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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA
CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A
EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS NA
HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU
ITAJAÍ 2009
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura – ProPPEC
Curso de Pós-Gradução Scricto Sensu
Programa de Mestrado Acadêmico em Educação - PMAE
YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA.
CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A
EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS NA
HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU
Pesquisa em andamento apresentada ao colegiado do PMAE para o exame de qualificação, requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação. Orientador: Prof. Dr. Angel Pino Sirgado.
ITAJAÍ 2009
3
YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA.
CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A EDUCAÇÃO:
UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS DA HISTÓRIA NA CHINA
ATRAVÉS NA OBRA DE ZHANG YIMOU
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Angel Pino Sirgado. (Orientador)
Prof.ª Dr.ª Edite Xavier.
Prof.ª Dr.ª Maria Helena Vilares Cordeiro.
Prof.ª Dr.ª Luciane Maria Schlindwein. (Suplente)
4
À minha mãe, Jenny Coelho de Souza Liberato, à Prof.ª Dr.ª Edite Xavier e à
minha filha, Camila Liberato de Souza, pela sabedoria, apoio e dedicação no
processo de elaboração desta pesquisa.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela beleza da vida, fonte de transformações e criações.
A meus pais, Afonso e Jenny Liberato, por me ensinarem a buscar
conhecimento para contribuir ética e cientificamente no crescimento do próximo.
A meu esposo Roosevelt, compreensivo nos momentos de ausência e
solidário nas horas em que passei pesquisando.
A meus filhos Gabriela e Gustavo, pelo apoio na captação das imagens
cinematográficas.
A minha filha Camila, pelo compartilhamento incansável na produção e
correção dos trabalhos científicos.
Ao Prof. Dr. Angel Pino Sirgado, pela orientação e dedicação na condução
desta dissertação.
Aos componentes da banca de avaliação, Prof.ª Dr.ª Maria Helena Vilares
Cordeiro e Prof.ª Dr.ª Edite Xavier, pelas contribuições dadas.
Ao jornalista Renan Xavier, pela competência na programação visual da
apresentação da dissertação.
Ao povo chinês, civilização milenar de uma riqueza na expressão simbólica
que reflete na construção da identidade cultural coletiva de uma nação que outrora
foi a maior do mundo.
6
RESUMO
A civilização chinesa é uma das mais antigas do mundo, sendo que suas raízes
histórico-culturais remontam há mais de 5 mil anos. Sua importância é comparável a
de outras civilizações clássicas, como a grega e a egípcia, e, assim como estas,
traçou um legado cultural e padrões comportamentais que reinam até os dias de
hoje. O objetivo geral deste trabalho é mostrar, através da obra do cineasta chinês
Zhang Yimou, o papel que a linguagem cinematográfica pode desempenhar na
educação, como meio de identificar, contextualizar e correlacionar símbolos que
representam a história cultural de uma sociedade. Os objetivos específicos são
identificar quais os elementos da imagem iconográfica chinesa que expressam seus
padrões culturais; fazer uma análise descritiva da imagem e de suas relações com
as transformações na história da China; compreender a imagem como descrição
visual de fatos culturais; mostrar a função simbólica que desempenha a imagem na
obra do cineasta Zhang Yimou como representação dos ciclos culturais que marcam
a história da China; e produzir uma metodologia que possibilite ao aluno, através da
imagem, a identificação de padrões culturais passíveis de serem analisados e
correlacionados a outros setores da vida cultural, como o pensamento e a produção
artística, situando-os na época de sua criação e mostrando sua influência na
sociedade atual. Para tanto, fez-se uso da triangulação metodológica, um composto
de análise iconológica, análise semiótica das imagens e reação estética. O resultado
da aplicação desse método de pesquisa educacional é a produção de conhecimento
pela apropriação de determinados padrões socioculturais na história da China. O
aluno elabora representações mentais a respeito do seu objeto de estudo, partindo
de uma temática inicial, e tece articulações a partir das categorias criadas, com base
nas análises iconológica, semiótica e na reação estética. A contribuição fundamental
do presente trabalho é mostrar que o texto fílmico, ou seja, a linguagem audiovisual,
através da semiótica, pode ser a mediadora na aquisição de conhecimentos sobre
diferentes padrões culturais das sociedades. Assim, o sistema educacional é
enriquecido com um método inovador que possibilita ampliar a cognição através de
outras imagens cinematográficas similares.
Palavras-chave: Linguagem cinematográfica. Imagem iconográfica. Análise
semiótica. Padrões culturais. Sistema educacional.
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ABSTRACT
The Chinese civilization is one of the oldest in the world, with its historical and
cultural roots back more than 5 thousand years. Its importance is comparable to
other classical civilizations such as Greek and Egyptian, and, as such, drew a
cultural legacy and behavioral patterns that prevail to this day. The general objective
of this study is to show, through the work of Chinese filmmaker Zhang Yimou, the
role that film language can play in education as a means to identify, contextualize
and correlate symbols that represent the cultural history of a society. The specific
objectives are identify the elements of Chinese iconographic image that express their
cultural patterns; make a descriptive analysis of the image and its relations with the
transformations in the history of China; understand the visual image as description of
cultural events; show the symbolic function that the image performs in the work of
filmmaker Zhang Yimou as representation of the cycles that mark the cultural history
of China; and produce a methodology that enable the student to identify through the
image cultural patterns that can be analyzed and correlated with other sectors of
cultural life, such as thought and artistic production, placing them at the time of its
creation and showing its influence in society nowadays. Thus, it was made use of
methodological triangulation, a method consisting of iconological analysis, semiotic
analysis of images and aesthetics reaction. The result of applying this method of
educational research is the production of knowledge through the ownership of certain
sociocultural patterns in the history of China. The student develops mental
representations of their object of study, from an initial theme and articulates from the
categories created, based on the iconological analysis, semiotics and aesthetics
reaction. The key contribution of this work is to show that the film text, in other words
audiovisual language, through semiotics, can be the mediator in the acquisition of
knowledge about different cultural patterns of societies. Therefore, the educational
system is enriched with an innovative method that allows extending cognition through
other similar cinematographic images.
Key words: Film language. Iconographic image. Semiotic analysis. Cultural patterns.
Educational system.
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Síntese das categorias de análise dos filmes................................................ 55 Quadro 2: Síntese dos símbolos encontrados nos filmes............................................... 56 Quadro 3: Análise iconológica do filme Nenhum a menos (1999) – Diretor: Zhang
Yimou............................................................................................................ 65 Quadro 4: Análise semiótica do filme Nenhum a menos ................................................ 66 Quadro 5: Análise iconológica do filme Um longo caminho (2005) – Diretor:
Zhang Yimou................................................................................................. 71 Quadro 6: Análise semiótica do filme Um longo caminho .............................................. 72 Quadro 7: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou ................ 75 Quadro 8: Análise semiótica do filme Herói ................................................................... 76 Quadro 9: Análise iconológica do filme Lanternas vermelhas (1991) – Diretor:
Zhang Yimou................................................................................................. 80 Quadro 10: Análise semiótica do filme Lanternas vermelhas ........................................... 81 Quadro 11: Análise iconológica do filme O sorgo vermelho (1987) – Diretor: Zhang
Yimou............................................................................................................ 87 Quadro 12: Análise semiótica do filme O sorgo vermelho................................................ 88 Quadro 13: Análise iconológica do filme Happy times (2001) – Diretor: Zhang
Yimou............................................................................................................ 91 Quadro 14: Análise semiótica do filme Happy times ........................................................ 92 Quadro 15: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou ................ 96 Quadro 16: Análise semiótica do filme Herói ................................................................... 97 Quadro 17: Análise iconológica do filme O clã das adagas voadoras (2004) –
Diretor Zhang Yimou ................................................................................... 101 Quadro 18: Análise semiótica do filme O clã das adagas voadoras ............................... 102 Quadro 19: Análise iconológica do filme A maldição da flor dourada (2006) –
Diretor Zhang Yimou ................................................................................... 107 Quadro 20: Análise semiótica do filme A maldição da flor dourada................................ 108 Quadro 21: Análise Iconológica do filme A história de Qiu Jú (1992) – Diretor:
Zhang Yimou............................................................................................... 112 Quadro 22: Análise semiótica do filme A história de Qiu Jú ........................................... 113 Quadro 23: Análise Iconológica do filme Tempo de viver (1994) – Diretor: Zhang
Yimou.......................................................................................................... 117 Quadro 24: Análise semiótica do filme Tempo de viver.................................................. 118 Quadro 25: Análise Iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou.............. 122 Quadro 26: Análise semiótica do filme Herói ................................................................. 123 Quadro 27: Civilização chinesa: Da Muralha da China ao Estádio Ninho de
Pássaro, cinco mil anos de história, cultura e arte, analisados através da obra cinematográfica de Zhang Yimou................................................... 178
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Sala de aula da vila rural....................................................................................... 65 Figura 2: Tijolo, trabalho infantil ........................................................................................... 66 Figura 3: Signos nacionais de ordem: bandeira e hino......................................................... 66 Figura 4: TV como comunicação de massa ......................................................................... 66 Figura 5: Ópera chinesa ...................................................................................................... 71 Figura 6: As montanhas como solidão ................................................................................. 71 Figura 7: Almoço comunitário .............................................................................................. 72 Figura 8: Pai japonês........................................................................................................... 72 Figura 9: Escrita chinesa no papel ....................................................................................... 75 Figura 10: Escrita chinesa na caixa de areia........................................................................ 75 Figura 11: Escola de caligrafia ............................................................................................. 76 Figura 12: Escola de caligrafia – mestre .............................................................................. 76 Figura 13: Ritual de acendimento e colocação das lanternas vermelhas ............................. 80 Figura 14: Lanternas vermelhas........................................................................................... 80 Figura 15: Casa de punição das esposas ............................................................................ 81 Figura 16: Plantação de sorgo vermelho.............................................................................. 87 Figura 17: Ritual de produção de vinho................................................................................ 87 Figura 18: Ritual de casamento ........................................................................................... 88 Figura 19: Invasão japonesa................................................................................................ 88 Figura 20: Homem chinês rejeitado (buquê de flores).......................................................... 91 Figura 21: Mulher chinesa com interesse econômico (buquê de flores) ............................... 92 Figura 22: Espada usada nas artes marciais ....................................................................... 96 Figura 23: Lutas na reflexão ................................................................................................ 96 Figura 24: Artes marciais ..................................................................................................... 97 Figura 25: Guerreiro Herói ................................................................................................... 97 Figura 26: Ritual do enterro do Herói ................................................................................... 97 Figura 27: Instrumentos musicais usados na dança do eco ............................................... 101 Figura 28: Bailarina da dança do eco................................................................................. 101 Figura 29: Dança do eco.................................................................................................... 102 Figura 30: Morte da heroína............................................................................................... 102 Figura 31: Luta entre exército de Tang e Rebeldes............................................................ 102 Figura 32: Objetos de bronze – Palácio Imperial – Dinastia Tang...................................... 107 Figura 33: Celebração da Festa dos Crisântemos ............................................................. 107 Figura 34: Palácio Imperial ................................................................................................ 108 Figura 35: Família Imperial – Dinastia Tang....................................................................... 108 Figura 36: Imperador da dinastia Tang com o príncipe Jie................................................. 108 Figura 37: Comemoração de um mês do filho de Qiu Jú.................................................... 112
10
Figura 38: Batizado do filho de Qiu Jú ............................................................................... 112 Figura 39: Cidade Grande.................................................................................................. 112 Figura 40: A mulher rural lutando por justiça junto ao oficial do povoado........................... 113 Figura 41: Passeata do partido de Mao ............................................................................. 117 Figura 42: Invasão japonesa.............................................................................................. 117 Figura 43: Livros de regras contratuais.............................................................................. 118 Figura 44: Show de sombras ............................................................................................. 118 Figura 45: Soldados da Guarda Vermelha de Mao ............................................................ 118 Figura 46: Sinos de Bianzhong .......................................................................................... 122 Figura 47: Palácio do imperador Qin.................................................................................. 122 Figura 48: Soldados do exército de Qin ............................................................................. 123 Figura 49: Imperador Qin na sala do trono......................................................................... 123 Figura 50: Zhonguo............................................................................................................ 133 Figura 51: Crânio do homem de Pequim, Homo erectus pekinensis .................................. 146 Figura 52: Doze desenhos tradicionais .............................................................................. 149 Figura 53: 1º Imperador da China: Qin............................................................................... 150 Figura 54: Grande Dragão ................................................................................................. 161 Figura 55: Chiang Kaishek, líder do Partido Nacional da China ......................................... 166 Figura 56: Mao Tse-Tung, líder do Partido Comunista Chinês........................................... 170 Figura 57: Leitura do Livro Vermelho de Mao durante a Revolução Cultural...................... 173 Figura 58: Cineasta chinês Zhang Yimou .......................................................................... 182
11
SUMÁRIO CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO..................................................................................13 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..............................................................................13 1.2 OBJETO DA PESQUISA.....................................................................................16 1.3 OBJETIVO GERAL..............................................................................................16 1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...............................................................................16 1.5 HIPÓTESES........................................................................................................17 1.6 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................17 CAPÍTULO II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................20 2.1 SOBRE O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM
CINEMATOGRÁFICA .........................................................................................20 2.2 TÉCNICAS CINEMATOGRÁFICAS....................................................................24 2.3 ICONOLOGIA: ANÁLISE DAS IMAGENS ATRAVÉS DA TRANSMISSÃO
E TRANSMUTAÇÃO DA HISTÓRIA “ENTRE” OS INTERVALOS FIXOS..........27 2.4 DOS ESTOICOS A CHARLES S. PEIRCE: A SEMIÓTICA COMO
MEDIADORA NO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM ATRAVÉS DA ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL DAS CIVILIZAÇÕES ..........32
2.5 A REAÇÃO ESTÉTICA SUSCITADA PELA ARTE COMO FORMA DE EXPLICAR O COMPORTAMENTO HUMANO NA CONSTITUIÇÃO DA TOTALIDADE DO SENTIDO ..............................................................................42
CAPÍTULO III - METODOLOGIA PARA ANÁLISE DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA...............................................................................................45 3.1 ETAPAS METODOLÓGICAS PARA OBTENÇÃO DAS IMAGENS A
SEREM ANALISADAS........................................................................................46 3.1.1 Seleção de filmes .............................................................................................46 3.1.2 Edição digital dos filmes ...................................................................................52 3.1.3 Análise das imagens cinematográficas capturadas em fotos (método
Framing) .........................................................................................................53 CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS FILMES..................................................................57 4.1 ANÁLISE DO FILME NENHUM A MENOS (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)...........57 4.1.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................58 4.2 ANÁLISE DO FILME UM LONGO CAMINHO (CATEGORIA: EDUCAÇÃO) ......67 4.2.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................68 4.3 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: EDUCAÇÃO) ................................73 4.3.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................73 4.4 ANÁLISE DO FILME LANTERNAS VERMELHAS (CATEGORIA:
GÊNERO FEMININO).........................................................................................77 4.4.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................78 4.5 ANÁLISE DO FILME O SORGO VERMELHO (CATEGORIA: GÊNERO
FEMININO) .........................................................................................................82 4.5.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................83
12
4.6 ANÁLISE DO FILME HAPPY TIMES (CATEGORIA: GÊNERO FEMININO) ......89 4.6.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................90 4.7 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: ESTÉTICA E ÉTICA DA
MORTE)..............................................................................................................93 4.7.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................94 4.8 ANÁLISE DO FILME O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (CATEGORIA:
ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE).......................................................................98 4.8.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................99 4.9 ANÁLISE DO FILME A MALDIÇÃO DA FLOR DOURADA (CATEGORIA:
ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE).....................................................................103 4.9.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ............................104 4.10 ANÁLISE DO FILME A HISTÓRIA DE QIU JÚ (CATEGORIA:
RELAÇÕES DE PODER)..................................................................................109 4.10.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..........................110 4.11 ANÁLISE DO FILME TEMPO DE VIVER (CATEGORIA: RELAÇÕES DE
PODER) ............................................................................................................114 4.11.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..........................115 4.12 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: RELAÇÕES DE PODER)..........119 4.12.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..........................120 CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................124 REFERÊNCIAS.......................................................................................................129 ANEXOS .................................................................................................................133 APÊNDICE..............................................................................................................179 GLOSSÁRIO...........................................................................................................188
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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
Neste capítulo introdutório, objetiva-se apresentar as considerações iniciais
acerca do objeto da pesquisa, assim como o próprio tema em questão, os objetivos
da investigação, suas hipóteses e justificativa.
