MemóRia De Um Sargento De MilíCias 2

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ORGANIZAO ESTRUTURAL 1) A novela est dividida em duas partes bem distintas: a primeira com 23 captulos e a segunda com 25. 2) Os episdios so quase autnomos, s ligados pela presena de Leonardo, dando obra uma estrutura mais de novela que de romance, como j ficou observado. 3) O leitor acompanha o crescimento do heri com sua infncia rica em travessuras, a adolescncia com as primeiras iluses amorosas e aventuras, e o adulto, que, com o senso de responsabilidade, que essa idade exige, vai-se enquadrando na sociedade, o que culmina com o casamento. 4) Para Mrio de Andrade, trata-se de uma novela picaresca de influncia hispnica. Manuel Bandeira, em uma de suas crnicas, conta que o grande escritor espanhol Francisco Ayala leu a novela e, de to encantado, traduziu-a para o espanhol e escreveu no prefcio a palavra que melhor lhe pareceu qualific-la: obra-prima, acrescentando que As Memrias se inserem na linhagem dos romances picarescos. E olhe que Ayala da terra da fico picaresca. Ningum, pois, melhor qualificado para conferir a lurea. No obstante, o nosso pcaro tem caractersticas prprias, que o afastam do modelo espanhol, como ressalta o critico Antnio Cndido, m Dialtica da Malandragem: Digamos ento que Leonardo no um pcaro sado da tradio espanhola, mas sim o primeiro grande malandro que entra na novelstica brasileira, vindo de uma tradio folclrica e correspondendo, mais do que se costuma dizer, a certa atmosfera cmica e popularesca de seu tempo, no Brasil.

5) Freqentemente identificadas por suas profisses e caracteres fsicos, as personagens se enquadram na categoria de planas, no apresentando, portanto, traos psicolgicos densos e profundos. O protagonista da estria (Leonardo), que foge completamente aos padres de heri romntico, igualmente uma personagem plana, sem traos psicolgicos profundos que marquem a sua personalidade. Assim, pois, predomina sempre o sentido visual e no a percepo psicolgica. Os personagens distinguem-se pelo fsico de absoluta nitidez, no falam, e algumas figuras ficam mudas quase todo o tempo, como acontece com Luisinha e o prprio Leonardo. 6) Na construo da obra, muitas vezes h falhas que se explicam devido ao fato de o livro ter sido escrito em meio algazarra de uma repblica de estudantes, como testemunha o bigrafo de Manuel Antnio, Marques Rebelo: a) A amante de Leonardo pai, na primeira parte, figura como sobrinha da parteira; na segunda, aparece como filha desta. b) Por outro lado, os primos de Vidinha inicialmente eram trs e no final s aparecem dois. c) A moa cujo rapto foi atribudo a Jos Manuel aparece como filha de uma viva, mas, pouco depois, o mesmo Jos Manuel foi salvo graas ao pai da rapariga. d) Ao contrrio do que ocorre nas obras de memrias, aqui a narrativa no feita em primeira pessoa como acontece geralmente com esse gnero literrio, mas em terceira pessoa; talvez porque no se trata realmente de um livro de memrias. e) Para Paulo Rnai, que traduziu a obra para o francs, o ttulo deveria ser: Como se Faz um Sargento de Milcias , pois, segundo confessa, teve tentao de colocar, como titulo, na traduo francesa -Comment on devi ent un Sargent de la Mi/ice . J para Olvio Montenegro, o ttulo poderia ser: Cenas da Vida Carioca.

ESTILO DE POCA Tendo surgido em pleno Romantismo, Memrias de um Sargento de Milcias apresenta uma narrativa desembaraada, com conversaes colhidas ao vivo e uma multido de personagens vivos, extrados da gente do povo, primando pela originalidade. Entretanto, podem-se detectar, na obra, aspectos que traem no s o Romantismo como o Realismo: 1) No parece ser muito apropriado considerar o livro como obra precursora do Realismo no Brasil, embora seu autor haja revelado conhecer a Comdia Humana, de Balzac, e ter recebido influncias dela. Falta-lhe, sem dvida, a inteno realista, apesar da presena de muitos elementos denunciadores desse estilo de poca, como ressalta Jos Verssimo: o autor pratica, no romance brasileiro, o que j licito chamar obra psicolgica e de meio: a descrio pontual, a representao realista das coisas, mas fugindo s cruezas. 2) Ao contrrio do que ocorre no Romantismo, o cenrio no o dos palcios reais com festas e diverses ao gosto dos nobres, nem a natureza; so as ruas cheias de gente, por onde desfilam meirinhos, parteiras, devotas, granadeiros, sacristes, vadios, brancos, pardos e pretos: gente do povo, de todas as raas e profisses. Povo sem nome, simplesmente designado por mestre de reza, parteira, barbeiro, toma largura, etc. Assim, existe, no livro, uma preocupao documental bem ao gosto realista.

3)-Alm disso, destacam-se na obra o sentimento anti-religioso e anticlericalista, o horror aos padres e o desprezo pelas beatas, a caricatura e a ironia, que so ingredientes sabidamente caracterizadores do estilo realista:

- O Divino Esprito Santo E um grande folio, Amigo de muita carne. Muito vinho e muito po. A cena do clrigo, mestre de cerimnias, no quarto de uma cigana prostituta, em noite de festa e nos trajes em que o autor o coloca digna de mestres do Realismo, como Ea de Queiroz, por exemplo.

