitos anos, desde 1832, e jamais ouvi nenhuma reclamação dizendo que eu não instruia as pessoas. Não creio que seja verdade que meu povo não é tão bem instruído, dentro do que é considerado instrução do púlpito, quanto àqueles que ouvem a sermões escritos. É verdade que um homem pode escrever seu sermão sem estudar muito, assim como é verdade que ele pode pregar improvisadamente sem muito estudo ou meditação. Muitos sermões escritos, ouvi dizer, não manifestavam nada além de pensamentos profundos e precisos.

Sempre tive o hábito de estudar o Evangélho, e sua melhor aplicação, em todo tempo. Não me confino a horas e dias escrevendo sermões, mas minha mente está sempre ponderando as verdades do Evangélho, e a melhor maneira de utilizá-las. Vou por entre as pessoas e descubro suas necessidades. Então, sob a direção do Espírito Santo, pego um assunto que acredito responder a suas necessidades atuais. Medito intensamente sobre ele, e oro muito sobre o assunto na manhã do domingo, por exemplo, e encho minha mente dele, então vou derramo-o sobre o povo. O que também é uma grande dificuldade com um sermão escrito é que, depois que um homem o escreveu, ele não precisa mais pensar muito sobre o assunto. Não precisa orar muito. Ele talvez releia seu manuscrito na noite de sábado, ou no domingo de manhã, mas não sente a necessidade de estar poderosamente ungido, para que sua boca possa se encher de argumentos, e que ele possa ser capaz de pregar a partir de um coração cheio. Ele fica bastante descansado. Precisa somente usar seus olhos e sua voz, e pode pregar de seu jeito. Pode ser até um sermão que foi escrito há anos, pode ser um sermão que ele mesmo escreveu, palavra por palavra, durante a semana. Mas no dia de domingo nada haverá de novo nele. Não vem necessariamente como novo, e como uma mensagem ungida de Deus para seu coração, e de seu coração para o povo.

Estou prondo a dizer, com certeza, que creio ter estudado ainda mais por não ter escrito meus sermões. Fui obrigado a familiarizar meus pensamentos com os assuntos que pregava, a encher minha mente com eles, para então ir e mostrá-los às pessoas. Eu simplesmente anoto o título sobre o qual desejo expressar-me de forma mais breve o possível e na linguagem nenhuma palavra que eu use, talvez, na pregação. Anoto somente a ordem de minhas proposições, e as petições que espero fazer, e em suma, desenho o contorno dos comentários e inferências com os quais concluirei.

Mas a menos que os homens tentem, a menos que comecem a falar com as pessosas, na melhor maneira que puderem, nunca serão pregadores espontâneos. Acredito que meia hora de conversa honesta com as pessoas, toda semana, se a conversa for direcionada, direta, sincera e lógica, instruiria mais as pessoas do que os dois sermões elaborados que, aqueles que escrevem, dão ao seu povo no domingo. Creio que as pessoas hão de se lembrar mais do que é dito, hão de se interessar mais, e guardariam consigo para ponderar, muito mais do que o fazem com o que recebem de elaborados sermões escritos.

Falei sobre meu método de preparação para o púlpito nos últimos anos. Quando comecei a pregar e pelos quase doze primeiros anos de meu ministério, não escrevia nenhuma palavra sequer, e era comumente obrigado a pregar sem qualquer preparação, exceto pelo que recebera em oração. Muitas vezes subi ao púlpito sem saber sobre que texto deveria falar, ou mesmo uma só palavra que devesse dizer. Fico na dependência do Espírito Santo para mostrar-me o texto, e para fazer-me plenamente compreender o assunto, e certamente em parte alguma de meu ministério jamais

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preguei com mais sucesso e poder do que isso. Se não era a partir de inspiração, eu não sei como pregava. Era uma experiência comum para mim, e tem sido assim ao longo de toda minha vida ministerial, que o assunto era-me aberto à mente de uma maneira supreendente a mim mesmo. Parecia-me que eu podia ver com uma clareza intuitiva exatamente o que eu devia dizer, e um batalhào de pensamentos, palavras e ilustrações vinham a mim tão rápido quanto os expunha. Quando comecei a fazer esboços, eu fazia depois, e não antes de pregar. Era para preservar o contorno do pensamento que me fora dado, em ocasiões como essa que acabei de mencionar. Descobri que quando o Espírito de Deus dava a mim uma visão muito clara de um assunto, eu não conseguia retê-la, para ser utilizada em outra ocasião, a menos que anotasse a linha de pensamentos. Mas no final, nunca fui capaz de usar antigos esboços em pregações, de forma relevante, sem remodelá-los, e ter uma nova visão do assunto dado a mim pelo Espírito Santo. Eu quase sempre recebo meus temas de joelhos em oração, e ao receber um tema da parte do Espírito Santo, sempre foi comum para mim que tal tema causasse uma impressão tão forte em minha mente que me fizesse tremer, de maneira que tinha muita dificuldade para escrever. Quando os temas vêm de maneira que parecem me atravessar, corpo e alma, posso em apenas alguns instantes fazer um esboço que permitirá que eu retenha a visão apresentada pelo Espírito, e vejo que tais sermões sempre falam com grande poder ao povo.

Alguns dos sermões mais expressivos que já preguei em Oberlin, recebi dessa forma depois de tocarem os sinos da igreja, e era obrigado a ir e derramar a eles de meu coração transbordante, sem ter anotado mais do que o menor esboço possível, e que algumas vezes, não cobria nem metade do assunto que eu abordava no sermão.

Não conto isso para orgulhar-me, mas sim porque é um fato, e para louvor a Deus, e não para nenhum talento de minha parte. Que homem nenhum pense que aqueles sermões que foram chamados de tão poderosos, foram produções de meu próprio cérebro, ou de meu próprio coração, sem assistência do Espírito Santo. Eles não eram meus, mas sim do Espírito Santo em mim.

E que homem nenhum diga que isso é declarar uma inspiração maior do que a que é prometida aos pastores, ou a que pastores têm o direito de esperar. Pois eu acredito que todos os ministros, chamados por Cristo para pregar o Evangélho, devem ser, e podem ser, inspirados nesse sentido, de pregar o Evangélho com o Espírito Santo enviado dos céus. O que mais Cristo quis dizer quando falou “Portanto, ide, ensinai todas as nações; -- e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.”? O que Ele quis dizer quando falou acerca do Espírito Santo-- “Ele vos ensinará todas

as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.”? E o que Ele quis dizer ao falar: “Quem crê em mim, rios de água viva correrão do seu ventre. E isso disse ele do Espírito, que haviam de receber os que nele cressem”? Todos os ministros podem ser, e devem ser, tão cheios do Espírito Santo que todos aqueles que os escutarem fiquem impressionados com a convicção de que Deus é neles verdade.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO VIII.

O AVIVAMENTO EM ANTWERP

DEVO agora dar conta de alguns de meus trabalhos, e seus resultados, em Antwerp, um vilarejo ao norte de Evans' mills.

Cheguei lá pela primeira vez em abril, e descobri que nenhum tipo de culto religioso acontecia na cidade. As terras daquela cidade pertenciam a um Sr. P, um rico proprietário que residia em Ogdensburgh. Para encorajar o estabelecimento da cidade, ele construira uma casa de concreto para reuniões. Mas as pessoas não estavam interessadas na adoração pública e portando o templo estava trancado, e a chave ficava em poder de um Sr. C, dono do hotel local.

Logo soube que havia uma igreja Presbiteriana naquele lugar, que tinha pouquíssimos membros. Alguns anos antes, eles haviam tentado estabelecer uma reunião aos domingos. Mas um dos presbíteros que conduzia as reuniões, vivia a quase oito quilômetros dali, e era obrigado, a caminho do vilarejo, a passar por uma aldeia Universalista. Os Universalistas haviam acabado com as reuniões na vila, impedindo que o Diácono R, como o chamavam, passasse por sua aldeia para chegar à reunião. Chegavam até a tirar as rodas de sua carroça, e finamente levarão sua oposição tão longe, ao ponto de fazê-lo desistir de participar das reuniões no vilarejo, e todos os serviços religiosos e cultos naquela cidadela, até onde pude saber, foram terminados.

Descobri que a Sra. C, a senhoria, era uma mulher devota. Havia outras duas mulheres devotas no vilarejo, uma Sra. H, esposa de um mercante, e uma Sra. R, esposa de um médico. Foi em uma sexta-feira, se bem me recordo, que cheguei lá. Fui visitar essas senhoras e perguntei se elas não gostariam que fizessemos uma reunião. Elas disseram que gostariam, mas não sabiam se seria possível. A Sra. H concordou em abrir a sala de sua casa naquela noite para uma reunião, se eu conseguisse mais alguém para participar. Eu saí a convidar as pessoas e assegurei a participação de, creio eu, umas treze pessoas. Preguei para eles, e então disse que se eu pudesse usar a escola local, pregaria no domingo. Tive o consentimento dos credores, e no dia seguinte foi circulado o compromisso em meio ao povo de que haveria uma reunião na escola no domingo de manhã.

Ao passar pelo vilarejo, ouvi uma grande quantidade de profanação. Achei que nunca tinha ouvido tanto em lugar algum que já visitara. Parecia que os homens, ao jogarem bola sobre a grama, e em todos os comércios nos quais eu entrava, estavam todos xingando, maldizendo e condenando uns aos outros. Senti-me como se tivesse chegado às fronteiras do inferno. Tive um tipo de sentimento terrível, recordo-me, conforme passava pelas ruas no sábado. A própria atmosfera parecia-me como veneno, um tipo de terror tomou conta de mim.

Entreguei-me à oração no sábado, e finalmente ansiei meu desejo até que essa resposta veio: “Não temas, mas fala e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade.” Isso libertou-me completamente de todo medo. Descobri, no entanto, que os cristãos de lá tinham muito medo de que algo sério acontecesse, se reuniões religiosas fossem novamente

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estabelecidas naquele lugar. Passei praticamente o sábado inteiro em oração, mas andei pelas ruas o suficiente para perceber que o anúncio de que uma pregação seria feita na escola estava causando grande agitação.

Domingo de manhã levantei e deixei minhas acomodações no hotel, e a fim de ficar sozinho, onde pudesse elevar minha voz assim como meu coração, subi ao bosque que era um pouco distante do vilarejo, e continuei em oração por um tempo considerável. Mas contudo, não consegui alívio, e subi uma segunda vez, mas a carga sobre minha mente crescia, e eu não encontrava alívio. Subi uma terceira vez, e então a resposta veio a mim. Vi que era hora da reunião e fui imediatamente para a escola. Encontrei o lugar lotado em sua capacidade máxima. Eu tinha minha bíblia de bolso na mão e li esse texto para eles: “Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna.” Não consigo me lembrar de muitas coisas que falei, mas sei que o ponto sobre o qual minha mente mais trabalhou, foi o tratamento que Deus recebia em troca de Seu amor. O tema afetou muito minha própria mente, e preguei derramando minha alma juntamente com minhas lágrimas.

Vi lá muitos dos homens de quem tinha ouvido, no dia anterior, as mais terríveis profanidades. Apontei-os na reunião, e disse o que haviam falado, e como diziam para que Deus amaldiçoasse uns aos outros. De fato, abri todo meu coração para eles. Disse-lhes que eles pareciam gritar blasfêmias pelas ruas como amantes do inferno, e a mim me parecia que eu chegara no limite do inferno. Todos sabiam que o que eu dizia era verdade, e se encaixavam nisso. Não ficaram ofendidos, mas as pessoas choravam tanto quanto eu. Creio que quase não havia olhos secos no lugar.

O Sr. C, o senhorio, tinha-se recusado a abrir a casa de reunião de manhã. Mas logo que esse primeiro culto terminou, ele se levantou e disse que abriria o prédio à tarde. O povo se dispersou, levando consigo essas informações em todas as direções, e na reunião da tarde, a casa estava praticamente tão lotada quanto estivera a escola pela manhã. Todos estavam na reunião, e o Senhor deixou-me livre sobre eles de uma maneira maravilhosa. Minhas pregações pareciam algo novo para eles. Na verdade a mim mesmo parecia que eu pudesse fazer chover saraivas e amor sobre eles ao mesmo tempo, ou em outras palavras, que eu pudesse derramar exortação sobre eles, com amor. Parecia que meu amor a Deus, em vista do abuso que faziam a Ele, afiara minha mente à mais intensa agonia. Eu censurava-os com todo meu coração, mas com uma compaixão tão que eles não podiam deixar de entender. Nunca ouvi dizer que acusaram-me de severidade, apesar de achar que jamais falei tão severamente, talves, em toda minha vida.

Mas as obras desse dia foram efetivas para a convicção da grande massa da população. A partir daquele dia, quando e onde quer que eu marcasse uma reunião, as pessoas iam e se aglomeravam para ouvir. A obra imediatamente começou e avançou com grande poder. Eu pregava duas vezes no domingo na igreja do vilarejo, participava de uma reunião de oração no intervalo, e geralmente pregava em algum lugar, numa escola da vizinhança, às cinco da tarde.

No terceiro domingo que preguei lá, um senhor de idade veio até mim conforme eu ia para o púlpito, e perguntou-me se eu não poderia ir pregar em uma escola de sua vizinhança, a mais ou menos cinco quilômetros dalí, dizendo que eles jamais tinham tido nenhum culto por lá. Pediu-me para ir o mais breve que pudesse. Marquei para o próximo dia, segunda-feira, às cinco da tarde. Foi um dia quente. Deixei meu cavalo no

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vilarejo, e pensei em ir andando, para que pudesse não ter problemas em passar visitando as pessoas, nos arredores da escola. No entanto, antes de chegar lá, tendo trabalhado tanto no domigo, encontrei-me muito extausto, sentei-me à beira da estrada, sentindo que quase não conseguiria continuar. Culpei-me por não ter levado meu cavalo.

Mas ao chegar a hora, encontrei a escola lotada, e pude apenas conseguir um lugar de pé perto da porta aberta. Li um hineo, não posso chamar aquilo de cantar, pois parecia que eles jamais tiveram qualquer música cristã naquele local. Contudo, as pessoas fingiam cantar. Mas era mais ou menos isso: cada um gritava de seu próprio jeito. Meus ouvidos estavam tão acostumados a ensinar música cristã, e sua desafinação irritou-me tanto que, a princípio pensei, eu preciso sair. Eu por fim coloquei ambas as minhas mãos sobre meus ouvidos, e apertei com toda minha força, então caí de joelhos, quase num estado de desespero, e comecei a orar. O Senhor abriu as janelas dos céus, e o espírito de oração desceu, e eu abri todo meu coração em oração.

Eu não havia pensado em uma passagem para pregar, mas esperei para ver a congregação. Logo que terminei de orar, levantei-me e dise: “Levantai-vos, saí deste lugar, pois o Senhor há de destruir a cidade”. Eu disse que não me lembrava onde se encontrava aquela passagem, mas disse onde aproximadamente encontrariam, e comecei a explicar. Contei-lhes que houve um homem chamado Abraão, e quem fora ela, e que houve um homem chamado Ló, e quem fora ele, seu relacionamento um com o outro, sua separação por conta de diferenças entre seus pastores, e que Abraão escolheu o lado alto do campo, enquanto Ló se estabeleceu no vale de Sodoma. Então contei-lhes como Sodoma tornara-se tão grandemente ímpia, e como caíram em práticas tão abomináveis. Disse-lhes que o Senhor decidira destruir Sodoma, e visitou Abraão, e informou-lhe o que estava prestes a fazer, que Abraão orou ao Senhor, rogando-lhe que poupasse Sodoma, se ali houvesse tantos justos, e o Senhor prometera assim o fazer pelo bem deles, e que então Abraão rogou-lhe se houvessem ali menos justos do que aquele número, e o Senhor prometeu que pouparia o lugar pelo bem deles, e assim ele continuou reduzindo o número até que chegou à quantidade de dez justos, e Deus prometeu a ele que se encontrasse dez justos naquela cidade, poupá-la-ia. Abraão não fez nenhum outro pedido, e Jeová o deixou. Mas foi visto que não havia mais do que apenas um justo ali, e esse era Ló, sobrinho de Abraão. E os homens disseram a Ló “Tens alguém mais aqui? Teu genro, e teus filhos, e tuas filhas, e todos quantos tens nesta cidade, tira-os fora deste lugar; pois nós vamos destruir este lugar, porque o seu clamor tem engrossado diante da face do Senhor, e o Senhor nos enviou a destruí-lo.”

Enquanto relatava esses fatos, observei que as pessoas pareciam ficar bravas. Muitos dos homens de lá eram rústicos e simples, eles entreolharam-se e olharam para mim, como se estivessem prontos a vir para cima de mim e me castigar em um instante. Vi seus incontáveis olhares estranhos, e não conseguia entender o que eu estava dizendo que poderia ofendê-los. Contudo, sua raiva parecia-me crescer mais e mais conforme eu continuava a narrativa. Logo que terminei de contar a história, virei-me para eles e disse que sabia que ele nunca haviam tido uma reunião religiosa naquele lugar, e portando tinha o direito de presumir, e fui compelido a presumir que não eram um povo de Deus. Destaquei essa impressào com mais energia sobre eles, com um coração cheio ao ponto de estourar.

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Não estava falando dessa maneira tão direta com eles, creio eu, há mais de quinze minutos, quando de uma vez uma terrível solenidade parecia tomar conta deles, a congregação começou a cair de seus lugares para todas as direções, e clamava por misericórdia. Tivera eu uma espada em cada mão, não poderia tê-los cortado de seus lugares tão rápido quanto caíram. De fato creio que todos da congregação estavam de joelhos ou prostratos, em menos de dois minutos a partir desse primeio choque que lhes sobreveio. Todos oravam por si mesmo, pelo menos aqueles que conseguiam falar alguma coisa.

Claro que fui obrigado a parar de pregar, pois eles não prestavam mais atenção. Vi o senhor que convidara-me a pregar lá, sentado mais ou menos no meio do salão e olhando em volta com indiscritível surpresa. Levantei minha voz a quase que um grito, para fazê-lo ouvir, e apontando para ele, disse “Você não sabe orar?” Ele imediatamente caiu de joelhos, e com uma voz estenórica derramou-se diante do Senhor, mas ele não conseguiu a atenção de todo o povo. Então eu falei o mais alto que pude, e tentei fazer com que prestassem atenção em mim. Disse-lhes “Vocês ainda não estão no inferno, agora deixem-me levá-los a Cristo”. Por alguns momentos eu tentei mostrar-lhes o Evangélho, mas quase não prestaram nenhuma atenção a mim. Meu coração transbordava tanto de alegria ao ver tal cena que mal podia me conter. Foi com muita dificuldade que parei de gritar, dando glórias a Deus.

Assim que pude controlar suficientemente meus sentimentos, virei-me para um jovem que estava próximo a mim, em oração por si mesmo, coloquei minha mão em seu ombro, conseguindo assim a sua atenção, e preguei Jesus ao seu ouvido. Logo que chamei sua atenção para a cruz de Cristo, ele creu, ficou calmo e quieto por um ou dois minutos, e então começou a orar pelos outros. Então virei-me para outro, e fiz a mesma coisa com ele, com o mesmo resultado, e depois com outro, e com outro.

Continuei fazendo isso até que chegou o momento em que vi que deveria deixá-los, para comparecer a um compromisso no vilarejo. Disse-lhes isso, e pedi ao senhor que me convidara a ir até lá para continuar ali e assumir a reunião, enquanto eu ia a esse compromisso. Assim ele o fez. Mas havia interesse demais e almas feridas demais para que a reunião fosse terminada, então, ela continuou por toda a noite. Já de manhã ainda havia aqueles que não conseguiam ir embora, e foram levados para uma casa particular na vizinhança, para liberar o espaço da escola. Pela parte foram chamar-me, pois ainda não conseguiam acabar a reunião.

Na segunda vez que fui até lá, consegui uma explicação quanto à raiva manifestada pela congregação durante a introdução de meu sermão no dia anterior. Descobri que o nome do lugar era Sodoma, mas eu não sabia, e havia no local somente um homem devoto, e seu nome era Ló. Esse era o senhor que me convidara para ir lá. As pessoas acharam que eu havia escolhido o tema e que havia pregado a eles daquela maneira porque eram tão ímpios ao ponto de serem chamados de Sodoma. Isso foi uma coincidência arrebatadora, até onde eu sabia, havia sido tudo acidental.

Não fiquei naquele lugar por muitos anos. Depois de alguns anos, eu estava trabalhando em Syracuse, no estado de Nova Iorque. Dois homens visitaram-me um ida, um deles um senhor, o outro por volta de seus cinqüenta anos de idade. O mais jovem apresentou-me o senhor como Diácono W, presbítero em sua igreja, dizendo que visitara-me para dar cem dólares à Faculdade Oberlin. O senhor, por sua vez, apresentou o mais jovem dizendo “Este é o meu pastor, Reverendo Sr. Cross. Ele se converteu por seu ministério”. Foi então que o Sr. Cross disse “O senhor se lembra de

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pregar certa vez em Antwerp, em uma parte assim da cidade, numa escola, numa tarde, e que essa cena (descrevendo-a), aconteceu lá?” Eu disse “Lembro-me muito bem, e nunca poderia esquecer enquanto tiver alguma memória.” “Bem” ele disse “na época eu era apenas um jovem, e converti-me naquela reunião.” Ele tem sido um pastor muito bem sucedido por anos. Muitos de seus filhos estudam em nossa faculdade em Oberlin.

Sei muito bem que, embora o avivamento tenha vindo sobre eles tão inesperadamente, e de uma maneira tão poderosa, os convertidos eram firmes, e a obra genuína e permanente. Jamais soube de nenhuma reação desastrosa que tivesse acontecido.

Já falei aqui sobre os Universalistas que impediam o Diácono R de participar das reuniões religiosas no domingo, no vilarejo de Antwerp, tirando as rodas de sua carroça. Quando o avivamento estava com força total, ele me pediu que fosse pregar naquela vizinhança. De acordo, marquei para pregar numa certa tarde em sua escola. Quando cheguei, encontrei a escola lotada, e o Diácono R sentado perto de uma janela, e de uma estante sobre a qual havia uma bíblia e um hinário. Sentei-me ao lado dele, depois levantei-me e li um hino, que depois cantaram segundo uma moda. Eu então comecei a orar, e tive tremendo acesso ao trono de graça. Então levantei-me e li essa passagem: “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?”

Vi que o Diácono R ficou muito desconfortável, ele logo se levantou e ficou de pé à porta aberta. Sendo que havia alguns meninos próximo à porta, supus, na hora, que ele havia ido até lá para fazer-lhes calados. Mas depois vim a saber que fora por causa do medo. Ele pensou que se viessem para cima de mim, ele teria como fugir. Por causa da passagem que li, ele concluiu que eu trataria muito claramente com o povo, e estava muito nervoso por causa da oposição que já encontrara antes da parte deles, e queria ficar fora de seu alcance. Continuei a derramar-me inteiramente a eles com todas as minhas forças, e antes que eu terminasse, as bases mais fundamentais do Universalismo foram pelos ares, eu creio, naquele lugar. Foi uma cena quase igual à que descrevi, em Sodoma. Assim, o avivamento penetrou em cada parte da cidade, e algumas cidades vizinhas participaram da benção. A obra foi muito preciosa naquele lugar.

Quando viemos a receber os convertidos, depois de muitos já haverem sido examinados, e conforme se aproximava o dia de sua admissão, descobri que muitos deles haviam sido criados em famílias Batistas, e perguntei-lhes se não preferiam passar pela imersão. Eles disseram que não tinham escolha, mas sim que seus pais gostariam que passassem pela imersão. Eu disse que não tinha objeção alguma em batizá-los, se isso fosse agradá-los, assim como a seus amigos. De acordo com isso, quando chegou o domigo, organizei para que fossem batizados por imersão, durante o intervalo. Descemos a um riacho que atravessa o lugar, e ali batizei, acredito, doze ou mais.

Quando chegou a hora para o culto da tarde, fomos para a casa de reunião, e ali batizei um grande número de pessoas pegando água em minha mão e derramando na testa de cada um. A administração da ordenança na igreja foi tão claramente tomada e abençoada por Deus, a ponto de convencer as pessoas que aquele meio de batismo era aceitável a Ele.

Entre os convertidos havia também um número considerável que crescera em meio aos Metodistas. No sábado eu soube que alguns Metodistas diziam aos convertidos “O Sr. Finney é um Presbiteriano. Ele acredita na doutrina da eleição e da predestinação, mas

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não pregou sobre isso aqui. Ele não ousa pregá-las, pois se o fizesse, os convertidos não se uniriam à sua igreja.” Isso fez com que decidice-me por pregar sobre a doutrina da eleição na manhã do domingo anterior à sua admissão na igreja. Peguei minha passagem para mostrar, primeiro, o que não é a doutrina da eleição; segundo, o que ela é de fato; terceiro, que ela é uma doutrina da bíblia; quarto, que é uma doutrina de razão; quinto, que negá-la é negar os atributos do próprio Deus; sexto, que ela não coloca nenhum obstáculo no caminho da salvação dos não-eleitos; sétimo, que todos os homens podem ser salvos se quiserem; e finalmente, que ela é a única esperança de que qualquer um pode ser salvo, e concluí com meus comentários.

