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Anais seminário
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I SEMINÁRIO NACIONAL - REESTRUTURAÇÃO NO SETOR
SUCROENERGÉTICO BRASILEIRO: NOVAS E VELHAS ESPACIALIDADES
ANAIS
Setor sucroenergético, reestruturação produtiva, processos de regionalização e conflitos
TRABALHOS COMPLETOS
Júlia Adão Bernardes
Roberta Carvalho Arruzzo
Cátia Antonia da Silva
(Organizadoras)
I SEMINÁRIO NACIONAL - REESTRUTURAÇÃO NO SETOR SUCROENERGÉTICO BRASILEIRO:
NOVAS E VELHAS ESPACIALIDADES
ANAIS
Setor sucroenergético, reestruturação produtiva, processos de regionalização e conflitos
Data do evento: 28, 29 e 30 de agosto de 2012
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro
Primeira Edição
Editora FFP-UERJ / ISBN: 978-85-88707-70-2
Apoio: FAPERJ / CAPES / UFRJ
2012
Anais do I Seminário Nacional - Reestruturação no setor sucroenergético brasileiro: novas e velhas espacialidades
Setor sucroenergético, reestruturação produtiva, processos de regionalização e conflitos
Trabalhos Completos
Direção Geral:
Julia Adão Bernardes (NUCLAMB/PPGG/UFRJ)
Coordenação Geral:
Julia Adão Bernardes (NUCLAMB/PPGG/UFRJ)
Roberta Carvalho Arruzzo (NUCLAMB/PPGG/UFRJ)
Catia Antonia da Silva (UTMC/PPGHS & DGEO/UERJ)
Equipe Executiva:
Camila da Silva Vieira (UFRJ)
Danielle Faria Peixoto (UFRJ)
Fausto Gadelha Cafezeiro (UFF)
Felippe Andrade Rainha (UERJ)
Florinda de Souza Torreira Pose (UFRJ)
Israella Pires Alves Gabrig (UFRJ)
José Bertoldo Brandão Filho (UFRJ)
Lourenço Passeri Lavrado da Silva Moreira (UFRJ)
Luiz Antônio Chaves de Farias (UFRJ)
Lívia Domiciano Cunha (UFRJ)
Marcos Vinícius Velozo da Costa (UFRJ)
Pedro Rougemont (UFRJ)
Simone Oliveira dos Santos (UFRJ)
Wanderson Rosa Zacarias da Silva (UFRJ)
Comissão Científica:
Claudio Antonio Gonçalves Egler (UFRJ)
Denizart da Silva Fortuna (UFF)
Dimas Moraes Peixinho (UFG)
Gisela Aquino Pires do Rio (UFRJ)
Jorge Luis Gomes Monteiro (UFMT)
Lia Osório Machado (UFRJ)
Luis Angelo dos Santos Aracri (UFJF)
Marcio Cataia (Unicamp)
Maria Adélia Aparecida de Souza (UNILA)
Maria Célia Nunes Coelho (UFRJ)
María Mónica Arroyo (USP)
Olga Maria Schild Becker (UFRJ)
Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ-FFP)
Ruy Moreira (UFF)
Tereza Cardozo de Souza Higa (UFMT)
Realização:
Apoio:
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1
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ________________________________________________________ 3
ANÁLISE DA NORMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NO CONTEXTO
SUCROENERGÉTICO DO MUNICÍPIO DE JATAÍ-GO ________________________ 8
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A AGROINDÚSTRIA DO ETANOL EM MATO
GROSSO _______________________________________________________________ 20
A REESTRUTURAÇÃO TÉCNICA E O TRABALHO FORMAL NA PRODUÇÃO DE
ETANOL _______________________________________________________________ 32
A REORGANIZAÇÃO ESPACIAL DO NORTE FLUMINENSE E A PRODUÇÃO DE
ETANOL _______________________________________________________________ 45
ASPECTOS AMBIENTAIS E ENERGÉTICOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO: A
EMISSÃO DE GASES AGRESSIVOS AO AMBIENTE E A BIOELETRICIDADE DA
CANA _________________________________________________________________ 56
A TRAJETÓRIA SOCIOESPACIAL DA PRODUÇÃO CANAVIEIRA NO BRASIL
________________________________________________________________________69
À REBOQUE DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CASO DOS MORADORES
DA VILA DE URURAÍ EM CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ _________________ 81
INSTÂNCIAS DE PODER E CIRCUITOS DE MERCADORIAS: UMA HIPÓTESE
________________________________________________________________________ 94
LOGÍSTICA DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ETANOL EM GOIÁS: DESAFIOS
ATUAIS E FUTUROS EM BUSCA DE COMPETITIVIDADE ____________________ 104
Anais do I Seminário Nacional - Reestruturação no setor sucroenergético brasileiro: novas e velhas espacialidades – ISBN: 978-85-88707-70-2
2
MUDANÇAS NO SETOR SUCROALCOOLEIRO DO NORTE FLUMINENSE/RJ: O
PAPEL DOS SEUS RECURSOS HUMANOS __________________________________ 117
O AVANÇO DA CANA-DE-AÇÚCAR SOBRE AS ÁREAS DO AGRONEGÓCIO EM
GOIÁS _________________________________________________________________ 130
O DESENVOLVIMENTISMO E O CONTEXTO DAS REDES: FURNAS
TERMELÉTRICAS EM SANTA CRUZ – CIDADE DO RIO DE JANEIRO – RJ ____ 141
O SETOR SUCROALCOOLEIRO NO SUL DO ESTADO DE ALAGOAS E A NOVA E
DIVISÃO DO TRABALHO _________________________________________________ 150
O TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO PRESENTE NA PRODUÇÃO DO
ETANOL BRASILEIRO ___________________________________________________ 162
O TRABALHO NO SETOR SECROENERGÉTICO EM ÁREAS DE EXPANSÃO: O
CASO DO MUNICÍPIO DE JATAÍ (GO) _____________________________________ 174
PRODUÇÃO DE ENERGIA E DESTRUIÇÃO DOS LUGARES: REESTRUTURAÇÃO DA
INDÚSTRIA PETROLÍFERA NA METRÓPOLE DO RIO DE JANEIRO E OS
CONFLITOS TERRITORIAIS COM A PESCA ARTESANAL ____________________ 187
PRODUÇÃO SUCROENERGÉTICA, RACIONALIDADE TÉCNICA E IMPLICAÇÕES
NA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ____________________________ 200
REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL REGIONAL NO NORTE FLUMINENSE E
DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL ___________________________ 212
TERRITÓRIO, MODERNIZAÇÃO E COTIDIANO: OS IMPACTOS DOS PROJETOS DE
MODERNIZAÇÃO SOBRE A PESCA ARTESANAL NA REGIÃO NORTE
FLUMINENSE __________________________________________________________ 225
O teor dos textos publicados neste volume, quanto ao conteúdo e a forma, é de
inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores.
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APRESENTAÇÃO
Este seminário nasce das motivações engendradas no contexto dos projetos: O
processo de expansão da produção de etanol no Brasil – Edital CNPq – Universal/2010;
Mudanças no paradigma energético: o processo de regionalização da produção de etanol no
Brasil – Edital CNPq – PNPD/2010 e O processo de reestruturação do setor sucroenergético
no estado do Rio de Janeiro: dilemas e desafios, Edital FAPERJ/2011, em consonância com
pesquisadores de diversas instituições universitárias do país. Os princípios que nortearam as
pesquisas têm como referência a compreensão das mudanças no setor sucroenergético no
contexto nacional, considerando a conjuntura atual marcada por um conjunto de
transformações econômicas, políticas e sociais que impactam a escala regional.
O seminário visa analisar as estratégias da produção de etanol nas diversas regiões do
país, a exemplo de São Paulo, do Centro Oeste, do Nordeste brasileiro e Norte-Fluminense
(RJ), bem como as repercussões desse processo na reorganização territorial das atividades
econômicas, dos recursos físicos e humanos, com consequências marcantes para a divisão
social e territorial do trabalho, implicando na criação de infraestruturas e de novas
possibilidades produtivas. Cabe salientar que as transformações econômicas promovidas
nesses espaços exigem uma leitura geográfica, já que o conceito de espaço é de grande valia
para interpretar as estratégias modernizantes dos processos econômicos, sociais e ambientais.
Nesse sentido, deve-se considerar que a recente expansão do setor do etanol e as novas
tecnologias geradas introduzem relações novas com o espaço, com implicações de ordem
social e territorial ainda pouco estudadas. Embora os estudos sobre os processos da dinâmica
econômica e espacial tenham avançado na compreensão do problema, favorecidos por
mudanças na Geografia Regional, contudo não dão conta da explicação da complexidade dos
processos que caracterizam as recentes transformações produtivas e espaciais no âmbito da
produção de etanol, já que as interpretações teóricas adotadas tinham como matriz os estudos
realizados em economias avançadas, sendo seus delineamentos transplantados de um contexto
histórico-espacial a outro, excluindo importantes fatos próprios das economias menos
desenvolvidas.
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Por outro lado, há excelentes trabalhos, como os de Paulillo (2000) e Mazzali (1999),
que tentam explicar as mudanças e/ou os desequilíbrios no marco da dinâmica do sistema
produtivo em função do próprio funcionamento do sistema capitalista, porém a proposta
desses estudos é distinta, uma vez que não aprofundam a variável espaço. O que propomos
aqui é recuperar a reflexão de autores que se preocupam com essa questão, dedicando-lhe um
tratamento mais profundo.
Como nos lembra a socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, “Milton Santos trouxe o
espaço para o centro dos debates em torno dos principais dilemas da vida contemporânea”
(2001: 33). Desta forma, duas importantes fontes de reflexão teórica justificam a realização
deste seminário de âmbito nacional: as proporcionadas por Ribeiro, em termos da teoria da
ação e de suas possibilidades transformadoras, e as representadas pelos investimentos de
Milton Santos, envolvendo orientações consistentes do esforço científico em termos de
método e conceitos, que ajudam a compreender a atual fase de destruição de condições
históricas e de estabelecimento de novas, em função do novo processo de reengenharia
proporcionado pelas inovações tecnológicas, significando reorganização do sistema produtivo
e mudanças nas relações capital/trabalho. Assim sendo, os processos estudados no âmbito do
processo de modernização têm como eixo orientador a visão crítica da técnica.
O estudo da técnica em determinadas estruturas produtivas torna-se mais importante
ao se considerar que a atividade humana se desenvolve em e com o espaço geográfico, do
qual nos aproveitamos e sobre o qual incidimos, porém o espaço, por sua vez, também nos
impõe condicionantes (Sánchez, 1991). Nesse sentido, o espaço é considerado como instância
da sociedade, contido e contendo as demais instâncias, e cada instância contém e é contida
pelo espaço (Santos, 1985).
Cabe destacar que em cada época e estágio das sociedades os objetos são organizados
espacialmente segundo funcionalidades e conteúdos distintos, seja técnico, social, ambiental,
etc, e essa arrumação cria espacialidades. Portanto, é importante verificar, no contexto de
expansão da produção de etanol, como uma certa ruptura com ordenamentos anteriores,
desagrega, desconstrói e reconstrói as relações de poder entre os grupos sociais tradicionais e
os novos grupos, significando que os processos de integração e exclusão, inerentes ao avanço
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das atividades modernas, necessitam ser conhecidos e analisados, para maior compreensão da
realidade atual, subsidiando as práticas políticas de intervenção.
No âmbito do aprofundamento da nova divisão territorial do trabalho e da
especialização produtiva regional, os conceitos de circuito espacial da produção e círculos de
cooperação revelam-se fundamentais na compreensão da organização e regulação dos
territórios (Santos, 1986; Santos e Silveira, 2001; Castillo, 2010). Como enfatizam Castillo e
Frederico (2010:462), “a expansão dos circuitos espaciais produtivos torna mais complexa a
gestão e o ordenamento dos fluxos materiais e imateriais, fazendo das grandes corporações os
agentes privilegiados da articulação entre os lugares, ou seja, da unificação das diversas
etapas, geograficamente segmentadas, da produção”.
No que concerne à especialização regional, a tradicional concepção não dá conta da
compreensão da realidade atual. Autores como Storper (1997) explicam que a intensificação,
na escala planetária, de fluxos comerciais e financeiros seria acompanhada de um
aprofundamento da crescente especialização das economias regionais. Isto significa que o
capitalismo global possui uma configuração espacial que se traduz num mosaico de regiões e
lugares que formam uma rede mundial de produção e comércio (Scott, 1998). A região seria,
portanto, uma dimensão de análise espacial da dinâmica capitalista, pois a categoria expressa
a lógica da diferenciação territorial, que é inerente ao desenvolvimento desigual e combinado
desse modo de produção (Egler, 1996).
Para Santos (2008), que entendia as novas formas de regionalização da economia como
um processo de funcionalização das diferentes frações do território e segundo demandas que
podem ser locais, nacionais ou mundiais, é o processo produtivo e sua evolução que
fornecerão a gama de relações que criam o cimento regional, sejam elas com o quadro natural,
entre classes sociais ou com as áreas externas, e tudo isto seria presidido pelo processo
imediato de produção, ou seja, pelo trabalho necessário para se produzir determinada(s)
mercadoria(s). Logo, na medida em que a produção de etanol se insere em uma escala global,
a dinâmica de sua espacialização passa a ser ligada diretamente aos processos da economia
internacional, criando um movimento dialético entre o local e o global. No contexto da
racionalidade dominante da competitividade, novas regiões competitivas emergem,
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Assim sendo, a complexidade que envolve o tema e os inúmeros caminhos teóricos que
se apresentam e que necessitam ser aprofundados para tratar dos processos de reestruturação
produtiva no setor sucroenergético brasileiro, assentados em novas bases técnicas, no
contexto da difusão das redes de transporte e de comunicações, onde lugares e regiões se
especializam em determinadas etapas dos circuitos espaciais da produção, constituindo
regiões competitivas, obedecendo a lógicas hegemônicas externas e internas, significando
aprofundamento das desigualdades regionais, justificam a realização do seminário proposto
no âmbito nacional.
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ANÁLISE DA NORMATIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NO CONTEXTO SUCROENERGÉTICO DO MUNICÍPIO DE JATAÍ-GO.
Cinara Franco Carvalho
Universidade Federal de Goiás cinarafranco20@gmail.com
Íria Oliveira Franco
Universidade Federal de Goiás iria_biologa@ymail.com
William Ferreira da Silva
Universidade Federal de Goiás williamjatai@gmail.com
Dimas Morais Peixinho
Universidade Federal de Goiás dimaspeixinho@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é analisar a normatização do uso do território, tendo como
referência o setor sucroenergético em Jataí-GO. A territorialização de processos produtivos,
através dos seus agentes modifica o espaço, movimentando-o e produzindo novos arranjos
espaciais. Nessa dinâmica, esses agentes usam diversos meios para atingirem seus objetivos,
sendo um deles, o legal. Através da norma legal busca-se a chamada segurança jurídica que,
nas sociedades modernas, compete ao Estado à promoção dessa normatização em nome de
cada um dos indivíduos da sociedade. O Estado é soberano, portanto isto significa que, os
demais devem subordinar-se a ele, devendo respeitar as suas leis, possibilitando assim que, o
Estado cumpra sua função normativa, para o bem de todos, indistintamente, além de solver
conflitos surgidos em meio à sociedade. O território como um dos constructos do Estado é
instituído a partir da norma jurídica, mas o seu uso se dá pela apropriação do poder,
especialmente o econômico, que dita as regras. Pretende-se analisar como essas contradições
se materializam na organização espacial, a partir da apropriação e do uso da terra no
município de Jataí – GO, tendo como foco a expansão do setor sucroenergético.
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ARGUMENTAÇÃO TEÓRICA
O espaço como constructo social é um imbricado de normas mediadoras que, de forma
geral, atuam na organização dos indivíduos entre si e de suas relações com a coletividade. Em
uma sociedade contratual como a nossa, a norma é o fundamento básico da organização
social. Dentro de uma perspectiva do direito positivo, a norma assume caráter impositivo
acima dos valores, não se submeter aos interesses que não o da sua própria natureza, ou seja,
só se submete a si própria. Essa lógica deriva do postulado da objetividade, da neutralidade,
da norma asséptica, livre dos valores morais, sendo o Estado o seu guardião. Em sentido
oposto, na perspectiva da norma como valor sócio-histórico, a contratualidade social, está
mediada por normas temporais e espaciais, que trazem em si os interesses representados nos
seus sujeitos e nas suas contradições.
Alguns valores canonizados na sociedade moderna, especialmente depreendidos do
modo de produção capitalista, como a propriedade privada, assumem ao mesmo tempo o
valor absoluto do postulado do direito positivo e do interesse particular, ou seja, a propriedade
é um direito universal, que deve ser assegurada acima de qualquer vontade individual e a sua
posse, contraditoriamente, é um direito pessoal, que não se submete aos interesses coletivos.
O Estado na condição de guardião desses dois princípios (a propriedade, enquanto
valor absoluto e a propriedade, enquanto bem particular) assume a condição de regulador dos
conflitos desses interesses contraditórios.
Tomando como referência a situação acima, de uma forma geral, pode-se dizer que os
conflitos de interesses, caracterizados nas disputas espaciais entre setores na busca pelo lucro,
estão dentro da normalidade capitalista. Porém, essa dita normalidade repercute na
organização espacial, sendo um dos seus elementos dinamizadores. Assim, essa pesquisa
pretende compreender como os aspectos legais participam na organização do espaço, a partir
da sua condição de território. Entende-se que, o “Legal do Território”, é um mediador da
organização espacial e, portando, a sua compreensão possibilita um aprofundamento no
entendimento da realidade.
As interpretações geográficas, desde os primeiros tempos da sua sistematização,
colocou o Estado como um ator fundamental da organização espacial. Santos (1997), por
exemplo, ao qualificar os elementos que compõem o espaço, chama a atenção para a
importância das instituições como normatizadoras da organização espacial No campo da
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geografia política, da geopolítica e das políticas públicas e/ou estatais, as ações do Estado têm
merecido atenção por parte dos estudos dos geógrafos. As diferentes abordagens procuram
estabelecer as atuações do Estado, enquanto normatizador socioespacial. Mas, como lembra
Santos (1997), por vezes, esse papel é substituído pelos interesses dos setores capitalistas.
É certo, porém, que, no momento atual, as funções das firmas e das instituições de
alguma forma se entrelaçam e confundem, na medida em que as firmas, direta ou
indiretamente, também produzem normas, e as instituições são, como o Estado, produtores de
bens e de serviços (SANTOS: 1997, p7).
Esse aspecto apresentado pelo autor coloca em evidência como os interesses imbricam
na organização do espaço. Assim, pode-se questionar qual o papel do Estado, como
normatizador, nos territórios em disputas? As normas, organizadas dentro das competências
dos entes federativos, atendem interesses diferentes? Existe um ponto de equilíbrio quando há
conflitos entres as políticas públicas dos entes do sistema federativo (União, Estados e
Municípios)? A normatização legal geral anula a norma legal local?
Raffestin (1993), afirma que as ações do Estado são sempre no sentido de criar uma
uniformidade, explicando assim, nas diferenças regionais/locais. Além das políticas estatais,
as ações dos processos hegemônicos do desenvolvimento capitalista, conforme o mesmo
autor, atuam na destruição dos espaços e tempos locais.
Mas o que é esse tempo local e esse espaço local? Visto do centro, é muito pouca
coisa: um agregado de particularidades, de hábitos e costumes que constituem outros tantos
obstáculos a uma uniformização. Visto do ‘ local’, é muito, pois é a ‘territorialidade’
cristalizada, ou seja, a significação da vida cotidiana.
Destruir essa territorialidade é destruir toda uma simbologia cujo desaparecimento
impede a manutenção de um diálogo com o meio espaço-temporal. Nessa
perspectiva, o particular, o singular, o concreto, o local se opõem ao universal, ou
formal, ao Estado, da mesma forma que o folclore pode se opor à técnica
(RAFFESTIN: 1993, p 183).
No sentido exposto pelo autor acima, pode-se depreender que, a normatização central
pode conflitar com a normal local, ambas decorrentes do Estado, mesmo considerando que
haja um sistema hierárquico. Nesse sentido é necessário compreender as competências do
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poder municipal na legislação que regulam o uso e apropriação do território local, na
perspectiva dos interesses particulares e coletivos. Qual é a competência do poder municipal
na regulação do uso e ocupação do seu território? Tanto a produção como o consumo exigem
um espaço concreto, ou seja, não há produção e consumo fora do local. Portanto, dentro dessa
lógica, a norma central e os processos globais, repercutem no local, como abstrações.
Esse espaço concreto, que é dominado e ao mesmo tempo é foco de disputas, gera
discussões em torno da sua autonomia e uso, dando características inerentes a de propriedade.
A questão do direito de propriedade não tem um período exato com relação ao seu
surgimento. Podemos citar alguns autores, como será o caso, na forma de demonstrar que
desde tempos mais remotos como a época de Moisés (século XV a.C.), já se tinha uma noção,
através dos 10 Mandamentos. “Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher
do teu próximo, nem seu servo, [...]” (Êxodo. 20:17). O direito de propriedade constitui a base
de nossa vida social. O mais internacional e o menos regionalista dos direitos (MARTINS,
1999).
O conceito de propriedade advêm do Direito Romano, no século II a.C, a propriedade
imobiliária era presumida como coletiva, pertencentes aos gens (GODOY, 1998). Assim
como no feudalismo, na Idade Media, com a fragmentação da propriedade, visto assim pelo
Direito Romano, quando era cedido o domínio ou o direito do imóvel a um vassalo, este o
exploraria como lhe fosse possível, tendo que oferecer em troca ao seu senhor, uma
contraprestação determinada. Antes de valor econômico, a propriedade era sinônimo de poder
de domínio territorial (GODOY, 1998).
Com a Revolução Francesa, dando valorização ao individualismo e assim ao direito de
propriedade, esta passou a ter o caráter individualista e, em 1789, esse direito foi consagrado
no artigo 17 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ipsis litteris verbis:
Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser
privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir
evidentemente e sob condição de justa e prévia indenização (Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão, 1789, artigo 17).
A propriedade era então considerada livre de quaisquer ônus e encargos, concebida
inalienável e imprescritível. Na Revolução Russa de 1917, também não deixou de citar em
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sua Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas publicada em 1938, em seu
artigo 4º, ipsis litteris verbis:
O sistema socialista de economia e de propriedade socialista dos meios e de
instrumentos de produção que firmemente se estabelece como resultado da abolição
do sistema econômico capitalista, da propriedade privada dos meios e instrumentos
de produção e da exploração do homem pelo homem, constitui a fundação
econômica da U.R.S.S (STALIN, Constituição das Repúblicas Socialistas Soviéticas,
1938, artigo 4º).
Um dos filósofos e precursores do direito de propriedade, John Locke (1994), analisou
este instituto sob a luz do jusnaturalismo e fundador do empirismo, a chamada teoria do
conhecimento em que nenhum conhecimento era inato e, liberalista de mão cheia, era contra a
concepção Paternalista do Estado. Para Locke, a sua idéia de lei natural partia então da razão
e não mais do poder divino, defendia a limitação do poder estatal cujos princípios deveriam
obedecer as leis naturais. O jusnaturalismo teve surgimento na Grécia, onde se via o direito
consuetudinário e que tudo que existia era tido como aceitável por natureza. Portanto, o
Direito Natural incorre em leis universais as quais não podemos escapar, pois está inserida na
nossa consciência, por censura ao injusto.
Locke era grande defensor do direito de propriedade. Defendia a supremacia do Poder
Legislativo e reconhecia o direito de resistir a qualquer atentado a lei que estabelecia a
propriedade. Foi o precursor da teoria do valor do Trabalho em que, um produto terá valor de
acordo com o trabalho que foi empregado nele. Vislumbramos o estado natural: um pé de
maça em que as frutas estão próprias para o consumo e assim, um individuo, ao perceber as
frutas, sobe no pé e pega 3 maças.
Nas palavras de Locke (1994), pág. 98, ipsis litteris verbis:
sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou,
mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso, o
tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a
natureza o colocou, através do seu trabalho, adiciona-lhe algo que excluiu o direito
comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do
trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe
acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade
e qualidade (LOCKE, 1994. p. 98).
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Ora, poderíamos dizer que as maças são do indivíduo porque o mesmo realizou
trabalho e gastou sua energia pessoal para pega-las, por isso, as maças são de propriedade
dele.
Baseado nesse trecho de Locke, o fundamento da propriedade está no próprio homem,
pois foi no estado de natureza que ele adquiriu poder sobre as frutas. Portanto, é considerado
um direito natural a propriedade, em que o homem transformou o mundo com sua energia
pessoal. Podemos perceber em sua obra o quanto defendia a propriedade e por causa disso,
criou duvidas a respeito da sua preferência. Era em favor da classe burguesa que estava em
ascensão e porque defendia quem já tinha propriedade ou meios de adquiri-la (BARBOSA,
2005).
Para Pufendorf (apud Bobbio, 1997) este defendia o direito de propriedade
convencional e que o direito positivo seria o produto da vontade da sociedade natural. Daí
Pufendorf (apud Bobbio, 1997) ao se exigir a concordância de todos que participaram do
contrato social, estes acabam levando à existência do Estado, que, na visão de Rousseau
(1978), todos os homens são iguais e nascem livres e que ninguém tem o direito de comandar
ninguém. Era preciso que cada homem cedesse parte de sua liberdade, a fim de poder existir
um Poder comandante para a boa organização da vida social sendo denominado de Estado.
A propriedade vista como domínio do espaço limitado por um indivíduo ou
coletividade, configura em território, que incorpora a idéia de domínio e poder. O território
como elemento do estado, incorpora dominação exclusiva, exercendo-a habitualmente, assim
como o conjunto de direitos inerentes à soberania, tendo esta, sua dimensão espacial expressa
pelos limites geográficos, onde se encontra a vida em sociedade e também a propriedade
regulada pelo Estado, devido uma de suas funções ser a de criar normas (ACCIOLY, 2009).
Claro que, dentro dos limites estabelecidos em lei, o Estado poderá exercer seu poder
sendo limitado para tanto. Segundo Montesquieu (1996), aquele que detém o Poder, tem
tendência a abusar dele, além do mais, o Poder vai até onde encontrar limite. O Poder é que se
impõe e é só o Poder para deter o próprio Poder. Logo, cumpre fracioná-lo para que suas
parcelas se contenham reciprocamente. Daí a idéia da Tripartição dos Poderes em:
Legislativo, Executivo e Judiciário, pois, o raciocínio de Montesquieu (1996), era que aquele
que faz as leis, que não as julgue e nem as execute; o que as julga, que nem as faça e nem as
execute e quem as executa que não as julgue e nem as faça.
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Apesar da Constituição brasileira de 1988, ter inovado ao elevar o município como
ente federado, as suas competências no que diz respeito à legislação do uso do território
municipal é restritiva. Se a cooperação entre os entes da federação foi o princípio norteador
dos constituintes, a centralidade das competências da União, sejam as comuns ou as
concorrentes limitam a autonomia dos municípios em estabelecer políticas públicas na
organização espacial do seu território. Tendo em vista as argumentações teóricas dentro da
normatização pelo estado e, conseqüentemente, o direito de propriedade, temos resultados
parcialmente produzidos dentro da realidade empírica baseados em dados no que tange a
expansão sucroenergética.
APRESENTAÇÃO DE DADOS
Nos últimos anos, especialmente a partir de 2005, com a expansão da cultura da cana
de açúcar para o Cerrado, observa-se a iniciativa de vários municípios em estabelecer
legislação com restrições ao cultivo dessa cultura em seus territórios. Essas iniciativas, apesar
do trâmite formal no âmbito do legislativo municipal e da validação jurídica em primeira
instância, foram questionadas e reformadas em secunda instância, sob o argumento que não é
competência do município esse tipo de decisão. A pesquisa procurará compreender o papel do
município na regulação do uso do seu território, tomando como referência a legislação que
restringe determinada tipos de atividades, como por exemplo, o plantio de cana-de-açúcar. A
partir desse exemplo, pretende-se analisar em que medida, observando a hierarquia da
normalização do Estado brasileiro, os aspectos legais ordenam o uso do território no âmbito
local.
As cadeias produtivas componentes dos diferentes complexos agroindustriais do
agronegócio brasileiro apresentam diferentes graus de estruturação e de organização. Algumas
são altamente estruturadas e organizadas, como as ligadas aos complexos agroindustriais dos
grãos e do setor sucroalcooleiro.
Atualmente, quatro principais complexos agroindustriais respondem pelas exportações
do agronegócio: soja, carnes, produtos florestais e o sucroalcooleiro (MAPA, 2009).
O que veio a facilitar a entrada da cana no estado de Goiás, foi a alta produtividade das
terras agricultáveis na área de grãos como o milho e a soja, devido a modernização da
agricultura, pois esta pode ser definida como um processo de significativos impactos nas
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relações sociais de produção, ou seja, implica numa maior integração do produtor e da
produção no mercado e na racionalidade do lucro.
A cana-de-açúcar em Jataí-GO está se expandindo aos poucos e tomando dimensões
maiores, ao passo que, nem mesmo as restrições legais estão conseguindo impedir sua
expansão.
O mapa abaixo se refere a áreas colhidas em hectares no ano de 2009, últimos dados
conseguidos até o ano de 2011:
Mapa - Área colhida em hectares com cana-de-açúcar nos municípios goianos no ano de em 2009.
Diante dos dados expostos com relação a área cultivada em hectares de cana pelos
municípios, no ano de 2009, percebe-se que o de Jataí-GO, Rio verde-GO e Quirinópolis-
GO, por exemplo, já conviviam com uma situação de mudança, principalmente os dois
últimos, que já haviam trabalhado de forma a resistirem e salvaguardarem seus interesses,
regulando a então situação. Para o município de Quirinópolis-GO, a restrição foi menor
comparado aos demais, pois as suas circunstâncias permitiam uma aceitação maior, ou seja,
FONTE: IBGE, 2011 e SIEG, 2011. Organização: DA SILVA, William Ferreira.
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por ser um município que era ocupado com a pecuária e por isso, a entrada da cana foi
altamente benéfica, levando desenvolvimento e arrecadando impostos. Quirinópolis-GO criou
2 leis, a primeira, Lei nº 2.640 de 2006 que regulamentou sobre produção e transporte de
cana-de-açúcar, no entorno da zona urbana.
Foi permitido o plantio até 12% de declividade do solo para que a colheita seja
mecanizada; acima dessa porcentagem, o município restringe o plantio, excluindo, é claro, os
20% da reserva legal. Foi proibido pela lei, assim como nos demais municípios, o plantio da
cana em regiões determinadas, com o seu respectivo valor, p. ex. proíbe: o plantio a menos de
2000m do perímetro urbano; menos de 100m das areas de subestação de energia elétrica; a
menos de 500m das APPs (Áreas de Preservação Permanente); menos de 50m de distancia de
lagos e lagos e assim por diante. De acordo com o artigo 3º da lei de 2006, obriga o produtor a
fornecer informações anualmente ao órgão competente: o total da área plantada, o total da
área colhida e o período de colheita.
Lembrou o legislador de que evitasse o tráfego de caminhões canavieiros que estejam
carregados a transitarem dentro das vias da cidade, exceto permitindo o tráfego destes
caminhões no caso de alguma manutenção dos mesmos, caso em que, nas outras leis esse
aspecto não foi disposto. Por fim, encerra os preceitos com a penalidade de 30 UVFQ
(Unidade de Valor Fiscal de Quirinópolis);, corrigidas anualmente, para caso de
descumprimento de um dos dispositivos da referida lei abrangendo produtores, fornecedores,
parceiros, posseiros, grileiros, gerentes, administradores, diretores, promitentes compradores
ou proprietários, conforme artigo 6º, p. 2.
A outra Lei de Quirinópolis-GO, de nº 2.679 de 2007, regulamenta o beneficiamento
de cana-de-açúcar destinada a produção de açúcar e álcool, logo no artigo 1º, o município
legislou de forma a obrigar a empresa beneficiadora de que, 50% de sua produção seja feita
por fornecedores. Ou seja, a metade de sua produção deverá ser de seus fornecedores. Dando
a entender que, na falta de parte dos 50% dos agricultores fornecedores, a empresa será
prejudicada tendo então que, no caso, adquirir cana de fora.
Além dos 50% da produção da usina ser de agricultores fornecedores, estes não
poderão ter vinculo até 3º grau com diretores e funcionários da indústria, não computando
assim, dentro dos 50% da produção de cana, isto é, é uma forma que o município encontrou
de beneficiar também os agricultores locais, dando uma certa preferência aos mesmos na
participação da produção e entrosamento com a indústria. No entanto, é um problema para a
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empresa, pois, se dentro dessa porcentagem ela não encontrar agricultores suficientes que
estejam disponíveis a compartilhar a sua produção, a mesma ficará em prejuízo, tendo então
que buscar cana-de-açúcar em propriedades vizinhas.
Já a Lei de Rio Verde-GO, nº 5.200 de 2006, foi uma das pioneiras do interior de
Goiás na questão da restrição da cana-de-açúcar. Além disso, houve grande alarde quando da
sua publicação e posteriormente devido o recurso interposto na tentativa de declarar sua
inconstitucionalidade. Tal indignação adveio da radicalidade na limitação da sua área
agricultável por safra no município, em 10% por propriedade, tudo isso porque as
circunstâncias de Rio Verde, muito parecidas com as de Jataí, por ambos terem na sua
economia enraizadas a agricultura e a pecuária. Da mesma forma com as demais legislações,
restringiu o plantio também em áreas como a de mananciais (50m), distancia de locais de
confinamento bovino e suinocultura (5Km), distancia das estações de telecomunicações e seu
redor(50m) e assim por diante.
Foi também a que regulamentou sobre a queima da palha da cana, condicionando o
emprego do fogo em áreas passíveis de colheita, isto é, que seja possível o emprego de
máquina na colheita da cana, não necessitando o uso do fogo, sendo que o seu emprego será
eliminado de forma gradativa, não sendo inferior a 1/5 da área mecanizável de cada unidade
agroindustrial ou propriedade. Limitou também em 20 Km do perímetro urbano, distrito ou
povoado a queima da palha da cana.
Por fim, Jataí-GO, teve sua legislação tardia em relação aos municípios referidos
acima. A Lei 3.119 de 29 de dezembro de 2010, instituiu o Planto Diretor Rural, mais
completo por não tratar somente da cana-de-açúcar, dando outras providências. Delimitou o
plantio da cana-de-açúcar como os demais municípios o fizeram, zoneando em 50 mil
hectares o cultivo de cana e o uso de solos somente com teor abaixo de 20% de argila. Criou
penalidades a quem desobedecer tais normas, como multas pecuniárias de 5 a 100 mil reais,
conforme o artigo 11.
Em 2011 o Sindicato da Indústria e Fabricação de Etanol do Estado de Goiás
(SIFAEG) argüiu ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade), cujo processo nº 241942-
22.2011.8.09.0000, encontra-se em andamento em desfavor do município de Jataí-GO, tendo
este recorrido ao TJGO como de praxe legal. Aguardada a decisão do Supremo Tribunal
Federal a Prefeitura de Jataí mantém suspensa Lei até a declaração ou não de
inconstitucionalidade pelo STF.
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CONCLUSÃO
O que se pode concluir, mesmo que parcialmente, pois a pesquisa está em curso, é
que: a) a partir da expansão da cana no sudoeste de Goiás, vários municípios propuseram
legislações para regular o setor em seus territórios; b) apesar da iniciativa de propor as leis,
cada município trata o setor de forma diferente, conforme as suas especificidades; c) que os
municípios que propuseram legislações mais restritivas, foram contestados por representantes
do setor sucroenergético através de recurso ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás d) por
último, que as circunstâncias de cada município, em relação às disputas entre os setores que
estão estabelecidos nos seus territórios, ditam as os conteúdos das suas leis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A AGROINDÚSTRIA DO ETA NOL EM MATO GROSSO
Jorge Luiz Gomes Monteiro Universidade Federal de Mato Grosso
jorgeluizgomesmonteiro@gmail.com
INTRODUÇÃO
A reestruturação produtiva veio seguida de inovação tecnológica nas relações de
trabalho e na gestão do sistema produtivo. Na atividade sucro-alcooleira em Mato Grosso
implicou em mudança no processo de produção no primeiro momento, e numa fase posterior,
após os anos 80, influenciou os fatores locacionais das novas unidades sucroalcooleiras
implantadas.
Mato Grosso é o maior produtor agrícola do país, tanto em produção como em
produtividade, e se encontra em um estágio avançado de industrialização na cadeia grãos-
carne, mas no segmento sucroalcooleiro não apresenta a mesma dinâmica de expansão
observada em outros estados.
O modelo espacial configurado nos espaços produtivos da cana foi induzido por
facilidades oferecidas pelos diversos programas governamentais que foram sobrepostos ao
território estadual visando mais o lucro advindo das facilidades do financiamento, do que da
viabilidade econômica dos empreendimentos, constituindo de fato em uma política territorial
de ocupação.
A análise do setor sucroalcooleiro no território matogrossense nas suas diversas fases
permite observar, como o avanço técnico e os diferentes atores envolvidos, em cada momento
histórico, promoveram transformações espaciais nas regiões produtivas da cana.
MUDANÇAS INDUZIDAS PELA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
A reestruturação produtiva consistiu em uma junção de “alianças estratégicas e
projetos de cooperação ad hoc entre empresas, unidades descentralizadas de cada empresa de
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grande porte e redes de pequenas e médias empresas que se conectam entre si e/ou com
grandes empresas ou redes empresariais” (DEDECCA, 1999, p.114).
Implicou também na utilização de novos métodos de gestão e de distribuição
intrínsecos ao processo produtivo. Os setores econômicos foram integrados por atividades
hegemônicas estruturadas operacionalmente na escala global. Surgiu uma nova concepção de
produção e comercialização em larga escala, flexível e com destinação certa.
Com a reestruturação produtiva as economias externas às empresas ganharam outra
dimensão, assim como, a cooperação entre as firmas. As características do novo paradigma
“atingem o conjunto do setor produtivo e a organização territorial da produção adquire um
papel cada vez mais importante para o processo produtivo” (MARTINS, 2007, p.96).
O espaço se reestrutura e cada porção do todo territorial passa por uma redefinição
de suas funções em que é estabelecida uma “nova divisão social e espacial do trabalho,
criação de novos espaços de produção e de consumo” (BENKO, 1999, p.28).
A reestruturação produtiva veio ainda permitir novas possibilidades de acumulação
do capital. As transformações na esfera da economia, do trabalho e dos métodos
organizacionais das empresas levaram a profundas mudanças no espaço. A descentralização
das atividades e a flexibilização da estrutura do capital na esfera do trabalho deram outro
dinamismo ao espaço, entretanto os efeitos da reestruturação não atingiram a todos lugares,
apenas aqueles que possuíam uma certa posição na divisão social do trabalho.
Assim ocorreu porque cada porção do espaço tem capacidade para prover uma
determinada rentabilidade. Deste modo os agentes econômicos e sociais são orientados para
algumas áreas específicas, cabendo às ações restantes, assim como aos espaços restantes
prestar sua colaboração (SANTOS, 1997). A natureza de ordem técnica (infra-estrutura e
equipamentos) local e a organização (legislação, carga tributária, etc.) condicionam a
rentabilidade do espaço. Daí resulta o estabelecimento de novos mecanismos de localização.
Ao abordar sobre as mudanças nos critérios de localização das atividades produtivas
Benko (1999) afirma que há diminuição das influências dos elementos estáticos, os atributos
naturais, em detrimento dos elementos dinâmicos representados pela mão de obra,
infraestrutura, etc. A partir da reestruturação produtiva as empresas demonstram se estabelecer
nos espaços onde estão esses elementos.
Para tanto, a posição da empresa na rede produtiva é fundamental para obter
vantagens competitivas de sua localização. As empresas montadas em rede de produção e de
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distribuição necessitam de flexibilidade de gerenciamento que, por sua vez requer
flexibilidade da própria empresa, permitindo mudanças de rumo e facilidades no uso de novas
tecnologias.
O setor agroindustrial também passou por inovações, adequando-se aos preceitos da
reestruturação, e novas práticas foram incorporadas à produção agrícola e animal. A indústria
de beneficiamento foi integrada em complexos agroindustrias formando uma rede de
atividades complementares que objetiva reduzir custos e aumentar a produtividade.
A diferença é que no setor sucro-alcooleiro o fator natural ainda está presente, porque
a agroindústria precisa situar-se próxima da lavoura de cana para facilitar o transporte sem
perda da qualidade. É importante observar como a atividade desenvolveu-se no interior da
unidade administrativa.
O PROÁLCOOL E A ATIVIDADE SUCROALCOOLEIRA EM MATO G ROSSO
A produção de derivados da cana-de-açúcar remonta aos primórdios da colonização
do estado no século XVIII. Até meados do século XX a produção estadual supria as
necessidades mas, após a segunda metade deste século a atividade entrou em decadência. Foi
retomada quando o governo do estado implantou uma usina em 1966 no município de Jaciara,
no sul do Estado. A unidade foi adquirida em 1972 pelo Grupo Naoum, de Goiás, que teve
como fator atrativo as perspectivas de valorização do lugar, facilidade do recurso terra e o
projeto de pavimentação da BR-364. Conforme Costa (2005) a aquisição foi efetuada após o
Decreto nº. 1186 de 27 de agosto de 1971 que dava incentivos para aquisição e relocalização
de usinas no país.
Fato marcante para o setor foi a aprovação de uma nova política, onde as vantagens
financeiras demonstavam a importância do papel do Estado. Com o primeiro choque do
petróleo o governo federal criou em 1975 o Proálcool, que institucionalizou no âmbito de
cada estado o zoneamento socioeconômico e ecológico para a produção do álcool, quer
produzido a base de cana-de-açúcar ou mesmo de mandioca, com vista a levantar as áreas de
maior potencial de produção.
Segundo Fassy (1981, p. 5) esse zoneamento elencou os fatores primordiais para
definir uma área como propícia à produção como:
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exigência de que a área representasse nova fronteira agrícola (para não inibir atividades agrícolas voltadas para o mercado interno e/ou externo); condições climáticas e ecológicas
favoráveis ao desenvolvimento do produto; existência de razoável infraestrutura para
facilitar o escoamento da safra; custos de transportes suportáveis pelo Programa; áreas
prioritárias em função da política de planejamento de ocupação espacial de cada Estado, com elevada descentralização de decisões.
O Centro-Oeste e o Mato Grosso em particular se enquadravam perfeitamente dentro
das exigências do Estado Nacional. O mecanismo fundamental para estimular o Programa
objetivando o aumento da produção de cana e sua transformação em álcool foi o crédito
subsidiado para projetos aprovados (MELO e FONSECA, 1981). Envolvia 100% de
financiamento agrícola, de 80 a 90% para implantação industrial e reembolso de capital
circulante com doze anos. Além dessas vantagens as taxas de juros eram muito atrativas, pois
estavam muita abaixo da inflação no período.
Com o segundo choque do petróleo em 1979 o governo traçou outros objetivos para
o programa energético, denominado de Proálcool II. Novamente o crédito subsidiado
continuou sendo o principal esteio do Programa, acompanhado de encargos financeiros mais
vantajosos para as áreas de atuação da Sudam e da Sudene.
O Proálcool II estabeleceu metas ambiciosas implicando em mais necessidade por
terra é outros recursos (MELO e FONSECA, 1981). Quando o projeto era constituído de
destilarias autônomas, os encargos financeiros eram ainda menores. Sendo assim os Estados
considerados fronteiras agrícolas passavam a integrar o mapa de potencialidade para a
produção de álcool.
O cenário para as transformações estava montado. Assim, de 81 a 86, oito destilarias
foram implantadas em áreas com predominância de pecuária e de produção de grãos em
paisagem de chapada.
Uma característica importante dos empreendimentos dos anos 80 era a composição
dos controladores que montaram as destilarias. Excetuadas a Usina Itamarati em Nova
Olímpia e a Usina Jaciara, anterior ao Proálcool, as demais foram constituídas por grupos de
pecuaristas, em sua maioria, produtores de grãos e outros profissionais da própria região, que
se associaram para fundar as empresas.
A localização dos empreendimentos no estado ia contra a lógica de localização
industrial, pois as indústrias encontravam-se longe dos grandes centros consumidores. Um
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dos empreendimentos, a Destilaria Gameleira foi implantada no território correspondente ao
atual município de Confresa, no nordeste do Estado, região até hoje carente de infraestrutura.
Enquanto havia a atuação paternalista do Proálcool as destilarias permaneciam operando.
As destilarias implantadas foram assentadas em dois ambientes distintos, que anos
depois representaram um diferencial:
a) destilarias instaladas em áreas de relevo suavemente ondulado, no fundo dos vales
em ambiente anteriormente constituído por mata e cerradão, com predomínio de pecuária e da
pequena produção. Enquadram-se nesse cenário as destilarias e usinas Cooperb (atual Novo
Milênio), Gameleira (posteriormente denominada de Araguaia), Sinop Agroquímica,
Barrálcol e Itamarati.
b) destilarias implantadas no topo das chapadas, com relevo plano, em ambiente de
cerrado, onde concomitantemente à instalação das unidades industriais ocorria o cultivo de
grãos, situação representada pelas destilarias Alcomat, em Campos de Júlio, Coprodia em
Campo Novo dos Parecis e Libra em São José do Rio Claro.
c) destilaria localizada nas partes altas do Pantanal, caso específico da destilaria
Alcopan em Poconé.
A quantidade produzida de açúcar e etanol esteve concentrada historicamente em
duas unidades, a Itamarati e a Barrácool, as maiores do estado. Em 2010 cerca de 52,6% do
total do etanol e 66,3% do açúcar do estado foi produzido por estas empresas. A concentração
é explicada pela fenomenal capacidade de esmagamento da Itamarati que atinge a sete
milhões de toneladas/ano.
Durante a implantação das unidades industriais surgiram uma série de problemas
como necessidade de pessoal especializado para área industrial, mão de obra braçal para o
setor agrícola, principalmente na área de corte e, sobretudo, infraestrutura, quer de energia,
quer na área de transporte que no início dos anos 80 era um entrave no Mato Grosso. Havia
uma acentuada dificuldade em colocar as unidades industriais em operação e, a logística,
antes e após o processo industrial encarecia sobremaneira os custos do sistema como um todo.
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O NOVO CICLO DO ETANOL
Com as crises econômicas dos anos 80 o Proálcool foi severamente afetado. A
redução do preço do petróleo e o aumento do preço do álcool ao final desta década, culminou
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nos anos 90, com a queda de produção de veículos à álcool e da conversão de motores a
gasolina para álcool.
Os reflexos desse momento incidiram sobre o setor do etanol e, em Mato Grosso, foi
representado pela desativação de duas destilarias, a Alcomat no município de Campos de
Júlio, que permaneceu inativa por quinze anos e a Sinop Agroquímica, a única que utilizava
mandioca como matéria prima. Esta última destilaria fazia parte da Colonizadora Sinop, e a
unidade industrial operou de 1982 até 1992.
Outras duas usinas foram fechadas nos anos de 2008 e 2010, a usina Araguaia (nova
denominação da destilaria Gameleira) no Município de Confresa e a usina Jaciara. A primeira
devido a problemas de ordem econômica e judiciais envolvendo a justiça trabalhista. No caso
da segunda, por questões de ordem econômica em virtude do encarecimento da manutenção
da planta industrial dos anos 60 e por problemas logísticos uma vez que está situada nos
limites da área urbana da cidade de Jaciara, o que acarretava conflitos de tráfego com outras
atividades. Soma-se aos fatores anteriores outros agravantes um representado pela topografia
não inteiramente favorável a mecanização e, o outro a dimensão das áreas cultivadas com
cana e sua dispersão por vários municípios.
É perceptível que durante o Proálcool o interesse pelo investimento no Mato Grosso
era maior do que o observado nos últimos anos. Nos anos 80 as facilidades do crédito e as
benesses do Proálcool atraíram empreendimentos mesmo que a racionalidade da localização,
do mercado e da logística não fossem atendidas. Mas, devido as vantagens presentes, ainda
era possível produzir. Com a decadência do programa, e a competição entre as usinas e
destilarias, alguns empreendimentos tornaram-se inviáveis. Os novos empreendimentos
seguem outros tipos de racionalidades, ora voltados para a diversificação agrícola da produção
regional, ora para os aspectos locacionais, de natureza física e de logística. Mesmo com a
crise no setor do etanol o mesmo grupo controlador da Usina Jaciara implantou a Usina
Pantanal em 1996, também no município de Jaciara porém em área de chapada.
A partir de 2003, a tecnologia dos veículos flex e a pressão internacional sobre a
emissão de carbono levaram ao interesse do governo em incentivar à produção dos
biocombustíveis, voltada para o biodiesel e à produção de etanol. Abriram-se assim novas e
grandes perspectivas para o setor, o que ampliava de forma acentuada a necessidade pelo
etanol, acarretando um verdadeiro “boom” na implantação de novas usinas no país.
Se na fase inicial do Proálcool foi fundamental a existência de um parque fabril
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voltado à fabricação de componentes para este tipo de indústria, agora o conhecimento gerado
através de uma tecnologia mais avançada, e uma estrutura fabril solidificada, respondeu
imediatamente à nova demanda e em pouco tempo os projetos se multiplicaram. O Estado de
Mato Grosso, no entanto, não sofreu a aceleração deste processo em função de uma série de
fatores:
a) existência de milhares de hectares de terra na zona de expansão imediata do
Estado de São Paulo, como os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais;
b) ocupação de grandes faixas de terra por uma onerosa pecuária extensiva;
c) aproveitamento de infraestrutura já existente, como rodovias e ferrovias, o que
reduz custos logísticos;
d) relevo plano a suavemente ondulado, em outros estados favorecendo o uso
intensivo de mecanização;
e) preço da terra mais baixo, se comparado às áreas de maior produção de açúcar e
álcool;
f) proximidade com os maiores centros consumidores e/ou canais de escoamento
para exportação;
g) incentivos fiscais por parte de alguns estados. Mato Grosso então pode ser
considerado uma reserva, no entanto, sofre o peso das questões ambientais, o que restringe
sobremaneira a capacidade em receber novos empreendimentos.
Na atualidade sem a proteção e o paternalismo do estado da época do Proálcool, as
unidades industriais precisam planejar as instalações aproveitando ao máximo as vantagens
que o lugar proporciona, pois a competitividade é muito intensa.
A disputa por terras no estado de São Paulo para o cultivo da cana promoveu o
aumento do preço da terra para aquisição e para arrendamento. Nas novas áreas do cerrado
principalmente em terras de pecuária o custo do hectare é menor, fazendo com que os novos
empreendimentos busquem a área de expansão imediata do território paulista e
posteriormente, o anel circundante mais distante.
A nova fase de expansão de unidades produtoras de etanol representou para o Mato
Grosso três novos empreendimentos. O primeiro foi a reativação da antiga destilaria Alcomat,
em Campos de Júlio, que estava desativada desde 1991, por ação de uma empresa paranaense
ligada ao agronegócio, e preparada para ser uma usina flex.
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A usina reativada, agora com a denominação de Usimat foi baseada em uma usina
experimental da Aprosoja com a Embrapa, montada para testar novas matérias primas na
produção de álcool.
O modelo dessa agroindústria foi proposto para o uso de diversas matérias primas, e
teve o objetivo de atender duas necessidades básicas: a primeira visava a dar uma outra
destinação ao milho produzido na Chapada dos Parecis, que é necessário ser cultivado para
fazer rotação de cultura, principalmente com a soja. No entanto, como o preço histórico do
milho é baixo e não compensa o transporte para lugares distantes, é necessária a agregação de
valor a esta matéria prima por intermédio de sua transformação em outros produtos na escala
regional. Assim, poderia se dar um outro destino para o excedente do milho, que por ser um
grão possibilita o armazenamento por muito tempo sem perder suas características, diferente
da cana após a colheita. Assim a produção de álcool figura como uma nova opção para os
produtores de milho, permitindo deste modo fornecer o produto para a destilaria no período
da entresafra da cana, um caso específico de cooperação.
A opção por outras matérias primas, como o milho, abre outras possibilidades à
produção de etanol, pois existem limitações impostas pelo zoneamento agroecológico da cana
de açúcar no Mato Grosso, que não são incidentes sobre outras culturas. O resíduo
proveniente do esmagamento da cana, o bagaço, é a fonte de energia utilizada para o
cozimento do milho, e o material residual do milho, derivado da produção do álcool é um
excelente produto protéico que pode ser utilizado na ração animal. Além da cana e do milho a
planta industrial pode ainda operar com sorgo, matéria prima não utilizada para alimentação
humana abrindo mais perspectivas de aproveitamento dos produtos agrícolas locais,
integrando o sistema produtivo como um todo.
A agroindústria de Campos de Júlio é a representação da empresa nos moldes da
reestruturação produtiva. O primeiro fato é a flexibilidade na utilização da matéria prima,
permitindo direcionar a planta industrial a processar a matéria prima de forma sazonal; a
flexibilidade também da mão de obra que está capacitada para atender as necessidades das
mudanças na linha de produção; o aumento da produtividade do trabalho ao permitir o uso das
instalações no período de entresafra da cana; a conversão do resíduo em matéria prima
constituindo-se em um sistema fechado onde o bagaço da cana permite a produção de etanol a
partir do milho.
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Outra empresa instalada em 2006, a Destilaria Novo Milênio II, no município de
Mirassol do Oeste, é a segunda unidade de um grupo integrado por produtores rurais
cooperados distante aproximadamente 80 Km da primeira unidade. Do ponto de vista do
sistema produtivo industrial e agrícola não apresenta maiores inovações, contudo quanto a
participação do grupo no mercado regional ocorreram mudanças devido ao aumento de escala,
aproveitamento de sinergias e maior participação do grupo no mercado. Deste modo, tende a
constituir um pólo produtivo, possibilitando uma série de serviços comuns entre duas
unidades.
A terceira agroindústria é o projeto da Brenco/Odebrecht com a usina ETH
Bioenergia de Alto Taquari, que é parte do modelo atual do setor, com forte oligopolização.
Do ponto de vista do projeto, esta usina é a principal dentro dos novos parâmetros, fazendo
parte do pólo produtivo do mesmo grupo. No entanto, por localizar-se no extremo sudeste do
estado, no limite interestadual entre Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, induz
transformações espaciais de maior vulto em Alto Taquari. O município mato-grossense é parte
do circuito espacial produtivo da cana que tem na logística um dos mais fortes fatores de
localização. Mesmo situado distante dos maiores centros urbanos do estado, é o município
mais próximo dos principais mercados consumidores do país e com a melhor logística para
escoamento, tendo inclusive um terminal ferroviário situado a poucos quilômetros da unidade
industrial.