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Chamada de “Dragão Dançante”, símbolo da antiguidade, da continuidade e
da tendência ao esplêndido isolamento da China, a Grande Muralha, com seus
6.700 km não é uma, são muitas. O imperador Qin Shi Huangdi construiu o primeiro
trecho três séculos antes da era cristã. Na descrição de um poeta, “o dragão
dançante sob a noite estrelada” permanece como a maior obra já construída pelo
homem, ecoando através dos séculos a mesma mensagem silenciosa: “a China é
eterna”.
Como um povo de um bilhão e trezentos milhões de habitantes, o terceiro
maior país do mundo em extensão e o primeiro mais populoso do planeta, com
apenas 11% do seu território aproveitado para agricultura, tornou-se o grande
milagre chinês? Nos últimos trinta anos, os chineses assombraram o Ocidente com
seu crescimento. De fábrica do mundo, com mão de obra barata, a China torna-se
competitiva na economia e na tecnologia.
Em 08 de agosto de 2008, na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, o
mundo viu um espetáculo de cores, formas, ritmos, não apenas apresentado pela
beleza, como por seu simbolismo. Dirigido pelo cineasta chinês Zhang Yimou, reuniu
espetáculo e tecnologia para contar a história da China. Das dinastias imperiais à
rota da seda, por mar e terra, foi compondo uma espécie de ópera da alma da
China, temperada por referências a invenções fundamentais, como o papel, a
impressora, a pólvora e a seda. Yimou se valeu da caligrafia dos ideogramas, da
coreografia das artes marciais, do teatro e de Confúcio (551 – 479 a.C.), educador e
filósofo cujos ensinamentos em ditados e aforismos influenciam o modo de viver e
de pensar dos chineses. Confucionista foi a maneira com que Yimou deu as boas
14
vindas a todos. A frase Friends have come from far, how happy we are1, declamada
assim por 2008 dançarinos ao som de uma percussão poderosa, é um ditado do
mestre de dois milênios e meio antes de Cristo.
Os chineses permanecem sob uma ditadura? Sim. A pobreza no meio rural é
extrema? Sim. Na extraordinária história da China, a dimensão dos acontecimentos
só é superada pela velocidade com que eles se sucedem. Em menos de cem anos,
o país deixou de ser uma sociedade arcaica para se transformar numa potência
global. Enfrentou guerras, invasões estrangeiras, fomes coletivas e quatro
revoluções.
Há o “milagre grego”, que o mundo conhece através de seu legado cultural. E
qual seria o “milagre da China”? Esta é uma pergunta que tem concentrado
atenções de análises e estudos por todo o planeta. Todos os países querem
compreender o que está por trás do impressionante e rápido crescimento
tecnológico, econômico e educacional da China, nos últimos 28 anos, desde a
abertura de mercado que ocorreu após a morte do líder comunista Mao Tsé-Tung,
que governou o país de 1949 a 1976.
Na busca por explicar como se desenvolve o conhecimento humano, Platão
(427 – 347 a.C.) excluiu a hipótese de que as ideias derivam dos sentidos, elas são
pura “visão intelectual”, uma representação da imagem projetada na tela da mente.
“Se alguém vê, escuta ou percebe alguma coisa por meio de qualquer sensação,
acontece que, além de tomar conhecimento dessa coisa, vem a sua mente uma
outra [...], que esse alguém se recordou.” (PLATÃO, 2005, p. 87).
As imagens, assim como as histórias, informam. Aristóteles (384 – 322 a.C.)
sugeriu que todo o processo de pensamento requereria imagens. Nada está no
intelecto sem antes ter passado pelos sentidos. Assim, o conhecimento surge da
experiência sensível. “Ora, no que concerne à alma pensante, as imagens tomam o
lugar das percepções diretas [...]. Portanto, a alma nunca pensa sem uma imagem
mental.” (MANON, 1992, p. 45).
Bacon (1561 – 1626) observou que todas as imagens de que o mundo dispõe
já se acham encerradas na memória desde o nascimento. A partir de Bacon, as
qualidades sensíveis dos objetos, como cores e sons, foram sistematizadas através
de um método que classifica as impressões dos sentidos. “[...] todas as percepções,
1 Amigos vieram de longe, como estamos contentes. (nossa tradução).
15
tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza humana [...].”
(BACON, 1995, p. 89).
Desta forma, a imagem aparece na obra do cineasta chinês Zhang Yimou
numa filmografia de dez filmes, de 1987 a 2006, e, em 2008, na abertura dos Jogos
Olímpicos, como expressão simbólica de uma nação de grandeza histórico-cultural
de cinco mil anos, como possibilidade de visão retrospectiva e prospectiva na
construção da consciência cultural coletiva.
Em uma iconologia, imagens são retomadas como modelo e reescrevem
criticamente a história. Sendo assim, o processo de presentificação do passado é
uma nova representação e aprendizado para se compreenderem os sistemas de
símbolos significantes (linguagem, arte, mito, ritual, etc.).
Trata-se de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e
construídos pelos homens para explicar o mundo. O que importa, segundo a história
cultural, é conduzir a análise num percurso que vai do significante para o significado,
do material (imagem) para o simbólico (sistemas de signos), e da cultura para os
grupos sociais que a produzem. A cultura, então, caracteriza-se como uma
construção social que dá sentido à realidade de um determinado povo (chinês)
historicamente datado e localizado. Assim, Chartier (1990, p. 45) dá uma definição
para essa história: “A história cultural, tal como a entendemos tem por principal
objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler [...].”
Esta pesquisa justifica-se na área da educação porque a partir do
conhecimento de padrões culturais da civilização chinesa, encontrados pela análise
da imagem iconológica e pela mediação semiótica, pode-se explorar o objeto de
conhecimento, indicando um modo de compreender e de apreender alguns aspectos
da cultura chinesa.
Assim sendo, com a utilização da imagem cinematográfica de Zhang Yimou,
pretende-se conhecer a cultura chinesa em alguns dos seus aspectos, usando como
forma de investigação metodológica “um estudo de caso da China” que revela,
através das análises iconológica, semiótica e da reação estética, o que pode ser
feito com outras imagens cinematográficas similares para aquisição de
conhecimentos nos diferentes padrões culturais das sociedades.
Da mesma forma como foram extraídos padrões culturais sobre determinados
temas dos filmes chineses de Yimou, como posição da mulher na sociedade
16
patriarcal, relações de poder político, sistema educacional e devoção à pátria,
revela-se a possibilidade de utilizar esse método inovador e criativo para extrair
padrões dos mais diversos objetos de estudo. No âmbito do sistema educacional
brasileiro, por exemplo, a interpretação de filmes nacionais a partir de categorias
preestabelecidas seria um exercício de reflexão crítica dos alunos capaz de ampliar
seu potencial cognitivo e sensitivo.
Consequentemente, o método aqui exposto engloba a participação ativa dos
alunos na produção de seu próprio conhecimento, demonstrando que a atitude
integradora é a contribuição máxima em termos de educação.
1.2 OBJETO DA PESQUISA
O objeto da pesquisa é investigar o papel da imagem cinematográfica como
mediadora semiótica no processo educacional de aquisição de conhecimentos sobre
os padrões histórico-culturais da China.
1.3 OBJETIVO GERAL
A pesquisa tem como objetivo geral mostrar, por meio da obra do cineasta
chinês Zhang Yimou, o papel que a linguagem cinematográfica pode desempenhar
na educação, como um meio de identificar, contextualizar e correlacionar símbolos
que representam a história cultural de uma sociedade.
1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Os objetivos específicos da pesquisa são:
a) identificar quais os elementos da imagem iconográfica chinesa que
expressam seus padrões culturais;
17
b) fazer uma análise descritiva da imagem e de suas relações com as
transformações na história da China;
c) compreender a imagem como descrição visual de fatos culturais através da
forma, cor, material, época, ritmo, movimento e representação simbólica
desses fatos;
d) mostrar a função simbólica que desempenha a imagem na obra do cineasta
Zhang Yimou como representação dos ciclos culturais que marcam a história
da China;
e) produzir uma metodologia que possibilite ao aluno, através da imagem, a
identificação de padrões culturais passíveis de ser analisados e
correlacionados a outros setores da vida cultural, como o pensamento e a
produção artística, situando-os na época de sua criação e mostrando sua
influência na sociedade de hoje.
1.5 HIPÓTESES
Como hipóteses de pesquisa, apresentam-se:
Hipótese 1: A presente pesquisa parte da hipótese de que a análise da
linguagem cinematográfica da obra de Zhang Yimou deve permitir acesso ao
conhecimento de aspectos importantes da história cultural da China.
Hipótese 2: A confirmação da hipótese 1, no caso específico da China,
permite inferir que a análise da linguagem cinematográfica pode ser um excelente
meio pedagógico de acesso ao conhecimento da história e da cultura de uma
determinada sociedade humana.
1.6 JUSTIFICATIVA
A imagem tem hoje presença significativa na vida social. Nesta pesquisa,
procura-se descobrir o papel da imagem no campo da educação, considerando o
18
atual estágio de desenvolvimento da possibilidade técnica de reprodução de
imagens e sons. O objetivo é colocar a imagem na educação, não apenas como
uma questão metodológica, mas também epistemológica e simbólica, tentando
articular relações entre imagem e conhecimento. Trabalhando na perspectiva de que
o processo de produção de imagens e sons tem gerado uma nova linguagem, e
considerando seu poder de sensibilização, de atração e de detalhamento de fatos, o
material visual opera nesta pesquisa como documentação complementar dos fatos
culturais e das práticas sociais analisadas, no intuito de ampliar as perspectivas de
compreensão da história e cultura do povo chinês.
De acordo com o processo de transculturalismo vigente na atualidade, as
diferentes matrizes culturais dos povos se aproximam entre si pelos meios de
comunicação de última geração e das viagens de intercâmbio acadêmico, comercial
e turístico, favorecendo processos de globalização. Assim sendo, faz-se oportuno
pesquisar padrões culturais que influenciam comportamentos sociais, a fim de
aumentar o grau de compreensão dos alunos para diferenciar e enriquecer o
processo educacional.
A educação é um dos processos mais preciosos e importantes na vida dos
povos. Sendo a educação escolar um conjunto de sistemas curriculares baseado em
teorias, métodos e técnicas interligados às ideologias e ao poder político e
econômico, além das necessidades de cada época e região, a interação com a
massa crítica do corpo docente e com as escolhas vocacionais do corpo discente
torna-se inevitável. Em decorrência do somatório de todas essas forças, a educação
escolar sofre e influencia as mudanças que ocorrem nos paradigmas científicos
dentro de uma determinada cultura.