O Senhor fez isso tão excessivamente claro em minha própria mente, e tão claro para o povo que, acredito, até os próprios Metodistas foram convencidos. Nunca ouvi uma palavra contrária ou de insatisfação com os argumentos. Enquanto eu estava pregando, observei uma irmã metodista que já conhecia, e que considerava uma excelente cristã, chorando, conforme sentava-se próximo às escadas do púlpito. Temi que eu a estivesse magoando. Depois do término da reunião, ela permaneceu sentada chorando, então fui até ela e disse: “Irmã, espero não ter magoado seus sentimentos”. “Não, ela disse “não me magoou, sr. Finney, mas eu pequei. Ontem à noite, meu marido, que não é convertido, discutia esse assunto comigo, defendendo ao máximo que pudesse, a doutrina da eleição. Eu resisti, e disse a ele que não era verdade. E agora, hoje, o senhor me convenceu de que é verdade, e ao invés de ser uma desculpa para meu marido, ou qualquer outra pessoa, ela é a única esperança que posso ter de que ele será salvo, ou qualquer outra pessoa.” Não escutei mais nenhuma objeção à admissão dos convertidos em uma igreja que acredita na doutrina da eleição.

Houveram muitos casos interessantes de conversão naquele local, e houveram dois impactantes casos de recuperação instantânea de insanidade durante esse avivamento. Chegando para a reunião na tarde de um domingo, vi várias damas sentadas em um dos bancos da igreja, com uma senhora vestida de preto que parecia estar com a mente muito conturbada, e elas a abraçavam, impedindo-a de sair. Conforme eu entrava, uma das senhoras veio a mim e disse-me que ela era uma mulher louca, que ela havia sido uma Metodista mas, supunha-se, tinha caído da graça, o que levara-a ao desespero, e por fim à insanidade. Seu marido era um homem imoderado, e ele a havia trazido e deixado na reunião, depois fora para a taverna. Troquei algumas palavras com ela, mas respondeu-me que precisava ir embora, que não podia ouvir nenhuma oração, pregação ou música, que o inferno era sua porção, e que não podia suportar nada que a fizesse pensar nos céus.

Avisei às senhoras, em particular, para mantê-la em seu lugar, se conseguissem, sem que ela atrapalhasse a reunião. Então fui ao púlpito e li um hino. Logo que a cantoria começou, ela lutou bastante para sair. Mas as mulheres obstruíram sua passagem, e gentil mas persistentemente, impediram-na de fugir. Momentos depois, aquietou-se, mas parecia evitar ouvir e prestar atenção em tudo que era cantado. Então orei. Por alguns instantes, escutei-a tentando sair, mas antes que eu terminasse, aquietou-se, e a congregação estava quieta. O Senhor deu a mim um grande espírito e oração, e uma passagem, pois não havia recebido a passagem até então. Peguei meu texto de Hebreus: “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno.”

Meu objetivo era encorajar a fé, em nós mesmos, e nela, e em nós por ela. Quando eu comecei a orar, a princípio ela fez um grande esforço para sair. Mas as mulheres

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resistiram gentilmente, e ela acabou por sentar-se quieta, mas ficou de cabeça muito baixa, e parecia determinada a não prestar atenção no que eu dizia. Mas conforme eu continuava, ela começou a levantar a cabeça aos poucos, e a olhar para mim. Ela vestia uma capa preta com gorro. Levantava mais e mais a cabeça até estar corretamente erguida, e olhava-me nos olhos com intensa honestidade. Confome eu continuava a insistir com o povo para que fossem confiantes em sua fé, para darem um passo à frente, e para se comprometerem com a total fidelidade de Deus, por meio do ungido sacrifício de nosso grande Sumo Sacerdote, ela de repente chocou a congregação com um grito inexplicável. Ela então lançou-se de seu assento, abaixou muito sua cabeça, e eu pude ver que ela tremia muito. As mulheres que estavam no mesmo banco com ela, abraçavam-na em parte, e olhavam para ela com clara empatia e oração. Enquanto eu continuava, ela começou a olhar para cima novamente, e logo sentou-se direito, com um rosto maravilhosamente transformado, mostrando uma alegria e paz triunfante. Havia tanto brilho em seu semblanto quanto raramente já vi em qualquer rosto humano. Seu gozo era tão grande que ela quase não conseguia conter-se até que a reunião terminasse, e então ela logo fez com que todos ao seu redor entendessem, que ela fora liberta. Ela glorificou a Deus, e regozijou com incrível triúnfo. Cerca de dois anos depois, quando a encontrei novamente, achei-a ainda repleta de alegria e paz.

O outro caso de recuperação foi o de uma mulher que também havia caído em desespero e loucura. Eu não estava presente quando ela foi restaurada, mas disseram-me que isso aconteceu quase que instantaneamente, por meio de um batismo do Espírito Santo. Avivamentos religiosos são por vezes acusados de enlouquecerem as pessoas. Mas o fato é que os homens são naturalmente loucos no assunto religião, e o avivamento mais os restaura do que enlouquece.

Durante esse avivamento, ouvimos muita oposição da cidade de Gouverneur, que ficava a quase vinte quilometros, eu acho, ao norte. Soubemos que os ímpios ameaçavam descer e atacar-nos, e acabar com nossas reuniões. No entanto, é claro, não prestávamos atenção para isso, e menciono isso aqui somente porque logo terei a oportunidade de contar sobre um avivamento ocorrido lá. Tendo recebido os convertidos, e trabalhado na obra em Antwerp juntamente com Evans’ Mills, até o outono daquele ano, busquei por eles, um jovem chamado Denning, que foi por eles estabelecido como pastor. Eu então, suspendi minhas obras em Antwerp.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO IX.

O RETORNO A EVANS' MILLS

NESSA época, eu estava sinceramente inclinado a permanecer em Evans’ Mills, e finalmente comuniquei ao povo que moraria com eles por, pelo menos um ano. Eu estava noivo, então fui para Whitestown, no condado de Oneida, e casei-me em outubro de 1824. Minha esposa havia preparado tudo para a casa, e um ou dois dias depois de nosso casamento eu a deixei, e retornei para Evans’ Mills, para conseguir um meio de transportar toda a nossa mudança para aquele lugar. Disse-lhe que poderia esperar-me de volta em uma semana.

No outono anterior a esse, eu havia pregado algumas poucas vezes, à noite, em um lugar chamado Perch River, ainda mais a noroeste de Evans’ Mills, aproximadamente vinte quilometros. Passei um domingo em Evans’ Mills, e pretendia retornar para minha esposa lá pelo meio da semana. Mas um mensageiro de Perch River chegou ali naquele domingo, e disse que havia um avivamento acontecendo lentamente em meio ao povo desde quando eu pregara lá, e implorou-me para que fosse até lá e pregasse, pelo menos uma vez mais. Eu por fim marquei de estar lá na noite de terça-feira. Mas vi que o interesse do povo era tão grande que permaneci ali e preguei na noite de quarta-feira, e na noite de quinta-feira. Acabei desistindo de retornar para minha esposa naquela mesma semana, e continuei a pregar naquela vizinhança.

O avivamento logo espalhou-se em direção a Brownville, um vilarejo considerável a várias milhas, creio eu, a sudoeste daquele lugar. Finalmente, sob insistente convite do pastor e da igreja de Brownville, fui para lá e ali passei o inverno, tendo escrito para minha esposa que tais eram as circunstâncias, e que eu deveria adiar minha volta, até que Deus abrisse os caminhos.

Em Brownville havia uma obra muito interessante. Mas ainda assim, a igreja estava em tal situação que foi muito dificil envolvê-los na obra. Não conseguia encontrar muito que parecesse-me devoção de coração sincero, e a política de trabalho do pastos era tal que proibia qualquer coisa como um movimento geral impetuoso de um avivamento. Trabalhei lá naquele inverno com muitas dificuldades, e tinha serios obstáculos para superar. Algumas vezes eu descobria que o pastor e sua esposa não estavam presentes em nossas reuniões, e depois vim a saber que não tinham comparecido para irem a uma festa.

Naquele lugar eu era o convidado de um Sr. B, um dos presbíteros da igreja, e o amigo mais íntimo e de maior influência do pastor. Um dia quando descia de meu quarto, e estava saindo para visitar algumas pessoas que tinham dúvidas, encontrei com Sr. B na sala e ele me disse: “Sr. Finney, o que o senhor pensaria de um homem que estivesse orando semana após semana pelo Espírito Santo, e não conseguisse resposta?” Eu disse que pensaria que ele estava orando por motivos falsos. Ele perguntou “Mas por quais motivos um homem deve orar? Se ele quiser ser feliz, isso é um motivo falso?” Eu respondi “Satanáz pode orar por um motivo tão bom quanto esse” então citei as palavras do salmista “Sustém-me com um espírito voluntário. Então, ensinarei aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores a ti se converterão.” “Veja!” eu disse

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“O salmista não orou pelo Espírito Santo para que pudesse ser feliz, mas para que pudesse ser usado, e que pecadores pudessem se converter a Cristo.” Eu disse isso e saí imediatamente, ele ficou muito quieto, e voltou para seu quarto.

Eu fiquei fora até a hora do jantar, e quando retornei ele veio me encontrar, e imediatamente começou a confessar. Ele dizia “Sr. Finney, devo-lhe uma confissão. Eu fiquei bravo quando o senhor me disse aquilo, e devo confessar que esperava nunca mais vê-lo novamente. O que o senhor disse reforçou-me a convicção de que jamais fora convertido, que jamais tinha tido nenhum motivo maior do que o mero dessejo egoísta por minha própria felicidade. Eu fui embora, depois que o senhor deixou a casa, e orei para que Deus tomasse minha vida. Eu não poderia suportar que soubessem que sempre fui enganado. Tenho sido muito íntimo de nosso pastor. Já viajei, dormi, conversei com ele, e tenho sido mais íntimo dele do que qualquer outro membro de nossa igreja, e ainda assim vi que sempre fui um hipócrita errado. A mortificação era intolerável, e eu queria morrer, e orei para que o Senhor tomasse minha vida” concluiu. No entanto, ele estava então totalmente quebrantado, e daquele tempo em diante, tornou-se um novo homem.

Aquela conversa fez muito bem. Posso relatar muitos outros fatos interessantes relacionados a esse avivamento, mas sendo que tantas coisas haviam que machucavam-me, no que diz respeito à relação do pastor com esse movimento, e em especial, de sua esposa à esse avivamento, abster-me-ei.

No começo da primavera de 1825, saí Brownville, com meu cavalo e carroça, para ir atrás de minha esposa. Já estava ausente há seis meses desde nosso casamento, e com os correios que haviam entre nós naquela época, raramente pudemos trocar cartas. Diriji por quase vinte e cinco quilômetros, e as estradas estavam muito escorregadias. As ferraduras de meu cavalo já estavam lisas, e descobri que deveria trocá-las. Parei em Le Rayville, uma pequena cidade a cerca de cinco quilômetros ao sul de Evans’ Mills. Enquanto as ferraduras de meu cavalo ficavam prontas, o povo, descobrindo que eu estava lá, correu para mim e perguntaram se eu não poderia pregar, à uma hora, na escola, pois eles não tinham uma igreja.

À uma hora o lugar estava lotado, e enquanto eu pregava, o Espírito de Deus veio com grande poder sobre o povo. Tão grande e manifesto foi o derramar do Espírito, que por causa de seus pedidos tão insistentes e sinceros, decidi passar a noite lá, e pregar mais uma vez ao entardecer. Mas a obra crescia mais e mais, e à tarde, marquei outra reunião para a manhã, e de manhã, marquei outra reunião para a tarde, e logo eu vi que não conseguiria prosseguir para minha esposa. Eu disse a um irmão que se ele pegasse meu cavalo e carroça e fosse atrás de minha esposa, eu permaneceria. Assim ele o fez, e eu continuei pregando, dia após dia, noite após noite, e houve um poderoso avivamento.

Eu deveria ter dito que, enquanto eu estava em Brownville, Deus revelou a mim, de uma só vez, de uma maneira muito inesperada, o fato de que ele iria derramar Seu Espírito em Gouverneur, e que eu deveria ir para lá pregar. Eu não sabia nada sobre o lugar, exceto que, naquela cidade houvera tanta oposição manifestada contra o avivamento em Antwerp, no ano anterior. Nunca soube dizer como, ou porque, o Espírito de Deus me deu aquela revelação. Mas na época eu sabia, e agora não tenho dúvidas, que foi uma revelação direta de Deus para mim. Eu não tinha pensado naquele lugar, que eu saiba, em meses, mas em oração tudo me foi mostrado, claro

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como a luz, que eu deveria ir pregar em Gouverneur, e que Deus derramaria de Seu Espírito naquele lugar.

Logo em seguida disso, vi um dos membros da igreja de Gouverneur, que passava por Brownville. Contei-lhe o que Deus me revelara. Ele encarou-me como se achasse que fosse louco. Mas encarreguei-o de ir para casa, e contar aos irmãos o que eu havia dito, para que pudessem se preparar para minha vinda, e para o derramamento do Espírito do Senhor. Por ele eu soube que eles estavam sem pastore, que havia duas igrejas e duas congregações na cidade, próximas uma da outra, que os Batistas tinham um pastor, e os Presbiterianos não, que um velho ministro que vivia lá e fora antes seu pastor, havia sido dispensado, e que não tinham cultos de domingo regulares na igreja Presbiteriana. Das palavras dele, concluí que a religião estava muito em baixa, e até ele mesmo estava tão frio como um iceberg.

Mas agora volto a minhas obras em La Rayville. Depois de algumas semanas de trabalho, a grande massa da população havia se convertido, e entre os restantes estava o Juiz C, um homem influente, que se colocava superior a todos os que o rodeavam. Minha esposa chegou, é claro, alguns dias depois de eu ter enviado um irmão para buscá-la, e nós aceitamos o convite do Juiz C e sua esposa, para sermos seus hóspedes. Mas poucas semanas depois, as pessoas insistiam para que eu fosse pregar em uma igreja Batista na cidade de Rutland, na divisa com Le Ray. Marquei de ir pregar lá numa tarde. O clima já estava morno, e caminhei até lá, atravassando um arvoredo de pinheiros, por mais ou menos cinco quilômetros até o lugar de adoração. Cheguei cedo e encontrei a casa aberta, mas ninguém por lá. Eu estava com calor por ter andado tanto, então entrei e assentei-me perto do largo corredor, no centro da casa. Em seguida o povo começou a chegar e a tomar seus lugares, espalhados pelo templo. Logo o número cresceu tanto que entravam continuamente. Eu fiquei sentado, e sendo um completo estranho lá, ninguém que eu conhecesse apareceu por lá, e eu presumo que ninguém que compareceu conhecesse a mim.

Foi então que entrou uma jovem, que tinha duas ou três altas plumas em sua capa, e estava vestida de forma um tanto jovial. Ela era esbelta, alta, de aparência digna, e decididamente bonita. Observei logo que ela entrou que balançava sua cabeça, dando um gracioso movimento às plumas. Ela vinha andando levemente, pelo corredor onde eu estava sentado, elegantemente, a cada passo, balançando suas grandes plumas de forma mais graciosa, olhando ao redor o suficiente para ver a impressão que estava causando. Tudo aquilo era tão peculiar para um lugar daqueles, que deixou-me impactado. Ela entrou na fileira imediatamente atrás de mim, na qual, no momento, ninguém estava sentado. Assim estávamos próximos um do outro, mas casa um ocupando uma fileira separada. Virei-me um pouco para trás e observei-a dos pés à cabeça. Ela viu que eu a olhava criticamente, e ficou um pouco desconcertada. Com uma voz muito baixa eu disse a ela, com muita sinceridade: “Você veio para dividir a adoração na casa de Deus, para fazer as pessoas adorarem você, para tirar a atenção de Deus e de Sua adoração?” Isso a fez contorcer-se, e eu continuei a falar com ela, com uma voz tão baixa que ninguém mais conseguia ouvir-me, mas que ela escutava distintamente. Ela fraquejou diante da repreensão, e não conseguia manter a cabeça erguida. Começou a tremer, e quando eu já tinha dito o suficiente para marcar o pensamento de sua insofrível vaidade em sua mente, levantei-me e fui para o púpito. Assim que ela viu que eu ia para o púlpito, que eu era o pastor que estava prestes a

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pregar, sua agitação aumentou tanto que chamou a atenção dos que estavam à sua volta. A casa logo estava lotada e eu peguei uma passagem e comecei a pregar.

O Espírito do Senhor estava evidentemente derramado na congregação, e no término do sermão, fiz algo que não sei se jamais tinha feito antes, chamei a todos quantos gostariam e dar seus corações para Deus para viem à frente e tomarem o primeiro banco. No momento que eu fiz o apelo, essa jovem foi a primeira a levantar. Lançou-se no corredor e veio à frente, como uma pessoa em desespero. Ela parecia ter perdido a noção da presença de todos, exceto de Deus. Ela veio correndo para os primeiros bancos, até que finalmente caiu no corredor, e gritou com agonia. Um grande número de pessoas se levantou em todas as partes da igreja e veio à frente, e muitos deles pareciam entregar seus corações para Deus no mesmo instante, entre eles, essa jovem. Perguntando depois, soube que ela era a bela da cidade, que era uma moça agradável, mas considerada por todos como vã e exagerada em suas roupas.

Muitos anos depois, vi um homem que lembrou-me daquela reunião. Perguntei sobre essa jovem. Ele me disse que a conhecia bem, que ela ainda vivia lá, estava casada, e era uma mulher muito usada, e que sempre foi, desde aquele dia, uma sincera cristã.

Eu preguei algumas vezes nesse lugar, e então a questão de Gouverneur surgiu novamente, e Deus parecia dizer-me “Vá para Gouverneur, é chegada a hora.” O Irmão Nash tinha chegado poucos dias antes disso e estava passando algum tempo comigo. No momento dessa última chamada para Gouverneur, eu ainda tinha dois ou três compromissos para cumprir, naquela parte de Rutland. Disse portanto ao Irmão Nash “Você deve ir a Gouverneur e ver o que acontece por lá, volte e faça seu relato.”

Ele foi na manhã seguinte, e depois de dois ou três dias, retornou, dizendo que encontrara muitos professores de religião, sob exercício mental considerável, e que estava confiante de que havia bastante do Espírito do Senhor em meio ao povo, mas que eles não tinham consciência do real estado das coisas. Eu então informei ao povo do lugar onde estava pregando, que fora chamado a Gouverneur, e não podia assumir mais nenhum compromisso para pregar naquele lugar. Pedi ao Irmão Nash que retornasse imediatamente, informando ao povo que poderiam esperar-me num certo dia daquela semana.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO X.

O AVIVAMENTO EM GOUVERNEUR

De acordo com isso, o Irmão Nash retornou no dia seguinte, e marcou a reunião como lhe pedi. Eu tinha que cavalgar aproximadamente cinqüenta quilômetros, acredito, para chegar ao lugar. Pela manhã chovia muito forte, mas a chuva parou a tempo de eu ir até Antwerp. Enquanto eu jantava por lá, a chuva veio de novo, e literalmente tempestuou, até o final da tarde. Na manhã anterior a que comecei a viajar, e ao meio dia, parecia que eu não seria capaz de chegar a tempo em meu compromisso. Contudo, a chuva cessou novamente, em tempo para que eu cavalgasse rapidamente para Gouverneur. Descobri que as pessoas haviam desistido de esperar por mim naquele dia, em conseqüência da grande chuva.

Antes de chegar ao vilarejo, conheci um Sr. S, um dos principais membros da igreja, voltando da casa de reunião para sua casa, pela qual eu acabara de passar. Ele parou sua carroça e, dirigindo-se a mim, disse “O senhor é o Sr. Finney?” Depois de minha resposta afirmativa, ele disse: “Por favor, volte até a minha casa, pois insisto que o senhor seja meu hóspede. O senhor está cansado da longa viagem e das estradas estão tão ruins, o senhor não terá nenhuma reunião esta noite.” Respondi que devia cumprir meu compromisso, e perguntei-lhe se a reunião da igreja havia sido transferida. Ele disse que não, quando ele saiu de lá, e que achava que era possível que eu alcançasse o vilarejo antes que fossem dispensados.

Cavalguei rapidamente, desci do cavalo à porta da casa de reunião e entrei com pressa. O Irmão Nash estava de pé frente ao púlpito, acabara de se levantar para dispensar a congregação. Ao ver-me, levantou suas mãos, e esperou que eu chegasse perto do púlpito, então abraçou-me. Depois disso, apresentou-me à congregação. Com uma palavra, informei-lhes que havia vindo para cumprir meu compromisso, e se o Senhor quisesse, pregaria a uma certa hora que então marquei.

Quando a hora chegou, a casa estava cheia. As pessoas já tinham ouvido o suficiente, a meu favor e contra mim, para que sua curiosidade estivesse aguçada, e havia um comparecimento geral. O Senhor me deu uma passagem, e eu subi ao púlpito e abri meu coração ao povo. A Palavra teve efeito poderoso. Isso estava muito claro a todos, eu acho. Encerrei a reunião, e naquela noite consegui um pouco de descanso.

O hotel da cidade era naquela época de um Dr. S, um Universalista devotado. Na manhã seguinte eu saí, como de costume, para visitar as pessoas, e conversar com elas sobre a conversão de suas almas, e percebi que a cidade estava agitada. Depois de algumas visitas, passei pela loja do alfaiate, onde encontrei um algumas pessoas discutindo sobre o sermão da noite anterior.

Nunca tinha ouvido falar do Dr. S, na época, mas escontrei-o em meio a esse grupo na alfaiataria, defendendo seus sentimentos Universalistas. Conforme entrei, os comentários que foram feitos imediatamente iniciaram a conversa, e Dr. S tomou a frente, obviamente apoiado por toda a influência de seus companheiros, para disputar as idéias que eu apresentada, e defender, em oposição a elas, a doutrina da salvação universal. Alguém mo apresentou, então eu lhe disse “Doutor, gostaria muito de

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conversar com o senhor sobre seus pontos de vista, mas se teremos essa conversa, devemos concordar quanto a um método de discussão.” Eu estava muito acostumado a discutir com Universalistas, então não esperava que nada de bom saísse disso, a menos que concordássemos com certos termos e os adotássemos para a discussão. Então eu propus, em primeiro lugar, de pegássemos um ponto por vez, e discutíssemos até chegar a um acordo, o não ter mais nada a falar sobre ele, depois outro, e depois mais outro, limitando-nos ao tópico em debate no momento. Em segundo lugar, que não deveriamos interromper um ao outro, mas ambos teriam a liberdade de expor seus pontos de vista sobre o assunto, sem interrupções. E por último, não haveriam críticas nem meras zombarias, mas que deveríamos manter a franqueza e cortesia, e dar a todos os argumentos seu devido valor, não importando o lado pelo qual foi apresentado. Eu sabia que todos eles pensavam de uma mesma maneira, e via facilmente que estavam unidos, e reuniram-se naquela manhã pelo bem de apoiar os pontos de vista uns dos outros.

Tendo estabelecido as preliminares, começamos a discussão. Não demorei para demolir todas as idéias que ele defendia. Ele realmente conhecia pouco da bíblia. Ele tinha um jeito de expor as principais passagens, como as lembrava, que são num geral arranjadas contra a doutrina do Universalismo. Mas, como os Universalistas sempre fazem, apoiava-se principalmente na infinita injustiça do castigo eterno.

Logo mostrei a ele, e a todos ao seu redor, que ele não tinha muito no que se basear, no que diz respeito à bíblia, e ele logo assumiu a idéia de que, independente do que a bíblia diz sobre isso, o castigo eterno era injusto, e portanto, se a bíblia ameça o homem com isso, não podia ser verdade. Isso encerrou o assunto, no que dizia respeito à bíblia. Na verdade, eu pude logo ver que todos eram céticos, e jamais desistiriam pois viam que a bíblia contradizia seus pontos de vsta. Então encerrei com ele o assunto da punição eterna. Vi que seus amigos começaram a agitar-se, sentindo que suas bases estavam cedendo sob seus pés. Logo um deles saiu, e conforme eu continuava, saiu outro, e por fim todos o tinham deixado, percebendo, como devem ter feito, um após o outro, que ele estava completamente errado.

Ele era seu líder, e Deus assim me deu uma oportunidade para acabar completamente com ele, na presença de seus seguidores. Quando ele não tinha mais nada a dizer, insisti para com ele, gentilmente, sobre a questão de atenção imediata para sua salvação, muito educadamente desejei-lhe um bom dia, e fui embora, tendo certeza de que em breve ouviria novamente sobre aquela conversa.

A esposa do doutor era uma mulher cristã, e parte da igreja. Ela me disse um ou dois dias depois, que o doutor chegara em casa depois daquela conversa aparentemente muito agitado, porém ela não sabia onde ele havia estado. Ele andava pela sala, depois sentava-se, mas não conseguia permanecer sentado. Ele então andava e se assentava alternadamente, e ela podia ver em seu semblante que ele estava muito atribulado. Ela perguntou “Doutor, qual é o problema?” “Nada.” foi a resposta dele. Mas sua agitação aumentou, e ela perguntou-lhe novamente “Doutor, conte-me qual é o problema.” Ela suspeitou que ele me tivesse encontrado em algum lugar, então disse a ele “Doutor, o senhor viu o Sr. Finney essa manhã?” Isso fez com que ele parasse, e caindo em lágrimas, exclamou “Sim! E ele virou minha arma contra minha própria cabeça!” Sua agonia tornou-se grande, e logo que coneguiu falar novamente, rendeu-se às suas convicções, e logo depois expressou sua esperança em Cristo. Dentro de poucos dias

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vieram seus companheiros, um após o outro, até que creio eu, o avivamento envolveu a todos.