Conforme observado não é uma ação de agentes produtores na escala local e
regional, mas sim a atuação de uma grande corporação cuja holding engloba várias empresas
em diferentes segmentos econômicos. É um projeto desenvolvido para assumir a liderança na
produção de etanol, e a usina de Alto Taquari, é parte integrante de um conjunto de usinas
distribuídas por Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo. É uma ação operada
em rede conectando pólos produtivos, onde a indústria de Alto Taquari é parte conjuntamente
com a unidade de Costa Rica, no Mato Grosso do Sul, de um desses pólos de produção.
A ETH Bioenergia é o modelo de corporação em rede, ou seja, é “uma empresa
multilocalizada e multifuncional interagindo com outras empresas e grupos a fim de obter
ganhos de eficiência” (SILVA, 2003, p. 30). Apresenta uma diversidade de interações dentro
do grupo e fora dele, de maneira a proporcionar diversas configurações espaciais, além de
favorecer a “flexibilidade de atividades, de recursos e de grupos sociais envolvidos com sua
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dinâmica” (idem).
No atual momento histórico a competição por espaço não fica restrita apenas a um
jogo entre diferentes controladores do capital. Estão também presentes nessa competição
empresas que se utilizam de uma racionalidade espacial, planejando em bloco a instalação de
unidades próximas, facilitando assim a gestão operacional e da logística. A empresa é uma
situação característica, ao constituir pólos conforme a região e em seu site afirma que “o
modelo de negócios da ETH se baseia no desenvolvimento de pólos de produção que reúnem
tecnologia e escala, combinando competitividade e sustentabilidade,” (site www.eth.com). A
concentração da produção nos pólos objetiva ampliar a escala de produção e os chapadões
constituem-se em um desses objetivos. Também está associada a outras empresas integrantes
do agronegócio, como de biotecnologia, para assim ter o domínio completo do ciclo
produtivo, do campo ao setor industrial e do segmento logístico à comercialização no
mercado nacional e internacional.
Diferentemente dos empreendimentos do ciclo do Proálcool, o empreendimento da
ETH Bioenergia foi implantado em um espaço de elevado nível técnico já consolidado pelo
cultivo de grãos. Nesse ambiente de produção quando não se tem área suficiente para atender
a demanda da indústria o problema consiste no convencimento dos produtores de grãos em se
tornarem produtores de cana. É uma nova situação para o setor rural porque desde o início da
produção no cerrado a adoção de inovações pelos produtores sempre esteve condicionada a
demonstração da viabilidade técnica e econômica.
Os municípios produtores de grãos aonde estão instaladas unidades produtoras
costumam oferecer mais oportunidade na estrutura dos serviços para a agroindústria
canavieira porque possuem todo um aparato técnico voltado para cultivos mecanizados e com
uso intensivo de tecnologia. As regiões de atividade agrícola modernizadas além das
mudanças dos sistemas técnicos para a produção (técnicas, equipamentos, produção de
sementes, e tratos culturais), tem passado por mudanças acentuadas na organização do
território principalmente no setor de transportes e comunicações necessários para viabilizar a
circulação da produção (CASTILLO, 2004).
A atividade canavieira induz a muitas transformações. No primeiro momento, atrai
um contingente acentuado de mão de obra, temporária em sua maioria. Logo é um setor que
induz a mobilidade da população no território, das áreas de economia deprimida para outros
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lugares que oferecem oportunidade de trabalho principalmente para mão de obra sem
qualificação. Nos empreendimentos do período do Proálcool esta atração era mais intensa,
devido ao tipo de mão de obra utilizada. Nos empreendimentos mais recentes a pressão é
sobre o trabalhador qualificado, porque este setor agroindustrial já surge modernizado com
grande aparato técnico, com informatização de processos no sistema industrial, e mecanização
nas etapas no campo.
As agroindústrias com áreas de produção nas chapadas possuem ainda outras
vantagens locacionais como: podem situar-se no centro da área de produção como na lavoura
de grão; o inconveniente do solo mais drenado nas chapadas é superado pela pequena
densidade de canais fluviais, implicando em menor quantidade de área de preservação
permanente. Dessa maneira têm-se maior fluidez no espaço proporcionado pela continuidade
do mesmo permitindo incorporar grandes porções territoriais o processo produtivo. Em razão
deste fato e pelas facilidades apresentadas pela pequena declividade o deslocamento do fluxo
da matéria prima e o esforço do transporte desta é reduzido e, consequentemente, há queda no
custo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reestruturação produtiva trouxe transformações ao território nacional mas no setor
sucroalcooleiro em Mato Grosso, afetou mais a esfera da produção do que o fator locacional
dos empreendimentos.
A reestruturação não é responsável em sua totalidade pela concentração da produção
em Mato Grosso é, isto sim pelo aumento de produtividade, de novos métodos de gestão, de
produção no campo e, na indústria, que foi instalada no espaço atendendo a um critério de
política de ocupação territorial do Proálcool, forjou a concentração da produção do etanol no
estado de forma mais acentuada do que a reestruturação produtiva, quadro com tendência a
mudança nos próximos anos.
Enfim as regiões produtivas de cana nas chapadas de Mato Grosso apresentam
perspectivas de crescimento da produção em virtude das amarras estabelecidas pela legislação
ambiental, estando esses ambientes menos afetados pela rigidez das normas estabelecidas, por
situarem fora das áreas mais problemáticas, pelo menos na regionalização imposta pelo
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zoneamento da cana.
A indústria sucroalcooleira na chapada em conjunto com o setor agrícola é uma linha
de produção, facilitando o deslocamento de máquinas e equipamentos e uma rede
mecanicamente vascularizada de vias, reforçando as grafias estabelecidas na paisagem do
cerrado pelo cultivo de grãos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização. São Paulo: Hucitec, 1999. CASTILLO, Ricardo. Transporte y logística de graneles sólidos agrícolas: componentes estructurales del nuevo sistema de movimientos del territorio brasileño. Investigaciones geográficas, Boletin del Instituto de Geografia UNAM, 55, p.79-96, 2004. Disponível em:<http://www.igeograf.unam.mxwweb/iggweb/publicaciones/boletin_editorial/boletin/bol55/b55-5.pdf>. Acessado em 10 de março.2011. COSTA, Demerval Pereira. O poder público e a modernização agrária conservadora em Jaciara-MT. In: PEREIRA, Aires José; SILVA, Elias; SANTOS, Roberto de Souza Santos
(Orgs.). Geografia de Mato Grosso no limiar do século XXI. Rondonópolis, sn, 2005, p. 85-122. ETH Bioenergia. Disponível em: www.eth.com. Acessado em 20 de maio de 2012. FASSY, Amaury Santos. O Brasil e o dilema energético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. MARTINS, Humberto E. P. Redes Produtivas Territorializadas em Municípios do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas. In: ORTEGA, Antônio César (Org.). Território, políticas públicas e estratégias de desenvolvimento. Campinas: Editora Alínea. 2007, p. 95-116. MELO, Fernando Homem de; FONSECA, Eduardo Gianetti. Proálcool, energia e transportes. São Paulo: Pioneira: Fipe, 1981. SILVA, Carlos Alberto Franco. Grupo André Maggi: corporação em rede em área de fronteira. Cuiabá: Entrelinhas, 2003. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1997.
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A REESTRUTURAÇÃO TÉCNICA E O TRABALHO FORMAL NA PRO DUÇÃO DE ETANOL
Lívia Domiciano Cunha
Universidade Federal do Rio de Janeiro liviacunhageo@ufrj.br
INTRODUÇÃO
A busca por maior competitividade no mercado é presente em todos os ramos
econômicos. Para isso, cada vez mais a ciência se desenvolve e se aprimora visando novas
técnicas possibilitadoras do aumento da produtividade, tornando o produto final mais
competitivo. Porém, em tempos atuais, não só a busca por competitividade está em pauta, a
busca pelo dito desenvolvimento sustentável, apoiado no tripé economia, meio ambiente e
sociedade, vem sendo difundida em diferentes segmentos da sociedade.
Nesse contexto, nota-se cada vez mais a necessidade de se repensar novas fontes
alternativas geradoras de energia, que possibilitem o desenvolvimento econômico e social e
que não causem impacto nos recursos naturais das próximas gerações. É por esse viés que a
produção brasileira de biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol, vem crescendo e
ganhando destaque no panorama mundial.
A produção brasileira de etanol tem como base a cana-de-açúcar e seu cultivo cada vez
mais avança pelo território brasileiro, promovendo uma reestruturação do setor
sucroenergético. O Sudoeste Goiano é um exemplo disso e desde 2007 vem aumentando sua
produção e se destacando na produção nacional. Goiás ocupa hoje o 3ª lugar na produção
nacional de açúcar e etanol, perdendo somente para áreas tradicionais do setor
sucroenergético, São Paulo e Minas Gerais, segundo dados da CONAB. O clima e a
topografia favoráveis ao cultivo da cana influenciam tal posição.
Na busca por maior produtividade no mercado sucroenergético, a mecanização da
produção, tanto na lavoura como na indústria, é uma estratégia que contribui para tornar o
produto final competitivo no mercado. Junto a isso, a lei nº 3357, instaurada em janeiro de
2007, estabelece normas para a redução gradual da queima da palha da cana-de-açúcar como
método preparatório para a colheita.
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Tal lei, junto à busca por competitividade no setor, contribui para a modernização da
produção. Impõe-se um novo sistema de objetos, sendo indispensáveis novas normas que se
adaptam a essa mudança na técnica, ocorrendo uma reestruturação do espaço para que se
possa atender às exigências organizacionais e tecnológicas que surgirão. O mercado de
trabalho da região também sofre mudanças no que tange a novas exigências da mão de obra
no setor.
Desta maneira, o trabalho objetiva conhecer como a mão de obra vem se adaptando
frente a inovações técnicas no cultivo da cana para a produção de etanol, e como o espaço
vem se reestruturando. Ou seja, verificar a relação entre a introdução de inovações técnicas e
as conseqüentes mudanças no trabalho formal do setor sucroalcoleiro nos últimos anos e
como o espaço vem modificando seu sistema de objetos e seu sistema de ações. Tem como
recorte espacial os principais municípios produtores de etanol no sudoeste goiano (Jataí, Rio
Verde, Quirinópolis, Mineiros, Montividiu e Santa Helena) e como recorte temporal de 2000
a 2010.
Para a realização da pesquisa foram utilizados os conceitos de trabalho, técnica e
espaço de Milton Santos e noções sobre mercado de trabalho, com Ricardo Antunes e Adam
Schaff. Foram utilizados dados secundários da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais)
- banco de dados do Ministério do Trabalho e Emprego, que abrange apenas a mão de obra
formal -, do IBGE (Censo e SIDRA), do SIFAEG (Sindicato da Indústria de Fabricação de
Álcool do Estado de Goiás) e da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Além de
dados primários obtidos através de trabalho de campo realizado pelo grupo de pesquisa
NUCLAMB (Núcleo de Estudos Geoambientais), da UFRJ.
Em suma, o estudo permitirá a melhor compreensão de como vem sendo modificado o
mercado de trabalho na região do sudoeste goiano do setor sucroalcoleiro e como o espaço
vem se reorganizando frente a tal atividade econômica.
ABORDAGEM TEÓRICA
Com o objetivo de entender as relações entre reestruturação produtiva e técnica,
transformações espaciais e organização do trabalho, apontamos aqui algumas questões
teóricas. Em primeiro lugar, entender o que é técnica e como ela se relaciona com a
organização do trabalho. Em seguida, como o espaço geográfico se constrói a partir dessa
relação técnica e organização do trabalho.
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SANTOS (2002, p.29) afirma que “as técnicas são um conjunto de meios
instrumentais e sociais com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo,
cria espaço”, ou seja, não são compostas apenas por objetos técnicos, mas também por ações
técnicas, que possibilitam a organização da produção. Logo o trabalho é técnica, não apenas
por estar ligado a objetos técnicos, mas é técnico em si. A ação, a organização da produção e
o trabalho, é técnica. Portanto, para compreender o sistema técnico, suas significações,
objetivos e condições, é essencial que seja feita uma análise do trabalho.
Entendemos como um sistema técnico, um conjunto de objetos, formas, que
condicionam um sistema de ações, estas criadoras de formas, tendo-as como condição. Ou
seja, dois sistemas que são indissociáveis e que quanto mais técnico o sistema de objetos,
mais técnico o sistema de ações.
Segundo SANTOS (2003, p. 186) “não mais se podem ver as formas como
desprovidas de força de criar ou determinar relacionamentos”, ou seja, objetos técnicos
necessitam de trabalho humano para a eficácia de seu funcionamento, gerando, do mesmo
modo, novas relações. As formas, portanto, condicionam ações, do mesmo modo que as ações
condicionam as formas.
Nesse viés, o trabalho aparece como atividade centralmente estruturadora do espaço,
transformando-o e produzindo-o. Logo, a maneira como se relaciona técnica, trabalho e
espaço, aparece como fundamental para o estudo da geografia. Vale ressaltar que, no presente
estudo, entendemos trabalho como sendo livre e assalariado, ou seja, uma mercadoria no
mercado, onde o trabalhador não pode ser propriedade de alguém nem possuir propriedade
(OFFE, 1995).
Na atual conjuntura de modernização da produção, visando um aumento da
produtividade, um novo sistema técnico vem sendo implantado, aliado a um novo sistema de
ações, provocando mudanças no mercado de trabalho. Assim, a organização do trabalho sofre
intensas transformações devido a avanços tecnológicos. Por um lado, o trabalho assalariado
produtivo torna-se menos necessário numericamente, devido à presença do trabalho morto, a
máquina. Havendo também um aumento da exigência por mão de obra de maior escolaridade.
Somado a isso, o questionamento dos direitos trabalhistas, a presença constante de um
subemprego e a insegurança constante no emprego, são mudanças apontadas por ANTUNES
e SHAFF.
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Para SANTOS (1999), a racionalização consiste em criar condições que facilitem a
realização de ações racionais. Para isso o espaço deve facilitar a ocorrência de ações
racionais, que visam alcançar os objetivos dos atores hegemônicos, procurando eliminar ao
máximo o aleatório. Na intenção de se tornar competitivo mundialmente, os agentes tendem a
racionalizar o espaço utilizando-se de objetos técnicos e informacionais. Ou seja, a produção
se torna dependente da técnica e da informação, sem as quais nenhum trabalho que gere alta
rentabilidade será possível. Para o alcance dessa competitividade, a inovação técnica e a
organização do espaço se fazem necessárias e, nesse sentido, o meio material passa a ser
composto de objetos técnicos cada vez mais relacionados à ciência e à informação.
O MERCADO DE TRABALHO DOS MUNICÍPIOS SEDE DA PRODUÇ ÃO
SUCROALCOLEIRA NO SUDOESTE GOIANO
O estudo do mercado de trabalho da região se faz necessário no presente trabalho, na
medida em que permite que sejam percebidos fenômenos relacionados à interação entre os
que procuram emprego e os que oferecem emprego, que se conheça a dinâmica demográfica
da região e como a mão de obra ocupada permite uma melhor compreensão de como vêm
ocorrendo as mudanças organizacionais relacionadas às inovações técnicas.
Nos gráficos I e II sobre área plantada, notamos que o crescimento do cultivo da cana-de-
açúcar no país sofreu um aumento significativo na última década e que Goiás, apesar de ter
tido uma leve oscilação no início da década, acompanhou tal crescimento.
Gráfico I: Área plantada ( Hectares) de cana-de-açúcar no Brasil (2000/2010)
Fonte: IBGE/SIDRA. Elaboração: Lívia Cunha.
0123456789
10
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
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Brasil
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Gráfico II: Área plantada (Hectares) de cana-de-açúcar em Goiás (2000/2010)
Fonte: IBGE/SIDRA. Elaboração: Lívia Cunha.
É na região do Sudoeste Goiano, mais especificamente nos municípios de Jataí,
Quirinópolis, Santa Helena, Montividiu, Rio Verde e Mineiros, que o cultivo da cana se dá
com maior intensidade em todo o estado de Goiás. E, para uma melhor análise do mercado de
trabalho na região, conhecer a dinâmica demográfica desses municípios do setor
sucroenergético goiano é fundamental, pois nos permite apreender o dinamismo de suas
atividades econômicas, bem como a formação desse mercado de trabalho e sua específica
demanda por mão de obra.
Gráfico III: População total e trabalhadores formais dos principais municípios goianos produtores de
etanol por ano (2000-2007-2010)
Fonte: RAIS, IBGE/Censo e Contagem 2000-2007-2010. Elaboração: Lívia Cunha.
No gráfico III se pode observar que, no que se refere à população dos principais
municípios de Goiás, segundo os grandes setores da economia do IBGE e o Ministério de
Trabalho e Emprego (RAIS), em 10 anos a população e a mão de obra formal cresceu
gradualmente. Em 2000, cerca de 14% da população estava ocupada, em 2007
aproximadamente 23,5% e, em 2010, em torno de 24% da população. A partir de tais dados se
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Total
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Goiás
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torna evidente que esses municípios vêm aumentando sua capacidade de absorção de mão-de-
obra, gerando mais empregos nos distintos setores da economia.
Nestes municípios a população empregada está distribuída nos cinco grandes setores
da economia, a saber: indústria, construção civil, comércio, serviços e administração pública,
além da agropecuária, extrativismo vegetal, caça e pesca.
Gráfico IV: Número de trabalhadores formais nos grandes setores da economia nos principais
municípios goianos produtores de etanol por ano (2000-2005-2010)
Fonte: RAIS
Através da análise dos dados do gráfico IV pode-se observar que de 2000 a 2010 a
variação da população total empregada com vínculo formal nos grandes setores da economia
do conjunto de municípios da área de estudo cresceu cerca de 141%.
Deve destacar-se que todos os setores registraram elevadíssimo crescimento no
período, destacando-se o setor industrial, que em 10 anos passou de cerca de 17 mil para cerca
de 33 mil empregados no setor. Do mesmo modo, na agropecuária também houve um alto
crescimento.
Tal incremento do número de trabalhadores em todos os grandes setores da economia
é expressão, não do dinamismo econômico proporcionado pela instalação das usinas na área,
já que o setor sucroenergético só é incrementado no segundo qüinqüênio dos anos 2000,
respondendo o crescimento ocupacional principalmente às demandas do setor da cadeia
carne/grãos, que se instalou no início da década na região.
05
101520253035
2000 2005 2010
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Comércio
Serviços
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INOVAÇÕES TÉCNICAS NO SETOR SUCROALCOLEIRO NO SUDOE STE
GOIANO: ENFOQUE NO CULTIVO DA CANA DE AÇÚCAR
Reduzir custos e aumentar a produtividade são prioridades na agroindústria
sucroalcooleira, por isso a busca por novos meios que aumentem a produtividade é presente
em todas as etapas da produção de etanol, tanto na lavoura como na indústria.
A redução de perdas, desperdícios, a melhoria da qualidade dos serviços, a correta
aplicação de tecnologia, a capacitação e a disciplina da mão de obra, o desempenho das
máquinas, a melhoria contínua de todos estes fatores e da produtividade, levam a uma
significativa redução de custos de produção de cana de açúcar.
O modelo produtivo do setor sucroalcoleiro em Goiás na etapa industrial já foi
implantado com um alto grau de tecnologia. Hoje, com a modernização agrícola cada vez
mais desenvolvendo novas técnicas, é na lavoura de cana-de-açúcar onde mais se percebem as
inovações, principalmente no que se refere à colheita da cana.
ETAPAS DA PRODUÇÃO DE AÇÚCAR E ETANOL: LAVOURA
A prática do plantio de cana com máquina é bem mais recente que a do corte. O
controle de pragas se faz cada vez mais necessário visto que a tendência pela mecanização do
corte aumenta a incidência de pragas e o surgimento de novas doenças. A mecanização do
corte se dá em ritmo acelerado e uma nova lei que proíbe o uso da queimada como modo
preparatório para colheita contribui fortemente para o avanço da mecanização do corte e o
desenvolvimento de técnicas mais eficazes no controle de pragas. Notaremos abaixo como
técnicas vêm sendo desenvolvidas em cada etapa do cultivo da cana.
⋅ Plantio
Apesar de não existir um levantamento preciso e confiável, estima-se que em média
apenas 30% dos canaviais brasileiros sejam plantados com máquina, e que nos próximos três
ou quatro anos se ampliará para 80%, segundo dados do Grupo IDEA. Essa é uma tendência
também dos canaviais goianos. A mecanização do plantio exige reformulação das práticas
culturais e desenvolvimento das técnicas para garantir eficiência e qualidade na operação das
lavouras. Com o auxílio de plantadoras, vários processos que antes eram realizados de forma
manual, podem ser feitos com maior eficiência e rapidez.
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No plantio mecanizado as mudas ou toletes (com tamanho de até 35 cm) que são
colhidas por máquinas são transportados por caminhões ou carretas e realizam o transbordo
até a plantadora. Esta abre o sulco, planta as mudas, aplica o fertilizante, o inseticida, se
necessário, e faz a cobertura do sulco em uma única operação. As máquinas são tracionadas
por tratores e necessitam apenas de um operador na plantadora para monitorar e controlar a
distribuição dos toletes e insumos.
⋅ Controle de Pragas
Com a diminuição das queimadas no canavial, o mesmo tem sofrido uma mudança
ambiental, visto que altera a temperatura e a umidade do ambiente, proporcionando condições
favoráveis para o aumento da incidência de pragas e doenças. Ao mesmo tempo, com a
mecanização do corte, as máquinas contribuem para o espalhamento de sementes de ervas
daninhas, sendo rapidamente disseminadas pela própria máquina que, ao limpar a cana,
espalham as sementes por toda a área.
Para combater as invasoras, o setor precisa buscar alternativas tecnológicas de última
geração para aumentar a eficácia no controle e reduzir custos. Para isso, novos pulverizadores
de última geração têm sido desenvolvidos, formados por fotocélulas que, ao perceber a
presença de plantas daninhas, aciona a pulverização dirigida diretamente sobre as mesmas e,
em seguida, se fecham, evitando o desperdício do produto, promovendo uma boa cobertura
sem dispersão do produto.
Além disso, a vigília das lavouras e o mapeamento de infestações pode ser feito com o
uso de aeronave não tripulada, dotada de potentes lentes de fotografia e de um software
específico, pois para reduzir a incidência de pragas e doenças é fundamental realizar o
monitoramento constante, não apenas agir quando há alta infestação e promover o manejo
integrado de pragas – biológico, mecânico e químico.
⋅ Colheita
A colheita envolve as etapas do corte e do transporte até a usina. Porém é o corte da
cana-de-açúcar a etapa que mais envolve mão de obra e que mais vem levantando questões
ambientais e socioeconômicas, contribuindo fortemente para a alteração do panorama do
mercado de trabalho no setor sucroalcoleiro com a sua mecanização.
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A queimada da cana de açúcar para o corte é uma técnica que vinha sendo utilizada e
que nos últimos anos está sendo posta em questão com a instauração da Lei 3357/2007 que
impõe que este método deve ser eliminado gradativamente até 2017. A queimada da cana
provoca danos ao meio ambiente e ao cotidiano das pessoas que trabalham e moram no
entorno da região.
Podemos citar diversos danos provocados pela queimada, como por exemplo:
mudanças no microclima das zonas canavieiras, afetando o ciclo hidrológico e a incidência de
radiação solar; aumento de incidência de doenças respiratórias na população da região,
tornando maior a procura por postos de saúde e hospitais; danos à flora e à fauna; prejuízos à
estética do meio ambiente; aumento da erosão por gotas de chuva, devido ao solo estar
descoberto; desequilíbrio ecológico de insetos, aves, répteis e plantas; aumento de acidentes
em estradas da região, pela redução de visão causada pela fumaça; sedimentação de poeira por
cidades próximas, sujando casas e calçadas.
Porém o rendimento do corte manual sem a realização da queimada como modo
preparatório diminui drasticamente, contribuindo para a rápida substituição do cortador
manual pela máquina cortadora, pois a máquina corta e retira a palha com maior rapidez e
produtividade quando comparado ao corte manual, sendo dispensável a queimada.
Podemos conferir no gráfico V, com o percentual (%) dos tipos de colheita de cana-
de-açúcar em Goiás por safra, a tendência ao corte mecanizado desde que a lei foi instaurada
(jan/2007), segundo dados da SIFAEG.
Gráfico V: Percentual (%) dos tipos de colheita de cana-de-açúcar em Goiás por safra, 07/08, 08/09 e
09/10
Fonte: SIFAEG. Elaboração: Lívia Cunha.
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Safra 07/08 Safra 08/09 Safra 09/10
Manual queimada
Mecanizada crua
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Há um ganho ambiental sem a queima, pois da palha que resta no canavial parte é
utilizada para reter a umidade no solo, fundamental para o desenvolvimento da planta,
aumentando sua produtividade, e parte é levada para a indústria e transformada em energia.
Esse quesito ainda está em evolução, pesquisas se intensificam para deixar a operação
economicamente viável, desde a retirada da palha do campo até seu processamento na
indústria.
Junto ao ganho ambiental há um ganho econômico à medida que o corte mecanizado
é mais produtivo que o corte manual. Porém, com a implantação das colheitadeiras, o setor
desemprega uma grande quantidade de mão de obra de baixa qualificação, muitas vezes sem
garantia de emprego em outras áreas, substituindo dezenas de cortadores por um operador de
máquina.
Diante de todas as inovações técnicas no cultivo da cana-de-açúcar apresentadas
acima, podemos conferir os resultados disso no gráfico abaixo sobre rendimento. Nota-se uma
evolução significativa do rendimento a partir do momento que a modernização agrícola se deu
com maior intensidade, como se pode observar no gráfico VI.
Gráfico VI: Rendimento médio (t/ha) da produção de cana-de-açúcar dos principais municípios
produtores de GO por ano (2000, 2005, 2010)
Fonte: IBGE/SIDRA, 2000-2009. Elaboração: Lívia Cunha
A introdução da máquina mudou o espaçamento da linha de cana, a visão dos técnicos
sobre a palhada que fica no campo e as práticas de plantio, a necessidade de qualificação
profissional... Não há como negar que a mecanização na cultura canavieira evoluiu e
provocou uma mudança na área de cultivo da cana, mas para isso desenvolver uma gestão
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Mineiros
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eficiente da mecanização do processo produtivo da cana-de-açúcar tem sido fundamental para
o bom funcionamento técnico.
MUDANÇA NO PERFIL DO TRABALHADOR NO CULTIVO DA CANA -DE-
AÇÚCAR
Com novos modos de produção, surgem novas exigências, tanto organizacionais como
normativas. Lidar com novos objetos, trás consigo a necessidade de novas ações. Neste tópico
verificaremos que apesar da introdução do trabalho morto ser cada vez maior, não há
eliminação total do trabalho. A técnica não é autônoma, ela trás consigo uma necessidade por
trabalho, mesmo que quantitativamente menor. Visto isso, analisaremos aqui o que muda no
perfil do trabalhador da cana com o incremento dessas novas técnicas, no que se refere à
renda e à escolaridade.
No gráfico VII podemos verificar uma tendência pela diminuição da mão de obra com
baixa escolaridade (analfabetos e até a 5ª série), reflexo dos trabalhadores manuais
substituídos por operadores de máquina. Um aumento da mão de obra com relativa
escolaridade (fundamental e médio completo), representados pelos operadores das máquinas.
E destaque para o aumento de 2005 a 2010 da mão de obra altamente qualificada, que são boa
parte de ensino técnico que realizam a manutenção das máquinas, profissionais em logística,
agrônomos, etc.
Gráfico VII: Variação (%) do grau de instrução dos trabalhadores formais no cultivo da cana em Goiás
(2000, 2005, 2010)
Fonte: RAIS 2000, 2005, 2010. Elaboração: Lívia Cunha.
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Analfabeto
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Diante do gráfico VIII, podemos verificar que a quantidade de trabalhadores que
ganha de 1 a 3 salários mínimos em 2010, quase se equipara à quantidade de trabalhadores
que ganham de 3,01 a 7 salários mínimos. A quantidade de trabalhadores com uma renda
menor tem diminuído, ao passo que trabalhadores com uma renda maior têm aumentado. Isso
é reflexo da mudança do modelo produtivo utilizado, pois, do mesmo modo que há uma
mudança na demanda por mão-de-obra com maior escolaridade, há também uma mudança
salarial.
Gráfico VIII: Variação (%) da renda mensal dos trabalhadores formais no cultivo da cana em Goiás
(2000, 2005, 2010)
Fonte: RAIS 2000, 2005, 2010. Elaboração: Lívia Cunha
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do trabalho acima apresentado, podemos inferir que a modernização agrícola
na produção de etanol se dá através de um incremento tecnológico, causando intensas
modificações no trabalho, no perfil do trabalhador e consequentemente no espaço.
Com a mecanização agrícola há uma tendência à forte redução do trabalho manual,
aumentando o desemprego e o trabalho temporário. Junto a isso, nota-se um aumento na
demanda por mão-de-obra de maior qualificação e um aumento no nível de renda dos
trabalhadores no cultivo da cana.
No processo de implantação de inovações técnicas na atividade canavieira, novas
ações são desenvolvidas que se expressam em termos de reorganização do trabalho no espaço,
significando que o mesmo passa a ser dotado de novas formas-conteúdo. O cargo ocupado
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pelo trabalhador influencia nas formas como o mesmo terá acesso ao espaço, às áreas que
poderá ocupar e de que forma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo, Editora Cortez, 1995, p.158. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, Editora Boitempo, 1990, p. 175. BERNARDES, Júlia Adão (et all). Formas em Crise: Utopias necessárias. Rio de Janeiro. Editora Arquimedes, 2005, p.111. SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico- informacional. São Paulo, Editora Edusp, 2008, p.174. SCHAFF, Adam. A Sociedade informática: As conseqüências sociais da segunda Revolução Industrial. São Paulo, Editora Brasiliense, 1990, p.157.
Sites Pesquisados
www.ibge.gov.br/
http://www.rais.gov.br/
www.conab.gov.br/
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A REORGANIZAÇÃO ESPACIAL DO NORTE FLUMINENSE E A PR ODUÇÃO DE ETANOL
Fausto Gadelha Cafezeiro Universidade Federal Fluminense
faustogc@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Devido a recentes empreendimentos levados a cabo no Norte Fluminense, pode-se
dizer que a região sofre um processo de reorganização espacial. Devido à construção do
Superporto do Açu, há, na região, obras de infraestrutura, de logística, de urbanização, enfim,
de suporte para uma nova dinâmica espacial da produção.
O objetivo deste trabalho é investigar como a produção de etanol na região vem se
adequando a este processo; quais mudanças técnicas vêm acontecendo, quais os conflitos com
as antigas estruturas produtivas, como se territorializam os interesses dos velhos e novos
atores sociais da região.
Quanto à metodologia, foi realizada uma pesquisa de dados secundários, um trabalho
de campo para a busca de dados primários e a pesquisa conceitual. Basicamente, os principais
conceitos aplicados foram de técnica e espaço (Santos, 1996), que tratam da produção do
espaço (um conjunto indissociável de sistemas de ações e sistemas de objetos em que o
homem constrói a vida social, os valores, a sociedade) a partir da técnica (entendida como a
forma pela qual o homem apropria, modifica e constrói seu meio natural e social).
Para compreender as relações de poder, as articulações políticas e a materialização dos
interesses dos agentes envolvidos, os conceitos de território (Raffestin, 1993) e de
territorialidade (Sack, 1986) também foram utilizados. Raffestin propunha que o território
seria fruto da objetivação, da representação e da apropriação de uma área geográfica. Os
limites do território seriam, então, dados pelas ações de poder e suas intencionalidades. Como
existem poderes de natureza diferente (político, econômico, cultural, social), haverá diferentes
tessituras territoriais e infinitas maneiras de se tecer o território. O sistema territorial seria,
portanto, tanto um meio como um fim: um meio porque é uma organização (uma
territorialização implica uma organização da vida social) e um fim porque é ideológico (ou
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seja, construído a partir de um conjunto de ideias e ações de atores hegemônicos). Sack
(1986) definia por territorialidade as estratégias, as articulações de um grupo social visando o
controle sobre seu território. O controle de acesso, a demarcação simbólica (por exemplo,
pelo uso de placas, símbolos, sinais que remetem ao dominador da área) seriam, assim,
formas de se manter, de se impor, de se sublinhar o mando sobre o território.
O trabalho divide-se em dois capítulos: a apresentação e análise dos dados
secundários, um panorama da produção de etanol na região a partir d que foi constatado em
trabalho de campo. Nas considerações finais, serão formulados questionamentos para a
continuidade da pesquisa e os apontamentos a respeito da produção de etanol da região.
OS DADOS SECUNDÁRIOS
Aqui serão apresentados dados secundários da seguinte maneira: primeiro, a evolução
do rendimento médio da agricultura de cana-de-açúcar no Norte Fluminense (por município) e
no Brasil desde 2000 segundo o IBGE/SIDRA. Depois, evolução da produção de etanol
anidro e hidratado dos estados do Rio de Janeiro (o objeto de nosso estudo), São Paulo e
Goiás (respectivamente, o estado tecnicamente mais avançado e o estado onde a produção
mais se expande), segundo a União da Indústria de Cana-De-Açúcar (UNICA) e o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Optamos por buscar a evolução desde
2000 porque a partir desse ano o Governo Federal deu grandes incentivos para a produção de
biocombustíveis, o que obviamente se refletiu na produção de cana-de-açúcar e de etanol.
Para a melhor contextualização dos dados, é preciso esclarecer que segundo a UDOP
(União dos Produtores de Bioenergia), existem no estado do Rio de Janeiro nove unidades de
produção sucro-alcooleira: oito na região do Norte Fluminense (seis no município de Campos
dos Goytacazes – Sapucaia, Cupim, CBAA-Campos, Coagro, Paraíso-RJ e Canabrava –, uma
no município de São Fidélis – Pureza – uma no município de São João da Barra – Barcellos),
e uma na Região dos Lagos (a usina Agrisa, em Cabo Frio). Também segundo a UDOP, não
há projetos novos nem em andamento para novas usinas, nem de reestruturação das já
existentes nem de renovação infra-estrutural para o setor1.
1 Dados obtidos em http://www.udop.com.br/index.php?item=unidades, acessado em 27/06/2012.
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Em trabalho de campo, averiguamos que só há três usinas em atividade no Norte Fluminense:
a Coagro, a Paraíso-RJ e a Canabrava. A Agrisa, em Cabo Frio, Região dos Lagos, também
encontra-se em atividade. As outras usinas ou faliram ou encontram-se impedidas pela Justiça
de funcionar, e a UDOP ainda não atualizou seus dados com essa informação2.
O gráfico 1 mostra que, desde 2000 não há mudanças significativas nem para menos
nem para mais no rendimento médio da produção de cana-de-açúcar nos municípios Norte
Fluminense. As maiores cifras, logradas por Quissamã e Cardoso Moreira, não chegam a 60
ton/ha. O gráfico 2 mostra que em 2000 o rendimento médio do Brasil já era maior (por volta
de 68 ton/ha) e em 2009 chegou a mais de 80 ton/ha. A partir disso, conclui-se que o
rendimento médio do Norte Fluminense encontra-se bem abaixo da média nacional.
2 Informação colhida em entrevista com Adriano Kill (diretor administrativo do Grupo Canabrava) e Márcio
Rocha (presidente da Usina Coagro).
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Ano
Gráfico 1: Evolução do rendimento médio de cana-de-açúcar no Norte Fluminense
Carapebus
Campos dos Goytacazes
Cardoso Moreira
Conceição de Macabu
Macaé
Quissamã
São Francisco de Itabapoana
São Fidélis
Fonte: IBGE, SIDRA. Produção agrícola Municipal
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O gráfico 3, que mostra a produção de etanol no estado do Rio de Janeiro, mostra uma
grande oscilação, mas a maior cifra foi alcançada na safra 2004/2005 e foi seguida por uma
queda. Na última safra mostrada, a produção recuperava-se timidamente dessa queda e era de
por volta de 125 mil litros.
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Re
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Ano
Gráfico 2: Evolução do rendimento médio de cana-de-açúcar no Brasil
Total do Brasil
Fonte: IBGE, SIDRA.
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Quando comparada a Goiás (gráfico 4), percebemos que a curva do Rio de Janeiro é
instável e que não acompanha o mesmo ritmo de crescimento. Em Goiás, a produção se
expande devido às empresas paulistas que para lá se expandiram, com alto grau de
modernização da produção.
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Gráfico 3: Evolução da produção de etanol anidro e hidratado no Estado do Rio de Janeiro
Rio deJaneiro
Fonte: União da Indústria de Cana-de-açúcar/ÚNICA e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/MAPA
Fonte: União da Indústria de Cana-de-açúcar/ÚNICA e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/MAPA
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Safra
Gráfico 4: Evolução da produção de etanolanidro e hidratado em Goiás
Goiás
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Quando se lê o gráfico 5, referente a São Paulo, percebe-se uma curva semelhante à de
Goiás mas com cifras ainda mais altas. Enquanto em São Paulo a produção encontra-se
funcionando com todo o vapor, o Norte Fluminense, segundo a interpretação dos dados,
estaria muito para trás do resto do Brasil e dos estados mais competitivos.
Mas os dados são incapazes de nos fazer apreender a totalidade do processo em curso
na região. Eles apontam para a realidade que Júlia Adão Bernardes (Bernardes, 1995)
colocou: uma produção decadente após a década de 1990. Segundo Bernardes, entre o
Programa Pró-Álcool e o governo de Fernando Collor, o cultivo de cana e a produção sucro-
energética do Norte Fluminense viu-se em seu apogeu. Contudo, quando o ramo industrial se
modernizou a partir dos subsídios governamentais, por contraditório que pareça, o circuito
espacial da produção3 como um todo se viu decadente na região. Isso ocorreu porque só a
parte industrial foi modernizada, sem a contrapartida da parte agrária.
Devido aos investimentos em modernização, as usinas aumentaram sua capacidade de
produzir etanol. Mas a produção de cana-de-açúcar ainda não era modernizada, sendo 3 Circuito espacial da produção é um conceito que trata dos vários momentos da produção desde a fabricação
até o consumo. No caso do etanol, tratamos desde a matéria prima agrícola, a cana-de-açúcar até o consumo do etanol industrializado (Castilho, 2009).
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Gráfico 5: Evolução da produção de etanol anidro e hidratado em São Paulo
São Paulo
Fonte: União da Indústria de Cana-de-açúcar/ÚNICA e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/MAPA
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portanto relativamente arcaica e baixa. Então, junto ao aumento da capacidade produtiva
houve um crescimento da capacidade ociosa, que, antes da modernização era de 30%, e após a
modernização passou a ser de 70%. Tratava-se, então, de uma indústria moderna cuja matéria-
prima era produzida de forma obsoleta, prejudicando a produtividade e a capacidade de
expansão competitiva das usinas sucro-alcooleiras.
A partir dessas constatações, em 1991 Bernardes apontou para a falência da indústria
sucro-alcooleira do Norte Fluminense. Após a apresentação dos gráficos, aparentemente o
processo segue firme. Mas o trabalho de campo, artifício metodológico tão fundamental à
ciência geográfica, nos mostra outra coisa: a produção de etanol no contexto do processo de
reorganização espacial em curso na região.
OS NOVOS DILEMAS DA PRODUÇÃO SUCRO-ALCOOLEIRA NO NO RTE
FLUMINENSE: A REORGANIZAÇÃO ESPACIAL, AS NOVAS FORM AS E OS
CONFLITOS ENVOLVIDOS
No Norte Fluminense, vem sendo implantada uma nova organização da produção,
portanto, um novo arranjo espacial com diferentes agentes espaciais. As chamadas cidades
médias cresceram em termos de área, de capital e de desigualdades. Está sendo levada a cabo
outra dinâmica político-econômico-industrial. Esse processo já podia ser percebido quando a
exploração de petróleo na Bacia de Campos se iniciou, mas agora, com a construção do
Superporto do Açu, que traz consigo obras de infraestrutura, de logística e de industrialização
(já que a produção que o porto escoará será de indústrias metalúrgicas e de beneficiamento de
minérios que vem sendo construídas estrategicamente em volta dele), o processo se tornou
mais claro.
No que diz respeito à produção de etanol, há também grandes impactos. A mão de
obra para o corte da cana já havia sido muito diminuída pelos programas assistenciais que o
Estado Brasileiro vem praticando desde 2003, como o Bolsa Família, por exemplo. Sendo a
remuneração para o corte de cana muito baixa, muitas famílias preferiram receber os
benefícios das políticas assistencialistas a trabalhar em condições precárias. Grande parte
dessa mão de obra está sendo absorvida, também, pelas obras de infra-estrutura e logística do
Superporto do Açu e dos empreendimentos ligados a ele, além dos outros setores aquecidos
pelo Superporto, como construção civil nas cidades em torno, por exemplo.
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Além disso, às dificuldades que as usinas já vinham passando justapõe-se a questão
fundiária: as cidades estão crescendo e precisam, portanto, de mais terra para se expandir.
Assim, lugares que antes eram plantações de cana ou de outros produtos agrícolas estão sendo
desapropriados para dar lugar a novas construções urbanas ou mesmo a estradas e indústrias
que fazem parte da logística do Superporto do Açu. Por isso, a terra torna-se mais cara e
usinas que se localizavam perto das plantações de cana de repente ficaram distantes da
matéria-prima, como é o caso da Coagro, que será analisado adiante.
A única usina que consegue se expandir e usar a nova dinâmica da região a seu favor é
a usina Canabrava, uma bela amostra da modernização e do próprio processo de
reorganização espacial em curso. Ela foi implantada por um empresário do ramo imobiliário
da cidade do Rio de Janeiro, Ludovico Giannattasio, que idealizou um grupo de empresas
para atuar no setor, o grupo Canabrava. Os altos cargos administrativos deste grupo são
ocupados por administradores com experiência nas usinas sucro-alcooleiras mais avançadas
do Brasil em termos de técnica, de pesquisa científica, de competitividade e de expansão: as
usinas paulistas.
Esta é uma das chaves para o sucesso do grupo: o investimento em modernização
técnica. A usina dispõe de terras próprias e arrendadas para a parte agrícola da produção, e é a
única da região a alugar máquinas para a colheita, preparando-se para 2017, quando as
queimadas para o corte de cana será proibido em todo o território nacional. A prática das
queimadas ainda é corriqueira no Norte Fluminense, e as outras usinas e os proprietários
rurais não contam com máquinas colheitadeiras na região.
Para além da questão meramente técnica, a articulação político-territorial dos
empresários da usina Canabrava com os outros agentes espaciais responsáveis pela
modernização da região também pode ser apontada como causa fundamental para seu sucesso.
Os novos empreendimentos que vem sendo implantados lá têm uma enorme demanda de
energia elétrica, e a região ainda não a produz em quantidade satisfatória para os
empreendimentos. E foi se utilizando disso que a usina Canabrava aliou-se aos agentes da
modernização da região: ela inovou ao produzir energia elétrica a partir da biomassa do
bagaço da cana-de-açúcar. Toda usina de socro-alcooleira é autossustentável em termos de
energia por ser possível a obtenção de energia elétrica a partir do bagaço de cana, mas a usina
Canabrava foi pioneira em produzir eletricidade em quantidade suficiente para poder vender,
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e a vende justamente para o consórcio do Superporto do Açu, articulando territorialmente os
seus interesses a outros novos empreendedores da região.
É a partir dessa articulação territorial combinada com a capacidade técnica que o
grupo Canabrava logrou seu sucesso. Aliás, a modernização da região está sendo alcançada a
partir dessas articulações: os grupos com interesses convergentes articulam-se para que seus
interesses se complementem e assim a modernização implante-se satisfatoriamente. Prova
disso é que a única usina da região a ter projetos para expandir-se é a Canabrava, que já se
estrutura para construir mais três novas usinas: uma em Quissamã, outra em Bom Jesus de
Itabapoana e mais uma em local a ser selecionado.
Os dados secundários não revelaram esse aspecto de crescimento e modernização na
região por se tratar, no que diz respeito ao etanol, de um processo recente. A usina Canabrava
foi implantada há apenas dois anos e ainda é a única usina moderna da região. Portanto, os
dados a respeito tanto da agricultura de cana como da produção de etanol na região ainda não
foram impactados por esse novo fato. Mas, caso a Canabrava consiga a expansão que projeta,
é possível que nos próximos anos os dados secundários já mostrem uma mudança.
O outro lado da moeda é claramente materializado pela usina Coagro-RJ (Cooperativa
Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro). Trata-se de uma cooperativa formada por uma
associação de produtores rurais (a ASFLUCAN – Associação de Plantadores de Cana, ao
mesmo tempo sócia e fornecedora da usina) que conseguiram comprar uma antiga usina falida
(a usina São José). A Coagro atende a Quissamã, São João da Barra e São Fidélis, ou seja, ao
mercado interno regional. Tem baixo índice de produtividade e muita dificuldade em
mecanizar a agricultura. Tanto o presidente da associação de plantadores (Eduardo Crespo)
como o da usina (Márcio Rocha) foram categóricos em afirmar que as antigas usinas que
ainda estão em atividade funcionam com base em manobras jurídicas para não fechar.
Como o processo de modernização não comporta os pequenos fornecedores de cana, já
que os investimentos em modernização (máquinas, sementes, pesquisa) são muito altos, a
Coagro não consegue se modernizar: a grande maioria de seus fornecedores (96%) tem área
plantada menor que 4 módulos rurais. O rendimento médio dessas áreas agrícolas é o
mostrado pelos gráficos: de 30 a 60 ton/ha em grandes safras.
Além de todas essas dificuldades, a usina Coagro também tem sofrido também com
problemas fundiários decorrentes da urbanização recente da região e mesmo dos novos
empreendimentos econômico-industriais e suas obras de logística. Ela se localiza atualmente
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entre o Superporto do Açu e a cidade – o que não era problema antes do Superporto por nesta
época se tratar de uma área rural –, o que a colocou numa área de expansão da cidade,
distanciando-a do campo que lhe fornece a cana-de-açúcar. Além disso, ela é obviamente
obstáculo ao Corredor Logístico do Açu, e não conseguiu articular político-territorialmente os
seus interesses com os interesses dos novos empreendedores da região, o que a põe numa
situação delicada para a continuidade da sua existência.
Trata-se de uma usina que, além de não ter capacidade nem recursos para expandir,
não consegue também modernizar a parte agrícola da produção de etanol. Ela tem
fornecedores associados que ainda produzem em moldes obsoletos e está, ela mesma,
descontextualizada do processo que vem ocorrendo na região, e por isso, não tem capacidade
de adaptar-se à nova demanda da região, podendo ser atropelada por esses novos
empreendimentos.
Por isso que a Coagro-RJ é o avesso do processo que vem se definindo no Norte
Fluminense: é um antigo negócio que não está adaptado à lógica que vem se estabelecendo.
Enquanto que a ideia principal do empreendimento da Canabrava não é fazer da região uma
grande produtora de etanol, mas sim de dinamizar seu próprio negócio e articular-se para que
ela possa gozar da expansão e da reorganização espacial que a região vem sofrendo. É um
negócio dentro do contexto que a cerca, ao contrário da Coagro-RJ, que vem ficando fora do
processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o que foi exposto, percebe-se que a nova dinâmica regional do Norte
Fluminense vem causando impactos no que diz respeito à modernização ou à morte das
estruturas já existentes. O setor sucro-alcooleiro na região encontra-se num dilema: ou se
organiza e se estrutura para estar dentro da lógica e do contexto dessa modernização ou terá
grandes dificuldades de se manter lá, porque o que se observa é justamente a sobrevivência às
atividades que se adaptam e sustentam a nova dinâmica do capital. Isso é comprovado pelo
logro de expansão e competitividade da usina Canabrava, fato que não é logrado pelas usinas
ligadas ao antigo modo de produzir.
A territorialidade – no sentido de Sack (1986), de estratégia espacial direcionada ao
controle de uma área – dos novos interesses vem sendo muito bem sucedida. Isso, para a
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região, resulta numa reorganização espacial da produção, do trabalho, da logística. Quando se
percorrem as estradas da região se vê, por toda parte, placas, símbolos, demarcações das áreas
que serão ou estão sendo apropriadas pelas novas empresas, pelos novos investimentos.
Veem-se trechos sendo duplicados, os arredores das cidades envolvidas em obras, as novas
estruturas se materializando. Tudo está voltado para o novo, para a modernização, para um
novo projeto de desenvolvimento regional.
A proposta de Raffestin (1993) de que sistema territorial é um meio porque uma
organização da vida social e um fim porque construído a partir das ideologias, das ações e
ideias dos atores hegemônicas é perfeitamente aplicável ao processo estudado. As estratégias
de controle das áreas geográficas – a territorialidade de Sack (1986) – são constatáveis a partir
até mesmo dos percursos entre lugares do Norte Fluminense, são perceptíveis quando se anda
pelas estradas, pelas placas e pelas logomarcas das empresas do Consórcio do Superporto do
Açu.
São os sistemas de objetos e sistemas de ações que constroem o espaço, segundo
Milton Santos (Santos, 1996). O espaço é um produto das práticas sociais, aí inclusa a
territorialidade. Assim se pode notar a nova dinâmica espacial que vem sendo implantada:
pelas ações, pelas criações de objetos, pelos interesses dos atores. Assim se percebem as
modernizações que o espaço Norte Fluminense vem sofrendo.
BIBLIOGRAFIA
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ASPECTOS AMBIENTAIS E ENERGÉTICOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO: A EMISSÃO DE GASES AGRESSIVOS AO AMBIENTE E A BIOEL ETRICIDADE
DA CANA
Íria Oliveira Franco
Universidade Federal de Goiás iria_biologa@ymail.com
Cinara Franco Carvalho
Universidade Federal de Goiás cinarafranco20@gmail.com
William Ferreira da Silva
Universidade Federal de Goiás williamjatai@gmail.com
Dimas Moraes Peixinho Universidade Federal de Goiás dimaspeixinho@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é analisar a contribuição do setor sucroalcooleiro na
produção de bioeletricidade através da cogeração advinda da queima do bagaço e da palha da
cana-de-açúcar. Sabe-se que o setor energético é um dos maiores responsáveis pelas
alterações climáticas por ser um grande emissor de gases do efeito estufa. Desta forma, o
aumento projetado para o consumo de energia irá agravar os efeitos do aquecimento global,
pois aumentará a demanda por recursos energéticos fósseis. Logo, o atrito inerente à
necessidade de compatibilizar a segurança do suprimento com a proteção do ambiente
apresenta-se de maneira nítida na atual agenda energética mundial.
A matriz elétrica brasileira passa por uma fase de transição pela necessidade crescente
de complementação da geração hídrica com fontes de energia capazes de produzir eletricidade
de forma eficiente e ambientalmente sustentável durante o período seco. A bioeletricidade
produzida pelo setor sucroalcooleiro está se constituindo em uma fonte de energia
intrinsecamente complementar à geração hídrica, pois a safra de cana-de-açúcar coincide com
o período de seca.
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A expansão da bioeletricidade sucroalcooleira, portanto, apresenta sua importância
devido à crescente expansão do setor e que, associado ao gradativo fim da queima da cana,
garantirá a biomassa necessária para a geração de bioeletricidade nos próximos anos. Dessa
forma, justificam-se investimentos em tecnologias que permitam a inserção da bioeletricidade
na matriz elétrica, apresentando-se como fonte de energia renovável e segundo seus
defensores, ambientalmente sustentável.
ARGUMENTAÇÃO TEÓRICA E APRESENTAÇÃO DE DADOS
O consumo mundial de energia apresenta um considerável aumento no início do
século XXI e a projeção até 2030 indica o aumento do consumo de energia (BEN, 2010). Tal
aumento da demanda de energia é, em sua maior parte, oriundo dos países em vias de
desenvolvimento, os quais possuem economias em um ciclo expansionista neste início de
século e estima-se que estas economias irão permanecer crescendo nas próximas décadas.
A mudança de preços relativos das energias fósseis vs. renováveis, as evidências
científicas a respeito dos vínculos do efeito estufa com as mudanças climáticas, a consequente
necessidade de redução das emissões de CO2 e, ainda, as crescentes demandas da sociedade
por qualidade ambiental e por maior sustentabilidade do processo produtivo levam para o
mesmo caminho: o crescimento da prospecção e uso de fontes renováveis e menos poluentes
de energia (NEVES E CONEJERO, 2010).
Neste sentido, o Brasil, no ano de 2010, apresentava uma matriz elétrica de origem
predominantemente renovável, sendo que a geração hidráulica responde por 74% da oferta.
Somando as importações, que essencialmente também são de origem renovável, pode-se
afirmar que aproximadamente 86% da eletricidade no Brasil são originadas de fontes
renováveis, conforme o Balanço Energético Nacional (BEN, 2010) (Figura 1).
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Figura 1. Oferta interna de energia elétrica por fonte no ano de 2010. Fonte: BEN (2010).
De acordo com o BEN (2010), o Brasil apresentou, no mesmo ano, uma produção de
petróleo – fonte não renovável – de 106.439. 103 tep, 3.164. 103 tep a menos que as três
principais fontes renováveis de energia somadas: hidráulica, lenha e produtos da cana-de-
açúcar (etanol e bagaço). Os dados da tabela 1 apresentam a produção de energia entre as
principais fontes renováveis e não renováveis no Brasil no período de 2006 a 2010. Observa-
se que, entre as cinco fontes de energia, a lenha teve uma redução de 8,5% nesse período. A
hidráulica aumentou em 86%, o petróleo, 84%, o gás natural, 77% e os produtos oriundos da
cana, 72%, a maioria oriundos da utilização de álcool como combustível veicular. Em 2010, a
produção de álcool no Brasil foi de 27.963 103 m3, aumento de 7% em relação ao ano de
2009, enquanto o petróleo obteve um aumento de 5% no mesmo período.
Tabela 1. Produção de energia das principais fontes renováveis e não renováveis no Brasil entre os anos de 2006 a 2010.
10³ tep Fontes não renováveis 2006 2007 2008 2009 2010 Petróleo 89.214 90.765 94.000 101.033 106.439 Gás natural 17.582 17.988 21.398 20.987 22.771 Fontes renováveis Hidráulica 29.997 32.165 31.782 33.528 34.680 Lenha 28.496 28.618 29.268 24.609 26.071 Produtos da cana 35.133 40.458 45.019 45.252 48.852
Fonte: BEN (2010).