Em função do caráter multifacetado da prática educativa, sua interpretação
será tanto mais rica quanto forem as fontes que buscam explicá-la em sua totalidade
(SOUSA, 1999).
Os novos paradigmas científicos que se configuram no limiar do século XXI
(LÈVY, 1999; MORAN, 2000), em especial sobre o papel da transformação gradual
dos signos externos em internos no direcionamento do comportamento humano
(VYGOTSKY, 1934), sinalizam a configuração de uma cibercultura, com redes
planetárias que permitem a circulação da informação, gerando conhecimento e
desafiando os cânones postulados até então, dos estados estáveis e certezas.
Com a intensificação do processo de globalização, o planeta se transformou
19
em uma aldeia global, de modo que atualmente os padrões culturais e educacionais
cambiam sistemas, e processos de aprendizagem que se alimentam mutuamente se
assimilam e se modificam, interferindo no modus vivendi dos padrões de
comportamento educacional, político e econômico, na cadeia produtiva e comercial,
miscigenando culturas.
O reconhecimento de que “grupos humanos, nações, civilizações” não são
todos iguais, obriga a “olhar”, como afirma Peirce (2008), para além da experiência
imediata, a aceitar e reconhecer as diferenças e a descobrir que outros povos têm
uma história também rica e instrutiva. O conhecimento das outras culturas torna,
pois, cada indivíduo consciente da singularidade de sua própria cultura e, também,
da existência de um patrimônio comum ao conjunto da humanidade.
Dessa forma, esta pesquisa justifica-se na área da educação porque a partir
do conhecimento de padrões culturais da civilização chinesa, encontrados pela
análise da imagem iconológica e pela semiótica, pode-se obter “perfis existenciais”
resultantes de sistemas de significados criados historicamente, em termos dos quais
se dá forma, ordem, significado e direção à vida. Faz-se uma possível análise na
qual se buscam os enunciados de certos discursos, de certos regimes de verdade,
próprios de uma época, produzidos, veiculados e recebidos de formas muito
específicas, que falam de um certo tempo e lugar, de determinadas relações de
poder, de uma certa dimensão de homogeneização e produzem sujeitos de uma
certa identidade; categorias e noções de análise a respeito dos contornos da relação
entre a linguagem das imagens, e dos sons e a educação.
Esta pesquisa centra-se nos símbolos da imagem cinematográfica como
cerne da metodologia para o desenvolvimento de uma análise crítica. Ao entrar em
contato com a imagem, o espectador desenvolve sua capacidade crítica,
estabelecendo uma relação de aprendizagem com o objeto em questão. Ao olhar a
imagem atentamente, o indivíduo pode descrevê-la e ao observar o que vê, pode
analisá-la; ao significar, interpreta, e ao decidir acerca do valor, transforma a
imagem em registro de uma época.
Espera-se que esta pesquisa possa mostrar o papel que as imagens, em
geral, e as cinematográficas, em particular, podem desempenhar nos processos
educativos, em especial no campo educacional.
20
CAPÍTULO II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo, são apresentadas as bases que fundamentam a pesquisa, no
que diz respeito ao universo cinematográfico e às teorias que alicerçam a análise
feita, quais sejam: a iconologia, a semiótica e a reação estética.
2.1 SOBRE O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA
Há vários conceitos para a palavra imagem. Do latim imago, é um fenômeno
de origem bioneurológica, que permite aos organismos portadores de sistema
nervoso captar a realidade externa, tornando-a experiência interna.
A imagem nascente, como função que permite evocar objetos,
acontecimentos e situações ausentes, tem uma participação necessária e
insubstituível no acabamento da inteligência sensório-motora como representação
figurativa dos objetos ausentes. Os receptores sensoriais são projetados para
detectar informação em nível energético, porque tudo é composto por partículas
atômicas vibrantes e giratórias, constituindo um campo eletromagnético.
Toda visão que pode ser apreendida ao se olhar para o mundo é dividida em
bilhões de pequeninos pixels. Cada pixel é composto de vários átomos e moléculas
em vibração. As células da retina no fundo do olho detectam o movimento dessas
partículas atômicas. Átomos que vibram em diferentes frequências emitem variados
comprimentos de onda de energia, e essa informação é eventualmente codificada
como cores diferentes pelo córtex visual na região occipital do cérebro. Uma imagem
visual é construída pela habilidade do cérebro de reunir grupos de pixels na forma
de margens. Diferentes margens com diferentes orientações, vertical, horizontal,
oblíqua, combinam-se para formar imagens complexas. Diferentes grupos de células
no cérebro acrescentam profundidade, cor e movimento ao que se vê. (TAYLOR,
2008).
A contribuição da imagem na construção do real corre por conta da
coordenação dos esquemas da inteligência sensório-motora e de sistemas de ações
(objetivas e representativas) que permitem atribuir uma objetividade, uma
21
espacialidade, uma causalidade e uma temporalidade aos comportamentos dos
objetos exteriores, fora de toda ação imediata do sujeito. A imagem intervém no
acabamento dessa construção como elemento simbólico que permite levar em conta
figurativamente os objetos em seus deslocamentos, localizações, significações e
relações não diretamente perceptíveis (TAYLOR, 2008).
Fazendo uma análise dos diferentes conceitos de imagens, conclui-se que a
imagem corporal virtual inclui a representação mental de um objeto externo sensível
(corpo) e a recombinação da imagem acústica resultante dos significantes e dos
significados, que caracterizam a linguagem e que o sistema nervoso humano é
capaz de processar, criando o pensamento com sua potência em fluir (XAVIER,
2003).
Pela origem, a imagem é um fenômeno natural. Tratando-se de um organismo
humano, ela é também um fenômeno cultural que resulta de um complexo processo
mental de conversão dos sinais em conjuntos imagéticos portadores de significação.
Tem origem natural quando a fonte é o mundo dos elementos e fenômenos da
natureza: fluir de sensações. Tem origem cultural quando a fonte é o conjunto das
coisas produzidas pelos homens, ou seja, o conjunto das obras humanas (mídia)
que constitui o mundo da cultura (vai-se produzindo de fora para dentro do sujeito
para construir um significado que o autor deseja: imagens artificiais).
O ser humano transmite informações através de imagens criadas, sejam
imagens estáticas, quando por ordenação de pigmentos sobre algum suporte,
geralmente utilizando técnicas de fotografias, desenhos, pinturas, esculturas e
outras das Artes Visuais; ou imagens dinâmicas, como imagens em movimentos
mímicos, rítmicos, acústicos e cinematográficos, ou imagens virtuais, transmitidas
pelas tecnologias da informação e da comunicação (TICs). São inseridas nesse
grupo, ainda, as figuras de linguagem, nas suas relações representativas, as
imagens artísticas e tecnocientíficas, resultantes da recombinação de significantes e
significados capazes de criar uma semiose interminável, gerando redes de
significações (XAVIER, 2003).
Crosta (1993) sinaliza ser notável a capacidade que o sistema visual humano
possui para reconhecer padrões. O objetivo do processamento de imagens é o de
remover essas barreiras, inerentes ao sistema visual humano, facilitando a extração
de informações a partir de imagens.
O texto visual em seu todo é tido como um conjunto de estruturas produtivas,
22
cujo modelo pressupõe expressão visual; elementos de expressão (figuras
geométricas e ângulos de câmera); níveis sintagmáticos (figuras iconográficas,
tipologia da montagem, etc.); blocos sintagmáticos com função textual (montagem,
tipos de enquadre, narrativa-cronologia temporal, diferentes pontos de vista); níveis
intertextuais; tópico, gênero e tipologia de gêneros.
Ou seja, a leitura da imagem se dá pela apreensão da coerência que
perpassa todos os elementos de textualidade descritos. A imagem, neste caso, é
contextualizada numa perspectiva gestaltiana que evidencia a relação do todo/parte,
sustentada pela coerência. Com isso, o texto icônico é um todo que, uma vez
enquadrado por uma moldura, é individualizado e único, e sua significação é
apreendida pela análise de cada um de seus elementos, isto é, pela possibilidade de
segmentação da imagem. Dessa forma, é a visualidade que permite a existência, a
forma material da imagem, e propriedades como a representatividade, garantida
pela referencialidade, sustentam a possibilidade de leitura da imagem e reafirmam o
seu status de linguagem. Assim sendo, a imagem cinematográfica torna-se visível
através da análise e da interpretação e por um efeito de sentido que se institui entre
a imagem e o olhar e a possibilidade do recorte multidimencionada a partir das
formações sociais em que se inscrevem tanto o sujeito-autor quanto o sujeito-
espectador.
A análise da interpretação da imagem pressupõe também a relação com a
cultura, o social, o histórico, com a formação social dos sujeitos. E revela de que
forma a relação imagem/interpretação está sendo administrada em várias instâncias.
Toda arte é, antes de tudo, uma maneira de “percepção”. Quando expressa essa
percepção por meio da visão e da audição, traduz um conceito artificial, um artifício,
um artefato. No caso do cinema, o artefato é uma película sensibilizada pela luz,
revelada e novamente impressionada pela luz, no momento da projeção. Das
nostálgicas lanternas mágicas da China às modernas técnicas de projeções digitais,
cinema é, na tela, luz e sombra. A imagem no cinema se define, então, a partir de
uma constituição, cujos elementos são a fala, os ruídos, os sons, a música. Cinema
é espetáculo. Ou seja, tudo o que chama a atenção, atrai e prende o olhar. O
cinema criou os grandes planos e as panorâmicas e, da mesma forma,
espetacularizou o ínfimo, o detalhe, com tal nitidez e de uma forma tal que nenhuma
outra linguagem é capaz de criar. O espectador sabe que está vendo um filme, sabe
que entre o representado e sua representação existe uma mediação, um ponto de
23
vista (FECÉ, 1998). É do lugar desse intervalo entre o representado e a
representação que o cinema permite, ao interpretar a imagem, projetar outras
imagens, cuja materialidade não é da ordem da visibilidade, mas da ordem do
simbólico. O cinema, então, como o espetáculo visto, proposto pela câmera numa
revelação direta entre olho e lente. Mas há elementos de imagem que sugerem a
construção, pelo espectador, de outras imagens. Esses elementos, muitas vezes,
são sugeridos pelo ângulo e movimento da câmera (quase sempre associados à
sonoridade/música, ruído ou à própria interrupção do som), ou pelo jogo de cores,
luzes, etc. São elementos implícitos que funcionam como índices, antecipando o
desenrolar do enredo. A análise do filme pelo espectador passa, assim, pela
inferência destas imagens sugeridas que atribuem ao texto audiovisual o caráter de
sua heterogeneidade. Um dos aspectos de heterogeneidade encontra-se no
conceito de policromia, que recobre o jogo de imagens e cores no qual formas,
cores, imagens, luz, sombra, etc. remetem a diferentes perspectivas que favorecem
a percepção dos movimentos no plano do sinestésico, bem como a apreensão de
diferentes sentidos, no plano da análise simbólica.
Cinema é arte contemporânea, síntese poética, alegoria e realidade, tempo e
espaço. Compreender cinema, portanto, é, também, compreender o tempo no seu
transcorrer, na sua duração, que, muitas vezes, se desvincula do tempo físico da
projeção. Cada filme, com o estilo cinematográfico que o adota, cria um tempo que
lhe é peculiar, além do tempo que a história pretende relatar. Além das paisagens
privativas que o tempo histórico dos filmes expressa através de locações, estúdios e
cenários exclusivos, as narrativas cinematográficas falam, ainda, de um tempo que
transcorre de maneira própria. O tempo na narrativa cinematográfica está na ação
que imprime o ritmo. O tempo, no filme, vai além das palavras ditadas pelos
personagens, não se restringe ao descrito pela ação da câmera. Está no que é
falado pelos personagens, mas também está na paisagem, na arquitetura, nas
roupas, nos gestos, nos enfeites de corpo e de ambientes. Sempre há pelo menos
dois tempos que, em fragmentações constantes, vão revelando uma escultura de
muitas faces.
O pensamento dialético e a assunção do princípio da totalidade, sua imersão
na filosofia, sociologia, literatura, estética e na linguística, entre outras áreas do
conhecimento, seus pressupostos metodológicos e estético-ontológicos,
desautorizam a discussão e a ênfase no enfoque exclusivamente epistemológico e
24
semiológico da categoria “sentido”. Ao contrário, levam ao questionamento do rumo
que se está dando para a compreensão da categoria “sentido” na escalada do
século XXI. Assim, a noção da mediação semiótica do desenvolvimento psicológico
em Vygotsky engloba não apenas as funções cognitivas, mas, igualmente, a
dimensão afetiva, os sistemas de relação e de ação, ou seja, a categoria sentido
atrelada aos códigos do sentido (como sensação) ou à experiência (como
percepção, cognição), sendo que os fenômenos psíquicos são inter-relacionados e
indissociáveis do todo.
A psicanálise representava uma das correntes desse momento, e um dos
méritos de Freud foi ter transgredido a hegemonia da razão, libertando o sentido da
necessidade de responder pela veracidade do conhecimento. O sentido é revelado
quando se explica a função das manifestações psíquicas na conduta humana.