Já disse que nesse lugar havia uma igreja Batista e uma Presbiteriana, cada uma com seu próprio prédio, não muito distante do centro, e que a igreja Batista tinha um pastor, mas a Presbiteriana não. Logo que o avivamento rompeu e chamou a atenção geral, os irmãos Batistas começaram a se opor. Eles falavam contra o movimento e usavam meios, de fato questionáveis, para impedir seu progresso. Isso encorajou um grupo de jovens rapazes a darem as mãos, a fim de fortalecerem-se na oposição da obra. A igreja Batista tinha bastante influência, e a posição que assumiram deu muita confiança para a oposição, e parecia dar-lhe uma força e amargura peculiar, como já era de se esperar. Aqueles jovens pareciam colocar-se como baluarte no caminho do progresso da obra.

Nessa situação, o Irmão Nash e eu, depois de uma conversa, chegamos à conclusão de que isso deveria ser superado pela oração, e não seria conquistado de nenhuma outra forma. Então retiramo-nos para um arvoredo e entregamo-nos a oração até que prevalecemos, e sentimo-nos confiantes de que nenhum poder que a Terra ou o inferno pudesse levantar, seria capaz de parar permanentemente o avivamento.

No domingo seguinte, depois de eu mesmo ter pregado de manhã e à tarde – porque eu fazia todas as pregações, e o Irmão Nash entregava-se quase que continuamente à oração – encontramo-nos às cinco horas na igreja para uma reunião de oração. A casa estava cheia. Perto do término da reunião, o Irmão Nash levantou-se e falou àquele grupo de jovens que haviam-se unido para resistir ao avivamento. Creio que todos eles estavam lá, e controlavam-se contra o Espírito de Deus. Era de fato tudo muito solene para que eles ridicularizassem o que viram e ouviram, mas ainda assim sua descaração e teimosia eram evidentes a todos.

O Irmão Nash dirigiu-se a eles com muita honestidade, e apontou a culpa e perigo do caminho que estavam tomando. Perto do fechamento de seu discurso, falou-lhes com veemência, e dizendo “Agora, marquem minhas palavras, rapazes! Deus trará a baixo suas posições em menos de uma semna, seja convertendo alguns de vocês, ou mandando alguns de vocês para o inferno. Ele fará isso tão certo quanto o Senhor é meu Deus!” Ele estava de pé apoiando a mão no banco à sua frente, de maneira que o fazia tremer por inteiro. Ele imediatamente se assentou, baixou a cabeça, e gemeu com grande dor.

Havia um silêncio mórbido no lugar, e a maioria das pessoas estava de cabeça baixa. Eu podia ver que aqueles rapazes estavam agitados. De minha parte, sentia muito que o Irmão Nash tivesse ido tão longe. Convencera-se de que Deus tomaria a vida de alguns deles e os mandaria para o inferno, ou então, converteria alguns deles, dentro de uma semana. Entretanto, na terça-feira da mesma semana, o líder desses jovens veio falar comigo, com grande agonia em sua mente. Ele estava totalmente preparado para se submeter, e logo que comecei a pressioná-lo, ele chorou como uma criança, confessou, e manifestadamente entregou-se a Cristo. Ele então disse “O que devo fazer, Sr. Finney?” Eu respondi “Vá imediatamente até seus companheiros e ore com eles. Exorte-os a voltarem-se para o Senhor de uma vez por todas.” Assim ele o fez, e antes que a semana terminasse quase todos, senão de fato todos daquele grupo, converteram-se a Cristo.

Havia um mercante de nome S vivendo na vidade. Ele era um homem amável, um cavalheiro, mas um deísta. Sua esposa era a filha de um ministro Presbiteriano. Essa

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era sua segunda mulher, e a primeira também fora a filha de um ministro Presbiteriano. Ele então já fora parte de duas famílias Presbiterianas. Seus sogros passaram por muitas dores para assegurar sua conversão a Cristo. Ele era um homem de leitura e reflexão. Ambos seus sogros eram Presbiterianos adeptos da antiga metodologia, e colocaram em suas mãos a classe de livros que apresentava suas visões tão peculiares. Isso o havia confundido muito, e quanto mais ele lia, mas convencia-se de que a bíblia era uma fábula.

Sua esposa com urgência pediu-me para que eu fosse conversar com seu marido. Ela me informou sobre seus pontos de vista, e dos esforços que já haviam sido feitos para levá-lo a aderir ao cristianismo. Mas ela disse que ele era tão convicto de suas idéias, que não sabia se qualquer conversa resolveria o caso. Mesmo assim, prometi visitá-los para vê-lo, e assim o fiz. A loja dele ficava na parte da frente do prédio onde moravam. Ela foi até a loja e pediu a ele que entrasse. Ele se recusou. Disse que não adiantaria, que já tinha falado com pastores demais, que sabia exatamente o que eu diria de antemão, e que ele não tinha tempo para perder, além do que, isso era repulsivo a seus sentimentos. Ela respondeu “Sr. S, o senhor nunca teve o hábito de conversar com pastores que vieram visitar-lhe dessa maneira. Convidei o Sr. Finney para fazer uma visita e falar com o senhor, para conversar sobre religião, e ficarei muito magoada e mortificada se recusar-se a vê-lo.”

Ele amava e respeitava muito sua esposa, e ela era de fato uma preciosidade de mulher. Para agradá-la, ele concordou em entrar. A Sra. S apesentou-me a ele e saiu da sala. Então eu lhe disse “Sr. S, não vim aqui para ter qualquer tipo de disputa com o senhor, mas se o senhor estiver disposto a conversar, é possivel que eu sugira algo que possa ajudá-lo a superar algumas de suas dificuldades, no que diz respeito ao Cristianismo, sendo que provavelmente já as tive todas.” Dirigi-me a ele com muita gentileza, ele imediatamente pareceu sentir-se à vontade comigo. Sentou-se perto de mim e disse “Agora, Sr. Finney, não há necessidade de termos uma longa conversa sobre esse assunto. Ambos estamos tão familiarizados com os argumentos, de ambos os lados, que posso declarar ao senhor, em poucos minutos, somente as objeções nas quais me apoio contra o Cristianismo, e que sou absolutamente incapaz de superar. Acredito que já sei de antemão como o senhor responderá a cada uma, e que as respostas não serão satisfatórias para mim. Mas se assim quiser, declara-las-ei.”

Pedi que o fizesse, então ele começou, pelo que posso recordar, dessa maneira: “O senhor e eu concordamos em acreditar na existência de Deus.” “Sim.” “Bem, concordamos que Ele é infinitamente sábio, e bom, e poderoso.” “Sim.” “Concordamos que Ele nos deu, no momento de nossa criação, certas convicções irresistíveis de certo e errado, justo e injusto.” “Sim.” “Bem, concordamos então que tudo que contradiz essas convicções não pode vir de Deus.” “Sim.” “Tudo que, de acordo com nossas convicções, não é sábio nem bom, não pode vir de Deus.” “Sim,” eu disse “concordamos nisso.” “Bem agora,” ele disse “a bíblia nos ensina que Deus nos criou com uma natureza pecaminosa, ou que viemos a exitistir como totais pecadores e incapazes de fazer o bem, e isso, de acordo com certas leis pré-estabelecidas, cujo autor é Deus, que sem considerar essa natureza pecaminosa, que é completamente incapaz de fazer o bem, Deus nos ordena a obedecê-lo, e a sermos bons, sendo que fazer isso é totalmente impossível para nós, e ele ordena isso sob ameaça de morte eterna.”

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Respondi: “Sr. S, o senhor tem uma bíblia? Poderia por favor abrir na passagem que ensina isso, por favor?” “Ora, não há necessidade para isso,” ele disse; “o senhor admite que a bíblia ensina isso.” “Não,” diss eu “não acredito nisso.” “Então,” ele continuou “a bíblia ensina que Deus imputou o pecado de Adão a toda sua posteridade, que nós herdamos a culpa do pecado por natureza, e estamos expostos à condenação eterna por culpa do pecado de Adão. Agora,” disse ele “não sei quem diz, ou que livros eninam tal coisa, só sei que tal ensinamento não pode vir de Deus. Isso é uma contradição direta de minhas convições de certo e justo.” “Sim,” eu respondi “da mesma forma uma contradição direta de minhas também. Mas agora,” continuei “onde isso está ensinado na bíblia?”

Ele começou a citar o catecismo, como fizera antes. Eu respondi “Mas isso é catecismo, não bíblia.” “Ora, o senhor é um pastor Presbiteriano, não? Pensei que o catecismo fosse uma boa autoridade para o senhor.” “Não,” eu disse; “estamos falando sobre a bíblia agora, se ela de fato é verdade. O senhor pode dizer que essa doutrina está na bíblia?” Ele disse “Ah, se o senhor negar que isso está ensinado na bíblia, oras, isso é tomar uma posição que nunca vi um pastor Presbiteriano tomar.” Ele então prosseguiu dizendo que a bíblia exigia que os homens se arrependessem, mas ao mesmo tempo ensinava-os que não podiam se arrepender, ela exigia que obedecessem e acreditassem, mas ao mesmo tempo ensinava que isso era impossível. É claro que eu encerrei também esse assunto com ele, e perguntei onde estavam tais coisas ensinadas na bíblia. Ele citou o catecismo, mas eu não aceitei.

Ele continou dizendo que a bíblia também ensinava que Cristo morreu somente pelos eleitos, mas ao mesmo tempo ordenava a todos os homens, em todos os lugares, eleitos ou não, a acreditar, sob ameaça de morte eterna. “O fato é que,” disse ele “a bíblia, em seus mandamentos e ensinamentos, vem de encontro a meu senso inato de justiça em todos os passos. Eu não posso e não vou aceitar!” Ele ficou muito agitado e firme no que disse. Porém eu falei: “Sr. S, há um erro nisso. Esses não são ensinamentos da bíblia, mas sim tradições de homens.” Então ele disse “Bem então, Sr. Finney, diga-me em quê acreditar!” Disse isso com um grau considerável de impaciência. Eu respondi “Se o senhor me der ouvidos por alguns momentos, contarei no que eu acredito.” Então comecei a contar-lhe quais eram minhas visões a respeito tanto da Lei quanto do Evangelho. Ele era inteligente o bastante para compreender-me fácil e rapidamente. Dentro de uma hora, acredito, passei por cada uma de suas objeções. Ele ficou muito interessado, e viu que as visões que eu apresentava eram novas para ele.

Quando falei sobre a remissão, e mostrei que fora feita para todos os homens, falei sobre sua natureza, seu projeto, sua extenção, e a liberdade de salvação através de Cristo, vi seus sentimentos levantarem-se, até que por fim colocou ambas as mãos por sobre o rost, jogou sua cabeça sobre os joelhos, e estremeceu com emoção. Eu vi que o sangue corria para sua cabeça, e as lágrimas começavam a cair naturalmente. Levantei-me rápido e deixei a sala sem dizer mais nenhuma palavra. Vi que uma flecha o transpassara, e esperei que se convertesse imediatamente. A verdade é que ele se convertera antes mesmo que eu deixasse a sala.

Logo depois, os sinos da igreja chamavam para uma reunião de oração e conferência. Entrei na reunião e logo depois do início, entraram o Sr. r a Sra. S. O semblante dele mostrava que fora grandemente tocado. As pessoas olharam em volta e pareciam surpresas ao verem o Sr. S entrar numa reunião de oração. Creio que ele sempre teve

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o hábito de participar da adoração no domingo, mas vir a uma reunião de oração, e aquela durante o dia, era novidade. Para o bem dele, gastei bastante tempo naquela reunião com comentários, aos quais ele prestou muita atenção.

Sua esposa depois me contou, que enquanto caminhavam para casa depois da reunião de oração, ele disse “Minha querida, para onde foi toda minha infidelidade? Não consigo lembrar. Não consigo ver qualquer sentido naquilo. Parece-me que isso sempre foi algo sem nexo. E como posso já ter visto o assunto como via, ou ter respeitado meus próprios argumentos como respeitava, não posso imaginar. Parece-me que fui chamado a julgar uma esplêndida obra aquitetônica, e que assim que vi um lado da estrutura, não gostei, dei as costas e recusei-me a inspecionar mais. Condenei o todo, sem considerar em nada suas proporções. É assim que tenho tratado o governo de Deus ate agora.” Ela disse que ele sempre foi especialmente contra a doutrina do castigo eterno. Mas nessa ocasião, enquanto caminhavam para casa, ele disse que, por causa da maneira na qual vinha tratando a Deus, ele merecia a condenação sem fim.

Sua conversão foi muito clara e decidida. Ele abraçou carinhosamente a caus de Cristo, e engajou-se de coração na promoção do avivamento. Entrou para a igreja, e pouco tempo depois tornou-se um diácono, e até o dia de sua morte, disseram-me, foi um homem muito usado.

Depois da conversão do Sr. S, e daquele grupo de jovens que mencionei, pensei que já era tempo, se possível, de colocar um fim na oposição da igreja e do pastor Batista. Tive portanto primeiro uma conversa com um diácono da igreja Batista, que era até então muito áspero em sua oposição, e disse a ele “Agora vocês já levaram essa oposição longe demais. Devem ficar satisfeitos por essa é a obra de Deus. Não fiz alusão em público à sua oposição, e não pretendo fazer, nem parecer que sei da existência de tal coisa, mas vocês já foram longe demais, e se não pararem imediatamente, serei obrigado a pegá-los na mão e expor sua oposição do púlpito.” As coisas tinham chegado a um estado tal que eu tinha certeza que tando Deus quanto o povo apoiar-me-iam se eu tivesse que tomar a atitude que propus.

Ele confessou e disse que sentia muito, e prometeu que faria uma confissão, e não mais se oporia à obra. Ele disse que fizera um grande erro, e estava enganado, mas que também fora muito ímpio em relação a isso. Ele então foi atrás de seu pastor, e eu tive uma longa conversa com os dois juntos. O pastor confessou que estava totalmente errado, que estava enganado e fora ímpio, e que seu sentimento sectário levara-o longe demais. Ele esperava que eu o perdoasse, e orou para que Deus o perdoasse também. Eu disse que não faria comentário algum sobre a oposição de sua igreja, desde que parassem com isso. Assim eles o prometeram.

Então eu disse a ele: “Agora, um número considerável de jovens, cujos pais pertecem à sua igreja, se converteu.” Se recordo direito, quase quarenta de seus jovens se converteram naquele avivamento. Eu disse “Agora, se o senhor tomar partidos, isso criará um sentimento sectário em ambas as igrejas, e será pior do que qualquer oposição que poderia oferecer. Apesar de sua oposição, a obra tem continuado, porque os irmãos Presbiterianos têm se mantido distantes de um espírito sectário, e têm tido um Espírito de oração. Mas se o senhor tomar partido, isso destuirá o espírito de oração, e parará imediatamente o avivamento.” Ele disse que sabia disso, e portanto não falaria nada sobre receber nenhum dos novos convertidos, e não abriria as portas

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da igreja para sua recepção, até que o avivamento terminasse, e então, sem qualquer proselitismo, deixaria que os convertidos se unissem à igreja que escolhessem.

Isso aconteceu na sexta-feira. O dia seguinte, sábado, era o dia de sua reunião mensal conjunta. Quando eles se reuníram, ao invés de manter sua palavra, ele escancarou as portas da igreja e convidou os convertidos a irem à frente para contar suas experiências e arrolarem-se à igreja. Tantos quantos foram persuadidos a assim o fazer, contaram suas experiências, e no dia seguinte houve uma grande festa para o batismo dos mesmos. O pastor imediatamente mandou chamar, e assegurou a ajuda de um dos pastores Batistais mais prosélitos que eu já conheci. Ele veio e começou a pregar sobre o batismo.

Eles vasculharam a cidade a procura de convertidos em todas as direções, e sempre que encontravam alguém que pudesse unir-se a eles, organizavam uma grande procissão e marchavam, e cantavam, e faziam uma grande festa a caminho das águas para batizá-los. Isso logo aborreceu a igreja Presbiteriana, a ponto de destruir seu espírito de oração e fé, e a obra ficou paralizada. Por seis semanas não houve nem sequer uma conversão. Todos, tanto santos quanto pecadores, discutiam a questão do batismo.

Havia um número considerável de homens, alguns deles proeminentes, no vilarejo, que estavam sob uma forte convicção e pareciam estar próximos da conversão, que ficaram inteiramente distraídos por essa discussão do batismo, e de fato, isso parecia ser o efeito universal. Todos podiam ver que o avivamento havia parado, e os Batistas, apesar de terem-se oposto ao avivamento desde o começo, estavam empenhados em fazer com que todos os convertidos entrassem para sua igreja. No entanto, acho que a maioria dos convertidos não pode ser persuadida a passar pela imersão, mesmo que nada fora dito a eles pelo outro lado.

Eu finalmente disse ao povo no domingo: “Vocês vêem como é que a obra de conversão está suspensa, e não sabemos de uma conversão que tenha acontecido em seis semanas, e vocês sabem o por quê.” Eu não falei nada sobre como o pastor Batista havia quebrado sua palavra, nem sequer fiz alusão a isso, pois eu saiba que isso não faria bem algum, mas sim machucaria muito, se informasse as pessoas que ele era culpado de seguir tal caminho. Mas eu disse “Agora, eu não quero gastar um domingo pregando sobre isso, mas se vocês vierem na quarta-feira, à uma hora, e trouxerem suas bíblias, e suas canetas para marcarem as passagens, lerei para vocês todas as passagens da bíblia relacionadas ao modo de batismo, e passarei a vocês, tão bem como posso entendê-las, as visões de nossos irmãos Batistas sobre todas essas passagens, juntamente com as minhas, e vocês mesmos julgarão onde está a verdade.”

Quando chegou a quarta-feira, a casa estava lotada. Vi muitos dos irmãos Batistas presentes. Eu comecei e li, primeiro no Velho Testamento, e depois no Novo, todas as passagens que tinham alguma referência ao modo de batismo, até onde eu sabia. Passei a visão que os Batistas tinham em relação àqueles textos, e as razões para suas visões. Então dei minhas próprias visões, e as razões para elas. Vi que a impressão causada foi boa e decidida, e que nenhum espírito mau prevalecera, e as pessoas pareciam satisfeitas no que diz respeito ao modo de batismo. Os irmãos Batistas, pelo que sei, ficaram muito satisfeitos pois expus fielmente seus pontos de vista, tão certo quanto eles mesmos poderiam fazer, bem como suas razões para eles. Antes de terminar a reunião, eu disse “Se vocês vierem amanhã, no mesmo horário, à

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uma hora, lerei para vocês todas as passagens na bíblia relacionadas ao assunto do batismo, e seguirei o mesmo caminho de hoje.”

No dia seguinte a casa estava mais lotada, se possível, do que no dia anterior. Um grande número dos principais irmãos Batistas estavam presentes, e observei que o velho presbítero, o grande prosélito, estava sentado na congregação. Depois de dar início ao culto, levantei-me e comecei minha leitura. Nesse momento o presbítero levantou-se e disse “Sr. Finney, eu tenho um compromisso, e não posso ficar para ouvir suas leituras. Mas quero responder-lhe, e como saberei que caminho o senhor seguirá?” Respondi-lhe “Presbítero, tenho diante de mim um pequeno esboço, no qual citei todas as passagens que lerei, e anotei a ordem na qual discutirei o assunto. O senhor pode ficar com meu esboço, se desejar, e responder a ele.” Ele então saiu, e suponho eu, foi para seu compromisso.

Então eu peguei a aliança feita com Abraão, e li tudo no Antigo Testamento que caía diretamente sobre a questão da relação das famílias e filhos com aquela aliança. Dei o ponto de vista Batista das passagens que li, junto com o meu, e as razões para ambos os lados, como fizera um dia antes. Então eu peguei o Novo Testamento, e passei por todas as passagens nele, referindo-se ao assunto. As pessoas tornaram-se muito brandas, e as lágrimas caíram com muita naturalidade quando mostrei aquela aliança como sendo a aliança que Deus faz om os pais em suas casas. A congregação ficou muito tocada e comovida.

Pouco antes que eu terminasse, o diácono da igreja Presbiteriana teve de sair, com uma criança que sentara a seu lado durante toda a reunião. Ele me contou depois que, conforme ele passava pelo hall de entrada da igreja, encontou o velho presbítero sentado ali com a porta entreaberta, e escutando o que eu dizia, totalmente em prantos.

Quando terminei, as pessoas aglomeravam-se ao meu redor por todos os lados, e com lágrimas agradeciam-me por uma exposição tão completa e satisfatória do assunto. Eu deveria ter dito que a reunião não foi atendida somente pelos membros da igreja, mas sim pela comunidade em geral. A questão foi resolvida inteligentemente, e logo as pessoas pararam de falar sobre o assunto. Dentro de poucos dias, o espírito de oração voltou, e o avivamento renasceu, e saiu novamente com grande poder. Não muito tempo depois, as ordenanças foram administradas, e um grande número de convertidos uniu-se à igreja.

Eu já disse que era um hóspede do Sr. S. Ele tinha uma família muito interessante. Ele e sua esposa, chamada por todos de “Tia Lucy”, não tinham gerado filhos, mas tinham, de tempos em tempos, pelo anseio de seus corações, adotado uma criança após a outra, até que tinham dez, e tinham idades tão próximas que, nessa época, sua família era composta por ele, Tia Lucy, sua esposa, e dez jovens, creio que igualmente divididos entre rapazes e moças. Logo todos se converteram, e suas conversões foram muito impactantes. Eram novos convertidos e jovens muito inteligentes, e jamais vi uma família mais feliz e amorosa do que eles eram, quando já todos se haviam convertido.

Mas Tia Lucy convertera-se sob outras circunstâncias, quando ainda não havia avivamento, e ela jamais vira a novidade, e força, e alegria dos convetidos em um avivamento poderoso. A fé e o amor, a alegria e a paz deles, confundiam-na completamente. Ela começou a pensar que nunca fora realmente convertida, e apesar de ter-se dado, alma e coração, para promover a obra, ainda assim, bem no meio dela, caiu em desespero, apesar de tudo que se pudesse dizer ou fazer. Ela concluiu que jamais fora convertida e, é claro, que nunca poderia ser.

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Ela trouxe para a família uma questão de grande dor e preocupação. Seu marido pensou que ela estava enlouquecendo. Todos os jovens, que a consideravam como mãe, encheram-se de preocupação para com ela, e de fato a casa ficou sob lamentos. O Sr. S gastava seu tempo para conversar e orar com ela, tentando reaver sua esperança. Eu tive muitas conversas com ela, mas à luz da experiência daqueles jovens convertidos, que ela ouvia diariamente, não podia ser persuadida a acreditar, nem que já fora convetida, nem que poderia ser.

Essa situação continuou por dias, até que eu mesmo comecei a achar que ela estava enlouquecendo. A rua na qual eles viviam era uma rua muito larga, quase um vilarejo, de mais ou menos cinco quilômetros e extensão. A obra estendera-se naquela rua até que ninguém mais além de um adulto restava sem se converter. Ele era um jovem, de nome B H, e era quase frenético em sua oposição à obra. A vizinhança quase inteira entregou-se a orar por esse jovem, e seu caso estava na boca de todos.

Certo dia entrei, e encontrei Tia Lucy preocupando-se muito com esse B H. “Ó meu Deus! O que será dele? Ora, Sr. S, ele certamente perderá sua alma! O que será dele?” Ela parecia estar em tremenda agonia, por quê o jovem não perdesse sua alma. Escutei-a por alguns momentos, então olhei seriamente para ela e disse: “Tia Lucy, quando a senhora e o B H morrerem, Deus terá de fazer uma divisão no inferno, e dar um quarto só para a senhora.” Ela arregalou seus grandes olhos azuis e olhou-me com um olhar de reprovação. “Ora, Sr. Finney!” disse ela. “É isso mesmo. Ou a senhora acha que Deus será culpado de algo tão impróprio quanto colocar-lhe no mesmo lugar com B H? Aqui está ele, esbravejando contra Deus, e a senhora está quase louca em sentir o abuso que ele faz de Deus, com medo de que ele perderá sua alma e irá para o inferno. Agora, a senhora acha de duas pessoas com mentes tão diferentes podem ser enviadas para o mesmo lugar?” Calmamente cruzei com seu olhar de reprovação e olhei fixamente em seus olhos. Em alguns instantes seus traços relaxaram, e ela sorriu, pela primeira vez em muitos dias. “É assim mesmo, minha querida,” disse o Sr. S “assim mesmo. Como você poderia ir para o mesmo lugar que B H?” Ela riu e disse “Não podemos.” A partir daquele momento, seu desespero acabou, ela estava limpa, e tão feliz quanto qualquer um dos jovens convertidos. Esse rapaz B H converteu-me mais tarde.