74,0%
6,8%
6,5%
4,7% 3,6% 2,7%
1,3%
0,4% Hidráulica
Gás natural
Importação
Biomassa
Derivados dopetróleo
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Em 2010, 53% do consumo de derivados de petróleo advinham do setor de
transportes. Já para a biomassa, as maiores parcelas de consumo estão nos setores industriais e
de alimentos e bebidas, restando para o setor energético 18% e transportes 17% (BEN, 2010).
O Brasil está sendo reconhecido internacionalmente por possuir uma das matrizes
energéticas mais “limpas” e renováveis do mundo. Por ter sua oferta energética baseada na
hidroeletricidade e por possuir um importante programa de uso de combustível alternativo aos
derivados de petróleo (etanol) e biomassa (bagaço da cana), dentre os países que apresentam
níveis equivalentes de desenvolvimento e de dimensão econômica, o histórico energético é
que o qualifica positivamente. Em 2007, 45,9% da oferta interna de energia era renovável,
enquanto a média mundial foi de 12,9% conforme Balanço Energético Nacional (BEN, 2008).
O destaque em 2007 foi a cana-de-açúcar (etanol combustível + bioeletricidade do
bagaço), que ultrapassou a energia hidrelétrica, pela primeira vez, ficando atrás somente do
petróleo e derivados. O quadro 1 apresenta uma síntese sobre os usos, vantagens e
desvantagens das principais fontes energéticas.
Quadro 1. Síntese das principais fontes energéticas.
Fonte Principais usos Vantagens Desvantagens Petróleo Matéria-prima da
gasolina e do diesel. Fabricação de plástico, borracha sintética, ceras, tintas, gás e asfalto. Produção de energia elétrica.
Domínio da tecnologia para exploração e refino. Maior poder calorífico que o carvão. Facilidade de transporte e distribuição.
Recurso esgotável. Obsoletismo das plantas de geração de eletricidade. Emissão de gases de efeito estufa (GEE). Preços elevados.
Gás natural Aquecimento. Geração de eletricidade. Combustível para veículos, indústrias e residências. Caldeiras e fornos.
Pode ser usado nas formas gasosa e líquida. Existe um grande número de reservas. Baixo impacto ambiental.
Recurso esgotável. Altos investimentos para construção de gasodutos para distribuição. Influencia na alteração climática.
Carvão Produção de energia elétrica. Aquecimento Matéria-prima para fertilizantes e para muitas indústrias químicas.
Domínio da tecnologia de aproveitamento. Facilidade de transporte e distribuição.
Influência na formação da chuva ácida. Liberação de poluentes como dióxido de carbono (CO2) e enxofre
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(SO2) e óxidos de nitrogênio durante a combustão.
Hidráulica Produção de energia elétrica.
Não emite poluentes. A produção é controlada. Não influencia no efeito estufa.
Inundação de grandes áreas. Deslocamento de populações. A construção da usina demanda altos investimentos e tempo.
Biomassa Aquecimento. Produção de energia elétrica, biogás (metano). Produção de combustível.
Fonte renovável. Sua ação sobre o efeito estufa pode ser equilibrada. Permite o reaproveitamento de resíduos. Baixo custo.
Exige investimentos iniciais para o seu aproveitamento e controle sobre as áreas desmatadas.
Fonte: Neves e Conejero (2010).
Apesar de uma alta participação de fontes de energia renováveis – a hidroeletricidade -
o país apresenta uma taxa de crescimento da demanda por energia elétrica muito alta (entre 4
a 5% anual) em um cenário de dificuldades crescentes da expansão da oferta hidrelétrica
devido à nova e mais restritiva legislação de licenciamento ambiental, portanto a
bioeletricidade sucroalcooleira se apresenta compatível com os objetivos de modicidade
tarifária e de segurança do suprimento (DANTAS, 2008).
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) define a biomassa, do ponto de
vista energético, como toda matéria orgânica (de origem animal ou vegetal) que pode ser
utilizada na produção de energia. Assim como a energia hidráulica e outras fontes renováveis,
a biomassa é uma forma indireta de energia solar. A energia solar é convertida em energia
química, através da fotossíntese, base dos processos biológicos de todos os seres vivos
(ANEEL, 2005). Tem sido usada de forma crescente como insumo energético, muito mais
para usos finais como energia térmica, mas já com destaque como geradora de energia
elétrica, e de forma crescente como origem de combustíveis líquidos, a exemplo, o etanol
(BARROS, 2007).
A bioeletricidade da cana apresenta benefícios ambientais (redução de emissões de
gases de efeito estufa), econômicos (geração de empregos) e de garantia do suprimento (com
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descentralização) da energia elétrica. Segundo a União da Indústria de Cana-de-açúcar
(UNICA, 2010) a bioeletricidade derivada da cana-de-açúcar apresenta as seguintes
vantagens:
• Energia renovável e limpa;
• Competitividade em termos de custos;
• Complementaridade sazonal com relação ao regime de chuvas – a safra de cana no
Centro-Sul (abril a novembro) coincide com o período de seca dos reservatórios das
usinas hidrelétricas (maio a setembro);
• Contribuição na redução de emissões de gases de efeito estufa;
• Proximidade ao centro de carga;
• Tempo de construção reduzido da termoelétrica se comparado às grandes obras de
usinas hidrelétricas;
• Projetos de menor porte e espectro mais amplo de investidores.
Porém o potencial de geração de bioeletricidade é função da safra de cana-de-açúcar,
pois é o montante de cana colhida que determina o volume de biomassa residual disponível
para a geração de bioeletricidade e depende da tecnologia adotada, a qual determina a
eficiência da conversão da biomassa em energia elétrica.
Figura 2. Montante de bagaço (resíduo industrial) para alimentar as caldeiras da usina sucroalcooleira no município de Jataí (GO).
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Apesar de praticamente todas as usinas de açúcar e álcool gerarem energia para
consumo próprio, em meados de 2007, apenas 10% delas (de um total de 350 unidades)
comercializaram o excedente produzido (NEVES e CONEJERO, 2010).
Corrêa e Ramon (2002) ressaltam que uma unidade cogeradora produz energia térmica
e mecânica de forma associada, podendo a energia mecânica ser convertida em energia
elétrica através de um gerador elétrico ou ser utilizada diretamente em algum acionamento.
Os sistemas de cogeração elevam de forma significativa à eficiência energética, pois as perdas
no processo de produção são bastante inferiores aquelas verificadas em sistemas que
produzem energia térmica e energia mecânica, incluindo energia elétrica, em processos
distintos.
Os sistemas de cogeração apresentam uma utilização racional de energia ao maximizar
a utilização do combustível. A elevada eficiência energética da cogeração se adéqua com os
objetivos da agenda energética atual, pois se apresentam em um cenário onde há oferta segura
de energia a preços competitivos e as restrições ambientais são respeitadas.
Os problemas ambientais passaram a constar nas discussões internacionais a partir de
meados do século XX quando os danos ambientais causados pela ação antrópica começaram a
se tornar evidentes.
O Quarto Relatório de Avaliação do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate
Change – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, 2007) considera “muito
provável” que o aquecimento global verificado desde meados do século XX seja resultado do
aumento observado nas emissões antrópicas de GEE (Gases de Efeito Estufa). Conforme este
estudo, onze dos doze anos mais quentes desde 1850 foram registrados no período
compreendido entre 1995 e 2006. Durante o século XX, a Terra aqueceu 0,76ºC, sendo que a
taxa de aquecimento tem se tornado maior. As evidências do aquecimento global são nítidas e
inquestionáveis ao se observar o aumento da temperatura do ar e do oceano, a elevação do
nível do mar, o derretimento de geleiras e a redução da cobertura de neve.
Portanto a sociedade moderna nunca se deparou com um conflito tão latente entre
segurança energética e o meio ambiente como o presente, porque o aumento exponencial do
consumo de energia nos países em vias de desenvolvimento resulta em um aumento da
demanda mundial de energia, o que por si só já gera dúvidas quanto à segurança da oferta.
Contudo, este aumento da demanda mundial de energia ocorre em um momento onde existem
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poucas dúvidas sobre a influência antrópica no aquecimento global e a necessidade imediata
de se reduzir as emissões de gases do efeito estufa (DANTAS, 2008).
Devido à sua amplitude global, as alterações climáticas são o impacto ambiental que
merece maior atenção e por isso foi criada uma resposta institucional específica com o intuito
de mitigar o aquecimento global. As negociações internacionais resultaram na elaboração do
Protocolo de Kyoto, pelo qual os países desenvolvidos e as economias em transição para
economia de mercado assumiram o compromisso de redução de 5,2% de suas emissões de
gases do efeito estufa em relação a 1990 (COSTA, 2004).
O Protocolo de Kyoto criou mecanismos de mercado que auxiliam os países com
compromissos de redução a cumprirem suas metas com o menor custo possível. A utilização
dos mecanismos de flexibilização no cumprimento das metas de redução é extremamente
favorável à promoção de fontes renováveis de energia porque ao internalizar suas
externalidades ambientais positivas as tornam competitivas com as fontes fósseis de energia,
um exemplo de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) são os créditos de carbono
que são bônus, não são commodities (mercadoria padronizada para compra e venda) nem
derivativos (“derivado de ativos”). Créditos de carbono são contratos transferíveis e podem
ser títulos. Trata-se de um acordo, um compromisso em que uma das partes se compromete a
reduzir a emissão do gás carbônico e a outra parte paga por este compromisso. Assim sendo,
poluição não é mercadoria, ainda mais quando se deseja eliminá-la, pois a “commoditização”
pressupõe estoques, ou seja, nós somaremos e não diminuiremos. Não importa para as
“commodities ambientais” o que capta mais carbono, importa, porém, o que gera mais
emprego e mantém mais áreas de preservação. O modelo de “commodities ambientais” é
exatamente produzir uma trava que impeça que um ecossistema seja prejudicado para
favorecer a exploração comercial (EL KHALILI, 2007).
Assim, a venda de excedentes de energia elétrica cogerados no setor sucroalcooleiro é
um nicho de mercado passível de gerar créditos de carbono, pois a mesma ao despachar
energia ao sistema elétrico interligado estará reduzindo-o de usinas térmicas que utilizam
combustíveis fósseis, logo reduzindo a emissão de GEE.
De acordo com Souza e Azevedo (2006), a volatilidade no preço da energia elétrica, e
o da gerada no setor sucroalcooleiro ainda não internaliza inteiramente suas externalidades
positivas, as incertezas do marco regulatório, o custo de oportunidade da utilização do bagaço
e da palha como combustível, a falta de liquidez do mercado de carbono são obstáculos
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históricos a investimentos em plantas que produzam uma maior quantidade de energia elétrica
com o intuito de comercialização.
Portanto o uso de fontes de energia renovável e com baixo teor de carbono é uma das
estratégias para a mitigação da emissão dos GEE e o combate ao aquecimento global. O
etanol da cana-de-açúcar, que apresenta balanço energético e de emissões significativamente
favorável, é uma alternativa disponível comercialmente. O etanol de cana-de-açúcar tem
capacidade de reduzir em cerca de 90% as emissões de GEE quando comparado com a
gasolina no Brasil (UNICA, 2010).
Quanto à biomassa, Dantas (2010), diz que a cada tonelada de cana é possível gerar
aproximadamente 250 kg de bagaço úmido e, dados da UNICA (2010), em média 204 kg de
palhas e pontas. O bagaço ainda é utilizado em quantidade muito superior à palha, pois mais
da metade fica no campo e é aproveitada como adubo para o solo.
A capacidade de cogeração de energia com o bagaço, para produção de açúcar, álcool
e exportação do excedente, em 2009 era de 4,03 gigawatts (GW) ou 3,58% da demanda
nacional produzidos em 269 usinas (ANEEL, 2009).
Segundo a ANEEL (2012), das 444 usinas sucroalcooleiras, 358 produzem energia
através da queima do bagaço de cana-de-açúcar, gerando uma potência de 7.633.288 kW, o
que representa 81,51% de todas as fontes de biomassa utilizadas pelas usinas sucroalcooleiras.
Com a construção de 17 usinas em todo o país, será incrementado ao sistema, 940.928 kW.
Com uma maior utilização do bagaço e da palha da cana, juntamente com o aperfeiçoamento
das caldeiras de alta pressão, um grande aumento de energia será possível de ser gerada pelas
usinas. Em Goiás, 20 usinas sucroalcooleiras comercializam energia excedente da queima do
bagaço, gerando uma potência de 593.380 kW.
Tabela 2. Usinas sucroalcooleiras em Goiás que comercializam energia excedente.
Usina Potência
Fiscalizada (kW)
Destino da Energia*
Município
Vale do Verdão 23.400 PIE Turvelândia Goiasa 46.520 PIE Goiatuba Cooper-Rubi 2.400 PIE Rubiataba Nova Geração 6.200 PIE Jandaia CRV 4.000 PIE Carmo do Rio Verde Lago Azul 2.000 REG Ipameri Quirinópolis 80.000 PIE Quirinópolis Boa Vista 80.000 PIE Quirinópolis Serranópolis 3.860 REG Serranópolis
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Porto das Águas 70.000 PIE Chapadão do Céu Caçú I 130.000 PIE Caçu Tropical Bioenergia 15.000 APE Edéia Itumbiara 56.000 PIE Itumbiara Itapuranga 2.800 REG Itapuranga Codora 48.000 PIE Goianésia Manacá 5.000 REG Itumbiara Unidade Bom Sucesso 4.500 REG Goiatuba Bom Sucesso Agroindústria 4.500 não identificado Goiatuba São Simão 4.200 REG São Simão Comigo 5.000 REG Carmo do Rio Verde
*Destino da energia: PIE - Produção Independente de Energia; APE - Autoprodução de Energia; REG – Registro. Fonte: ANEEL (2012).
Em 2004 com a reforma do setor elétrico, novos agentes regulatórios surgiram para
gerir o relacionamento entre geradores – vendem MWh, transmissores – vendem o aluguel do
fio, distribuidores – remuneração regulada para operação e manutenção do sistema, e
consumidores – residencial e industrial. A cogeração de bioeletricidade se encaixa no
segmento de geração e, portanto, poderia atuar tanto no ambiente regulado quanto livre de
mercado. Dessa maneira, as usinas de açúcar e álcool podem comercializar a energia elétrica
excedente que produzem.
Com a safra de cana-de-açúcar coincidindo com o período de seca, a bioeletricidade
pode assumir um importante papel de “energia de acumulação”, pois ela possibilitaria o
acúmulo de água nas barragens durante o período seco. Para explicar esta afirmação, Arthur
Padovani Neto (Diretor da Aliança Engenheiros Associados) faz a seguinte simulação. Caso
toda a agroindústria da cana-de-açúcar adotasse um sistema de cogeração eficiente, para uma
safra de moagem total de 500 milhões de toneladas, seria possível uma exportação de energia
de cerca de 35 milhões de MWh, que equivaleria a uma potência média de 7 mil MW durante
o período de safra, estimada em 5000 h. Essa potência corresponde a mais de 50% da
capacidade da Usina de Itaipu operando em plena carga. Dessa maneira, a energia excedente
produzida pelas usinas permitiria o acúmulo de água, durante as 5000 h, correspondente a
nove vezes a vazão do rio Tietê e atingiria, no fim da safra, volume superior a 100 bilhões de
m3.
Portanto a bioeletricidade sucroalcooleira torna-se uma segunda opção de fonte de
energia, comportando características desejáveis como fonte renovável – suprimento seguro e
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ambientalmente menos poluente – menores emissões de gases de efeito estufa comparado à
gasolina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil possui uma situação energética bastante privilegiada quando comparada ao
resto do mundo, tanto em termos de abundância de recursos como pelo caráter “limpo” de sua
matriz energética. A elevada participação de fontes renováveis de energia na matriz brasileira
se deve a utilização em larga escala da hidreletricidade e da utilização do álcool como
combustível a partir de meados da década de 1970. Contudo, a biomassa que gera o álcool
combustível possui um imenso potencial energético que ainda não é utilizado em sua
plenitude no Brasil.
O setor sucroalcooleiro tem importância histórica na economia brasileira. A
peculiaridade do setor em termos energéticos é sua autossuficiência através da utilização do
bagaço como combustível suprindo quase a totalidade da demanda de energia térmica,
mecânica e elétrica das unidades produtoras do setor. Porém, a geração efetiva de energia
elétrica do setor está muito aquém do seu potencial. Desta forma, investimentos em
tecnologias mais eficientes e um uso mais intensivo da biomassa – bagaço e palha - podem
gerar significativos montantes de energia elétrica excedente a ser comercializada.
Apesar de não ter metas a cumprir no âmbito do Protocolo de Kyoto, o Brasil possui
um imenso potencial de geração de energia renovável e a obtenção de créditos de carbono
pode tornar viáveis financeiramente muitos projetos, entre os quais, a bioeletricidade
sucroalcooleira. Portanto, além das motivações energéticas, existe o relevante fato de ser uma
energia renovável em um mundo que clama por medidas que reduzam a emissão de gases de
efeito estufa e que, por conseguinte, mitiguem as alterações climáticas.
Neste sentido, somente uma efetiva ação coordenada entre as esferas energética e
ambiental em âmbito mundial poderá ser capaz de mitigar os efeitos do aumento da demanda
de energia sobre as alterações climáticas. As medidas de redução dos impactos ambientais do
consumo energético, como por exemplo, maior utilização de fontes renováveis de energia e
aumento da eficiência energética, deve ser financiada pelos países do Norte e implementadas
nas regiões onde o custo marginal da mitigação seja menor, pois as alterações climáticas é um
problema de relevância global.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A TRAJETÓRIA SOCIOESPACIAL DA PRODUÇÃO CANAVIEIRA N O BRASIL
Flávio Pereira Cruz Universidade Federal de Mato Grosso
Kasulo7@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
O artigo que se segue tem como propósito analisar de maneira sucinta a evolução
histórica da produção canavieira no Brasil, destacando os principais aspectos concernentes a
formação e evolução dessa atividade, sua organização produtiva e avanços técnicos desde o
engenho à usina, a fim de apreender sua repercussão nas instancias econômicas, políticas, e
socioespaciais do país.
A relevância de se propor um levantamento histórico é justifica pela intrínseca relação
entre tempo e espaço, assim neste artigo a questão do tempo é observada por meio do eixo das
sucessões e coexistências (SANTOS, 2008) e por meio do entendimento de espaço herdado,
como informa Bernardes (2008, p. 250-251) é fundamental, uma vez que:
“O conhecimento de uma fração da realidade supõe, do ponto de vista metodológico, o conhecimento de suas fontes internas de desenvolvimento e movimento e de sua evolução histórica até o momento que se deseja analisar, posto que os supostos que foram em sua origem condições históricas da formação dessa fração da realidade depois de surgir e concretizar-se, revela-se como resultado e condições de sua reprodução, passando a formar parte do processo de reprodução dessa realidade.”
Portanto, a cada movimento histórico podemos pressupor novas modificações nas
formas de organização espacial da sociedade, isso inclui os variados níveis escalares e seus
sistemas de objetos e ações, que servem de ponto partida para eventos posteriores e novos re-
arranjos.
A PRODUÇÃO DE CANA E AÇÚCAR NO BRASIL COLONIAL
A ampliação do horizonte geográfico do velho mundo crescia na medida em que novas
terras eram encontradas na América ao longo dos séculos XV e XVI. Para os portugueses a
ocupação dessas áreas exigiu uma política para além da presença militar, sobretudo no caso
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do atual território brasileiro, a fim de evitar perdê-las para outras potencias européias do
período. Essa situação é destacada por Furtado (2003, p. 73), quando afirma que “(...) a
simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era, a longo prazo, operação infrutífera,
seja porque os demais povos não reconheciam direito senão das terras efetivamente
ocupadas”.
A economia européia à época do “descobrimento” estava fortemente relacionada com
a expansão econômica do mercantilismo no restante do mundo. Assim como Portugal, outras
potências também estavam em busca de novos mercados e lugares fornecedores de matérias
primas. A avidez com que esses países se lançaram em extrair as benesses que o novo
continente dispunha, levou Portugal a iniciar a ocupação do território brasileiro.
O povoamento em si, não fazia parte dos planos iniciais de Portugal, como também
não era interesse de outras potências ibéricas; o elemento que impulsionava essas empreitadas
ultramarinas estava relacionado à busca de uma nova rota para as Índias, lugar de comércio
pulsante no qual se podiam obter especiarias de grande valor no mercado europeu.
O processo de colonização até então, consistia em algo diferente do que foi praticado
nos séculos iniciais no Brasil, colonizar significava basicamente o estabelecimento de
feitorias comerciais, que serviriam como ponto de apoio aos navegantes. Mas, dada a
extensão territorial do país e a primitiva organização social encontrada aqui, esse modelo não
funcionaria muito bem (PRADO JÚNIOR. 2008).
Um dos motivos de maior relevância para resguardar os novos territórios girava em
torno da expectativa de encontrar grandes reservas de metais preciosos, tal qual os espanhóis
conseguiram do lado ocidental do continente americano. Como os portugueses não obtiveram
a oferta deste recurso na escala desejada no Brasil, mesmo com a renda obtida do extrativismo
do pau-brasil nos anos iniciais, foi preciso empreender algo alternativo, que cobrisse os gastos
necessários desse processo e possibilitasse inversões sobre o capital investido.
Eis que a produção de cana-de-açúcar no Brasil foi proposta e alguns fatores foram de
suma importância para justificar essa opção. Destacam-se a experiência portuguesa com o
cultivo dessa cultura em ilhas do Atlântico e a disponibilidade de terras em abundância, o que
permitia a produção em larga escala, parceria estabelecida com os holandeses e genoveses
como comerciantes do açúcar e financiadores dessa atividade e sua cooperação no transporte
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do açúcar até os mercados consumidores da Europa. Sem dúvida a diversidade de condições
naturais encontradas aqui permitia a produção/obtenção de gêneros tropicais que eram
escassos no mercado europeu. (FURTADO, 2005; FERLINI, 1994; PRADO JÚNIOR. 2008).
De acordo com ANDRADE (1986) apud SILVA (2011), as primeiras mudas de cana-
de-açúcar foram cultivadas na capitania de São Vicente em 1532, mas logo a produção seguiu
para a Zona da Mata do Nordeste. As razões para que a região Nordeste se tornasse o centro
da produção de cana-de-açúcar foram, sobretudo, a disposição de boas condições
edafoclimáticas e logísticas, que a tornavam bastante competitiva e favorável, a exemplo do
solo de aluvião massapê, popularmente conhecido como terra rocha, vasta rede hidrográfica
litorânea, clima quente e úmido, ideal para o cultivo da cana-de-açúcar, menor distância de
Portugal e regime de ventos favoráveis para a navegação (FERLINI, 1994).
Naturalmente, questões de ordem técnica, condições físicas de produzir, mercado
consumidor, disponibilidade de capital precisavam ser superadas e de certo modo o foram,
entretanto outro fator necessitava de solução: a limitada oferta da força de trabalho. A
exploração extremada da força de trabalho foi a saída adotada primeiramente sobre os
silvícolas aqui existentes durante a fase de implantação da nova estrutura socioespacial, num
segundo momento ocorreu a introdução do trabalho escravo dos negros como forma de
manutenção e reprodução dessa sociedade.
A inserção da cana-de-açúcar no Brasil representou imediatamente a instituição do
latifúndio, da produção em larga escala de uma monocultura e com exploração da mão-de-
obra de vários trabalhadores no país, o que demonstra o baixo nível técnico e utilização
improdutiva dos recursos nessa época. Esse modelo denominado de plantation adotado para a
colonização realizada nos trópicos americanos, de forma paralela dificultava a subsistência de
pequenos produtores, e essa situação reflete-se até hoje, com as devidas proporções, na
conflituosa estrutura agrária brasileira (PRADO JÚNIOR, 2008). Abaixo temos a estrutura
organizacional de um engenho, que elucida o quanto a mão-de-obra escrava era fundamental
nesse sistema produtivo.
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FIGURA 1 . Organograma do funcionamento de um engenho.
Os distintos processos de transformação por que passava a cana-de-açúcar no engenho
consistiam em quatro etapas seqüenciais de acordo com Ferlini (1984), a moenda era o local
de moagem da cana, daí seguia para a cozinha para transformação do caldo em melaço através
de seu cozimento, na casa de purgar acontecia a drenagem natural do aguardente, o restante
do melaço seguia então para a secagem/embalagem, etapa final onde se desenformava o
açúcar e efetuava a separação das distintas qualidades de açúcar obtida, e estava pronto para o
encaixotamento.
Em todas as etapas mencionadas anteriormente, ocorre uma divisão social do trabalho,
na qual a coordenação das atividades era realizada por homens livres (trabalho intelectual) e a
ação prática recaia sobre os escravos (trabalho físico). A estrutura do engenho como um todo
é claramente hierarquizada à partir da figura do senhor de engenho, responsável pela
administração que conta com a acessoria direta do feitor-mor, estes por sua vez, recebem o
apoio de padre, auxílio contábil e legal de licenciados, cobradores de renda e escrivão, do
cirurgião (responsável pela manutenção da saúde da força de trabalho escrava) e caixeiro da
cidade responsável pela parte comercial do engenho.
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De modo geral a empresa colonial sob a forma de engenho1, diante de crises
econômicas em seu negócio, no qual seus recursos financeiros passavam a se tornar escassos,
com conseqüente queda na rentabilidade e aumento dos custos de produção, os senhores de
engenho tendiam a conservar as mesmas práticas e mecanismos operacionais de suas
atividades econômicas, desse modo o contexto macroeconômico era preterido pela
manutenção do status quo do senhor de engenho.
A produção canavieira no período do Brasil colônia oscilava em consonância
econômica com a receptividade do mercado externo: se a remuneração obtida sobre o valor do
açúcar fosse lucrativa, a condição interna permanecia favorável. Outros fatores externos
influenciavam sobre a dinâmica interna tais como a disponibilidade do produto, as crises
econômicas e os conflitos militares. Assim permaneceu até meados do século XVII, e daí em
diante o país perdeu seu privilégio no contexto internacional na sua condição praticamente
monopolista sobre a atividade canavieira destinada à produção do açúcar.
Essa modificação foi resultado do início da produção holandesa nas Antilhas e
América Central e teve como elemento impulsionador, as disputas territoriais entre
holandeses e portugueses sobre certas áreas na região Nordeste do Brasil. Expulsos do país
pelos portugueses, os holandeses deram início a um estágio embrionário de competição
capitalista, tal qual temos hoje entre as commodities agrícolas.
1 “A denominação engenho, de início restrita às instalações onde se dava a manipulação da cana, estendeu-se,
com o passar do tempo, a toda propriedade açucareira, com suas terras e lavouras. Em si, constituía um conjunto de edificações, em geral interligadas, formando um impressionante conjunto arquitetônico. De acordo com Vanderley Pinho, os principais edifícios do engenho eram: “uma grande casa de paredes de alvenaria, assentada a cobertura de telhas sobre 22 pilares dobrados, com varanda em roda, a cobrir picadeiros de pedra e cal, ou seja, os depósitos das canas que os carros vem trazendo para a moagem, de onde são retiradas para serem lançadas à moenda. Desdobrasse a construção em casa de caldeiras, com suas fornalhas; casas de purgar, onde se recolhe o açúcar nas formas; caixaria onde se pesa e se encaixa o açúcar, com quatro balcões ou grandes tabuleiros que sobre rodas e trilhos, saem com o açúcar com ao sol para secar; o sobradinho ou palanque de onde o mestre de açúcar assiste e superintende o cozinhamento” (...)” (FERLINI, 1994, p. 30)
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O INTERVENCIONISMO ESTATAL E O NASCIMENTO DA IMPORT ÂNCIA DO
ÁLCOOL
Durante o século XIX foram implementadas novas tecnologias no sistema produtivo
do setor, ainda que atrasadas em relação a outros países produtores. Perruci (1978, p. 113)
destaca as principais inovações:
Entre essas iniciativas, podem ser assinaladas mais particularmente a introdução do moinho a vapor, a adoção de cilindros horizontais aperfeiçoados, a utilização do bagaço e a adaptação das caldeiras a esse novo combustível, o aparecimento de modernos processos de fabricação do açúcar branco e o abandono dos antigos métodos de purgar.
A primeira modernização pela qual o setor passou induzida pelo Estado foi através da
concessão de instalação de engenhos centrais, dotados de máquinas e equipamentos
modernos, em substituição aos antigos engenhos que com o passar do tempo, perderam a
capacidade competitiva. A ação do Estado nesse sentido representou, também, uma ameaça à
hegemonia exercida até então pela figura do senhor do engenho sobre o domínio de sua
capitania.
Para Perruci (1978), no Brasil os engenhos centrais traduziam uma iniciativa do
governo atrelada à pressão dos grupos açucareiros ainda no poder, de modo a socorrê-los, que
desde o início da perda do monopólio para outros países produtores, não mais obtiveram
margens de lucros como antes, exceto em momentos de conjuntura favorável por motivos
externos. Financeiramente, os engenhos centrais retiravam dos senhores de engenho o ônus da
parte “industrial”, uma vez que consumiam grandes quantias de recursos de capital.
Por outro lado e de forma contraditória, essa mesma política dos engenhos centrais
oferecia riscos ao poder político-social dos senhores de engenho. Em termos da racionalidade
econômica, a medida de desmembramento da parte industrial da agricultura era interessante
no curto prazo; contudo, quanto aos fundamentos em que se assentava essa sociedade, poderia
haver no médio/longo prazo mudanças sociais indesejáveis para os senhores de engenho.
Esse fator de resistência aos engenhos centrais influenciou muito para seu fracasso
pouco tempo após sua criação, somando ainda à inconstância no fornecimento de matérias-
primas, pelo emprego de máquinas importadas que eram em parte usadas ou velhas demais,
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havendo também escassez de mão-de-obra qualificada e dificuldades com o transporte das
lavouras ao engenho (PERRUCI, 1978).
A permanência da atividade canavieira sobre a égide do poder dos senhores de
engenho estava fadada a desaparecer, dadas as novas necessidades de modernização da
agricultura para atender o beneficiamento da cana-de-açúcar num patamar mais elevado, com
crescente influência do setor industrial-financeiro no Brasil no primeiro governo de Getúlio
Vargas, a usina de açúcar passa a ser a nova realidade e futuro para o setor.
A usina, como afirma Perruci (1978, p. 123), “é a síntese das duas etapas precedentes
da revolução açucareira, (...) a supremacia das cidades sobre o campo, (...)” e possui “a
liberdade para se instalar onde pretender o empresário; ela é livre sobretudo para plantar suas
próprias canas, o que será fatal ao engenho tradicional”. Em conformidade com esse processo,
Bray (2000, p. 21) pontua que “ampliou-se muito o conflito entre usineiros e o senhores de
engenho que se transformavam, a partir da expansão das usinas, em fornecedores de cana”.
A década de 1930 marca o início da adição do álcool anidro à gasolina e a utilização
do álcool combustível em larga escala; é nesse mesmo período que ocorre uma participação
mais intensiva do Estado, através da constituição do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
Na escala internacional, a criação do órgão foi uma medida em resposta às políticas
protecionistas praticadas por países europeus e Estados Unidos sobre o açúcar brasileiro.
De acordo com Segatti (2009, p. 27) a criação do IAA visava: “(...) articular de forma
eficiente uma grande reforma na administração açucareira brasileira para recuperar um
segmento de expressiva importância para a economia, evitando que se continuasse operando
por regras de livre mercado”. Em linhas gerais, as competências atribuídas ao órgão
compreendiam: “(...) o papel de regulamentar as cotas de produção, bem como a fixação de
preços e os volumes de exportação, deixando a cargo dos produtores a tarefa de assumir os
riscos da produção, com a conseqüente redução de custos e os ganhos de produtividade”
(SEGATTI, 2009, p. 27).
A criação da Petrobrás em 1953, voltada para a extração, refino e comercialização de
petróleo e a chegada das montadoras do setor automobilístico a partir de 1957, ocasionou uma
substancial elevação do consumo de combustível fóssil no país. O crescimento da importação
de petróleo teve como conseqüência direta a elevação da dívida externa brasileira, haja vista
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que o Brasil dessa época não era auto-sustentável na produção de petróleo (SILVA;
FISCHETTI, 2008).
A presença inicial do álcool na pauta da petroquímica brasileira de forma mais
destacada tem relação com a substituição do chumbo tetraetila que era adicionado à gasolina,
que representava assim como o próprio petróleo um fator de déficit para as divisas do país. O
álcool anidro além de ser nacional fornecia uma maior octanagem ao combustível, então
passou a ser adotado e de forma gradual teve sua adição aumentada até atingir o patamar de
25% na mistura com a gasolina (SILVA; FISCHETTI, 2008).
O Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), criado em 1975 foi o principal
programa governamental para o setor e teve grande influência na história energética do país,
bem como na esfera econômica e no reordenamento territorial de suas atividades, com a
instalação de novas usinas, modernização e ampliação das antigas.
De caráter emergencial, o surgimento do PROÁLCOOL estava relacionado com a alta
do preço do petróleo estipulada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) em 1973 em ocasião da Guerra do Yon-Kippur, saltando de 2,90 dólares para 11,65
dólares o preço do barril. O impacto dessa nova condição foi grande para o Brasil em virtude
de sua baixa produção interna de petróleo e por ter dado grande ênfase ao modal rodoviário, o
que evidenciou o nível de vulnerabilidade energética em que o Brasil se encontrava.
A criação do PROÁLCOOL é descrita por SILVA; FISCHETTI (2008, p. 65) a seguir
com base no decreto que instituiu o programa:
O Programa Nacional do Álcool – PROALCOOL foi criado em 14 de novembro de 1975, no governo Ernesto Geisel pelo histórico decreto nº 76.593, com o objetivo de estimular a produção de álcool, visando o atendimento das necessidades do mercado interno e externo e da política de combustíveis automotivos. De acordo com o decreto, a produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca, ou de qualquer outro insumo, deveria ser incentivada por meio da expansão da oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, na modernização e ampliação das destilarias existentes e na instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de unidades armazenadoras.
O PROÁLCOOL repercutiu sobre a organização socioespacial brasileira, na medida
em que exigiu dos postos e distribuidoras adaptações técnicas para sua comercialização,
através da abertura de novas fronteiras agrícolas, novas questões logísticas são criadas, as
distâncias entre os centros consumidores e produtores crescem, há um processo inicial de
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concentração e centralização de capitais de usinas na região Centro-Sul do país,
especializando porções do território para a produção do álcool.
Para Thomaz Júnior (2002, p. 93), a criação do Proálcool foi antes de tudo, uma
justificativa de salvação econômica dos usineiros e efetivação de uma parceria destes com o
setor automobilístico:
O Proálcool se materializou organicamente em escala nacional quando se articulou ao setor automobilístico, apresentando-se, então, o álcool como alternativa à gasolina. Assim, cimentaram-se os interesses do capital agroindustrial sucro-alcooleiro, com os segmentos das indústrias multinacionais, montadoras de automóveis, como também empresas produtoras de bens de produção para o setor, fábrica de tratores, implementos agrícolas, etc. fica patenteado com todas as letras, que o eixo de expansão do Proálcool direcionou-se, desde o início, para a salvação da lavoura dos empresários sucro-alcooleiros, pois materializou-se sobre a implantação de novas destilarias anexas às usinas e na ampliação e requerimento das existentes, (...)
Com a segunda crise do petróleo em 1979 encerra-se a primeira fase do
PROÁLCOOL (1975-1979) e o governo passa a atuar fortemente no sentido de estimular a
instalação de unidades produtoras específicas de álcool hidratado, por meio de destilarias. A
conseqüência imediata desse processo foi a ampliação da área plantada com cana-de-açúcar e
a criação de várias destilarias de álcool autônomas ou anexas. Com base em Bray (2000), a
segunda fase do PROÁLCOOL (1980-1985) foi definitivamente voltada para a substituição
do emprego dos combustíveis fósseis no país pelo biocombustível da cana-de-açúcar: o
álcool.
Porém o fracasso do PROÁLCOOL ocorreu no final da década de 1980 marcando a
terceira fase de PROÁLCOOL, essa situação tem suas razões numa conjunção de fatores: na
alta do preço do açúcar, na elevação da dívida externa e interna brasileira, no aumento da
inflação; nos acordos firmados junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que impunha a
redução da disponibilidade de subsídios ofertados ao setor como vinha acontecendo, na
extinção do IAA, na descoberta de novas bacias petrolíferas no território brasileiro, no
declínio do preço do petróleo no mercado internacional e na falta de abastecimento nos postos
de combustível de álcool hidratado, que não acompanharam o ritmo da demanda crescente
(CARVALHO; CARRIJO, 2007; SEGATTI, 2009).
O setor sucroalcooleiro ao longo de sua história nos parece ter sempre demandado
socorros de subsídios governamentais em situações de emergenciais econômicas. Um dos
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órgãos contemporâneos que diminuiu sua participação nesse sentido no final do
PROÁLCOOL foi o BNDES, como exposto pelo próprio órgão a seguir:
“Após a crise do Proálcool, o apoio do BNDES ao setor caiu sensivelmente. A recuperação se iniciou em 1997, quando foi permitido que se financiasse o investimento na lavoura de cana. Mais tarde, cresceram os desembolsos para a indústria de açúcar, refletindo sobretudo a necessidade de repor equipamento, dado o grande desgaste durante o processo produtivo. A demanda por financiamento de novas unidades não é significativa, indicando que as empresas têm-se concentrado no esforço de modernizar e racionalizar a produção.” (BNDES, 2002, p. 94)
O Estado desenvolvimentista até então existente nos anos de 1970 havia chegado ao
limite, amargando um forte endividamento externo, que repercutiu sobre a disponibilidade de
recursos públicos e crise nos anos 80. A década de 90 inicia-se marcada por uma conjuntura
econômica em que predominou a abertura financeira e comercial introduzida no governo
Collor e aprofundada a seguir no governo de Fernando Henrique, tendo como efeitos
imediatos o processo de desnacionalização do sistema bancário e da base produtiva
(ARAÚJO, 1999). A implantação do modelo neoliberal no país repercutiu sobre o setor
sucroalcooleiro com cortes nos investimentos e linhas de créditos por parte do governo e em
sua desregulamentação.
Na história recente do etanol no Brasil do com término do PRÓALCOOL observou-se
um cenário de estagnação, a partir da introdução dos veículos Flex-Fuel em 2003 há uma
superação econômica e nesse novo quadro a iniciativa privada é quem de certa forma
conduz/regulamenta o processo de produção do setor.
A tecnologia Flex-Fuel nasceu de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Europa e
Japão, no final da década de 1980, estimulados pela necessidade de solucionar a falta de infra-
estrutura de distribuição e abastecimento para o uso do metanol e etanol. Em 1992, a General
Motors introduziu a tecnologia Flex-Fuel no mercado norte americano. No Brasil sua
utilização iniciou-se através da Bosh em 1993 e em 2003 a Volkswagen disponibiliza no
mercado o primeiro veículo total Flex.
Diferentemente dos motivos apontados acima nos outros países, o Brasil dispunha de
uma infra-estrutura e rede de distribuição bem adaptada, todavia, dado os precedentes de
indisponibilidade do etanol nos postos de combustível e os custos das montadoras em ter de
realizar dois projetos de motor para um mesmo veículo, esta tecnologia representou uma boa
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estratégia de mercado, pois uniu certa segurança ao consumidor e redução de custos para as
montadoras (SILVA; FISHETI, 2008).
CONSIDERAÇÕES
Diante do exposto, percebemos que o surgimento da atividade canavieira no país surge
como um meio de resguardar o território e abastecer o mercantilismo europeu, sendo o
Nordeste brasileiro o locus inicial da produção, essa nova estrutura se baseou na exploração
do trabalho escravo indígena e negro, sob o sistema de plantations.
O engenho era a forma da empresa colonial com sua produção atrelada
primordialmente ao mercado externo, os mesmos registraram uma modernização considerável
graças ao intervencionismo estatal com a instalação dos engenhos centrais e isto representou o
enfraquecimento do poder dos senhores de engenho, durante o primeiro governo Vargas, a
nova estrutura produtiva do setor são usinas.
Vimos também a ascensão do álcool quanto à sua relevância econômica com sua
adição em larga escala na gasolina, nesse aspecto o papel do governo foi imprescindível por
meio da criação de instituições como IAA e programas como PROÁLCOOL, passando assim
a regulamentar e estimular a produção.
O PROÁLCOOL gerou um ambiente de prosperidade do setor sucroalcooleiro no país
que repercutiu em toda sociedade, por meio da abertura de novas fronteiras agrícolas para o
cultivo de cana-de-açúcar a consolidação da região Centro-Sul do país como pólo da produção
álcool e açúcar. Com a instituição do governo neoliberal o setor entra num período de
estagnação durante toda a década de 90 do século XX, o que evidencia a forte dependência do
setor ao estado, quadro este que se reverte apenas com a implementação da tecnologia Flex-
Fuel no início do século XXI.
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À REBOQUE DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CASO DOS MORADORES DA VILA DE URURAÍ EM CAMPOS DOS GOYTACAZE S/RJ
Camila da Silva Vieira; Universidade Federal do Rio de Janeiro
camilavieira.ufrj@gmail.com
Danielle Faria Peixoto Universidade Federal do Rio de Janeiro
contato.daniellefaria@gmail.com
INTRODUÇÃO
Localizada às margens da rodovia
BR-101, alguns quilômetros antes (no
sentido sul-norte) do núcleo urbano
do município de Campos dos
Goytacazes/RJ, o bairro de Ururaí
possui três favelas, assim delimitadas
segundo pesquisa do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2010): a maior é a “margem
da linha do rio Tapera”, e as outras
duas pequenas são “rio Ururaí” e
“ilha de Ururaí”. As favelas em seus
recortes espaciais estão na Figura 1.
Para fins metodológicos será dado
enfoque à chamada Vila de Ururaí,
cuja peculiaridade de sua localização
geográfica consiste, de acordo com
estudos já realizados, como o de
Paganoto et al (2004), em encontrar-
se limitada entre os 12 metros de Figura 2: Mapa com a rodovia e as ferrovias de Campos
Figura 1: Mapa de localização da área de estudo.
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largura que separam a rodovia federal BR-101 e a ferrovia paralela a ela, Macaé-Campos,
como pode ser visto na Figura 2, com os detalhes das favelas, da rodovia e da ferrovia. Assim,
nesse espaço onde aparentemente não deveria existir nada, foi constituída a Vila de Ururaí,
formada por cerca de dois quilômetros de casas, muito imprensadas, configurando-se como
uma ocupação em área não legalizada e de alto risco para os moradores. Além disso, a
comunidade é caracterizada pela precariedade de serviços de infra-estrutura urbana básica,
como água, luz e esgoto e dificuldade de acesso a serviços públicos. Os domicílios são
igualmente precários (Figuras 3 e 4), na maioria das vezes, construídos pelos moradores, sem
qualquer segurança, culminando numa péssima qualidade de vida.
Figura 3: Vila de Ururaí (Paganoto et al, 2004). Figura 4: Vila de Ururaí 2012 (foto da autora).
A história da formação das favelas de Ururaí está intrinsecamente ligada ao processo
de ascensão do setor canavieiro no município de Campos dos Goytacazes, uma vez que a
ocupação dessa área iniciou-se impulsionada pela proximidade com a periferia urbana de
Campos, nos limites dos cultivos de cana de açúcar. Assim, esse produto tornou-se
protagonista na história de Ururaí, na medida em que os trabalhadores da cana fixaram
moradia ali, tornando o lugar um reduto de trabalhadores “bóias-frias” do setor canavieiro.
No entanto, com a decadência da produção canavieira nos últimos anos e a realocação
de investimentos na região especialmente destinados à construção do Complexo Portuário do
Açu, ocorrem muitas mudanças no município de Campos dos Goytacazes e suas redondezas.
Um exemplo está sendo a duplicação da rodovia BR-101, que associada ao Projeto “Morar
Feliz” da prefeita Rosinha Garotinho, está gerando a retirada dos moradores de Ururaí.
Ferrovia
Residências
Rodovia Residências Rodovia
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Essa mudança, a princípio, é benéfica para a população que está recebendo casas do
governo em outras localidades pré-definidas, sendo justificada pelas condições de risco
existentes e pelos interesses econômicos que se colocam. Contudo, é válido destacar que tal
mudança é feita independente da vontade dos moradores, que por estarem estabelecidos há
muito tempo nessa localidade, desenvolveram diversas relações sociais, podendo ter criado
também laços afetivos com o espaço. Portanto, essa população terá que se adaptar a uma nova
realidade imposta a ela, tendo ficado à margem de qualquer escolha sobre o processo.
Nesse contexto, esse estudo propõe avaliar em que medida os processos de decadência
da produção canavieira, os novos investimentos no município, os interesses políticos e a
melhoria na qualidade de vida da população estão interligados em Campos dos Goytacazes e
como tem sido esse processo de remoção dos moradores da Vila de Ururaí, que é um exemplo
local de alteração na história de vida da população em prol de um desenvolvimento que
parece ocorrer a nível regional.
CONTEXTUALIZANDO O CENÁRIO ATUAL DO NORTE FLUMINENS E
A história da região Norte Fluminense é marcada por grande êxito na produção de
cana de açúcar, com consequente atração de mão de obra para a região. Programas como o
Proálcool (Programa Nacional do Álcool), instalado em 1972 para estimular o consumo de
álcool pelos automóveis em vista da redução da oferta de derivados do petróleo, gerou o
crescimento da agroindústria sucroalcooleira, com destaque para o município de Campos dos
Goytacazes, que se tornou um dos maiores produtores de açúcar e álcool da região.
Contudo, a partir da segunda metade da década de 1980, a atividade da agroindústria
sucroalcooleira começou a passar por muitos problemas (Neto, 2006). Assim, o declínio
efetivo do setor canavieiro no Norte Fluminense se deu a partir da década de 1990, quando a
introdução de novas técnicas provocou um aumento na capacidade ociosa das usinas (que já
estava crescente), acarretando a falência de várias delas. Em 1990 pertenciam à região
dezessete usinas, e em 2012, apenas três usinas continuam funcionando, sendo elas a
COAGRO (Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro LTDA), a Usina Canabrava
e a Usina Paraíso, todas no município de Campos dos Goytacazes.
Nesse contexto, a região Norte Fluminense ganha destaque no cenário contemporâneo
com a instalação de grandes projetos como o Complexo da Barra do Furado no município de
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Quissamã e o Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu no município de São João da
Barra. Esses projetos geram significativos investimentos econômicos e também impactos na
região, como por exemplo, em relação à proximidade física com o município de Campos dos
Goytacazes que acaba herdando novas demandas de infraestrutura para receber tais impactos.
O Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu (CLIPA) vem sendo instalado no
município de São João da Barra desde o ano de 2007, com o início do funcionamento previsto
para o ano de 2013. O empreendimento pertence à empresa privada do Grupo EBX, LLX Açu
Operações Portuárias S/A. que firmou parcerias com o Governo do Estado do Rio de Janeiro
através da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN). O
empreendimento caracteriza-se por ser um porto indústria offshore, com o propósito inicial de
exportação de minérios (principalmente de Minas Gerais), agregando também, além de sua
retro área, uma grande extensão onde empresas de diferentes nichos estão se instalando. Entre
os projetos previstos, o Corredor Logístico afetará diretamente o município de Campos dos
Goytacazes, que segundo a empresa LLX facilitará as relações entre o Porto e o município,
uma vez que o Corredor promoverá uma ligação independente da BR-101 (Rima- DISJB).
Os impactos da construção do Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu sobre o
município de Campos dos Goytacazes estão relacionados majoritariamente, portanto, à
mudança no perfil da mão de obra, a partir da decadência do setor canavieiro e da abertura de
postos de trabalho especialmente na construção civil; e à construção do Corredor Logístico,
que, com a duplicação da Rodovia BR-101, já está promovendo a remoção das famílias que
ocuparam as áreas que beiram a pista da rodovia. Essas alterações impactam diretamente a
Vila de Ururaí, antigo reduto de trabalhadores do corte da cana de açúcar, que se vê agora
desempregado ou migrando para outros setores. Além disso, finalmente o governo dá atenção
à localidade e está promovendo a remoção dos moradores para efetivar a duplicação de BR-
101 e seus desdobramentos, como a instalação de novos pedágios e asfaltamento na via.
O que reforça essa condição atual de melhorias na região de Ururaí e respalda o
governo é o terceiro item do Artigo 143 da Seção V do Plano Diretor Municipal de Campos
dos Goytacazes1, onde a região de Ururaí se caracteriza como área de Potencial para as
atividades produtivas, o que é reforçado pelo segundo item do Artigo 152 do Plano Diretor
1III - Ampliação da oferta de áreas industriais situadas ao longo das rodovias [...]; BR-101, nos trechos compreendidos entre os perímetros urbanos do núcleo de Ururaí e da sede municipal (trecho sudoeste) e entre a sede municipal e núcleo urbano de Travessão (trecho norte) e o novo traçado projetado para a BR-101, no trecho entre o rio Ururaí e o perímetro urbano da sede municipal.
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Municipal de Campos dos Goytacazes2, que caracteriza Ururaí como uma das áreas
consideradas “pólos ou núcleos de desenvolvimento do município”.
É importante ressaltar, contudo, que por muito tempo predominou a omissão das
autoridades competentes em relação à ocupação e o crescimento da Vila de Ururaí, uma vez
que a permanência dos moradores foi consentida, desrespeitando o terceiro item do Artigo 4°
da Lei Federal N°6.7663, sobre a obrigatoriedade da reserva de uma faixa não edificável de
quinze metros ao lado de rodovias e ferrovias, o que não acontece em Ururaí, como pode ser
visto no esquema de Paganoto et al, 2004 (Figura 5).
Figura 5: Esquema representando a Secção Lateral da Vila de Ururaí (Paganoto et al, 2004).
Além disso, o esquema permite visualizar mais detalhes da localização da Vila de
Ururaí, que está inserida num canal de drenagem entre dois aterros construídos para a
passagem da linha férrea e da rodovia. Essa condição é extremamente vulnerável em chuvas
fortes, pois são grandes as chances de alagamento, fazendo com que o esgoto se misture à
água das chuvas e invada das moradias (Paganoto et al, 2004).
2Art.152. Serão contempladas com a revisão ou nova definição dos perímetros urbanos, que serão consagrados em lei específica, as áreas urbanas consideradas como polos ou núcleos de desenvolvimento do Município, compreendendo, entre outros: [...] II - Os núcleos urbanos de Ururaí (sede do 3º subdistrito de Campos) e de Tapera (1º distrito); 3III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004)
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ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Ao caracterizar nesse estudo a escala espacial de análise – a Vila de Ururaí – como
favela, torna-se fundamental definir o que se entende por esse termo. Segundo o IBGE4, a
“favela” é conceituada a partir de três fatores: edificação em terreno invadido; construção
rústica e simples; o morador não apresenta termo de posse do domicílio e em sua maioria não
possui saneamento básico. Sendo assim, considera-se a Vila de Ururaí como uma favela, pois
os moradores construíram suas residências em área não legalizada, constituindo-se de uma
forma de ocupação desordenada e não acompanhada de infraestrutura básica adequada.
Contudo, a Vila de Ururaí faz parte da história de vida das famílias que ali se
estabeleceram, tendo se tornado um lugar de interações e convívio para os moradores. Nesse
contexto é essencial chamar a atenção para a concepção de lugar, termo muito utilizado em
estudos geográficos para relacionar a afeição das pessoas ao espaço. Sobre esse tema, Tuan
(1983), afirma que “espaço” e “lugar” não podem ser definidos separadamente, pois “espaço”
é mais abstrato e estaria ligado à liberdade, enquanto “lugar” é mais estável e estaria ligado à
segurança; a partir do espaço chega-se ao lugar à medida que o conhecemos e o damos valor.
Portanto, a Vila de Ururaí poderia representar esse sentimento de conhecimento e
segurança por ser o local de origem e pertencimento dessas famílias, em detrimento do “novo
local” de realocação que seria desconhecido e inseguro. Foi observado que a mudança de
local de moradia para a população dessa vila se apresentou como um processo paradoxal, na
medida em que apesar de ser bom sair do local inseguro e insalubre (como já exposto),
mudar-se para uma localidade desconhecida promoveria na população uma necessidade de
adaptação a uma nova realidade que está sendo forçada e por isso não será fácil.
Neste contexto, julga-se pertinente ressaltar também o tema de migração forçada
através da definição da categoria de análise: “Deslocados Compulsórios”. Como exposto por
Almeida (1996), os mecanismos de expropriação forçada podem ser feitos de maneira
arbitrária, respeitando apenas os interesses econômicos que se realçam, podendo ser feita de
maneira agressiva e invasiva. Logo, o autor define o deslocamento compulsório como:
4Disponível em: CEFET/UENF/UFF/UFRRJ/UNIVERSO, Consórcio Universitário de Pesquisa da Região Norte Fluminense. Boletim técnico n.º 05/2001. Favelas/Comunidades de baixa renda do município de Campos dos Goytacazes.
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"o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os e feitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos" (Almeida, 1996: 30).
O conceito de se aplica ao caso dos moradores da Vila de Ururaí, portanto, na medida
em que eles estão sendo desapropriados em função de interesses mais poderosos, sem
qualquer escolha ou opinião sobre o processo e à mercê da Prefeitura, que apesar de estar
fazendo um bem ao dar-lhes novas casas, o faz de maneira arbitrária.
Para operacionalizar o estudo foram utilizados os micro-dados censitários do Banco
Multidimensional de Estatísticas (BME) referentes à amostra dos Censos Demográficos de
2000 e 2010 do IBGE. Foi utilizada a variável “Setor de atividade” para verificar as variações
na presença de trabalhadores rurais no cultivo da cana de açúcar e em outros setores de
atividade, calculada por distritos dentro do município de Campos dos Goytacazes/RJ. Esses
dados foram tratados no software Excel, onde foram elaborados tabelas e gráficos.
Para a construção dos mapas temáticos foi utilizado o software ArcGis 10.0, onde
foram inseridas as bases digitais do IBGE referentes às favelas de Ururaí, ao município de
Campos dos Goytacazes, ao estado do Rio de Janeiro, ao Brasil e às malhas rodoviária e
ferroviária. Num segundo momento foram utilizados dados coletados no Trabalho de Campo
na região Norte Fluminense no período de 12 a 18 de abril de 2012, com apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) ao projeto “O processo de
reestruturação do setor sucroenergético no estado do Rio de Janeiro: dilemas e desafios”.5
RESULTADOS
O já comentado processo de decadência no setor canavieiro do município de Campos
dos Goytacazes/RJ pode ser ratificado pela Figura 6 cujo gráfico mostra a quantidade de
trabalhadores rurais do cultivo da cana de açúcar por distritos no município, segundo dados
dos Censos Demográficos do IBGE de 2000 e 2010.