Essa nova forma das relações entre material e forma que desencadeia a
resposta estética é uma relação especificamente humana em resposta à contradição
(catarse), à estrutura da obra de arte vista como um processo que transforma os
sentimentos e os sentidos. Segundo Vygotsky (2008), uma nova sociedade e um
novo homem. Reflexões que chamam a atenção para a importância de que as
emoções são compreendidas em suas conexões com sistemas psicológicos mais
complexos e abrangentes, ou seja, não apenas a partir da perspectiva da vida
individual de uma determinada pessoa, mas também aspectos pessoais
incorporados ao grande círculo da vida social. É nessa unidade de sentimento e
fantasia que se baseia qualquer arte. Assim, a partir da inovação do método
objetivo-analítico de Vygotsky, é possível apreender a contradição dialética
forma/conteúdo, introduzir a relação entre as emoções e a fantasia de forma a
perceber a obra de arte como uma totalidade dinâmica de correlação e integração
em um processo de subordinação construtiva com os fatores correspondentes.
2.2 TÉCNICAS CINEMATOGRÁFICAS
A técnica cinematográfica consiste em um recurso para obter impacto
emocional, fundamental para a eficácia cognitiva do conceito-imagem, através de
certas particularidades.
25
A pluriperspectiva é a capacidade que tem o cinema de saltar
permanentemente da primeira pessoa (o que vê ou sente o personagem) para a
terceira (o que vê a câmera) e também para outras pessoas ou semipessoas que o
cinema é capaz de construir, chegando ao fundo de uma subjetividade.
Evidentemente, na montagem, há elementos de imagem que sugerem a construção
(pelo espectador) de outras imagens. Esses elementos, muitas vezes, são sugeridos
pelo ângulo e movimento da câmara (quase sempre associados à sonoridade:
música, ruído), ou à própria interrupção do som, ou pelo jogo de cores, luzes, etc.
São elementos implícitos que funcionam como índices, antecipando o desenrolar do
enredo. O trabalho de compreensão do espectador passa, assim, pela inferência
dessas imagens (sugeridas) que atribuem ao texto não-verbal o caráter de sua
heterogeneidade.
A manipulação de tempos e espaços permite avançar e retroceder, impor
novos tipos de espacialidade e temporalidade, como só a imaginação consegue
fazer. O corte cinematográfico, por sua vez, a pontuação, a maneira particular de
conectar cada imagem com a anterior, a sequência cinematográfica, a montagem de
cada elemento, o fraseado cinematográfico.
O jogo de formas, cores, imagens, luz, sombra, etc. remete à semelhança das
vozes no texto, a diferentes perspectivas instauradas pelo eu na e pela imagem, o
que favorece não só a percepção dos movimentos no plano do sinestésico, bem
como a apreensão de diferentes sentidos no plano discursivo-ideológico, quando se
tem a possibilidade de interpretar uma imagem através de outra.
O conjunto de elementos visuais possíveis de recorte favorece uma rede de
associações de imagens, o que dá lugar à interpretação do texto não-verbal. A
apreensão dessas relações revela o discurso que se instaura pelas imagens,
independente da sua relação com qualquer palavra.
Ao se interpretar a imagem pelo “olhar”, e não através da palavra, apreende-
se sua matéria significante em diferentes contextos. A interpretação se efetiva,
então, por esse efeito de sentidos que se institui entre o olhar, a imagem e a
possibilidade do recorte, a partir das formações sociais em que se inscreve tanto o
sujeito-autor do texto quanto o sujeito-espectador.
Para Ferro (1992), todo filme é um documento, independente de seu tema
central se remeter a um passado remoto ou imediato. E ele dirá tanto quanto for
questionado, pois sempre vai além do seu conteúdo.
26
Toda imagem é histórica, na medida em que ela é produto de seu tempo e carrega consigo, mesmo que de forma indireta, sub-reptícia e muitas vezes inconsciente para quem a produziu, as ideologias, as mentalidades, os costumes, os rituais e os universos simbólicos do período em que foi produzido (NÓVOA; NOVA, 1998, p. 34).
Com o surgimento dessa lógica de observação do mundo, o uso da câmara
escura entra em sintonia com os novos discursos plásticos. Panofsky (2007)
categoriza a importância que o sistema de representação tem no espaço pictural, na
história e no panorama da evolução das artes visuais. Para o autor, o sistema
perspectivo não é apenas uma questão de leis geométricas, mas também de uma
elaboração de formas simbólicas que procuram identificar um conteúdo intelectual
como modo sensível de representação.
A imagem cinematográfica funda precisamente outro tipo de conceito
compreensivo da realidade, do qual não se exige o mesmo tipo de coerência exigida
do conceito tradicional. O filme conceitua imageticamente aquilo a que se refere,
articulando-o e proporcionando-lhe inteligibilidade.
Uma das formas possíveis de leitura de um filme é através da semiótica de
Peirce, na qual há uma relação com o fato de que o cinema utiliza determinado tipo
de signos. De acordo com Lévy (1991), todos os elementos da imagem
cinematográfica remetem a um significado. Nesse aspecto, a palavra e o som
acrescentam à imagem uma dimensão de grande importância. Por outro lado, a
imagem indicial do cinema pode perfeitamente mostrar ou relacionar os mais
diversos signos simbólicos ou icônicos. Em conjunto, tudo isso faz do cinema uma
máquina semiótica de extrema riqueza.
Concluindo, o homem cria imagens através de diferentes recursos técnicos,
sendo que cada cultura configura o universo simbólico pelo qual se representa e,
como o simbólico é eterno, as imagens sobrevivem ao corpo biológico que os criou,
transcendendo através dos séculos.
27
2.3 ICONOLOGIA: ANÁLISE DAS IMAGENS ATRAVÉS DA TRANSMISSÃO E
TRANSMUTAÇÃO DA HISTÓRIA “ENTRE” OS INTERVALOS FIXOS
Há muito que o homem deseja reproduzir o movimento da vida, o que pode
ser observado nas imagens deixadas no interior das cavernas, nas quais desenhos
de animais e pessoas procuravam sugerir o movimento, dando ideia de um realismo
contínuo. As imagens que representam movimento são, elas mesmas, imagens
fixas. Essa iconologia do intervalo deriva da necessidade de compreensão da arte
como uma zona de não fixação, fora de qualquer fixação formal, como estigma de
um movimento. No entanto, a percepção do movimento não permite ver a
impossibilidade da sua representação. Diante da imagem cinematográfica, tem-se a
percepção de que o que se vê não passa diante dos olhos, mas é, pelo contrário,
uma memória fugidia de alguma coisa que já foi vista, pelo “canto do olho”, como
movimento.
Nos primórdios da civilização, há um cenário original dos primeiros elementos
da escrita pictográfica nas camadas da Noosfera. Segundo Chardin (2001), surge o
Sinantropo, do latim Sina, “China” e do grego anthropos, “homem”; Homem de
Pequim, o fóssil que apresenta simultaneamente caracteres simiescos e
hominídeos, descoberto em Chu-ku-tien, nas proximidades de Pequim, em 1929. Na
Ásia Oriental, sinais de evolução foram encontrados perto de Pequim, quando
arqueólogos encontraram o Sinantropo em seu habitat, numa gruta atulhada, onde
sobram instrumentos feitos de pedra e mistura com ossos queimados.
No período Neolítico, os ancestrais já aparecem em grupos, em volta do fogo,
caracterizando o nascimento da Civilização. Depois da pedra lascada, a pedra
polida, a cerâmica, o cobre, o bronze, o ferro, a tecelagem, a agricultura, o rebanho.
Pelo comércio dos objetos e pela transmissão das ideias, organizam-se as tradições,
desenvolve-se uma memória coletiva. Tudo isso demonstrava-se articulado também
com o “Passo da Reflexão”, um verdadeiro avanço cultural, importantíssimo para a
humanidade.
Para Chardin (2001), o Sinantropo transforma a chama (fogo) numa fogueira
à boca da caverna, não somente para afastar animais selvagens, mas também para
aquecer, iluminar e assar alimentos. Isso demonstra que pela “reflexão” surgiram os
primórdios da Humanidade. E, dessa mudança fundamental, todo o resto se segue.
28
Aparece a complexidade dos direitos e dos deveres nas diversas estruturas
comunitárias à sombra das grandes civilizações. A necessidade da pesquisa e de
invenção desenvolve-se sob a forma reflexiva.
A Pictografia, do latim pictu, “pintar”, e do grego gràpho, “escrever”, é o
sistema de imagens (sinais e figuras pintadas) que constitui uma escrita sintética,
baseada em representações simplificadas da realidade. Os homens primitivos a
criaram em rochedos e paredes de cavernas. A “cultura de imagens” compreende
não apenas a materialidade, mas também a densidade simbólica do discurso
pictórico. Entre a imagem e os signos, do corpo à história, há uma coleta de
significantes que recebem uma conexão dentro de uma lógica das cenas
construídas pelo artista numa narrativa da história. Disso resulta a instauração de
uma sincronia, no presente, encontrando sua conexão e seu sentido em imagens
extraídas da história da arte, passando à condução de imagens cinematográficas. É
a “cultura de imagens”, como elemento fundamental na história da civilização. É a
história da cultura elaborada por meio das imagens.
A imagem visual, em Cardoso e Mauad (1997), é um texto-ocorrência em que
a iconicidade tem a natureza de uma conotação veridictória (um juízo) culturalmente
determinada: uma espécie de faz de conta realista de fundo cultural. Isto é,
narrativas em que o receptor ou emissor do discurso visual interpreta as imagens
como sendo representações fiéis da realidade, mas estruturadas pela cultura.
Alguns dos mais famosos semiólogos e teóricos da Arte interpretam as
imagens dentro deste princípio, possuindo propriedades culturais que determinam a
sua forma final.
uma cultura, ao definir seus objetos, remete a códigos de reconhecimento que indicam traços pertinentes e caracterizantes do conteúdo [...]. Um esquema gráfico reproduz as propriedades relacionadas de um esquema mental. (CARDOSO; MAUAD, 1997, p. 57).
Para Gombrich (2000), todo artista visual (pintor, escultor, arquiteto, fotógrafo,
cineasta) é condicionado em seu trabalho por padrões culturais de fundo
inconsciente, as schematta, que acabam por interferir em seu estilo artístico
(padrões estéticos e sociais vigentes de forma consciente).
Ferro (1992) já atentava para a percepção do filme como fonte e objeto
imagético. Não se pode simplesmente contrapor as imagens cinematográficas com a
tradição escrita. É necessário perceber o filme como testemunho (documento),
29
integrando-o ao contexto social em que a obra surge. Para tanto, é necessário
considerar os elementos que ultrapassam as intenções de quem realizou e produziu
o filme. Podem ser tanto elementos de ordem individual quanto ideologias da
sociedade como um todo: contexto social, econômico, político, cultural e religioso de
uma época. É o que Ferro denomina de “zonas ideológicas não visíveis da
sociedade”. São juízos de valores e de moral expressos pelas culturas, como a
forma de alimentação, de se vestir, a maneira de um “oriental” pensar e seguir
determinados comportamentos, principalmente quando contrastado com outros
povos ou culturas.
Partindo da premissa de que a arte sempre traz consigo um sentido, Panofsky
(2007) expõe em sua obra a análise dos objetos imagéticos através de seu tema,
símbolos e significados inerentes à história da arte. Ao apresentar a arte por meio de
seus aspectos temáticos, esse teórico formula os conceitos de iconografia e
iconologia, orientando seu estudo a uma percepção não apenas simbólico-cultural,
mas, também, histórica. Ele exemplifica mencionando que, ao levantar o chapéu
educadamente, esse gesto é “resquício do cavalheiro medieval: os homens armados
costumavam retirar os elmos para deixarem claras suas intenções pacíficas”,
enfatizando a importância dos costumes cotidianos e de uma certa sensibilidade
para se compreender as representações simbólicas.
Para melhor compreensão desses conceitos, o autor mostra uma metodologia
fundamentada em três níveis de análises, que, por sua vez, são baseadas na
descrição, na identificação e na compreensão da obra de arte. Os gestos são
carregados de significados que se manifestam em três níveis:
a) Nível “primário”, aparente ou natural: nível mais básico de
entendimento, esta camada consiste na percepção da obra em suas
formas puras. Tomando-se, por exemplo, uma pintura da Última Ceia, se
observada apenas no primeiro nível, poderia ser percebida somente como
uma pintura de treze homens sentados à mesa. Este primeiro nível é o
mais básico para o entendimento da obra, despojado de qualquer
conhecimento ou contexto cultural. Ou seja, é apreendida pela
identificação de certas configurações de linha e cor, ou determinados
pedaços de bronze ou pedra, como representativos de objetos naturais
tais que seres humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e assim por
30
diante, pela percepção de algumas qualidades expressionais. Esta
descrição tem como finalidade identificar as formas puras, ou seja, os
elementos, as cores, os formatos, assim como as expressões e as
variações psicológicas inerentes às imagens. Panofsky, a fim de alcançar
o significado intrínseco das representações, considera que uma análise de
obras de arte deva-se fazer em três fases:
fase pré-iconográfica;
fase iconográfica; e
fase iconológica.
A fase pré-iconográfica corresponde a esse primeiro nível, abordando o
significado primário ou natural na identificação de um aspecto ou de um pormenor,
observando uma obra de arte. É quando a experiência cotidiana interpreta
automaticamente o significado de uma expressão, de um gesto, de uma
representação, de uma figura ou motivo numa obra de arte. São identificados
expressões ou fatos naturalmente condicionados à familiaridade com cultura ou
civilização. Assim, nesta fase, está convocada como instrumento de pesquisa a
experiência cotidiana ou cultural. História do estilo: compreensão da maneira pela
qual, sob diferentes condições históricas, objetos e eventos são expressos pelas
formas.
b) Nível “secundário”, convencional ou fase iconográfica: este nível
avança um degrau e traz à tona a equação cultural e o conhecimento
iconográfico. Desta fase é exigida mais do que uma experiência cotidiana
ou cultural (significado primário ou natural), é necessário o conhecimento
adquirido de leituras dirigidas aos temas e conceitos das imagens,
histórias ou alegorias que se analisam numa obra de arte. Uma
observação iconográfica está, então, sujeita a uma interpretação e
identificação escrupulosa das imagens ou outros motivos expostos na obra
examinada, proporcionando um correto estabelecimento de datação e,
muitas vezes, a autenticidade da obra de arte. Portanto, a correta
utilização da iconografia obriga o observador a possuir um conhecimento
dos conceitos e temas que o autor da obra de arte dominava quando a
executou. Os símbolos são imagens que veiculam a ideia, não de objetos
e pessoas concretas e individuais, mas de noções gerais e abstratas.