A mais ou menos cento e cinqüenta metros da casa do Sr. S, vivia um Sr. M, que era um forte Universalista, e por um tempo considerável, manteve-se distante de nossas reuniões. Certa manhã, Padre Nash, que na época também era hóspede do Sr. S, levantou-se, como era de seu costume, muito cedo, e foi até um arvoredo que ficava uns duzendos e cinqüenta metros, talvez, distante da estrada, para ter um período de oração sozinho. Isso foi antes do nascer do sol, e o Irmão Nash, como sempre, envolvia-se muito na oração. Era uma daquelas claras manhãs, nas quais é possivel escutar sons muito distantes. O Sr. M havia levantado, e estava do lado de fora já tão cedo, e ouviu a voz de alguém que orava. Ele ouviu, e podia escutar distintamente a voz do Padre Nash. Ele sabia que aquilo era uma oração, disse depois, apesar de não conseguir entender muito do que ele dizia. Ele disse que aquilo trouxe sobre ele um senso de realidade da religião, como jamais experimentara antes. A flecha acertara. Ele não conseguiu alívio, até encontrá-lo na fé em Jesus.

Não sei o número de pessoas que se converteram naquele avivamento, era uma cidade grande e com muitas fazendas, estabelecida por habitantes de bem. Sua grande maioria, tenho certeza, converteu-se a Cristo naquele avivamento.

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Não vou àquele lugar há muitos anos. Mas sempre tenho notícias de lá, e sempre soube que a religião tem estado muito saudável naquele local, e que nunca mais tiveram algo tal como uma discussão no assunto de batismo desde então.

As doutrinas pregadas para promover o avivamento, eram aquelas que já preguei em todo lugar. A moral total, a depravação voluntária do homem não regenerado, a necessidade de uma mudança radical de coração, por meio da verdade, do agir do Espírito Santo, a divindade e humanidade de nosso Senhor Jesus Cristo, sua redenção vicária, igual para as necessidades de toda a humanidade, o dom, divindade e ação do Espírito Santo, arrependimento, fé, justificação pela fé, santificação pela fé, persistência na santidade como condição para salvação, na verdade, todas as distintas doutrinas do Evangélho foram declaradas e expostas com tanta clareza, foco e poder quanto me era possível diante das circunstâncias. Um grande espírito de oração prevaleceu, e depois da discussão sobre o batismo, um espírito de unidade muito interessante, amor fraternal, e sociedade cristã prevaleceu. Eu não tive oportunidade finalmente, de repreender publicamente a oposição dos irmãos Batistas. Em minhas leituras sobre o batismo, o Senhor me capacitou a manter tal espírito que não causou o início de nenhuma controvérsia, e nenhum espírito de discória prevaleceu. A discussão não produziu nenhum resultado mau, mas um grande bem, e até onde pude ver, somente bem.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO XI.

O AVIVAMENTO EM DE KALB

DE Gouverneur eu fui para De Kalb, outro vilarejo ainda mais ao norte, aproximadamente vinte e cinco quilômetros, creio eu. Aqui havia uma igreja Presbiteriana, com um pastor, mas a igreja era pequena, e o pastor parecia não ter muita influência junto ao povo. Contudo, creio que ele era um homem decicidademente bom. Eu comecei a realizar reuniões em De Kalb, em diferentes partes da cidade. O vilarejo era pequeno e as pessoas ficavam bastante espalhadas. A região era nova, e as estradas novas e ruins. Mas um avivamento comecou imediatamente, e prosseguiu com bastante poder, para um lugar onde os habitantes estivessem tão dispersos.

Alguns anos antes, acontecera um avivamento sob o labor dos Metodistas. Esse movimento foi tratado com bastante agitação, e muitos casos de “quedas debaixo do poder de Deus”, nas palavras dos Metodistas, aconteceram. Esses presbiterianos resistiram ao avivamento, e conseqüentemente, fortes ressentimentos nasceram entre Metodistas e Presbiterianos. Os Metodistas acusando os Presbiterianos de se oporem ao avivamento entre eles por causa dessas quedas. Até onde pude saber, havia bastante verdade nisso, e os Presbiterianos estavam decididamente errados.

Eu não havia pregado por muito tempo antes que, em uma certa noite, logo que terminava meu sermão, vi um homem cair de seu assento próximo à porta, e as pessoas ajuntaram-se ao seu redor para cuidar dele. Pelo que vi, tive certeza de que ele caira sob o poder de Deus, como diriam os Metodistas, e supus que ele era um deles. Devo dizer que tive um pouco de medo que aquilo reproduzisse aquela divisão e alienação que existia antes. Mas perguntando depois, descobri que foi um dos principais membros da igreja Presbiteriana que caiu. E foi impressionante que durante esse avivamento, vários casos como esse aconteceram em meio aos Presbiterianos, e nenhum em meio aos Metodistas. Isso levou a muitas confissões e explicações entre os membros das diferentes igrejas, o que assegurou uma situação de grande cordialidade e bons sentimentos entre eles.

Enquanto trabalhava em De Kalb, familiarizei-me primeiro com Sr. F, de Ogdensburgh. Ele escutou sobre o avivamento em De Kalb e veio de sua cidade, a mais ou menos vinte e cinco quilômetros dali, para ver. Ele era rico e muito benevolente. Ele se propôs a contratar-me como seu missionário, para trabalhar nas cidades em todo aquele condado, e pagar-me um salário. No entanto, recusei comprometer-me a pregar em qualquer lugar em particular, ou a limitar minhas obras a quaisquer linhas impostas.

O Sr. F passou muitos dias comigo, nas visitas de casa em casa, e participando de nossas reuniões. Ele fora educado na Filadélfia, um Presbiteriano tradicional, e era um presbítero em sua igreja em Ogdensburgh. Ao ir embora, deixou-me uma carta, contendo três notas de dez dólares. Poucos dias depois ele apareceu de novo, passou mais uns dois ou três dias, participou de nossas reuniões e ficou muito interessado na obra. Quando ele foi embora, deixou-me outra carta, contento, como antes, três notas de dez dólares. Assim, tinha em minhas mãos sessenta dólares, com os quais imediatamente comprei uma carroça. Antes disso, apesar de ter um cavalo, eu não

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tinha uma carroça, e minha jovem esposa e eu costumávamos ir bastante à pé para as reuniões.

O avivamento foi muito forte com a igreja naquele lugar, e entre outros, um dos presbíteros da igreja, de nome B, foi minuciosamente quebrantado, e tornou-se um homem muito diferente. A impressão estava cada dia mais profunda na opinião pública.

Certo sábado, num final de tarde, um alfaiate mercante alemão, vindo de Ogdensburgh, de nome F, veio visitarme, e disse-me que o Juiz F o havia enviado desde lá para tirar minhas medidas para um terno. Eu começava a precisar de roupas, e uma vez, não muito antes disso, falei sobre isso com o Senhor, que minhas roupas estavam ficando surradas, mas nunca mais tinha pensado nisso. O Sr. F, no entanto, observou isso, e enviou esse homem, que era um Católico Romano, para tirar minhas medidas. Perguntei-lhe se ele não poderia passar o domingo por lá, e tirar minhas medidas na segunda-feira pela manhã. Eu disse “Já é muito tarde para o senhor retornar esta noite, e se eu permitir que o senhor tire minhas medidas hoje, voltará para casa amanhã.” Ele admitiu que esperava fazer isso. Eu disse “Então não vai tirá-las. Se o senhor não ficar aqui até segunda-feira de manhã, não tirará minhas medidas para o terno.” Ele permaneceu.

Na mesma tarde, outras pessoas chegaram de Ogdensburgh, e entre elas estava um Presbítero S, que era um irmão presbítero na mesma igreja que freqüentava o Sr. F. O filho do Sr. S, um jovem não convertido, veio com ele.

O Presbítero S participou da reunião pela manhã, e no intervalo foi convidado pelo Presbítero B para ir para casa com ele, e refrescar-se um pouco. O Presbítero B era cheio do Espírito Santo, e no caminho para casa ele pregou para o Presbítero S, que na época estava muito frio e retrocedendo na religião. Ele ficou muito impactado com suas palavras.

Logo que chegaram na casa, a mesa estava posta, e eles foram convidados a sentarem-se para repor as energias. Conforme sentavam-se à mesa, o Presbítero S perguntou ao Presbítero B “Como o senhor conseguiu essa benção?” Ele respondeu “Eu parei de mentir para Deus. Por toda minha vida cristã sempre fiz de conta, pedindo a Deus coisas que eu não queria ter, não completamente, e eu continuava e orava como as outras pessoas oravam, e muitas vezes não fui sincero, realmente mentia para Deus. Logo que me decidi a nunca mais dizer nada em oração para Deus que não fosse de coração, Deus respondeu, e o Espírito desceu, e fui cheio do Espírito Santo.”

Nesse momento o Sr. S, que ainda não havia começado a comer, afastou sua cadeira da mesa, caiu de joelhos e começou a confessar como mentira para Deus, e como havia sido um hipócrita em suas orações, bem como em sua vida. O Espírito Santo veio sobre ele imediatamente, e encheu-o até o máximo que ele podia suportar.

À tarde, o povo reunira-se para adoração, e eu estava de pé no púlpito lendo um hino. Escutei alguém falando muito alto, aproximando-se da casa, pois as janelas e porta estavam abertas. Dois homens entraram direto. O Presbítero B eu conhecia, o outro era um estranho. Logo que entrou pela porta, levantou os olhos para mim, veio direto para o púlpito, pegou-me em seus braços e disse “Deus lhe abençõe! Deus lhe abençõe!” Ele então começou a me contar, e contar para toda a congregação, o que o Senhor acabara de fazer por sua alma.

Seu semblante brilhava, e ele estava tão mudado em sua aparência, que aqueles que o conheciam estavam totamente pasmos com a mudança. Seu filho não sabia dessa

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mudança em seu pai. Quando ele o viu e ouviu, levantou-se e apressava-se para sair da igreja. Seu pai gritou “Não saia daqui, meu filho, pois até agora eu nunca amei você.” Ele continuou falando, e o poder com que falava era perfeitamente surpreendente. As pessoas quebrantaram-se por todos os lados, e seu filho caiu em prantos quase que imediatamente.

Logo o alfaiate Católico Romano, Sr. F, levantou-se e disse “Devo contar-lhes o quê o Senhor tem feito pela minha alma. Fui criado, um Católico Romano, e nunca ousei ler minha bíblia. Fui ensinado que se eu lesse, o diabo levaria-me para fora do meu corpo. Algumas vezes, quando ousava folheá-la, parecia-me que o diabo estava olhando por sobre meu ombro, e tinha vindo para levar-me embora. Mas eu vejo que isso é tudo uma ilusão.” E ele continuou falando o que o Senhor fizera por ele ali, naquele mesmo instante – que visões o Senhor lhe dera sobre o caminho de salvação por Jesus Cristo. Era evidente a todos que ele se convertera.

Isso causou um grande impacto na congregação. Eu não consegui pregar. A reunião seguia o caminho que o Senhor dera. Eu permaneci sentado e vi a salvação de Deus. Durante toda a tarde, conversões multiplicaram-se por todos os lados da congregação. Conforme levantavam-se um após o outro, e contavam o que o Senhor havia feito, e estava fazendo, por suas almas, o impacto aumentava, e era um mover tão espontâneo do Espírito Santo no convencer e converter de pecadores como poucas vezes já vi.

No dia seguinte esse Presbítero S retornou a Ogdensburgh. Mas pelo que entendo ele fez muitas visitas no caminho, e conversou e orou com muitas famílias, e assim o avivamento extendeu-se até Ogdensburgh.

No começo de outubro, o sínodo ao qual eu pertencia, reuniu-se em Utica. Peguei minha esposa e fui até Utica para participar da reunião, e para visitar a família de seu pai, que vivia perto dalí.

Sr. Gale, meu professor de teologia, deixara Adams não muito tempo depois de mim, e mudara-se para uma fazenda na cidade do condado de Oneida D’Oeste, onde estava empenhado em recuperar sua saúde, era empregado como professor de alguns jovens, que dispuseram-se a preparação para pregarem o Evangélho. Passei alguns dias no sínodo em Utica, então parti retornando a meu antigo campo de trabalho, no condado de Saint Lawrence.

Não estávamos viajando há mais de vinte quilômetros quando cruzamos com o Sr. Gale em sua carroça, a caminho de Utica. Ele saltou de seu carro e disse “Deus o abençõe, Irmão Finney! Eu estava a caminho do sínodo para vê-lo. Você deve vir para casa comigo, não aceito não como resposta. Eu não acho que jamais fora convertido, e outro dia escrevi para Adams, perguntando para onde deveria mandar uma carta para você, pois queria abrir minhas idéias para você sobre o assunto.” Ele insistiu tanto que concordei, e dirigimo-nos imediatamente para o oeste.

Ao refletir sobre o que já disse sobre os avivamentos religiosos nos condados de Jefferson e St. Lawrence, não tenho certeza se ressaltei tanto quanto pretendia a manifesta ação do Espírito Santo naqueles movimentos. Quero ser distintamente compreendido, em tudo que direi, em minha narativa dos avivamentos que testemunhei, que eu sempre, tanto em minha mente quanto praticamente, dei muita atenção a esse fato, destacando, apontando, e dando crédito aos meios, sem os quais nada seria conquistado.

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Já disse mais de uma vez, que o espírito de oração que prevaleceu naqueles avivamentos era uma característica muito marcante deles. Era comum para os jovens convertidos exercitarem muito suas orações, e em alguns exemplos isso era tanto, que eram constrangidos a orarem por noites inteiras, e até que suas forças estivessem quase acabadas, pela conversão das almas ao seu redor. Havia uma grande pressão do Espírito Santo sobre as mentes dos cristãos, e eles pareciam carregar por aí sobre si o fardo de almas imortais. Eles manifestavam uma grande solenidade mental, um grande cuidado em todas as suas palavras e ações. Era muito comum encontrar cristãos, sempre que se encontravam em qualquer lugar, que ao invés de começarem a orar, caíam de joelhos em oração.

Não apenas as reuniões de oração foram grandemente multiplicadas e atendidas, não apenas havia grande solenidade naquelas reuniões, mas também havia um grande espírito de orações em secreto. Os cristãos oravam muito, muitos deles gastando muitas horas em orações particulares. Também era o caso de dois, ou mais, tomarem posse da promessa “se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus,” e fazerem de alguma pessoa em especial um objeto de oração, e era maravilhoso ver como prevaleciam. As respostas a orações multiplicavam-se tanto por todos os lados, que ninguém escapava a convicção de que Deus as respondia todo dia, a toda hora.

Se qualquer coisa acontecesse que ameaçasse danificar a obra, se houvesse qualquer pontinha de amargura surgindo, ou de tendencialismo, ou fanatismo, ou desordem, os cristãos ficariam atentos, e entregar-se-iam a Deus em oração para que ele tomasse a direção e o controle de todas as coisas, e era supreendente ver até onde, e como, Deus removia os obstáculos do caminho, em resposta as orações.

Em consideração à minha própria experiência, digo que a menos que eu tivesse o espírito de oração, não conseguiria fazer nada. Se mesmo por um dia ou uma hora, eu perdesse o espírito de graça e súplica, e encontrar-me-ia incapaz de pregar com poder e eficiência, ou de ganhar almas por conversas pessoais. Essa era e sempre foi minha experiência a esse respeito.

Por várias semanas, antes que eu deixasse De Kalb para ir ao sínodo, estava fortemente engajado em oração, e tive uma experiência que foi de fato nova para mim. Encontrei-me tão envolvido, e sentindo o tão pesado fardo de almas imortais, que fui constrangido a orar sem cessar. Algumas de minhas experiências de fato, assustaram-me. Um espirito de insistência por vezes vinha sobre mim, e eu falava para Deus que Ele havia feito uma promessa de responder às orações, e então eu não podia, não seria negado a uma resposta. Tive tanta certeza que Ele me ouviria, e que uma fidelidade a Suas promessas, e a Si Mesmo, tornava impossível que Ele não ouvisse e respondesse, que freqüentemente via-me dizendo-lhe “Espero que não penses que posso ser negado. Venho a Ti com tuas fieis promessas em minhas mãos, e não posso ser negado.” Não posso expressar o quão absurdo a falta de fé me parecia, e quão certo era, em minha mente, que Deus responderia a oração – aquelas orações que, dia após dia, hora após ora, encontrava-me oferecendo com tanta agonia e fé. Eu não tinha idéia de qual seria a resposta, a localidade na qual as orações seriam respondidas, nem o momento exato da resposta. Minha impressão era que a resposta estava próxima, até mesmo à porta, e sentia-me fortalecido na vida divina, coloquei a armadura pra um grande conflito com os poderes das trevas, e esperei por logo ver um

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derramamento mais poderoso do Espírito de Deus, naquela nova região onde eu vinha trabalhando.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO XII.

O AVIVAMENTO EM D’OESTE

JÁ falei de minha mudança de direção com destino a D’Oeste, quando estava voltando do sínodo em Utica. Nesse lugar começou aquela série de vivamentos, depois chamados de avivamentos ocidentais. Até onde sei, esses avivamentos chamaram a atenção e instigaram de certos pastores proeminentes do Leste, e levantou o pedido de “Novas Medidas”.

A maioria das igrejas naquela região eram Presbiterianas. Havia naquele condado, no entanto, três pastores Congregacionais que se auto-denominavam “A Associação Oneita”, que na época publicava um panfleto contra aqueles avivamentos. Sabíamos disso, mas sendo que os panfletos não causavam muita influência no público, nunca foram mencionados de púlpito, até onde sei. Pensávamos que era provável que aquela associação tinha muito a ver com a oposição que se levantara no Leste. Seu líder, o Rev. William R Weeks, como era conhecido, defendia e propagava as doutrinas peculiares do Dr. Emmons, e insistia muito no que chamava de “O esquema de eficiência divina.” Suas visões peculiares sobre o assunto naturalmente levaram-no a suspeitar de tudo que não era ligado a elas, nas pregações e nos meios utilizados para promover o avivamento. Ele parecia ter pouca ou nenhuma confiança nas conversas que não levassem os homens a adotar seus pontos de vista de uma eficiência e soberania divina, e sendo que nós que trabalhamos naqueles avivamentos não tínhamos empatia alguma por suas idéias a esse respeito, era muito natural que ele não tivesse muita confiança na genuinidade dos avivamentos. Mas nunca imaginávamos que toda a oposição poderia ter-se originado nas representações feitas por qualquer um dos membros daquela associação.

Nenhuma réplica pública foi feita às cartas que encontravam seus caminhos para a imprensa, nem a nada do que foi puplicado em oposição aos avivamentos. Nós que estavamos envolvidos nos mesmos, estavamos ocupados demais, mãos e corações, para prestar atenção em responder cartas, relatórios ou publicações que manifestadamente representavam de forma errônea o caráter da obra.

O fato que nenhuma resposta foi dada na época, fez com que o público exterior, de fora do alcançe daqueles avivamentos, e nos lugares onde os fatos não eram conhecidos, compreendesse mal seu caráter. Tanta apreensão chegou a existir, que era comum a homens de bem presumirem, em relação a esse mover, ainda que fossem num geral avivamentos religiosos, que os movimentos eram conduzidos de forma que grandes desordens manifestavam-se no meio deles, e que havia muito a se lamentar em seus resultados.

Agora, tudo isso é um grande erro. Relatarei da melhor maneira que puder, as características desses avivamentos, os meios utilizados para promovê-los, e expor, com todas as minhas habilidades, seus verdadeiros resultados e caráter, compreendendo bem como faço, que existem multidões de testemunhas vivas, que podem atestar a verdade no que digo ou, se estou errado, corrigir-me.

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E agora voltarei a D’Oeste, onde esses avivamentos começaram, no condado de Oneida. Eu já disse que o Sr. Gale estabelecera-se em uma fazenda em D’Oeste, empregava alguns jovens para o ajudarem a cultivar a fazenda, estava envolvido em ensinar-lhes, e empenhado em recuperar sua própria saúde. Fui direto para sua casa, e por várias semanas, fui seu hóspede. Creio que chegamos lá numa quinta-feira, e naquela tarde haveria uma reunião de oração na escola, perto da igreja. A igreja não tinha um pastor fixo, e o Sr. Gale estava impossibilitado de pregar, e de fato não ia até lá pregar, mas isso só por causa de sua saúde. Acredito que geralmente eles tinham um pastor, mas só em período parcial, e já há algum tempo não tinham ninguém na igrja Presbiteriana quando cheguei. A igreja tinha três presbíteros e poucos membros, mas a igreja era muito pequena e a maré da religião estava muito baixa. Parecia não haver vida, nem coragem, nem organização por parte dos cristãos, e nada era feito para assegurar a conversão de pecadores, ou a santificação da igreja.

À tarde, o Sr. Gale convidou-me para a reunião de oração, e eu fui. Pediram-me para assumir a liderança da reunião, mas não aceitei, esperando ficar por lá somente aquele dia, e preferindo escutá-los orar e falar, do que participar ativamente da reunião. A reunião foi aberta por um dos presbíteros, que leu um capítulo da bíblia, depois um hino, que foi cantado em seguida. Depois disso ele fez uma longa oração, ou talvez eu deva dizer uma exortação, ou uma narrativa... não sei bem como chamar aquilo. Ele disse ao Senhor há quantos anos mantinham aquela reunião semanal de oração, e que ainda não haviam recebido resposta alguma. Ele deu tais declarações e confissões que chocaram-me muito. Quando ele acabou, outro presbítero continuou com o mesmo tema. Ele leu um hino, e depois de cantar, começou a orar longamente, e passou por praticamente todos os mesmos assuntos, fazendo algumas declarações que haviam sido omitidas pelo primeiro. Então veio o terceiro presbítero, seguindo o mesmo caminho. A essa altura eu poderia dizer como Paulo, que meu espírito agitava-se dentro de mim. Eles haviam terminado e estavam prestes a dispensar a reunião, mas um dos presbíteros perguntou-me se eu gostaria de fazer algum comentário antes de encerrassem. Levantei-me e tomei suas declarações e confissões como base, e parecia-me, no momento, que Deus inspirava-me a dar-lhes uma terrível golpe como a ponta de uma espada.

Quando me levantei, não tinha idéia do que diria, mas o Espírito de Deus veio sobre mim, e eu peguei suas orações, declarações e confissões, e dissequei-as. Mostrei-as e perguntei se aquela reunião de oração era de fato uma reunião de gozação ou se haviam-se reunido para abertamente zombar de Deus, ao insinuarem que toda a culpa pelo que vinha acontecendo naqueles dias, deveria ser designada a Sua soberania?

A princípio observei que todos pareciam bravos. Alguns deles depois disseram, que estavam prestes a levantarem-se para sair. Mas passei com eles por todos os pontos de suas orações e confissões, até que o presbítero que era o principal homem entre eles, e que iniciara a reunião, caindo em lágrimas, exclamou “Irmão Finney, isso tudo é verdade!” Ele caiu de joelhos e chorou alto. Esse foi o estopim de um colapso geral. Todos os homens e mulheres ficaram de joelhos. Provavelmente não havia mais do que doze pessoas presentes, mas eles eram os principais membros da igreja. Todos choraram e confessaram e quebraram seus corações diante de Deus. Essa cena continuou, presumo, por uma hora, e raramente testemunhei um choro e confissão tão fiel.

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Logo que se recuperaram, imploraram-me para que eu permanecesse aí e pregasse para eles no domingo. Considerei isso como a voz do Senhor, e concordei em fazê-lo. Isso foi na quinta à noite. Na sexta-feira, minha mente estava muito agitada. Eu ia freqüentemente até a igreja, para orar em secreto, e tive um envolvimento poderoso com Deus. A notícia foi espalhada, e no domingo, a igreja estava repleta de ouvintes. Eu preguei o dia inteiro, e Deus desceu com grande poder sobre o povo. Era óbvio a todos que a obra da graça começara. Marquei de pregar em diferentes partes da cidade, em escolas, no centro, durante a semana, e a obra crescia dia-a-dia.

Enquanto isso, minha próprima mente estava muito envolvida em oração, e descobri que o espírito de intercessão estava prevalecendo, especialmente entre as mulheres da igreja. Descobri que a Sra. B e a Sra. H, esposas de dois dos presbíteros da igreja, foram quase que imediatamente muito envolvidas em oração. Ambas tinham famílias com filhos não convertidos, e apresentavam suas orações com tanta sinceridade que, para mim, acabou por trazer a promessa de que suas famílias converter-se-iam. A Sra. H, no entanto, era uma mulher de saúde frágil, e não saía há muito tempo, para ir a qualquer reunião. Mas sendo que o dia estava agradável, ela estava na reunião de oração que mencionei, e pareceu levar aquela inspiração para casa consigo.

Foi na semana seguinte, creio eu, que fui visitar o Sr. H, e encontrei-o pálido de agitado. Ele disse para mim “Irmão Finney, acho que minha esposa via morrer. Ela está com uma mente tão agitada que não consegue descansar dia e noite, mas entregou-se inteiramente à oração. Ela esteve a manhã inteira em seu quarto, gemendo e pelejando em oração, e temo que isso superará todas as suas forças.” Ao escutar minha voz na sala, ela saiu de seu quarto, e em seu rosto havia um brilho quase celestial. Seu semblante estava iluminado com uma esperança e uma alegria que vinham diretamente do céu. Ela exclamou “Irmão Finney, o Senhor já chegou! Essa obra há de espalhar-se por toda essa região! Uma nuvem de misericória está sobre todos nós, e veremos tal obra de graça como jamais vimos antes.” Seu esposo parecia surpreso, confuso, e não sabia o que dizer. Isso era novidade para ele, mas não para mim. Eu já havia testemunhado cenas como essas antes, e acreditava que a oração havia prevalecido, acreditava não, tinha certeza dentro de minha própria alma.