5Esse projeto é coordenado pela Professora Doutora Júlia Adão Bernardes no Núcleo de Pesquisas Ambientais
(NUCLAMB) do Programa de Pós Graduação em Geografia (PPGG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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Figura 6: Gráfico de trabalhadores rurais do cultivo da cana de açúcar.
*Outros Distritos correspondem a Distritos Desidentificados (2000) e aos distritos de: Dores de Macabu, Morangaba, Morro do Coco, Mussurepe, Santa Maria, Santo Amaro de Campos, Santo Eduardo, Serrinha, Tocos, Vila Nova de Campos (2010).
A leitura do gráfico permite inferir a diminuição de trabalhadores rurais do cultivo da
cana de açúcar na década destacada no município (azul escuro), passando de 8628 para 2323
trabalhadores, assim como em todos os distritos, como o distrito sede de Campos dos
Goytacazes (vermelho), onde está a Vila de Ururaí, onde o total passou de 5334 para 1479.
Essa decadência do setor canavieiro também foi observada em campo na fala de
muitos antigos trabalhadores do corte da cana, alegando que com o fechamento das usinas
ficaram desempregados (cerca de 30% dos moradores de Ururaí) ou estão buscando outros
setores como: serviços domésticos, coleta de lixo, enfermagem, comércio, e principalmente
ocupações ligadas à construção civil (pedreiros, soldadores, salvatagem, montagem de
andaime), em outros municípios (São João da Barra e Macaé), ou impulsionados pelas
oportunidades em destaque no município de Campos dos Goytacazes como reflexo das obras
de construção do Complexo Portuário do Açu e de Projetos como o “Morar Feliz”.
Ratificando essa tendência, a comparação entre 2000 e 2010 dos dados relativos à
alocação da população segundo os setores de atividade no distrito sede de Campos dos
Goytacazes (onde se localiza a Vila de Ururaí), ajudam a mostrar os setores mais aquecidos
com a onda de novos investimentos, com destaque para comércio e construção (Figura 7).
8628
2323
5334
14791219281210 100
1865463
0100020003000400050006000700080009000
2000
Trabalhadores rurais do cultivo da cana de açúcar por Distritos do Município de Campos dos Goytacazes/RJ (IBGE, 2000/2010)
Total do Município de Camposdos GoytacazesDistrito Campos dosGoytacazesDistrito São Sebastião deCamposDistrito Travessão
Outros Distritos*2010
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Figura 7: Gráfico representativo dos setores de atividade que mais cresceram entre 2000 e 2010.
Um exemplo dessa situação foi relatado em campo pelo senhor Magno na Vila de
Ururaí, afirmando que a Prefeitura, através da FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado
do Rio de Janeiro), está oferecendo cursos especialmente nas áreas de Petróleo e Gás,
Construção Civil e Indústria Automotiva, tendo como pré-requisito o segundo grau completo.
Esses exemplos ajudam a mostrar a situação de mudanças que ocorre atualmente no Norte
Fluminense, com grande desenvolvimento econômico e suas consequências para a população que
é obrigada a se adaptar às novas realidades.
À reboque desses investimentos, projetos, desenvolvimento econômico e mudanças
está, portanto, a população. No caso dos moradores da Vila de Ururaí, a desapropriação
acontece agora, depois décadas de ocupação da área, impulsionada pelo programa “Morar
Feliz” e também devido à necessidade de duplicação da rodovia. O Programa “Morar Feliz” é
um projeto habitacional de iniciativa municipal a partir dos royalties do petróleo do município
de Campos dos Goytacazes. Segundo dados da Prefeitura, o projeto beneficiou na primeira
etapa 5.100 famílias que moravam em áreas de risco ou em moradias insalubres em diversas
áreas do município, a exemplo dos moradores da Vila de Ururaí. No caso desses moradores,
63823
34652
28621
25508
20863
19476
9199
3664
3465
2892
12057
23619
25175
25304
14251
12891
321
646
240
971
0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000
Comércio; reparação de veículosautomotores e motocicletas
Construção
Educação
Serviços domésticos
Administração pública, defesa eseguridade social
Saúde e serviços sociais
Pesquisa e desenvolvimento
Atividades de informática e conexas
Seguros e previdência privada
Captação, tratamento e distribuição deágua
População empregada nos Setores de Atividade que mais cresceram no distrito sede de Campos dos Goytacazes/RJ (IBGE, 2000/2010)
2000
2010
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as novas casas entregues pela prefeitura se concentram nos bairros de “Tapera I” e “Tapera
II”. De acordo com a prefeitura, as casas utilizam materiais de primeira linha e possuem
infraestrutura completa, com ruas asfaltadas, rede de coleta de esgoto, de drenagem, calçadas
padronizadas e tratamento paisagístico, com plantio de mudas de árvores e quintais gramados.
Segundo alguns moradores da Vila de Ururaí, a abordagem a respeito da
desapropriação foi feita pela Prefeitura de Campos dos Goytacazes, através de assistentes
sociais, que foram conversar com os moradores, explicando sobre a situação de risco em que
se encontravam, sobre a obra de duplicação da rodovia e sobre o Projeto “Morar Feliz”. Eles
relataram que esses assistentes foram de casa em casa conversando com as famílias, fizeram
cadastro dos moradores e estipularam um prazo de seis meses para a efetivação da mudança.
Apesar desse tratamento a princípio respeitoso, os moradores relataram que no dia
previsto, vieram tratores destruindo as casas e impedindo que os moradores retirassem todos
os seus pertences, ou materiais de construção úteis. Um morador definiu o processo: “Vão
tirando as pessoas e tombando as casas”. Até a data do trabalho de campo, cerca de 400
domicílios já tinham sido demolidos, permanecendo ainda outras 600 famílias esperando a
desapropriação. Vale destacar que e desapropriação está sendo feita em função do terreno
(propriedade), não considerando famílias conviventes, o que irá se refletir em domicílios
superlotados, com baixa qualidade de vida, no local de reassentamento.
A segunda etapa do programa prevê a construção de mais 4.574 unidades
habitacionais em 24 localidades diferentes, às vezes distantes da origem dos moradores e do
centro urbano do município. Em campo, foi possível constatar que alguns moradores da Vila
de Ururaí demonstraram receio quanto a uma realocação distante dessa localidade. A maioria
das pessoas está ansiosa com a possibilidade de ir para uma casa nova num bairro planejado e
menos perigoso, pois a via ocasiona muitas mortes por atropelamento. Contudo, essas pessoas
não sabem exatamente para onde vão e ficam na dúvida de como será esse processo, se todos
serão contemplados e se poderão levar os animais domésticos e pequenas criações.
Em visita ao bairro “Tapera I” foi possível ver as condições das 390 casas entregues
pela prefeitura entre fevereiro e março de 2011. A primeira observação é que os moradores
ainda não receberam a escritura definitiva prometida pela Prefeitura, mesmo já tendo se
passado um ano da mudança. Com relação às casas, foi possível perceber que são geminadas
(Figura 8), ou seja, são colocadas duas famílias que não necessariamente se conhecem para
conviver num mesmo terreno, dividindo as paredes da casa. Isso pode gerar problemas de
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convivência, como relatado por alguns moradores, e ocasionar a construção de muros de
separação entre as duas casas (Figura 9).
Apesar disso, e de não virem mobiliadas, as casas são muito boas segundo os
moradores e cada um pode fazer modificações em suas casas. Quanto aos serviços
disponíveis, disseram que há uma unidade de saúde da família, uma creche e escolas
próximas, pagam luz e água, há esgoto e coleta de lixo; por outro lado, não há serviço de
correio, não existe uma praça ou qualquer outro tipo de lazer e falta sinalização de trânsito.
Figura 8: Casa geminada - Tapera (foto da autora). Figura 9: Casas na Tapera (foto da autora).
CONCLUSÕES
O processo de decadência do setor canavieiro no Norte Fluminense e mais
especificamente no município de Campos dos Goytacazes e o aquecimento de outros setores
da economia ficaram evidentes a partir dos dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010.
O cenário atual é de grandes mudanças para a região, com desenvolvimento econômico
trazido especialmente pelos novos investimentos e projetos infra-estruturais. Esse
desenvolvimento por sua vez, gera inúmeros impactos sobre o espaço e sobre a população que
se adapta à nova realidade da maneira que pode ou que é imposta a ela.
Assim, o governo do município de Campos dos Goytacazes, comprovadamente omisso
por décadas no caso dos moradores da Vila de Ururaí, é por esses, considerado como ótimo,
em virtude do recente esforço em retirá-los da área de risco e dar-lhes novas casas. Muitos
moradores entrevistados enaltecem as ações de seus representantes, sem saber que a ocupação
dessa localidade nem poderia ter sido efetivada e que eles deveriam ser assistidos pelo
governo há mais tempo e não agora em função dos interesses políticos e econômicos.
Casa geminada Muros construídos
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Foi possível perceber que a resistência da população está muito mais ligada à
adaptação a um novo lugar, do que à saída do lugar de origem, pois, por mais que tenham se
criado laços e relações afetivas com a Vila de Ururaí, as vantagens em sair dali são maiores
em função dos riscos impostos pela localização. Ficou evidente, portanto, que a realocação da
população foi acertada como positiva, não se identificando entre os moradores nenhum foco
de resistência. No entanto, é necessário ressaltar que o processo de expropriação dos
moradores ainda se configura num contexto de deslocamento compulsório, uma vez que é
arbitrário e produz um contingente populacional que não pode retornar ao seu local de origem.
A Vila de Ururaí constituiu-se ao longo do tempo, portanto, numa zona de total
descaso por parte do governo, à margem, não só da rodovia, mas também do restante da
sociedade. Inicialmente reduto de mão de obra trabalhadora da cana, atualmente se configura
como ilustração da quebra de paradigma que está acontecendo não apenas no município, e sim
em toda a região Norte Fluminense, onde a necessidade de se adaptar as demandas
econômicas e proporcionar infraestrutura para receber os novos empreendimentos da região
funciona como incentivo para a resolução de problemas sociais anteriores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A. W. B. de. Refugiados do Desenvolvimento – Os deslocamentos compulsórios de índios e camponeses e a ideologia da modernização. In: Revista Travessia: A Revista do Migrante (n°30/Maio – Agosto /96). CEFET/UENF/UFF/UFRRJ/UNIVERSO, Consórcio Universitário de Pesquisa da Região Norte Fluminense. Boletim técnico n.º 05/2001. Favelas/Comunidades de baixa renda do município de Campos dos Goytacazes. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Bases digitais e Banco Multidimensional de Estatísticas (BME), 2000/ 2010. NETO, R. S. Indústria e desenvolvimento na região Norte Fluminense: crescimento econômico e o problema da extrema heterogeneidade econômico-espacial no Estado do Rio de Janeiro. In: CARVALHO, A. M. de; TOTTI, M. E. F. (orgs). Formação histórica e econômica do Norte Fluminense. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. PAGANOTO, F.; PADILHA, F. A.; BECKER, O. M. S. Exclusão Social e Implicações Sócio-Ambientais: o caso da Vila de Ururaí em Campos dos Goytacazes/RJ. In: Anais do XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu, 2004.
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TUAN, Yi-fu . Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: Difle, 1983. Site pesquisado www.campos.rj.gov.br (Acesso em 14 de maio de 2012).
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INSTÂNCIAS DE PODER E CIRCUITOS DE MERCADORIAS: UMA HIPÓTESE
Lourenço Moreira Universidade Federal do Rio de Janeiro
lourencopmoreira@gmail.com
INTRODUÇÃO
Chamaremos de “Grupo Cosan”, a um grupo empresarial formado pela Cosan Limited
e pela Cosan Indústria e Comércio S.A. – controlada pela Cosan Limited (detentora de 62%
das ações da primeira) – incluindo todas as suas empresas subsidiárias (controladas e
associadas). Dentre essas subsidiárias destacam-se: Raízen Energia e Participações S.A e da
Raízen combustíveis S.A., joint ventures (literalmente “aventuras conjuntas”) entre o Grupo
Cosan e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell – com negócios em produção de açúcar, de
etanol e de energia elétrica, e em distribuição de combustíveis; a Radar Propriedades
Agrícolas S.A.; A Rumo Logística S.A.; a Cosan Lubrificantes e Especialidades S.A.; e a
“Cosan Alimentos”, do varejo do açúcar.
O grupo está em franca expansão de seu portfólio de serviços e produtos, recentemente
adquirindo ações de companhias terceiras. Segundo apresentação institucional divulgada na
área de relações com os investidores do site do grupo Cosan, os negócios em combustíveis e
lubrificantes e em açúcar e etanol representavam 78% do EBITDA (lucro antes de juros,
impostos, depreciação e amortização), relativos ao ano fiscal de 2012 (de 1 de abril de 2011 a
31 de março de 2012)I. Dados da UNICA, expostos no documento citado, indicam a liderança
da Raízen no mercado em termos de moagem de cana, com a fatia de 10,7% do mercado
brasileiro em 2011.
As diversas mercadorias do Grupo Cosan passam por diversas etapas, desde a
produção inicial até o consumo final. Os chamados circuitos espaciais da produçãoII se
referem à localização desse processo produtivo. O Grupo não somente comanda seus próprios
circuitos de firmas – com controle sobre todas as etapas - como acaba interferindo em
diversos circuitos, considerados no todo.
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A proposta deste artigo se baseia na hipótese de que tais circuitos decorrem de
instâncias de poder convergentes, imprescindíveis à existência dos circuitos; e de que,
portanto, tais circuitos são espaços de exercício de poder político, concentrado em
determinados agentes sociais – nossa atenção recai sobre o Grupo Cosan. Em outras palavras,
talvez possamos enxergar nos circuitos territórios em rede, cuja origem e manutenção
dependem daquele poder. Pretendemos, assim, pesquisar sobre essas instâncias, cujo poder
está incorporado em certos circuitos.
O TERRITÓRIO E OS CIRCUITOS DE MERCADORIA
O território é um espaço de exercício de poder político. São, pois, relações sociais de
poder que o definem. Tal poder político é um “investimento coletivo”. É necessário
consentimento – ainda que forçado – uma vez que um agente individualmente não tem poder
político algum, carece de legitimidade. A pergunta de fundo essencial, enquanto estudarmos o
território é, portanto, “quem domina, governa ou influencia quem nesse espaço, e como?”
(SOUZA, 2006, p.335-6).
Tradicionalmente na geografia, a acepção do termo território é a do exercício de poder
sobre uma área contínua, sobre uma superfície material. Em contraste, SOUZA (1995,82-99)
propõe chamarmos territórios descontínuos a territórios que, em certa escala de análise,
apresentem a configuração de uma rede – de nós conectados por linhas. Esse autor faz a
importante ressalva de que “[...] cada território descontínuo é, na realidade, uma rede a
articular dois ou mais territórios contínuos.” (SOUZA, 1995, p.93). SOUZA dá o exemplo de
territórios do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
Pensemos, por exemplo, no transporte de cana-de-açúcar de uma plantação para uma
usina de moagem. Em determinada escala geográfica de análise - a de uma unidade da
federação no Brasil, digamos – as usinas serão representadas como pontos, e tanto as
rodovias, quanto os fluxos de caminhões carregados com cana, aparecerão como linhas. Se,
no entanto, aproximarmos nossa visada analítica (é como dar um “zoom”) veremos,
empiricamente, tanto as usinas, quanto as rodovias e caminhões, ocuparem uma área da
superfície terrestre.
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Os circuitos de mercadorias, abrangendo todas as suas etapas, da obtenção de matéria-
prima até o consumo final, só podem ser tomados no todo em certa escala de análise, em que,
quase necessariamente, aparecerão como redes - ainda que a análise possa incluir um nível de
detalhes que considere os territórios contínuos, que, articulados, formam um território em
rede. Mas, para não perdermos a visão integral do circuito, deveremos considerar as
articulações das etapas, cada qual um território individual.
Considerando, em acordo com a proposta de SOUZA (1995, p. 99), a territorialidade
como “aquilo que faz de um território um território”, sustentemos a hipótese de que certas
relações sociais de poder definem um circuito espacial de produção - um fluxo material de
mercadorias operando sobre um substrato também material – como um território em rede.
Parte dessas relações são engendradas em instâncias de poder ou domínios
institucionais que de alguma maneira guardam relação com o Grupo Cosan. Nossa tarefa aqui
será sugerir como a Cosan participa dessas instâncias; e como outras instâncias, das quais o
Grupo não participa diretamente, têm implicações nos circuitos de firmas do Grupo. Tais
circuitos seriam a materialização desses de poderes políticos convergentes, emanados em
grande parte dessas instâncias.
ORDEM ADMINISTRATIVA E ORDEM REGULADORA
A despeito da enorme dificuldade em identificar uma grande corporação
contemporânea tal qual o Grupo CosanIII , podemos afirmar, em linhas gerais, ser composta
por associações de empresas, as quais estão submetidas a toda uma hierarquia administrativa,
e a toda uma hierarquia regulatória.
Cada uma dessas associações de empresas constituem uma “[...] relação associativa
cujo quadro administrativo age continuamente com vista a determinados fins” (WEBER,
p.32), e cujos “[...] objetivos e as mudanças de objetivos modelam e remodelam de forma
infinita a estrutura dos meios [a serviços desses objetivos].” (CASTELLS, 1999, p.191)
Existem, para efeitos de generalização, duas “ordens” gerais cuja vigência se impõe
sobre as associações de empresas do Grupo Cosan: uma ordem administrativa e uma ordem
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reguladora. “Denominamos ordem administrativa uma ordem que regula a ação associativa.
Àquela que regula outras ações sociais, garantindo aos agentes as possibilidades que provém
dessa regulação, denominamos ‘ordem reguladora’” (WEBER, 2009 [1972]).
As relações associativas da Cosan Indústria e Comércio S.A., por exemplo, são regidas
por um Estatuto Social definido, e dirigidas por um quadro administrativo hierarquizado. Esse
quadro é composto por um conselho de administração, por comitês estatutários e consultivos,
uma diretoria executiva e por um conselho fiscal. Ademais, existe uma política de
“governança corporativa”, isto é, de relação entre investidores e gestores com poder de
regulaçãoIV – afinal a Cosan S.A. é uma sociedade por ações de capital aberto. A grosso
modo, define-se por essas vias uma ordem administrativa endógena ao Grupo.
Além disso, o Grupo mantém associações com diversas instituições, nas quais
participa instaurando uma ordem reguladora que incide sobre seus circuitos. Vejamos alguns
exemplos de vínculos institucionais instrumentais à geração e à manutenção dos circuitos.
ALGUMAS INSTÂNCIAS INSTITUCIONAIS DE DOMINAÇÃO
A União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica) talvez seja o maior órgão privado
de representação do setor sucroenergético (açúcar, etanol e energia elétrica derivada da cana).
À Unica subordinam-se dois sindicatos patronais: Sindicato da Indústria da Fabricação do
Álcool no Estado de São Paulo (Sifaesp) Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São
Paulo (Siesp) – “que representam, respectivamente, as indústrias de açúcar e álcool no Estado
de São Paulo perante as autoridades administrativas, legislativas e judiciárias do País”.V À
associação setorial (Unica) estão associadas 130 usinas, que respondem por 60% do açúcar e
por 50% do etanol produzidos no Brasil, segundo o site oficial da instituição. Todas as atuais
24 usinas da Raízen estão associadas à Unica.
Atualmente (julho de 2012), consta no site, representantes da Raízen ocupam 5
cadeiras no conselho deliberativo da Unica e uma no conselho fiscal. Portanto, a princípio, o
poder de deliberação da Raízen na Unica é menor apenas que o da Copersucar S.A.. Ademais,
um membro Raízen ocupa ainda os cargos de secretário do Conselho Administrativo e Fiscal
tanto do Siesp quanto do Sifaesp.
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Em outra instância, a Unica compõe o CONSECANA-SP (Conselho dos Produtores de
Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), em conjunto com a ORPLANA
(Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil). Esse conselho
encarrega-se de mediar a relação entre usineiros e plantadores, no setor sucroenergético –
especialmente definindo o valor a ser pago pela cana-de-açúcar com base no teor de sacarose,
medido pelo indicador Açúcar Total Recuperável (ATR). Representando a Unica, a Raízen
conta com dois membros na diretoria do CONSECANA-SP além de mais um membro na
Câmara Técnica (CANATEC), que assessora a diretoria nas questões técnicas e econômicas.
O SINDICOM (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e
Lubrificantes), congrega as maiores companhias do setor - responsáveis por 79% das vendas
de combustíveis no Brasil (SINDICOM, 2011, p.10) – entre as quais a Raízen e a Cosan
(Esso), ambas participantes do Grupo Cosan. Segundo Balanço próprio, além de exercer “[...]
a representação das associadas perante governos, agentes do mercado e sociedade, o Sindicom
promove o debate de temas comuns às empresas nas áreas jurídica, tributária, operacional e
logística [...]” (idem, p.5).
Segundo o mesmo Balanço, em 2011, o Grupo Cosan contava com dois membros
(dentre seis) no conselho consultivo SINDICOM, um deles também diretor operacional da
área de lubrificantes do sindicato. Outro membro Cosan ocupava, ainda, o posto de diretor
operacional de “abastecimento/regulamentação” do sindicato – a Cosan, portanto, ocupava
dois dos seis cargos de diretores operacionais.
A UDOP (União dos Produtores de Bioenergia), instituição privada, presta diversos
serviços aos agentes dos setores de açúcar, álcool e biodiesel, dentre os quais divulgação de
legislação atinente aos setores, reunião de inúmeras estatísticas e notícias que possam
interessar, e realização anual do “Congresso Nacional de Bioenergia” - que, em 2011, reuniu
mais de mil representantes de usinas. Ainda, a UDOP mantém uma universidade corporativa,
promotora de alguns cursos de aperfeiçoamento tecnológico e de pós-graduação, voltados
para profissionais já atuantes nesses setores.
Na UDOP, a função de diretora tesoureira está ocupada por uma gerente de
administração regional da Raízen (site da UDOPVI, no tópico “estrutura administrativa”). Seis
das usinas da Raízen estão associadas à UDOP.
A “Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro”
(RIDESA) é uma parceria público-privada que congrega 10 universidades federais brasileiras
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em parceria com mais de 300 empresas do setor. A RIDESA leva a cabo o Programa de
Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar (PMGCA), e em 2010 já havia liberado, no total
acumulado, 78 variedades trabalhadas geneticamente, 13 delas somente naquele ano
(RIDESA, 2010).
De acordo com documento da RIDESA, em 2010 estavam listadas 18 usinas Cosan –
todas hoje sob a rubrica Raízen -, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). Dentre as 18 usinas, 2 alojavam subestações experimentais do PMGCA/UFSCar.
(RIDESA, 2010).
Outra publicação da RIDESA mostra a importância das variedades chamadas “RB”
(República Federativa do Brasil), liberadas pelas Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES) participantes da RIDESA nos plantios Raízen: embora a metodologia não esteja clara,
um gráfico intitulado “Censo Varietal Grupo Raízen safra 2011/12”, indica 66% de
participação de variedades RB nos plantios de usinas Raízen – informação divulgada no site
do PMGCA/UFSCar, no “Catálogo Nacional RIDESA – Parte IIVII . Mesmo se considerarmos
essa informação imprecisa, ao menos está sugerida a suma importância do PMGCA para a
Raízen.
O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) é outra importante instituição de pesquisa e
de inovação tecnológica direcionada ao sucroenergético. Em janeiro de 2011 o CTC deixou
de ser uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) – sem fins lucrativos
– e se tornou uma Sociedade Anônima (S.A.) – com fins lucrativos. Segundo reportagem de
março de 2012, a Raízen era sócia do “novo” CTC, com 19% das açõesVIII .
Na mesma reportagem se afirma: “[...] o CTC está em fase de contratação de recursos
no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para construir uma
usina de demonstração de etanol celulósico (fase pré-comercial)”. O CTC teve planos de
negócio selecionados para financiamento pelo BNDES, através do PAISS (Plano de Apoio à
Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico), iniciativa
conjunta do BNDES e da Finep. Os recursos totais do PAISS – não só para o CTC - são da
ordem de R$ 1,1 bilhão para pesquisas com etanol celulósico e mais R$ 1 bilhão para “novos
produtos da cana-de-açúcar” (R$ 900 milhões) e “gaseificação” (R$ 100 milhões)IX.
Mais exemplos de cooperação entre o BNDES e o Grupo Cosan podem ser citados.
Em 2010 foi aprovado pelo BNDES um financiamento de R$ 614 milhões à subsidiária Cosan
Operadora PortuáriaX. Em um comunicado ao mercadoXI, de 29 de junho de 2009, a Cosan
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anunciou a aprovação de um financiamento – pelo BNDES - de R$ 639 milhões para a
implantação da usina em Jataí (GO) – hoje em operação –, e também um aporte de R$ 149
milhões destinados ao projeto de geração de energia elétrica na usina de Gasa, em Andradina
(SP).
O BNDES financia, ainda, um sistema logístico para o transporte de etanol que inclui
1.300km de “dutovia” ou “etanolduto” (duto condutor de etanol), além de uma hidrovia, e
abrange cinco estados da região Centro-Sul. O projeto faz parte do PAC (Programa de
Acelaração do Crescimento). A Logum Logística S.A. é a empresa responsável pela
construção e pela operação do sistema. A Raízen detém 20% das ações da LogumXII .
A lista de exemplos de ligações institucionais do Grupo Cosan poderia se estender
ainda muito, porém não seria possível estendê-la nos limites deste pequeno artigo. Os
exemplos já foram suficientes para os nossos propósitos. Vale mencionar, no entanto,
algumas instituições nacionais reguladoras, cuja atuação incide sobre as atividades do Grupo
Cosan: Agência Nacional do Petróleo (ANP), que regula a economia dos combustíveis no
Brasil; e Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS
A pequena lista de exemplos acima é suficiente para mostrar como o Grupo Cosan
pode concentrar poder político o suficiente para, em alguma medida, garantir seus interesses
da exploração econômica consubstanciada em seus circuitos espaciais de mercadorias. O
poder de disposiçãoXIII sobre certas utilidades, sobre certos recursos - isto é, a possibilidade
de empregá-los à vontade, sem interferência de terceiros – é garantido pela legitimidade de
ordens administrativas e reguladoras vigentes. Na vigência de algumas ordens, que orientam
inúmeras ações e relações sociais, o Grupo busca aumentar suas margens de deliberação e de
negociação. A rigor, trata-se de uma dominaçãoXIV assegurada em certas instâncias
institucionais.
Neste breve artigo não pudemos descrever os inúmeros circuitos espaciais de
mercadoria relacionados ao Grupo Cosan – p.ex. circuitos de lubrificantes, de combustíveis
fósseis, de etanol, de açúcar, e de energia elétrica. Em alguns desses circuitos o Grupo tem a
capacidade de comandar todas as etapas produtivas, desde a produção e obtenção de matérias-
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primas até a venda ao consumidor final, engendrando circuitos próprios. Em outros, o Grupo
toma parte em apenas algumas etapas.
Outros assuntos ficaram de fora, entre os quais destacamos: a ideologia gerada nas
mencionadas instituições, legitimadora dos circuitos; a capacidade de intervenção no
substrato espacial material através de instrumentos de engenharia que podem adicionar novos
objetos ao substrato; a capacidade de conferir novas funções aos objetos prévios do substrato;
o processo de expansão do Grupo Cosan, tanto em termos de ampliação de seu aparato
produtivo (usinas, terminais de distribuição, unidades de varejo, etc.), quanto em termos de
fusões e aquisições com/de outros grupos empresariais.
O estudo desses assuntos pode trazer à baila novos fatores para explicarmos “quem
domina, governa ou influencia quem em certos circuitos espaciais de mercadorias, e como”.
As causas explicativas do exercício do poder do Grupo Cosan sobre tais circuitos podem ser
buscadas no âmbito de instituições, como as citadas acima. Assim poderemos entender,
sempre parcialmente, a territorialidade de um circuito, em outras palavras, a trama de
relações sociais de poder que o definem como um substrato operacional. A proposta deste
estudo é destacar o quão central é o Grupo Cosan em determinado circuito, o quanto o Grupo
é responsável pela territorialidade do circuito, pois o Grupo deve ser o “centro de gravidade”
da interpretação.
Os circuitos espaciais de produção como um todo, são comandados pelos chamados
círculos de cooperaçãoXV, por fluxos de informações (capitais, ordens, mensagens) entre
agentes determinados. Cabe-nos descobrir quem são esses agentes, quais suas relações com o
Grupo Cosan, e qual é a intensidade do comando do Grupo sobre os circuitos. Essa é uma
tarefa a ser estendida para a elaboração de nossa dissertação de mestrado, pelo PPGG/UFRJ.
Assim, talvez possamos confirmar a nossa hipótese - e este artigo já trouxe alguns indícios -
de que o Grupo Cosan tenha um papel político dominante na definição de um território em
rede cuja materialização seriam os próprios circuitos.
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NOTAS
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I Cosan Presentation, Maio de 2012. Disponível em: <http://www.cosan.com.br/cosan2011/web/arquivos/Cosan_Apres_Institucional_PT.pdf> Acesso em 02 de junho de 2012.
II Conferir, a uma “radiografia” das ideias referentes ao circuito espacial da produção em CASTILLO e FREDERICO (2010). III A esse respeito conferir O’NEILL (2003). IV Consultar o diretório de “relação com os investidores” no site da Cosan: http://www.cosan.com.br/cosan2011/web/index_pt.html V Disponível em: < http://www.unica.com.br/quemSomos >. Acesso: 08 de julho de 2012. VI < http://www.udop.com.br/ > VII Disponível em:< http://pmgca.dbv.cca.ufscar.br/htm/downloads.php>. Acesso: 2 de julho de 2012. VIII CTC terá mais recursos para pesquisas com cana-de-açúcar. Valor Econômico. 29 mar.2012. Empresas. Disponível em:< http://www.valor.com.br/empresas/2592972/ctc-tera-mais-recursos-para-pesquisas-com-cana-de-acucar#ixzz1yoqCbi63> Acesso: 25 jun. 2012. IX Etanol celulósico terá R$ 1,1 bi do BNDES. Valor econômico. 20 jan. 2012. Empresas. Disponível em: < http://www.valor.com.br/empresas/2492300/etanol-celulosico-tera-r-11-bi-do-bndes#ixzz1yp3vf1dR> Acesso: 12 mar.2012.
X Cosan levanta mais R$ 614 milhões do BNDES para investimentos da Rumo.Valor Econômico. 4 ago. 2010. Arquivo. Disponível em:< http://www.valor.com.br/arquivo/672633/cosan-levanta-mais-r-614-milhoes-do-bndes-para-investimentos-da-rumo#ixzz20VlzdkGP> Acesso em 13 jun. 2012. XI Disponível em: <http://www.cosan.com.br/cosan2011/web/arquivos/Cosan_comunicado_20090625_port.pdf > Acesso: 10 fev.2012. XII Disponível em:< http://www.logum.com.br> Acesso: 15 de junho de 2012. XIII Sobre “poder de disposição”, conferir, p.ex., WEBER (2009 [1972]), na nota de rodapé 1, da pág. 43. XIV “Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis.” (WEBER, 2009 [1972], p.33) XV Ver SANTOS e SILVEIRA (2002) _________________________________________________________________________________________________________________
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CASTILLO, Ricardo e FREDERICO, Samuel: Espaço geográfico, produção e movimento: uma reflexão sobre o conceito de circuito espacial produtivo. Sociedade e Natureza, 22 (3), 461-474. Uberlândia, 2010.
O’NEILL, Phillip. Where is the corporation in the geographical world? Progress in Human Geography , 27, 6, p.677-680, 2003. Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro. Liberação nacional de novas variedades “RB” de cana-de-açúcar. Curitiba, 2010. 64 p.
SANTOS, M. e SILVEIRA, M. L. Os atuais círculos de cooperação, conseqüência dos circuitos espaciais da produção. In: SANTOS, M. e SILVEIRA, M. L. Brasil: território e sociedade no início do século XXI. cap. IV, p.143-165. Rio de Janeiro: Record, 2002.
SINDICOM, Balanço Anual. 2011. Disponível em:
<http://www.sindicom.com.br/pub_sind/media/balanco_2011_miolo.pdf> Acesso em 15 de junho de 2012.
SOUZA, Marcelo Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: Castro, I.E. de et.al. (orgs.): Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
----------. A prisão e a ágora. Reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009 [1972].
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LOGÍSTICA DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ETANOL EM G OIÁS: DESAFIOS ATUAIS E FUTUROS EM BUSCA DE COMPETITIVIDA DE
Wanderson Rosa Z. Da Silva Universidade Federal do Rio de Janeiro
w.silva@ufrj.br
INTRODUÇÃO
Goiás tem sido um dos estados que mais vem atraindo investimentos no setor
sucroenergético, ampliando sua produção consideravelmente nos últimos anos. Segundo
dados da UNICA (2010), o estado saltou de quinto maior produtor de etanol do Brasil em
2005/6 para segundo em 2010/11, sofrendo um aumento de 298% em sua produção, atrás
somente de São Paulo. Apesar deste ainda manter-se em primeiro lugar, a produção paulista
enfrenta grandes dificuldades para se expandir no estado, entre elas, o alto custo das terras.
Por esse motivo os produtores de etanol de São Paulo expandem sua produção em dois
eixos centrais, um para o sul e outro para o centro-oeste. Neste contexto, Goiás apresenta
inúmeros fatores atrativos como: o baixo custo das terras, topografia apropriada à
mecanização e características climáticas favoráveis à cultura da cana-de-açúcar, entre outros.
Esse conjunto de fatores contribui para o crescimento da produção goiana e o volume de
investimentos pode ser verificado, entre outros fatos, pelo crescente número de usinas que em
2011 chegou a 35 unidades industriais, havendo ainda projetos de instalação de mais 27
unidades no estado.
Atualmente, a produção de Goiás é bem superior à demanda local, assim, o excedente
é exportado para o sudeste e para o mercado externo, estabelecendo um maior distanciamento
entre centro produtor e os centros consumidores de etanol, gerando um grande entrave, pois o
custo do transporte deixa o produto menos competitivo. Para minimizar estes efeitos
negativos são necessários grandes investimentos em uma logística cada vez mais eficiente,
dada a importância da circulação para o circuito espacial produtivo. Por esse motivo, este
trabalho se propõe a analisar quais são e como estão organizadas as novas possibilidades
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logísticas presentes atualmente em Goiás, de modo a conferir fluidez ao escoamento de
etanol.
A problemática será discutida ao longo deste trabalho à luz do conceito de circuito
espacial produtivo (Santos, 1986), procurando relacionar os processos desde a produção de
etanol até o consumo, e do conceito de logística (Castilho, R. 2007), para perceber a parcela
de importância da racionalização da circulação logística dos modais de transporte para esse
circuito. Foram utilizados dados secundários obtidos em diferentes instituições, como o
SIDRA-IBGE, UNICA, UDOP, SEPLAN-GO, ESALQ, SIFAEG, buscando, através da
sistematização deles identificar os principais atores envolvidos e como estes estão distribuídos
no espaço. Também foram utilizados dados primários obtidos em trabalho de campo na região
pelo grupo de pesquisa NUCLAMB (Núcleo de Estudos Geoambientais) no primeiro
semestre de 2011, para entender como os atores se relacionam dentro do circuito.
UMA ABORDAGEM TEÓRICA: CIRCUITO ESPACIAL DA PRODUÇÃ O E
LOGÍSTICA
Em seu conceito de circuito espacial da produção Milton Santos (1986) enfatiza a
centralidade da circulação e a necessidade de se compreender o processo produtivo desde seu
início, a produção, até o seu fim, que é o consumo, e a partir disso entender como o espaço
condiciona e se reorganiza de acordo com as relações existentes entre os diferentes atores
dentro e fora do processo de produção.
Dentro desse circuito espacial, a circulação tem um papel de grande importância, que é
fazer a ligação entre as partes do processo produtivo. Em uma economia dinâmica e altamente
competitiva a circulação deve ser coerente a fim de tornar o produto competitivo no mercado.
Nesse contexto a logística surge no processo de racionalização dos fluxos dentro do circuito
espacial produtivo, entendendo logística como um conjunto de competências infra-estruturais,
institucionais e estratégico-operacionais (Castilho, 2007) que, combinados, proporcionam
maior fluidez ao processo produtivo.
Esses conceitos aplicados ao processo de produção de etanol fornecem subsídios para
entender a espacialidade das relações de produção e de circulação dentro do circuito, pois no
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complexo circuito de produção de etanol, onde a diversidade atores e fatores de ordem
econômica, política e natural interferem no modo de produção e também influem na fluidez
da circulação, condicionando-a, atrelando ou diminuindo valores ao produto. Portanto, através
da identificação dos fixos e dos fluxos materiais e imateriais e ao compreender os usos e a
organização do território pelos atores ali envolvidos se torna possível identificar as
possibilidades logísticas disponíveis para a distribuição de etanol em Goiás.
INTERAÇÕES E RELAÇÕES LOGÍSTICAS ENTRE OS ATORES NO CIRCUITO
O circuito espacial da produção de etanol em Goiás é composto por diversos agentes
que se relacionam entre si em diferentes etapas do processo, que estão dispersas
espacialmente e ao mesmo tempo altamente integradas pelos mecanismos de circulação e de
comunicação. O fluxograma abaixo mostra as relações entre os diferentes setores e etapas do
processo produtivo.
Pela complexidade do circuito, essa integração entre os atores demanda infra-
estruturas e serviços especializados cada vez mais eficientes e, por isso, o planejamento e
Estado (benefícios
fiscais,
Fornecedo
res de
Cooperati
vas
Setores
Agrícola
Industrial
Regulatório
Distribuidor
Fornecedo
res sócios
das usinas
Distribuiçã
o/
consumo
intermedi
Associaç
ões
setoriais Conseca
na
(UNICA +
Produção
em terras
arrendada
Produção
em terras
da própria
Fornecedor
es
independe
Fornecedo
res
integrados
de cana-de
Montad
oras de
usinas /
prestadoTrading
(comercializ
ação) Usina
Processame
nto
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execução logística dos fluxos dentro circuito é de suma importância para mantê-lo coeso
interna e externamente.
Na etapa agrícola da produção de etanol a centralidade da circulação já se encontra
evidente em dois momentos: no transporte dos insumos agrícolas até a usina e no transporte
da cana-de-açúcar até a usina. Em Goiás, como a maioria das usinas produzem em terras
próprias ou arrendadas dos fornecedores, a própria usina se encarrega de realizar o transporte
nesses dois momentos. O transporte é terceirizado em ambos os casos, e é feito todo pelo
modal rodoviário, a recepção de insumos agrícolas é usualmente realizada através da BR-364
e SP-326, levando em torno de 10h por aproximadamente 800 km, resultando no
encarecimento do frete e ficando a carga sujeita a enormes perdas, tanto de qualidade como de
quantidade. No entanto, essas viagens são necessárias porque as empresas de fornecedores de
insumos estão concentradas em São Paulo, como o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) e
o IAC (Instituto Agronômico de Campinas).
O processo de transporte da cana-de-açúcar da área agrícola até a usina é um gargalo
logístico muito comum para as usinas, pois geralmente as estradas no entorno estão em
condições muito precárias e dificultam o transporte, sendo esse um dos motivos pelos quais as
usinas em Goiás têm que se manter em um raio entre 25 e 40 km da plantação para que se
torne rentável o transporte. Outro fator que influi nessa distância é a concentração de ATR
(Açúcar Total Recuperável), pois com o decorrer do tempo a cana-de-açúcar perde teor de
sacarose, ocorrendo perda de ATR; por esse motivo não há armazenagem ou estocagem de
cana-de-açúcar, a qual, depois de colhida, é levada diretamente para a usina onde
imediatamente começa o processamento industrial para produção de etanol. Para isso, o fluxo
de caminhões que chega e que sai do campo e da usina é monitorado por operadores logísticos
24h por dia, pois as moendas não podem ficar sem cana-de-açúcar para moer. Para manter
essa fluidez, outras soluções logísticas operacionais são utilizadas, como softwares de
controle de fluxos e monitoramento via satélite dos caminhões. Essa relação dinâmica da
logística de transporte entre o campo e a usina provoca transformações intensas no espaço no
entorno da usina.
Na etapa industrial a intralogística, entendendo esta como uma logística interna de
armazenagem e movimentação, merece destaque, pois é muito exigida dentro das usinas e
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provoca mudanças significativas no espaço agrário, pois tem impactos diretos na condição e
exploração de recursos naturais necessários a produção de etanol; nas usinas, o procedimento
mais disseminado é o de Circuitos Fechados de Produção.
Nesse desse circuito, a técnica e a informação têm papéis fundamentais no controle
dos fluxos, pois todo o sistema é automatizado e informatizado. O primeiro é o circuito
fechado da água, onde durante o processo a água captada na lavagem da cana-de-açúcar nas
moendas é canalizada e filtrada; a partir daí essa mesma água é vaporizada nas caldeiras e
condensada em canos que percorrem toda a usina, podendo ser reutilizada em vários outros
processos até retornar à lavagem da cana-de-açúcar novamente, reduzindo essa operação de
30 a 40% a captação de água das usinas. Outro ciclo é o dos subprodutos que antes eram
descartados e atualmente retornam para o início do processo, ou seja, são reincorporados pelo
processo produtivo. São eles: a vinhaça, a torta de filtro e o bagaço. Os dois primeiros são
reutilizados na etapa agrícola, a torta de filtro como adubo e a vinhaça como fertilizante,
tendo esta última impactos positivos na produtividade da lavoura de cana-de-açúcar, porém
afetando negativamente lençóis freáticos, interferindo em outras plantações e nas
propriedades químicas do solo. O bagaço é utilizado para geração de energia menos poluente
para o uso da usina e até mesmo para exportação de excedentes.
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A POSSIBILIDADE ATUAL DE ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO
Concluída a etapa industrial, a armazenagem inicial do etanol acabado é feita em
tanques que variam de 5 a 40 milhões de metros cúbicos de capacidade, dentro da planta
industrial da própria usina, economizando tempo e custos com eventuais transportes até
armazéns localizados em áreas fora da usina. A partir daí se dá a etapa de distribuição do
etanol para o consumo: Goiás que, por estar localizado no Centro-Oeste do Brasil, encontra
grandes dificuldades nesta etapa do processo, pois seu principal mercado consumidor é São
Paulo.
Este distanciamento entre o centro produtor e o consumidor acarreta a necessidade de
equipamentos logísticos de transporte mais eficientes para o escape da produção goiana.
Atualmente, o processo de escoamento de etanol de modo geral está organizado da seguinte
maneira: após a armazenagem na etapa industrial, a produção pode ser transportada por dois
caminhos denominados de fluxos primários e secundários, chamados assim dependendo do
tipo de base que o fluxo segue. As bases podem ser primarias (próxima dos centros
consumidores) ou secundarias (próximas dos centros produtores). Ainda atrelados a esse
processo de escoamento existem os fluxos de transferências, que é o transporte entre as bases
e/ou centros coletores, e por ultimo o fluxo de entrega, são os que seguem até os pontos de
vendas diretas ao consumidor.
Atualmente em Goiás, do processo de transporte de etanol, da usina até o consumo,
70% é realizado exclusivamente pelo modal rodoviário em Goiás, sendo o principal motivo a
Estrutura de Escoamento de Etanol
Fonte: Mitsutani, 2010
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proximidade estratégica entre as usinas e as bases, e também pela necessidade de flexibilidade
na distribuição para os pontos de venda diretos ao consumo. Melhor dizendo, os fluxos
primários e secundários são realizados pelo modal rodoviário pelas curtas distâncias e os
fluxos de entrega são realizados da mesma maneira, admitindo-se os altos custos, pela
necessidade de flexibilidade no procedimento de entrega. Já o fluxo de transferência entre o
centro coletor ou uma base para outra é realizado em Goiás pelo modal dutoviário, pela
característica do mercado goiano que é em grande parte voltada para o consumo no Centro-
Sul do país, em especial para São Paulo.
Essa característica da atual organização logística do circuito espacial produtivo do
etanol em Goiás imprime profundas transformações no espaço goiano a partir do momento
em que a necessidade de fazer circular produz organizações distintas do território para
proporcionar fluidez à produção. Portanto, há uma caracterização do território goiano em
função da circulação, apresentada no mapa abaixo.
Traçado do duto atual, e do futuro etanolduto.
Fonte: ANP
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Em primeiro lugar, como o fluxo primário em Goiás é realizado pelo modal
rodoviário, as usinas se concentram próximo das principais rodovias da região. Segundo, pela
precariedade das rodovias no entorno da usina, a plantação não pode ficar muito distante da
usina, por esse motivo as áreas onde estão as usinas também são as principais áreas de
concentração da cana-de-açúcar da região. E terceiro, a disposição da base coletora, que faz a
coleta para o duto da REPLAN, para escoar a produção para o resto do Centro-Sul e para o
exterior, se adaptou a uma característica já existente no território goiano que é o
entroncamento das principais rodovias do estado na sua capital; por isso, a base foi instalada
em Senador Canedo, localizado ao lado de Goiânia, para se aproveitar dessa pré-disposição
espacial.
AS NOVAS POSSIBILIDADES LOGÍSTICAS: OS DESAFIOS FUTUROS
Apesar da logística de exportação de etanol de Goiás dar conta do escoamento nos
padrões atuais de produtividade, a produção goiana se encontra ainda em expansão para
atender a crescente demanda nacional e internacional. Isso se verifica principalmente na
quantidade de unidades industriais, atualmente 35 e mais 27 em instalação, projetando-se para
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2018 que a quantidade de usinas na região chegue a 81 unidades (ÚNICA, 2012). Esse
crescimento significa que serão necessários novos equipamentos logísticos para manter a
competitividade do etanol goiano no mercado; Goiás tem projetos em pauta e já em execução
que, em termos de ganhos em competitividade, prometem ser eficazes por utilizarem dois
novos conceitos em logística no setor, a multimodalidade e o transporte dutoviário.
Primeiramente, a construção de um álcoolduto com capacidade de 12,9 milhões de
metros cúbicos de etanol por ano, que ligará o terminal de Senador Canedo-Go até o porto de
São Sebastião-SP, com uma ramificação vinda de Mato Groso passando por Jataí e
Quirinópolis antes de se ligar ao álcoolduto. A vantagem desse tipo de transporte está na
capacidade elevada de transporte, nos baixos custos operacionais e de manutenção, porém a
principal preocupação desse tipo de investimento é justamente a sua grande capacidade de
transporte, ou seja, a produção de etanol de Goiás tem que ser condizente com a capacidade
de transporte do duto. Para um estado ainda em expansão, como é o caso de Goiás,
estabelecer uma produção que torne o investimento viável requer uma consolidação
econômica, política e estrutural do setor no estado e, ainda, como o etanol tem uma etapa
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agrícola de produção, a quantidade produzida é altamente dependente do quadro físico da
região, principalmente das condições climáticas. Essas duas variáveis, entre outras, podem
interferir na viabilidade de um álcoolduto, pois para esse tipo de investimento a produção
deverá ser elevada e constante. Apesar de a produção goiana continuar crescendo, esta ainda é
muito baixa se comparada ao estado de São Paulo, para tornar rentável um projeto dutoviário
dessas proporções.
Comparativo de safra entre Goiás e São Paulo
Estado/Safra 2004/2005 2005/2006 2006/2007 2007/2008 2008/2009 2009/2010 2010/2011 2011/2012
Goiás 717 729 822 1.214 1.726 2.196 2.895 2.677
São Paulo 9.107 9.963 10.910 13.325 16.722 14.912 15.354 11.598
Fonte: UNICA (elaboração: Wanderson Silva)
Outra possibilidade é o projeto de reestruturação da hidrovia Tietê-Paraná para ligar o
Porto de São Simão, que fica ao sul de Goiás, até Paulínia em São Paulo. Ela se integra às
ferrovias, rodovias e dutovias, formando um sistema multimodal de transportes extremamente
vantajoso e competitivo, pois reduziria o custo do transporte da produção de etanol em até
30% (AHRANA, 2011). Essa reestruturação promete aumentar a capacidade de transporte dos
atuais 6,5 milhões de toneladas/ano para 13,1 milhões de toneladas/ano (AHRANA, 2011) e
reduzir consideravelmente o tempo de travessia através de um sistema mais eficiente de
eclusas e obras de conformação e adequação do canal para embarcações maiores e mais
velozes.
E, por último, a possibilidade de uso da Plataforma Logística Multimodal de Anápolis,
que pretende integrar os modais ferroviário, aeroviário e rodoviário, incluindo um porto seco
com serviços logísticos de armazenagem, transbordo e outros. Anápolis é uma cidade que
fica entre duas capitais (Brasília e Goiânia), geograficamente está situado numa posição
central do estado, e logisticamente numa posição avantajada, pois está em um entroncamento
de modais rodoviário (BR-060, BR-153, BR-414, GO-222, GO-320 e GO-330) e ferroviário
(Ferrovias Centro-Atlântica e Norte-Sul), vai se beneficiar com as obras de ampliação do
aeroporto de Anápolis, o que possibilitará o pouso e decolagem de aviões cargueiros de
grande porte e, para os produtores de etanol de Goiás, há uma proximidade e vias de ligação
entre a Plataforma e o centro coletor de Senador Canedo, podendo beneficiar a coleta de
Unidade: m³
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etanol dos municípios através daquela. Além desse leque mais amplo de meios para a coleta
de etanol dos municípios, a plataforma logística multimodal de Anápolis oferece ao setor uma
diversificação e maior acessibilidade a mercados externos que, atualmente, são pouco
explorados em função da inviabilidade econômica do atual sistema de escoamento de etanol
de Goiás, baseado no sistema rodoviário. Essa plataforma pretende interligar, através de
integrações entre modais e principalmente pelo uso de ferrovias como a Centro-Atlântica e a
Norte Sul, portos secos, marítimos e terminais hidroviários em várias partes do Brasil. Segue
abaixo o mapa de fluxos possíveis para a produção sucroenergética goiana, caso se confirme a
pretensão desse tipo de equipamento logístico para o setor.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção sucroenergética em Goiás está em expansão, porém para se manter em um
nível de competitividade aceitável no mercado ainda tem que superar grandes dificuldades em
termos de infra-estrutura logística para a consolidação do setor na região, como:
reestruturação das rodovias para a busca de cana-de-açúcar em localidades mais distantes e
novas opções de escoamento da produção que garantam a acessibilidade de mercados
atualmente pouco explorados. Essa situação só demonstra o papel da circulação dentro do
circuito espacial da produção de etanol e como a logística se torna ainda mais importante
nesses novos arranjos produtivos, pois a racionalização dos fluxos dentro do circuito se traduz
numa forte reorganização do espaço goiano em função dos novos equipamentos logísticos
adotados, que influenciam diretamente na distribuição espacial das áreas de produção de cana-
de-açúcar e das usinas, bem como entre as usinas e os centros coletores, o que constitui fator
fundamental para a fluidez da produção e o escoamento do etanol. A atual organização destes
fatores na região produtora de Goiás tem reflexos notórios no grau de competitividade do
etanol goiano, principalmente se comparado à produção paulista, onde o circuito espacial
produtivo do etanol já se encontra em um estágio consolidado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTILLO, R. FREDERICO, S. Espaço geográfico, produção e movimento: uma reflexão sobre o conceito de circuito espacial produtivo. Sociedade & Natureza, Uberlândia: 461-474, dez. 2010
CASTILLO, R. Região competitiva e circuito espacial produtivo: A expansão do setor sucroalcooleiro no território brasileiro. Unicamp, 2009
SANTOS, M. Circuitos espaciais da produção: um comentário. In: SOUZA, M. A. A.; SANTOS, M. (Org.). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986:121-134.
SILVA, William F. da O avanço do setor sucroenergético no Cerrado.Goiás: UFG, 2011
MITSUTAMI, Claudio. A Logística do Etanol de Cana-De-Açúcar no Brasil: Condicionantes e perspectivas. Grimoni - São Paulo, 2010.
RELATÓRIO DE MOVIMENTAÇÃO de CARGA, Administração da hidrovia Tietê-Paraná 2010. Disponível em: <http://www.ahrana.gov.br/dados_operacionais.html>. Acesso em: 29 Maio 2012.
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HISTÓRICO DE PRODUÇÃO E MOAGEM. ÚNICA, 2011. UNICADATA: Sistema de dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar. Disponível em: <http://www.unicadata.com.br/ historico-de-producao-e moagem.php?idMn=31&tipoHistorico=2>. Acesso em: 28 Maio 2012.
RELATÓRIO DE MOVIMENTAÇÃO de CARGA, Agência Nacional do Petróleo, 2011. Disponível em: < http://www.anp.gov.br/ >. Acesso em: 27 Maio 2012.
ESTATÍSTICAS MUNICIPAIS. SEPLAN-GO, 2012. SEPIN: Superintendência de Estatística,Pesquisa e Informações Socioeconômicas. Disponível em: <http://www.sepl an.go.gov.br/sepin/>. Acesso em: 15 Março 2012.
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MUDANÇAS NO SETOR SUCROALCOOLEIRO DO NORTE FLUMINEN SE/RJ: O PAPEL DOS SEUS RECURSOS HUMANOS
Luiz Antonio Chaves de Farias Universidade Federal do Rio de Janeiro
fariasax@uol.com.br
Caio de Perdomo de Oliveira Universidade Federal do Rio de Janeiro
perdomo_1992@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Em um contexto de expansão produtiva e espacial do etanol no Brasil, o Norte
Fluminense, enquanto uma das áreas tradicionais do setor sucroenergético no país, sofre os
efeitos desse processo em sua escala regional em conjunção à ocorrência de outros processos
produtivos em curso também em seu território.
Nessa perspectiva, novas demandas por recursos humanos emergem nessa nova
conjuntura e, por conseguinte, alguns aspectos (custos, qualificação, etc.) dos mesmos
atendem e/ou não mais atendem as mesmas. Assim, mobilizações intersetoriais e espaciais
desses recursos são depreendidas no sentido de atender a tais demandas.
É justamente no entendimento de como se encaminha essa nova fase do setor
sucroalcooleiro no Norte Fluminense, sob o ponto de vista de seus recursos humanos, que se
pauta a vigência do presente trabalho. Mais especificamente, visa identificar seu papel face ao
recente processo de reestruturação produtiva vivido pela região, identificar os principais
dilemas no atendimento de suas demandas por recursos humanos e, por fim, qualificar o
estoque, destes últimos, presente na região.