Por outro lado, a presena do Romantismo tambm notria na obra: 1) A busca do passado, que uma fixao comum no estilo romntico, serve de ponto de partida para o autor, como se v na abertura do livro: Era no tempo do rei. Conforme ressalta Paulo Rnai, orgulha-se o autor de no participar dos exageros romnticos, mas, saudoso do passado, explica o interesse pelos tempos antigos com a alegao de querer mostrar que os costumes de outrora no eram superiores aos de seu tempo. S mero pretexto: ele s no admitia os excessos dos ultra-romnticos. 2) Como freqente no Romantismo, que tem, ao lado de uma certa tendncia para finais ttricos, propenso para as concluses aucaradas, todos os captulos e a prpria novela terminam num happy end, ou final feliz.

3) A despreocupao com a correo gramatical e o aproveitamento da fala e de expresses populares mostram bem a tendncia para a liberalizao da expresso, que outra conquista do Romantismo, forjada na esteira do liberalismo da poca, como revelam os exemplos abaixo: A vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem perdeu. como se costuma dizer, as estribeiras,... "Quando amanheceu, acordou sarapantado...." " Ol, Leonardo! Por que carga d gua vieste parar a estas alturas? Pensei que te tinha j o diabo lambido os ossos, pois depois daquele maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do mestre-de-cerimnias, nunca mais te pus a vista em cima. " Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo... Fui para casa de meu pai... e de repente, hoje mesmo. brigo l com a cuja dele... Na onda dessa liberalizao, h verdadeiras incorrees gramaticais, conforme atestam estes exemplos: "Naquela famlia haviam trs primos. Nas causas de sua imensa alada no haviam testemunhas... "...ele exps-me certas coisas... e que eu enfim no quis dar crdito. "... Fazia o mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discpulos.

4) Como comum no Romantismo, algumas situaes so criadas artificialmente. Revela-o sobretudo o fato de Leonardo transformado em granadeiro e posteriormente em Sargento de Milcias. Assim, embora apresente caractersticas que lembram os estilos realista e romntico, Memrias de um Sargento de Milcias se destaca por sua originalidade, afastando-se dos padres da poca, como observou Mrio de Andrade, que considerava essa novela uma obra isolada.

LINGUAGEM 1) A linguagem utilizada pelo autor em toda a novela, embora de cunho popular e com bastantes incorrees, tem muito do linguajar tipicamente portugus, o que revela, sem dvida, a marcante presena da gente lusitana em nossa terra no tempo do rei: "No quero c saber de nada... " Pois estoure, com trezentos diabos! "... h de ser um clrigo de traz. "... regulando-se a ouvir modinhas... " E a noiva?.., respondia a outra: arrenego tambm da lambisgoia... E outras expresses como tira-te l, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com a cuja dele, etc.

2) Outras vezes prima por usar construes bem clssicas: "... o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora de um dos bolsos, o cabo de uma tremenda palmatria,..." Coimbra era a sua idia fixa, e nada /ha arrancava da cabea." "... e quando tiver 12 ou 14 anos h de me entrar para a escola. "... e isto era natural a um bom portugus, que o era ele.

3) A ironia e o gosto pela gozao acompanham a obra do comeo ao fim. "A carruagem era um formidvel, um monstruoso maquinismo de couro, balanando-se pesadamente sobre quatro desmesuradas rodas. No parecia coisa muito nova; e com mais de dez anos de vida poderia muito bem entrar no nmero dos restos infelizes do terremoto, de que fala o poeta. Luisinha, conduzida por D. Maria, que lhe ia servir de madrinha, embarcou num dos destroos da arca de No. a que chamamos carruagem; " Entre os honestos cidados que nisto se ocupavam, havia, na poca desta histria um certo Chico-Juca. afamadssimo e temvel. Eis aqui como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vo ai pelo mundo.

ASPECTOS TEMTICOS MARCANTES 1) Para Antnio Soares Amora, a inteno do autor, ao escrever seu romance de folhetins para a Pacotilha, no difcil perceber; oferecer ao leitor, de um lado, um romance engraado, pelos tipos que nele entravam, pelas suas expresses, pelas suas atitudes e aes; de outro, um romance de costumes populares, de um Rio que deixara de existir, com a modernizao da vida carioca, iniciada no decnio de 1830; um Rio do comeo do sculo, ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas despreocupaes de sua gente e pelas festas populares (procisses, folias do Divino, fogos no Campo de Santana, as scias), e por isso um Rio de que os mais velhos, nos anos de 1850, se recordavam com nostalgia.

2) Alm desses aspectos citados, que configuram bem a poca do Rei (incio do sculo XIX, quando D. Joo VI esteve no Brasil fugido de Napoleo), destaca-se tambm no livro o anticlericalismo tpico da poca, em que se expem as safadezas de padres e outros podres da Igreja de Roma. " Ol, Leonardo! Por que carga d gua vieste parar a estas alturas? Pensei que te tinha j o diabo lambido os ossos, pois depois daquele maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do mestre-de-cerimnias, nunca mais te pus a vista em cima. " Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo... Fui para casa de meu pai... e de repente, hoje mesmo. brigo l com a cuja dele... Na onda dessa liberalizao, h verdadeiras incorrees gramaticais, conforme atestam estes exemplos: "Naquela famlia haviam trs primos. Nas causas de sua imensa alada no haviam testemunhas... "...ele exps-me certas coisas... e que eu enfim no quis dar crdito. "... Fazia o mestre em voz alta o pelo sinal. pausada e vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discpulos.