A obra continuou, espalhou-se, e prevaleceu, até que começou a exibir indicações inconfundíveis da direção que o Espírito de Deus tomava a partir daquele lugar. A distância para casa era de aproximadamente quinze quilômetros, acredito. Mais ou menos no meio do caminho havia uma pequena vila, chamada de Elmer’s Hill. Lá havia uma escola grande, onde eu dava palestras semanais, e logo tornou-se óbvio que a obra extendia-se em direção a Roma e Utica. Havia uma aldeia a mais ou menos cinco quilômetros ao nordeste de Roma, chamada e aldeia Wright’s. Muitas pessoas vinham de Roma e de Wright’s para participar das reuniões em Elmer’s Hill, e logo a obra começou a ter efeito sobre eles.

Mas eu devo relatar alguns incidentes que ocorreram no avivamento em D’Oeste. A Sra. B, a quem já fiz alusão, tinha uma família grande de filhos não convertidos. Um dos filho era, creio eu, um professor de religião, e vivia em Utica, o resto da família morava em casa. Eram uma família muito amável, e a filha mais velha, em especial, era abertamente considerada pela família como quase perfeita. Fui várias vezes conversar com ela, mas descobri que a família era tão sucetível a seus sentimentos que eu não poderia jamais dissuadí-la de sua justiça pessoal. Ela fora evidentemente levada a acreditar que era quase, se não de fato, uma cristã. Sua vida tinha sido tão

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irrepreensível, que era muito difícil convencê-la de seus pecados. A segunda filha também era uma menina muito amável, mas não se considerava digna de ser comparada à irmã mais velha, no que dizia respeito à doçura e excelência de caráter.

Um dia, quando eu estava conversando com S, a mais velha, e tentava convencê-la a enxergar-se como uma grnde pecadora, independentemente de sua moral, C, a segunda filha, disse-me “Sr. Finney, eu acho que o senhor é muito duro com a S. Se o senhor falasse assim comigo, eu saberia que merecia, mas não acho que ela merece.” Depois de ter sido derrotado muitas vezes em minhas tentativas de assegurar a convicção e conversão de S, tomei a decisão de esperar minha hora, e aproveitar uma oportunidade em que pudesse encontrá-la longe de casa, ou sozinha. Não demorou muito a essa oportunidade aparecer. Comecei uma conversa com ela, e o conselho de Deus impediu-a de cobrir seu coração, e veio sobre ela uma poderosa convicção do pecado. O Espírito a persuadiu com grande poder. A família estava surpresa e muito confusa com S, mas Deus firmou essa questão em sua mente até que, depois de alguns dias de peleja, ela foi totalmente quebrantada, e veio para o reino, talvez com a conversão mais bonita que já vi. Suas convicções eram tão plenas que, quando veio, era mito forte na fé, entendida em sua apreensão do dever e da verdade, e imediatamente tornou-se fonte em seu poder para o bem entre seus amigos e familiares.

Enquanto isso, C, a segunda filha, temeu muito por si mesma, e ansiava demais por sua própria salvação. A mãe parecia em grande agonia de alma dia e noite. Eu visitava aquela família quase que diariamente, e às vezes, duas ou três vezes em um mesmo dia. Os filhos converteram-se um após o outro, e esperávamos todos os dias ver C converter-se de vez. Mas por alguma razão, ela parecia resistir. Estava claro que o Espírito era resistido, e em um dia fui visitá-la, encontrei-a sentada sozinha na sala. Perguntei como ela estava e ela respondeu: “Sr. Finney, estou perdendo minha convicção. Não estou nem de perto tão preocupada comigo mesma como já estive.” Nesse exato momento uma porta se abriu e a Sra. B veio para a sala, então disse-lhe o que C dissera. Isso a chocou tanto que ela gemeu alto, e caiu prostrana no chão. Ela não conseguia se levantar, e pelejava e gemia suas orações, de um modo que indicou imediatamente para mim que C deveria se converter. Ela não conseguia dizer muitas palavras, mas seus gemidos e lágrimas davam o testemunho de sua extrema agonia mental. Logo que essa cena ocorreu, o Espírito de Deus veio manifestadamente sobre C. ela caiu de joelhos e tornou-se aos olhos de todos, uma convertida tão plena quando S. Os filhos da família B converteram-se todos naquela época, acredito eu, exceto pelo mais jovem, que era então uma criança. Um dos filhos tem pregado o Evangélho por muitos anos.

Entre outros incidentes, lembro-me do caso de uma jovem, de uma parte distante da cidade, que vinha para a reunião no centro da cidade quase que todos os dias. Eu conversara com ela várias vezes, e a encontrei profundamente convencida, quase em desespero. Eu esperava todos os dias escutar que ela se convertera, mas ela estacionou, e ao invés disso, seu desespero aumentava. Isso levou-me a suspeitar que havia algo de errado em sua casa. Pergutei a ela se seus pais eram cristãos. Ela disse que eles eram membros da igreja. Perguntei se eles participavam das reuniões. Ela disse “Sim, aos domingos” “Seus pais não participam de nenhuma outra reunião?” “Não.” foi a resposta. “Vocês oram em família em casa?” “Não senhor. Costumávamos fazer isso, mas já não oramos em família há um bom tempo.” Isso revelou-me a pedra

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de tropeço de uma vez só. Perguntei quando que poderia encontrar seus pais em casa. Ela disse “praticamente a qualquer hora”, pois eles raramente saíam de casa. Sentindo que era muito perigoso deixar esse caso como estava, fui visitar essa família no dia seguinte.

Essa moça era, creio eu, filha única, e sempre fora a única criança em casa. Encontrei-a prostrada, afundada em desespero. Eu disse para sua mãe “O Espírito do Senhor está lutando com sua filha.” Ela disse “Sim, não sei porquê, mas Ele está.” Perguntei se ela estava orando pela moça. Ela respondeu-me de forma a fazer-me entender que não sabia o que era orar por ela. Perguntei por seu marido. Ela disse que ele estava no campo, trabalhando. Pedi para chamá-lo. Ele veio, e conforme entrava eu disse “O senhor vê o estado em que se encontra sua filha?” Ele respondeu que pensava que ela estivesse passando mal. “O senhor tem se empenhado em orar por ela?” Sua resposta revelou que se ele em algum momento já fora convencido, era um apóstata miserável, e não tinha nenhum compromisso com Deus. E falei “E vocês nunca oram em família.” “Não, senhor.” Então eu disse “Agora, tenho visto sua filha, dia após dia, curvando-se em convicção, e descobri que o problema está aqui em casa. Vocês bloquearam o reino dos céus sobre sua filha. Vocês não entram, nem permitem-na a entrar. Sua falta de fé e mente fechada impossibilitam a conversão de sua filha, e vocês arruinarão sua alma. Agora vocês precisam se arrepender. Não pretendo sair dessa casa enquanto o senhor e sua esposa não se arrependerem, e sairem do caminho de sua filha. Devem estabelecer orações familiares, e reconstruir o altar que foi destruido. Agora, meu prezado senhor, poderia ajoelhar-se aqui, juntamente com sua esposa, e começar a orar? E prometem, que a partir desse momento, cumprirão seu dever, reconstruirão o altar familiar, e retornarão para Deus?”

Fui tão honesto com eles, que ambos começaram a chorar. Minha fé era tão forte, que não titubiei quando disse-lhes que não sairia daquela casa, até que eles se arrependessem e erguessem seu altar familiar. Senti que a obra deveria ser feita, e deveria ser naquela hora. Coloquei-me de joelhos e comecei a orar, e eles se ajoelharam e choravam penosamente. Confessei-me a eles, da melhor maneira que pude, e tentei levá-los a Deus, e pelejar com Deus em sua defesa. Era uma cena comovente. Ambos quebrantaram seus corações e confessaram seus pecados. Ela se levantou regozijando-se em Cristo. Muitas respostas a orações, e muitas cenas de grande interesse foram apresentadas nesse avivamento.

Houve uma situação de minha própria experiência que, para a honra de Deus, não posso omitir ao relatar essa conexão. Eu vinha pregando e orando quase sem parar durante o tempo em que estive com o Sr. Gale. Sendo que eu estava acostumado a usar minha voz em minhas orações particulares, por conveniência, para que seu não fosse ouvido por outros, eu tinha esticado uma manta de pele de búfalo no celeiro, onde costumava passar uma grande parte de meu tempo, quando não estava fazendo visitas ou pregando, orando em secreto a Deus. O Sr. Gale admoestara-me várias vezes que se eu não tomasse cuidado, iria além de meus limites e entraria em colapso. Mas o Espírito de oração estava sobre mim, eu não podia resistir a Ele, mas sim deixá-lo agir, liberando livremente minhas forças no derramar de minha alma para Deus. Era novembro, e o clima começava a ficar frio. O Sr. Gale e eu estávamos com sua carroça, visitando aqueles que tínham dúvidas, para conversar. Nós viemos para casa e fomos para o estábulo, para soltar o cavalo. Em vez de entrar para casa, eu fui para o celeiro para derramar minha pesada canção a Deus em oração. Orei até aquele fardo me

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deixar. Eu estava tão exausto que caí, e quase me perdi no sono. Devo ter adormecido quase que instantaneamente, acredito, por não me lembrar de ter se passado nenhum tempo, depois que a luta dentro de minha alma terminou. A primeira coisa que me lembro depois disso é do Sr. Gale subindo para o celeiro e perguntando “Irmão Finney, está morto?” Eu acordei e a princípio não pude explicar por quê estava lá dormindo, e não podia ter idéia de há quanto tempo estava lá. Mas eu sabia de uma coisa, que minha mente estava calma e minha fé inabalável. A obra continuaria, disso eu tinha certeza.

Eu já mencionei que fui ordenado ao ministério por um presbitério. Isso foi anos antes da divisão da igreja Presbiteriana no que ficou conhecido como igrejas Tradicionais e Renovadas. A tão conhecida doutrina da habilidade e inabilidade moral e natural, era defendida pela igreja Presbiteriana, de forma quase universal, na região onde comecei meu ministério. Devo também repetir aqui que o Sr. Gale que, por ordem do presbitério, supervisionou parte de meus estudos teológicos, defendia firmemente a doutrina da impossibilidade de um pecador obedecer a Deus, e o assunto tal como ele apresentava em suas pregações, como era o caso de muitos pastores Presbiterianos daquela época, dava a impressão às pessoas de que elas deveriam esperar o tempo de Deus. Se fossem eleitos, no tempo devido o Espírito convertê-los-ia, se não fossem eleitos, nada que pudessem fazer por si mesmos, ou que qualquer um pudesse fazer por eles, jamais lhes traria o benefício da salvação.

Eles defendiam a doutrina que a depravação moral era constitucional, e fazia parte da própria natureza, que a vontade, apesar de livre para fazer o mal, era totalmente incapaz de fazer qualquer bem, que o trabalho do Espírito Santo na mudança dos corações era uma operação física na substância ou essência da alma, que o pecador era passivo na regeneração, até que o Espírito Santo implantasse um novo princípio em sua natureza, e que todos os esforços de sua parte eram completamente inúteis, e que falando francamente, não havia meios de regeneração, sendo que isso era uma recriação física da alma por meio de ação direta do Espírito Santo; que a redenção era limitada aos eleitos, e que para aqueles que não foram eleitos a serem salvos, a impossibilidade era absoluta.

Em meus estudos e controvérsias com Sr. Gale, eu defendia o oposto disso. Acreditava que a depravação moral é, e deve ser, uma atitude voluntária da mente, e consiste, deve consistir, no comprometimento da vontade em cumprir os desejos, ou como a bíblia coloca, os prazeres da carne, em oposto ao que a lei de Deus exige. De acordo com isso, eu defendia que a influência do Espírito de Deus sobre a alma é moral, que é persuasiva; que Cristo apresentava-se como Mestre; que seu trabalho era convencer e converter o pecador, por meio dos ensinamentos divinos e da persuasão divina.

Também defendia que existem meios de regeneração, e que as verdades da bíblia são, em sua natureza, desenhadas para levar o pecador a abandonar sua impiedade e voltar-se para Deus. Também sempre falei que os meios devem ser adaptados, para assegurar o fim, ou seja, que a inteligência deve ser iluminada, e que falta de razão da depravação moral deve ser colocada diante pecador, sua impiedade e mérito de punição claramente reveladas a ele; que depois que isso fosse feito, a missão de Cristo poderia ser apresentada com força, e seria entendida por ele; que seguir esse caminho com o pecador tinha a tendência de convertê-lo a Cristo; que quando isso era feito com muita fé e poder, tínhamos o direito de esperar que o Espírito Santo cooperasse conosco, dando efeito a nosso pequeno e frágil esforço.

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Além disso, sempre defendi que o Espírito Santo opera no pregador, revelando claramente essas verdades na ordem apropriada a ele, capacitando-o a colocá-las diante do povo, numa proporção tal e numa ordem tal que fora desenhada para convertê-los. Eu compreendia na época, e compreendo até hoje, que a função e promessa que Cristo dera aos apóstolos e à igreja, aplica-se no dia de hoje: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.”

Isso eu considerava como tarefa designada a mim, a todos os ministros, e para a igreja; com a promessa clara de que quando formos adiante com essa obra, com uma só visão, com um coração cheio de clamor, Cristo estará conosco através do Espírito Santo, fazendo com que nossa obra para salvar almas funcione. Desde aquela época, parece-me que a grande falha do ministério e da igreja na divulgação da religião, consiste em grande parte, na necessidade de adaptações cabíveis dos meios para aquele fim. Escutei a pregação do Sr. Gale por anos, e jamais pude ver qualquer adaptação em sua pregação para converter ninguém. Eu não achava que isso era seu objetivo. Vi que isso era verdade em todos os sermões que já ouvira em qualquer lugar. Eu havia conversado sobre isso com o Sr. Gale em uma certa ocasião, e disse a ele que, de todas as causas jamais pleiteadas, a causa da religião era a que, em minha opinião, tinha o menor número advogados capazes; e que se os advogados seguissem o mesmo caminho na defesa da causa de seus cliente na corte, que pastores seguiam ao pleitear a causa de Cristo com os pecadores, jamais ganhariam nenhum caso.

Mas naquela época, o Sr. Gale não conseguia enxergar isso; pois afinal que conexão podia haver entre meios e fins, mediante sua idéia do que era a regeneração, e a maneira na qual o Espírito Santo mudava o coração?

Como uma ilustração, logo depois que eu comecei a pregar, no meio de um avivamento poderoso, um jovem aluno de um seminário teológico em Priceton, chegou ao lugar. O antigo pastor da igreja, um senhor de idade, vivia lá, e tinha uma grande curiosidade em ouvir este jovem pregar. A igreja não tinha um pastor no momento, portanto eu tinha total responsabilidade pelo púlpito, e conduzia as coisas de acordo com minha própria discrição. Ele disse que conhecera o jovem antes que fosse para a faculdade, e desejava muito ver o progresso que ele fizera, e pediu-me para que deixasse-o pregar. Eu disse que temia deixá-lo pregar, a fim de que ele não prejudicasse a obra, não pregando o que era necessário no momento. O senhor disse “Ah, ele pregará a verdade; e não há ligação alguma na religião, o senhor sabe, entre meios e fins, e portanto não há perigo que ele prejudique a obra.” Eu respondi “Essa não é minha doutrina. Creio que há tanta ligação entre meios e fins na religião quanto há na natureza; e portanto não posso permitir que ele pregue.”

Muitas vezes vi que era necessário que eu seguisse esse mesmo caminho em avivamentos religiosos; e algumas vezes ao fazer isso, descobri que fora ofensivo, mas não ousava fazer de outro jeito. No meio de um avivamento, e quando as almas precisam de ensinamentos peculiares, adaptados a suas condições e necessidades presentes, eu não ousava colocar um estranho no púlpito, se a responsabilidade fosse minha, para pregar qualquer um de seus grandes sermões, que também eram via de regra, sermões nem um pouco adaptados às necessidades do povo. E confesso que eu acreditava que podia suprir as necessiades das pessoas, mais do que aqueles que sabiam menos sobre elas, ou do que aqueles que pregariam seus velhos sermões já

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escritos; e eu acreditava que Cristo colocara a obra em minhas mãos de uma maneira tal, que eu era obrigado a adaptar os meios para os fins, e não chamar outros que sabiam pouca coisa sobre a situação, para tentar instruir o povo. Agi nesses casos exatamente como agiria comigo mesmo. Eu não me permitiria entrar, onde outro homem estivesse trabalhando para promover um avivamento, e oferecer-me para ser colocado em seu lugar, quando sabia pouco ou não sabia nada sobre a situação daquele povo.

Falei que em D’Oeste eu era um hóspede do Sr. Gale, e que ele chegara a conclusão de que jamais fora convertido. Ele me contou o progresso de sua mente; que ele acreditava firmemente, como tantas vezes insistiu comigo, que Deus não abençoaria minhas obras, porque eu não pregava o que ele consideravacomo as verdades do Evangélho. Mas quando ele descobriu que o Espírito de Deus de fato acompanhava meus trabalhos, chegou à conclusão de que estivera errado; e isso o levou a rever todas as suas opiniões e idéias, sua mente como um pregador, o que resultou na conclusão de que jamais fora convertido, e não entendia o Evangélho. Durante o aviamento em D’Oeste, ele participou de praticamente todas as reuniões, e em algumas semanas, disse-me que tivera sua mente totalmente transformada no que se tratava de sua alma, e que mudara suas visões do Evangélho, acreditando que eu estava certo. Ele disse que agradecia a Deus por não ter conseguido influenciar-me, levar-me a adotar seus pontos de vista; que eu teria sido arruinado como pastor se ele tivesse prevalecido. Desde então, tornou-se um obreiro muito eficiente, até onde sua saúde o permitia, no avivamento naquela região do país.

A doutrina na qual eu insistia, que o mandamento de obedecer implicava na capacidade de assim o fazer, gerava a princípio, uma oposição considerável em alguns lugares. Negando também, como eu fazia, que a depravação moral é física, ou a depravaçào da natureza, e defendendo, como também fazia, que tudo é voluntário, e que portanto a influência do Espírito é a de ensinar, persuadir, convencer e, é claro, uma influência moral, muitos consideravam que eu ensinava novas e estranhas doutrinas. De fato, já em 1982, quando eu trabalhava em Boston pela primeira vez, o Dr. Beecher disse que jamais tinha escutado aquela doutrina antes, que a influência do Espírito é moral, e não física. Portanto, um número considerável de pastores e cristãos consideravam essa doutrina como uma negação virtual da ação do Espírito na convicção e regeneração, em qualquer exercício cristão; ainda assim, passou-se um longo tempo até que não mais se ouvia dizer que eu negava o agir do Espírito Santo na regeneração e conversão. Dizia-se que eu ensinava auto-conversão, auto-regeneração; e não raro fui repreendido por dirigir-me ao pecador, e não ao pecado, como se a culpa por sua impenitência pertencesse toda a ele, e por insistir que ele se submetesse imediatamente. Contudo, persisti nesse caminho, e ministros e cristãos viram que Deus tinha nele Suas verdade, e o abençoou para a salvação de milhares de almas.

Falei sobre as reuniões em Elmer’s Hill, e disse que as pessoas de Roma e da aldeia Wright começaram a vir em peso; e que o efeito manifesto da Palavra sobre os que vinham, indicava claramente que a obra extendia-se naquela direção.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO XIII.

O AVIVAMENTO EM ROMA

NESSA época, o Rev. Moses Gillet, pastor da Igreja Congregacional em Roma, tendo ouvido sobre o que o Senhor estava operando em D’Oeste, foi até, na companhia de uma Srta. H, uma das integrantes mais proeminentes de sua igreja, para ver o que estava acontecendo. Ambos ficaram muito impressionados com a obra de Deus. Eu podia ver que o Espírito de Deus estava tocando nas mais profundas fundações de suas mentes. Depois de poucos dias, o Sr. Gillett e a Srta. H apareceram novamente. A Srta. H era uma moça cristã muito devota e sincera. Em sua segunda visita, o Sr. Gillett me disse “Irmão Finney, parece-me que eu tenho uma bíblia nova. Nunca entendi as promessas como entendo agora, nunca havia tomado posse delas; não consigo parar, minha mente está transbordando do assunto, e as promessas são novas para mim.” Essa conversa, prolongada como foi por algum tempo, deu-me a entender que o Senhor o estava preparando para uma grande obra em sua própria congregação.

Logo após isso, quando o avivamento estava com força total em D’Oeste, o Sr. Gillett me convenceu em trocar um dia com ele. Concordei relutantemente.

O sábado anterior ao dia de nossa troca, quando eu estava a caminho de Roma, fiquei muito arrependido de ter concordado em fazer aquilo. Senti que isso prejudicaria muito a obra em D’Oeste, pois o Sr. Gillett pregaria um de seus velhos sermões, que eu sabia muito bem que não podiam ser adaptados à situação. Contudo, as pessoas estavam orando, e isso não pararia a obra, mesmo que pudesse atrasá-la. Fui para Roma e preguei três vezes naquele domingo. Para mim, estava muito claro que a Palavra tivera grande efeito. Pude ver durante o dia que muitas cabeças estavam baixas, e que um grande número delas curvava-se em profunda convicção de pecado. De manhã, preguei sobre a passagem: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus;” e prossegui com algo nessa mesma direção à tarde e à noite. Esperei na segunda de manhã até que o Sr. Gillett retornasse de D’Oeste. Disse-lhe qual era minha impressão em relação ao povo. Ele parecia não compreender que a obra estava começando com tanto poder quanto eu supunha. Mas ele queria falar a quem tivesse dúvidas, se houvesse alguém na igreja que as tivesse, e pediu-me para estar presente na reunião. Eu já disse antes que os meios que eu sempre usei para promover os avivamento, até então, eram muita oração, em particular e em público, pregações públicas, conversas pessoais e visitas de casa em casa; e quando ad dúvidas multiplicavam-se no meio do povo, eu marcava reuniões para instruí-los, de acordo com suas necessidades. Esses eram os meios e os únicos meios que até então eu havia usado, na tentativa de assegurar a conversão das almas.

O Sr. Gillett pediu para que eu estivesse presente nessa reunião de perguntas e resposatas. Eu disse que estaria, e que ele podia passar a informação para o vilarejo que haveria uma reunião, na segunda à noite. Eu iria até D’Oete e voltaria em tempo, mas ficou entendido que ele não deveria deixar que as pessoas soubessem que ele espera que eu estivesse presente. A reunião foi marcada na casa de um de seus diáconos. Quando chegamos, encontramos uma grande sala de estar lotada ao

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máximo. O Sr. Gillett olhou em volta surpreso e claramente agitado, pois viu que muitos dos mais inteligentes e influentes membros da congregação estavam presentes na reunião, e em especial, também compareceram muitos dos rapazes mais proeminentes da cidade. Passamos algum tempo tentando conversar com eles, e eu logo vi que o sentimento era tão profundo, que uma explosão incontrolável de sentimentos podia ocorrer a qualquer momento. Então eu disse ao Sr. Gillett “Continuar a reunião dessa forma não será bom. Eu farei alguns comentários, que precisam ouvir, e então dispensamo-los.”

Nada tinha sido dito ou feito para gerar qualquer agitação na reunião. O sentimento era totalmente espontâneo. A obra estava com tanto poder, que até mesmo a troca de poucas palavras fazia com que os homens mais robustos contorcerem-se em seus lugares, como se uma espada fosse enfiada em seus corações. Provavelmente não seria possível para alguém que nunca testemunhou uma cena como essas, compreender o que é a força da verdade de vez em quando, sob o poder do Espírito Santo. Era de fato uma espada, e uma espada de dois gumes. A dor que produzia quando apresentada de forma penetrante em algumas palavras, gerava uma perturbação que parecia insuportável.

O Sr. Gillett ficou muito conturbado. Ficou pálido, e com grande agitação disse “O que faremos? O que faremos?” Coloquei minha mão em seu ombro, e sussurando disse-lhe “Acalme-se, acalme-se Irmão Gillett.” Então falei a todos da forma mais gentil e direta que pude; chamando sua atenção de uma vez para sua única solução, e assegurando-lhes que isso seria um socorro presente e suficiente. Mostrei-lhes Cristo, como Salvador do mundo, e segui nessa linha durante todo o tempo que puderam aguentar, o que na verdade, não passou de alguns momentos.

O Sr. Gillett ficou tão agitado que fui até ele, e pegando-o pelo braço, disse “Oremos.” Ajoelhamo-nos no meio da sala onde estávamos de pé. Liderei a oração com uma voz baixa e inalterada, mas intercedi com o Salvador para que derramasse Seu sangue, naquela hora e momento, e levasse todos aqueles pecadores a aceitarem a salvação que Ele oferecia, e a acreditarem na salvação de suas almas. A agitação era mais profunda a cada momento, e como eu podia escutar os soluços e suspiros, encerrei minha oração e levantei-me de repente. Todos se levantaram e eu disse “Agora por favor, vão para casa sem trocarem nenhuma palavra entre si. Tentem ficar em silêncio e não caírem em nenhuma manifestação impetuosa de sentimentos, mas sigam para seus quartos sem dizer palavra alguma.”