Como proposta organizacional da estrutura do trabalho, optou-se, em um primeiro
momento, por contextualizar a área de estudo dentro do recente processo de reestruturação
produtiva que o estado do Rio de Janeiro vem passando nos últimos anos. Posteriormente,
tentou-se situar o entendimento empreendido aqui no uso dos conceitos de recursos humanos
e reestruturação produtiva. Em seguida, analisou-se os resultados empíricos da pesquisa
correlacionando-os com a contextualização estabelecida e com os referenciais teórico-
conceituais usados.
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CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O Norte Fluminense vive atualmente uma dinâmica sócio-espacial bastante
diferenciada da que o caracterizou nas três últimas décadas. Assiste-se à configuração de
novos eixos de urbanização, à reestruturação produtiva de seu território (a partir da renovação
técnica e dos novos usos do território), além do maciço aporte de investimentos estruturantes,
materializados a partir da instalação de grandes obras de infraestrutura na região, como: a
base onshore de exploração de petróleo da Petrobrás em Macaé, o Porto do Açu e sua
retroárea, a instalação do Complexo Portuário de Barra do Furado, a duplicação da BR 101,
etc, ilustrados no mapa 1.
Esses investimentos, entre públicos e privados, somam-se em um montante de 161
bilhões de reais a serem aportados na região entre 2011 e 2013, colocando o Norte
Fluminense como a Mesorregião do estado que receberá mais investimentos no período.
Mapa 1
Tal contexto de mudanças alça o Norte Fluminense a transformações em sua dinâmica
demográfica, com consequentes alterações na oferta de empregos e no aporte de
trabalhadores, causando um formidável crescimento populacional de alguns de seus
municípios, e consequentemente, no estoque de seus recursos humanos (mapa 2).
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Se os maiores números perfazem aos municípios vinculados mais diretamente às
atividades ligadas ao petróleo em Macaé (Carapebus, Macaé, Quissamã, registraram,
respectivamente, 52%, 47%, 44%, em crescimento de suas populações na última década), o
Censo Demográfico de 2010 captou, pelo menos, um ensaio da nova dinâmica populacional
esperada para São João da Barra em função da instalação do Porto do Açu nesse município,
que obteve um acréscimo de 16% em sua população.
Mapa 2
No tocante ao setor sucroalcooleiro convém registrar (Caderno Norte Fluminense/ O
Globo/26/6/11) que enquanto nos anos 80, no auge do Pró-Alcool, 9 milhões de toneladas de
cana eram processadas por 18 usinas, empregando 65.000 trabalhadores, no ano de 1997 esta
produção reduziu-se a 3,9 milhões de toneladas, chegando a 2,3 milhões ton/ano produzidas
por apenas duas usinas até 2010. Este cenário atualmente começa a ganhar outros contornos
com a chegada do Grupo Canabrava na região, fato a ser explorado mais profundamente no
decorrer do trabalho. Ademais, o setor foi contemplado com investimentos do PAC 1, com
143,2 milhões investidos para as atividades do último grupo na região, segundo dados do
Balanço de Obras do PAC (2007-2010).
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Mapa 3
APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO
Sobre Alguns Conceitos...
Recursos Humanos, ao lado dos recursos físicos e técnicos, são os componentes que
quando combinados configuram a capacidade produtiva do trabalho, fundamental a vigência
de um processo produtivo.
Presentes no território, considerando-se sua dimensão social, conformam, segundo
Sanchez (2006), àqueles de seus membros que podem desenvolver autonomamente uma
atividade encaminhada à consecução de um bem ou serviço. Além disso, somente adquirem o
status de recursos humanos ativos quando lhes é atribuído um valor de uso, assim, podendo
variar em sua definição de sociedade para sociedade. Esse valor de uso dos recursos
humanos, segundo Santos (1997), perfaz ao fato de que:
[...] nenhum recurso tem, por si mesmo, um valor absoluto, seja, ele um estoque de produtos,
de população, de empregos ou de inovações, ou uma soma em dinheiro. O valor real de cada
um não depende de sua existência separada, mas de sua qualificação geográfica, isto é, da
significação conjunta que todos e cada qual obtêm ao participar de um lugar. (Santos,
1997:132).
Podem ser mobilizados intersetorialmente (entre setores de atividade) e espacialmente
(através de migrações e deslocamentos pendulares) de acordo com as necessidades do capital
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materializadas através das diferentes demandas dos processos produtivos ao longo do
território.
Reestruturação produtiva, enquanto conceito, apesar de ser recorrentemente
apreendida pela literatura como uma simples substituição de uma estrutura produtiva velha
por outra completamente nova, seguindo uma perspectiva de fixidez, vai de contraponto a esta
compreensão. Isso porque, segundo Soja (1993), implica em fluxos e transição, mescla
continuidade e mudanças, ganhando um caráter dinâmico. Perspectiva essa corroborada por
Lefebvre (1971) que defende a reestruturação como um movimento que mescla ao mesmo
tempo “continuidades” e “descontinuidades”.
Para, além disso, “a reestruturação produtiva só ocorre quando as estruturas
socioespaciais necessárias à acumulação se tornam gargalos para alavancar o crescimento e,
consequentemente, a produção e a reprodução do capital” (Gomes, 2011: 55).
Questões da Pesquisa
• Qual a importância do setor sucroalcooleiro no quadro de reestruturação produtiva em
curso no Norte Fluminense?
• Quais os principais gargalos em termos de provimento de recursos humanos para o
setor sucroalcooleiro no atual contexto do Norte Fluminense?
• Quem são atualmente os trabalhadores do setor sucroenergético no Norte Fluminense?
Qual seu perfil sócio-econômico?
Metodologia
Unidade Espacial de Análise:
• Município, segundo o IBGE, unidade autônoma de menor hierarquia dentro da
organização político-administrativa do Brasil.
Variáveis:
• Setor de Atividade; Total de Rendimentos Brutos, Idade;
Fontes de Dados:
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• Dados secundários: da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010, IBGE,
extraídos do Banco Multidimensional de Estatísticas (BME); do banco de dados
municipais da Fundação CEPERJ (antiga Fundação CIDE).
• Anotações do trabalho de campo realizado na região Norte Fluminense/RJ, no período
de 12 a 18 de Abril, segundo financiamento do projeto da FAPERJ “O Processo de
Reestruturação do Setor Sucroenergético no estado do Rio de Janeiro: dilemas e
desafios” do qual os presentes autores participam.
Procedimentos:
• Organização dos dados secundários em variáveis, e elaboração de gráficos e tabelas
no software Excel. Espacialização de alguns dados e variáveis no software Arc Gis
10.
Resultados
O Setor Sucroalcooleiro no Contexto Regional do Norte Fluminense em Tempo Presente
Ao se analisar o PIB mesorregional segundo setores de atividade ao longo do período
vigente de 1999 a 2009 (gráfico 1), observa-se que a agropecuária, dentro da qual o setor
sucroenergético ainda é bastante representativo, foi sempre o menos representativo obtendo
sua maior participação justamente em 1999 (2,9%), decaindo gradualmente ao longo desses
anos, chegando ao patamar de 0,5%, em 2008. Por sua vez, nesse decênio destaca-se o peso
majoritário exercido pelo setor industrial, sempre com participações maiores que 50% no PIB
do Norte Fluminense.
O aporte maciço de investimentos em infraestrutura ligada às operações onshore e
offshore da Petrobrás em Macaé, e mais recentemente os projetos de infraestrutura portuária e
de seu parque industrial integrado, em São João da Barra, podem ter influenciado esse papel
de destaque da indústria no PIB. Ao seu turno, a crise da cana nesse período, adido ao
insucesso do programa frutificar na região, podem ser aventados como um dos fatores dessa
posição do setor agropecuário na mesma.
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Gráfico 1
Fonte: Fundação Ceperj. Dados Brutos do Banco de Dados dos Municípios.
Organização: GEPOP (2012).
O panorama descrito anteriormente, se delineia de maneira similar, quando se divide
os trabalhadores segundo os setores de atividade em que estão inseridos (gráfico 2). Nesse
sentido, verifica-se que o setor que mais emprega na região é o setor de serviços, que ainda
sofreu uma elevação em seu contingente de 2000 para 2010, chegando-se ao número de quase
250000 pessoas para esse ano.
Enquanto isso, além dos trabalhadores do cultivo da cana de açúcar constituir-se o
menor grupo entre todos os setores de atividade, foi o único que auferiu queda em seu
tamanho em relação a todos os outros entre 2000 e 2010, de 7195 passou a 1932 trabalhadores
para o último ano.
Essa conjuntura reafirma a reportagem citada na contextualização acerca da
decadência da cana no recorte espacial considerado, em que se afirmava que o setor
empregava em 1997, cerca de 65000 trabalhadores. A pergunta que fica: para onde foi esse
contingente populacional? Mobilizou-se espacialmente ou inter-setorialmente? A partir da
pesquisa de campo na qual este trabalho se baseia, ficou nítida, na maioria das entrevistas
realizadas em redutos tradicionais de trabalhadores e ex-trabalhadores das Usinas (como o
Distrito de Travessão e a Vila de Ururaí), essa migração para outros setores de atividade,
especialmente, para o de serviços e de obras de infra-estrutura.
0
10
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80
90
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Percentagem de Participação dos Setores de Atividade no PIB do Norte Fluminense
Agropecuária Indústria
Serviços Administração Pública
%
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Gráfico 2
Fonte: Fundação Ceperj. Dados Brutos do Banco de Dados dos Municípios.
Organização: GEPOP (2012).
Ao se espacializar o crescimento relativo dos trabalhadores vinculados ao cultivo da
cana para o estado como um todo (mapa 4), dimensiona-se a crise do setor nesse intervalo de
tempo para o Norte Fluminense, que foi bem discriminado em comparação às outras regiões
do estado. Todos os municípios do referido recorte apresentaram crescimento relativo
negativo da mão de obra vinculada ao setor, no período 2000/2010.
Por sua vez, quando se desdobra essa espacialização em números absolutos (mapa5),
ainda percebe-se o peso relativo dos municípios do Norte Fluminense quanto à
empregabilidade do cultivo da Cana. Campos dos Goytacazes, de acordo com dados do Censo
Demográfico 2010 mantém-se como o maior detentor de trabalhadores nesse setor, com 1162
pessoas entre todos os municípios do estado.
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
Agropecuária Cultivo da Canade Açucar
extrativismo Indústria serviços administraçãopública
Número de Trabalhadores por Setores de Atividade no Norte Fluminense, 2000-2010
2000 2010
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Mapa 4 Mapa 5
Recursos Humanos: principais dilemas e desafios
A disponibilidade de recursos humanos adequados às novas demandas impostas pelo
setor sucroenergético talvez seja o principal “gargalo” dessa nova fase do mesmo, no Norte
Fluminense, representada principalmente pelo Grupo Canabrava que trouxe recursos técnicos
modernos no processo produtivo do etanol, assim como, vem suprindo a falta de recursos
físicos (insumos, que em épocas passadas foram responsáveis pelo fechamento de muitas
usinas) com a compra direta ou o arrendamento de unidades de cultivo da cana de açúcar.
Segundo depoimento do funcionário da Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio
de Janeiro (COAGRO) Marcio Rocha, a primeira das dificuldades, no que tange aos postos de
trabalho que exigem menor qualificação (corte da cana, moagem, etc.), é a concorrência com
outros setores de atividades também em expansão na região:
...enfrentamos um grande problema para ocupar postos de trabalho, já que boa parte dos jovens
e mais qualificados estão sendo absorvidos pelo setor petrolífero da bacia de campos e pelas
obras do Porto do Açu em São João da Barra. (Márcio Rocha, 13 de Abril de 2012).
Entretanto, a partir do foi relatado nas entrevistas com os empregadores do setor, a
principal dessas dificuldades refere-se à incompatibilidade entre a qualificação dos recursos
humanos existentes na região e o que é demandado pelos novos processos produtivos do setor
em termos de qualificação técnica. Segundo o diretor da Usina Canabrava:
...os trabalhadores do setor em campos não têm nenhum conhecimento técnico moderno,
sempre arraigados a uma cultura decadente da cana. (Adriano Kill, 13 de Abril de 2012)
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Ainda, de acordo com o mesmo, foi necessária a mobilização espacial de mão de obra
de outras áreas no sentido de atender a essas novas demandas:
... enfrentamos sérios problemas no que tange a aquisição de mão-de-obra qualificada para
ocupar os mais diversos cargos na usina e nos canaviais. Por isso, trouxemos de São Paulo um
grupo de profissionais especializados nas “melhores universidades”, sendo: 2 engenheiros
agrônomos, 1 controlador agrícola e mais 2 (não especificou a formação e experiência).
(Adriano Kill, 13 de Abril de 2012).
Recursos Humanos: quem é?
Ao se comparar a média de idade dos trabalhadores vinculados ao cultivo da cana de
açúcar e às construções de obras de infraestrutura no Norte Fluminense (tabela 1) observa-se
que os primeiros são em média 5 anos mais velhos que os primeiros. Tal realidade fica mais
latente em municípios que possuem obras de infraestrutura de grande escala como São João
da Barra com o Complexo Portuário do Açu, com média de 52 anos para os trabalhadores do
cultivo da cana e apenas 28 anos para a outra categoria de trabalhadores comparada aqui.
Esses resultados confirmam o que foi verificado através de entrevistas com
trabalhadores e ex-trabalhadores do corte da cana e empregadores do setor, onde os
trabalhadores mais jovens estão sendo absorvidos pelos setores de atividade mais dinâmicos,
enquanto há a manutenção dos grupos sociais mais vulneráveis no setor sucroalcooleiro.
Tabela 2
Média de Idade dos Trabalhadores por Setores de Atividade (Cultivo da Cana-de-Açúcar e Construção de Obras de Infra
Estrutura) segundo Municípios do Norte Fluminense, em 2010
Municípios Média de Idade (em anos)
Trabalhadores no Corte da Cana
Trabalhadores na Construção de Obras de Infra Estrutura
Norte Fluminense 43 38
Campos dos Goytacazes
45 40
Carapebus 60 40 Conceição de Macabu - 56
Cardoso Moreira 59 - Macaé - 35
Quissamã 37 44 São Fidélis 19 36
São Francisco do Itabapoana
39 36
São João da Barra 52 28
Fonte: BME/IBGE. Dados Brutos do Censo Demográfico 2010 Organização: GEPOP (2012)
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Atendo-se ao extrato de trabalhadores do setor com renda mais baixo (tabela 2), é
verificada a mesma conjuntura anterior. Os que vivem com renda inferior a menos de 1
salário mínimo são representativos de mais 50% do universo de trabalhadores no setor da
cana. No setor de construção de obras de infraestrutura eles não passam de 30%, sendo que
em alguns casos como o município de São João da Barra, eles inexistem.
Tabela 3
Percentagem de Trabalhadores com Renda Menor que 1 Salário Mínimo por Setores de Atividade (Corte da Cana-De-Açúcar e Construções de Obras de
Infra Estrutura) Segundo Municípios do Norte Fluminense, 2010
Municípios Trabalhadores Por Setor de Atividade
Corte da Cana-de-açúcar Construção de Obras Infra Estrutura Total Absoluto % Total Absoluto %
Norte Fluminense 2158 1220 57 636 171 27
Campos dos Goytacazes 1162 704 61 479 96 20
Carapebus 19 19 100 19 0 0
Conceição de Macabu - - - 10 10 100
Cardoso Moreira 4 4 100 0 0 0
Macaé 271 11 4 0 0 0
Quissamã 28 10 36 6 0 0
São Fidélis 8 8 100 43 11 26
São Francisco do Itabapoana
592 406 69 63 54 86
São João da Barra 74 58 78 16 - -
Fonte: BME/IBGE. Dados Brutos do Censo Demográfico 2010 Organização: GEPOP (2012)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se analisa a importância do setor sucroenergético face ao contexto
mesorregional de reestruturação produtiva, verificou-se que o mesmo remanesce de um
quadro de crise na última década evidenciado pelos números poucos expressivos do setor, em
PIB e recursos humanos vinculados, em comparação a outros setores mais dinâmicos
regionalmente como o de Serviços e, especialmente, o Industrial ligado ao recente aporte de
investimentos estruturantes na região.
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No que se refere aos principais “gargalos” em termos de provimento de recursos
humanos, destacaram-se a “concorrência” de outros setores da economia, principalmente o
industrial, e a incompatibilidade da qualificação do estoque de mão de obra presente na região
face às novas demandas do setor sucroenergético, prioritariamente em sua vertente mais
modernizada encabeçada pela Usina Canabrava. Em virtude desse quadro, chega-se até a
mobilizar recursos humanos espacialmente de outras áreas, como o estado de São Paulo, que
os possuam nas qualidades que satisfaçam as necessidades do setor para a região.
Ademais, quanto às características socioeconômicas dos trabalhadores do setor na
atualidade, percebe-se que os mesmos estão mais velhos e com menor renda em relação aos
tempos “áureos” da cana no Norte Fluminense e, principalmente, em comparação aos
trabalhadores que estão empregados nos setores da atividade mais dinâmicos da região como
os de construção em obras de infraestrutura.
Se o setor sucroenergético do Norte Fluminense passa efetivamente por um processo
de reestruturação produtiva, o presente estudo não se pautou a esta análise. Fato o é, que o
mesmo passa por mudanças em suas estruturas produtivas, e que os recursos humanos são
ainda atualmente pontos-chave e problemáticos da capacidade de trabalho produtiva dessas
últimas, especialmente quando se introduzem técnicas modernas às mesmas.
Por sua vez, observou-se a criação de um “jogo de forças” intersetorial sobre absorção
dos recursos humanos disponíveis na região. Os setores mais consolidados e dinâmicos
(industrial) ficam com os segmentos que possuem maior valor de uso, enquanto que o setor
remanescente de um período de crise (sucroenergético) fica com os segmentos mais
vulneráveis socialmente (que possuem menor valor de uso).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COMITÊ GESTOR DO PAC. Balanço 4 anos, Rio de Janeiro, 2007 – 2010. 2010. Acessado em: http://www.brasil.gov.br/pac/.
GOMES, M. T. S. O Debate sobre a Reestruturação Produtiva no Brasil. RA’E GA 21, 2011, pp 51-77.
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LEFEBVRE, H. L’Ideoligie Struturaliste. Paris, Éditions Anthropos, 1971.
PAGANOTO, F. Exclusão Social e Implicações Sócio-Ambientais: o caso da Vila de Ururaí, em Campos dos Goytacazes-RJ. Anais XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. ABEP. Caxambu. MG. 20 a 24 de Setembro de 2004.
SANCHEZ, Joan Eugeni. “Actividad Económica y Accion Territorializadora” in Espacio, Economia y Sociedad, Siglo Ventiuno, Madrid, 1991.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo. Editora Hucitec. 1996.
SOJA, Edward W. Geografias Pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Entrevistas
Adriano Kill. Diretor da Usina Canabrava. Campos dos Goytacazes, 13 de Abril de 2012.
Marcio Rocha. Funcionário da Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro (COAGRO). Campos dos Goytacazes, 13 de Abril de 2012.
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O AVANÇO DA CANA-DE-AÇÚCAR SOBRE AS ÁREAS DO AGRONEGÓCIO EM GOIÁS
Simone Oliveira dos Santos
Universidade Federal do Rio de Janeiro simone-sodre@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A lavoura e a produção da cana-de-açúcar têm se expandido significativamente no
Brasil, sendo este produto uma importante commodity agrícola da pauta de exportações
brasileiras e que possibilitou, segundo dados da Única, que na safra de 2010/2011 o país
representasse 50% das exportações mundiais de açúcar. De acordo com a Conab, a
produtividade média brasileira está estimada em 70. 289 kg/ha, 2,9% maior que na safra
2011/12, que foi de 68.289 kg/ha. Nesse contexto, observa-se um avanço do cultivo da cana-
de-açúcar no estado de Goiás, que é o 4º maior produtor de cana e o 2º maior de etanol do
país, de acordo com dados do MAPA (2011). Esta produção apresentou um crescimento
significativo a partir de 2008 no Sudoeste Goiano, porém, essa região se destaca por suas
terras já concentrarem atividade pecuária e agricultura moderna.
Atualmente, no que se refere especialmente ao estado de Goiás, a expansão do cultivo
de cana-de-açúcar veio associada a um discurso de recuperação de áreas de pastagens
degradadas, já que essa região se destaca pela produção de pecuária bovina detendo grandes
extensões de terras. Além da pecuária, outras culturas apresentam dinamismo nessa região,
como a soja e o milho, voltadas para a cadeia carne/grãos, em função do clima favorável, da
topografia plana e da grande extensão territorial. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é
analisar em que áreas vêm ocorrendo a expansão do cultivo da cana-de-açúcar, frente às
atividades do agronegócio já estabelecidas em Goiás, tendo em vista a competição pelo uso
do território entre os atores hegemônicos.
Para dar conta desta proposta foram abordadas as categorias circuito espacial da
produção (Santos, 1986 e Arroyo, 2001) para identificar como se desenvolve esse circuito em
cada segmento; espaço e técnica (Santos, 1996), para abordar os recursos técnicos utilizados
nas atividades aqui relacionadas e sua repercussão espacial. Os dados secundários utilizados
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envolvem área colhida, produção, rendimento e evolução, nos principais municípios de
concentração desses cultivos, sendo importante identificar como o crescimento dessa
produção foi significativo. Também foram utilizados dados primários obtidos do trabalho de
campo, realizado em 2010 em Goiás, que permitem elaborar o cenário produtivo dos
segmentos envolvidos.
ABORDAGEM TEÓRICA
Neste item trabalharemos a categoria circuito espacial da produção de Milton Santos
(1986); o autor enfatiza como imprescindível para a compreensão do funcionamento das
atividades e suas implicações sócio-espaciais, a noção de circuito espacial produtivo,
associado com as diversas etapas da produção, assim como com a circulação e o consumo, a
qual permite entender como se organiza ou reorganiza o território.
“A divisão territorial do trabalho pode nos dar apenas uma visão mais
ou menos estática do espaço de um país. (...) Mas para entendermos o
funcionamento do território é preciso captar o movimento, daí a
proposta de abordagem que leva em conta os circuitos espaciais da
produção. Estes são definidos pela circulação de bens e produtos e,
por isso, oferecem uma visão dinâmica, apontando a maneira como os
fluxos perpassam o território” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 143).
Para Arroyo (2001), os circuitos espaciais produtivos constituem a junção de
diferentes tipos de empresas, articuladas com os fluxos de produtos por meio da circulação no
território. Para a autora, possibilitam “agregar a topologia de diversas empresas em um
mesmo movimento; mas, ao mesmo tempo, permite captar uma rede de relações que se dão ao
longo do processo produtivo, atingindo uma topografia que abrange uma multiplicidade de
lugares e atores” (Arroyo, 2001, p. 57).
Contudo, é preciso também analisar o conceito de espaço e técnica abordados por
Santos (2006), para compreender como os diferentes agentes envolvidos direcionam as suas
atividades produtivas do agronegócio, no que concerne à aplicação da técnica e sua relação
com o espaço. “As épocas se distinguem pelas formas de fazer, isto é, pelas técnicas. Os
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sistemas técnicos envolvem formas de produzir energia, bens e serviços, formas de relacionar
os homens entre eles, formas de informação, formas de discurso e interlocução” (SANTOS,
2006, p.115). As formas de relação entre os homens, de produção, da circulação, são afetadas
com o incremento das inovações técnicas.
Um conceito de grande relevância para este trabalho é o território, que é visto através
das relações de poder entre os atores hegemônicos envolvidos. Raffestin (1993) define o
território como “[...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e
que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no
espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de
todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder [...]” (RAFFESTIN, 1993, p.
144).
Esses conceitos aplicados à expansão da cana-de-açúcar face às distintas áreas do
agronegócio, que compreendem as áreas de pastagem destinada à criação de bovinos e as
áreas agrícolas da cultura dos grãos, como a soja, o milho e sorgo, permitem uma maior
compreensão de como esses circuitos produtivos se desenvolvem. E de que maneira
possibilitam uma reorganização do território, resultando ou não em competição entre os atores
hegemônicos.
OS AVANÇOS DA LAVOURA CANAVIEIRA NO SUDOESTE GOIANO
A lavoura da cana-de-açúcar apresentou um avanço significativo em Goiás, as áreas
em produção tiveram um aumento considerável para safra de 2011/12 segundo levantamentos
da Conab, o estado de Goiás assumiu a terceira posição entre os estados que mais
apresentaram esse crescimento, adquirindo 79.110 hectares em área cultivada. De acordo com
dados da Conab, observou-se também, um aumento da expansão da área plantada com cana-
de-açúcar no estado goiano, que ocupou liderança na região Centro-Oeste, sendo apresentado
pelo plantio de 110.763,8 hectares, total da área de expansão da cana nesse estado. Além do
aumento da área cultivada e plantada, outro fator que contribui para a expansão da cana nessa
região, é a entrada de novas usinas, na safra passada entraram em operação duas usinas em
Goiás, o que permite maior dinamismo para o estado e aumento da produtividade, o
crescimento da cana-de-açúcar também é resultado da demanda pelos seus subprodutos, o
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açúcar e o etanol, sendo este último de grande importância para o mercado externo e interno,
pois passou a ser considerado como uma alternativa energética mundial, em função dos
elevados preços do petróleo, com aumento da frota dos carros flex, que utiliza o etanol, já que
o preço do etanol é significativamente mais barato que a gasolina, logo, o seu consumo tem
apresentado elevado crescimento. Contudo Goiás é um estado onde a pecuária detém grande
importância, sendo a bovinocultura uma das principais atividades dessa região, somada a
outras atividades, como o cultivo da soja e do milho, que apresentam dinamismo no
agronegócio goiano.
A entrada da cana-de-açúcar resultou em uma reorganização do território do Sudoeste
de Goiás, especialmente nos municípios de Quirinópolis, Rio Verde, Jataí e Mineiros, que são
os municípios de maior concentração de produção de cana, somada a outras culturas. Assim,
estamos trabalhando num território que apresenta três atividades de grande importância para o
agronegócio: havia ali um circuito espacial que era o da pecuária, cujas terras estavam em
fase avançada de degradação, o da produção de cana-de-açúcar, que teve como proposta
inicial entrar em Goiás para ocupar as terras de pastagens, ou seja, a conversão de áreas de
pecuária em produção de cana. Porém existia ali mais outro circuito que é o da soja, cujas
terras eram as melhores, o que propiciou competição entre os atores responsáveis por esses
usos do território.
Cabe destacar que, nas áreas degradadas, a tendência é fazer confinamento e ocupar
menos áreas, em outras a atividade passa a ser semi-extensiva, ocorrendo mudança quanto ao
uso dessas áreas, que são beneficiadas com melhorias e correções para recuperação do solo,
com isso obtendo pastagens melhoradas. Contudo, o que se percebe é a expansão da cana em
áreas de soja, com topografia plana, em melhores solos, já preparadas, com maior facilidade
de obtenção de maior produtividade, levando à disputa com o segmento cadeia carne/grãos.
REPERCUSSÕES DA EXPANSÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR EM GOIÁS
Atualmente a produção de cana-de-açúcar em Goiás tem alcançado crescimento
contínuo, contudo esse estado também apresenta destaque na produção de pecuária bovina e
na produção de grãos. No mapa podemos observar a expansão da cana-de-açúcar nesse
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estado, com enfoque especial para os municípios de Mineiros, Jataí, Rio Verde e
Quirinópolis.
MAPA 1
É importante perceber no mapa 1 que a produção de cana-de-açúcar no ano 2000 no
Sudoeste de Goiás apresentava pouca expressividade, segundo dados retirados do
SIDRA/IBGE, ou era nula nos municípios em destaque, Mineiros, Jataí, Rio Verde e
Quirinópolis, expressando que a cana nesse momento não era tão relevante. Apresentava
nesse período maior destaque o município de Rio Verde, embora esse município seja
considerado capital do agronegócio goiano, com destaque para produção de grãos e de carnes,
importantes setores que impulsionam a economia desse município.
A cana-de-açúcar vem se expandindo mais nos últimos anos graças à instalação de
usinas de açúcar e álcool nessa região. Vale destacar que em 2000 os projetos de incentivo ao
etanol ainda se encontravam em gestação.
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MAPA 2
O intenso crescimento da produção de cana nesse estado em 2009, tem sido sustentado
principalmente pelo aumento da frota de veículos flex-fluel, abastecidos também pelo etanol,
um dos sub-produtos da cana-de-açúcar. Pode-se observar no mapa o elevado crescimento nos
municípios de estudo: Mineiros, Jataí, Rio Verde e Quirinópolis.
GRÁFICO 1
Quantidade produzida (ton.) com cana-de-açúcar nos principais municípios
goianos produtores de etanol (2000-2005-2009)
Fonte: IBGE-SIDRA
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
3000000
3500000
2000 2005 2009
Rio Verde
Jataí
Quirinópolis
Mineiros
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Como mostra o gráfico 1, em 2000 Rio Verde era o município que apresentava maior
quantidade na produção de cana, seguido de Jataí e Mineiros; porém, entre 2005 e 2009 houve
um crescimento dessa produção, principalmente no município de Quirinópolis, que nesses
últimos anos vem se destacando com o mais elevado nível de produção.
GRÁFICO 2
Evolução da área colhida (ha) com cana-de-açúcar nos principais municípios goianos
produtores de etanol (2000-2005-2009)
Fonte: IBGE-SIDRA
No gráfico 2 nota-se que, entre 2000 e 2005, os municípios de Jataí, Rio Verde e
Quirinópolis apresentavam uma pequena área colhida com cana, correspondendo ao nível de
produção apresentado no gráfico 1; a partir de 2005 esse cenário começa a se modificar,
principalmente do município de Quirinópolis, que em 2000 não apresentava valores de área;
em 2005 a sua área colhida se elevou significativamente, mantendo em todos os municípios
crescimento contínuo de 2005 a 2009, no que concerne à área colhida.
GRÁFICO 3
Efetivos de rebanho bovinos nos principais municípios por ano. (2000, 2005, 2009)
Fonte: IBGE-SIDRA
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
2000 2005 2009
Milh
ares
Rio Verde
Jataí
Quirinópolis
Mineiros
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
350000
400000
450000
500000
2000 2005 2009
Rio Verde
Jataí
Quirinópolis
Mineiros
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Tratando-se da produção de bovinos, como demonstra o gráfico 3, os municípios em
destaque no ano de 2000 mantêm expressividade no número de bovinos, destacando-se a
pecuária como importante atividade econômica nessa região. A redução verificada em 2005
vincula-se a oscilações referentes à exportação, ligadas ao mercado internacional, porém no
ano de 2009 há um crescimento significativo, principalmente no município de Rio Verde, que
possui maior concentração de bovino, enquanto Jataí, Quirinópolis e Mineiros se mantêm
estáveis. Esses dados possibilitam justificar que o circuito da pecuária não está sendo afetado
pela entrada da cana-de-açúcar.
GRÁFICO 4
Confinamento Percentual de animais confinados por estado em 2010
Fonte: Pesquisa Top 50 BeefPoint de Confinamentos, 2010-2011.
O gráfico 4 mostra a distribuição dos animais confinados por estado, destacando-se
Goiás como principal estado confinador, detendo 37% dos animais confinados no país. Tal
fato revela a redução do efetivo de rebanho em pasto, pois o estado tem valorizado o sistema
de confinamento. E essa valorização está associada ao aumento da eficiência produtiva do
rebanho, por meio da redução da idade ao abate, que antecipa o abate de quatro anos para dois
anos; outro benefício desse sistema é a liberação da área de pastagem para a fase de cria e
recria, esses benefícios favorecem o aumento do lucro do pecuarista. O confinamento é o
sistema de criação de bovinos em que lotes de animais são encerrados em piquetes ou currais
com área restrita, e onde alimentos e água são fornecidos em cochos.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
GO SP MT MS MG PR
2010/11
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GRÁFICO 5
Área colhida com milho, soja e sorgo no município de Jataí (GO) em hectares entre os
anos de 2000 e 2009
Fonte: Dissertação William Ferreira
Como mostra o gráfico 5, de 2000 a 2003 a área colhida de soja, milho e sorgo foram
ampliados ao longo da década, apresentando algumas oscilações derivadas das condições de
mercado. A soja no ano de 2005 alcançou seu pico de produção, porém em 2007 houve
redução de sua área, justamente no período que a cana entra com mais força.
É importante destacar, que a competição por áreas de pastagens é duvidosa, sendo
mais interessante para os produtores de cana ocupar áreas de lavouras anteriormente ocupadas
com soja e milho, por exemplo, já que essas lavouras não degradaram o solo como as
pastagens. Para a cana entrar em área de pastagem o custo para recuperar o solo seria bem
maior. Portanto, é muito mais lucrativo fazer plantio de cana em áreas já utilizadas por outras
lavouras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresentou a importância da expansão da cana-de-açúcar no Sudoeste de
Goiás e como esse avanço tem reorganizado as áreas do agronegócio, buscando compreender
de que forma vem se desenvolvendo a organização e mudanças do avanço da cana-de-açúcar
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para áreas agrícolas e de pecuária ali já estabelecida. Embora a expansão da cana-de-açúcar
nessa região estivesse programada para a recuperação das áreas de pastagens, o circuito
espacial da produção do segmento bovino não foi alterado por essa atividade, sofrendo apenas
alterações internas ao ampliar o confinamento.
No caso do setor sucroenergético, buscou áreas que atendessem melhor suas
necessidades, que eram exatamente as utilizadas com soja, milho e sorgo, que exigiam menos
investimentos e de fácil mecanização. Ao se territorializar, o setor sucroenergético vem
modificando as territorialidades já estabelecidas pelo setor soja, fazendo com que os
interesses de diferentes grupos se enfrentem na disputa territorial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROYO, Mônica. Território nacional e mercado externo: uma leitura do Brasil na virada do século XX. 2001, 250 p. Tese (Doutorado em Geografia Humana) USP. São Paulo, 2001.
CASTILHO, R. FREDERICO, S. Espaço geográfico, produção e movimento: uma reflexão sobre o conceito de circuito espacial produtivo. In: Sociedade & Natureza, Uberlândia, 22. (3): 461-474, dez. 2010.
PAULA, João L. de. Pecuária bovina de corte em Goiás 1940-2009. Goiânia: PUC Goiás, 2011.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Ed. Hucitec, 1996.
SANTOS, M. Circuitos espaciais da produção: um comentário. In: SOUZA, M. A. A.; SANTOS, M. (Org.). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986:121-134.
SILVA, William F. O avanço do setor sucroenergético no Cerrado: os impactos da expansão canavieira na dinâmica socioespacial de Jataí Goiás. UFG, 2011.218 p.
Companhia Nacional de Abastecimento
http://www.conab.gov.br/ acesso em: 23/06/2012
IBGE Sistema de recuperação automática – SIDRA
http://www.sidra.ibge.gov.br/ acesso em: 12/04/2012
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Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento
http://www.agricultura.gov.br/ acesso em: 27/05/2012
União da Indústria de Cana-de-açúcar
http://www.unicadata.com.br/ acesso em: 08/05/2012
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O DESENVOLVIMENTISMO E O CONTEXTO DAS REDES: FURNAS TERMELÉTRICAS EM SANTA CRUZ – CIDADE DO RIO DE JANE IRO - RJ
Paulo Cesar Silva
Universidade do Estado do Rio de Janeiro booksellerpaulo@ig.com.br
INTRODUÇÃO
A História de Santa Cruz mudou com a Ditadura Militar, pois neste período foi
instalada a Zona Industrial de Santa Cruz. Enquanto isso, os movimentos sociais viviam numa
forte repressão, seus militantes sendo presos, torturados ou mortos.
A especialização de Santa Cruz, num espaço urbano-industrial dos mais importantes
da Federação, representa essa robustez do Estado brasileiro na formulação e execução da
chamada modernização conservadora. As expropriações dos espaços comuns dos rios,
território usado pelas comunidades de pescadores, segue então, essa rigidez da reestruturação
da acumulação capitalista.
As Furnas Centrais Elétricas, instalou-se na Zona Industrial de Santa Cruz no final da
década de 1960. Essa construção foi fundamental para interligar o sistema de energia elétrica
do Rio de Janeiro aos outros estados do País. A política de Estado de articular todo o
território com suas linhas de transmissão de energia avançava-se no Centro-Sul, a chamada
Região Concentrada. Articula-se os pontos de cooperação produtiva e a especialização do
espaço aprofunda a necessidade de circulação. Isso aprofunda o processo da urbanização
terciária.
As novas regionalizações iniciadas nesse período tiram do plano das ideias, a
estratégia de anexar o território. Para anexá-lo, torna-se necessário criar seus pontos nodais.
A usina de produção de energia termelétrica de Santa Cruz, localiza-se nas margens
do Canal de São Francisco, rio cujas águas tornam possível a produção de duas grandes
siderúrgicas: a TKCSA e a Gerdau. A usina termelétrica usa as águas desse rio para
movimentar as turbinas. A combinação de água e calor forma-se o vapor que impulsionará as
turbinas. Nesse trecho o Canal de São Francisco corre numa imensa planície litorânea, o que
facilitou a prática da pesca artesanal. Os barcos, mesmo que frágeis navegam nesse trecho do
rio que é submetido aos regimes das marés da baía de Sepetiba.
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A baía de Sepetiba, torna-se área de portos especializados em exportação de minério
de ferro, nesse mesmo período, com a construção do porto da Ilha Guaíba e do porto de
Sepetiba, na Ilha Madeira. As Furnas Centrais Elétricas vai abrir esse caminho, que ainda
hoje, no século XXI, vai se consolidando, pois a sua presença nas margens da baía de
Sepetiba torna-se possível o Distrito Industrial de Santa Cruz. Predecessora desse novo
desenvolvimentismo (ideologia do progresso) depois de três décadas de sua instalação, as
Furnas Centrais Elétricas de Santa Cruz, desponta-se nesse contexto essencial da
modernização conservadora nas margens da baía de Sepetiba.
ARGUMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo o geógrafo Milton Santos (2006), as redes são formadas por troços,
instalados em diversos momentos, diferentemente datados, muitos dos quais já estão presentes
na configuração atual e cuja substituição no território também deu-se em momentos diversos.
Neste sentido, analisando a questão das Furnas Centrais Elétricas na formação do Distrito
Industrial de Santa Cruz compreendemos como tal empreendimento trazia no seu bojo um
projeto arrojado para curto, médio e longo prazo. Mas, ainda segundo nosso referido
geógrafo, onde as redes existem, elas não são uniformes. Num mesmo subespaço, há uma
superposição de redes, que inclui redes principais e redes afluentes ou tributárias,
constelações de pontos traçados de linhas. Seu aproveitamento social é diverso.
A industrialização e a urbanização brasileira são processos que ampliaram o consumo
energético. Nos últimos 50 anos o consumo de energia aumentou em torno de 7% ao ano,
dobrando a cada década. Nos anos do desenvolvimentismo da ditadura militar houve o
aumento desse consumo com um grande avanço na produção. A ditadura militar termina no
meado dos anos 1980, mas nesse período também um consumo reduzido devido a estagnação
econômica da chamada “década perdida”.
No meado dos anos 1990, retoma-se esse crescimento. Consumo aumenta e as usinas
já em operação são equipadas para aumentar a produção. Novas usinas são construídas.
A termelétrica de Santa Cruz – RJ dispõe o estado do Rio de Janeiro entre os maiores
produtores brasileiros da energia térmica. A maior produção de energia a partir do óleo
combustível da América Latina. Isso determina a espacialidade de Santa Cruz que recebe as
industriais mais impactantes ao ambiente do estado.
- as redes e o espaço banal: tempos rápidos e tempos lentos
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Segundo Santos (2006), o tempo rápido não cobre todo o território nem abrange a
sociedade inteira. Em cada área, são múltiplos e as modalidades das combinações. Mas,
graças à globalização e a seus efeitos locais, os tempos lentos são referidos ao tempo rápido,
mesmo quando este não exerce diretamente sobre lugares ou grupos sociais.
Assim, os pescadores e moradores da baía de Sepetiba, agora fazem parte do
movimento de resistência à instalação da Companhia siderúrgica do Atlântico, instalada do
lado oposto do mesmo canal de onde a Furnas instalou-se sua termelétrica nos anos da
ditadura militar. Protagonizam a contradição oferecida por este espaço banal, onde coexistem
as verticalidades e as horizontalidades. Considerar que, mesmo que a baía de Sepetiba, suas
ilhas e margens, sejam pontos privilegiados das corporações, esses pontos são espaço de todos
que mudam sua função para atender a verticalização das redes. Mas, antes das grandes
embarcações que tomam os espaços da pesca artesanal, e apesar das grandes embarcações
com navios de grande calado, resiste a pesca artesanal.
Movimentos sociais
Passeata da resistência à instalação da CSA, em maio de 2009, na avenida João XXIII,
em Santa Cruz, cidade do Rio de Janeiro. Os manifestantes fizeram um percurso de 3 km da
praça do Gado ao portão da siderúrgica ainda em fase de construção.
A história do presente fundamentadora de nossa dissertação tem os sujeitos políticos
na construção do espaço social. Daí, entendemos que:
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“O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: são todavia,
os mesmos lugares que formam redes e que formam o espaço banal. São os mesmos lugares,
os mesmos pontos mas contendo simultaneamente funcionalidades diferentes, quiçá
divergentes ou opostas”. (SANTOS, 2005 p. 256)
Assim, nosso compreendemos que o espaço não é homogêneo. As redes também não
existem na totalidade do território.
APRESENTAÇÃO DE DADOS
Eficiente e lucrativa, Furnas Centrais Elétricas S.A. sempre brilhou como uma das
empresas mais preciosas do governo federal. Ganhou ares de jóia da coroa. A sua privatização
foi suspensa. Com a crise energética dos anos 2001. E a ordem foi apostar todas as fichas
nessa máquina de gerar luz. Responsável por 75% do abastecimento de energia para a
produção industrial do País e por 50% do consumo doméstico, Furnas é considerada uma
peça-chave na retomada da expansão energética brasileira. Eis algumas razões: domina a
tecnologia de ponta na área de geração e transmissão dos sistemas hidráulico, térmico e
nuclear; conta com um corpo técnico de primeira linha, sendo que cerca de 80% de seus
engenheiros têm doutorado ou pós-graduação e falam dois ou três idiomas; apresentou um
lucro histórico de mais de R$ 600 milhões em 2000, o que significa um crescimento de quase
70% em relação ao ano anterior. E, principalmente, possui uma base instalada, composta por
10 usinas hidrelétricas e duas termelétricas, com potencial de expansão a curto e médio
prazos.
A eficiência energética buscada pelo Estado brasileiro terá sua grande magnitude nos
da Ditadura Militar com grandes investimentos estruturais e humanos. O Estado aprofunda o
conhecimento estratégico do território aprimorando uso das novas técnicas para produção de
energia.
- A usina termelétrica de Santa Cruz
A usina termelétrica de Santa Cruz, no bairro industrial de Santa Cruz, zona oeste do
Rio de Janeiro, é o melhor exemplo disso. Ela é a maior da América Latina movida a óleo
combustível e gera 600 megawatts. Basta a autorização do governo para que a usina inicie o
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processo de transformação da operação a óleo por gás natural. “Num prazo médio de 18
meses, a usina poderia estar operando a gás e a vapor e gerando o dobro de energia”, garante
o engenheiro José Vicente Ucha Campos, gerente da unidade de Santa Cruz. Isso significa
algo em torno de 1.200 megawatts, suficiente para abastecer o consumo de 5 milhões de
pessoas. O projeto está dentro do plano de investimentos para a expansão do sistema Furnas
que a estatal apresentou ao governo, na semana passada. Ao todo, são R$ 16,4 bilhões até
2007, sendo R$ 6 bilhões financiados pela própria empresa e R$ 10,4 bilhões da iniciativa
privada.
“O sucesso de Furnas pode ser medido por meio da intensa procura de empresas
nacionais e estrangeiras pelo seu conhecimento tecnológico”, diz Luiz Carlos Santos,
presidente da companhia. Segundo ele, além de know-how, cada vez mais as empresas
privadas vão buscar os profissionais de Furnas. Há cerca de dois meses, o então diretor-
financeiro da empresa, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, deixou Furnas para assumir a mesma
posição na Light.
Além dos profissionais, as empresas privadas também estão atrás de parcerias com a
própria estatal. Já existem duas usinas, a de Serra da Mesa, em Goiás, e a de Manso, no Mato
Grosso, que surgiram de associações entre Furnas e companhias privadas. A usina de Serra da
Mesa, inaugurada há três anos, por exemplo, é uma parceria de Furnas (que tem 49% de
participação) com o grupo VBC (Votorantim/Bradesco/Camargo Correa). “O nosso papel é
buscar todas as alternativas para expandir o sistema energético”, diz Santos. Furnas dá certo
até mesmo quando herda obras inacabadas. Foi o que aconteceu em 1967, quando o governo
passou para a estatal a usina de Funil, ainda em construção, em Resende, na região do Vale do
Paraíba. A obra foi iniciada em 1961 pela Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba, que foi
extinta seis anos depois. Sob a tutela de Furnas, a Usina do Funil, que é a única da América
Latina construída no formato de uma abóbada, entrou em operação e é hoje fundamental na
regularização da vazão do Rio Paraíba do Sul. “Ela cumpre um papel social, pois evita as
enchentes que durante décadas assolaram a região, além de gerar energia elétrica”, diz
Antonio Maia, gerente da usina.
A vocação de Furnas para auxiliar em momentos de crise de abastecimento está ligada
à sua própria origem. A empresa foi criada em meados da década de 50 com um desafio:
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evitar o colapso energético que ameaçava os três principais centros econômicos do País: São
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Na época, o então presidente Juscelino Kubitschek
convocou o engenheiro John Cotrim para dirigir o projeto. A primeira grande obra foi a
construção da Usina Hidrelétrica de Furnas (de quem a empresa herdou o nome), localizada
estrategicamente entre os três Estados do Sudeste.
“Desde o início, a preocupação com a formação e a qualificação do pessoal foi muito grande ”,
conta Dimas Fabiano Toledo, diretor de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas.
No início, apenas os engenheiros e técnicos brasileiros de Furnas eram enviados ao exterior
em busca de aprimoramento tecnológico. Já faz algum tempo que essa via ganhou mão dupla.
Furnas hoje é uma referência internacional na área de energia. “Atualmente, a empresa está
presente em 13 países, seja na prestação de serviços ou em parcerias de cooperação
tecnológica.”
Um dos principais projetos internacionais que conta com a participação de Furnas é a
construção da Usina de Três Gargantas, na China. Nos últimos sete anos, desde o início da
obra – considerada a maior do mundo em execução – Furnas tem recebido a visita de várias
delegações de engenheiros e técnicos chineses. Foram observar e aprender com Furnas.
Principal objetivo: adquirir o know-how para fazer licitações mundiais para a compra de
equipamentos. Foram ao lugar certo. Afinal, graças a sua excelência em energia elétrica,
coube a Furnas o comando da construção e operação da maior hidrelétrica do mundo, a de
Itaipu.
Usina de Santa Cruz
Chaminés da Usina de Santa Cruz no Distrito industrial
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A Usina de Santa Cruz é uma usina termelétrica pertecente a Furnas Centrais Elétricas.
Foi a primeira usina geradora de energia elétrica situada no território da cidade do Rio de
janeiro.
À época de sua instalação, o estado da Guanabara, diferentemente das outras cidades
circundantes tinha seu sistema elétrico baseado na frequência de 50 HZ (ciclos), o que
dificultava a transferência de energia para a Guanabara, o que gerava constantes interrupções
no abastecimento de energia desta Cidade. Com a implantação de uma usina termelétrica local
foi possível eliminar os problemas decorrentes da falta de energia, modificar a frequência de
50 para 60 Hertz e possibilitar o estabelecimento de uma indústria de base na economia
carioca que ficou órfã dos órgãos federais transferidos para a nova capital do País.
A construção desta usina coube a Cia. Hidrelétrica do Vale do Paraíba (CHEVAP),
uma empresa estatal do Governo Federal, a quem cabia também a construção da Usina
hidrelétrica de Funil (atualmente no município de Itatiaia -RJ). Posteriormente a CHEVAP foi
extinta e suas obras passaram a ser administradas pela Eletrobras. Após 6 meses, a Eletrobras
repassou os direitos e deveres destas duas usinas para a Central Elétrica de FURNAS que
completou as obras e sua operação.
A Usina de Santa Cruz originalmente era uma central termelétrica que utilizaria carvão
mineral, proveniente do estado de Santa Catarina, para alimentar duas unidades de 82 MW.
Devido a modificações no projeto passou-se a utilizar óleo combustível. Na data de
inauguração de operação comercial destas duas unidades FURNAS deu início a expansão
desta central com a construção e montagem de mais duas unidades de 220 MW. Em 1974 a
Usina de Santa Cruz atingiu a potência instalada de 600 MW.
Em dezembro de 2004, entrou em operação uma nova unidade turbogeradora a gás,
aumentando a capacidade geradora da usina em mais 166 MW. Uma segunda unidade
semelhante será disponibilizada em breve, ampliando a capacidade final da usina para 950
MW.
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A usina de Santa Cruz é a maior termelétrica à oleo combustível da América Latina,
possuindo uma capacidade instalada de 600 megawatts distribuídos por suas quatro unidades
geradoras.
CONCLUSÃO
As diferenças do espaço geográfico são oriundas da história dos lugares. A história dos
lugares é a história do mundo. Sem os lugares com suas singularidades, não haveria história,
nem geografia. A acumulação de capital necessita desse efeito, tendo em vista que:
“O ponto fundamental é que o capitalismo – ou se preferirmos, a atividade normal dos
capitalistas em busca de lucros – baseia-se, intrinsecamente, nas desigualdades
regionais ou espaciais, como meio necessário de sua sobrevivência contínua. A
própria existência do capitalismo pressupõe a presença mantenedora e a
instrumentalidade vital do desenvolvimento geograficamente desigual. (SOJA, 1993,
p.132)
Esse pensar, nos leva novamente às chamadas comunidades tradicionais. Sobretudo,
quando as suas maneiras de reproduzir seu modo vida no seu cotidiano se vêem ameaçadas. A
ideia de um mundo uniforme sem história é a ideia que contradiz o mundo. Nesse sentido, ao
analisar o processo de resistência à instalação dos projetos hegemônicos nas margens da baía
de Sepetiba protagonizado pelos movimentos sociais, nosso trabalho situa-se entre aqueles
cuja característica principal é o estudo da história, compreendida aqui nas escalas: temporal e
espacial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. 4ª ed. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 2006.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000_ O retorno do território . In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria A.; SILVEIRA, Maria. Território – Globalização e Fragmentação. São Paulo, Editora Hucitec, 1996.
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SOJA, E. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. 1993.
Sites consultados
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_de_Santa_Cruz
- http://www.mundociencia.com.br/fisica/eletricidade/santacruz.htm
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O SETOR SUCROALCOOLEIRO NO SUL DO ESTADO DE ALAGOAS E A NOVA E
DIVISÃO DO TRABALHO
José Bertoldo Brandão Filho Universidade Federal Fluminense
jobran1@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A nova divisão territorial do trabalho fundamenta-se em impulsionar a modernização
em todos os lugares. Mas a modernização não ocorre ao mesmo tempo e da mesma forma
(SANTOS, 1996). Há diferenças naturais, sociais, culturais, econômicas e históricas que
norteiam os novos processos. Esses dependem também dos novos eventos, dos objetos e das
ações espaciais. Portanto, quais são os agentes e quais os interesses centrais dos novos
processos? Na fase atual, uma nova matriz energética e a sustentabilidade econômica e
socioambiental são elementos centrais no jogo de interesses entre os agentes do capital e do
trabalho.
Sabe-se que a região Nordeste do Brasil é historicamente pioneira na produção de
cana-de-açúcar e as relações de poder entre as elites locais têm suas bases de sustentação nas
formas mais tradicionais de manutenção do controle da terra, da produção agropecuária, nos
poderes econômicos e políticos, com fortes componentes no direito hereditário familiar por
parte dos grupos hegemônicos regionais. As obtenções de recursos externos em função das
secas, da escassez de água do semi-árido, foram utilizados como instrumento de poder das
elites regionais.
A partir das últimas décadas novas formas de desenvolvimento, com a presença de
modernização, parecem mostrar novos caminhos para o Nordeste. Entretanto, apesar desses
impulsos movidos pela globalização da economia e ampliação das ações regionais ao nível
nacional, “suas questões sociais e políticas permanecem pouco alteradas¨ (CASTRO, 1992;
ELIAS, 2005) e a região Nordeste apresenta profundas contradições entre pobreza e
concentração de renda (BRANDÃO FILHO, 2011).
O Estado de Alagoas é um dos tradicionais produtores de cana-de-açúcar. Entretanto,
os novos ventos do capital implicam em mudar ou adaptar às formas de relações territoriais e
de classes. Entender as atuais relações implica em entender a complexidade que envolve os
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atuais processos de reprodução ampliada do capital, com bases em maior produtividade e
competitividade, uso intensivo de novas tecnologias, reestruturação produtiva e gestão dos
diversos recursos. O tempo e o espaço se comprimem (HARVEY, 1989; VIRÍLIO , 1993;
SANTOS, 1994), as mudanças são mais rápidas e as relações são mais complexas. Os pactos
locais e regionais se realizam sob a batuta do capital mundial.
Como estas novas formas se manifestam na microrregião sucroalcooleira do Sul de
Alagoas e quais são os processos que norteiam as relações territoriais e entre os agentes
hegemônicos e não hegemônicos locais? Por que esta região se constitui em uma das mais
modernas e a maior produtora em relação ao Estado de Alagoas e em relação ao Nordeste?
Este trabalho tem como objetivo fazer uma breve análise das atuais mudanças
espaciais no Sul do Estado de Alagoas, com base no setor sucroalcooleiro, para a produção de
etanol e de açúcar, no sentido de entender o papel desse setor na reestruturação das relações
espaciais e territoriais, na atual divisão do trabalho, suas relações na nova dinâmica regional,
conformando-se uma nova região produtiva na área estudada. Os arranjos espaciais locais ou
regionais estão sempre mudando e as formas dos lugares se distinguem umas das outras. As
combinações locais são dinâmicas e o interno é mutável, mas depende também de suas
relações com o externo (SANTOS, 1985).