31
Iconografia, do grego eikon (imagem) e graphia (escrita), implica um método
de proceder puramente descritivo ou, até mesmo, estatístico. “A iconografia é,
portanto, a descrição e classificação das imagens [...].” (PANOFSKY, 2007, p. 37).
Ao fazer esta análise, a iconografia é de auxílio incalculável para o estabelecimento
de datas, origens, autenticidade.
Ainda segundo o mesmo autor, a [...] identificação de tais imagens, histórias e alegorias é o domínio daquilo que é nominalmente conhecido por “iconografia”. De fato, uma análise do “tema em oposição à forma”, enfoca, principalmente, à esfera dos temas secundários ou convencionais, ou seja, ao mundo dos assuntos específicos ou conceitos manifestados em imagens, estórias e alegorias, em oposição ao campo dos temas primários ou naturais manifestados nos motivos artísticos. (PANOFSKY, 2007, p. 41).
História dos tipos: compreensão da maneira pela qual, sob diferentes
condições históricas, temas ou conceitos são expressos por objetos e eventos.
c) Nível “intrínseco”, de conteúdo ou análise iconológica: este nível
considera a história pessoal, técnica e cultural do observador para
entender uma obra de arte. A arte não é um incidente isolado, mas um
produto de um ambiente histórico. O historiador da arte se pergunta: o que
isto significa? A iconologia não se limita à descrição do que está numa
obra de arte, procura o significado, isto é, desvela o significado simbólico
do tema exposto na obra de arte. Apesar dessas três fases de análise
serem apresentadas separadamente, não quer dizer que sejam aplicadas
assim. Se não houver uma correta identificação iconográfica dos motivos,
a interpretação iconológica fica irremediavelmente comprometida.
Panofsky (1995) menciona a necessidade de o investigador precisar ter
uma espécie de “sexto sentido”, uma capacidade de observação sumária
do conteúdo da obra de arte, evidenciando uma contradição no aspecto
em que defende, ao mesmo tempo, que o estudo iconológico sério
depende de um apoio iconográfico baseado em conhecimentos ou
documentos que comprovem as conclusões a que o investigador chegou.
Logo, apesar de a iconografia e a iconologia serem, em certo aspecto,
diferenciadas, elas funcionam como um todo em uma análise.
32
Em suma, o autor propõe, para a análise de um objeto visual qualquer,
primeiramente sua descrição; depois, seu correlacionamento com outros elementos
formadores da cultura da qual faz parte; e, finalmente, nesse correlacionamento, o
surgimento da possibilidade de descobrir seu significado intrínseco e sua função
naquela sociedade, transformando-o em registro de uma época. Com a realização
dessas etapas, chega-se ao ponto em que o objeto visual, descrito, identificado e
decodificado, passa a explicar, em conjunto com outros documentos ou
solitariamente, no caso de ser ele o único registro restante, o momento histórico, a
conjuntura em que ele foi concebido, suas finalidades, seus objetivos. Dessa
maneira, servindo para explicar um momento da história, o objeto visual alçado à
categoria dos documentos conformadores dessa mesma história. História dos
sintomas culturais ou símbolos: compreensão da maneira pela qual, sob diferentes
condições históricas, tendências essenciais da mente humana são expressas por
temas e conceitos específicos.
2.4 DOS ESTOICOS A CHARLES S. PEIRCE: A SEMIÓTICA COMO MEDIADORA
NO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM ATRAVÉS DA ANÁLISE
HISTÓRICO-CULTURAL DAS CIVILIZAÇÕES
Não é de hoje que as neurociências abordam temas que antes eram
exclusivos da filosofia e da psicologia. As experiências místico-religiosas, a natureza
ilusória do “eu”, a criação artística, enfim, tudo o que diz respeito ao universo do
comportamento e dos valores humanos desperta cada vez mais a atenção desse
saber, cuja meta primordial é conhecer os mistérios da mente.
Cientistas que usam a música ou a linguagem como ferramentas para
explorar a vida neural têm colaborado para derrubar velhos dogmas e refazer o
mapeamento do cérebro. O cérebro humano tem cem bilhões de células nervosas e
mais de cinquenta substâncias neurotransmissoras. Estima-se que o potencial de
conexões entre os neurônios chegue a cinquenta trilhões. Qualquer comportamento
complexo depende de diversos grupos de células ligados por circuitos.
Segundo Taylor (2008), o lado direito do cérebro entende que é o poder da
força da vida de 50 trilhões de gênios moleculares que esculpem a forma. Ele
33
entende que todos são ligados uns aos outros em um complexo tecido do cosmos, e
marcha com entusiasmo no ritmo do próprio tambor. Fazendo o homem parte dos
seres biológicos, qualquer que seja a informação processada passa pelos
hemisférios direito e esquerdo do cérebro. O lado direito manifesta-se intuitivo,
sensível à comunicação não verbal, sempre presente no aqui e agora, pensando por
painéis de imagens. O lado esquerdo, por sua vez, desenvolve sua capacidade de
organizar, categorizar, descrever, analisar a informação de forma a identificar
padrões e, consequentemente, a própria identidade de cada um através do pensar
na forma de linguagem “eu sou”.
Para que exista comunicação entre os seres humanos, eles devem ter em
comum certa porção de realidade, portanto o sistema nervoso deve ser virtualmente
idêntico na capacidade de perceber informação do mundo externo, processar e
integrar essa informação no cérebro e ter, ainda, sistemas similares de expressão
entre eles, pensamento, linguagem e ação.
Como explicar, descrever e analisar as experiências do homem, em todos os
momentos da vida? Como apreender, reagir e interpretar tudo aquilo que é
percebido pelo homem, não somente em nível de sistema biológico? A resposta é
simples: pela relação estabelecida entre fenômeno-signo-pensamento. Os estudos
da linguagem podem se encaixar nessa ação triádica. A linguagem seria o signo,
que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é,
sistemas de significação. Dessa forma, surge a semiótica, como a “arte dos sinais”, a
ciência geral dos signos e da semiose, que estuda toda a experiência e pensamento
do homem. A semiótica tem, assim, a sua origem na mesma época que a filosofia.
Da Grécia até os dias atuais ,vem-se desenvolvendo continuamente.
Segundo os historiadores, 75% do vocabulário científico e filosófico existente
provém de Aristóteles. De fato, os gregos, os pais da razão, elevaram a história
cultural da humanidade a um novo patamar: a invenção da razão. Mostraram aos
homens como pensar. Segundo Eco (1984), a ideia de uma doutrina dos signos
surge com os estoicos. Para Todorov (1977), a história da semiótica pode ser
dividida em dois períodos: o clássico (dos gregos até o fim do século XVIII), cujas
principais linhas envolvem Aristóteles e Platão, os estoicos e Santo Agostinho, e o
período romântico, após o século XVIII. Hipócrates (460 – 375 a.C.), o grego “pai da
medicina” foi o primeiro a suspeitar que o cérebro fosse a “sede do pensamento e da
emoção”.
34
O pensamento grego mostra a história da filosofia ocidental, a qual começa
num período em que o sentido do horizonte levanta o olhar dos homens dos mitos e
rituais, das crenças e costumes correntes da tradição grega da Ásia Menor. Dessa
forma, em uma civilização assentada, a regularidade dos fenômenos naturais e sua
conexão em largas áreas de experiência, torna-se significante. Durante séculos,
historiadores questionaram a origem dessa “cultura”, mais especificamente quanto
ao “milagre grego”. Esse conhecimento teria nascido por si mesmo ou dependeu de
contribuições da cultura de outras civilizações?
O trabalho de formulação da experiência grega culminou nas magníficas
doutrinas de Platão e Aristóteles. Ambos têm sua raiz em Sócrates. Platão (427 –
347 a.C.) definia o homem como animal racional político, para além das coisas
sensíveis, do que se vê, ouve, sente por meio dos sentidos e, ainda, das formas
inteligíveis: o mundo das ideias ou formas. Para Platão, pensamento e discurso são,
pois, a mesma coisa, salvo que é o diálogo interior e silencioso da alma consigo
mesma que denomina pensamento. Toda sua concepção gira em torno da relação
entre as formas ou ideias e o mundo empírico da realidade cotidiana. Platão
intercambiava as palavras gregas ideia e eidos (eidos como “forma”). Para Platão,
signo (semeion) seria “presságio”, daí o sentido de “revelar” atribuído ao signo.
Aristóteles (384 – 321 a.C.) se interessava em estudar desde a natureza
visível (física) ao mundo das ideias (metafísica), da estrutura do pensamento (lógica)
às leis que governam a sociedade (política), do comportamento do homem (ética e
psicologia) à poética. Aristóteles concebia o homem como ser sui generis, em cuja
natureza se inscreve a capacidade racional de organizar a convivência humana em
busca da excelência. O organismo é levado da potencialidade à realidade pela forma
e, essa forma aristotélica confere um impulso interior residente em cada organismo e
motiva seu desenvolvimento. O universo de Aristóteles possuía uma notável
consistência lógica de crença na força do pensamento humano, para compreender
racionalmente o mundo onde o signo é a presença de algo ausente que ele
representa. Esse conceito de signo leva a uma semiótica não linguística, para a qual
o fenômeno é compreendido como uma lei universal.
Os estoicos (Séc. II a.C. – Séc. II d.C.) eram materialistas e, ao referir-se ao
signo, criaram um modelo o qual influenciou Charles S. Peirce (1839 – 1914). Dessa
forma, o signo era denominado a partir de algo diretamente evidente, mas que
conduzia a concluir a respeito da existência de algo que não o era. Exemplo:
35
fumaça, logo, fogo. Portanto, o modelo estoico de signo tem a forma de uma
implicação (relação), sendo que as variáveis são proposições pelas quais se
expressam os fenômenos.
Santo Agostinho (354 – 430), na obra De Magistro, afirma que, quando se
escreve uma palavra, apresenta-se para os olhos um signo que desperta na mente o
que se percebe com o ouvido. Santo Agostinho fornece uma série de conceitos que
vêm a constituir os elementos básicos de uma semiótica como teoria dos signos.
Resolve a relação entre a proposição signo–conclusão–significado realizando a
articulação entre teoria dos signos e teoria da linguagem. Para ele, os signos são a
espécie da qual os signos linguísticos são um gênero, como tantos outros signos
(emblemas, gestos, sons, etc.).
A semiótica, como teoria geral dos signos, tem a sua etimologia do grego
semeion, que significa “signo” e sema, que pode ser traduzido por “sinal” ou “signo”.
Peirce (2008) afirma que a semiótica é a ciência dos signos e dos processos
significativos (semiose) na natureza e na cultura. Ocupa-se do estudo do processo
de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia.
Essa ciência tem por objeto qualquer sistema sígnico: Artes Visuais, Música,
Fotografia, Cinema, Gestos, Religião, Ciência, etc. Partindo do exame de categorias,
em que se revela a tríade fenomenológica (firstness, secondness, thirdness), O autor
apresenta a observação e a experiência como a gênese de todo conhecimento. Com
a faculdade fisiológica de ver, descreve minuciosamente e generaliza a experiência
apreendida para evidenciar o fenômeno. “Ver”, sem a venda de pré-concepções, é o
olhar do artista, como evidencia Peirce (2008, p. 98): “Essa é a faculdade do artista
que vê, por exemplo, as cores que aparecem na natureza do modo como se
apresentam [...]. Este poder observacional do artista é o que mais se requer no
estudo da fenomenologia.”
O autor concluiu que tudo o que parece a consciência assim o faz numa
gradação de três propriedades que correspondem aos três elementos formais de
toda e qualquer experiência. Essas categorias foram denominadas qualidade,
reação e mediação. Peirce preferiu fixar-se na terminologia de Primeiridade,
Segundidade e Terceiridade.
A Primeiridade (Firstness) consiste na presença de imagens diretamente à
consciência, é uma impressão (sentimento) não analisável, sem uma consciência
propriamente dita. O sentimento como qualidade é, portanto, aquilo que dá sabor,
36
cor, textura, odor, matiz à consciência imediata, aquilo que se oculta ao
pensamento. Nessa medida, a primeiridade é presente e imediata, numa relação
sensível, é original, sem relação com outros fenômenos do mundo, onde se vê
aquilo tal como é, por exemplo, uma flor.
Segundo Santaella (1985),
[...] o primeiro (primeiridade) é presente e imediato, de modo a não ser segundo para uma representação. Ele é fresco e novo, porque, se velho, já é um segundo em relação ao estado anterior. Ele é iniciante, original, espontâneo e livre. Porque senão seria um segundo em relação a uma causa. Ele precede toda síntese e toda diferenciação; ele não tem nenhuma unidade nem partes. Ele não pode ser articuladamente pensado; afirme-o e ele já perdeu toda sua inocência característica, porque afirmações sempre implicam a negação de uma outra coisa. Pare para pensar nele e ele já voou. (SANTAELLA, 1985, p. 112).