Nesse momento, um jovem de nome W, balconista na loja do Sr. H, sendo um dos primeiros rapazes no lugar, quase desmaiou, caindo sobre alguns dos jovens que estavam próximos a ele, e todos quase desfaleceram, e caíram juntos. Isso quase produziu um grito, mas silenciei-os e disse-lhes “Por favor, abram bem a porta e saiam, e que todos se retirem em silêncio.” Eles assim o fizeram. Não gritaram, mas saíram soluçando e suspirando, e seus soluços e suspiros podiam ser ouvidos até chegarem na rua.

Ess Sr. W, a quem fiz alusão, ficou em silêncio até entrar pela porta de onde morava, mas então não conseguiu mais se conter. Ele fechou a porta, caiu no chão, e entregou-se a uma agonizante lamentação, em vista de sua terrível condição: isso fez com que sua família chegasse ao seu redor, e trouxe convicção a todos eles.

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Mais tarde vim a saber que cenas similares ocorreram em outras famílias. Muitos, como mais tarde averiguou-se, converteram-se naquela reuião, e foram para casa cheios de alegria, mal conseguindo se conter.

Na manhã seguinte, logo que o dia raiou, as pessoas começaram a vir até a casa do Sr. Gillett, para que fossemos visitar os membros de suas famílias, que elas diziam estar sob grande convicção. Tomamos um rápido café da manhã e saímos. Logo que colocamos chegamos na rua, as pessoas vinham correndo de suas casas, implorando para que entrássemos em seus lares. Sendo que só conseguiamos visitar um lugar por vez, quando entrávamos em uma casa, os vizinhos vinham correndo e lotavam a sala maior. Ficávamos e instruíamos o povo por um curto tempo, então íamos para outra casa, e as pessoas nos seguiam.

Encontramos uma situação totalmente extraordinária. As convicções eram tão profundas e abrangentes, que por vezes entrávamos em uma casa e encontrávamos alguns ajoelhados, e outros prostrados no chão. Visitamos, conversamos e oramos dessa maneira, de lar em lar, até meio-dia. Então disse ao Sr. Gillett “Isso não vai adiantar, devemos fazer uma reunião. Não podemos ir de casa em casa, e não estamos suprindo em nada as necessidades do povo.” Ele concordou comigo, mas uma questão surgiu: onde realizaríamos a reunião?

Sr. F, um homem religioso, tinha um hotel na época, na esquina, no centro da cidade. Ele tinha um grande restaurante, e o Sr. Gillet disse “Vou entrar e ver se posso marcar a reunião nesse local.” Sem qualquer dificuldade, ele teve o consentimento, e então foi imediatamente até as escolas públicas para informar que à uma hora havieria uma reunião para dúvidas no restaurante do hotel do Sr. F. Fomos para casa, jantamos, e fomos para a reunião. Víamos as pessoas se apressando, algumas até mesmo correndo para a reunião. Vinham de todas as direções. Na hora em que chegamos lá, o salão estava lodato ao máximo de sua capacidade. Homens, mulheres e crianças enchiam o cômodo.

Essa reunião foi muito parecida com a que tivemos na noite anterior. O sentimento era envolvente. Alguns dos mais sérios homens ficaram tão tocados pelos comentários feitos, que eram incapazes dede conter, e precisaram ser levados para casa por seus amigos. Essa reunião durou até quase a noite. Resultou em um grande número de conversões, e foi o meio pelo qual a obra extendeu-se grandemente em todas as direções.

Eu preguei naquela noite, e o Sr. Gillett marcou outra reunião para a manhã seguinte, no tribunal. Esse era um local muito maior do que o restaurante, apesar de não ser tão no centro da cidade. Contudo, no horário marcado, o tribunal estava lotado; e passamos boa parte do dia instruindo, e a obra continuou com poder maravilhoso. Preguei novamente naquela noite, e o Sr. Gillett marcou uma reunião para a manhã seguinte, na igreja, pois nenhum outro lugar no vilarejo era grande o suficiente para comportar todos aqueles que tinham dúvidas.

No final da tarde, se recordo corretamente a ordem das coisas, realizamos uma reunião de conferência e oração em uma grande escola. Mas a reunião mal acabara de começar quando a agitação tornou-se tão profunda que, para evitar uma explosão indesejável de sentimentos esmagadores, propus ao Sr. Gillett que dispensássemos o povo, pedindo que se retirassem em silêncio, e que os cristãos passassem a noite orando em secreto ou em família, como desejássem. Aos pecadores, exortamos que não dormissem até que entregassem seus corações a Deus. Depois disso a obra

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tornou-se tão abrangente que preguei todas as noites por, acredito, vinte noites consecutivas, e duas vezes no domingo. Nossas reuniões de oração durante esse tempo eram realizadas na igreja, durante o dia. A reunião de oração era realizada em uma parte do dia e a reunião para perguntas e respostas na outra parte. Todos os dias, se me lembro direito, depois de a obra ter começado assim, tínhamos uma reunião de oração, uma de perguntas e respostas e pregação à noite. Havia uma soleninade no lugar inteiro, e uma reverência que fazia com que todos sentissem que Deus estava ali.

Pastores vieram de cidades vizinhas, e expressavam grande espanto com o que viram e ouviram, da melhor maneira que podiam. Conversões multiplicaram-se tão rapidamente, que não tinhamos como saber quem estava se convertendo.

Portanto, ao encerrar meu sermão, eu pedia a todos que haviam se convertido naquele dia, para irem à frente e se apresentarem diante do púlpito, para que tivessemos uma breve conversa com eles. Surpreendiamo-nos todas as noites pelo número e classes sociais das pessoas que vinham à frente.

Em uma de nossas reuniões matutinas de oração, a parte de baixo da igreja estava cheia. Levantei-me e estava tecendo alguns comentários para o povo, quando um homem não convertido, um mercante, entrou na reunião. Veio andando até que encontrou um assento em frente a mim, perto de onde eu estava de pé, falando. Ele estava sentado há poucos minutos quando caiu de seu lugar como se levara um tiro. Contorcia-se e gemia de maneira terrível. Fui até proximo ao banco onde ele estava, e vi que era uma mente em grande agonia.

Um sético médico estava sentado perto dele. Ele saiu de sua fileira, veio e examinou esse homem que estava tão conturbado. Ele sentiu seu pulso, e examinou o caso por alguns instantes. Não disse nada, mas afastou-se, e apoiou sua cabeça em um pilar que sustentava a galeria, demonstrando grande agitação.

Ele disse mais tarde que logo viu que aquilo era uma perturbação mental, e isso levou todo seu seticismo embora. Pouco tempo depois, converteu-se. Começamos a orar por aquele homem que caíra do banco, e antes que ele fosse embora, creio eu, sua angústia havia passado, e ele rejubilava em Cristo.

Outro médico, um homem muito amável mas sético, tinha uma filhinha e uma esposa que era uma mulher de oração. A pequena H, uma menina de oito, talvez nove anos de idade, estava fortemente convicta do pecado, e sua mãe estava muito interessada no estado de sua mente. Mas seu pai era, a princípio, bastante indignado. Ele disse a sua esposa “O assunto da religião é intenso demais para mim. Eu nunca conseguiria entender. E você me diz que uma criança entende isso tão bem a ponto de estar racionalmente convicta do pecado? Eu não acredito. Tenho juízo. Não posso agüentar isso. Isso é fanatismo, é loucura.” Ainda assim, a mãe da menina continuava firme em oração. O doutor fez esses comentário, como depois vim a saber, com bondade de espírito. Imediatamente ele tomou seu cavalo e percorreu vários quilômetros para ver um paciente. Durante o caminho, ele depois comentou, que o assunto apoderou-se de sua mente de forma tal, que tudo foi aberto ao seu entendimento, e todo o plano de salvação de Cristo era tão claro que ele viu que até uma criança podia entender. Perguntava-se a sim mesmo porque antes parecia-lhe tão misterioso. Arrependeu-se muito de ter dito o que disse a sua esposa sobre a pequena H, e teve pressa em chegar em casa para que pudesse voltar atrás. Ele logo voltou para casa, um outro homem, e contou a sua mulher o que se passara em sua mente. Encorajou a querida pequena H a

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vir para Cristo, e ambos, pai e filha, têm sido sinceros cristãos desde então, e têm vivido muito, fazendo em muito o bem.

Mas nesse avivamento, como nos outros que já vi, Deus fez algumas coisas terríveis pela justiça. Certo domingo quando eu estava lá, conforme descíamos do púlpito e estavamos a sair da igreja, um homem veio correndo até o Sr. Gillett e eu, pedindo-nos que fossemos a um certo lugar, dizendo que um homem havia caído morto lá. Eu estava no meio de uma conversa, então o Sr. Gillett foi sozinho. Quando terminei a conversa, fui até a casa do Sr. Gillett, e ele logo voltou e relatou esse fato. Três homens que se opunham ao mover, haviam-se encontrado naquele domingo, e passaram o dia bebendo e ridicularizando a obra. Continuaram dessa forma até que um deles de repente caiu morto. Quando o Sr. Gillett chegou à casa e as circunstâncias foram relatadas a ele, disse-lhes “Não há... não há dúvidas que esse homem foi ceifado por Deus, e foi enviado para o inferno.” Seus companheiros estavam sem palavras. Não podiam dizer nada, pois era evidente a eles que sua conduta trouxera sobre ele um terrível golpe da indignação divina.

A obra continuava, e atingiu quase toda a população. Quase todos os advogados, mercantes, médicos e quase todos os principais homens, na verdade, quase toda a população adulta da cidade foi atingida, em especial queles que pertenciam à congregação do Sr. Gillett. Ele me disse antes que eu viesse embora “No que diz respeito à minha congregação, já estamos no novo milênio. Todo meu povo converteu-se. De todos os meus trabalhos passados não tenho nenhum sermão que sirva a toda minha igreja, pois são todos cristãos.” Mais tarde o Sr. Gillett reportou que, durante os vinte dias que estive em Roma, aconteceram quinhentas conversões naquela cidade.

Durante o desenrolar desse trabalho, muita empolgação espalhou-se em Utica, e algumas pessoas lá, dispuseram-se a ridicularizar a obra em Roma. O Sr. E, que vivia em Roma, era um cidadão muito proeminente, e era considerado como parte da alta sociedade lá, por sua riqueza e inteliência. Mas era um sético, ou talvez eu devesse dizer que ele defendia as idéias do Unitarismo. Ele era um homem de moral e respeito, e defendia suas idéias peculiares de forma discreta, dizendo muito pouco sobre elas a qualquer um. No primeiro domingo em que preguei lá, o Sr. H estava presente, e estava tão pasmo com minha pregação, como contou-me depois, que decidira-se a nunca mais comparecer. Ele foi para casa e disse para sua família: “Esse homem é louco, e não me supreenderia se ateasse fogo na cidade.” Ele ficou longe das reuniões por umas duas semanas. Enquanto isso a obra tornou-se tão grande a ponto de confundir seu seticismo, e deixálo profundamente perplexo.

Ele era presidente de um banco em Utica, e costumava ir até lá para participar da reunião mensal dos diretores. Em uma dessas ocasiões, um dos diretores começou a zombar dele em função da situação de Roma, como se todos tivessem enlouquecido naquela cidade. O Sr. H comentou “Cavalheiros, digam o que quiserem, há algo muito extraordinário na situação em Roma. Certamente nenhum poder humano ou eloqüência produziu o que vemos ali. Eu não compreendo. Os senhores dizem que isso logo passará. Sem dúvidas a intensidade dos sentimentos que está agora em Roma passará em breve, ou o povo enlouquecerá. Mas, senhores, não há explicação para tais circunstâncias e sentimentos em qualquer filosofia, a menos que nela haja algo de divino.”

Depois de o Sr. H estar afastado das reuniões por mais ou menos duas semanas, alguns de nós reunimo-nos certa tarde, para orar especialmente por ele. O Senhor nos

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deu uma fé muito forte para orar por ele, e tivemos a convicção de que o Senhor estava trabalhando em sua alma. Naquela noite ele veio para a reunião. Quando ele entrou na casa, o Sr. Gillett sussurou para mim desde o púlpito “Imão Finney, o Sr. H veio. Espero que o senhor não diga nada que possa ofendê-lo.” “Não,” eu disse “mas não vou poupá-lo.” Naqueles dias fui obrigado a pregar sem premeditação alguma, pois não havia tido uma hora sequer em uma semana, para organizar meus pensamentos de antemão.

Escolhi meu tema e preguei. A Palavra tomou conta de forma poderosa, e conforme eu esperava e pretendia, tomou conta do próprio Sr. H. Creio que foi naquela noite mesmo, quando pedi, ao encerrar o sermão, que todos os que haviam se convertido naquele dia fossem à frente para se apresentarem, o Sr. H foi um que veio deliberadamente, com solenidade à frente, declarando ter dado seu coração a Deus. Veio penitente e humildemente, e sempre achei que ali, realmente converteu-se a Cristo.

A situação naquela cidade e na circunvizinhança era tal, que ninguém podia entrar no vilarejo sem se sentir atingido por reverência, com a impressão de que Deus estava ali, de uma maneira maravilhosa e peculiar. Como ilustração a isso, relatarei um incidente. O xerife do condado morava em Utica. Haviam dois tribunais naquela condado, um em Roma, e o outro em Utica, conseqüentemente o xerife, de nome B, tinha muitos negócios em Roma. Mais tarde ele me contou que escutara sobre a situação em Roma, e que ele, junto com outros, riram muito do que ouviram, no hotel onde ele ficava.

Mas um dia, foi necessário que ele fosse até Roma. Ele disse que ficara feliz por ter negócios a resolver por lá, pois queria ver com seus próprios olhos sobre o quê as pessoas tanto falavam, e qual era a real situação em Roma. Ele ia em sua carroça, como disse-me, sem nenhuma impressão em particular em sua mente, até que atravessou o que era chamado de ‘o velho canal’, um lugar a mais ou menos um quilômetro e meio, eu acho, da cidade. Ele disse que assim que cruzou o velho canal, um sentimento estranho veio sobre ele, uma reverência tão profunda que ele não podia ingnorar. Ele sentia como se Deus impregnasse toda a atmosfera. Disse que isso aumentou por todo o caminho, até chegar no vilarejo. Ele parou no hotel do Sr. F, e o cavalariço saiu e levou seu cavalo. Ele observou, disse-me, que o cavalariço parecia sentir-se da mesma maneira que ele, como se estivesse com medo de falar. Ele entrou na casa e lá encontrou os cavalheiros com quem tinha negócios a tratar. Ele disse que todos estavam tão claramente impressionados, que mal conseguiam prestar atenção aos negócios. Ele disse que várias vezes durante o curto período que esteve lá, tinha que levantar-se da mesa abruptamente e ir até a janela, tentando distrair sua atenção, para evitar o choro. Disse que observou que todos parciam sentir-se como ele. Tal reverência, tal solenidade, tal situação, como jamais concebera antes. Apressou-se em resolver seus negócios, e retornou a Utica, mas como ele mesmo disse, nunca mais zombou da obra em Roma novamente. Poucas semanas depois, em Utica, ele se converteu, sob circunstâncias que relatarei no momento oportuno.

Já mencionei a aldeia Wright, um vilarejo a três ou quatro quilômetros ao nordeste de Roma. O avivamento teve um efeito poderoso ali, e converteu a grande massa dos habitantes.

Os métodos utilizados em Roma foram os mesmos que eu já utilizara antes, e nenhum outro: pregações, orações públicas, socias e particulares, exortações e conversas pessoais. É difícil conceber um estado tão abrangente e profundo de sentimento religioso, sem qualquer exemplo de desordem, ou tumulto, ou fanatismo, ou qualquer

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coisa que fosse repreensível, como aconteceu em Roma. Há muitos dos convertidos daquele avivamento, espalhados pelo país, vivos hoje em dia; e eles podem testificar que naquelas reuniões, a mais pura solenidade e ordem prevalecia, e eram tomadas todas as dores contra tudo aquilo que fosse lamentável.

A obra do Espírito era tão espontânea, tão poderosa e tão esmagadora, que fazia-se necessário o exercício do maior cuidado e sabedoria, na condução de todas as reuniões, a fim de evitar uma explosão indesejável de sentimentos, que logo acabariam por extingüir a sensibilidade do povo, e causar uma reação. Mas não houve nenhuma reação, como bem sabem todos aqueles que conhecem os fatos. Eles mantiveram uma reunião oração, no raiar da aurora, por vários meses, e creio que mesmo mais de um ano depois, em todas as estações do ano, aquela foi uma reunião tão grandemente assistida, e com tanto interesse quanto uma reunião de oração podia ser. A moral das pessoas estava tão mudada, que o Sr. Gillett sempre comentava que não parecia o mesmo lugar. Os pecados que ainda haviam eram obrigados a se esconder. Nenhuma imoralidade explicita poda ser tolerada nem por um instante. Eu relatei somente um leve contorno do que aconteceu em Roma. Uma descrição fiel de todos os incidentes comoventes que lotaram aquele avivamento seria um livro inteiro por si só.

Devo falar algumas poucas palavras sobre o espírito de oração que prevalecia sobre Roma nessa época. Creio que foi no sábado que vim de D’Oeste para trocar com o Sr. Gillett, que encontrei a igreja à tarde em uma reunião de oração, em sua casa de adoração. Esforcei-me para fazê-los entender que Deus responderia suas orações imediatamente, contanto que eles cumprissem as condições sob as quais Ele prometeu respondê-las, e especialmente se acreditassem, no sentido de esperarem que Ele responda seus pedidos. Percebi que a igreja estava muito interessada com meus comentários, e seus semblantes manifestaram um grande desejo em ver a resposta de suas orações. Próximo ao término da reunião, lembro-me de fazer esse comentário: “Eu realmente acredito, que se vocês se unirem nessa tarde em oração de fé em Deus, pelo derramamento imediato de Seu Espírito, que vocês receberão uma resposta dos céus, mais rápido do que receberiam uma mensagem de Albany, pelo correio mais rápido que existe.”

Eu senti disse isso com muita ênfase; e percebi que as pessoas estavam com minha expressão de honestidade e fé a respeito de uma resposta imediata à oração. O fato é que, eu já tinha visto tantas vezes esse resultado em resposta de oração, que fiz o comentário sem qualquer dúvida sobre ele. Nada foi dito por nenhum dos membros da igreja na hora, mas eu soube depois que a obra começara, que três ou quatro membros da igreja reuniram-se no escritório do Sr. Gillett, e e sentiram-se tão impressionados com o que fora dito sobre respostas rápidas à oração, que determinaram que trariam Deus à Sua palavra, e veriam se Ele responderia enquanto ainda estavam falando. Um deles disse-me depois que receberam uma maravilhosa fé do Espírito de Deus, para orarem por uma resposta imediata, e disse ainda “A resposta veio de fato mais rápida do que qualquer resposta que pudessemos receber de Albany, pelo correio mais rápido que existe.”

De fato, a cidade estava repleta de oração. Onde quer que você fosse, ouviria vozes em oração. Passando pela rua, se dois ou três cristãos estivessem reunidos, estariam em oração. Onde quer que se encontrassem, oravam. Onde quer que houvesse um pecador não convertido, especialmente se ele manifestasse qualquer oposição, você encontraria dois ou três irmãos ou irmãs concordando em fazê-lo alvo de oração.

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Havia a esposa de um oficial do exército dos Estados Unidos residindo em Roma, a filha de um proeminente cidadão daquele lugar. A senhora manifestava muita oposição à obra, e como soube-se mais tarde, disse algumas coisas muito fortes contra o movimento, o que levou-a a tornar-se um alvo específico de oração. Isso chegou a meu conhecimento pouco tempo antes de o evento que estou prestes a relatar, acontecer. Eu acredito, nesse caso, que algumas das principais mulheres fizeram dessa senhora um alvo de oração, sendo que ela era uma pessoa de proeminente influência no lugar. Era uma senhora culta, de forte caráter e força de vontade; e é claro, fazia clara sua oposição. Mas tão logo isso tornou-se conhecido, e o espírito de oração por ela em específico, foi dado, o Espírito de Deus tomou seu caso em Suas mãos. Certa noite, quase de imediato após escutar sobre seu caso, talvez na noite daqule mesmo dia em que soube dos fatos, depois de terminada a reunião e as pessoas terem ido embora, o Sr. Gillett e eu permanecemos até o fim, conversando com algumas pessoas que curvavam-se profundamente em convicção. Conforme eles iam embora e nós estavamos prestes a nos retirar, o sacristão veio rapidamente enquanto saíamos e disse “Há uma senhora naquele banco distante que não consegue sair, não há jeito. Será que poderiam vir vê-la?” Voltamos, e eis que aos pés do banco estava essa senhora de quem falei, totalmente sucumbida em convicção. O banco antes estava cheio, e ela tentara retirar-se com os outros que saíram, mas como ela era a última a sair, viu que era incapaz de se levantar, e afundou-se para o chão, e fez isso sem que fosse notada pelos que iam adiante dela. Conversamos um pouco com ela, e descobrimos que o Senhor a atingira com uma indescritível convicção de pecado. Depois de orar com ela e dar-lhe a tarefa solene de entregar seu coração imediamente a Cristo, deixei-a, e o Sr. Gillet, creio eu, ajudou-a até em casa. Sua casa ficava a apenas alguns metros dali. Depois soubemos que quando ela chegou em casa, entrou sozinha em um dos aposentos e passou a noite ali. Era uma noite fria de inverno. Trancou-se e passou a noite sozinha. No dia seguinte ela expressou sua esperança em Cristo, e até onde sei, provou ser sinceramente convertida.

Creio que também devo mencionar a conversão da Sra. Gillett, durante esse avivamento. Ela era uma irmã dos missionário Mills, que era um dos rapazes cuja paixão e entusiasmo levaram à organização da American Board. Ela era uma linda mulher, consideravelmente mais jovem do que o marido, e sua segunda esposa. Ela estivera, antes de casar-se com o Sr. Gillett, sob forte convicção por várias semanas e quase enlouqueceu. Tinha a impressão, se bem me lembro, de que não era um dos eleitos, e que não havia salvação para ela. Logo depois que o avivamento começou em Roma, ela foi poderosamente convencida pelo Espírito do Senhor.

Era uma mulher refinada, e muito fã de moda, e como é muito comum, usava sobre a cabeça alguns ornamentos fúteis, nada, no entanto, que pudesse ser considerado como uma pedra de tropeço em seu caminho. Sendo seu hóspede, eu conversava repedidamente com ela conforme suas convicções aumentavam, mas nunca passou pela minha mente que seu gosto pelo vestuário pudesse ficar no caminho de sua conversão a Deus. Mas à medida em que a obra tornava-se tão poderosa, sua perturbação era alarmante; e o Sr. Gillett, sabendo do que já ocorrera em seu caso, ficou de prontidão, a fim de ela voltasse ao mesmo estado de abatimento no qual estivera alguns anos antes. Jogava-se para cima de mim buscando instrução. Quase todas as vezes que eu entrava em casa, ela vinha até mim, implorando-me que orasse por ela, contando-me que sua perturbação já era mais do que podia suportar. Ela

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estava evidentemente caindo rápido em desespero, mas eu pude ver que ela começara a depender demais de mim, portanto, tentava evitá-la.

Isso continuou assim, até que um dia eu entrei na casa e fui em direção ao escritório. Depois de alguns momentos, com de costume, ela estava diante de mim, pedindo para que orasse por ela, e reclamando que não havia salvação para si. Levantei abruptamente e saí, sem orar com ela, dizendo que era inútil que eu orasse por ela, que ela estava dependendo de minhas orações. Quando fiz isso, ela caiu no chão como se fosse desmaiar. Deixei-a sozinha, sem considerar esse fato, e fui rapidamente do escritório para a sala. Em alguns instantes ela veio correndo pelo corredor até a sala, com seu rosto brilhando, exlamando “Ó Sr. Finney! Encontrei o Salvador! Encontrei o Salvador! O senhor não acha que eram os ornamentos em minha cabeça que impediam minha conversão? Descobri que quando eu estava orando eles apareciam diante de mim, e eu ficava tentada, suponho, a desistir deles. Mas pensava que eram insignificantes, e que Deus não se importava com coisas assim. Isso era uma tentação de Satanáz. Mas os ornamentos que eu usava ficavam aparecendo continuamente em minha mente, sempre que eu tentava dar meu coração a Deus. Quando o senhor me deixou tão de repente, caí em desespero, joguei-me ao chão, e eis que esses ornamentos aparecem novamente, então eu disse ‘não aceito que essas coisas apareçam novamente, coloca-las-ei de lado para sempre. Renunciei-as e as odiei como coisas que se colocavam no caminho de minha salvação. Assim que prometi desistir delas, o Senhor revelou-Se à minha alma, e ah! Pergunto-me por que nunca entendi isso antes. Isso era realmente minha grande dificuldade antes, quando eu estava convicta, meu gosto pela moda, e eu não sabia.”

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO XIV.

O AVIVAMENTO EM UTICA, NOVA IORQUE

PASSADOS quase vinte dias de minha estadia em Roma, um dos presbíteros da igreja do Sr. Aiken, um homem muito usado, faleceu, então fui até lá para seu funeral. O Sr. Aiken conduziu o funeral, e soube por ele que o espírito de oração já era manifesto em sua congregação, naquela cidade. Ele disse que uma das principais senhoras estivera tão profundamente preocupada com a situação na igreja, e dos ímpios daquela cidade, que orou por dois dias e duas noites, praticamente sem cessar, até que suas forças se acabarem; que tivera uma batalha literal de alma, ao ponto de suas forças físicas extingüirem-se, e ela não podia suportar o fardo que estava em sua mente, a menos que alguém se engajasse em oração com ela, para que ela tivesse apoio – alguém que pudesse expressar os desejos dela para Deus.