As análises da complexidade atual entre natureza, sociedade e reestruturação
econômica, nas mudanças nas formas de produção e reprodução do capital necessitam de uma
base teórica conceitual e da compreensão das características naturais, econômicas e históricas
do território estudado. Neste sentido, o método analítico conceitual tem como bases os
estudos das mudanças espaciais e territoriais, a compreensão da essência que move os
diferentes atores da atual fase da modernidade na reestruturação territorial, os fatores
produtivos que compõem a totalidade das ações que permeiam as atuais mudanças utilizando-
se analistas multidisciplinares, mas com enfoque conceitual geográfico.
Os procedimentos metodológicos têm como principais bases o trabalho de campo
realizado em Maceió e no Sul do Estado de Alagoas, em fevereiro de 2012, com entrevistas
em profundidade aos principais agentes econômicos, políticos e sociais, além de consultas e
análises de dados secundários e estudos realizados no grupo de pesquisas do Nuclamb/UFRJ.
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BREVE ANÁLISE TEÓRICA
As assimetrias nas relações de poder (RAFFESTIN, 1993; 2005) permitem as formas de
inclusão/exclusão nas relações territoriais e nas redes políticas. Nas ações globalizadas os
territórios ganham novos componentes e exigem novos enfoques, porque ao mesmo tempo em
que o espaço se torna global, as localidades se tornam também singulares e específicas.
Paulilio (2007) questiona: o que caracteriza a localidade? As relações políticas com bases nas
representações de classes, nas relações do capital com o Estado e nas novas formas de
localização dos fixos no espaço geográfico, assim como as mudanças na velocidade dos
fluxos implicam em processos que intervêm na paisagem rural e urbana local, assim como
intervêm nas relações sociais, culturais e de classes. Os novos fixos e fluxos alteram, por sua
vez, as relações da sociedade com a natureza. Essas relações são socialmente e
ambientalmente sustentáveis?
Nas análises de Santos (1994) o espaço contém o tempo dos homens lentos e o tempo
das novas tecnologias. Para este autor, “o homem lento é aquele que desvenda os recursos
indispensáveis à vida” (RIBEIRO, 2005:94). A combinação entre as condições naturais e
elementos técnicos e normativos, somados à existência de um conjunto de interesses,
mediados pela forma de regulação vigente, permitem a realização de determinadas
configurações de exploração territorial (CAMELINE , 2011). Os processos de organização
territorial do capital e do trabalho têm papel fundamental nas novas territorialidades. “No caso
específico da produção do etanol, a maior preocupação reside na origem das ordens, fluxos imateriais
que coordenam o uso do território a partir de centros de comando distantes (CAMELINE , 2011:20).
Nesse sentido, as relações econômicas, políticas e organizações classistas são também
mais complexas. Os sujeitos hegemônicos se distribuem em escalas desde o global até o local.
Moreira (2007) afirma: “o território é o recorte espacial a partir do qual os sujeitos/categorias
dos fenômenos se posicionam diante dos termos da hegemonia ou coabitação determinados
pela dialética da localização-distribuição” (P.90-91).
Na medida em que as novas tecnologias entram em cena, as relações capital/trabalho
se modificam e as territorialidades também se alteram. A entrada de máquinas, para o corte
da cana, depende do relevo, da estrutura fundiária, da oferta de cana pelos produtores, da
oferta de trabalhadores temporários, do controle sobre os movimentos sindicais e,
principalmente, das relações custos/benefícios econômicos e socioambientais.
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Santos (1985; 1994) enfatiza que novos processos do meio técnico científico
informacional correspondem às novas necessidades de aumento do capital constante, que
levam ao aumento de circulação de capital, redução do número de trabalhadores formais na
produção e uma terceirização mais ampla e acelerada em função das novas concepções das
relações com o mercado de trabalho e com a gestão do capital.
Na cana-de-açúcar, no Sul de Alagoas, as formas de organização nas relações sociais e
de produção parecem simétricas no que se refere aos focos de produtividade e competividade,
através de um modelo técnico universal no corte e na usina, mas há diferenciais quanto às
relações de trabalho nos territórios das empresas e nas relações com os produtores de cana.
Essas diferenças se manifestam principalmente nas usinas Coruripe, Sinimbu e Pindorama,
nas territorialidades das empresas, dos trabalhadores temporários, os da gestão e os técnicos
permanentes, residentes nos núcleos urbanos no seu entorno, com realidades culturais e
socioeconômicas diferentes. As territorialidades dos trabalhadores temporários, residentes no
semiárido ou no agreste, contratados para a fase do corte da cana, se manifestam mais ilhadas
das relações econômicas e culturais locais e sob o controle territorial da empresa
agroaçucareira, principalmente nos espaços urbanos locais.
Na Cooperativa Pindorama, por ter os seus trabalhadores e produtores organizados em
aldeias e participarem mais diretamente dos processos produtivos e econômicos, as relações
familiares e comunitárias se apresentam mais efetivas e consolidadas. Mas, há um gargalo nos
diferenciais de tecnologias aplicadas que se manifestam na competitividade e nos níveis de
produtividade, principalmente em relação à produção de cana, do açúcar e do etanol. Como
essa questão se resolverá diante do paradigma globalizado?
No trabalho do corte, a mão-de-obra se constitui em quebra-cabeças, para as empresas
e para os gestores dos territórios locais e regionais. No concernente a inclusão nos atuais
processos, o aumento da instabilidade do trabalhador temporário, sem qualificação técnica
para entrar no novo modelo produtivo é evidente. Sabe-se que os empresários preferem
transportar mão-obra externa, não somente porque a mão-de-obra local é insuficiente, mas
também porque a externa está mais sujeita ao controle das regras empresariais tradicionais.
Entretanto, as relações mais tradicionais também passam por mudanças por exigências das
fiscalizações do Ministério do Trabalho e dos sindicatos e, principalmente, pelas exigências
do mercado fundamentado na sustentabilidade socioambiental, nos mercados consumidores.
Uma empresa com tratamento incompatível com as novas realidades não é bem vista no
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mercado mundial, ainda que este esteja essencialmente preocupado com os benefícios
econômicos.
As formas anteriores de moradias junto à usina e à produção da cana estão sendo
extintas e novas formas de relações estão sendo construídas. Aparentemente, essas novas
formas parecem deixar o trabalhador mais livre do controle da empresa, mas, por outro lado, a
instabilidade inerente às relações flexíveis, parece ser um dos problemas para os trabalhadores
e para a gestão do espaço urbano.
OS RECURSOS O OS PROCESSOS ESPACIAIS
No Sul do Estado de Alagoas (mapa) estão localizadas as usinas com maior produção
de etanol e açúcar do estado.
O mapa acima mostra a localização das usinas sucroalcooleira no Estado de Alagoas,
com maior densidade nas proximidades da Costa do Oceano Atlântico, na Zona da Mata. As
usinas Coruripe, Pindorama e Sinimbu foram entrevistadas pela equipe. A usina Guaxuma
não atendeu ao pedido de entrevista. Posteriormente fomos informados que esta foi acionada
pelo Ministério do Trabalho em função de trabalho escravo no corte da cana. A localização
nesta microrregião é histórica em função da facilidade de logística, a partir do ciclo da cana-
Coruripe
Sinimbu
Pindorama
Guaxuma
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de-açúcar, na fase colonial constituídas de engenhos. Os fatores água, solo, relevo e logística
de transportes, além da proximidade da produção da cana-de-açúcar, são fatores fundamentais
e determinam a localização da usina e do plantio. Apesar da distribuição das usinas se
localizarem em toda a Costa Leste, as que se modernizaram e aumentaram a produção e
produtividades localizam-se ao Sul do Estado de Alagoas. A dotação de novas formas de
produzir, dentro das necessidades do capital na atual fase, implica na articulação de diversos
fatores.
A produção sucroalcooleira atual exige articulação de variáveis que implicam na
utilização intensiva dos recursos físicos, técnicos, humanos e de capital. “Não se deve
esquecer de que, no espaço, o econômico, o social, o político e o cultural se dão de forma
diferenciada” (SANTOS, 1985:72).
Na produção sucroalcooleira, o componente natural da base territorial é de extrema
importância. Assim os recursos físicos naturais interferem nos processos produtivos, na
utilização de novas tecnologias, nas mudanças da força de trabalho e nos níveis de relações
das empresas com os trabalhadores, uma vez que os diversos fatores são interdependentes na
formação da totalidade do espaço.
As três usinas pesquisadas constituem, em conjunto com outras usinas, uma pequena
região produtiva, sendo a mais produtiva no contexto da produção do setor sucroalcooleiro no
estado, concentrando a maior parte das técnicas agrícolas industriais e apresentando
diversidades de formas de organização.
A análise dos recursos físicos implica em introduzir o papel do território como suporte,
meio geográfico e meio de produção e em suas relações sociais e econômicas, a existência de
recursos humanos em um território representa uma possibilidade de desenvolvimento
produtivo do espaço. Há de se distinguir as diferenças entre recursos humanos necessários e
recursos humanos disponíveis (SÁNCHEZ, 1991).
Os recursos técnicos se compõem de um conjunto de fatores que incidem na
capacidade produtiva. As novas tecnologias de informatização e informação permitem
deslocamentos de planos de produção, normas de circulação e de gestão. Os recursos
tecnológicos são difíceis de ser separados dos recursos de capital. Estes, de alguma forma, são
os que assumem o poder que afeta aos demais recursos (SÁNCHEZ, 1991)
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RECURSOS FÍSICOS, TÉCNICOS, HUMANOS E DE CAPITAL NO SETOR
SUCROALCOOLEIRO
Na microrregião estudada, no Sul de Alagoas, a usina Coruripe é a mais modernizada
da região, mas mantém o corte manual porque 70% da cana, plantada nos tabuleiros dificulta
a mecanização o que implica em continuar utilizar o corte manual. Segundo os diretores
entrevistados, até 1960 a plantação de cana-de-açúcar ocupava os vales do rio Coruripe e a
formação das usinas se a partir dos antigos engenhos. Apesar da localização do plantio de
cana, no Sul de Alagoas, contar com algumas vantagens em termos de água e clima, o que se
manifesta no discurso dos produtores são também as dificuldades climáticas. A planície
levemente ondulada é um obstáculo para a entrada das máquinas para o corte da cana para
todas as usinas da região. A Pindorama e a Sinimbu também ocupa aproximadamente a
mesma porcentagem de tabuleiros porque estão localizadas na mesma microrregião. Portanto
há semelhanças no quadro natural, nas três usinas pesquisadas, com pequenas diferenças
topográficas nas áreas de plantio de cana da usina Sinimbu. Essa usina conta com 40% de
planícies e por isso a mecanização da colheita é mais viável.
Nos recursos humanos, a usina Coruripe conta com 3.690 trabalhadores, sendo 1.800
fixos e 1890 safristas no corte da cana. A maior parte dos trabalhadores safristas são
imigrantes originários do sertão. 70% desses retornam em todas as safras.
A usina Pindorama o trabalho é cooperativado e a maior parte da mão-de-obra é da
comunidade, segundo os dados fornecidos nas entrevistas, são 800 a 900 trabalhadores e
somente 10% são imigrantes. A Cooperativa Pindorama não tem como base produtiva
somente a cana-de-açúcar, a produção é diversificada e aproveita-se coco, maracujá e outros
produtos naturais locais. Outro aspecto importante é a organização do espaço urbano e rural.
São 19 aldeias que têm como base o território da usina, a partir da estrutura fundiária iniciada
nos anos 1950. Na usina Sinimbu, a mão de obra é escassa porque a maioria está sendo
utilizada em grandes obras regionais ou nos serviços urbanos. A usina busca 500 cortadores
fora do seu território produtivo. Tem 1000 trabalhadores no campo e 340 na indústria.
Segundo as declarações do gerente, a média produtiva do trabalhador é de 6,5 toneladas/dia
no corte da cana e atualmente há disputa de mão de obra entre as usinas.
Nos recursos técnicos, na usina Coruripe 87% da produção da cana é com irrigação. A
Produtividade é de 80 toneladas por hectare, enquanto a média do estado é de 62 toneladas.
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As variedades produzidas através de processos técnicos científicos avançados, com o banco
de germosplasma da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Em lugar de agrotóxico usa-
se o controle biológico. Na usina Pindorama, o corte é 100% manual e há fertirrigação,
entretanto a produtividade não é competitiva. A capacidade de produção de etanol é de 330
mil litros/dia, a de açúcar: 9.200 sacas/dia utilizando um milhão de toneladas de cana.
Em informes vinculados pelo site: http://aquiacontece.com.br/noticia/, em 13 de junho
de 2012, a Pindorama conta com uma equipe coesa que trabalha junta há dez anos
administrando aproximadamente dois mil colaboradores no período de safra. Na safra
2011/2012 a Usina Pindorama conseguiu atingir a meta de um milhão de toneladas de cana-
de-açúcar beneficiadas, produzindo 56 mil toneladas de açúcar e 35 milhões de litros de
etanol. Esses números posicionaram a unidade produtora como 13ª usina alagoana em
produção no ciclo atual. Na tabela verificam-se dados que nos auxilia na compreensão do
papel da cana de açúcar e de seus derivados na região sucroalcooleira.
Tabela 1 Produção de açúcar, etanol e melaço nas usinas pesquisadas no Estado de Alagoas
(Safra 2009-2010)
Estado/microrregião/Usina Cana moída (T) Açúcar (T) Etanol (m3) Melaço (T) Alagoas 24.269.890 2.099.539 625.785 983.875
Sul de Alagoas 10.992.304 946.045 333.901 428.322
Coruripe 873.600 350.492 132.350 136.175
Jequiá da Praia - Sinimbu 1.450.000 114.447 43.035 54.969
São Miguel dos Campos 1.682.000 257.912 48.630 113.123
Teotônio Vilela 868.000 100.833 20.137 29.827
Fonte: Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas - SINDAÇÚCAR – AL Site: www.conab.gov.br
A tabela 1 nos mostra que quase 50% da produção de açúcar, etanol e melaço do
Estado de Alagoas se concentra na região Sul. As usinas nas mediações de Coruripe
concentra, respectivamente em relação à produção da região Sul, 44,3% da produção de cana;
87% da produção de açúcar; 73% do etanol e 78% do melaço. Esses dados indicam maior
concentração de técnicas e, por sua vez, explica a maior produtividade. Entretanto, o açúcar é
o carro-chefe devido à tradição do Estado de Alagoas e dos fatores distância da
transformação, logística e mercado comprador consolidado.
Nos recursos de capital, as usinas pesquisadas apresentam maiores diferenças entre
elas, possivelmente, em relação às demais regiões do estado. A usina Coruripe resulta da
fusão de engenhos ao longo do Rio Coruripe nos anos 1940 e atualmente, o seu complexo
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produtivo conta com mais quatro usinas em MG e a base do grupo gestor é familiar e utiliza
plantadeiras mecânicas; na questão fundiária, a usina Coruripe apresenta área de 29.400
hectares com plantação de cana, conta 12.500 hectares de fornecedores (30%) e 4.700
hectares arrendados.
Na usina Pindorama, a terra é da cooperativa e o cooperativado adquire o direito de
posse. Há 1.160 colonos no total 15 mil hectares, distribuídos em 19 aldeias. Na Sinimbu,
fundada pela Família Coutinho (1951), a despesa industrial é de 15 milhões de Reais, o custo
agrícola de 45 milhões e o faturamento de 210 milhões e as despesas com manutenção é 70
milhões. O grupo está se expandindo para Jataí, em Goiás.
Na Usina Sinimbu, a produção é de 32 milhões de litros de etanol, sendo 29.587 litros
de anidro e 2.522 hidratados. 80% da produção de açúcar para exportação, para Rússia,
China, África e Oriente Médio. 12 mil hectares de terras são de propriedade da usina; na
produção de cana, 750 toneladas são de cana própria, 200 mil toneladas de cana de acionistas
e 500 mil toneladas de fornecedores. A maioria dos fornecedores são de até 20 mil toneladas,
mas há alguns com 150 mil. Partes da usina estão automatizadas (80%), há laboratório
moderno de pesquisas, conta com consultorias externas e há convênio com a CTC e UFAL.
No corte, 40% é mecanizado e conta com máquinas para o plantio.
Considere-se que a articulação dos fatores incide sobre a produtividade e a
competitividade. Portanto, não é suficiente contar apenas com a modernização de uma das
partes. O comando dos fatores pertence aos recursos de capital, que bem articulados com os
demais fatores se constitui no motor da competitividade. O trabalho será o setor mais afetado
em todo esse processo. Calcula-se que até 2020 somente será utilizada cerca de 20% da mão
de obra atual e, o Estado de Alagoas conta com aproximadamente 45% de analfabetos no
corte da cana. Não há expectativa de escolarização de qualidade e qualificação profissional
para suprir o exército de trabalhadores que serão excluídos da produção.
Segundo os executivos entrevistados, um dos problemas da expansão da produção da
cana-de-açúcar é a questão fundiária. O preço da terra é muito alto e não há mais terras
desocupadas. A única saída é o aumento da produtividade e para isso somente com
incorporação de novas tecnologias, sementes melhoradas, colheita mecanizada e redução dos
custos de gestão. Isso significa indução de mudanças nos custos do trabalho vivo e aumento
dos custos no trabalho morto, que por sua vez, alimentará o bolo do capital pela via das
incorporadoras internacionais produtoras de equipamentos de produção.
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Na irrigação, cada vez mais utilizada pelos produtores de cana, o custo também é
muito elevado. Os solos de tabuleiros são marginais e há muito investimento para a
recuperação do solo. Estes representam 70% da região, o que por sua vez dificulta a
mecanização. A cana está entrando para o agreste porque a topografia é plana e levemente
ondulada e a terra é fértil. Uma das principais dificuldade é a questão da água.
Nas questões do trabalho, o representante da Fetag destaca que a fiscalização do
trabalho na cana ainda é frágil. Os fiscais só aparecem quando há denúncias e há muitas
reclamações sobre a pesagem. A usina só pesa a favor dela e o trabalhador que exige da
empresa perde o emprego. A menor usina trabalha com mil pessoas. São 60 mil trabalhadores
cadastrados e as relações com os fornecedores são piores. Há trabalhadores que estão fazendo
trabalhos para os quais não foram contratados. Às vezes as jornadas são excessivas e
trabalham 44 horas semanais. Eles querem reduzir o corte da cana de 6 para 4 meses o que
reduzirá a quantidade de trabalhadores e aumentará a produtividade. Não ampliaram as
máquinas porque as usinas não atenderam a demanda e porque muitas áreas são onduladas.
O processo de mecanização que ainda é pouco utilizado, cada máquina desemprega
240 trabalhadores. Atualmente entraram 11 máquinas e no estado são 24 usinas em 46
municípios. Essas mudanças, no corte e na produção, podem implicar em aumento de
desemprego, principalmente porque a maioria dos cortadores não tem instrução básica e,
portanto, não tem condições de conviver com a realidade do trabalho urbano atual. Não
existem políticas públicas para a qualificação. Nas entrevistas com os empresários, a escassez
da mão de obra foi item destacado. Atualmente eles preferem migrar para o Sudeste ou para
as grandes obras da região, ou para alguns serviços urbanos. É evidente que os inchaços
urbanos e os problemas decorrentes continuam aumentando, tais como a violência e a droga.
Essa problemática é muito visível nas orlas praianas de Maceió.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreender a totalidade dos processos que envolvem as atuais mudanças
territoriais tentamos observar e analisar as formas e estruturas do território, através de suas
atuais funções e as relações entre os fatores de produção no recorte espacial estudado. A
totalidade do espaço é complexa e a sua essência é de difícil compreensão.
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No Sul do Estado de Alagoas, a organização espacial do capital e do trabalho, a
inserção de novas técnicas exigem mudanças nas formas de produzir, de gestão e de relações
com novas escalas de circulação de capital e de mercado, por parte dos gestores
hegemônicos. Entretanto, essas novas formas contém, em sua gênese, as raízes históricas do
espaço fundamentadas em relações tradicionais de grupos e famílias. Essas históricas
relações que construiu o espaço e que se renovam com as exigências dos processos de
acumulação, contêm em seu cerne, diferentes componentes culturais que pactuam e entram
em conflito e dialeticamente alimentam a reprodução do capital.
Observa-se que as formas que compõem os processos naturais, tecnológicos e de
relações de trabalho têm algumas singularidades no conjunto da microrregião produtiva do
etanol, e pouco se diferenciam no imaginário dos agentes locais. Ou seja, há níveis de
homogeneidade quando se refere às buscas de produtividade e competividade através do uso
de novas tecnologias, novas formas nas relações de trabalho e da gestão dos recursos, assim
também parece haver preocupações similares em relação ao componente ambiental.
A reestruturação territorial, os novos fixos e os fluxos, no Sul do Estado de Alagoas
se articulam com escalas nacional e global e o uso de novas tecnologias, modernização da
gestão e dos fatores de produção que possibilitam a sua constituição enquanto região
produtiva, dentro das atuais formas de reprodução do capital. A lógica do modelo
desenvolvimentista somente comporta a inclusão dos diferentes tempos, mas no novo
processo de inclusão/exclusão é provável que os excluídos sejam os mais vulneráveis da
sociedade (SANTOS, 1994).
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O TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO PRESENTE NA PRODUÇÃ O DO ETANOL BRASILEIRO
José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense
zevictor18@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
Os colonizadores portugueses implementaram a produção de cana-de-açúcar no Brasil
a partir do século XVI. A lavoura da cana se tornou importante fonte de renda, ocupando
primeiramente o Nordeste brasileiro e parte do litoral do Sudeste. Por vários séculos foi um
produto importante para a economia colonial e, posteriormente, do Brasil, mesmo enfrentando
diversas crises na produção influenciadas pela demanda internacional e concorrência com
outras regiões produtoras. No século XX, nos momentos de crise do café, o açúcar ressurge
como possibilidade econômica para os produtores do Centro-Sul. A criação do Instituto de
Açúcar do Álcool, em 1933, foi um importante instrumento de legitimação do deslocamento
da hegemonia da produção de açúcar do Nordeste para o Centro-Sul, sobretudo São Paulo.
Assim sendo, em face das condições de competitividade e do IAA, o Sudeste se afirma com
região por excelência na produção de cana a despeito das crises que afetavam o setor
canavieiro. Todavia, a crise do petróleo, em 1973, abriu possibilidades de expansão e
modernização da base produtiva canavieira.
Mesmo possuindo experiência na utilização de álcool combustível, desde início do
seco XX, foi somente em 1975, ainda sob efeito da crise do petróleo, que o governo brasileiro
criou o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), que viabilizou os mecanismos
necessários para a expansão da produção no país. O principal objetivo do Programa era
atender as necessidades do mercado interno e externo a partir de uma política de combustíveis
automotivos (CARVALHO, 2007).
A razão da criação do programa foi o forte impacto negativo na economia brasileira
causada pelos dois choques do petróleo, em 1973 e 1978. Em virtude dos financiamentos e
estímulos oferecidos pelo PROÁLCOOL, a produção brasileira de etanol cresceu de 555
milhões de litros, em 1975/76, para mais de 12 bilhões de litros no início da década de 1990.
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A implantação do PROÁLCOOL marcou a opção do álcool como alternativa ao uso da
gasolina.
A expansão da lavoura canavieira no Brasil, nos últimos 20 anos, tem sido
determinada, de um lado, pelo aumento da demanda nacional e internacional de etanol e
açúcar, de outro, pelo papel dos biocombustíveis diante da problemática ambiental em torno
de uma nova matriz energética que reduza as emissões de gás carbono. Os resultados do
Protocolo de Kyoto impuseram reduções de emissão de gás carbono por parte dos países
signatários. Estado e diversos atores do setor sucroalcooleiro têm se beneficiado desse cenário
internacional, tornando o Brasil responsável por 45% da produção mundial de etanol
produzido a partir da cana-de-açúcar e o maior exportador de açúcar.
De acordo com o IBGE - Produção Agrícola Municipal de 2010, a produção brasileira
de cana atingiu 672,1 milhões de toneladas em 2009, alta de 4% em relação ao período
anterior. A distribuição da produção de cana se dá por todo território nacional (Mapa 1). O
estado de São Paulo concentrou 57,8% da produção e colheu 389 milhões de toneladas, 2% a
mais do que em 2008. Além do preço do açúcar, que estimulou o setor em 2009, o etanol
também serviu de motivação para os usineiros. A venda de veículos flex, ou seja, que podem
utilizar gasolina ou etanol representou 86,5% do total de unidades negociadas no país em
2010. Foram 2,8 milhões de veículos novos vendidos ao longo de 2010, uma alta de 9% em
relação ao ano anterior, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (ANFAVEA).
Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), estimativas preveem
que 600 mil hectares de Cerrado nativo poderão ser desmatados para a produção de cana até
2035. Estados com áreas de expansão, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás
tiveram, em 2007 e 2008, áreas de floresta convertidas em cana.
Segundo a ONG Repórter Brasil (2010):
O estudo do CMA (Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis) também faz uma alerta sobre a segurança alimentar do país. A tese do governo e do setor sucroalcooleiro de que a expansão da cana se dará, sobretudo, sobre pastagens degradadas pode ser uma tendência para o futuro, mas não é em todo verdadeira. De acordo com o Canasat, sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), nos estados de Minas Gerais, Goiânia, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso foram principalmente às culturas alimentares que perderam área para a cana nos últimos anos.
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Esta pesquisa, que se encontra em estágio inicial, tem como principal objetivo o
trabalho análogo à escravidão nos canaviais brasileiros, porém diversos outros problemas
merecem ser citados, dentre eles a grilagem de terras, que é reconhecida como um dos vilões
do desmatamento nas áreas de expansão da fronteira agrícola. Nos últimos anos, a abertura de
uma área vem sendo uma das formas usadas para tentar comprovar sua posse regular. Em
contrapartida, os instrumentos econômicos, como a regulação de financiamentos e do
mercado de terras também são avaliados por especialistas como fundamentais no combate ao
desflorestamento e vêm sendo cobrados por organizações da sociedade civil.
Mapa 1
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Dentre outros problemas que também estão aparentes no agronegócio são: famílias
desapropriadas para a instalação de projetos; comunidades vivendo com péssimas condições
de moradia, saneamento e saúde; avanços das empresas para dentro das comunidades,
pulverização aérea que não respeita os limites das comunidades, ausência de descarte correto
para embalagens de agrotóxicos, aumento das doenças causadas pela utilização de
agrotóxicos.
O TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO NA CANA DE AÇÚCAR
O trabalho análogo à escravidão aparece hoje como uma das principais formas de
violência no campo. Segundo a Convenção nº 29 da OIT (Organização do Internacional do
Trabalho), de 1930, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" compreende a “todo
trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha
oferecido espontaneamente” (art. 2°). A escravidão é uma forma de trabalho forçado, que faz
com que uma pessoa tenha total controle sobre uma ou um grupo de pessoas, que estão
vivendo em situação, em geral, degradante, somada à impossibilidade de deslocamento
devido ao isolamento geográfico ou coerção física, até pagarem suas “dívidas” com o patrão.
Como aborda a OIT,
A característica mais visível do trabalho escravo é a falta de liberdade. As quatro formas mais comuns de cercear essa liberdade são: servidão por dívida, retenção de documentos, dificuldade de acesso ao local e presença de guardas armados. Essas características são frequentemente acompanhas de condições subumanas de vida e de trabalho e de absoluto desrespeito à dignidade de uma pessoa (OIT, 2005, não pág.).
A forma mais comum, no Brasil, de trabalho forçado é a servidão por dívida, que vem
quase sempre associada com as outras três formas de cercear a liberdade já citadas. A
servidão por dívida é caracterizada quando o dono da fazenda ou de qualquer
empreendimento rural proporciona um empréstimo aos trabalhadores, contratados pelo “gato”
(contratador da mão de obra), sob a forma de adiantamento de dinheiro. Em seguida os
trabalhadores têm seus direitos confiscados.
A partir de 1995, quando o governo reconheceu a necessidade de combater o trabalho
escravo, foram criados o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e o Grupo Executivo
de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF). O Grupo de Fiscalização Móvel tem como
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objetivo, como informa o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a erradicação do
trabalho escravo, por meio de ações fiscais nos focos previamente mapeados.
Em 2003, o governo Lula prometeu a erradicação do trabalho escravo. O GERTRAF
foi substituído pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE),
que elaborou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, hoje em sua segunda
edição. Além do CONATRAE, também existe nos Estados o COETRAE (Comissão Estadual
de Erradicação do Trabalho Escravo), que age nas ações de combate ao trabalho ilegal e
desenvolve ações preventivas, repressivas e de políticas públicas, buscando alternativas para
que estes trabalhadores não retornem ao trabalho escravo através da qualificação via cursos
profissionalizantes.
Segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, em 1995, foram
resgatados no Brasil 38.769 trabalhadores em situação análoga à de escravo. Entre 1995 e
2002 houve 5.893 resgates. Entre 2003 e 2010 houve 32.986.
Os números de trabalhadores encontrados a partir de 2003 aumentaram, fruto de um
aumento das fiscalizações e da criação do I Plano Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo, que criou estratégias de intervenção e possibilitando maior coordenação entre órgãos
governamentais e organizações da sociedade civil no enfrentamento ao problema. Em 2008 o
governo ampliou seu interesse no combate desta causa, lançando o II Plano Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo que apresenta 66 propostas divididas em ações gerais; novas
estratégias associadas ao enfrentamento e à repressão; reinserção e prevenção; informação e
capacitação; e repressão econômica.
O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo de 2003:
...apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. Atualização de propostas que já vinham sendo articuladas em anos anteriores, o documento considera as ações e conquistas realizadas pelos diferentes atores que têm enfrentado esse desafio ao longo dos últimos anos. (MTE, 2003)
O MTE criou uma forma de tentar impedir o crescimento do trabalho escravo, a
chamada Lista Suja. Os fazendeiros que estão nesta lista ficam proibidos de receber
empréstimos de bancos estatais. A lista é disponibilizada para consulta pública no site do
MTE, sendo usada, principalmente, por empresas que querem evitar a compra de produtos
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que advém do trabalho escravo, impondo o fim da comercialização desses produtos, pelo
menos até a saída do nome do fazendeiro da Lista Suja.
A atualização da Lista Suja é semestral. O cadastro, conforme o assessor da SIT,
Marcelo Campos, consiste:
...na inclusão de empregadores cujos autos de infração estejam com decisão definitiva e não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera administrativa, bem como, da exclusão daqueles que, ao longo de dois anos, contados da sua inclusão no Cadastro, lograram êxito em sanar irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho e atenderam aos requisitos previstos na Portaria retro mencionadaI.
Ainda segundo Marcelo Campos, o MTE,
...como subsídio para proceder às exclusões, adotou o seguinte procedimento: análise das informações obtidas por monitoramento direto e indireto nas propriedades rurais incluídas, por intermédio de verificação “in loco” e por meio das informações dos órgãos e das instituições governamentais e não governamentais, além das informações obtidas junto à Coordenação Geral de Recursos da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Outro aspecto a ser esclarecido é aquele relativo aos empregadores que recorreram ao Poder Judiciário visando sua exclusão do Cadastro. Em cumprimento à decisão judicial (liminar), o nome é imediatamente excluído e assim permanece até eventual suspensão da medida liminar ou decisão de mérito. Havendo decisão judicial pelo retorno do nome ao Cadastro, este passa novamente a figurar entre os infratores e a contagem do prazo se reinicia computado o tempo anterior de permanência no Cadastro, até que se completem dois anos. A propriedade volta, então, a ser monitorada durante esse tempo restante, para efeito de futura exclusão por decurso de prazo e por cumprir as demais exigências previstas na aludida portariaII.
Os proprietários das fazendas vistoriadas e que estão irregulares firmam com o
Ministério Público do Trabalho, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),
responsabilizando-se por solucionar as irregularidades advertidas pelo GEFM.
Segundo De Mio, o TAC é
...um instrumento legal destinado a colher do causador do dano ao meio ambiente, entre outros interesses difusos e coletivos, um título executivo de obrigação de fazer e não fazer, mediante o qual, o responsável pelo dano assume o dever de adequar a sua conduta às exigências legais, sob pena de sanções fixadas no próprio termo. (De MIO, 2005, pg. 67).
Além disso, um fator de grande importância é a necessidade de reinserção dos
trabalhadores resgatados. O governo os insere no programa Bolsa Família e no Programa
Nacional Resgatando a Cidadania, projeto piloto em Mato Grosso, para fazer intermediação
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de mão de obra. Portanto, se alguma empresa estatal precisar de um trabalhador, procura os
trabalhadores cadastrados neste programa.
No Centro-Sul brasileiro, diversos casos de trabalho escravo no campo vêm
aparecendo nos últimos anos. Os Estados com maiores produções de cana de açúcar, como
São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás, apresentam grande índices de trabalhadores
análogos a escravidão no campo. Até mesmo estados com menores produções apresentam
índices alarmantes de violência, como é o caso do estado do Rio de Janeiro. Em 2009, foram
encontrados mais de 700 trabalhadores escravos nos canaviais da cidade de Campos dos
Goytacazes.
A ONG Repórter Brasil junto com o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis,
criou em 2011 o relatório “O etanol brasileiro no mundo: Os impactos socioambientais
causados por usinas exportadoras”, que tem como objetivo apontar os problemas
socioambientais provocados pela o avanço da lavoura da cana para a produção de etanol.
Dentre os destaques deste relatório, está a criação do governo do Compromisso Nacional para
Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar, que tem como um dos principais
objetivos “estabelecer critérios e procedimentos para implementar, acompanhar e avaliar os
resultados do compromisso nacional para aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-
açúcar.III” Segundo este Relatório:
A Secretária-geral da Presidência da República, que administra o acordo, confirmou que ao menos 248 usinas (das mais de 300 que manifestaram intenção inicial de aderir ao acordo, em meados de 2009) preencheram o cadastro de adesão. Esse registro só assegura às companhias solicitantes a condição de aptas para a verificação in loco, conforme frisa a assessoria de imprensa da pasta: “Só serão reconhecidas as empresas que efetivamente tiverem comprovação do cumprimento dos compromissos, mediante auditoria externa”. (REPÓRTER BRASIL, 2011)
Conforme o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na
Cana de Açúcar de 2009:
A queimada da palha da cana, um procedimento tradicional para facilitar o corte manual e aumentar a quantidade colhida pelo trabalhador, está sendo eliminada gradativamente, sobretudo na região Centro-Sul (1/4 da safra brasileira de 2007/2008 foi mecânica, segundo estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, 2008). Nos estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo já foram assinados protocolos agroambientais com a indústria canavieira para erradicar essa prática em curto período de tempo. Estima-se que 60% da área plantada em São Paulo já sejam colhidas com
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máquinas. Nesse Estado, o número de trabalhadores não-qualificados caiu 8,8% entre 2009 e 2010, para 140,4 mil. (BRASIL, 2009)
O Centro-Sul é a região de destaque na produção de cana, pois:
...é a região onde estão praticamente 81% das usinas do País, responsável pela produção de 88,8% da cana-de-açúcar, 86,4% de açúcar e 91,3% de todo o etanol brasileiro (ver quadros da produção sucroalcooleira). O parque sucroalcooleiro é composto por 413 indústrias, sendo 248 unidades mistas, 15 produtoras de açúcar e 150 produtoras de etanol. A produção independente de cana-de-açúcar congrega cerca de 80 mil produtores, a grande maioria deles pequenos agricultores com produção inferior a 10 mil toneladas. (BRASIL, 2009)
De acordo com os dados da CPT, o setor sucroalcooleiro ultrapassou a marca de 10
mil trabalhadores libertados em todo o Brasil, entre os anos 2003 – 2010. A Região de
destaque foi a Centro-Sul, onde mais de 8 mil trabalhadores foram libertados entre 2000 -
2010, como destaca o mapa 2.
Mapa 2
Fonte: Dados CPT
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Umas das mais importantes ONGs brasileiras contra a violência no campo e,
principalmente, contra o trabalho escravo, a ONG Repórter Brasil, publicou, em 2009, o
relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis - Impactos sobre a terra, o meio e a sociedade -
Cana 2009”. Consta no relatório que a empresa Gameleira entrou para a lista suja do trabalho
escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em novembro de 2003 e
saiu em maio de 2008. Durante esse período, ela chegou a ter seu nome retirado da lista
oficial de empregadores escravagistas por força de liminares, posteriormente derrubadas pela
própria Justiça.
O mesmo relatório aponta que, em 2006,
A Gameleira passou a se chamar Destilaria Araguaia, uma tentativa de desvincular a imagem dos escândalos trabalhistas. [...] O MPT ofereceu à Destilaria Araguaia um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual a empresa se compromete a se adequar às normas de segurança e saúde no trabalho. Entre as medidas exigidas para que ela volte a funcionar está a construção de aterramentos para os geradores de energia elétrica, a instalação de dispositivos de abertura interna para câmaras frias e de sistemas de proteção contra incêndios e explosões em áreas consideradas de risco. [...] A Destilaria Araguaia processa de 300 a 350 mil toneladas de cana por ano, produzindo cerca de 25 milhões de litros de etanol. [...] No período em que constava da lista suja do trabalho escravo, a então Gameleira não conseguia vender sua produção a grandes distribuidoras, comprometidas com o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ao sair do cadastro oficial de escravagistas, porém, a agora Destilaria Araguaia voltou imediatamente a ser fornecedora da Petrobras. (REPÓRTER BRASIL, 2009, pg. 17-19)
Em São Paulo, onde está a maior parte da produção, os problemas trabalhistas se
concentram no excesso de jornada e em más condições de segurança, higiene e
alimentação. As violações em termos laborais não envolvem apenas pequenos produtores.
Vale lembrar que a Cosan, maior grupo sucroalcooleiro do país, foi inserida, em dezembro de
2009, na “lista suja” do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego – e saiu em
seguida, após liminar obtida na Justiça. O grande problema, segundo o relatório do CMA, é
que o aumento a produção de cana-de-açúcar e de etanol tende a ser feito sobre bases pouco
comprometidas em termos socioambientais. Uma análise das condições trabalhistas do setor é
reveladora. Em 2009, 1.911 trabalhadores escravos foram libertados no setor da cana nos
estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, e Rio de Janeiro.
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CONCLUSÃO
A explicação mais aceitável para a existência do trabalho escravo, no Brasil, nos dias
atuais, é devida à busca de redução do custo de produção através da escravidão por dívida. É
relativamente fácil achar os trabalhadores, pois há uma grande quantidade de mão de obra
desempregada. Os detentores de terra que se utilizam do trabalho escravo não são
desinformados. Quem escraviza no Brasil são os fazendeiros que utilizam alta tecnologia em
sua produção. Os grandes produtores e empresas sonegam dos seus agregados a parte que lhes
cabe na produção, ao deixarem de cumprir a legislação trabalhista.
Logo, os direitos dos trabalhadores rurais são esquecidos. Os grandes proprietários
exercem o poder político, seja através de influência econômica, seja através da repressão.
Além disso, membros da administração pública municipal, estadual e federal são donos de
fazendas, tornando mais difícil a luta por direito aos trabalhadores.
O padrão da distribuição fundiária no Brasil instituiu uma dinâmica de expansão da
fronteira que, em princípio, deveria evitar a violência rural, mediante a facilitação da
ocupação de terras devolutas. No entanto, o mesmo padrão de distribuição é reproduzido nas
terras da nova fronteira, devido à disputa pelos direitos de propriedade ainda não devidamente
estabelecidos naquela região. Em virtude disso, os grupos com maior poder econômico e
político têm maior acesso aos títulos de posse e buscam a redução do custo de produção
através da escravidão por dívida para maior obtenção de lucros na sua produção, sonegando
dos seus agregados a parte que lhes cabe na produção, ao deixarem de cumprir a legislação
trabalhista.
O uso da força e do medo tem sido um dos imperativos das redes políticas das
corporações para atingir os objetivos e metas pretendidos. Daí a importância da Reforma
Agrária e da luta da CPT por moradia, educação, alimentação, saúde, respeito à sócio-
biodiversidade e à função social da terra. Todavia, infelizmente, as questões fundiárias ainda
não são assumidas como um problema nacional, em face do peso da urbanização dominante
do país, cenário por excelência das ideias de modernidade e progresso. O rural ainda carrega o
estigma do atraso, do arcaico, do tradicional, do periférico e do vazio demográfico. Talvez o
debate em torno dessas representações simbólico-ideológicas nas universidades, escolas e
famílias contribuam para uma maior mobilização e militância na defesa dos trabalhadores
rurais e de outra racionalidade sócio-produtiva.
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NOTAS
__________________________________________________________________________________
I Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Atualizada a Lista Suja de trabalho
escravo. Acessado em 20/01/2011 II Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Inspeção do Trabalho: Combate ao
Trabalho Escravo. Acessado em 20/01/2011. III Extraído do Site da Casa Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Dnn/Dnn12937.htm. Acessado
em 20/05/2012.
___________________________________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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REPORTER BRASIL. “Produção maior de cana carrega problemas socioambientais”, 2010. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1706. Consultado em: 25/05/2012. __________________ “O etanol brasileiro no mundo: Os impactos socioambientais causados por usinas exportadoras”, 2011. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/Canafinal_2011.pdf. Consultado em: 25/05/2012. Sites Consultados: portal.mte.gov.br (acessado em Março de 2012) www.anfavea.com.br (acessado em Março de 2012) www.carnelegal.mpf.gov.br (acessado em Março de 2012) www.conab.gov.br/ (acessado em Março de 2012) www.cptnacional.org.br (acessado em Março de 2012) www.oitbrasil.org.br (acessado em Março de 2012) www.reporterbrasil.org.br (acessado em Março de 2012)
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O TRABALHO NO SETOR SECROENERGÉTICO EM ÁREAS DE EXP ANSÃO: O CASO DO MUNICÍPIO DE JATAÍ (GO)
William Ferreira da Silva Universidade Federal de Goiás
williamjatai@gmail.com
Dimas Moraes Peixinho Universidade Federal de Goiás dimaspeixinho@yahoo.com.br
Íria Oliveira Franco
Universidade Federal de Goiás iria_biologa@ymail.com
Cinara Franco Carvalho Universidade Federal de Goiás
cinarafranco20@gmail.com
INTRODUÇÃO
A recente expansão do setor sucroenergético brasileiro é um fenômeno que atrai a
atenção e ocupa as agendas de pesquisa por sua capacidade de promover modificações nos
mais diversos campos da realidade. Um dos aspectos que precisam ser analisados no
movimento de expansão é a modificação nas relações de trabalho derivada das mudanças
técnicas incorporadas pelo setor.
Ao incorporar técnicas avançadas nos processos produtivos o setor provoca rebates na
relação capital-trabalho, tradicionalmente complicada nesse segmento produtivo. Mesmo na
contemporaneidade o setor aparece associado a condições de trabalho degradantes devido a
intensa exploração da mão-de-obra. O intenso esforço físico de cortadores de cana, os
acidentes de trabalho, a baixa remuneração e a baixa qualificação dos profissionais dessa
atividade são motivos para constantes críticas ao setor.
Contraditoriamente, as promessas de geração de empregos com boa remuneração e
boas condições de trabalho são usadas pelos agentes desse setor para convencer a sociedade e
a classe política dos benefícios que ele pode gerar no local onde se instala. A mecanização
das atividades agrícolas tem sido colocada pelos principais agentes desse setor como a
solução de toda essa problemática. A partir dela diversos problemas seriam resolvidos. A
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contratação de trabalhadores temporários, a baixa remuneração, a baixa qualificação e as más
condições de trabalho seriam abolidas a partir do uso de máquinas capazes de realizar o
plantio e a colheita da cana-de-açúcar.
O presente trabalho busca discutir o movimento de expansão do setor no município de
Jataí (GO), levando em conta, principalmente, os impactos iniciais no mercado de trabalho
local. Busca-se identificar a capacidade desse setor em empregar mão-de-obra local, um dos
argumentos para convencer a comunidade local dos benefícios que o setor sucroenergético
traria.
A área de análise é palco de disputa territorial intercapitalista entre a cadeia carne-
grãos, fortemente territorializada, e o setor sucroenergético. Este último busca promover uma
série de ações para garantir o seu estabelecimento e criar suas próprias teritorialidades por
meio de diferentes estratégias. A divulgação de sua capacidade de gerar emprego e renda para
a comunidade local é uma das estratégias usadas.
AS CONDIÇÕES PARA A EXPANSÃO E A MECANIZAÇÃO EM GOI ÁS.
O setor sucroenergético brasileiro deve esmagar, na atual safra, 602 milhões de
toneladas de cana-de-açúcar, produzidas a partir da utilização de 8,6 milhões de hectares. A
área de expansão será de 618 mil hectares, prioritariamente nos estados de São Paulo, Minas
Gerais e Goiás (CONAB, 2012). A ampliação da área cultivada pelo setor deve levar,
naturalmente, a abertura de postos de trabalho e a ampliação da participação no universo de
trabalhadores nas áreas de expansão.
Paralelamente ao processo de expansão assiste-se a modernização das técnicas
utilizadas nos segmentos industrial e agrícola do setor.
No contexto da modernização das técnicas usadas para a produção, o segmento
agrícola está experimentando um novo salto qualitativo a partir da genética das plantas e dos
procedimentos de cultivo e colheita, sendo que as operações de corte, carregamento e
transporte (CCT) foram significativamente alteradas. Trataremos aqui esse aspecto como a
modernização mecânica desse segmento. O avanço da mecanização da colheita decorre, do
ponto de vista técnico, do melhoramento genético de variedades com características de
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resistência e rebrota capazes de suportar o corte por máquinas e, em parte, pelo avanço da
indústria de colhedoras.
No início dos anos 90, a tecnologia disponível permite o corte de cana de diversas maneiras: cana vertical ou até horizontal, cana crua ou queimada, cana inteira ou cortada em pedaços de 60 cm (cana-planta) ou de 20 cm (cana industrial). Os novos modelos de máquinas depositam a cana cortada diretamente sobre o caminhão o que significa a eliminação da atividade de carregamento mecânico. (EID, 1996; p. 30).
A substituição da colheita manual, com uso da queima da cana, pelo corte mecanizado
da cana crua, guarda ainda relação direta com duas condições históricas que devem ser
solucionadas pelo setor, para que o etanol se torne uma commodity: o uso de grande volume
de mão-de-obra temporária e precária e os danos ambientais provocados pela queima da cana.
Se por um lado o setor amplia a produção nas áreas identificadas acima, por outro a
mecanização das atividades agrícolas tende a modificar o perfil do trabalhador exigido pelo
setor. Como vantagens da mecanização o setor aponta que em média, uma máquina pode
substituir 80 trabalhadores, porém exige uma maior qualificação da mão-de-obra contratada e
a conexão entre a operação do corte, do transporte e da recepção da cana na indústria.
A mecanização do corte, na verdade, atende a outras necessidades das empresas.
Reduz os custos da operação, reduz o embate entre capital e trabalho, à medida que dispensa
grande parte da mão-de-obra envolvida no processo de produção do etanol e do açúcar, e
possibilita o aproveitamento da palhada para a proteção do solo ou para a geração de energia.
O corte mecanizado é em média cerca de 35% a 40% mais barato do que o corte manual. Além disso, dependendo de sua performance, uma máquina pode colher em torno de 500 a 1000 toneladas de cana por dia, podendo substituir cada uma, aproximadamente de 80 a 100 trabalhadores, independentemente de a cana ser queimada inteira ou picada, ou crua picada. (OLIVEIRA e THOMAZ JÚNIOR, 2009. Vol. 3 p. 11).
Uma das consequências da mecanização do corte é dispensa de trabalhadores em
regiões onde o plantio de cana é uma atividade tradicional, devido à substituição dos
cortadores por máquinas. A mecanização das atividades agrícolas, além de reduzir os custos
de produção, elimina a possibilidade de que os trabalhadores do setor se mobilizem por
melhorias nas condições de trabalho e na remuneração. Se levarmos em conta a capacidade
das colhedoras modernas, a aquisição de máquinas desse tipo se torna um trunfo usado pelos
capitalistas do setor, sempre que existe alguma reivindicação trabalhista.
Em se tratando da questão da mecanização, cabe reforçar que essa ganhou força a partir da segunda metade da década de 1980, como forma do capital se precaver diante dos movimentos grevistas, mas este não foi o único motivo. Havia também a necessidade do capital agroindustrial canavieiro de racionalizar o processo produtivo
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e incrementar a produtividade do trabalho e rebaixar custos. (OLIVEIRA, 2009, p. 479)
Uma vez decidido que a empresa realizará as operações de corte de forma mecanizada
o relevo passa a ser um critério para a seleção de áreas a serem ocupadas. Nas terras do
Cerrado goiano, as condições topográficas são adequadas para a adoção do padrão
mecanizado, visto que nesse domínio, a presença de extensas chapadas com declividade baixa
é uma condição predominante.
Tabela 1 - Tipo de colheita de cana-de-açúcar no estado de Goiás – Safras 07/08, 08/09 e 09/10 em (%). Safra 07/08 Safra 08/09 Safra 09/10 Manual 65,81 52,34 39,64 Mecanizada crua 25,12 40,12 56,34 Mecanizada queimada 9,07 7,54 4,01
Fonte: SIFAEG, 2010. Organização do autor.
Entre as unidades novas instaladas no estado de Goiás, predomina a intenção de
realizar o plantio e a colheita da cana-de-açúcar de forma mecanizada em quase totalidade da
área, contribuindo assim para a redução dos custos de produção e estabelecendo prioridade
para a ocupação de áreas com declividade baixa, para permitir a mecanização (CARRIJO e
MIZIARA, 2009). Os dados apresentados pelo Sindicato das Indústrias de Fabricação do
Etanol do estado de Goiás (SIFAEG) apontam para a ampliação do corte mecanizado no
estado (Tab. 1) justamente a partir do período em que novas unidades se instalaram em Goiás.
A convergência entre as condições requeridas para a expansão e a modernização do
setor sucroenergético justificam, em parte, a escolha da porção central do país para abrigar
novos investimentos. A microrregião Sudoeste de Goiás vem recebendo investimento em
novas unidades industriais sucroenergéticas desde meados da década passada e hoje se
apresenta como uma das principais áreas de produção em Goiás, respondendo por 27% da
cana colhida em Goiás (IBGE,2012). O município de Jataí, situado nessa microrregião e um
território do agronegócio, visto que é quase totalmente ocupado pelas atividades da cadeia
carne-grãos é, também, área de expansão do setor sucroenergético.
Consideramos que os impactos no mercado de trabalho nesse município são
representativos do que ocorre nas áreas de expansão do setor sucroenergético e demonstram
aspectos do embate territorial com outras atividades produtivas, nesse caso, com a cadeia
carne-grãos.
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O TRABALHO NAS ÁREAS DE EXPANSÃO
No ano de 2008 foi inaugurada uma unidade industrial sucroenergética no município
de Jataí (GO). Trata-se de uma unidade de grande porte, com capacidade de esmagamento de
3,35 milhões de toneladas para a produção de 311 mil m³ de etanol por ano e cogerar
eletricidade, ocupando dois mil empregados diretos (COSAN, 2007). Apesar de se tratar de
uma unidade moderna, que adota procedimentos mecanizados para o cultivo e colheita da
cana-de-açúcar, a empresa previa ocupar cerca de mil e quinhentos trabalhadores no segmento
agrícola.
Considerando que naquele ano existiam 15.141 trabalhadores formais no município
(MTE, 2012) a contribuição do setor sucroenergético seria significativa para ampliar o
número de trabalhadores formais. A administração pública municipal passou a apoiar o setor
sucroenergético a partir da possibilidade de ampliação na arrecadação e na geração de
empregos formais que priorizariam a comunidade local.
A mecanização do plantio e da colheita de cana-de-açúcar não elimina totalmente a
exigência de trabalhadores braçais. Mesmo as unidades modernas mantêm a dependência
desses trabalhadores para a realização de diversas atividades que a mecanização ainda não foi
capaz de realizar.
Especificamente no caso de Jataí, mesmo realizando a colheita mecanizada, a unidade
industrial ali instalada necessita de mão-de-obra no setor agrícola para o plantio, o preparo do
solo e o trato dos canaviais.
A unidade industrial sucroenergética situada no município prevê a colheita
mecanizada em 95% de sua área cultivada, desde o primeiro ano de operação (COSAN,
2007), evitando a utilização de mão-de-obra temporária e de baixa qualificação em suas
operações. A empresa busca, com isso, reduzir os custos de produção e eliminar a necessidade
de contratação de mão-de-obra temporária de imigrantes e priorizar a contratação de
trabalhadores locais.
Contratar trabalhadores locais para o setor sucroenergético tem se mostrado uma tarefa
complicada, visto que se trata de uma atividade nova para o município faz com que não exista
mão-de-obra local adaptada à demanda do setor. O trabalho braçal nas lavouras de cana-de-
açúcar não tem atraído o trabalhador local. Longas jornadas de trabalho, a necessidade de
deslocamento diário da cidade para as áreas de cultivo, as condições de alimentação e a
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remuneração foram apontados por alguns trabalhadores locais ouvidos, como motivos para
que não se empregassem no setor.
Para analisar os postos de trabalho gerados no município pelo setor sucroenergético,
foram utilizadas as bases de dados disponibilizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) através do Programa de Disseminação de Estatística do Trabalho (PDET). O Programa
permite o acesso aos bancos de dados nacionais da Relação Anual de Informações Sociais
(RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).
Os dados demonstram que, durante o ano de 2009, foram realizadas 5.686 inscrições
no sistema de intermediação de mão-de-obra, o Sistema Nacional de Empregos (SINE) no
município de Jataí. Nesse mesmo período, foram captadas 3.421 vagas de emprego pelo
sistema e foram realizados 6.636 encaminhamentos. De todos os encaminhados, apenas 1.315
trabalhadores foram colocados no mercado pelo SINE. Através desses dados, é possível
identificar que 4.371 trabalhadores que se inscreveram no SINE não conseguiram colocação
durante o ano de 2009. Portanto existe um estoque de trabalhadores disponível no mercado de
trabalho local em quantidade suficiente para atender a demanda do setor, no entanto, o perfil
das ocupações oferecidas pelo setor não é capaz de atrair e colocar os trabalhadores locais.
Mesmo contando com apenas uma unidade industrial instalada, a participação do setor
sucroenergético no mercado de trabalho do município de Jataí (GO) se tornou bastante
significativa a partir do ano de 2009 (Tab.2). No final do ano de 2010, segundo os dados
extraídos da RAIS, dos 18.198 trabalhadores formalmente empregados no município de Jataí
(GO), aqueles empregados na fabricação do álcool e no cultivo da cana-de-açúcar somavam
1.322 trabalhadores, o que equivale a mais de 7% do mercado de empregos formais.