A Segundidade (Secondness), na arena da existência cotidiana,
continuamente esbarra em fatos externos, reais, que não cedem ao sabor de
fantasias internas. Nisto consiste o caráter de segundidade: “conflito”. Não é o não
analisável da primeiridade, mas necessita dela para existir. Existir é estar numa
relação, tomar lugar nas determinações do universo, resistir e reagir, ocupar um
tempo e um espaço particulares. O aspecto segundo é o mundo do pensamento,
sem, no entanto, a mediação de signos. Representa uma consciência reagindo ante
o mundo, em relação dialética, uma relação dual. É a categoria da comparação, por
exemplo, uma flor é o nome genérico para rosas, margaridas, etc. Assim sendo, o
fato de existir está nessa corporificação material.
Nas palavras de Santaella (1985, p. 65), “é a compulsão, a absoluta coação
sobre nós de alguma coisa que interrompe o fluxo de nossa quietude, obrigando-nos
a pensar de modo diferente daquilo que estivemos pensando, que constitui a
experiência”.
A Terceiridade (Thirdness) contém as duas outras categorias citadas. A
primeiridade é a categoria que dá à experiência sua qualidade distintiva, sua
originalidade e liberdade. A Segundidade é aquilo que dá à experiência seu caráter
de luta, reação. Finalmente, terceiridade, no que concerne ao pensamento,
corresponderia ao nível simbólico, sígnico, no qual se representa e interpreta o
mundo. Não é um caráter passivo, primeiro, mas a união deste com o segundo,
acrescentando um fator cognitivo. Há uma síntese intelectual e laboração cognitiva.
37
Na terceiridade é posta uma camada interpretativa entre a consciência
(segundidade) e o percebido (primeiridade). Essa é a função de mediação, que
possibilita a linguagem e a cognição, um número maior de fenômenos.
A terceiridade é a categoria que relaciona um fenômeno a um terceiro termo,
gerando, assim, a representação, a semiose, os signos em si. Por exemplo, uma flor
pode representar a mocidade, a pureza, a candura, além do próprio tipo vegetal.
Para Peirce (2008), [...] aquele elemento da cognição que não é nem sentimento nem o sentido de polaridade, é a consciência de um processo, e isto, na forma do sentido de aprendizado, de aquisição de desenvolvimento mental, é eminentemente característico da cognição. Este é um tipo de consciência que não pode ser imediato porque cobre um certo tempo, e isso não apenas porque continua através de cada instante desse tempo mas porque não pode ser contraído para caber num instante. Difere da consciência imediata tal como uma melodia difere de uma nota prolongada. Tampouco pode a consciência dos dois lados de um instante, de um evento súbito, em sua realidade individual, abarcar a consciência de um processo. Esta é a consciência que une os momentos de nossa vida. É a consciência da síntese. (PEIRCE, 2008, p. 113).
Ainda segundo Peirce (2008), parece, portanto, que as verdadeiras categorias
da consciência são: primeira, sentimento, a consciência passiva da qualidade, sem
reconhecimento ou análise; segunda, consciência de uma interrupção no campo da
consciência, sentido de resistência, de um fato externo ou outra coisa; terceira, a
consciência sintética, reunindo tempo, sentido de aprendizado, pensamento.
Nesse caráter fenomenológico, Peirce começou a esquadrinhar seu sistema
filosófico. Dessa forma, a fenomenologia transformou o modo de percepção do
mundo. Essa experiência do mundo tende à produção do pensamento e da
cognição, e se expressa em representações gerais. Tais representações constituem
o pensamento mediático. A partir daí, têm-se delineados os pressupostos
fundamentais para uma teoria dos signos como mediação entre o objeto e a
consciência, que se constitui na semiótica propriamente dita. Da tríade
fenomenológica, Peirce extraiu a tríade semiótica, com a divisão dos signos em
ícones, índices e símbolos.
Para esclarecer a definição de signo, o autor estabeleceu o conceito de
relação sígnica. Toda relação sígnica envolve o signo propriamente dito, como
mediador entre o objeto e seu interpretante. O significado de um signo é outro signo,
que se chama de interpretante. O termo aqui não se refere à pessoa que interpreta,
38
mas ao que ocorre na mente do intérprete. Esse interpretante pode ser uma
imagem, uma ideia, uma palavra, sentimento, etc.
Tendo suas categorias e a noção de signo, Peirce estabeleceu uma rede de
classificações sempre triádicas dos tipos de signo, tomando como base as relações
em que ele se apresenta. A relação mais elementar entre essas tríades se dá
tomando-se a relação do signo consigo mesmo (primeiridade), com seu objeto
dinâmico (segundidade) e com seu interpretante (terceiridade). Ao se pegar um
signo com seu objeto em aspecto icônico, tem-se:
um representâmen, cuja Qualidade Representativa é uma sua Primeiridade como Primeiro. Ou seja, a qualidade que ele tem qua coisa o torna apto a ser um representâmen. Assim, qualquer coisa é capaz de ser um substituto para qualquer coisa, com a qual se assemelhe. (PEIRCE, 2008, p. 64).
O ícone representa, então, seu objeto como qualidade, qualquer coisa,
podem ser imagens, que representam seus objetos por semelhança, diagramas, que
representam os objetos por relações análogas entre as partes. Dessa forma, um
ícone é um signo que possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu
objeto não existisse, tal como um risco feito a lápis, representando uma linha
geométrica.
Partindo novamente da relação do signo com seu objeto, agora em caráter de
segundidade, encontra-se o índice. Aqui, o signo permanece bem mais restrito e
concreto, pois “indica”, atrai a atenção para o objeto particular sem descrevê-lo.
Examinemos alguns exemplos de índices. Vejo um homem que anda gingando. Isso é uma indicação provável de que é marinheiro. Vejo um homem de pernas arqueadas usando calça de veludo, botas e uma jaqueta. Estas são indicações prováveis de que é um jóquei ou algo assim. Um quadrante solar ou um relógio indicam a hora. Os geômetras colocam letras em partes diferentes de seus diagramas e, a seguir, usam estas letras para indicar essas partes. Tudo o que atrai atenção é índice. Tudo o que nos surpreende é índice, na medida em que assinala a junção entre duas porções de experiência. Assim, um violento relâmpago indica que algo considerável ocorreu, embora não saibamos exatamente qual foi o evento. Espera-se, no entanto, que ele se ligue com alguma outra experiência. (PEIRCE, 2008, p. 67).
Assim sendo, um índice é um signo que, de repente, perderia seu caráter que
o torna um signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter
se não houvesse interpretante. É uma parte representada de um todo anteriormente
adquirido pela experiência subjetiva ou pela herança cultural. Exemplo: onde há
39
fumaça, há fogo. Quer isso dizer que através de um indício obtêm-se conclusões. A
principal característica do signo indicial é a ligação física com seu objeto, como uma
pegada é um indício de quem passou.
Em terceiridade, ao ter-se o símbolo como ponto de partida, vê-se, no signo
em si mesmo, um caráter de lei, ou o signo no qual o modo de significação é o mais
completo, no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se
referindo àquele objeto. Qualquer palavra comum, como “dar”, “pássaro”, “casamento”, é exemplo de símbolo. O símbolo é aplicável a tudo o que possa concretizar a idéia ligada à palavra; em si mesmo, não identifica essas coisas. Não nos mostra um pássaro, nem realiza, diante de nossos olhos, uma doação ou um casamento, mas supõe que somos capazes de imaginar essas coisas, e a elas associar a palavra. (PEIRCE, 2008, p. 73).
Um símbolo, para Peirce (2008), é um representâmen cujo caráter
representativo consiste exatamente em ser uma regra que determinará seu
interpretante. Todas as palavras, frases, livros e outros signos convencionais são
símbolos. Ora, encontra-se a palavra símbolo, desde cedo, usada para significar
uma convenção ou contrato. Aristóteles chama o substantivo de “símbolo”, isto é, um
signo convencional.
Nesse aspecto podem ser encontrados os códigos, não especialmente um
código genético, por exemplo, mas a linguagem como código criado na esfera
humana. Na forma expressa de terceiridade, percebe-se que o terceiro sempre
precisa do primeiro e do segundo para sua existência, pois, se assim não fosse, não
teria seu caráter designativo ou qualitativo numa lei, ou num processo superior
humano.
O tempo presente caracteriza-se pelo século da comunicação. Para alguns, o
mundo constituiria uma autêntica “aldeia global”, habitada por “tribos”, possibilitadas
uma e outra pelas novas tecnologias de informação e comunicação. “Comunicar”
significa “tornar comum”. No processo de comunicação, que pode ser entendido
como a troca de uma mensagem entre um emissor e um receptor, os signos
desempenham um papel fundamental. Sem signos, não há mensagem, nada se
pode pôr em comum (DELORS, 2006).
Para Peirce, pai da semiótica moderna, a mente não é uma tabula rasa, nem
um conjunto de formas a priori nas quais se encaixam os dados sensíveis. A mente
é uma cadeia de signos, pelos quais o mundo é apreendido. Como afirma o autor, só
40
se pensa com signos. Assim, surge a semiótica, como a ciência ou teoria geral da
produção dos signos. A semiótica, atualmente, é um campo de grande amplitude e
variedade teórica. Sempre que se pensa, tem-se presente na consciência algum
sentimento, imagem, ritmo, concepção ou outra representação que sirva como
signo.
Daí vem a necessidade básica do “significar”, que certamente é óbvia apenas
no homem: a necessidade de o homem transformar o mundo natural captado pelas
impressões de mensagens sensoriais num universo simbólico que permite a
construção de um complexo conceitual. Para Peirce (2008), o universo é semiótico,
e o homem interage com os sinais, lendo os que o antecedem e formulando novos
sinais em suprimento das necessidades emergentes. A visão de Peirce sobre o
universo resultará no entendimento das cognições, das ideias e até do homem,
como entidades semióticas; e como tal, um signo se refere a outras ideias e a outros
efeitos do mundo a que se reflete um passado.
Significar, que na sua origem etimológica do latim revela “fazer sinal”, implica
algum tipo de ação comunicativa intencional entre seres humanos. O homem, então,
surge como a única espécie capaz de transformar o mundo e a si mesmo através de
sua capacidade imaginativa (imaginário), atribuir significação (simbólico), e recriar o
real. Sendo a significação um valor agregado às coisas, à natureza e ao próprio
homem, a semiótica surge como mediadora entre os instrumentos que permitem aos
homens agirem sobre a natureza e transformá-la, dando origem ao conjunto das
produções materiais que formam o campo da cultura e o simbólico, que constitui um
sistema de signos que permite aos homens atribuir significação à realidade do
mundo e às coisas produzidas por eles.
Dessa forma, a significação não é algo pronto que circule através dos signos,
mas algo que é objeto de constantes reelaborações em função das condições
histórico-culturais de cada intérprete. Pensar palavras, gestos, imagens, sons,
movimentos, na verdade, qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e
que seja usada para impor um significado à experiência. Tudo que for necessário
para obter informação adicional no sentido de agir, assim como as histórias, rituais,
costumes, melodias, valores, as ideias, atos, emoções, são produtos culturais, não
são apenas simples expressões da existência biológica, psicológica e social: são
seus prerrequisitos, são o locus. Isso permite pensar a significação como um
processo de produção ou semiose no qual a capacidade de significar, mais do que
41
criar instrumentos, permite ao homem a transformação do mundo natural num
universo simbólico, universo de representações ou universo cultural.
Sendo assim, torna-se fundamental um “olhar” à teoria dos signos, a
semiótica, como forma de análise de diversas representações, sejam elas verbais,
sonoras ou visuais para as ciências cognitivas e as teorias educacionais.
Uma das possibilidades de aplicação da semiótica é através do estudo de
análise de imagens. Amplia-se aqui o conceito de imagens para além do sentido
iconográfico, pois o conceito de simbólico trata as imagens em significados além dos
ícones. Mesmo não conhecendo o código e o contexto da imagem e do autor, pode-
se analisá-la por seus elementos estruturantes. Esse método permite a
fragmentação da imagem e trabalha os procedimentos relacionais de seus
elementos estruturantes e suas significações. Assim, a análise semiótica de imagens
possibilita um diálogo de relações e abrange um universo de possibilidades
potencializadas pela imagem em movimento: o Cinema.
Como o homem construiu esse sistema de significação existencial? Do
biológico: um corpo, um cérebro que transforma impulsos eletroquímicos em sinais,
signos para o psicossocial. Do individual, subjetivo, interno, para o coletivo, externo,
resultado das produções humanas: a cultura das civilizações.
Charles Darwin demonstrou há um século e meio que o cérebro evoluiu, mas
apenas recentemente pôde-se afirmar que o mesmo ocorreu com a mente. Não há
evolução sem mudança. Logo, pergunta-se como e o que mudou no pensamento
humano ao longo dos tempos. Partindo do cérebro como fonte cultural, como fonte
de significações, o organismo inteiro vai se transformando à medida que o homem
se “olha” dentro de uma perspectiva histórico-cultural.
No olhar do artista, do cientista, do homem frente ao fenômeno analisado,
surge a materialidade e o simbólico, o biológico e o psicossocial, a semiótica como
um sistema sígnico capaz de ressignificar o processo de evolução do homem.
42
2.5 A REAÇÃO ESTÉTICA SUSCITADA PELA ARTE COMO FORMA DE
EXPLICAR O COMPORTAMENTO HUMANO NA CONSTITUIÇÃO DA
TOTALIDADE DO SENTIDO
A psicologia, constituída em uma ciência particular para compreender a mente
humana, tem como um de seus principais debates a produção/criação de sentidos e
a necessidade do homem de dar sentido à vida.