Eu compreendi isso, e disse ao Sr. Aiken que a obra já havia começado no coração dela. Ele reconheceu isso, é claro, e desejava que eu começasse a trabalhar com ele e com seu povo imediatamente. Logo fiz isso, e tenha certeza, a obra começou de repente. A Palavra teve efeito imediato, e o lugar foi cheio da influência manifesta do Espírito Santo. Nossas reuniões eram lotadas todas as noites, a obra espalhou-se e progrediu poderosamente, em especial nas duas congregações Presbiterianas, das quais uma tinha o Sr. Aiken como pastor, e a outra, o Sr. Brace. Eu dividia meu trabalho entre as duas igrejas.

Logo depois que comecei em Utica, percebi e comentei com o Sr. Aiken que o Sr. B, o xerife de quem falei, não participava das reuniões. Mas poucas noites depois, quando eu estava prestes a começar meu sermão, o Sr. Aiken sussurrou para mim que o Sr. B acabara de entrar. Mostrou-me onde ele estava enquanto ainda entrava pelo corredor em direção a seu lugar. Peguei meu texto e continuei a dirigir-me à congregação. Eu não estava falando há mais de alguns minutos quando percebi que o Sr. B levantou-se, virou-se de costas, colocou seu casaco sobre si e ajoelhou-se. Percebi que isso chamou a atenção daqueles que estavam próximos e o conheciam, e gerou uma sensação considerável naquela parte do templo. O xerife continuou de joelhos durante todo o culto. Então retirou-se para o hotel onde estava hospedado. Ele era um homem, talvez com seus cinqüenta anos, e solteiro.

Ele depois me contou que sua mente estava muito pesada quando foi para casa, e mencionou o assunto do qual escutara. Eu havia pressionado a congregação a aceitar a Cristo, como Ele era apresentado no Evangélho. A questão da presente aceitação de Cristo, e toda a situação no que diz respeito à relação do pecador com Ele, e Sua relação com o pecador, foram o tema do discurso. Ele disse que reunira em sua mente todos os pontos apresentados, e que apresentou-os solenemente a si mesmo, dizendo “Minh’alma, você concorda com isso? Aceita a Cristo, desistindo do pecado, e desistindo de si mesma? E fará isso agora?” Ele disse que, na agonia de sua mente, jogou-se em sua cama. Disse isso a si mesmo e pressionou sua alma a aceitar, naquela hora e instante. Foi então, ele disse, que a perturbação o deixou, e adormeceu tão rapidamente, acordando só horas depois. Quando acordou, viu que sua mente

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estava cheia e paz e descanso em cristo, e a partir desse momento, tornou-se um sincero obreiro de Cristo entre seus conhecidos e familiares.

O hotel no qual ele se hospedava era, na época, de um Sr. S. O Espírito tomou aquela casa de forma poderosa. O próprio Sr. S logo foi alvo de oração, e converteu-se, bem como muitos de sua família e hóspedes. De fato o maior hotel da cidade tornou-se um centro de influência espiritual, e muitos se converteram lá. As diligências, conforme passavam, paravam no hotel, e a impressão era tão poderosa sobre a comunidade, que eu soube de vários casos de pessoas que pararam apenas para uma refeição, ou para passar a noite, serem poderosamente convencidas e convertidas antes que pudessem sair da cidade. É verdade, tanto nesse lugar quanto em Roma, era um diferencial em comum, que ninguém conseguia estar na cidade, o passar por ela, sem ter consciência da presença de Deus; que uma influência divina parecia tomar conta do lugar, e toda a atmosfera marcada com uma vida divina.

Um mercante de Lowville veio a Utica, para tratar de alguns de seus negócios. Ele parou no hotel onde o Sr. B estava hospedado. Ele viu que toda a conversa na cidade era muito irritante para si, sendo que era um homem não convertido. Aborreceu-se, disse que não tinha como fazer negócios ali, que tudo era religião, e decidiu ir para casa. Ele não podia entrar em uma loja sequer, sem que a religião fosse mostrada a ele, e não podia fazer negócios com eles. Naquela mesma noite, iria para casa.

Esses comentários foram feitos na presença de alguns jovens convertidos que hospedavam-se no hotel, e creio que especialmente na presença do Sr. B. Como a diligência deveria ir embora bem tarde naquela noite, ele foi visto indo para o bas, pouco antes de retirar-se, para pagar sua conta, dizendo que o Sr. S. provavelmente não estaria acordado quando a diligência passasse, e portanto ele gostaria de acertar sua conta antes de se retirar. O Sr. S disse que percebeu, enquanto acertava sua conta, que sua mente estava muito perturbada, e sugeriu a vários dos senhores hóspedes que fizessem dele um alvo de oração. Levaram-no, creio eu, para o quarto do Sr. B, conversaram e oraram com ele, e antes que a diligência chegasse, ele era um homem convertido. E ficou imediatamente tão preocupado com as pessoas de sua própria terra, que quando a diligência chegou ele tomou passagem, e foi direto para casa. Logo que chegou lá, contou sua experiência a sua família, chamou a todos e orou com eles. Sendo que ele era um cidadão muito proeminente e muito extrovertido, e proclamava em todos os lugarres o que o Senhor fizera por sua alma, uma impressão muito solene foi gerada em Lowville, e logo resultou em um grande avivamento naquele lugar.

Foi no meio do avivamento em Utica que escutamos pela primeira vez sobre a oposição àqueles movimentos, que se espalhava pelo Leste. O Sr. Nettleton escreveu algumas cartas para o Sr. Aiken, com quem eu trabalhava, nas quais estava manifesto o quanto ele se enganara sobre o caráter daqueles avivamentos. O Sr. Aiken mostrou-me essas cartas, e elas foram passadas para os pastores da vizinhança, como deveriam ser. Entre elas estava uma na qual o Sr. Nettleton declarava totalmente o que ele considerava como não aceitável na condução desses avivamentos, mas sendo que nada do que ele reclamava acontecia nos avivamentos, nem aconteceram, não fizemos mais nada com as cartas a não ser lê-las e passá-las adiante. O Sr. Aiken, no entanto, respondeu em particular a uma ou duas delas, assegurando ao Sr. Nettleton que nada daquilo havia sido feito. Não me lembro agora se o Sr. Nettleton reclamou do fato que mulheres oravam algumas vezes nas reuniões sociais. Mas era verdade, contudo, que

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em algumas poucas situações, algumas mulheres muito proeminentes, que estavam fortemente envolvidas no espírito, lideravam orações nas reuniões sociais que realizávamos diariamente de casa em casa. Nenhuma oposição, que eu saiba, foi colocada a isso, nem em Utica, nem em Roma. Não fiz nada para introduzir essa prática em meio ao povo, e não sei se já existia antes ali ou não. De fato não era um assunto no qual se pensava ou comentava muito, até onde sei, na vizinhança onde ocorria.

Eu já mencionai que o Sr. Weeks, que defentia doutrinas altamente ofensivas na questão de eficiência divina, era conhecido por ser contra esses avivamentos. Para o conhecimento daqueles que podem não saber que tais doutrinas já foram defendidas, eu diria que o Sr. Weeks, e aquels que concordavam com ele, defendiam que tanto o pecado quanto a santidade eram produzidos na mente por ação direta de um poder supremo; que Deus fazia dos homens pecadores ou santos, segundo Seu soberano querer, mas em ambos os casos por uma ação direta de Seu poder, como um ato irresistível como o da própria criação; que na verdade Deus era o único agente real no universo, e que todas as criaturas agiam somente conforme eram movidas e compelidas a agir, pela ação direta e irresistível da parte de Deus. Eles tentavam provar isso a partir da bíblia.

A idéia do Sr. Week sobre conversão, ou regeneração, era que Deus, que fez dos homens pecadores, também os levava, ao regenerá-los, a admitir que Ele tinha o direito de fazê-los pecadores, por Sua glória, e de mandá-los para o inferno pelos pecados que Ele criara diretamente neles, ou levara-os a cometer pela força da onipotência. Na conversão, que não levasse os pecadores a aceitarem esse ponto de vista do assunto, ele não confiava. Aqueles que já leram os nove sermões do Sr. Week sobre o assunto, verão que não apresentei de forma errada suas visões. E considerando que essa idéia do Sr. Week era adotada, consideravelmente, por ministros e professores de religião naquela região, sua conhecida oposição, juntamente com a de alguns outros pastores, encorajava e aumentava muito a oposição de outros.

Obra, no entanto, continuava com grande poder, convertendo todas as classes sociais, até o Sr. Aiken reportar a maravilhosa conversão de quinhentas pessoas, no curso de poucas semanas, a maioria delas, acredito, de sua própria congregação. Os avivamentos eram algo relativamente novo naquela região, e a grande massa do povo não fora convencida de que eles eram a obra de Deus. Não tinham a reverência, que depois vieram a ter, por eles. A impressão de que esses movimentos logo passariam, e provariam não ter sido nada além de mera empolgação de sentimentos animais, parecia muito grande. Não quero dizer que aqueles que eram interessados na obra tinham essa mentalidade.

Uma circunstância ocorreu, no meio daquele avivamento, que causou grande impacto. O presbitério de Oneida reuniu-se ali, enquanto o avivamento acontecia com força total. Entre outros, havia um clérigo, um estranho para mim, que estava muito irritado pelo calor e fervor do avivamento. Ele encontrou a opinião pública toda voltada para o assunto religião, e que havia oração e conversa sobre religião em todo lugar, até mesmo nas lojas e lugares públicos. Ele nunca havia visto um avivamento, e nunca escutara o que escutou ali. Era escocês e, eu creio, que não vivia há muito tempo neste país.

Na sexta-feira à tarde, antes que o presbitério fosse dispensado, ele se levantou e fez um violento discurso contra o avivamento, como acontecia. O que ele disse chocou e

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entristeceu muito os cristãos que estavam presentes. Eles caíram de rosto em terra diante do Senhor, clamando a Ele que evitasse que o que ele havia dito causasse qualquer dano.

A reunião do presbitério terminou no final da tarde. Alguns dos membros foram para casa, e outros passaram a noite por lá. Os cristãos entregaram-se à oração. Houve um grande clamor a Deus naquela noite, para que Ele reagisse a qualquer influência maligna que pudesse reultar daquele discurso. Na manhã seguinte, esse homem foi encontrado morto em sua cama.

No curso desses avivamentos, pessoas à distância, em quase todas as direções, ouvido o que o Senhor estava fazendo, ou sendo atraídas por curiosiade sobre o que ouviam, vinham ver com seus próprios olhos, e muitas convertiam-se a Cristo. Entre esses visitates, o Dr. Garnet Judd, que pouco tempo depois foi para as Ilhas Sandwich como missionário, e é bastante conhecido dos amantes das missões há muitos anos. Ele pertencia à congregação do Sr. Weeks, a quem me referi. Seu pai, o velho Dr. Judd, era um sincero homem cristão. Ele veio até Utica e simpatizou muito com o avivamento.

Na mesma época uma moça, a Srta. F T, de alguma parte da Nova Inglaterra, veio para Utica nas següintes circunstâncias: ela estava lecionando em um colégio, no bairro de Newburgh, Nova Iorque. Sendo que tanto foi dito nos jornais sobre o avivamento em Utica, a Srta. T, entre outros, ficou maravilhada e espantada, com o desejo de ver com por si mesma o que era aquilo. Ela dispensou sua escola por dez dias, e pegou uma diligência até Utica. Ao passar pela rua Genesee a caminho do hotel, ela observeu em um dos letreiros o nome B T. Ela era totalmente estranha em Utica, e não sabia que tinha qualquer conhecido ou familiar por ali. Mas depois de ficar um ou dois dias no hotel, e perguntar quem era B T, enviou-lhe uma mensagem, dizendo que a filha de um Sr. T, dando o nome de seu pai, estava no hotel, e gostaria de vê-lo. O Sr. T foi visitá-la, e descobriu que ela era uma parente distante, convidando-a imediatamente para sua casa. Ela aceitou esse convite, e ele, sendo um verdadeiro cristão, levou-a a todas as reuniões, e tentou aumentar seu interesse na religião. Ela ficou muito supresa com o que viu, e bastante incomodada.

Era era uma jovem enérgica, muito culta e orgulhosa, e a maneira na qual as pessoas conversavam com ela, e a pressionavam com a necessidade de dar imediatamente seu coração para Deus, deixava-a muito conturbada. As pregações que ele ouvia, noite após noite, tomaram conta de sua mente. A culpa dos pecadores era muito relembrada, e o merecimento e perigo da condenação eterna aumentavam em sua mente. Isso incitou sua oposição, mas ainda assim a obra da convicção continuou poderosamente em seu coração.

Enquanto isso eu não a tinha visto, para conversar com ela, mas ouvi do Sr. T sobre sua situação. Depois de tentar resistir à verdade por alguns dias, ela foi visitar-me. Sentou-se no sofá da sala de visitas. Coloquei minha cadeira em frente a ela, e comecei a falar com ela sobre os mandamentos de Deus. Ela mencionou minha pregação sobre como os pecadores merecem ser enviados para sempre para o inferno, e disse que não podia aceitar isso, que não acreditava que Deus era assim. Eu respondi “E a senhorita também ainda não entende o que é um pecado, em sua real natureza doentia, se entendesse, não reclamaria que Deus enviasse os pecadores para sempre para o inferno.” Então eu abri o assunto diante dela na conversa, da forma mais clara que pude. Por mais que ela odiasse acreditar nisso, a convicção de que era

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verdadeiro pouco a pouco tornava-se irresistível. Conversamos nessa linha por algum tempo, até que vi que ela estava pronta a desabar em uma madura convicção; então eu disse algumas palavras sobre o que Jesus reserva, e qual é a real situação dos fatos, no que diz respeito à salvação daqueles que mereciam ser condenados.

Seu semblante empalideceu, em um momento ela jogou suas mãos para cima e gritou, e então caiu para frente, sobre o braço do sofá, deixando seu coração se quebrantar. Creio que ela não tinha chorado nenhuma vez antes. Seus olhos eram secos, sua fisionomia abatida e pálida, sua sentibilidade totalmente trancada. Mas agora as comportas haviam sido abertas, e ela colocou todo seu coração derramar-se diante de Deus. Não tive mais chance de falar-lhe mais nada. Ela logo se levantou e foi para seus aposentos. Desistiu de sua escola quase que imediatamente, e ofereceu-se como missionária. Casou-se com um Sr. Gulick, e foi para as Ilhas Sandwich, creio eu, na mesma época em que foi o Dr. Judd. Sua história como missionária é bem conhecida. Ela tem sido uma missionária muito usada, teve e criou muitos filhos, que também são missionários.

Enquanto morava em Utica, pregava freqüentemente em New Hartford, um vilarejo a pouco mais de seis quilômetros ao sul da cidade. Havia uma preciosa e poderosa obra de graça, e o pastor da igreja Presbiteriana na época era um Sr. Coe. Preguei também em Whitesboro, outro lindo vilarejo, pouco mais de seis quilômetros a oeste de Utica, onde também houve um avivamento poderoso. O pastor, Sr. John Frost, era um obreiro muito eficiente.

Uma situação ocorreu naquela vizinhança que não posso deixar de relatar. Havia uma fábrica de algodão no riacho de Oriskany, um pouco acima de Whitesboro, um local hoje chamado de New York Mills. Pertencia a um Sr. W, um homem não convertido, mas cavalheiro de alta posição social e boa moral. Meu cunhado, Sr. G A, era superintendente da fábrica na época. Eu fui convidado a ir pregar naquele lugar. Subi até lá certa noite e preguei na escola do vilarejo, que era grande e estava lotada de ouvintes. A Palavra, eu pude ver, teve um efeito poderoso em meio as pessoas, especialmente entre os jovens que trabalhavam na fábrica.

Na manhã seguinte, depois do café da manhã, fui até a fábrica para conhecer. Conforme passava por ela, observei que havia bastante agitação entre aqueles que estavam ocupados com seus teares, suas máquinas de fiar, e outras ferramentas de trabalho. Ao pasar por uma das salas, onde havia um grande número de mulheres ocupadas tecendo, percebi algumas delas olhando para mim, e falando com muita sinceridade uma com a outra, e pude ver que estavam muito agitadas, apesar de ambas estarem rindo. Fui devagar em sua direção. Viram-me chegando e estavam claramente muito empolgadas. Uma delas tentava emendar uma trama quebrada, e percebi que suas mãos tremiam tanto que ela não conseguia. Aproximei-me devagar, olhando para o maquinário em ambos os lados conforme passava, mas percebi que essa moça ficava cada vez mais agitada, e não conseguia continuar com seu trabalho. Quando cheguei a uns dois ou três metros dela, encarei-a solenemente. Ela percebeu, não conseguiu mais segurar-se, foi ao chão e caiu em lágrimas. O impacto veio quase como mágica, e em alguns instantes praticamente todas naquela sala estavam em lágrimas. Esse sentimento espalhou-se pela fábrica. Sr. W, o dono do estabelecimento, estava presente, e vendo a situação disse ao superintendente “Pare as máquinas, e deixe que as pessoas prestem atenção à religião, pois é mais importante que nossas almas sejam salvas do que essa fábrica funcione.” O portão foi fechado imediatamente

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e a fábrica parou, mas onde nos reuniríamos? O superintendente sugeriu que nos reuníssemos na sala das máquinas de fiar, pois era grande e as máquinas estavam paradas. Fizemos isso, e foi uma reunião tão poderosa quanto poucas que já participei. Aconteceu com grande poder. O prédio era grande, e havia muitas pessoas ali dentro, do sótão ao porão. O avivamento atravessou a fábrica com poder supreendente, e no curso de alguns dias praticamente todos ali se converteram.

Considerando que muito foi dito sobre a conversão de Theodore D. Weld, em Utica, pode ser certo para mim, dar o relato correto dos fatos.ele tinha uma tia, Sra. C, que morava em Utica e era uma mulher de Deus, mulher de oração. Era filho de um eminente clérigo da Nova Inglaterra, e sua tia achava que ele era cristão. Ele costumava liderar a família dela na adoração. Antes do início do avivamento, ele tornara-se um membro da Faculdade Hamilton, em Clinton. A obra em Utica atraíra tanta atenção que muitas pessoas de Clinton, entre as quais estavam alguns dos professores da faculdade, estiveram em Utica, e contaram o que acontecia por lá, o que resultou em bastante empolgação. Weld tinha uma posição muito proeminente entre os alunos da Faculdade Hamilton, e era muito inluente. Ouvindo sobre o que se passava em Utica, ficou muito agitado, e sua oposição levantou-se fortemente. Tornou-se um tanto abusivo em suas expressões de oposição à obra, como vim a saber.

Esse fato ficou conhecido em Utica, e sua tia, com quem ele se hosperada, ficou muito ansiosa por ele. Para mim ele era um completo estranho. Sua tia escreveu-lhe, pedindo-lhe para que viesse para casa e passasse um domingo, para ouvir a pregação e interessar-se na obra. A princípio ele não aceitou, mas por fim reuniu alguns dos alunos e disse-lhes que havia decidido ir até Utica, que sabia que não passava de fanatismo e entusiasmo, que sabia que isso não o afetaria, e eles veriam que não. Ele estava totalmente oposto, e sua tia logo soube que ele não pretendia escutar minha pregação. O Sr. Aiken costumava ocupar o púlpito pela manhã, e eu, à tarde e à noite. Sua tia soube que ele pretendia ir à igreja pela manhã, esperando que o Sr. Aiken pregasse, mas não iria à tarde nem à noite, porque estava determinado a não me ouvir.

Em vista disso, o Sr. Aiken sugeriu que eu pregasse de manhã. Eu concordei e fui para a reunião. O Sr. Aiken abriu culto, como de costume. A Sra. C veio para a reunião com sua família, e entre eles, o Sr. Weld. Ela fez questão de fazer com que ele sentasse em um lugar do qual não poderia sair, sem que ela e mais um ou dois membros da família saíssem também. Pois ela temia, como disse, que ele saíria quando visse que eu iria pregar. Eu sabia que a influência dele entre os jovens de Utica era muito grande, e que sua ida ali teria uma poderosa influência em fazê-los reunirem-se em oposição à obra. O Sr. Aiken mostrou-me quem era o rapaz, conforme ele ia para seu lugar.

Depois dos protocolos iniciais, levantei-me e li essa passagem: “Um só pecador destrói muitos bens.” Eu nunca tinha pregado sobre essa pasagem, nem escutado nenhuma pregação sobre ela, mas ela veio com tanto muito em minha mente, e esse fato decidiu a escolha do texto. Comecei a pregar, e a mostras em muitos exemplos, como um pecador pode destruir muitos bens, e como a influência de um homem pode destruir várias almas. Suponho que descrevi Weld muito bem, e o que era sua influência, e que danos poderia causar. Uma ou duas vezes ele tentou sair, mas sua tia, percebendo isso, inclinava-se, apoiava-se no banco da frente, e começava a orar silenciosamente, e ele conseguiria sair sem se levantar e perturbá-la; por isso ele permaneceu em seu lugar até que a reunião terminasse.

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No dia seguinte fui até uma loja na rua Genesee, para conversar com algumas pessoas lá, como era meu costume ir de lugar em lugar para conversar. E quem encontro lá, senão Weld? Ele veio para cima de mim sem cerimônia alguma, e creio que, por quase uma hora, falou comigo de maneira mais abusiva. Eu jamais escutara nada igual. Não tive oportunidade de falar quase nada para ele, pois sua língua trabalhava incessantemente. Ele era muito eloqüente. Aquilo logo chamou a atenção de todos que estavam na loja e a notícia correu pelas ruas, e os balconistas das lojas vizinhas reuniram-se para ouvir o que ele tinha a dizer. A loja parou, e todos prestavam atenção em sua vituperação. Mas por fim eu apelei a ele e disse “Sr. Weld, se o senhor é o filho de um ministro de Cristo, essa é a maneira correta de se comportar?” Eu disse algumas palavras sobre isso, e vi que o afligiu; e vomitando algo muito severo, ele imediatamente deixou a loja.

Eu também saí, e retonei à casa do Sr. Aiken, onde estava hospedado na época. Eu estava lá há alguns instantes quando alguém chegou à porta, e como nenhum empregado estava por perto, eu mesmo atendi. E quem entra, senão o Sr. Weld? Ele parecia estar prestes a afundar. Começou imediatamente a fazer a mais humilde confissão e pedir desculpas pela maneira com que tratara-me, e expressou-se nos mais fortes termos de auto-condenação. Peguei-o gentilmente pela mão e tive uma pequena conversa, assegurando-lhe que eu não tinha nada contra ele, e exortei-o honestamente a entregar seu coração para Deus. Acredito que orei com ele antes que fosse embora. Ele saiu, e não tive mais notícias suas naquele dia.

Naquela noite preguei, eu acho, em New Hartford, e retornei muito tarde. Na manhã seguinte eu soube que ele fora para a casa de sua tia muito impactado. Ela pediu-lhe que orasse com a família. Ele disse que a princípio ficou chocado com a idéia. Mas seu ódio aumentou tanto, que ele pensou que aquela era uma maneira na qual ele ainda não havia expressado sua oposição, e portanto concordaria com seu pedido. Ajoelhou-se e começou, e seguiu com o que sua tia esperava que fosse uma oração, mas de sua parte, era a mais blasfema vituperação que podia ser expressada. Ele continuou de uma maneira maravilhosa, até que todos convulsionassem e ficassem alarmados; e ele falou por tanto tempo que o dia virou noite antes que terminasse. Sua tia tentou conversar e orar com ele, mas a oposição em seu coração era terrível. Ela ficou assustada com as opiniões que ele apresentava. Depois de orar com ele e dizer-lhe para entregar seu coração a Deus, ela se retirou.

Ele foi para o seu quarto, e ficava andando de um lado para o outro, às vezes, deitando-se no chão. Continuou a noite inteira com esse terrível estado mental, com raiva, rebelde, e ao mesmo tempo tão convicto que mal conseguia viver. No raiar da aurora, enquanto ainda andava para lá e para cá em seu quarto, contou, uma pressão veio sobre ele e levou-o ao chão, e com ela uma voz que parecia ordená-lo a arrepender-se, a arrepender-se agora. Ele disse que foi derrubado ao chão, e ali ficou, até que, no final da manhã, sua tia subiu e o encontrou caído, chamando-se a si mesmo de tolo e idiota, e aos olhos humanos, com seu coração quebrado em mil pedaços.

Na noite seguinte ele se levantou na reunião, e perguntou se poderia fazer uma confissão. Eu respondi que sim, e ele fez uma confissão públia diante de toda a congregação. Disse que cabia a ele mesmo remover a pedra de tropeço que colocara perante todas as pessoas, e queria uma oporutnidade para fazer a confissão mais pública que pudesse. Ele fez uma confissão muito humilde, honesta e quebrantada.