Tabela 2 - Trabalhadores ocupados no município de Jataí no dia 31 de dezembro de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 – Total e atividades selecionadas.
Atividade Econômica 2006 2007 2008 2009 2010 Abate de reses, exceto suínos 179 382 80 59 57
Abate de suínos, aves e outros pequenos animais 343 402 428 388 379
Armazenamento 75 150 182 213 201
Atividades de apoio à agricultura 32 56 63 58 90
Comércio atacadista de defensivos agrícolas, adubos, fertilizantes e corretivos do solo
22 15 20 25 84
Comércio atacadista de máquinas, ap. e equip. para uso agropecuário 3 8 37 23 76
Comércio atacadista de mercadorias em geral, com predominância de insumos agropecuários
62 70 82 85 98
Criação de aves 156 161 112 120 131
Criação de bovinos 744 758 792 777 722
Criação de suínos 3 4 5 35 38
Cultivo de algodão herbáceo e de outras fibras de lavoura temporária 1 1 2 17 8
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Cultivo de cana-de-açúcar 0 0 0 17 9
Cultivo de cereais 303 319 365 350 339
Cultivo de soja 644 692 776 814 925
Fabricação de adubos e fertilizantes 59 61 59 51 58
Fabricação de álcool 0 147 558 970 1313
Fabricação de alimentos para animais 60 41 55 63 43
Fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária, exceto para irrigação
21 19 28 31 31
Fabricação de óleos vegetais em bruto, exceto óleo de milho 250 255 306 299 307
Preparação do leite 36 36 39 41 35
Outros 11009 11564 11067 12449 13254
Total 14002 15141 15056 16885 18198
Fonte: MTE, 2012. PDET/MTE – RAIS 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010. Organização do autor.
A primeira constatação é bastante óbvia diante dos dados apresentados, o setor
sucroenergético contribuiu para ampliar o mercado formal de empregos no município de Jataí.
Quando analisado o comportamento do mercado de trabalho dos segmentos produtivos da
cadeia carne-grãos, é possível perceber que com exceção do abate de bovinos, todas as demais
ocupações tiveram aumento do número de pessoas empregadas (Tab. 2). De uma forma geral,
podemos afirmar que a ampliação do emprego formal no setor sucroenergético não foi capaz
de inibir o mercado de trabalho na cadeia carne-grãos.
Tratando especificamente do setor sucroenergético, apesar do planejamento da
empresa buscar a não contratação de trabalhadores temporários imigrantes, a própria empresa
admite, através do seu Estudo de Impactos Ambientais (EIA), a necessidade de
acompanhamento de impactos causados pela imigração de trabalhadores para o município
(COSAN, 2007). A ampliação da demanda por serviços públicos e por moradia, além de
outros impactos socioambientais deverão ser combatidos através de um programa específico a
ser realizado pela empresa.
Segundo os dados da RAIS, no dia 31 de dezembro de 2010, o setor sucroenergético
ocupava 1.322 pessoas no município de Jataí (GO). Destes, os trabalhadores agrícolas na
cultura de gramíneas formavam a família ocupacional1 mais numerosa, com 290
trabalhadores, seguida pela família ocupacional dos trabalhadores da mecanização agrícola,
com 241 trabalhadores (MTE, 2012). 1 É a unidade do sistema da Classificação Brasileira de Ocupações com maior nível de detalhes. Para efeitos práticos, define-se a ocupação como o conjunto de postos de trabalho substancialmente iguais quanto a sua natureza e as qualificações exigidas (o posto de trabalho corresponde a cada unidade de trabalho disponível ou satisfeita). Constitui-se de tarefas, obrigações e responsabilidades atribuídas a cada trabalhador. Pode-se ainda conceituar a ocupação como o conjunto articulado de funções, tarefas e operações destinadas à obtenção de produtos ou serviços.
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Gráfico 3 – Pessoas empregadas no setor sucroenergético no município de Jataí (GO) entre dezembro de 2009 e dezembro de 2010. Total e famílias ocupacionais selecionadas.
Fonte: MTE, 2012. PDET/MTE – RAIS e CAGED, 2010. Organização do autor.
A partir dos dados do gráfico 1, é possível perceber que, no decorrer do ano de 2010, o
setor sucroenergético ampliou o número trabalhadores, apesar de oscilação na quantidade de
funcionários devido a entressafra.
A família ocupacional que mais contribuiu para as oscilações do número de
trabalhadores no setor, no início e no final do ano, foi a de trabalhadores agrícolas na cultura
de gramíneas. Essa família ocupacional, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações
(MTE, 2002), é formada por trabalhadores que plantam e colhem gramíneas, preparam
sementes, mudas e insumos, condicionando o solo para tratamento de cultura, realizam
atividades de armazenamento e beneficiamento da colheita, como moagem, secagem e
classificação dos grãos, além de executar manutenção de máquinas e equipamentos agrícolas.
São atividades manuais que não requerem elevado conhecimento técnico para a sua
realização e que, portanto, oferecem baixa remuneração e não exigem nível de escolaridade
elevado.
Segundo os dados da RAIS, a remuneração dos trabalhadores do setor sucroenergético
que atuam no segmento agrícola fica abaixo da média paga pelo setor no município (Quadro
1). A família ocupacional mais numerosa e com maior rotatividade, trabalhadores agrícolas na
cultura de gramíneas, tem remuneração correspondente a 56% da média do setor.
Quadro 1 - Remuneração média do setor sucroenergético em Jataí (GO) no ano de 2009
Geral e atividades selecionadas. Atividade Remuneração
Trabalhadores de apoio à agricultura R$ 674,39 Trabalhadores agrícolas na cultura de gramíneas R$ 858,03
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
dez
/09
jan
/10
fev/
10
mar
/10
abr/
10
mai
/10
jun
/10
jul/
10
ago
/10
set/
10
ou
t/1
0
no
v/1
0
dez
/10
Total
Trabalhadores agrícolasna cultura de gramíneas
Trabalhadores de apoioà agricultura
Trabalhadores damecanização agrícola
Outros
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Trabalhadores da mecanização agrícola R$ 1.292,00 Trabalhadores do setor sucroenergético (geral) R$ 1.526,58
Fonte: MTE, 2012. PDET/MTE - RAIS, 2009. Organização do autor.
As três classes citadas (Quadro 1) representam 54% dos trabalhadores ocupados pelo
setor sucroenergético no município de Jataí. Os salários pagos a trabalhadores dessas
atividades não são elevados, na verdade eles estão muito abaixo da remuneração média dos
trabalhadores do setor sucroenergético no município. Diante do quadro exposto pelos dados é
possível afirmar que mesmo adotando a mecanização das atividades agrícolas o setor
sucroenergético ainda mantém a característica de contratar trabalhadores temporários, com
baixa qualificação e baixa remuneração.
Dessa forma, fica desmistificado o discurso de geração de emprego que o setor utiliza
para convencer a comunidade local e as autoridades para garantir sua territorialização. Sem
dúvidas, o setor contribuiu para que novos empregos fossem gerados no município, no
entanto a maior parte dos empregos gerados pelo setor, sobretudo no segmento agrícola, não
atraem os trabalhadores locais, devido às condições de trabalho e à remuneração oferecida. Há
claramente o predomínio de trabalhadores temporários, sendo que boa parte desses é
migrante, como se verá a seguir.
O MIGRANTE TEMPORÁRIO
Em entrevistas realizadas com trabalhadores do setor no mês de janeiro de 2011, foi
constatado que a empresa contratou um grupo de trabalhadores imigrantes vindos de Minas
Gerais e de estados nordestinos para atuar na limpeza dos canaviais e no plantio. Esses
trabalhadores auxiliam o plantio mecanizado ou realizam o plantio manual de cana-de-açúcar.
Suas tarefas vão desde o auxílio no preparo do solo ao desmanche de cercas em áreas que
serão plantadas.
Segundo os entrevistados, os trabalhadores contratados ficariam no município até o
mês de dezembro, quando os contratos seriam encerrados. Trata-se de um trabalhador
temporário com um contrato de praticamente um ano. Esta prática pode ser identificada
através dos dados extraídos do CAGED (Gráfico 2).
É possível perceber que durante estes dois anos, foi mantida a periodicidade nas
contratações e demissões de trabalhadores da família ocupacional trabalhadores agrícolas na
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cultura de gramíneas. Pelos dados apresentados é possível identificar que as contratações
ocorrem nos primeiros meses do ano e a dispensa desses trabalhadores ocorre nos dois
últimos meses do ano.
Gráfico 2 - Trabalhadores agrícolas na cultura de gramíneas admitidos e desligados entre janeiro de 2009 e janeiro de 2011 pelo setor sucroenergético no município de Jataí (GO).
Fonte: MTE, 2012. PDET/MTE – CAGED, 2009/2011. Organização do autor.
Tradicionalmente, o setor sucroenergético apresenta sazonalidade na ocupação de
mão-de-obra, com sensível redução de trabalhadores na entressafra. A expansão do setor no
município de Jataí acaba por atrair trabalhadores migrantes. A presença de trabalhadores
temporários no município, por sua vez, pode alterar a dinâmica socioespacial através, da
ampliação da demanda por serviços públicos.
A maior parte dos trabalhadores temporários vem de estados nordestinos e já atuavam
na lavoura de cana-de-açúcar naquela região ou no Sudeste. Uma pequena parte vinha do
norte de Minas Gerais e também já atuava na lavoura canavieira naquele estado ou em São
Paulo. O principal diferencial entre o trabalhador migrante e o trabalhador local é o fato de o
migrante já ter experiência no setor e, portanto, já conhecer as condições e o ritmo de trabalho
requerido pelo setor.
Um desses trabalhadores, vindos da cidade baiana de Juazeiro, afirmou que “o salário
era baixo lá. O salário nosso lá, o que nois tirava era setecentos reais. É por isso que nois
viemos aqui para ver se a gente consegue alguma coisa pra nossa vida e pra nossa família.
Nois qué uma empresa que ajude nois e nois vamo ajudar a empresa também[SIC].”
(Trabalhador 1, entrevista realizada em janeiro de 2011)
Outras vantagens apontadas pelos trabalhadores migrantes entrevistados se referem ao
alojamento e a alimentação oferecida pela empresa. Segundo um deles, desde o recrutamento,
0
200
400
600
800
jan
/09
fev/
09
mar
/09
abr/
09
mai
/09
jun
/09
jul/
09
ago
/09
set/
09
ou
t/0
9
no
v/0
9
dez
/09
jan
/10
fev/
10
mar
/10
abr/
10
mai
/10
jun
/10
jul/
10
ago
/10
set/
10
ou
t/1
0
no
v/1
0
dez
/10
jan
/11
Admitidos Desligados
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realizado na cidade de Juazeiro, todas as despesas de transporte para Jataí, os alojamentos e a
alimentação são por conta da empresa contratante. Quando esse trabalhador estava em sua
cidade de origem, as despesas de alimentação e de moradia eram de sua responsabilidade.
Dessa forma, o ganho real dos trabalhadores migrantes em Jataí se torna maior pela
eliminação de despesas com transportes, alimentação e moradia.
A possibilidade de se tornar trabalhador efetivo na empresa fez com que alguns dos
trabalhadores contratados como temporários trouxessem suas famílias para residir em Jataí,
conforme afirma um trabalhador migrante do setor. “Tem uns colegas meus que se deram
bem aqu,i nois vamo buscar a família. Daqui pro final do ano nois vamo buscar a família.
Eles tão se ajeitando, vão comprar moveis e alugar casa aqui para buscar a família. Tem
muitos que já tão morando aqui dentro de Jataí, deixaram a casa alugada lá e alugaram casa
aqui e buscaram a família.[SIC]” (Trabalhador 1, entrevista realizada em janeiro de 2011)
A migração de trabalhadores do setor e de suas famílias para Jataí é mais um elemento
na dinâmica espacial causada pela territorialização do setor sucroenergético. A demanda por
moradia e serviços públicos pode ser ampliada pela presença desses trabalhadores na cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A expansão do setor sucroenergético no estado de Goiás é uma realidade
incontestável. Novas unidades, ampliação e reativação de unidades industriais já existentes e a
diversificação do mix de produtos fazem parte desse movimento. Em diversos locais por onde
o setor busca se territorializar ele encontra a resistência de territorialidades já estabelecidas,
especialmente pela cadeia carne-grãos. Um dos artifícios para convencer a sociedade local
sobre os benefícios que o setor pode trazer se mostra bastante discutível: a geração de
empregos com boa remuneração priorizando a comunidade local.
De fato o setor sucroenergético gera empregos em seu movimento de expansão, no
entanto, o quantitativo de vagas criadas não pode ser levado em conta isoladamente da análise
sobre as condições de trabalho e o público que consegue acessar essas vagas. Levar em conta
simplesmente o fato de que o setor ampliou o mercado de empregos formais no local
contribui para minimizar as críticas ao setor e esconder outras condições que precisam ser
melhor avaliadas.
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Mesmo diante da mecanização das atividades agrícolas pelo setor, permanece a
característica de contratação de trabalhadores temporários, normalmente migrantes. O fato de
contratar esses trabalhadores compromete a capacidade de contribuir para a dinâmica
econômica local, visto que boa parte da massa de salários colocada em circulação pelo setor
se converterá em consumo nos locais de origem dos trabalhadores. Por outro lado, a
contratação de imigrantes está desencadeando movimento migratório que pode levar a pressão
por serviços públicos, especialmente sobre os sistemas de saúde, moradia e educação.
Significa ampliar a demanda por serviços públicos que atendem a comunidade local. Mesmo
levando em conta que a receita do município se amplia com a presença do setor, ainda se
torna necessário avaliar se ela é suficiente para que os serviços públicos acompanhem o
aumento da demanda.
Diante do exposto, se torna possível afirmar que o fato de gerar mais empregos nas
áreas de expansão do setor não garante que os benefícios diretos desses postos de trabalho
serão revertidos para a comunidade local, visto que, apesar da mecanização, ainda permanece
a figura do trabalhador braçal nos canaviais, visto que no conjunto eles são maioria, mesmo
em unidades industriais modernas.
A geração de empregos para a comunidade local e a melhoria na qualidade dos
empregos gerados, devido a contratação de pessoas melhor remuneradas e qualificadas, não é
uma realidade na área de análise.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRIJO, Ed Licys Oliveira; MIZIARA, Fausto. A expansão do setor sucroalcooleiro como uma nova etapa da fronteira agrícola em Goiás: estudo de caso no município de Mineiros. Revista de Economia da UEG. Anápolis (GO), Vol. 05, nº 02, JUL-DEZ/2009. p. 92-121.
Companhia Nacional de Abastecimento. Brasil.- CONAB. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Levantamentos nacionais da safra de cana-de-açúcar. Brasília, 2012. Disponível em http://www.conab.gov.br/conabweb/ download/safra/2cana_de_acucar.pdf. Acessado em 4 jun. 2012.
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EID, Farid. Progresso técnico na agroindústria sucroalcooleira. Informações Econômicas. v.26, n.5. São Paulo, maio 1996. p. 29-38.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Produção Agrícola Municipal (PAM) . Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo2.asp?e=v&p=PA&z=t&o=11. Acessado em 04 jun. 2012.
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OLIVEIRA, Ana Maria Soares de. Reordenamento Territorial e Produtivo do Agronegócio Canavieiro no Brasil e os Desdobramentos Para o Trabalho. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente : 2009.
OLIVEIRA, Ana Maria Soares de; THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As inovações tecnológicas e as novas formas de gestão e controle do capital sobre o trabalho. In: THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Dinâmica Geográfica do Trabalho no Século XXI: (Limites Explicativos, Autocrítica e Desafios Teóricos). São Paulo: [s.n], 2009. Tese (livre-docência) – Presidente Prudente - Faculdade de Ciências e Tecnologia Júlio de Mesquita Filho. Vol. 3 p. 5-22.
SIFAEG – Sindicato da indústria de fabricação de etanol do estado de Goiás. Informações sobre o setor sucroalcooleiro goiano, com cotações e dados de produção e produtividade. Goiânia: SIFAEG, 2010. Disponível em: http://www.sifaeg.com.br/index.html. Acessado em: 15 jun. 2010.
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PRODUÇÃO DE ENERGIA E DESTRUIÇÃO DOS LUGARES: REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA NA METRÓPO LE DO RIO DE JANEIRO E OS CONFLITOS TERRITORIAIS COM A PESCA ARTESANAL 1
Beatriz Oliveira Cruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
beatriz.ocruz@gmail.com
Catia Antonia da Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
catia.antonia@gmail.com
Jamylle de Almeida Ferreira Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
jamylle.ferreira@hotmail.com
Milaysa de Oliveira Cabral Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
milaysa@gmail.com
Nara Oliveira do Nascimento Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
naraoliveira@r7.com
Rhanna Cristina das chagas Leoncio Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
rhanna_leoncio@ig.com.b
Raphaela Figueirôa de Barros Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
rapha_fig@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Sem duvida a modo de produção capitalista transforma o espaço sem precedentes na história da humanidade. De uma forma complexa e diversificada, o processo de industrialização necessita da energia, como força motora para o funcionamento de
1 Este texto faz parte do projeto “Modernização, território e cartografia da ação social: Análise da Cadeia produtiva, das condições de trabalho e das formas de luta dos trabalhadores da Pesca Artesanal no Rio de Janeiro” fomentado pela FAPERJ e do Projeto “Economia Política do Território: analise da cadeia produtiva da pesca artesanal na metrópole do Rio de Janeiro” junto ao CNPq e PROCIENCIA. As atividades são desenvolvidas no Núcleo de Pesquisa e Extensão: Urbano, Território e Mudanças Contemporâneas – PPGGEO e PPGHS – FFP- UERJ.
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maquinarias e veículos motores, sendo, portanto, indústria produtora de insumos para outros circuitos produtivos industriais e mercadoria para a esfera do consumo. Atualmente são muitas as fontes de energia e muitas são também os tipos de energia demandadas. As fontes podem ser consideradas tais como as hidrológicas, fósseis, nucleares, biomassas, eólicas, dentre outras. Os tipos de energias são conhecidas como energia para consumo consumptivo e produtivo. O consumptivo refere-se ao consumo de energia de automóveis, dos domicílios residenciais, das áreas de lazer, de escolas e de hospitais, ou seja, o consumo referente à reprodução social do capital, as formas sociais indiretas de funcionamento do modo de produção capitalista. O consumo produtivo é que se finaliza durante o processo da industrialização – nas esferas da produção e da circulação das mercadorias, aquele consumido pelas empresas industriais, áreas comerciais e financeiras, cuja finalidade é relacionada diretamente a acumulação direta do capital.
Neste seminário sobre a produção sucroenergético brasileiro, é fundamental compreende a totalidade da questão enérgica no país e o modelo hegemônico do padrão energético predominante atualmente e seus impactos territoriais. A importância de analisar o modelo enérgico calcado na petroquímica deve-se ao seu papel hegemônico na estruturação da produção e do consumo, sendo um dos pilares do funcionamento do processo de acumulação e da produção social do território (funcionamento da cidade, das redes técnicas, da vida coletiva urbana). Neste sentido, buscaremos problematizar o impacto da energia fóssil petrolífera no Rio de Janeiro, tendo como referencia a baia de Guanabara e os impactos na vida dos pescadores artesanais.
PRODUÇÃO DE ENERGIA: AS BASES PARA O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO E DE ACUMULAÇÃO CAPITALISTA
No evento “Rio mais 20” apareceu com grande força o debate sobre as fontes de energia menos poluidoras, a uma busca, um desiderato para a realização da “economia verde”, que podemos considerar ainda como um projeto de secularização, uma ação com várias experiências importantes, tais como o Projeto do PROALCOOL financiados pelos governos militares nos anos 1980 e muitas outras inciativas e experimentos de desenvolvimento técnico da energia eólica, solar, isto é, dos bioenergéticos. No Entanto, no tempo presente, a hegemonia dessas novas fontes de energia ditas “limpas” está para alcançar estas fontes como predominantes. No campo das fontes de energia, a hegemonia está muito longe de ser alcançada, devido a umas multiplicidades de fatores relacionados aos agentes produtores, ao modelo técnico e ao custo de inovação que não podemos aprofundar aqui neste texto. O que podemos afirmar é o predomínio no Brasil de duas grandes fontes de energia que assumem a predominância na esfera do consumo produtivo ou consumptivo. No campo do consumo energético nos prédios – domiciliar, comercial ou industrial, o uso da energia das hidrelétricas; no campo do uso para veículos a predominância do uso dos derivados de
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petróleo. Neste trabalho, buscaremos analisar a reestruturação da indústria petroquímica no Rio de Janeiro, mas precisamente na área metropolitana a partir da década de 2000.
A indústria petroquímica tem destaque, sobretudo desde no Pós-Guerra quando o modelo fordista de produção consolida-se o modelo veicular de circulação – rodoviário e aeroviário – como matriz fundamental o uso da energia dos derivados de petróleo. O petróleo ganha tanta importância e centralidade a ponto de ser um dos setores referencias para a crise do capitalismo global, como o acontecido na década de 1970 (com auge em 1973) devido a alta do petróleo na escala mundo (Harvey, 1992).
Extremamente impactante no meio ambiente, a extração e a distribuição do petróleo são, pela sua própria natureza produtiva químico-física, poluidora e destruidora. O circuito produtivo do petróleo é muito abrangente e tem impacto na escala regional. Da extração até as petroquímicas, a ação territorial é muito extensiva e agressiva, transformando o espaço, desapropriando moradores, interferindo nos rios, dentre outros. A natureza de seus produtos também é de alto nível de poluição no ar e nos rios. Diferente do que em geral é transmitido pela mídia, o impacto territorial da indústria petroquímica não ocorre somente quando há o derramamento de óleo ou o escape dos gases por motivo de ruptura de um duto, de defeitos de plataforma ou de navios. Estes seriam os impactos máximos no ambiente.
Os impactos iniciam desde a obra de construção e de implementação da estrutura produtiva e distributiva. A etapa do funcionamento produtivo atua espacialmente também na escala de produção internacional. Como um polo de desenvolvimento, o setor da petroquímica, destaca-se pela sua dimensão escalar e pela diversificação de empresas e de seus produtos resultantes.
O papel do setor petroquímico na produção interna do PIB brasileiro é destaque na economia do país. Segundo a Revista Forbes (2012), das 33 empresas brasileiras incluída na classificação anual das 2000 existentes e cadastradas no mundo. A Petrobras encontra-se no oitavo lugar entre as 10 maiores (Tabela 1).
Tabela 1 - Dez maiores empresas do mundo – Forbes Global - 2011
Posição mundial
Companhia Indústria Receita (bilhões
$)
Lucros (bilhões
$)
Ativos (bilhões
$)
Valor de mercado
(bilhões $) Sede
8 Petrobras Operações de gás e petróleo
208,3 15,04 149,98 295,60 Rio de Janeiro
49 Vale Mineração 43,23 14,26 84,70 171,39 Rio de Janeiro
81 Banco Bradesco
Banco 36,12 4,11 192,65 59,80 Osasco, Grande São Paulo
101 Banco do Brasil
Banco 28,61 2,60 202,00 41,54 Brasília
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190
103 Banco Itaú Banco 28,97 2,05 167,06 28,22 São Paulo
203 Unibanco Banco 15,29 1,94 84,04 27,37 São Paulo
322 Eletrobrás Utilitários 9,20 0,54 56,62 18,08 Rio de Janeiro
514 Usiminas Materiais 5,82 1,18 8,63 19,14 Belo Horizonte
519 Oi
Serviços de telecomunicações
7,90 0,61 12,36 11,69 Rio de Janeiro
606 Gerdau Aço 11,03 0,63 12,39 8,13 Porto Alegre
Fonte: Revista Forbes, 2011. http://www.forbes.com/global2000/
Criada em 1954, a Petrobras viveu sua época de maior expansão no período da
ditadura militar. Investimentos no campo da pesquisa fez criar o CENPES, em 1968 e na
década de 1970, ampliou-se a estrutura de produção e de distribuição de petróleo. Nos anos
1980 descobrem-se novas reservas, dentre elas em Campos dos Goitacazes (RJ), que
corresponde hoje a 80% da produção nacional. Nos anos 2000, implementa-se o projeto do
Pré-Sal na bacia de Santos. Como se pode observar nos Gráficos 1 e 2 , os investimentos
neste setor energético fóssil ampliaram a sua produção nas ultimas décadas e o estímulo a
produção e consumo de veículos automotores fez ampliar o consumo pelos seus derivados.
Grafico 1
Fonte: FERREIRA, Omar Campos. Revista Economia & Energia. Ano IX, n. 51, Agosto-setembro de 2005.
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Gráfico 2
Fonte: Revista Economia e Energia -, edição nº 49 da Carlos Feu et al. http://ecen.com/eee51/eee51p/petroleo_br_reservas.htm
Há um discurso difuso na mídia sobre o esgotamento desse modelo energético, muitas
apostas e pesquisas de protótipos para o desenvolvimento de combustíveis bioenergéticos.
Em 2007, o petróleo correspondia a cerca de 37,4% e o gás natural 9,3% do total da
matriz energética produzida no Brasil (Gráfico 3). No que se refere ao consumo veicular o
diesel correspondia a 26,1%, a gasolina 23,4%, o GNV, 3,4%, o etanol anidro 8,3 e o etanol
hidratado 13,8% (Dornelles, 2008).
Gráfico 3-Matriz energética brasileira 2007
Fonte: DORNELLES, Ricardo de Gusmão -Resenha Energética Brasileira – Resultados Preliminares de 2007 (Março/2008). Ministério de Minas e Energia (MME), 2008.
Hidroeletricidade14,9%
Urânio1,4%
Gás Natural9,3%
Derivados de Petróleo
37,4%
Outras Renováveis
3,2%
Cana-de-Açúcar15,7%
Madeira e Outras Biomassas
12,0%
Carvão Mineral6,0%
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TENDÊNCIAS PRESENTES E FUTURAS DA PRODUÇÃO PETROQUÍMICA
A produção e o consumo do petróleo no Brasil encontram-se hoje consolidados e
hegemônicos. No entanto, com os avanços tecnológicos nacionais, a descoberta de novas
reservas, esta matriz energética está longe de perder predominância no cenário nacional e
internacional. Segundo noticias na Carta Maior (2012), verifica-se maiores investimentos
empresariais e do Estado para a expansão produtiva e a intensificação da estrutura produtiva
no país. Vejamos as citações abaixo:
BRASÍLIA – A Petrobras decidiu aumentar a aposta na exploração e produção de petróleo por avaliar que, durante a década, o combustível continuará uma fonte de energia muito importante no mundo, ao mesmo tempo em que o crescimento econômico brasileiro vai prosseguir, impulsionando o consumo de derivados dentro do país. Essa é a principal visão estratégica por trás do plano de investimentos da estatal até 2015, de US$ 224 bilhões, aprovado sexta-feira (22/07). Segundo o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, a demanda por petróleo “não vai ter fim”, mas “vai ter uma certa escassez” de oferta até 2020, o que obrigará o mundo a descobrir poços e a aumentar a produção dos conhecidos. “O Brasil vai dar a maior contribuição [de produção] fora da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]”, disse Gabrielli nesta segunda-feira (25/07), ao explicar o plano, que, para ele, tornará a Petrobras “a maior de todas” as empresas do setor. Caso as metas da estatal sejam atingidas, o Brasil vai superar China, Estados Unidos e Catar em reservas provadas e reconhecidas pela Opep, tornando-se o décimo maior produtor do mundo. E mais:
Dos investimentos programados pela estatal até 2015, 57% vão para exploração e produção de petróleo - no plano anterior, essa proporção era de 53%. A grande aposta é o óleo da camada pré-sal. De um plano para o outro, o investimento nele ganhou US$ 20 bilhões e chegou a US$ 53 bilhões. “Mostra claramente nossa visão otimista sobre a produção do pré-sal, nossa principal fronteira de expansão”, afirmou Gabrielli. Pelos planos da empresa, o pré-sal, que neste ano deve responder por 2% da produção da Petrobras, passaria a 40% até 2020. Caso a expectativa se confirme, a produção global apenas dentro do Brasil (a empresa atua em outros 27 países) subiria dos atuais 2,1 milhões de barris diários, para 3,9 milhões. Em cinco anos, dobraria a capacidade adquirida pela empresa ao longo de 57 anos de vida. Esse aumento ajudar atender uma demanda crescente no Brasil e no mundo. Hoje, só cinco países consomem acima de 3 milhões de barris por dia, o que a Petrobras imagina que vai acontecer com o Brasil em breve. “O Brasil é um dos mercados [de derivados de petróleo] que mais crescem no mundo. Vai se tornar rapidamente do primeiro grupo [de consumidores]”, afirmou Gabrielli. O aumento de produção também vai permitir ao Brasil exportar não apenas petróleo, mas também derivados, como gasolina, que têm maior valor agregado. Segundo
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a Petrobras, o mercado mundial tem experimentado uma mudança. Os países do mundo rico estão diminuindo seus investimentos em refino de petróleo, enquanto os emergentes vão aumentar. De acordo com Gabrielli, o plano demorou para ser aprovado pelo Conselho de Administração, que conta com ministros do governo, porque a empresa tem uma quantidade muito grande de projetos: 3,7mil. ( CARTA MAIOR , 2012).
Deste modo, neste seminário sobre o setor sucro-energético brasileiro, torna-se
fundamental identificar os processos em curso. Distinguir entre projetos modernizadores que
funcionam sob o domínio de estruturas consolidadas e identificar processos modernizadores
como planos em andamento e não hegemônicos. Parece haver uma luta e disputa de projetos
no seio do Estado e entre os ideários e ações dos empresários. Apesar dos investimentos
importantes no setor de biocombustíveis e fortes investimentos dos governos, parece que
existe uma série de problemas de custo e de investimentos tecnológicos a serem enfrentados
que vão desde a matriz energética até mudança do padrão tecnológico veicular.
No domínio das estruturas consolidadas, o que se observa é a expansão territorial dos
circuitos produtivos da petroquímica. Na seção a seguir, tratar-se-á da reestruturação
produtiva na metrópole do Rio de Janeiro e noutra seção será analisado a expansão da
Refinaria de Duque de Caxias (RJ) na Baixada Fluminense e os impactos ambientais
decorrentes, inclusive na vida dos pescadores artesanais.
A METRÓPOLE DO RIO DE JANEIRO: COMPLEXIDADE E VIDA
METROPOLITANA E CONFLITOS TERRITORIAIS
A indústria petrolífera é um dos pilares econômicos para o produto interno bruto dos
municípios fluminenses. Isto se refere ao processo produtivo que engloba o circuito
produtivo, isto é a produção, circulação, distribuição, consumo. É na bacia de Campos dos
Goitacazes que se concentra uma das maiores produção extrativa (80%). O beneficiamento é
feito em várias petrolíferas, dentre elas no estado do Rio de Janeiro, destacam-se Camboinha
(Macaé), REDUC em Duque de Caxias, a em construção – COMPERJ, em Itaboraí.
Destacam-se ainda os milhares de quilômetros de dutos que atravessam mais de 17
municípios. Inclui-se ainda nesta expansão do circuito produtivo o Terminal de Gás
Liquefeito (GLP) na Baía de Guanabara, que foi instalado em 2007 nas áreas do entorno das
Ilhas Redonda e Cumprida e que tem conexão com a REDUC e a Bacia de Campos. Estão
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realizando a conexão ao COMPERJ, em 2015. Em 2007, ampliou também a REDUC,
conforme veremos na próxima seção.
O controle logístico (conjunto de escritórios) e a sede da empresa, que consiste na
administração, controle, gestão empresarial e territorial e controle produtivo-tecnológico
ocorre no coração da metrópole do Rio de Janeiro, e tem se ampliado para novos prédios e
novas estruturas de gestão financeira, administrativa e de publicidade (comunicação social)
em vários prédios espalhados no Centro da cidade do Rio de Janeiro e na Zona Norte
(SILVA, et al. 2010). Ressalta-se ainda no Centro, a criação de um prédio voltado para o
processo de formação continuada de mão de obra pela “Universidade Petrobras”, onde
ocorrem cursos de curta extensão até mestrados e doutorados para os técnicos da empresa.
Centros de pesquisa e tecnologia do campus da UFRJ – Ilha do Fundão foi ampliado para a
circulação diária de cerca de 10.000 pesquisadores. Tais reestruturação produtiva do setor
petrolífero segue a logica dos impulsos globais que se atualizam com novas etapas de
modernização (RIBEIRO & SILVA, 2004).
Além da Petrobras outras empresas participam da distribuição e consumo. Esta
aglomeração de atividades da indústria petroquímica na velha fronteira metropolitana faz
lembrar da importância do burburinho analisado por Storper & Venables (2005), no que se
refere à economia das aglomeração, e da nova tendência da expansão intrametropolitana,
reflexos do movimento econômico de expansão capitalista no Brasil.
Esta expansão da indústria petroquímica na Baia de Guanabara, e na parte continental
da metrópole, ocorre ainda com os estaleiros que fazem a reparação de plataformas de
petróleo.
As décadas de 2000 e 2010 têm sido de muito transtorno para os milhares de
pescadores artesanais que vivem da atividade na baia de Guanabara. Residentes em vários
municípios metropolitanos, muitos utilizam os rios como lugar de navegação de casa a baía,
tiveram proibições nos períodos das obras do Terminal GLP (2007-2008), e hoje vem
sofrendo com remoções e proibições na região do COMPERJ (Magé, Itaboraí e São Gonçalo).
Com o derramamento de óleo em 2000 e a forte poluição química, tem reduzido
acentuadamente a produção de pescado, o que faz com que tenham que navegarem próximo à
ponte-Niterói, onde as águas são mais limpas e encontram o pescado, mas onde é área de
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passagens de navios para o porto do Rio de Janeiro e para o Terminal GLP, tornando-se áreas
proibitivas a navegação e pesca artesanal.
GASODUTO RIO–SÃO PAULO (GASPAL): OBRA DE EXPANSÃO DA REDUC,
NOS MUNÍCIPIOS DA BAIXADA FLUMINENSE (RJ)
O projeto Gasoduto Rio-São Paulo (GASPAL) refere-se aos gasodutos de expansão da
REDUC que se encontram em construção a partir de 2007, depois de completo terá 45,10km de
extensão e atravessará os municípios de Japeri (10,40km), Nova Iguaçu (16,75km) e Duque de Caxias
(17,95km). Esse gasoduto irá ligar os sistemas de gás natural existentes e em instalação, na Estação de
Japeri a REDUC, permitindo a transferência do gás produzido das Bacias de Campos e do Espírito
Santo para o Gasoduto Rio-Campinas e para o Gasoduto Rio–São Paulo (GASPAL). Esse
empreendimento faz parte do Plano Estratégico da PETROBRAS, que foi criado em 2005-2006, com
o objetivo de expandir a malha de gasodutos dos estados da Região Sudeste, visando aumentar a
distribuição e atender à crescente procura por para uso em automóveis, industrial, comercial e
residencial.
No relatório de impacto ambiental do projeto GASPAL, apresenta-se a seguinte justificativa:
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), instituição criada para implementar a política energética nacional, tem estimulado a diminuição da importação do petróleo estrangeiro, substituindo-o por produtos nacionais, com o objetivo claro de baixar os gastos públicos e tornar o Brasil auto-suficiente, ou seja, sem depender de outros países nessa área. Além disso, a ANP tem incentivado a conservação de energia, para também reduzir os impactos ambientais sobre os recursos naturais aqui existentes. A necessidade de gás natural no Brasil cresceu cerca de 29% de agosto de 2005 a agosto de 2006 e o consumo passou para cerca de 37 milhões de metros cúbicos por dia. Há grandes possibilidades de aumento desse consumo, em especial na Região Sudeste, que está requerendo a implantação de empreendimentos importantes e indispensáveis, como o Gasoduto Japeri–REDUC (PETROBRAS, 2007). Relatório de Impacto Ambiental
O Gasoduto Japeri–REDUC atravessará, 45,1km de extensão, abrangendo os municípios de
Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Japeri; e as bacias litorâneas do Estado do Rio de Janeiro,
pertencentes à região hidrográfica do Atlântico Leste. Ao longo de seu percurso, o Gasoduto passará
pela bacia do rio Iguaçu e por sub-bacias de afluentes do rio Guandu, atravessando 14 corpos d'água.
Dessas travessias fluviais, 12 pertencem à bacia do rio Iguaçu, sendo 3 consideradas principais, em
função do porte: a do canal do Paiol, a do rio Iguaçu e a do rio Capivari. O relatório afirma que o rio
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Iguaçu apresenta problemas relativos à erosão nas suas margens e ocorrências de inundações rápidas
no seu entorno.
Segundo o relatório apud Plano Diretor de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica da Baía
de Guanabara, a qualidade da água dos rios é ruim devido os mesmos serem atravessados por
ocupação humana e ao uso do solo urbano degradado de seu entorno, porque se tem a presença de
esgotos, oriundos da Baixada Fluminense e da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. No Relatório
cita-se que os dutos atravessarão as bacias responsáveis pela captação de água potável do Sistema
ACARI da CEDAE.
Fig. Rio Iguaçu – Fonte: PETROBRAS, 2007
Embora cada vez mais escassos devidos aos problemas sociais e ambientais, o número de
pescadores na Baixada é relativamente menor do que de outros munícipios metropolitanos do Rio de
Janeiro. Entretanto, é comum encontramos pescadores com seus barcos às margens dos rios e canais.
Segundo os mesmos, por nós entrevistados em 2010, com a construção e funcionamento da REDUC, a
qualidade da água baixou muito, tornou-se oleosa e fedorenta e os peixes desapareceram. Somados
ainda a poluição por falta de saneamento básico, eles não veem com bons olhos o atual processo de
modernização em curso, porque este não considera os contextos das características da atividade
pesqueira.
Coincidentemente outro processo de modernização vem acontecendo na baixada ao longo do
Rio Iguaçu, do rio Sarapuí que faz parte do “Projeto Iguaçu” que busca “remover a população das
áreas de enchentes”. Este projeto faz parte do PAC1, e as desapropriações vem ocorrendo com pouca
participação política das lideranças e dos moradores da região porque as pessoas não têm sido
informadas do fato em curso. O projeto atua, concidentemente, nas áreas atingidas pela obra de
instalação de gasodutos. Parece pairar uma relação de invisibilidade e de arrogância por parte do
Estado, dos técnicos e das empresas, negando aos moradores os direitos universais – a moradia – sem
negar também o direito à diferença. A luta pela moradia constitui-se num direito universal, mas ao
remover pescadores e pescadoras, além das dificuldades estabelecidas pela ruptura de suas
sociabilidades, interrompem-se as atividades de trabalhos se não forem dadas as mesmas condições. O
processo de modernização e curso não rompe com o modelo civilizatório fundamentado na
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neocolonialidade. Não se houve os anseios da população que tanto tempo clama por direitos sociais e
direito à cidade. No entanto, diante de vultuosos recursos e interesses empresariais rapidamente
processos de remoção ocorrem e se fazem de forma homogênea sem ser as especificidades dos grupos
sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: PETROQUÍMICA E PESCADORES: CO NFLITOS
TERRITORIAIS NA BAIA DE GUANABARA
Sem duvida podemos considerar a Baía de Guanabara um território usado. O conceito
território usado remete a explicação a partir do espaço geográfico, da territorialidade dos
agentes. Trata-se de compreender as ações, intenções e praticas sociais que impactam a vida
coletiva. Desse modo, o conflito é entendido como conflito dos usos do território. Ainda
relaciona-se aos projetos de secularização – projetos de colonização do futuro que criam e
dominam no campo das ideologias. Lefebvre já havia chamado a atenção para o predomínio
da ideologia da sociedade urbana, fundamentado pelas racionalidades técnicas, pelos objetos
produzidos, pelo cotidiano praticado e pelo espaço concebido. Há uma disputa de território,
fundamentado numa disputa de ação e de projetos de secularização. É neste contexto teórico
conceitual que partimos para compreender os pescadores artesanais na baía de Guanabara.
São milhares de pessoas, homens e mulheres, são 42 pontos de embarque e desembarque e
dezenas de comunidades (localidades com moradias e histórias de vida coletiva, de
pertencimento e memoria constituindo base histórico-territorial e cultural). A cada projeto de
modernização que em nome do desenvolvimento nega as historicidades e rompem com o
cotidiano praticado, impõem-se como relações de poder coercitivo e de dominação ideológica.
Nega-se a possibilidade de articular melhorias sociais a plenitude de direitos. Não é possível
engendrar no Século XXI, com as mesmas modernizações excludentes e destruidoras de
sociabilidades e heranças culturais socialmente construídas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PRODUÇÃO SUCROENERGÉTICA, RACIONALIDADE TÉCNICA E IMPLICAÇÕES NA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO
João Humberto Camelini Universidade Estadual de Campinas
joao.camelini@ige.unicamp.br
RESUMO
O artigo apresenta uma visão geral a respeito das geotecnologias utilizadas para subsidiar o
processo decisório de expansão do setor sucroenergético, atuando desde a seletividade
espacial de novas áreas até a sistematização da ocupação por meio de técnicas da agricultura
científica globalizada. Identifica, também, como esta dinâmica desarticula a sintonia entre as
unidades da federação e resulta em implicações na escala local, afetando agentes que não
estejam alinhados com as tendências de especialização produtiva predominantes.
INTRODUÇÃO
O presente estudo busca discutir os mecanismos adotados pelos grupos usineiros com
o objetivo de implantar sistemas de agricultura de precisão nas regiões destinadas ao plantio
de cana-de-açúcar. Em grande parte, ele se baseia em entrevistas com profissionais de
departamentos agrícolas, informática, cooperativas, fornecedores de equipamentos e
softwares, acesso a documentações de projetos e visitas a diferentes usinas, o que possibilitou
extrair as diretrizes metodológicas que são apenas levemente alteradas nos diferentes grupos,
conservando um padrão bem delineado. Tais diretrizes têm por objetivo reproduzir ou
adaptar, nos locais de expansão, aqueles procedimentos consolidados em áreas previamente
ocupadas, o que envolve a utilização de uma série de recursos técnicos, muitos dos quais
derivados do conhecimento geográfico, que possibilitam adquirir um grau de conhecimento
do território suficiente para realizar intervenções de altíssima precisão, maximizando a
produtividade.
Tendo em vista as tecnologias atualmente empregadas para a produção de açúcar e
etanol, particularmente ao longo da etapa agrícola, quando é obtida a matéria-prima para o
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processamento industrial, é possível identificar claramente uma evolução significativa em
relação às práticas adotadas no passado. Atrelada à configuração técnica que vem se
estabelecendo e sendo continuamente aprimorada, porém, é preciso reconhecer a existência de
uma dinâmica que resultou em profundas alterações na forma com que se dá a ocupação de
alguns municípios brasileiros, em especial os de menor porte, cuja dependência em relação às
atividades agrícolas é profunda. Embora alguns possam entender estas mudanças como
consequências menores no contexto de um processo irreversível de modernização, suas raízes
remetem a demandas associadas à produção sucroenergética, essencialmente em razão da
escala de ocupação e recursos financeiros envolvidos, o que via-de-regra se reflete em
prejuízos para o pequeno produtor, já que este, dentro dos parâmetros atualmente adotados,
não dispõe de meios para viabilizar sua inclusão, tornando-se um frágil obstáculo ao avanço
dos canaviais. Esta relação entre os interesses de determinados agentes na exploração
econômica do território para uma finalidade produtiva específica e o eventual deslocamento
ou exclusão de outros agentes e atividades pré-existentes é uma questão extremamente
importante, que fornece indícios da propensão à vulnerabilidade territorial. É, portanto,
fundamental o entendimento da dinâmica associada a esta problemática, de modo que a
Geografia possa contribuir consistentemente para o seu equacionamento.
ALGUNS MOTIVADORES DA EXPANSÃO DAS LAVOURAS DE CANA -DE-
AÇÚCAR
Para compreender de forma mais ampla o processo que resulta na ocupação
sistematizada e plantio de cana-de-açúcar, cabe uma breve discussão relacionando alguns
agentes e forças que interagem para dar origem a uma série de decisões que direcionam a
expansão da produção sucroenergética. O quadro 1 consiste numa representação simplificada
de parte destas relações e tem o propósito de facilitar a compreensão da dinâmica aqui
apresentada, partindo de aspectos globais para chegar a implicações locais:
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Quadro 1 – Alguns agentes e forças direcionadores do setor sucroenergético
Fonte: Elaboração Própria
A análise da expansão sucroenergética pode se iniciar pela questão da escassez
anunciada das fontes de energia que hoje sustentam a matriz energética mundial, uma
perspectiva que induz à busca urgente por alternativas. A biomassa, responsável por 4,7% da
oferta interna de energia elétrica no Brasil (EPE, 2012), em conjunto com o etanol, testado em
larga escala durante o Proálcool – Programa Nacional do Álcool, passam a ser apontados
como fortes candidatos a suprir parcialmente esta demanda. De fato, a participação do etanol
na composição da gasolina vem crescendo em outros países e o avanço de uma série de
acordos estratégicos gera expectativas de consolidação de um enorme mercado internacional.
Exemplos disto são a abertura do mercado norte-americano para o produto a partir de janeiro
de 2012 e as possibilidades originadas da Diretiva Europeia (UNICA, 2012a). Para que tal
consolidação ocorra, no entanto, é preciso que sejam apresentadas garantias de continuidade
do abastecimento e controle dos preços, o que, em última análise, conduz ao processo de
commoditização do etanol, cujo avanço faz com que diminuam as incertezas das corporações
nacionais e estrangeiras, que intensificam os investimentos no setor para dar conta da
demanda futura e abarcar etapas de distribuição e venda do produto no varejo. Este é o caso
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da fusão entre Cosan e Shell, originando a Raízen, da combinação de ativos entre ETH e
Brenco, da aquisição completa do grupo Moema pela Bunge e da compra parcial do grupo
Equipav pela Shree Renuka Sugars (FAUST, 2010).
Enquanto não se realiza o potencial externo, porém, o mercado brasileiro permanece
como responsável pela maior parcela do consumo de etanol, assumindo grande importância
estratégica, o que se deve essencialmente ao surgimento e consolidação da tecnologia flex fuel
em 2003, já que esta foi responsável por redimir o etanol enquanto alternativa viável após a
quebra de confiança resultante da traumática interrupção do Proálcool. Como sinal desta nova
realidade, em 2011 a frota de veículos bicombustíveis superou a movida a gasolina em
aproximadamente 1 milhão de unidades (UNICADATA, 2012), uma taxa de substituição
impressionante. Adicionalmente, a possibilidade do direcionamento da matéria-prima para
produção de açúcar amortece grande parte das oscilações do mercado, oferecendo grande
flexibilidade no aproveitamento dos excedentes e uma alternativa comercial
circunstancialmente mais interessante. Entre as 413 usinas cadastradas no Brasil, 299 afirmam
ter produção mista, 103 declaram ênfase em etanol e apenas 11 em açúcar (BRASIL, 2012).
Todo este leque de oportunidades fez com que a demanda por investimentos aumenta a cada
dia, atraindo capitais estrangeiros e promovendo ondas de fusões e aquisições, que tornam o
setor progressivamente oligopolizado. Isto fica evidente diante do número de usinas
pertencentes aos grupos Raízen (24), LDC-SEV (11), além de Guarani, ETH e Bunge (7
unidades cada) (UNICA, 2012b). Estima-se que até 2015 cerca de 40% da produção será
controlada por grupos estrangeiros (CHADE, 2010).
EXPANSÃO SUCROENERGÉTICA E ALGUMAS IMPLICAÇÕES
Embora o controle da produção seja executado remotamente, por meio de um
complexo sistema integrado por redes, a flexibilidade da localização das unidades de
processamento de cana é relativa, exigindo criteriosa seletividade espacial. Pode-se afirmar
que existe um conjunto bem definido de fatores edafoclimáticos, políticos, normativos,
ambientais, infraestruturais e econômicos que, combinados, determinam a escolha dos locais
mais apropriados para a instalação de novas usinas, conduzindo à identificação de vetores
preferenciais de expansão (CAMELINI, 2010; 2011). A execução deste planejamento, porém,
introduz uma questão delicada, já que o acesso ao território para seu uso na produção de
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etanol passa inevitavelmente pelo crivo do Estado, que é o principal agente responsável por
viabilizar as condições infraestruturais necessárias à fluidez da produção, o que se torna
evidente por financiamentos como o da construção do alcooduto que interligará as principais
regiões produtoras do Brasil (BNDES, 2012). Deste modo, pode-se entrever que o Estado
permanece como um agente de enorme poder direcionador dentro do processo de expansão,
assumindo grande responsabilidade em relação às distorções decorrentes do mesmo.
Uma das questões mais controversas associadas à pulverização da produção canavieira
é, sem dúvida, a disputa por investimentos entre os estados brasileiros. Estes competem entre
si, oferecendo pacotes de incentivos que podem ser complementados pelos municípios e
convertidos em capital político através da perspectiva de geração de emprego e renda para a
população, resultando no fenômeno que Santos (1999) chamou de “Guerra entre os Lugares”.
O município de Quirinópolis, GO, é um claro exemplo da combinação desses incentivos, o
que levou à instalação de duas usinas e extrema especialização (CAMELINI, 2011). À
margem deste processo, no entanto, importantes questões ambientais, sociais e econômicas
surgem gradativamente, podendo, dentro de certos parâmetros, resultar num quadro de
vulnerabilidade territorial, a exemplo do município de Espírito Santo do Turvo, SP, que
entrou em caos social após falência da usina, que era sua principal provedora de empregos
(UDOP, 2012).
Decorrida a análise de viabilidade para implantação de uma usina, inicia-se o processo
de ocupação, orientado por parâmetros sistematizados. A disponibilidade de terras é variável,
bem como as modalidades de apropriação adotadas. Em alguns estados, o arrendamento e
parcerias são estratégias mais comuns, enquanto em outros a preferência é pelo uso de terras
próprias. O fato é que as restrições logísticas relacionadas à distância de transporte da
matéria-prima para produção de açúcar e etanol acabam por delimitar um raio máximo de
ação para cada usina instalada, intensificando, desta maneira, a necessidade de
aproveitamento dos recursos disponíveis nas proximidades do centro de moagem. Isto
potencializa a agressividade na ocupação canavieira, o que pode ser constatado pela
substituição de culturas como Soja, Café e Laranja (CONAB, 2012) e resulta em enorme
pressão pelo aumento de produtividade, o que somente é possível pelo controle preciso das
inúmeras etapas contidas no ciclo da agricultura de precisão. Com isto, a incorporação de
inovações técnicas adquire importância estratégica para os grupos usineiros, cuja capacidade
de investimento cresce continuamente devido ao processo de oligopolização do setor e
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grandes aportes financeiros de corporações nacionais e estrangeiras. A competitividade torna-
se o critério que orienta a tomada de decisões, em perfeita sintonia com as expectativas de um
mercado internacional de elevado potencial. Este mesmo mercado exige a redução de custos,
à medida que se evidencia a perspectiva de commoditização do etanol.
Como parte deste processo, grandes porções do território brasileiro tornam-se cada vez
mais dedicadas a interesses que fogem do seu contexto. A ocupação sistematizada das terras
representa a expressão local de um planejamento maior, realizado com vistas a satisfazer
parâmetros ditados pelo mercado. A pequena produção, desta forma, passa a representar um
inconveniente e tornar-se residual, dado que sua orientação não tem compromisso com os
referenciais dominantes. Diante disto, o pequeno produtor é posicionado num contexto em
que não há sinergia suficiente para viabilizar sua sobrevivência, sendo forçado pelas
circunstâncias a arrendar ou mesmo vender sua propriedade, um mecanismo cruel de exclusão
(CASTILLO, 2009).
GEOTECNOLOGIAS E OPERACIONALIZAÇÃO DA OCUPAÇÃO CANA VIEIRA
A racionalidade técnica se faz presente desde o período de análise da viabilidade para
instalação de uma nova usina até o término de sua vida útil, assegurando que esta seja
alimentada com a matéria-prima necessária para produzir. É, portanto, o ferramental técnico
que fornece parte importante do embasamento utilizado para identificar oportunidades e
executar o planejamento corporativo. Num primeiro momento, ele atua na seletividade
espacial, onde modelos digitais de terrenos dotados de menor precisão permitem investigar
atributos como localização estratégica do ponto de vista logístico, elevação, declividade
predominante, hidrografia, restrições de uso, diversidade das atividades agropecuárias que
poderiam competir pelo arrendamento, existência de outras usinas nas proximidades, entre
outros, numa análise que pode integrar fontes de dados preliminares, como Google Earth, a
sistemas de informações geográficas de maior especificidade e complexidade. Para um
mapeamento mais detalhado, utiliza-se do recurso de inserção de imagens georreferenciadas
de alta precisão, que não raramente trazem informações topográficas complementares,
residualmente originadas do processo de ortorretificação. Como recurso para o
reconhecimento de grandes áreas, é ainda possível contar com levantamentos topográficos a
laser e técnicas de sensoriamento remoto, que permitem classificar imageamentos de forma
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supervisionada, identificando respostas correspondentes a padrões minerais, presença de água
e vegetação. Após a ocupação, tal recurso é ainda útil para auxiliar na previsão de safra. A
análise das áreas candidatas à ocupação resulta num número reduzido de alternativas, que
então se tornam alvos de estudos mais criteriosos, demandando o deslocamento de equipes
multidisciplinares a campo.
A escolha final da localização da usina somente ocorre de fato após uma longa
negociação para garantir o pleno aproveitamento dos incentivos disponíveis, combinando
facilidades e recursos federais, estaduais e municipais. Também são realizadas negociações
prévias com proprietários de imóveis rurais estratégicos para que se possa ter uma ideia mais
precisa do grau de dificuldade envolvido na conversão das terras atualmente ocupadas em
plantações de cana-de-açúcar. A substituição de outras culturas é a alternativa de menor custo,
além de reduzir o tempo para o início do plantio, já que elimina algumas etapas associadas ao
preparo do solo.