Para compreender a categoria “sentido” no pensamento de Vygotsky (1896 –
1934), adotou-se a análise do subtexto, isto é, a gênese e intencionalidade de seus
textos. Com base na leitura de A tragédia de Hamlet: o príncipe da Dinamarca e
Psicologia da arte, pensamento e linguagem, Vygotsky (2001; 2008) faz inúmeras
referências a poetas e obras literárias para mostrar que a reação estética
experimentada pela arte é imprescindível para a psicologia poder explicar o
comportamento humano, e que o sentido é a categoria mais importante da
consciência. O sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por
toda a riqueza dos momentos existentes na consciência.
Como contribuição à psicologia, Vygotsky oferece a explicação da gênese e
da constituição das funções psicológicas superiores, enfatizando a mediação da
linguagem e as relações entre palavra e pensamento na confirmação da
consciência.
Vygotsky postula também que a consciência não se esgota na palavra, e a
dimensão semântica da palavra não esgota a configuração do sentido, não
contempla a totalidade da categoria sentido, porque não dá conta do sentido do
todo. Para isso, é necessário trazer a estética, porque insere as sensações e as
emoções que Vygotsky define como um reflexo na consciência, portanto, a
psicologia da arte elucida o enigma dos sentidos ao incluir as emoções estéticas.
Desta forma, as reflexões de Vygotsky sobre a arte ajudam a compreender
que o signo semântico é indissociável do signo estético. A originalidade da visão
psicológica da arte é o reconhecimento da arte como técnica social do sentimento
que parte da análise dos mecanismos da arte para chegar à síntese psicológica.
Assim, ao afirmar que a arte é um conjunto de signos estéticos destinados a suscitar
emoções nas pessoas, Vygotsky está propondo que a análise desses signos recria
os fenômenos psicológicos que correspondem aos mecanismos da arte.
43
A fase inicial do desenvolvimento da teoria histórico-cultural do
desenvolvimento humano de Vygotsky é caracterizada pela investigação da arte,
dos produtos e processos do comportamento artístico. Baseada nessa teoria, a
psicologia da arte esboçada por Vygotsky constitui o primeiro modelo de uma
psicologia dialética que investiga o papel central da função semiótica (significação
dos signos) na vida psicológica e as relações fundamentais entre a realidade sócio-
histórica do desenvolvimento humano e as estruturas e processos da psique
individual. O surgimento da função simbólica, analisada principalmente através das
modificações que o surgimento da linguagem provoca no comportamento e nas
capacidades mentais, intelectuais e emocionais na criança, modifica a relação da
criança com o mundo que a cerca e consigo mesma. Ao modificar seu campo de
ação possível, seus interesses e seu comportamento, substitui as estruturas
sensório-motoras e intelectuais por novas concepções presentes e possibilidades
futuras. Desse modo, o despertar da função simbólica se introduz na relação entre o
sujeito e a realidade que o cerca; o signo como uma estrutura dual ou mediadora
existindo no mundo objetivo da percepção como objeto interno. A mediação é, de
início, relação instrumental. A criança age na realidade por intermédio do adulto. O
uso dos signos modifica o universo perceptivo da criança, modifica a relação entre
as funções mentais, modifica a natureza dos processos mentais. O uso dos signos
efetua a passagem das funções inferiores para as superiores caracterizadas pela
natureza social, cultural e histórica. As funções psicológicas superiores formam-se
no diálogo e nas trocas sociais e diferenciam-se, na formulação de Vygotsky, num
processo de interiorização dessas relações.
Para Vygotsky, se a psicologia da arte estuda o comportamento estético,
englobando tanto a produção quanto a recepção da obra de arte, também pretende
conhecer e estabelecer as leis psicológicas que explicam o influxo da arte sobre o
homem, a recepção da obra de arte propiciada pela reação estética e pela catarse
que revela o comparecimento da arte/estética na constituição do sentido. Na análise
da resposta estética, portanto, a função do signo artístico, como a de socializar a
emoção de “trazer ao círculo da vida social os aspectos mais íntimos da experiência
humana” (VYGOTSKY, 2001, p. 45), corresponde aos processos psicológicos que
respondem à estrutura de estímulos da arte, apreende a contradição dialética, entre
a forma (matéria e conteúdos culturais) e o conteúdo, conferindo uma qualidade
nova à dinâmica das relações entre material e forma da obra de arte e permite
44
estabelecer as leis psicológicas que regem a psicologia da arte.
Para Vygotsky, a ideia central da psicologia da arte é o reconhecimento da
arte como técnica social do sentimento. Essa nova qualidade das relações entre
material e conteúdo que articula a resposta estética tem a função de conciliar os
sentimentos opostos na consciência do apreciador, num momento de resolução e
solução da contradição, a catarse, que, na reação estética, conforme Vygotsky, tem
um conteúdo diferente da concepção psicanalítica da descarga de energia
emocional e possui uma qualidade distinta do significado de catarse de Aristóteles,
porque, além de educativa, é transformadora. Na arte, a dialética entre o individual e
o social, os aspectos mais íntimos e pessoais do ser, incorporam-se ao grande
círculo da vida social.
A arte introduz cada vez mais a ação da paixão, rompe o equilíbrio interno, modifica a vontade em um sentido novo, formula para a mente e revive para o sentimento aquelas emoções, paixões e vícios que sem ela teriam permanecido indeterminadas e imóveis. [...] Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna social, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isso deixar de continuar social. (VYGOSTKY, 2001, p. 56).
Por isso, a arte é o social em cada um, reflexão fundamental à compreensão
do sentido estético-ontológico. O sentido da arte na psicologia antecipa a
reconstrução da categoria sentido nas relações entre significado, sentido, emoções,
pensamento e palavra, sem com isso deixar de ser social.
Vygotsky (2008) chama a atenção, também, para a formulação do sentido
como a “soma de todos os fatos psicológicos” em pensamento e linguagem e para a
formulação que aparece na psicologia da arte como a “síntese psicológica”. Assim,
permite pensar que a categoria sentido tem implicações mais profundas, que
superam a atribuição de sentidos e significados da linguagem e da comunicação
humana e não se fixa aos postulados da semântica das palavras, mesmo porque o
próprio autor alerta que o sentido se separa da palavra, pode ultrapassar e até
mesmo existir sem palavras.
45
CAPÍTULO III - METODOLOGIA PARA ANÁLISE DA IMAGEM
CINEMATOGRÁFICA
Esta é uma pesquisa descritiva, qualitativa de análise da imagem, cujo
tratamento dos dados apresenta uma combinação de diferentes teorias originadas
da história da arte com a iconologia, da filosofia com a semiótica e da psicologia da
arte com a reação estética, caracterizando a triangulação metodológica.
Denzin (1989, p. 45) enfatiza o fato de que a “triangulação do método
continua sendo a estratégia mais sólida da construção da teoria”. Num primeiro
momento, a triangulação foi conceitualizada como uma estratégia para a validação
de resultados obtidos com métodos individuais. O foco, no entanto, se direciona para
embasar, completar e ampliar a produção do conhecimento adquirido através dos
métodos qualitativos. A triangulação metodológica representa, então, mais uma
alternativa para a validação que amplia o escopo, a profundidade e a consistência
nas investigações metodológicas. (DENZIN, 2000; FLICK, 2002).
Esta pesquisa qualitativa tem por meta fazer jus à complexidade da realidade,
à captação do fenômeno que exige mais que mensuração de dados. Seja como for,
esses questionamentos e análises mostram que os quadros teóricos que sustentam
as hipóteses de trabalho são discutíveis, porque se trata de filigramas da alma
humana, profundas e sensíveis, cuja formalização é árdua. As teorias estão muito
aquém da riqueza do fenômeno, permitindo análises interpretativas restritas dos
dados, que terão de ser formalizados. Todavia, frente a um universo complexo, não
linear, a formalização deve captar a intensidade do fenômeno. Para isso ser
possível, é necessário trabalhar-se com um pequeno grupo, que jamais representará
a totalidade da cultura chinesa, mas pode ser a representação da história da China
de determinados padrões culturais.
Dessa forma, o uso da imagem cinematográfica de Zhang Yimou ocupa o
lugar de ilustração, ou seja, de “estudo de caso”, como forma de conhecer a cultura
chinesa. Utilizam-se recursos da iconologia, semiótica e psicologia da arte, o que
pode ser feito com outras imagens cinematográficas similares, para aquisição de
conhecimentos da cultura de outras sociedades. A iconografia e a simbologia
presentes na obra de Zhang Yimou “representam” a realidade cultural da China,
como outras podem “representar” a realidade cultural de outras sociedades. Assim
46
sendo, o “estudo de caso” da China se limitaria à análise das imagens
cinematográficas na obra de Zhang Yimou utilizando as seguintes categorias:
relações de poder político, gênero feminino, educação, estética e ética da morte.
3.1 ETAPAS METODOLÓGICAS PARA OBTENÇÃO DAS IMAGENS A SEREM
ANALISADAS
As etapas metodológicas para obtenção das imagens analisadas envolvem
desde a seleção dos filmes ao recorte das cenas para análise e ao framing para a
captura das imagens.
3.1.1 Seleção de filmes
Inicialmente, foram selecionados quais filmes seriam utilizados nesta
pesquisa. Ficou estabelecido que seriam dez filmes do cineasta chinês Zhang
Yimou, no período de 1987 a 2006, que representam desde a formação do Império
chinês até os dias atuais na apresentação da abertura dos Jogos Olímpicos de
2008.
Para acesso aos filmes, foram utilizadas estratégias de locação e compra de
DVDs via internet. Apenas cinco filmes são distribuídos no Brasil:
a) Nenhum a menos (1999);
b) Herói (2002);
c) O clã das Adagas Voadoras (2004);
d) Um longo caminho (2005);
e) A maldição da flor dourada (2006).
Os demais tiveram de ser adquiridos via internet:
a) O Sorgo Vermelho (1987);
b) Lanternas vermelhas (1991);
c) A história de Qiu Jú (1992);
d) Tempo de viver (1994);
47
e) Happy Times (2001).
Todos os filmes foram, então, percebidos através de um primeiro olhar que
delimitou trechos a serem analisados com mais profundidade nesta pesquisa. A
delimitação de trechos foi importante também para que a Banca Examinadora
pudesse avaliar o material, já que o conjunto de todos os filmes equivale a mais de
15 horas.
As sinopses dos filmes são apresentadas a seguir, por ordem cronológica:
a) O sorgo vermelho (1987): A história se passa em meados das décadas
de 20 e 30, contando a história de uma jovem noiva prometida a um velho
moribundo, dono de uma destilaria de vinho na província de Shandong. O
ambiente é rural, os moradores da região não são muitos. A jovem é
conduzida de sua cidade para o futuro marido por carregadores
desajeitados. Há o trabalhador apaixonado pela jovem e, principalmente,
há o grupo, a turma de companheiros. O tempo passa. O marido é
misteriosamente assassinado e a jovem se torna a herdeira de uma
destilaria de vinho e sorgo. São retratados a violência do mundo de fora
com a ocupação japonesa, o heroísmo desajeitado da população e a
esperança representada pelos comunistas.
b) Lanternas vermelhas (1991): A história se dá no início do Séc. XIX, na
China. Um homem muito rico mantém as tradições de sua família, como
manter casamento com diversas esposas ao mesmo tempo, fazendo-as
tomar as refeições diariamente juntas e colocando-as para morar numa
espécie de vila particular onde cada uma tem sua casa de frente para a
outra. Todos dos dias o marido escolhe com qual delas vai passar a noite
e o sinal é a colocação de inúmeras lanternas vermelhas na porta da casa
escolhida. Cada uma delas espera na porta de sua casa. O filme é focado
na quarta esposa, uma jovem que chegou a cursar a faculdade, mas foi
obrigada pela família a se casar. Cada uma das esposas tem
personalidade e idade diferentes e cada uma usa de suas armas para ter a
preferência do marido.
c) A história de Qiu Jú (1992): Uma jovem grávida trava uma batalha
jurídica e existencial em busca do seu senso moral de justiça. Qiu Jú mora
no campo de plantação de pimenta, está grávida do primeiro filho e,
juntamente a seu marido, pede autorização ao chefe local para utilizar
48
uma parte da terra na construção de uma casa para armazenar a pimenta.
O chefe nega o pedido. Irritado, o marido da jovem ofende verbalmente o
chefe. Em resposta, o chefe chuta com força seus testículos. Depois de
levar o marido ao médico, Qiu Jú percebe que houve abuso na atitude do
chefe. Sentindo que seu marido sofreu uma injustiça, ela espera que o
chefe “peça desculpas”. Para tanto, buscará uma resposta através de
procedimentos jurídicos.
d) Tempo de viver (1994): Parte da história da China do século XX, dos
anos 40 aos anos 80, abrangendo a invasão japonesa e a Revolução
Cultural. O filme começa com uma cena de jogo e de apostas a qual
apresenta um homem do povo que, de inveterado jogador e herdeiro de
bens, se transforma em operador de marionetes. A guerra chega. O
chinês luta por sua sobrevivência, levando consigo, numa caixa de
madeira com os bonecos.
e) Nenhum a menos (1999): Inspirado em uma história real, narra a
experiência de uma jovem de 13 anos, chamada para substituir o mestre,
que precisa se ausentar para cuidar da mãe doente. Em uma pequena
escola rural, na época do governo de Mao, uma professora trabalha
ensinando crianças no interior da China. Há várias faixas etárias em
condições precárias. Assim, a jovem assume com o velho mestre o
compromisso de que, quando ele retornasse, não haveria “nenhum a
menos“ entre os alunos. A jovem empreende uma incessante busca a um
dos alunos que “se evade” da escola, em busca de trabalho na cidade
grande.
f) Happy times (2001): Zhao, aos 50 anos, decide antecipar a
aposentadoria. Ele se deixa enganar por uma gorducha viúva que o
convence a se casar. Ela acredita que Zhao é dono de um rentável hotel.