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A partir de então, ele se tornou um voluntário muito usado na obra. Trabalhava diligentemente, e sendo um poderoso discursista, com um grande dom de oração e trabalho, foi instrumento, por muitos anos, na obra do bem, e na conversão de muitas almas. Com o tempo, sua saúde tornou-se frágil por tanto trabalho. Ele foi obrigado a deixar a faculdade, e embarcou em uma excursão de pescadores para a costa do Labrador. Voltou o mesmo obreiro honesto de antes, com a saúde renovada. Tive nele, por um tempo considerável, um ajudador eficiente, nos lugares onde trabalhei.

Eu falei que nenhuma resposta pública foi feita às coisas que foram publicadas, em oposição a esses avivamentos; isto é, a nada que foi escrito pelo Dr. Beecher ou pelo Sr. Nettleton. Eu também disse que foi publicado um panfleto pelos pastores que compunham a Associação Oneida, em oposição à essa obra. A isso, creio eu, nenhuma resposta pública foi dada. Lembro-me que um pastor Unitário, que vivia em Trenton, naquele condado, publicou um panfleto abusivo, no qual apresentava a obra de forma totalmente errônea, e fazia um ataque pessoal à minha pessoa. A isso o Rev. Sr. Wetmore, um dos membros do Presbitério de Oneida, publicou uma resposta.

Esse avivamento ocorreu no inverno e primavera de 1826. Quando os convertidos já haviam sido recebidos pelas igrejas por todo o condado, o Rev. John Frost, pastor da Igreja Presbiteriana em Whitesboro, publicou um panfleto contanto algumas coisas sobre o aviamento e declarou, se me lembro direito, que dentro dos limites daquele presbitério, os convertidos eram um total de três mil. Eu não tenho cópias de nenhum desses panfletos. Falei que a obra espalhou-se a partir de Roma e Utica, como se de um centro, para todas as direções. Pastores vinham de distâncias consideráveis, e passavam mais ou menos dias participando das reuniões, e ajudando de várias maneiras a levar a obra adiante. Eu mesmo trabalhei na maior área que pude, trabalhando mais ou menos dentro dos limites do presbitério. Não posso lembrar-me agora dos lugares onde passei mais ou menos tempo. Os pastores de todas aquelas igrejas simpatizavam profundamente com a obra, e como homens bons e verdadeiros, colocavam-se aos pés do altar, e faziam tudo que podiam para levar adiante o grande e glorioso movimento, e Deus deu-lhes uma rica recompensa.

As doutrinas pregadas nesses avivamentos foram as mesmas que já foram apresentadas. Ao invés de falar para os pecadores usarem os meios da graça e orarem por um novo coração, nós os chamávamos a fazerem de si mesmos um novo coração e um novo espírito, e insistíamos no dever de rendição imediata a Deus. Dissemo-lhes que o Espírito estava lutando com eles para induzí-los agora a entregar seu coração a Ele, a acreditar agora, e a entrar de uma vez por todas em uma vida de devoção a Cristo, de fé, amor, e obediência cristã. Ensinamos a eles que enquanto oravam pelo Espírito Santo, resistiam-nO constantemente; que se de uma vez por todas se entregassem a suas próprias convicções de deveres, seriam cristãos. Tentamos mostrar-lhes que tudo que eles haviam dito ou feito antes de se submeter, acreditar, entregar seu coração a Deus, era pecado, não era o que Deus queria que fizessem, mas simplesmente o adiamento do arrependimento e da resistência ao Espírito Santo.

É claro que ensinamentos como esses tinham muita oposição, mas mesmo assim era muito abençoado pelo Espírito de Deus. Antes, supunha-se que era necessário que um pecador permanecesse um longo tempo sob convicção, e não era raro ouvir velhos professores de religião dizendo que ficaram sob convicção há muitos meses, ou anos, antes de encontrarem alívio; e eles evidentemente tinham a impressão de que quanto mais tempo ficassem sob convicção, maior era a prova de que realmente haviam-se

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convertido. Nós ensinávamos o oposto disso. Eu insistia que se ficassem muito tempo sob convicção, corriam um grande risco de se auto-justificarem, no sentido de que pensariam ter orado bastante, e feito muita coisa para persuadir Deus a salvá-los; e que por fim acalmar-se-iam com uma falsa esperança. Dissemos a eles que sob essa prolongada convicção, corriam o risco de afastar o Espírito de Deus, e quando a angústia de suas mentes cessasse, uma reação aconteceria naturalmente, sentir-se-iam menos angustiados, e talvez até um certo grau de conforto, pelo qual corriam o risco de acreditar que haviam-se convertido; que o mero pensamento que possivelmente haviam-se convertido podia criar um grau de alegria, a qual confundiriam com a alegria e a paz de Cristo; e que esse estado de mente ainda podia desiludí-los mais adiante, se fosse tomado como prova de que realmente converteram-se.

Tentamos descartar minuciosamente esses falsos ensinamentos. Insistimos na época, como sempre fiz desde então, na submissão imediata, como a única coisa que Deus aceitaria de suas mãos; e que toda demora, por qualquer pretexto, era uma rebelição contra Deus. Tornou-se muito comum sob esses ensinamentos, que as pessoas se convertessem no curso de algumas horas, e algumas vezes, em alguns minutos. Tais conversões repentinas eram alarmantes para muitas pessoas de bem, e é claro, eles previam que esses convertidos afastar-se-iam, provando não serem converditos de fato. Mas o tempo provou que em meio a essas conversões repentinas, estavam alguns dos mais influentes cristão já conhecidos naquela região do país; e vi isso também por experiência própria, durante todo meu ministério.

Já mencionei que o Sr. Aiken respondeu em particular algumas cartas do Sr. Nettleton e do Dr. Beecher. Algumas das cartas do doutro, na época, foram publicadas, mas não causaram nenhum impacto público. As respostas do Sr. Aiken, que ele enviava por correio, pareciam não fazer diferença alguma com a oposição de nenhum dos dois. Por uma carta que o Dr. Beecher escreveu, nessa mesma época, ao Dr. Taylor de New Haven, parecia que alguém causara-lhe a impressão de que os irmãos envolvidos em promover esses avivamentos faltavam com a verdade. Nessa carta, ele dizia que o espírito da mentira era tão predominante naqueles movimentos, que não se podia acreditar em nada nos irmãos que os promoviam. Essa carta do Dr. Beecher para o Dr. Taylor achou seu caminho para a imprensa. Se fosse republicada hoje, as pessoas da região onde esses avivamentos prevaleceram achariam muito estranho que o Dr. Beecher, em uma carta particular, escreveria tais coisas sobre os pastores e cristãos envolvidos em promover aqueles grandes e maravilhosos movimentos.

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A VERDADE DO EVANGÉLHO

AS MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

CAPÍTULO XV.

O AVIVAMENTO EM AUBURN EM 1826

DR. LANSING, o pastor da Primeira Igreja Presbiteriana em Auburn, veio a Utica para testemunhar o avivamento ali, e insistiu para que eu fosse trabalhar com ele por um tempo. No verão de 1826, concordei com seu pedido, e fui para lá trabalhar com ele por uma estação. Logo depois de ir para Auburn, descobri que alguns dos professores do seminário teológico naquele lugar tinham uma atitude hostil para com o avivamento. Eu soube antes que pastores ao leste de Utica estavam, em grande número, correspondendo-se em referência a esses avivamentos, e adotando uma postura de hostilidade a eles.

No entanto, até chegar em Auburn, não tinha noção da quantidade de oposição que deveria encontrar, por parte do ministério; não o ministério da região onde trabalhei, mas de pastores de lugares onde não trabalhei, que não sabiam nada sobre mim, pessoalmente, mas eram influenciados pelos falsos relatos que escutavam. Mas logo depois que cheguei em Auburn, soube de várias fontes que um sistema de espionagem estava sendo executado, e que era destinado a resultar, fora desenhado para resultar, em uma grande união de pastores e igrejas para confinar-me, e evitar que esses movimentos se espalhassem por minhas obras.

Nessa época fui informado que o Sr. Nettleton disse que eu não poderia ir mais ao Leste; que todas as igrejas, especialmente da Nova Inglaterra, estavam fechadas para mim. O Sr. Nettleton foi até Albany e fez uma manifestação, e uma carta do Dr. Beecher caiu em minhas mãos, na qual ele exortava o Sr. Nettleton a fazer uma grande manifestação contra mim e contra os avivamentos no centro de Nova Iorque, prometendo que quando os magistrados, como os chamava, da Nova Inglaterra se encontrassem, todos declarariam, e apoia-lo-iam em sua oposição.

Mas por agora devo retornar a o que aconteceu em Auburn. Minha mente ficou, logo que cheguei ali, muito impressionada com o trabalho extensivo daquele sistema de espionagem que mencionei. O Sr. Frost, de Whitesboro, soubera dos fatos até certo ponto, e comunicou-lhes a mim. Eu não disse nada publicamente, nem em particular, se bem me lembro, para ninguém sobre o assunto, mas entreguei-me em oração. Olhava para Deus com muita sinceridade dia após dia, buscando direção, pedindo-lhe que me mostrasse o caminho devido, dando-me graça para passar pela tempestade.

Jamais esquecerei que situação passei um dia em meu quarto na casa do Dr. Lansing. O Senhor mostrou-me como que em uma visão o que estava diante de mim. Ele aproximou-se tanto de mim, enquanto eu orava, que meu corpo literalmente tremia até os ossos. Eu tremia da cabeça aos pés, sob a noção plena da presença de Deus. A princípio, e por algum tempo, aquilo pareceu-me mais como estar no topo do Sinai, em meio a todos os seus trovões, do que na presença da cruz de Cristo.

Nunca em minha vida, eu eu possa recordar, estive tão reverente e humilhado diante de Deus quanto naquele momento. Ainda assim, ao invés de ter vontade de fugir, eu parecia atraído mais e mais perto e Deus – parecia atraído cada vez mais à Presença que enchera-me com tal inexplicável reverência e tremor. Depoi de um período de

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grande humilhação diante dEle, houve uma grande exltação. Deus me assegurou que Ele estaria comigo e sustentar-me-ia; que oposição alguma prevaleceria contra mim; que eu não tinha nada a fazer, a respeito desse assunto, a não ser continuar meu trabalho, e esperar por Sua salvação.

O sentido de presença de Deus, e tudo que se passou entre Deus e minha alma naquela hora, nunca poderei descrever. Levou-me a ficar perfeitamente confiante, perfeitamente calmo, e a não ter nada a não ser os sentimentos mais perfeitamente doces por todos aqueles irmãos que estavam enganados e organizavam-se contra mim. Tive certeza de que tudo terminaria bem, que minha verdadeira tarefa era deixar tudo pra Deus, e continuar com meu trabalho; e conforme a tempestade se formava e a oposição aumentava, eu jamais, por nenhum momento, duvidei do resultado. Nunca me preocupei com ele, nunca gastei uma hora de meu tempo pensando nele; quando para todos os olhos parecia que todas as igrejas do país, exceto aquelas onde eu já havia trabalhado, unir-se-iam para excluir-me de seus púlpitos. Isso era de fato uma determinação pessoal, como eu via, dos homens que lideravam a oposição. Estavam tão enganados que pensaram não haver outra maneira eficiente a não ser se unirem, e, como eles mesmos diziam, derrubá-lo. Mas Deus me garantiu que eles não conseguiriam derrubar-me.

Uma passagem no capítulo vinte de Jeremias vinha repetidamente sobre mim com grande poder. É assim: “Iludiste-me, ó Senhor, e iludido fiquei [no rodapé diz ‘seduzido’]; mais forte foste do que eu e prevaleceste; sirvo de escárnio todo o dia; cada um deles zomba de mim. Porque, desde que falo, grito e clamo: Violência e destruição! Porque se tornou a palavra do Senhor um opróbrio para mim e um ludíbrio todo o dia. Então, disse eu: Não me lembrarei dele e não falarei mais no seu nome; mas isso foi no meu coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos; e estou fatigado de sofrer e não posso. Porque ouvi a murmuração de muitos: Há terror de todos os lados! Denunciai, e o denunciaremos! Todos os que têm paz comigo aguardam o meu manquejar, dizendo: Bem pode ser que se deixe persuadir; então, prevaleceremos contra ele e nos vingaremos dele. Mas o Senhor está comigo como um valente terrível; por isso, tropeçarão os meus perseguidores e não prevalecerão; ficarão mui confundidos; como não se houveram prudentemente, terão uma confusão perpétua, que nunca se esquecerá. Tu, pois, ó Senhor dos Exércitos, que provas o justo e vês os pensamentos e o coração, veja eu a tua vingança sobre eles, pois te descobri a minha causa.” Jeremias 20:7-12.

Não quero dizer que essa passagem descrevia literalmente meu caso, ou expressava meus sentimentos, mas havia tanta similariade nesse caso, que essa passagem foi muitas vezes um apoio para minha alma. O Senhor não me permitia que essa oposição ficasse no coração, posso sinceramente dizer, até onde posso me lembrar, que nunca tive nenhum tipo de ressentimento em relação ao Sr. Nettleton ou ao Dr. Beecher, ou a qualquer líder da oposição à obra, durante todo o tempo que foram opostos.

Lembro-me de ter tido um sentimento peculiar de horror a respeito do panfleto publicado, e do caminho seguido por William R. Weeks, a quem já fiz alusão. Aqueles que conhecem a história do Sr. Weeks, lembram-se que logo depois disso, ele começou a escrever um livro, ao qual deu o nome de “O progresso do peregrino no século dezenove.” Isso foi publicado em capítulos, e por fim como um único volume, com o qual muitos dos leitores dessa narrativa podem ser familiares. Ele era um homem de talento considerável, e devo esperar que fosse um homem bom; mas creio

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que muito desiludido em sua filosofia, e excessivamente errado em sua teologia. Não menciono porque desejo falar mal dele, ou de seu livro, mas somente para dizer que ele nunca parou, até onde sei, de oferecer mais ou menos oposição, direta ou indiretamente, aos avivamentos que não favorecessem suas visões peculiares. Ele tomou dores, sem mencioná-lo, para defender o caminho tomado pelo Sr. Nettleton, ao colocar-se à frente da oposição a esses avivamentos. Mas Deus descartou toda aquela influência. Já não escuto sobre isso há muitos anos.

Sem considerar a postura que alguns dos professores em Aubur adotavam, em conexão a tantos pastores pelo país, o Senhor logo avivou sua obra em Auburn. O Sr. Lansing tinha uma grande congregação, de pessoas muito cultas. O avivamento logo começou a afetar as pessoas, e tornou-se poderoso.

Foi nessa época que o Dr. S de Auburn, que ainda mora lá, foi tão grandemente abençoado em sua alma, a ponto de tornar-se um homem por inteiro diferente. Dr. S era um presbítero na igreja Presbiteriana quando eu cheguei lá. Ele era um cristão muito tímido e senil, e quase não tinha eficiência alguma, pois tinha pouca fé. Logo, no entanto, tornou-se profundamente convicto do pecado, e desceu ao fundo da humilhação e angústia, quase ao desespero. Continuou nessa situação por semanas, até que uma noite, numa reunião de oração, foi sucumbido por seus sentimentos, e afundou-se inevitavelmente para o chão. Então Deus abriu seus olhos para a realidade de sua salvação em Cristo. Isso ocorreu logo depois que saí de Auburn e fui para Tróia, em Nova Iorque, para trabalhar. Dr. S logo foi atrás de mim em Tróia, e na primeira vez em que o vi naquele lugar, ele exclamou com uma ênfase que lhe era peculiar “Irmão Finney, eles enterram o Salvador, mas Cristo ressucitou.” Ele recebeu um batismo tão maravilhoso do Espírito Santo, que desde então tem sido motivo para júbilo e maravilha para o povo de Deus.

Em parte como conseqüência da sabida reprovação de minhas obras por parte de muitos pastores, bastante oposição espalhou-se por Auburn, e um número dos líderes daquele grande vilarejo estabeleceu-se fortemente contra a obra. Mas o Espírito do Senhor estava em meio ao povo com grande poder.

Recordo que em uma manhã de domingo, enquanto pregava, eu estava descrevendo a maneira na qual alguns homens às vezes opõem-se a suas famílias, e se possivel fosse, evitava que se convertessem. Dei uma discrição tão vívida de um caso como esse que disse “Provavelmente se eu os conhecesse melhor, chamaria alguns de vocês pelo nome, que tratam a família dessa maneira.” Nesse momento um homem gritou no meio da congregação “Chame a mim!”, então jogou sua cabeça adiante, para o banco à sua frente, e estava claro que ele tremia muito emocionado. Acontece que ele estava tratando sua família daquela maneira, e naquela manhã fizera as mesmas coisas que eu havia dito. Ele disse que seu grito “Chame a mim!” fora tão espontâneo e irresistível que ele não pode segurar. Mas temo que ele jamais converteu-se a Cristo.

Havia um chapeleiro de nome H, morando em Auburn nessa época. Sua esposa era uma mulher cristã, mas ele era um Universalista, e era contra o avivamento. Ele levou sua oposição tão longe ao ponto de proibir sua mulher de participar de nossas reuniões, e por muitas noites consecutivas, ela permaneceu em casa. Certa noite, quando o sino tocou para anunciar a reunião, meia hora antes da assembléia reunir-se, a Sra. H estava tão envolvia em preocupar-se por seu esposo que retirara-se para orar, e passou aquela meio hora derramando sua alma diante de Deus. Ela contou ao Senhor

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como seu marido se comportava, que ele não a deixava participar de reunião, e ela aproximou-se muito de Deus.

Conforme o sino soava para que as pessoas se reunissem, ela saiu de seu closet, como depois eu vim a saber, e viu que seu esposo havia vindo de sua loja, e ao entrar na sala de estar, ela perguntou-lhe se poderia ir à reunião. Então ele disse que se ela fosse, ele a acompanharia. Ele depois me contou que havia decidido participar da reunião naquela noite, para ver se conseguiria alguma coisa para justificar sua oposição para sua esposa; ou pelo menos, algo de que poderia rir, sustentando sua ridicularização da obra. Quando se propôs a acompanhar sua esposa, ela ficou muito supresa, mas foi arrumar-se, pois viriam à reunião.

Eu não sabia de nada disso na época, é claro. Estivera visitando e trabalhando com as pessoas que tinham dúvidas o dia todo, e não tive tempo algum para organizar meus pensamentos, nem mesmo para escolher um texto. Durante a abetura do culto, uma passagem veio à minha mente. Eram as palavras dos homens com o espírito imundo, que gritavam “Não nos atormente.” Peguei aquelas palavras e comecei a pregar, e empenhei-me para mostrar a conduta daqueles pecadores que queriam ser deixados em paz, que não queriam se envolver de maneira nenhuma com Cristo.

O Senhor deu-me a capacidade de dar uma discrição muito vívida do caminho que aquele tipo de homens estava seguindo. No meio de meu discurso, observei uma pessoa cair de seu lugar próximo ao largo corredor, gritando de maineira mais terrível. A congregação estava muito chocada, e o grito do homem era tão grande que calei-me e fiquei parado. Depois de alguns minutos, pedi que a congregação permanecesse sentada, enquanto eu decia para falar com aquele homem. Descobri que era o Sr. E, de quem tenho falado. O Espírito do Senhor o havia convencido de forma tão poderosa, que fora incapaz de permanecer sentado. Quando aproximei-me dele, ele havia recuperado forças o suficiente para estar de joelhos, com a cabeça sobre o colo de sua esposa. Ele chorava alto como uma criança confessando seus pecados, e acusando-se de maneira terrível. Disse-lhe algumas palavas, às quais ele pareceu não prestar muita atenção. O Espírito de Deus tinha sua atenção tão presa, que logo desisti de todos os esforços para fazê-lo escutar o que dizia. Quando eu disse à congregação quem era ele, todos, conhecendo seu caráter, começaram a chorar e soluçar por todos os lados. Fiquei ali algum tempo, para ver se ele ficaria quieto o suficiente para que eu continuasse com meu sermão, mas seu choro alto fazia isso impossível. Jamais posso esquecer o semblante de sua esposa, enquanto estava ali sentada, com o rosto dele em suas mãos sobre seu colo. Em seu rosto havia uma alegria santa e um triunfo que palavras não podem expressar.

Tivemos muitas orações, e então encerrei a reunião. Algumas pessoas ajudaram o Sr. H até sua casa. Ele pediu imediatamente que fossem chamar alguns de seus companheiros, com quem tinha o hábito de ridicularizar a obra de Deus naquele lugar. Ele não pode descansar até que chamou muitos deles, e fez-lhes uma confissão, a qual fez com um coração muito quebrantado.

Ele estava tão abalado que por dois ou três dias não conseguia sair pela cidade, e continuou a chamar os homens que desejava ver, para que pudesse confessar a eles, e avisá-los para fugir da ira vindoura. Logo que foi capaz de sair, ele abraçou a obra com muita humildade e simplicidade de caráter, e com muita sinceridade. Pouco tempo depois, tornou-se um presbítero, ou diácono, e tem sido desde então um cristão muito

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usado e exemplar. Sua conversão foi tão marcada e tão poderosa, e os resultados tão manifestos, e silenciou muito a oposição.

Havia muitos homens ricos naquela cidade que ficavam ofendidos com o Dr. Lansing e comigo, e com os obreiros naquele avivamento, e depois que eu fui embora, eles se reuniram e formaram uma nova congregação. A maioria deles era, na época, homens não convertidos. Que o leitor guarde isso em mente, pois na ocasião apropriada, terei a oportunidade de contar os resultados dessa oposição e da formação de uma nova congregação, e da subseqüente conversão de quase todos os opositores.

Enquanto estava em Auburn, preguei mais ou menos nas igrejas vizinhas dos arredores, e o avivamento espalhou-se em várias direções, para Cayuga, e para Skeneateles. Isso aconteceu no verão e outono de 1826.

Logo depois de minha chegada a Auburn, uma situação ocorreu, de caráter tão impactante que devo fazer um relato breve. Eu e minha esposa éramos hóspedes do Dr. Lansing, o pastor da igreja. A igreja estava muito conformada ao mundo, e era acusada pelos ímpios de serem líderes nas vestimentas, moda, e mundanismo. Como de costume, direcionei minha pregação para reformar a igreja, e levá-los a um estado de avivamento. Certo domingo eu havia pregado, da forma mais minuciosa que consegui, para a igreja, sobre sua atitude diante do mundo. A Palavra atingiu profundamente as pessoas.

No final de meu discurso, chamei, como sempre, o pastor para orar. Ele estava muito impressionado com o sermão, e ao invés de começar imediatamente a orar, falou algumas poucas mas honestas palavras à igreja, confirmando o que eu lhes havia dito. Nesse momento, um homem levantou-se na galeria, e disse de forma bastante deliberada e distinda “Sr. Lansing, não creio que tais comentários vindos do senhor possam adiantar em alguma coisa, sendo que o senhor usa uma camisa ostentativa e um anel de ouro, e sendo que sua esposa e as senhoras de sua família ficam sentadas, como fazem, diante da congregação, vestidas como as líderes da moda no dia.” Parecia que isso iria matar o Dr. Lansing como um só golpe. Ele não deu resposta alguma, mas colocou-se de lado no púlpito e chorou como criança. A congregação estava quase tão chocada e afetada quanto ele. Quase todos baixaram suas frontes, e muitos choravam em silêncio. Com a exceção dos suspiros e soluços, a casa estava em profundo silêncio. Eu esperei por alguns momentos, e já que o Dr. Lansing não se movia, levantei-me, fiz uma breve oração e dispensei a congregação.

Fui para casa com o querido, ferido pastor, e quando toda a família havia retornado da igreja, ele tirou o anel de seu dedo – era um esguio anel de ouro que mal chamava atenção – e disse que sua primeira mulher, em seu leito de morte, tirou de seu próprio dedo e colocou no dele, pedindo-lhe que usasse por ela. Assim ele o fez, sem pensar que pudesse ser uma pedra de tropeço. Dos ornamentos em suas vestes, disse que usava-os desde a infância, e não achava que fosse nada impróprio. De fato, ele sequer se lembrada de quando comecara a usá-los, e é claro, nem pensava neles. “Mas,” disse ele, “se essas coisas são ofensivas a qualquer pessoa, não as usarei.” Ele era um precioso homem cristão, e um excelente pastor.

Quase que imediatamente depois disso, a igreja estava disposta a fazer uma confissão pública para o mundo de suas transgressões, e da necessidade de um espírito cristão. De acordo com isso, uma confissão foi preparada, cobrindo todos os pontos. Foi submetida à aprovação da igreja, e então lida diante da congregação. A igreja ficou de

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pé, muitos chorando enquando a confissão era lida. A partir desse momento, a obra caminhou, com muito mais poder.

A confissão foi evidentemente uma obra de coração, e não armada, e Deus aceitou-a de forma graciosa e manifesta, e a voz dos contestadores foi calada. O fato é que, em grande parte, as igrejas e pastores estavam em um baixo estado de graça, e aqueles poderosos avivamentos pegaram-lhes de surpresa. Não fiquei muito espantado na época, nem desde então, que tais obras maravilhosas de Deus não eam bem entendidas e recebidas por aqueles que não estavam preparados para um avivamento.

Houve muitas conversões interessantes em Auburn e em seus arredores, e também em todas as cidades vizinhas, por toda aquela parte do estado, conforme a obra espalhava-se em todas as direções. Na primavera de 1831, estive novamente em Auburn e vi outro poderoso avivamento lá. As circunstâncias foram peculiares, e muito interessantes, e serão relatadas no momento apropriado nessa narrativa.