O mapeamento das áreas gerenciadas pela usina é feito, de modo geral, documentando
os talhões agrupados em fazendas. Para tanto, é necessário utilizar um software CAD
(Computer Aided Design) integrado a recursos de SIG que possibilitem a representação
consistente em relação a sistemas de projeção cartográfica. Também é necessário o uso de
aplicativos destinados a estudos topográficos, que completam o conjunto de ferramentas
voltadas ao reconhecimento das áreas disponíveis, algo particularmente importante para que a
base cartográfica possa ser utilizada como referencial nas etapas seguintes. Neste
mapeamento, são identificados os cursos d'água e suas respectivas áreas de preservação
permanente, matas residuais, faixas de servidão para linhas de alta tensão, estradas, projetos
de carreadores de acesso e em nível, canais para o escoamento de vinhaça, bem como tanques
de armazenamento desta. Este detalhamento também incorpora a caracterização topográfica,
cuja importância é fundamental, pois serve como ponto de partida para o estabelecimento de
terraços, simulações do escoamento superficial da água para estudos de drenagem e
identificação de áreas mecanizáveis. Este levantamento é realizado através de recursos de
maior precisão, baseados no posicionamento global (GNSS), utilizando aparelhos de GPS
acoplados a veículos no campo. Em muitos casos, a depender da confiabilidade desejada,
utilizam-se bases RTK (Realtime Kinematic), que corrigem dinamicamente o erro
planialtimétrico, reduzindo o tempo de levantamento topográfico com sensível diminuição
dos custos envolvidos. Documenta-se também o mapeamento dos tipos de solo existentes,
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interpolando amostragens colhidas em posições específicas. O resumo de áreas e dados do
proprietário - no caso de arrendamento - são apresentados em legendas e tabelas (Figura 1).
Todo este reconhecimento de áreas é agrupado num documento geralmente denominado
"caderno de safra", pois acompanha a evolução do uso da terra ao longo de todos os ciclos de
plantio. A cada safra, ocorrem reformas na ocupação de algumas áreas, com alternância entre
culturas e ajustes decorrentes de experiências anteriores.
Figura 1 – Exemplo de documentação para caderno de safra
Fonte: Bunge
Para a integração geoespacial do mapeamento disponível com as bases de dados
alfanuméricas, é preciso estabelecer uma codificação para os talhões e agrupá-los num único
mapa, denominado "mosaico" ou "mapa geral". Via-de-regra, o detalhamento das áreas neste
mapa é bastante reduzido, para evitar dados redundantes em relação ao caderno de safra.
Essencialmente, ele contém os limites dos talhões e textos internos indicando sua codificação,
que viabilizam o relacionamento automatizado entre a geometria e o registro equivalente na
base de dados. Como esta é alimentada por sistemas corporativos especializados no cadastro
de áreas, o procedimento agrega ao talhão toda sorte de dados disponíveis, tornando-o a célula
analítica para o mapeamento temático e cruzamentos topológicos. Assim, podem ser
extraídos, com facilidade, diferentes relatórios e mapeamentos, como de variedades, tipos de
solos, produção e produtividade previstas e reais, simulações de remuneração pelo
arrendamento, plano de queima etc. Além de interagirem com dados cadastrais, os mapas
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temáticos também são úteis para representar elementos mais dinâmicos, como a presença de
pragas, deficiências de nutrientes do solo e demais informações derivadas de interpolações.
Estes podem ser utilizados para orientar aplicações de defensivos, compensações minerais e
operações semelhantes, inclusive por meio de recursos automatizados.
Com o advento da mecanização das operações no campo, novas necessidades foram
identificadas e novamente o conhecimento geográfico foi colocado a serviço do setor
sucroenergético. O planejamento de sulcação e plantio da cana, que no passado teve caráter
praticamente ilustrativo devido às grandes alterações realizadas durante a sua execução,
atualmente é reproduzido de forma fiel e automatizada por meio da tecnologia Auto-Pilot, que
reconhece o projeto das linhas em coordenadas geográficas e determina as rotas a serem
percorridas pelos veículos. O projeto é consistente em relação à altimetria, já que os terraços
se baseiam em curvas de nível de altíssima precisão, assim torna-se possível determinar em
escritório a melhor configuração da circulação, com a minimização de manobras, consumo de
combustível, desgaste de veículos e pisoteio da cana, que reduz progressivamente a
produtividade. Em alguns casos, tanto o parcelamento do solo quanto as localizações de
carreadores são projetados para compatibilizar a capacidade de carga dos veículos de colheita
com a disponibilidade de acessos para encaminhamento da matéria-prima aos treminhões. Por
fim, a utilização de insumos e pesticidas pode ser planejada em escritório e executada
automaticamente por veículos que reconhecem mapeamentos de prescrição a taxas variáveis e
dosam dinamicamente a aplicação, melhorando assim o seu aproveitamento (Figura 2).
Figura 2 – Mapa para Aplicação de Insumos a Taxas Variáveis
Fonte: Adaptado de http://www.massey.com.br/portugues/noticia36_1.asp
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Pensando na circulação em maiores distâncias, sua simulação em ambiente SIG
possibilita a delimitação mais precisa da área de abrangência da ocupação, incorporando a
malha viária disponível a um complexo modelo topológico, onde é possível classificá-la em
relação à qualidade de cada trecho e distâncias percorridas até o centro de moagem, além de
outros atributos específicos de cada região. Isto é necessário para que a matéria-prima colhida
possa ter o melhor aproveitamento, com custos de transporte que não diminuam a
competitividade do produto final no mercado. As análises topológicas possibilitam, ainda,
realizar estudos do escoamento da produção em escala nacional, contribuindo para identificar
regiões privilegiadas do ponto de vista da logística, uma inestimável contribuição estratégica
às corporações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto da expansão do setor sucroenergético, o papel das geotecnologias torna-se
fundamental, já que possibilita o reconhecimento do território, viabilizando o máximo
aproveitamento dos recursos disponíveis e conduzindo ao aumento da competitividade dos
produtos no mercado, em especial o etanol, que caminha a passos largos para
internacionalização. Por outro lado, a demanda por investimentos direcionados a
operacionalizar a expansão sucroenergética, aliada à volatilidade das inúmeras variáveis
envolvidas neste processo, deu origem a pressões por um aumento de autonomia no acesso ao
território, juntamente com a imposição de uma série de pré-requisitos para viabilização de
etapas anteriores e posteriores à produção em si.
A montante do processamento industrial da cana, verifica-se que o fornecimento de
matéria-prima exige o comprometimento de uma quantidade enorme de terras agricultáveis,
que poderiam ser destinadas a outras aplicações, enquanto a jusante torna-se vital garantir a
fluidez da produção de forma competitiva, contando, para isto, com a presença de condições
logísticas adequadas. Em ambos os casos, o posicionamento mediador do Estado assume
importância fundamental, e se concretiza principalmente através de incentivos, facilidades
normativas, financiamentos e investimentos maciços em infraestruturas. É desta maneira que
grandes porções do território se transformam em extensões das próprias corporações,
assumindo, até certo ponto, o atributo da competitividade em relação a uma atividade
produtiva específica e incorrendo no risco de exposição a uma série de fragilizações
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decorrentes de sua dedicação exclusiva. Cabe à Geografia identificar e discutir os processos
que levam a estas condições particulares, sinalizando alternativas que possibilitem a
realização do potencial de crescimento econômico do Brasil, sem que isto implique na
subordinação de seus recursos à vontade predominante do mercado e, consequentemente, das
corporações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL REGIONAL NO NORTE FLUMINENS E E DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL.
Florinda de Souza Torreira Pose Universidade Federal do Rio de Janeiro
francespose@gmail.com
INTRODUÇÃO
A produção brasileira de energia renovável é considerável, representando cerca de
45% da matriz energética do país. Sabe-se que o Brasil é um dos principais produtores de
energia renovável do mundo, destacando-se principalmente pelo uso de energia fornecido
pelas usinas hidroelétricas e pelo sucroenergético. O setor sucroenergético é um dos
principais responsáveis pela produção de energia renonável no país, sendo a cana-de-açúcar ,
segundo dados do Ministério de Minas e Energia ( 2011), responsável por 17,8% de toda a
oferta primária de energia no país.
A cana-de-açúcar é matéria-prima mais utilizada no país para a produção do etanol,
sendo a cana-de-açúcar a matéria-prima mais eficiente em relação ao balanço energético se
comparado com outras fontes como o milho, a beterraba ou o trigo. Como resultado dos
investimentos do governo no setor sucroenergético, em 1975, o cultivo de cana-de-açúcar no
Brasil chegou a 68,3 milhões de toneladas. Já em 2010 a produção atingiu 620,0 milhões de
toneladas, tendendo a dobrar nos próximos 20 anos, segundo estimativas do MME (2011).
Sobretudo após a crise do Petróleo e a consequente criação do programa energético
PROÀLCOOL pelo governo brasileiro, a produção de etanol ganhou estímulo, contando
atualmente com mais de 400 usinas que produzem açúcar e etanol, sendo tais produções
desenvolvidas em 22 dos 27 estados brasileiros, em uma área cultivada de 9.147.238 hectares,
correspondendo a 1,46% da área total agrícola do país, a produção de etanol.
O PIB do setor sucroenergético é equivalentes a cerca de 1,6% do PIB nacional.
Desde 1992, o PIB setorial cresceu 170%, representando 9,9% do PIB da agricultura, e 7,0%
do PIB agropecuário nacional, em 2010 ( MME, 2011). Percebe-se que há um crescimento da
participação do PIB do setor sucroenergético na composição do PIB nacional, reflexo do
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aumento da produção de cana-de-açúcar e de novas usinas na região Centro-Sul do país.
Desde 2005, aproximadamente 117 novas usinas entraram em operação, produzindo açúcar,
etanol e também bioeletricidade, expandindo e tornando ainda mais complexa a cadeia
produtiva do setor sucroenergético.
A cadeia produtiva do setor sucroenergético é bastante complexa, sendo composta por
segmentos que englobam dos fornecedores de insumos, prestadores de serviços agrícolas e
industriais, produtores rurais e fornecedores de cana-de-açúcar, fornecedores de
equipamentos, instalações e projetos industriais a produtores de açúcar, etanol e
bioeletricidade e empresas de comercialização, mercados interno e externo. Tal cadeia
demanda alto investimento em tecnologia, infraestrutura e capital, como forma de garantir a
produtividade e rentabilidade da produção de cana-de-açúcar e seus derivados.
O Estado de São Paulo destaca-se como maior produtor de açúcar e etanol do Brasil,
responsável por mais de 60% da produção nacional, contando com um total de 190 usinas de
um total de 441 unidades fabris em todo o território. O estado do Rio de Janeiro que já foi um
importante produtor sucroalcooleiro, enfrenta desde o final da década de 1980 uma
diminuição notável no número de usinas ativas e de áreas de cana-de-açúcar cultivadas. Com
o fim do programa Proálcool e com a descoberta de petróleo na região Norte Fluminense, o
setor sucroenergético enfrenta uma contínua situação de decadência.
O Norte Fluminense do Rio de Janeiro possui uma antiga tradição marcada pelos
interesses relacionados com a produção canavieira. A cana-de-açúcar marcou por muitos anos
a economia da região, marcando as relações de produção da região. Depois de uma série de
crises, a década de 70 representa um ressurgimento do setor sucroalcooleiro fluminense,
devido à implantação de políticas públicas, como o Proálcool. Porém com a descoberta de
poços de petróleo na Bacia de Campos, deu-se início a uma nova ordem que gradativamente
vem se sobrepondo à dominação política, econômica, social e simbólica integrada à produção
sucroalcooleira. A descoberta de petróleo na Bacia de Campos modificou a dinâmica
socioespacial da região. Com a implantação da base petrolífera da Petrobrás, os municípios
confrontantes com a Bacia de Campos passaram a ter suas finanças públicas acrescidas com
as rendas petrolíferas (royalties + participações especiais) pagos como indenização gerada
pelos impactos da exploração e produção de petróleo, emergindo na região uma elite ligada
aos interesses do setor petrolífero e portuário em detrimento do setor sucroalcooleiro.
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As transformações ocorridas no Norte Fluminense desde a entrada do setor petrolífero
na região na década de 1980 foram fundamentais para a definição de um novo cenário para a
região, marcado sobretudo, pelo enfraquecimento do setor sucroenergético na região. Percebe-
se que a reestruturação produtiva do estado do Rio de Janeiro pautado no modelo pós-fordista
de desconcentração espacial, heterogeneidade produtiva, otimização de custos e modernização
das redes urbanas, propiciou a alocação de importantes projetos âncoras no Norte Fluminense,
definindo uma nova reorganização espacial na região.
Percebe-se que longe de trazer significativos ganhos qualitativos à população, essa
nova divisão do trabalho do RJ aumenta o desenvolvimento geográfico desigual no estado, em
especial na escala intra-regional, aonde a coexistência simultânea e relacional de municípios
inseridos em uma lógica produtiva internacional e outros ainda sem atrativos econômicos é
mais do que produto de circulação e valorização do capital, mas condição para essa
valorização. Além disso apesar de ainda concentrados a determinados municípios, esses
empreendimentos estruturantes, cria uma nova identidade regional, agora marcada pelos
interesses do setor petrolífero/industriais, entrando em contradição com as tradicional
identidade regional agrícola.
Diante deste quadro preliminar objetiva-se analisar as transformações socioespaciais
que vem ocorrendo no Norte Fluminense, mudanças estas que definem um novo cenário para
região. Nota-se que o setor sucroenergético do Estado do Rio de Janeiro apresenta profundos
desgastes estruturais, não estando como prioridade nos projetos energéticos do país. A entrada
da Usina Canabrava na região, contrasta com a falência de importantes usinas como a Paraíso
e Sapucaia. Percebe-se um interesse, principalmente de agentes locais em se fortalecer o
mercado de etanol na região, sobretudo, como uma forma de abastecimento dos novos
empreendimentos industriais que estão sendo implantados na região.
SETOR SUCROALCOOLEIRO FLUMINENSE
A atual regionalização do Norte Fluminense, composta por 9 municípios, é uma das 6
mesorregiões administrativas do Estado do Rio de Janeiro para fins de planejamento das
políticas públicas, Esta regionalização põe fim à anterior que compreendia também os
municípios no Noroeste Fluminense, criando-se portanto duas macrorregiões a Norte e a
Noroeste Fluminense ( Mapa 01 ).
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Mapa 01: Região Norte Fluminense
Fonte: Leonardo de Carvalho Silva
O Norte Fluminense possui uma antiga tradição marcada pelas relações produtivas
agrícolas, caracterizada principalmente pela produção de cana-de-açúcar, introduzida em
meados do século XVIII e cultivada até hoje. Já no século XIX a produção de cana-de-açúcar
era a principal atividade econômica do Norte Fluminense, sendo um dos maiores centros de
produção do Brasil. Campos dos Goytacazes, tornou-se o principal produtor de cana-de-
açúcar do Rio de Janeiro e, consequentemente um importante centro regional, com um
considerável aumento no setor de comércio já no século XIX. A economia canavieira foi
fundamental para formação socioespacial do Norte Fluminense, sendo de acordo com Rua
(2003) o elemento territorializador do espaço regional. Entendendo o espaço como sistema
indissociável de objetos e ações (SANTOS, 2006), percebe-se que a organização espacial no
Norte Fluminense, sob forte concentração de terra, produziu o espaço desigual que é desde a
sua formação, característica da região.
A economia canavieira no estado é marcada por longos períodos de crise e estagnação
em meio a períodos de prosperidade. No século XX o setor sucroalcooleiro nacional
desenvolveu-se sob forte intervenção estatal que passou a subsidiar o desenvolvimento do
setor. Os subsídios estatais eram destinados a modernização do setor que ainda na década de
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1950 era marcada por meios de produção não regidos pela lógica da modernização agrícola. O
setor sucroalcooleiro fluminense passava a integrar completamente a lógica industrial, por
meio de rupturas nas relações de produção, com incentivos na base tecnológica nos meios de
produção. A agroindústria, que integra a atividade agrícola com a indústria de transformações
desde produtos, é uma das expressões da modernização da agricultura que caracteriza o setor
sucroalcooleiro. O antigo modelo de produção no Norte Fluminense é substituído pelo o
agroindustrial, formando na região, principalmente em Campos os CAIs, onde as usinas
passam a deter não somente o controle dos processos industriais, mais também das terras
produtivas tanto por meio da compra como também pela arrendamento, fenômeno conhecido
como territorialização do capital.
O setor sucroalcooleiro fluminense não consegue produzir resultados em termos de
produção e produtividade altos, iguais aos de outros estados como São Paulo e Paraná, como
mostra Rua (2003) ao discutir que a região até a década 1960 era o maior produtor do país,
mas perde espaço já na década de 1970 para o estado de São Paulo. A intervenção do Estado
cria uma inércia na região fluminense, isto é, os constantes subsídios do governo acomodam
as elites locais, tornando o setor alcooleiro fluminense cada vez menos competitivo frente às
outras áreas produtoras do país, como analisa Barbosa (2002) ao dizer que o Norte
Fluminense que já possuiu expressividade nacional, nem mesmo no conjunto do Centro-Sul
poderia ser atualmente considerado central ou de destaque, no que tange a produção agrícola.
As crises que tanto marcaram o setor aumentaram ainda mais as dificuldades econômicas da
região, aprofundando as desigualdades sociais, os índices de desemprego, levando à
intensificação do movimento migratório campo-cidade para outras áreas do estado,
principalmente para a região metropolitana.
As elites regionais exerceram um papel fundamental na produção do espaço Norte
Fluminense. Detentores de grande parte da concentração de terra e, ocupando os cargos
políticos da região, foram em grande parte os responsáveis pela reprodução das desigualdades
sociais regionais. Defensoras, outrora, dos interesses do setor sucroalcooleiro, impediam a
diversificação da economia, fechando a região a qualquer atividade econômica que ameaçasse
a manutenção do status quo da região. Os interesses das elites regionais estavam imbricados
com a monocultura canavieira, por isso qualquer ameaça ao monopólio econômico da
indústria sucroalcooleira era evitado, já que isto implicaria na perda do poder local destas
elites agrárias. Como agentes hegemônicos, estas elites apoiavam-se e propagavam o discurso
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de vocação regional (quase que natural) do Norte Fluminense para a produção agrícola e, na
herança deixada há séculos por esse setor produtivo na região. Essas elites que lutavam pela
permanência de seus privilégios, status, poder, revelava ainda mais as grandes desigualdades
sociais existentes, onde a grande concentração de terra, a falta de empregos, a precária
infraestrutura e a concentração de renda nas mãos de uma elite local aumentavam ainda mais
a segregação espacial e a miséria na região.
Após a década de 1980, principalmente após o fortalecimento do setor petrolífero no
Norte Fluminense, o apoio estatal ao setor sucroenergético diminui significativa a medida que
aumenta o poder dos agentes ligados aos interesses do setor petrolífero ou de atividades
industriais com alto valor de capital agregado. A produção sucroalcooleira da região não
supre nem 40% da demanda de açúcar e 10% de etanol hidratado do estado do Rio de
Janeiro.
A falta de investimentos públicos, a falta de implantação de novas tecnologias, como
também dificuldades em se expandir a área cultivada, foram alguns dos determinantes para a
falência do setor na região. Com a entrada do setor petrolífero na região, houve também, uma
diminuição drásticas nas atividades agrícolas no Norte Fluminense, principalmente em
municípios como Quissamã, Campos Goytacazes e Carapebus. O baixo investimento em
áreas cultivadas de cana-de-açúcar é um dos principais elementos que propiciaram a falta de
dinamismo do setor sucroalcooleiro na região.
A região Norte Fluminense que já abrigou 23 usinas em funcionamento nas décadas de
1970 e 1980, durante a implantação do programa Proálcool, alcançando recorde de produção
nacional no final da década de 1980, possui menos de 7 usinas em funcionamento em 2012,
das 8 existentes durante a década de 2000, com uma baixa produção de cana-de-açúcar por
hectares.
A falta de matéria-prima é um dos empecilhos enfrentados por usinas como a Sapucaia
e Pureza, que ambas com condições técnicas para operar, tiveram que ser desativadas nas
últimas duas safras por falta de cana-de-açúcar. A instalação do projeto álcool-química Cana
Brava na região, representa uma tentativa concreta em se reanimar o setor sucroenergético na
região. A Usina Cana Brava a priori, prioriza a produção de etanol e a geração de bioenergia
através do reaproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar. Um dos objetivos da Usina é gerar
energia para abastecer outros setores industriais. A Coagro, uma cooperativa de produtores de
cana, é também uma das poucas que resistem a degradação do setor no Rio de Janeiro. Porém,
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percebe-se que tal expansão do setor na região é nítida. As Usinas Cupim, Carapebus e Othon,
por exemplo, que tiveram a falência decretada, tentam recuperar judicialmente o controle das
Usinas, objetivando a venda das terras para futuros projetos imobiliários, devido a
implantação do Complexo Portuário do Açu e do Complexo Logístico Barra Furada na região.
REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL NO NORTE FLUMINENSE
Faz-se necessário a compreensão do espaço regional como preferencial para o
engajamento político enquanto uma arena onde estão mais diretamente envolvidos seus
interesses, uma vez que todas as relações de produção do espaço se inscrevam em um campo
de poder (RAFFESTIN, 1993).
A palavra “região” assume “caráter ideológico à medida que se torna referência para a
construção de mistificações geográficas, sendo por isso um instrumento de manipulação
política” (LENCIONI, 2003, p. 198), sendo fundamental o uso do conceito de região para o
entendimento da nova regionalização que se configura entorno da Bacia de Campos, já que as
escalas espaciais são perpetuamente redefinidas, contestadas e reestruturadas em termos de
seu alcance e de seu conteúdo (HARVEY, 2006). Segundo Harvey (2006), a escala da
regionalidade pode fazer sentido em um tempo, mas pode não necessariamente fazer em
outro. Estruturas regionais têm que ser entendidas como inerentemente instáveis ao mesmo
tempo que a volatilidade do capital. Santos (2006) mostra que as condições atuais fazem com
que as regiões se transformem continuamente, legando, portanto, uma menor duração ao
edifício regional, de acordo com o movimento do capital.
A regionalização é tanto um produto da singularidade, isto é, das particularidades, das
especificidades, como também, produto das diferenças e das desigualdades locais. Ela é
também produto da divisão territorial do trabalho, sendo a sua divisão ligada as características
funcionais locais. Com o aprofundamento das relações cada vez mais globais, emerge em
todo o mundo movimentos regionalistas, o que demonstra que ao mesmo tempo em que a
globalização tende a homogeneização, ela produz fragmentações cada vez maiores. Há uma
contínua construção de heterogeneidades, resultado das desigualdades e contradições
inerentes a reprodução do capital, expressão do desenvolvimento geográfico desigual. O
processo de desenvolvimento que ocorre no Norte Fluminense, alimentado pela reestruturação
espacial provocada pelos novos empreendimentos industriais, a saber, a Indústria do Petróleo
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já territorializada, e os Complexos Industriais Barra Furada e o do Açu, faz emergir uma
região caracterizada pela produção industrial. O novo ciclo que se instaura no Norte
Fluminense, isto é, o da lógica industrial, sustentada pela maior base industrial de petróleo do
país e, pela implantação de novos empreendimentos industriais na região, contribui
fortemente para a nova configuração espacial do interior fluminense, sendo perceptível o
processo de reestruturação regional, tanto ao que concerne à base produtiva, quanto à política
e cultural. As interações espaciais que ocorrem na região são cada vez mais intensas e
desiguais.
As interações espaciais, segundo Corrêa (1997, p. 279) “constituem um amplo e
complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o
espaço geográfico. O Norte Fluminense cada vez mais se estabelece com um espaço
relacional e multiescalar”. Com a nova funcionalidade produtiva no Norte Fluminense, as
interações espaciais ocorridas na região se apresentam ainda mais intensificadas, já que a
ampliação e a complexificação desses fluxos são consequências da reprodução do capital.
A implantação dos dois empreendimentos industriais no Norte Fluminense, previstos
para serem inaugurados até 2014, o Complexo Industrial Portuário do Açu e Complexo
Logístico e Industrial Farol/Barra do Furado, poderá ser um fator de expansão de um eixo
urbano de interiorização da metrópole até a parte mais ao norte do estado do Rio de Janeiro,
funcionalizando ainda mais a região Norte Fluminense com a produção industrial.
O Completo Industrial Portuário do Açu, considerado o maior empreendimento
portuário da América Latina, localiza-se na região do Açu em São João da Barra. O
Complexo Portuário contará com um condomínio industrial com unidades petroquímicas,
siderúrgicas, usina termoelétrica, polo metal-mecâncio e com um mineroduto que levará o
minério produzido pela MMX-Anglo Ferrous Mineração de MG até o porto em Açu. O
Complexo Logístico e Industrial Farol/Barra do Furado, uma parceria entre as prefeituras de
Quissamã e Campos dos Goytacazes, possui uma localização estratégia, estando cerca de 70
Km de Macaé e 25 km do Porto do Açu. Esse complexo abrigará importantes estaleiros de
apoio a atividade petrolífera.
Eixos de integração, tendo como âncora tais investimentos, aceleram o processo de
integração e interiorização da metrópole no estado. Segundo SANTOS ( 2008) os eixos de
integração concebem um território delimitado e recortado por formas e normas seletivas que
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estão a serviço de alguns atores sociais, compreendendo assim um espaço apropriado de poder
funcionais à reprodução ampliada do capital.
Segundo Nasser (2000) o eixo caracteriza-se por determinadas sub-regiões onde as
ações de desenvolvimento integrado permitem maior propagação desse dinamismo. Surge,
portanto, através desses polos de desenvolvimento, encabeçado pela indústria upstream em
Macaé, um eixo, uma zona de desenvolvimento orientado por vias de comunicação, sendo as
BR-101 e RJ-106, os aeroportos locais e os portos de Imbetiba e de Açu importantes meios de
integração estadual e nacional.
Percebe-se que a reestruturação das atividades produtivas no estado do Rio de Janeiro
pautado no modelo pós-fordista de desconcentração espacial, heterogeneidade produtiva,
otimização de custos e modernização das redes urbanas, propiciou a alocação de importantes
projetos âncoras no Norte Fluminense, definindo uma nova reorganização espacial na região.
Essa aplicação de investimentos no interior fluminense é mais do que uma política estratégica
nacional, mas também ligada à acirrada competição entre Estados e municípios pela
instalação de novas fábricas e, mesmo pela transferência das já existentes (SANTOS e at.al.,
2001, p. 112). A autonomia concedida aos municípios permitem que eles atuem com políticas
de atração de investimentos, oferecendo as empresas as melhores condições favoráveis a sua
instalação.
Durante o período fordista a localização das indústrias levavam em conta a
proximidade com a matéria-prima, a estrutura técnica do lugar e a disponibilidade de mão-de-
obra. A disposição locacional das indústrias era mais fixa e rígida e obedecia a uma
“determinação” geográfica. Atualmente, no meio científico-informacional, com a maior
flexibilização das empresas e com o uso intensivo da tecnologia, pesa-se mais em questões de
localização e distribuição de empresas, o fato de se conseguir incentivos fiscais com os
municípios sedes, assim como uma busca por legislações ambientais e trabalhistas flexíveis
(ACSELRAD, 2004).
As empresas atuam exercendo uma espécie de chantagem locacional (ACSELRAD,
2004), que consiste em se conseguir o máximo de vantagens ambientais, fiscais, trabalhistas,
técnicas, etc., sob a ameaça de deslocamento caso tais vantagens não sejam suficientes. Os
municípios na tentativa de buscar o máximo de empreendimentos, acabam alvos dessa
chantagem e, oferecendo o máximo de vantagens e incentivos possíveis para que determinado
empreendimento seja implantado no seu território. Essa situação acaba dando consequência
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ao fenômeno denominado por Santos ( 2006) “guerra dos lugares”, que consiste em uma
disputa acirrada entre estados e municípios para a atração de empreendimentos, isto é,
municípios e estados passam a competir a partir da oferta de mais benefícios para garantir a
atração de empresas. Essa ameaça de “deslocamento” usado pelas empresas em geral é o
principal instrumento de obtenção de vantagens para a maximização do lucro e apropriação do
espaço mais “rentável”. A implantação dos novos complexos industriais seguiram essa lógica,
com a flexibilização e incentivação por parte das prefeituras e do estado do Rio de Janeiro em
se produzir as melhores condições espaciais para a reprodução do capital. Essa mesma lógica
esta presente no Norte Fluminense, quando se observa os esforços do poder público em criar
as melhores condições para a permanência e atração de empresas.
Percebe-se, portanto, a nova divisão territorial do trabalho no Norte Fluminense que
iniciada desde a década de 1970 propicia o aprofundamento das desigualdades locais. A
divisão do trabalho que pode também, ser vista como um processo pelo qual os “recursos
disponíveis se distribuem social e geograficamente” (SANTOS, p.132, 2006), resultando na
divisão do trabalho tal distribuição de atividades e recursos no espaço. No Norte Fluminense
aumenta-se a divisão territorial do trabalho, com a separação e especialização produtiva de
determinados espaços em detrimentos de outros, com a especialização industrial de alguns
municípios em detrimentos de outros.
A divisão territorial é mais do que um resultado do movimento social, mas uma
condição para que se haja a produção do espaço geográfico de forma desigual e contraditória.
Tal processo é heterogêneo e conjunto, mas, sobretudo, desigual e combinado (Santos, 2006),
evidenciando o movimento próprio da produção do espaço com um todo. Nota-se que antes
de promover positivamente o desenvolvimento regional, tais empreendimentos, reproduzem
um desenvolvimento desigual no Norte Fluminense.
Logo, o que se percebe é que o desenvolvimento ocorrido no Norte Fluminense, na
verdade aprofundou e reinventou as contradições e desigualdades da região, promovendo-se
um desenvolvimento geográfico desigual. Percebe-se que tais empreendimentos aprofundam
as disparidades intra e inter regional, aumentando as desigualdades sociais. Como mostra
Smith ( 1988),
se a geografia do desenvolvimento desigual principia pela diferenciação do espaço geográfico, então o seu início está definido pela divisão territorial do trabalho. À localização de certos setores da economia e certos gêneros da indústria, isto é, a concentração de unidades produtivas destes setores e gêneros em determinados
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lugares/regiões é que se chama de divisão territorial do trabalho. (SMITH, 1988, p. 159)
Assim, tal divisão territorial do trabalho, possibilita a cristalização de regiões
geográficas distintas da escala nacional (SMITH, 1988). A localização de determinados
projetos industriais nos municípios de Macaé, São João da Barra e Quissamã e Campos dos
Goytacazes aceleram e aprofundam as diferenciações no estado. Percebe-se, assim que o
desenvolvimento desigual é tanto o produto quanto a premissa geográfica ( (SMITH, 1988) e
(HARVEY, 2004) para a reprodução do capitalismo. Assim, faz-se necessário considerar os
processos de desconcentração/ concentração das atividades produtivas como um movimento
segregador e desigualizador. Percebe-se que a nova divisão territorial de trabalho que ocorre
no Estado do Rio de Janeiro é fundamental para o aumento da produtividade, competividade
entre lugares e a reprodução do capital, sendo tal desenvolvimento desigual, porém
combinado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Norte Fluminense, a partir, também, das implantações já em curso dos dois grandes
complexos industriais previstos para a região, esta cada vez mais ligado a configuração
espacial global, possuindo municípios, lugares cada vez mais conectados com múltiplas
escalas. Tais empreendimentos, é antes o aprofundamento do que a atenuação dos
desenvolvimentos geográficos desiguais em suas dimensões tanto políticas como econômicas
( HARVEY, p.238 ,2004), já que a produção espacial atualmente se dá de forma mais
desigual.
O desenvolvimento geográfico desigual permite a apreensão das desigualdades
regionais, as diferentes formas de produção do espaço. Percebe-se assim, que a nítida
tendência regionalista entorno dos produtores de petróleo da Bacia de Campos e dos novos
agentes industriais da região, é também uma expressão e resultado da produção desigual
regional. O Norte Fluminense é produto das relações sociais estabelecidas em diferentes
momentos históricos, cada qual momento contribuindo para a formação socioespacial que ele
possui atualmente. A sua delimitação, isto é, a sua regionalização, além de ser resultado de
especificidades de ordem física-natural é também, resultado das múltiplas formas de produção
do espaço de acordo com as intencionalidades do capital. O desenvolvimento do capitalismo
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ao mesmo tempo em que é segregador e fragmentado, é também, combinado. Exatamente
essas diferenças regionais de ordem técnica e produtiva, uma pautada na herança
sucroalcooleira e outra pautada na nova “vocação produtiva” são fundamentais para a
sobrevivência do capitalismo, pois as desigualdades espaciais são além de produtos da
reprodução do capital, são também condição para tal reprodução.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CORRÊA, Roberto Lobato. Interações espaciais. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Explorações geográficas. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 279-318.
HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 382 p.
HARVEY, David. Spaces of Global Capitalism: towards a theory of uneven geographical development. New York: Verso, 2006
LENCIONI, Sandra. Região e Geografia. São Paulo; EDUSP, 2003.
NASSER, Bianca. Economia Regional, Desigualdade Regional no Brasil e o Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, V. 7, Nº 14, P. 145-178, DEZ. 2000.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paul: Editora Ática, 1993.
RUA, João. Urbanização em áreas rurais do Estado do Rio de Janeiro In: MARAFON, Glaucio José; RIBEIRO, Marta Foeppel(org.). Estudos de Geografia Fluminense. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Infobook, 2003, pg. 43-69.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª ed. São Paulo: Edusp: 2006, 384p
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SANTOS, Milton, Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-científico-informacional. 5ed. São Paulo: EdUSP, 2008. 176p.
SANTOS, Milton e Silveira Maria Luiza; O Brasil: território e sociedade no inicio do século XXI , Rio de Janeiro, Record, 2001
SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual: natureza, capital e a pro dução de espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA
www.mme.gov.br/ Acesso em junho de 2012
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TERRITÓRIO, MODERNIZAÇÃO E COTIDIANO: OS IMPACTOS D OS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO SOBRE A PESCA ARTESANAL NA REGIÃO
NORTE FLUMINENSE
Rodrigo Corrêa Euzebio Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
euzebiogeo@gmail.com
Catia Antonia Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
catia.antonia@gmail.com
Felippe Andrade Rainha Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP
trovadorffp@gmail.com
RESUMO
A região do Norte fluminense do Rio de Janeiro tem uma história marcada pela
produção de cana de açúcar e a produção de etanol. Foi uma das primeiras regiões canavieiras
no Brasil junto com as do Nordeste. Experimentou os primeiros projetos de biocombustível
por meio da cana como matéria-prima. Nas décadas de 2000-2010 ocorre o período de maior
decadência desse setor agrícola e industrial. Apesar de ter mais de 8.000 produtores
agricultores em minifúndios, a qualidade da Cana é baixa e a maioria das usinas entraram em
falência. Entretanto não há uma crise da região. O que há é uma mudança de atividades
econômicas. A urbanização vem se expandindo na proporção das atividades da petroquímica e
da instalação de um distrito industrial de siderurgia somada a implementação do Porto do
Açu.
O presente trabalho tem como finalidade apresentar processos de modernização do
tempo presente em Campos dos Goitacazes e em São João da Barra, analisando o impacto
dessas transformações na vida coletiva de pescadores artesanais.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, fazemos uma análise das tensões entre a pesca artesanal e a
modernização na região norte do estado do Rio de Janeiro, mais especificamente nos
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municípios de Campos dos Goytacazes e São João da Barra, sendo este último o local onde
está sendo instalado o Complexo industrial do grupo LLX, com destaque para o “Superporto
do Açú”. O processo modernizante que se verifica em curso no norte fluminense se realiza
por meio de ações que envolvem a reestruturação produtiva do setor sucroenergético da região
até intervenções nas áreas costeiras, sobretudo no município de São João da Barra.
O tema que discutimos aqui está inserido na nossa tarefa de mapear os pontos criticos
de realização da pesca artesanal no estado do Rio de Janeiro, junto ao projeto “Modernização,
território e cartografia da ação social: análise da cadeia produtiva, das condições de trabalho e
das formas de luta dos trabalhadores da Pesca Artesanal no Rio de Janeiro - FAPERJ”. Nesta
tarefa, pretendemos compreender como a modernização impacta nas praticas pesqueiras ao
longo do litoral fluminense e quais as consequências sociais desses impactos. Assim,
buscamos analisar os pontos de tensão por meio de algumas visitas de campo, entrevistas, e
no uso de ferramentas de geoprocessamento, como GPS e o ArcGIS.
Com relação às tensões que observamos no norte fluminense, podemos observar a
existência de dois tipos de ação no uso do território: a ação estratégica das grandes
corporações e a ação cotidiana dos sujeitos do lugar – os pescadores artesanais. Trataremos
dessas ações nas seções a seguir.
MODERNIZAÇÃO NO NORTE FLUMINENSE: OS IMPACTOS PARA A PESCA
ARTESANAL
Compreender o processo de modernização que está em curso na região norte
fluminense é uma tarefa muito difícil, pois nos exige uma intensa análise conjuntural da
relação território-economia-Estado. São diversas ações ocorrendo concomitantemente
apresentando diversos elementos, que se deixarmos escapar algum perdemos de vista a
totalidade do movimento. No mapa abaixo, podemos observar o surgimento dos
empreendimentos modernos, bem como alguns locais da pesca artesanal.
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Em primeiro lugar, trata-se de uma região que tem por tradição a produção da cana de
açúcar, que nas ultimas décadas atravessou momentos distintos, certas vezes de crise, outras,
de estabilidade. A produção da cana de açúcar no Norte fluminense é antiga, teve inicio ainda
no período colonial. Atingiu seu auge nas décadas de 1970-80 em decorrência do
PROALCOOL que estimulou o aumento na produção de cana, pois esta é a matéria-prima do
álcool combustível. No entanto, na década seguinte, o setor sucro-alcooleiro no norte
fluminense entrou em decadência, acarretando no fechamento de 16 usinas. No inicio dos
anos 2000, embora tenha ocorrido uma reanimação do setor, houve novos momentos de crise
que culminaram no fechamento da maioria das usinas, sobrando apenas duas que passam por
grandes dificuldades.
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Atualmente, a cidade de Campos possui apenas três usinas funcionando: a Usina
COAGRO, que é uma cooperativa de produtores de cana de açúcar; a Usina Paraíso, que,
segundo presidente da Associação Fluminense dos Produtores da Cana, está em crise com
vistas de fechar; e a Usina Canabrava, usina recém-instalada (começou a operar a partir de
2011, mas ainda em fase experimental, contrastando com as perspectivas do setor na região,
sob a direção de técnicos de São Paulo, com forte conhecimento do manejo e das tecnologias
empregadas na produção canavieira paulista, principal região produtora de cana de açúcar e
de Etanol nos pais. A usina Canabrava, instalada em 2010 produz etanol e energia elétrica
(esta última por meio da queima do bagaço da cana, ou seja, do material residual extraído do
processo de obtenção do etanol) para a operacionalização de sua própria planta fabril. A
referida usina é parceira da empresa LLX e tal parceria consta no fornecimento da energia
elétrica produzida, no intuito de utiliza-la no dia a dia do Porto do Açu (quando iniciada a sua
operacionalização). Com as redes de transmissão instaladas pela AMPLA, a distribuição de
energia estava prevista para abril deste ano.
Do ponto de vista geral da economia de Campos, pode-se dizer que o setor canavieiro
encontra-se em decadência na região, pelo menos o modelo tradicional de produção. E a usina
Canabrava, dessa forma, representa um novo modelo produtivo seguindo os moldes da
tecnologia paulista. Entretanto, a cana de açúcar predominante na região tem baixo teor de
sacarose, entre outros elementos químicos, que acaba por produzir um subproduto de baixa
qualidade. De acordo com Bernardes (1994), a crise canavieira já vinha acontecendo desde os
anos 1980, pois os investimentos estatais do programa PROALCOOL, não alterou a estrutura
do sistema produtivo da cana, ou seja, não promoveu a inserção de novas espécies plantadas e
também não incitou a modernização da estrutura produtiva das usinas (seja nas formas de
gestão, seja nas de administração) em geral fundamentada por relações familiares.
No entanto, não se pode dizer que os municípios de Campos dos Goytacazes e São
João da Barra vivem um momento de crise. Esta seria uma visão limitada e alienada do
movimento totalizante que está ocorrendo na região. Assim, chegamos a uma segunda
compreensão sobre o atual contexto modernizante em que se encontra o Norte Fluminense. Os
diversos novos empreendimentos que vem se instalando na região, sobretudo, o complexo
industrial no litoral do Açu, no município de São João da Barra, necessitam de fontes de
energia para seu funcionamento. Nesse sentido, surge uma grande oportunidade para o setor
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sucro-alcooleiro, não na produção dos derivados da cana, mas na utilização do seu bagaço
para produzir energia elétrica.
Trabalhando com essa perspectiva encontra-se a Usina Canabrava (como dito
anteriormente), que começou a operar, ainda em fase experimental, em 2011. O que se pode
perceber, em um primeiro momento, é que a principal mudança inserida pela usina Canabrava
em relação às demais se refere ao conjunto de técnicas (de produção e de trabalho) que não
pode ser visto afastado de um contexto de ações (intencionalidades), e estas, ao que tudo
indica, fazem parte da nova conjuntura político-econômica presente na região Norte
Fluminense.
A disponibilidade de energia elétrica é um dos fatores determinantes para a localização
de plantas fabris, e as que estão sendo construídas no norte fluminense, constituem grandes
empreendimentos, portanto grandes oportunidades para este tipo de negócio. Desta forma,
com o aumento da demanda por energia, e no caso da cana de açúcar que se enquadra na
denominada “energia limpa”, que no mercado das ações agregam muito valor, o cenário é
oportuno para o surgimento de “uma nova geração de usinas”. Mas tudo isso se encontra de
forma não predominante. São intencionalidades. O padrão predominante de energia vem das
hidrelétricas ou das formas de termelétricas de subsistência da planta fabril.
No processo recente de modernização da região Norte Fluminense, destaca-se a
Modernização da indústria petroquímica. A região oceânica de Campos destaca-se pela maior
produção de petróleo e gás natural no Brasil. Cerca de 91,6% da produção de petróleo e gás
natural são provenientes de Campos e operados pela Petrobras (ANP, 2012) – ver Tabela 1.
Tabela 1 - Distribuição da produção de gás natural por Bacia
Bacias Petrolíferas Petróleo Total (petróleo e gás)
Campos 1.877.339 2.055.061
Santos 126.952 190.736
Solimões 34.060 106.918
Espírito Santo 37.269 82.384
Potiguar 58.614 68.406
Sergipe 41.757 60.687
Recôncavo 42.470 57.936
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Camamu 656 33.594
Alagoas 4.936 14.602
Ceará 6.488 7.082
Tucano Sul 13 520
Total geral 2.230.552 2.677.927
Fonte: Boletim Mensal da ANP, Janeiro de 2012.
Na região do Norte Fluminense, além das plataformas de extração de petróleo e gás,
destacam-se outras atividades de petroquímica e de diversas atividades de logísticas e
circulação de mercadorias e trabalhadores. Na área próxima ao mar, no distrito de São Tomé,
destaca-se a presença de turismo, da pesca e de um heliporto da Petrobras, com atividades
intensas o dia inteiro. Os recursos provenientes do Petróleo têm ajudado a intensificar as
atividades urbanas, como o aquecimento do capital imobiliário e do comércio, já que o estado
do Rio de Janeiro é o maior produtor de petróleo nos país, com 41%, enquanto que Espírito
Santo participa com 14, 9%, Amazonas com 16,3% e Bahia com 10,9% (ANP, 2012). A
atividade petroquímica é de grande risco para as atividades pesqueiras. Técnicas de
mapeamento de fundo oceânico e a circulação de grandes navios podem acarretar alguns
acidentes com as embarcações pesqueiras. É comum ouvir relatos de pescadores a respeito da
redução do pescado na região devido ao incremento das atividades ligadas ao petróleo e do
convívio com o alto risco de acidentes.
A Rodovia BR 216, que passa pelo centro da cidade de Campos e vai em direção ao
Distrito de São Tome e parte do Município de São João da barra, na área da Barra do Açu,
está sendo duplicada e modernizada com pelos menos duas intencionalidades: a primeira
melhorar o escoamento de veículos próximo ao heliporto e das atividades logísticas da
indústria Petroquímica; e a segunda faz parte de um dos eixos de escoamento para a produção
da siderurgia e do porto do Açu, em construção.
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Fig. 1 – Rodovia BR 216 – na altura do Campus da UFRRJ. Fonte: NUTENMC, 2012.
No que se refere aos novos empreendimentos, deve-se compreender que a implantação
do complexo da LLX no distrito do Açu, da forma como vem se realizando, representa
drásticas mudanças na dinâmica do lugar. Trata-se não só da instalação de uma estrutura
moderna, mas da concomitante estratégia de exclusão das relações sociais já existentes no
território. Conforme nos alerta Ribeiro (2011, pag. 20):
“De um lado, temos mudanças muito velozes, que instauram o clima adequado ao
império da moda e á busca insaciável por inovações tecnológicas, renovando os
mercados. De outro, temos cristalizações e estagnações indicativas da ação
estratégica, que orienta a dialética construção-destruição na última modernidade.”
São muitas as intervenções realizadas pelo grupo que comanda as ações modernas na
região, contando com o auxilio do Estado na desapropriação de terras de pequenos
agricultores e na construção de cercas no entorno da área que serão implementadas as
siderurgias e portos numa área com mais de 50km2.
Neste processo de implementação da Siderurgia e do porto, centenas de pequenos
agricultores foram desapropriados, numa área que conta com quilômetros de cerca e com três
empresas de segurança privada, além da vigilância de veículos da policia militar.
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Fig. 2. Placa identificando a área do empreendimento no distrito do Açu em São João da Barra. Fonte: NUTEMC-FFP-UERJ, 2012.
Fig. 3. Propriedade demolida depois da desapropriação. Fonte: NUTEMC-FFP-UERJ, 2012.
Fig. 4. Postos de vigilância particular em áreas proibidas de circulação. Fonte: NUTEMC-FFP-UERJ, 2012.
Dentre os diversos impactos, podemos observar as limitações impostas à prática da
pesca artesanal na lagoa Salgada e no rio Quipari que foram cercados como se fosse
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propriedade privada. Trata-se de uma área de reserva extrativista que muitos pescadores de
canoas a remo pescavam, cerca de 30 kg por barco. Neste momento, com o advento da cerca
elucidado acima, nos permite remeter à análise de Marx e Engels referente aos cercamentos
dos campos como um processo histórico de formação da propriedade privada e do processo
primitivo de acumulação capitalista. Aquele espaço de trabalho e de extração para
subsistência e de sustento econômico de uma coletividade, é brutamente negado, sob o
domínio de segurança privada e sob a ação de criminalização, que se agrava na medida em
que o uso do território se torna cada vez mais restrito. Os pescadores de canoa agora estão
restritos a pesca no rio Doce, que pela relação entre numero de pescadores e área de extração,
extraem por dia de 2 a 5 kg por embarcação. Ao mesmo tempo este grupo social não pode ir
para o mar. As águas oceânicas em São João da Barra são muito violentas e impedem a saída
de pequenas embarcações. É em São Tomé, em Campos, que outros pescadores (os que
dominam a arte de pescar em traineiras, com embarcações maiores de 10 metros de
comprimento) conseguem enfrentar a força das aguas saindo e voltando com ajuda de tratores.
Fig. 5 – Tratores usados para impulsionar as embarcações ao lança-las ao mar ou ao trazê-las de volta à praia em São Tomé – Campos. Fonte: NUTEMC-FFP-UERJ- 2012.
A vida na pesca artesanal, neste contexto, tem sido bastante ameaçada por duas razões
que destacamos aqui. Primeiro no que diz respeito às condições ambientais para a existência
de espécies de pescado capturadas pelos pescadores. As obras para implementação do
complexo industrial e a posterior operação dos empreendimentos ameaçam afugentar as
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espécies marinhas da região, sobretudo o peruá, a pescadinha e o camarão sete-barbas
(SOUZA & OLIVEIRA, 2010).
Neste sentido, existe um conjunto de impactos para a pesca diz respeito ao uso do
território, com a proibição da pesca próxima as áreas dos empreendimentos, proibição do
tráfego de embarcações de pequeno porte e a desapropriação dos pescadores de suas
moradias. Estes impactos revelam o quão desigual é este modelo de desenvolvimento que,
visando à acumulação de capital de maneira exponencial, reconfigura o espaço geográfico a
revelia da justiça social e da igualdade de direitos.
Estes impactos existem devido a uma forma de desenvolvimento que não leva em
conta os sujeitos do território. A modernização não precisa ser sinônimo de destruição da
historicidade do lugar. A ideia de desenvolvimento deve estar associada à ideia de melhoria
das condições sociais do uso do território, mas o que assistimos é a dominação corporativa
dos espaços. Cada espaço torna-se privado, impossibilitando o seu uso pela sociedade, pelos
indivíduos dos lugares. Esta tem sido a principal característica da modernização na região
Norte Fluminense.
Assim, destaca-se a necessidade de entender o que de fato compreendemos por ação.
Neste caso, temos uma valiosa contribuição de Ribeiro (2011) que nos ensina a diferença
entre ação e atividade:
“A atividade reitera o que já existe, a percepção funcionalista do mundo,
enquanto, enquanto a ação descobre o que ainda não existe. Só há potencial
libertário na ação, e não na atividade. Frequentemente, essa diferença não é
reconhecida, fazendo com que o simples fato de se estar envolvido em múltiplas
atividades seja tomado como sinônimo de autonomia do sujeito social.” (RIBEIRO,
2011, pág. 24)
A autora chama a nossa atenção para compreendermos que a ação é dotada de
sentidos, possibilitadora de mudanças, fruto das relações sociais e da inteligibilidade,
enquanto que atividade é resultado de um processo alienador do trabalho e mesmo das
relações sociais. É comum ouvirmos profissionais de diversas áreas reclamarem não terem
tempo para os amigos, familiares, lazer, enfim, de todo o tipo de sociabilidade, devido
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estarem presos a uma ou diversas atividades que realizam. Na ação ocorre o caminho
contrário, pois a própria ação é realização da sociabilidade.
A ação, portanto, está presente nas relações sociais, no processo de estabelecer meios
de realização da vida. Neste sentido, podemos observar dois tipos de ação: a ação estratégica,
pertencente ao mundo corporativo, e a ação cotidiana, pertencente aos sujeitos simples.
A ação estratégica consiste na adoção de métodos para a apropriação do espaço e do
tempo, com o objetivo de propiciar o lucro, a acumulação de capital. É o lucro que inspira as
ações estratégicas, pois para as corporações, desde as pequenas empresas até as grandes
multinacionais, o que realmente importa é a acumulação de riquezas, que neste caso significa
capital. Neste processo, o espaço e os homens se tornam peças, que são movidas
estrategicamente para atingir o objetivo ao qual nos referimos.
Estas estratégias são alienadoras, pois retira das pessoas comuns, envolvidas em seu
processo, o controle e a liberdade de suas ações. Assim, estas pessoas não realizam ações,
mas atividades, realizando fazeres cujo sentido não lhes pertence. É o que verificamos no
“novo” desenvolvimento brasileiro, marcado pelo processo de modernização das estruturas
produtivas e instalação de novos empreendimentos modernos. São realizadas ações
estratégicas para propiciar a acumulação de riquezas pelos atores hegemônicos, nas quais as
pessoas simples são submetidas perdendo o direito de preservar sua existência.
Por outro lado, temos as ações do cotidiano, ou seja, aquelas realizadas pelos “homens
lentos” (SANTOS, 2009), que ao contrário das ações estratégicas, partem da espontaneidade e
das relações sociais, ao mesmo tempo em que são resultados da criatividade, são
possibilitadora de novos processos criativos.
Santos (2009) nos mostra que a força dos homens simples está na lentidão de seus
corpos. Esta é uma afirmação que se mostra verdadeira quando observamos que no
enfrentamento diário à necessidade os homens simples, em um processo criativo, realizam
ações com o maior de todos os propósitos, a garantia da sobrevivência. Em nossa pesquisa,
podemos constatar entre os homens simples, ou homens lentos, como sugere Santos (2009),
os pescadores artesanais, que em seu cotidiano reinventam ações de sobrevivência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pensamento modernizante costuma fazer uso de um discurso em que a pesca significa
atraso, pobreza, e há quem a veja como destruidora da natureza. Estas ideias são falsas, na verdade
a pesca artesanal envolve imensa riqueza de sabedorias, que são passadas de geração em geração e
são responsáveis pela sobrevivência de muitos pescadores e seus familiares. Além disso, os
pescadores possuem uma relação muito íntima com a natureza, vivendo em um estado permanente
de adaptação ao meio em que vivem. Este tipo de discurso serve como base para as ações
estratégicas do território, cuja uma das estratégias é justificar a destruição do outro. As técnicas de
pesca artesanal remontam a um período em que o homem se adaptava as forças da natureza, ao
período dos “meios naturais”. Neste período, o homem ainda não dispunha de técnicas que lhe
permitisse exercer um domínio sobre a natureza. Assim, era o corpo do homem que se constituía
como principal agente de transformação tanto na produção como no enfrentamento de distancias.
O modelo de desenvolvimento é fragmentador e destruidor das historicidades e das
praticas dos “homens comuns”. Carlos Valter Porto-Gonçalves (2006) tem razão quando trata deste
modelo de desenvolvimento que faz da natureza seu recurso de valor para acumulação capitalista e
ao fazer isso nega o principio do envolvimento e do bem comum. Nesta perspectiva também
podemos identificar uma produção diferente da produção que visa o mercado capitalista, falamos
da produção da tristeza que nos é perceptível nos olhares e nas falas dos pescadores e dos
agricultores locais, que viram a cerca e a modernização chegarem e foram impedidos de exercer o
seu cotidiano vivido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANP – Boletim de produção de petróleo e gás – janeiro de 2012. (PDF)
BERNARDES, Julia Adão. Cambios técnicos y reorganización del espacio en la región azucarera Norte Fluminense, Brasil. Tese de Doutorado. Universitat de Barcelona, UB, Espanha. 1993.
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RIBEIRO, Ana Clara Torres. Territórios da Sociedade: por uma cartografia da ação. In: Silva, Catia Antonia. (org.) Território e Ação Social: sentidos da apropriação urbana. Rio de Janeiro: Lamparina, 2011.
SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-cientifico-informacional. 5ª. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
_______ . O Papel Ativo da Geografia: Manifesto. XII Encontro Nacional de Geógrafos, Florianópolis, junho de 2000.
SOUZA, Thaís Nacif de; OLIVEIRA, Vicente de Paulo Santos de. Conflito socioambiental entre atividades de pesca artesanal marinha e implantação atividades portuárias no Norte Fluminense. In: Boletim do Observatório Ambiental Aberto Ribeiro Lamego. Campos dos Goytacazes, 2010/dez.
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