Pede ao noivo de presente de casamento uma importância em dinheiro.
Ajudado por um amigo, eles transformam um velho ônibus numa espécie
de motel ambulante. Zhao conhece uma jovem cega que lhe pede
emprego como massagista no motel, mas a polícia logo leva seu “motel
ambulante”, mudando sua sorte. g) Herói (2002): O filme é ambientado na China Antiga, quando sete reinos
lutavam pelo domínio do território que viria a formar o país. O reino de Qin
49
é o mais forte e o seu monarca o mais determinado a unir os territórios,
formando um vasto Estado sob seu reinado. A trama gira em torno do
herói, um guerreiro que entra no palácio do imperador Qin alegando ter
matado os inimigos mortais do soberano. Como prova, carrega as armas
dos três maiores guerreiros da região: Espada Quebrada, Neve Flutuante
e Céu. Em audiência com o imperador, o herói explica como conseguiu
vencer guerreiros aparentemente superiores a ele. É no relato do herói
que toda a história se desenvolve, em três versões: a dele próprio, a do
imperador e a que mostra como tudo realmente aconteceu. Herói conta
uma história de lutas, de amor à pátria e, sobretudo, sobre o sacrifício
humano em prol de um bem maior.
h) O clã das adagas voadoras (2004): O filme retrata a história da dinastia
Tang, outrora poderosa, e em atual decadência. O Imperador é
incompetente e o governo corrupto não controla mais a nação. Surge o
Clã das Adagas Voadoras, Aliança secreta onde os rebeldes armados
juntam-se em protesto ao governo. Dois guardas do exército chinês têm a
missão de investigar o envolvimento de uma cortesã cega que chega à
cidade. Em ambientes rurais da China feudal, o capitão do exército chinês
faz-se passar por um guerreiro solitário e salva a bailarina revolucionária
da prisão. Em seguida, a acompanha até a casa secreta do “Clã das
Adagas Voadoras”. Neste percurso, a história se desenvolve na relação
entre os três personagens: os dois capitães do exército e a bailarina
revolucionária.
i) Um longo caminho (2005): A história trata do pescador japonês Takata,
que está de relações cortadas com o filho, desde a morte da mãe. Sua
nora lhe contata informando que seu filho possui câncer de fígado, o que
inevitavelmente o levará à morte. Takata viaja até Tóquio tendo em vista a
reconciliação com o filho, que se recusa a vê-lo. A nora lhe empresta uma
fita de vídeo que contém um documentário inacabado sobre a Ópera
Chinesa. Para terminar a obra, é necessário que o cantor Li represente a
ópera Riding Alone for Thousands of Miles. Após ver o vídeo, Takata
decide viajar pelo sul da China e gravar a atuação de Li, como forma de
realizar uma das últimas vontades do filho.
50
j) A maldição da flor dourada (2006): O filme retrata o período da China
medieval, na dinastia Tang, por detrás das coloridas paredes do Palácio
Imperial, em que se escondem inúmeros segredos capazes de desabar a
dinastia. Um deles é da imperatriz que mantém uma relação incestuosa
com seu enteado, o príncipe herdeiro do trono. O Imperador, tomando
conhecimento, instrui o médico da Corte a ministrar um veneno à
imperatriz, em vista ao tratamento de uma anemia. O príncipe “Jie”,
quando descobre os planos de assassinato de sua mãe, associa-se à
conspiração da imperatriz para tomar o poder na noite da “Festa dos
Crisântemos”.
O cinema chinês começou os primeiros passos no século XX com uma
grande diversidade de estilos e correntes, sendo os realizadores de filmes
classificados por gerações. Assim, tem-se a primeira geração, de 1905 a 1932; a
segunda geração, de 1932 a 1949; a terceira geração, de 1950 a 1960; a quarta
geração, de 1960 a 1980); a quinta geração, de 1982 a 1989; e a sexta geração, de
1990 até a atualidade.
Os membros da quinta geração, da qual Zhang Yimou faz parte, partilham o
fato de terem frequentado a Academia de Cinema de Pequim e concluído seus
estudos em 1982. Com a compra da primeira máquina fotográfica, Yimou
apresentou o seu portfólio de fotografias. As portas da academia abriram-se perante
a evidência do seu talento como fotógrafo. Participou como diretor de fotografia na
primeira obra de Chen Kaige, Yellow Earth, em 1984, que marcou o início da quinta
geração do cinema chinês. O que as suas câmeras captaram tinha invariavelmente
uma marca visual muito forte, suportada por um modelo narrativo estruturado de
forma diferente do que até então era produzido nos estúdios, segundo modelos de
produção ortodoxos. Imperava uma lógica de negação de tudo o que pudesse se
constituir como veículo de difusão de ideias contrárias às teses defendidas pela
Revolução Cultural. As câmeras só podiam ser utilizadas como instrumentos de
propaganda com intuito de “educar” as massas.
A quinta geração, de Yimou, afirmou-se por oposição às anteriores, mediante
a seleção de temas humanistas, com uma preocupação etnográfica. O desempenho
do indivíduo como motor da história, em contraponto com o coletivismo. Os heróis
são seres humanos com os quais é fácil se identificar. O individualismo se sobressai
51
e estabelece um novo padrão nos dramas que discorrem na tela, nos mais diversos
enquadramentos. Outro aspecto que começa a aparecer nos filmes desta fase é o
intenso erotismo e sensualidade que as personagens femininas projetam. É o caso
de Sorgo Vermelho e de Lanternas Vermelhas. A sexualidade surge como um elo
estruturante nas narrativas e deixa de ser um tabu a evitar, como fora até então.
O microcosmo da aldeia é a representação da China. Os homens,
frequentemente prepotentes e austeros, sugerem a velha ordem instituída do regime
patriarcal. As mulheres, jovens heroínas, guerreiras, encarnam as virtudes e
revelam-se como protagonistas da mudança. Mudança era a chave dos novos
valores que as reformas promoviam.
Os filmes da quinta geração afirmaram-se como um testemunho de uma nova
mentalidade enriquecida com a capacidade crítica de julgar o passado e refletir
sobre os excessos cometidos pelas massas revolucionárias das décadas de 60 e 70.
Reescreve-se a história da China através da linguagem cinematográfica.
Visualmente, nos filmes de Yimou, existe uma grande preocupação e cuidado
com a fotografia, a luz, as cores e as texturas, resultando num enorme apuro visual,
umas de suas principais características. Com o foco na qualidade das fotografias
obtidas, a cor, a luz e a textura de suas imagens imprimem um ritmo ora contido, ora
intenso, preciso e adequado, à cultura oriental, a qual retrata de forma verossímil.
Nos filmes A história de Qiu Jú (1992) e Nenhum a menos (1999), Yimou
emprega uma estrutura narrativa muito próxima do chamado estilo documental de
filmagem, feita em locações reais, sem cenário fictício montado e contando com o
apoio de atores não profissionais.
Na última década, Yimou se dedicou às produções de filmes Wu Xia: o
cinema do movimento, do guerreiro de artes marciais que luta pela lealdade, justiça
e honra, imortalizado em lendas sobre grandes mestres com poderes mágicos.
Fazem parte deste gênero os filmes Herói (2002), O clã das adagas voadoras (2004)
e A maldição da flor dourada (2006). Esses três filmes exibiram o talento de Yimou
como mestre de efeitos visuais.
52
3.1.2 Edição digital dos filmes
A seleção de cenas levou em conta imagens com maior abrangência em
signos de representações culturais. São cenas capazes de representar o simbolismo
presente durante diferentes ciclos culturais da China em determinados momentos
históricos. Os trechos foram selecionados através do software de edição digital
Windows Movie Maker, segundo os passos descritos:
a) importar mídia: pausa/dividir/pausa;
b) publicar filme: selecionar nome do arquivo;
c) configuração: DV-AVI (PAL);
d) salvar na pasta: arquivo filmes.
Os trechos foram separados e, posteriormente, montados seguindo a
sequência cronológica do filme. O produto final da montagem foram filmes mais
curtos, utilizados na análise e apresentação. Os filmes precisaram passar por um
segundo processo de edição digital, no qual o áudio de todos os filmes foi
equalizado. Devido à composição de cada filme, eles precisaram ser readequados
quanto à disposição em tela. Este processo aconteceu com filmes que haviam sido
adquiridos em formato de cinema conhecido como widescreen (caracterizado por
tarjas pretas nas extremidades horizontais da tela que permitem a exibição da
imagem na proporção de 16:9). Precisaram ser readequados ao formato padrão de
televisão (cuja proporção é de 4:3). Este processo permitiu que os filmes fossem
exibidos ocupando toda a tela em aparelhos televisores tradicionais, em
computadores e, em equipamentos de datashow.
Ao mesmo tempo em que se procedia ao corte e à montagem do segundo
filme, foram selecionadas cenas específicas para análise, as quais seriam
transformadas em imagens estáticas, permitindo impressão e apresentação. Foi
aplicado o processo de framing, que consiste em criar um novo arquivo de fotos a
partir de um arquivo de imagem em movimento. O processo foi realizado através do
mesmo software de edição digital para a seleção dos trechos, Windows Movie
Maker, por meio dos passos a seguir:
a) importar mídia;
b) selecionar filme;
c) selecionar imagem;
53
d) pausar;
e) capturar imagem;
f) salvar na pasta: identificar o nome das fotos e selecionar arquivo fotos.
As imagens precisaram passar por processo de edição mais apurado para
que apresentassem características de melhor visibilidade para a análise. Algumas
imagens precisaram de cortes específicos para que apresentassem detalhes e
símbolos que seriam analisados posteriormente. Nenhum material recebeu
distorções em sua composição estética, alteração significativa de cor ou inclusão de
elementos.
3.1.3 Análise das imagens cinematográficas capturadas em fotos (método framing):
A análise das imagens se deu como segue:
a) dados de identificação do filme:
filme,
diretor,
ano de realização;
b) categorias para análise iconológica:
época,
material,
forma,
cor,
ritmo,
movimento,
símbolo;
c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado
simbólico:
época,
tema,
significado.
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d) seleção das categorias para análise dos filmes: relações de poder, gênero
feminino, educação, estética e ética da morte;
e) etapas para análise dos filmes: os filmes são considerados como um todo,
anotando-se as impressões, as questões e os padrões de significado mais
evidentes, construindo uma matriz de todos os elementos identificados.
Destacam-se as cenas-chave. São realizadas microanálises de cenas e
sequências individuais que devem levar a descrições e padrões
detalhados. Para responder à questão de pesquisa, na busca por
“padrões”, é necessário estabelecer relações entre as teorias Iconológica,
semiótica e reação estética na análise da imagem cinematográfica como
forma de adquirir conhecimento sobre uma determinada cultura.
Através da teoria Iconológica, se propõe uma análise estrutural da imagem na
qual o objeto visual é descrito, identificado e decodificado, passando, assim, a
explicar em linguagem de materiais, formas, temas e significados, em conjunto com
as outras teorias (semiótica e reação estética), um determinado momento da cultura
da China.
Com base na semiótica, aborda-se a imagem por meio da análise do
significado simbólico, ou seja, pelo sistema sígnico da linguagem interpretativa e
relacional.
Como “modelo” de uma psicologia da arte dialética, a teoria da reação
estética investiga o papel central da função semiótica na vida psicológica e as
relações fundamentais entre a realidade histórico-cultural do desenvolvimento
humano e as estruturas e processos da psique individual. Ou seja, a teoria da
reação estética implica a arte e a estética na constituição do sentido.
Por fim, são estabelecidos padrões culturais obtidos através da análise dos
filmes.
As etapas metodológicas com suas respectivas categorias de análise dos
filmes estão presentes no Quadro 1.
55
I) ICONOLÓGICAS (PANOFSKY)
Época Material Forma Cor Ritmo Movimento Símbolo
FILME DATA TEMA
1. O sorgo vermelho 1987 Posição da mulher chinesa numa sociedade patriarcal, crueldade dos japoneses nas comunidades rurais invadidas.
2. Lanternas vermelhas 1991 Poder do homem sobre a mulher, disputa nas relações femininas, cumprimento das tradições familiares na cultura chinesa.
3. A história de Qiu jú 1992 Luta pela justiça em face do direito.
4. Tempo de viver 1994 Fases de transição política na China. Invasão Japonesa à Revolução Cultural.
5. Nenhum a menos 1999 Sistema Educacional negligenciado pelo governo nas áreas rurais, a evasão escolar, o trabalho infantil, o poder da televisão.
6. Happy times 2001 Padrões educacionais de comportamento da mulher chinesa na atualidade, sentido do coletivo no grupo de trabalho.
7. Herói 2002 Unificação da linguagem, oral e escrita, luta pela causa patriótica de União da China, criação do exército do Imperador Qin.
8. O clã das adagas voadoras 2004 Corrupção nas relações de poder na época da Dinastia Tang.
9. Um longo caminho 2005 Resgate das relações familiares (pai-filho), sistema de reeducação (penitenciária), choque cultural (Japão-China).
10. A maldição da flor dourada 2006 Confrontos familiares pelo poder na família Imperial da
Dinastia Tang.
II) SEMIÓTICA (PEIRCE)
EDUCAÇÃO GÊNERO FEMININO ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE
RELAÇÕES DE PODER
II) REAÇÃO ESTÉTICA (VYGOSTKY)
Quadro 1: Síntese das categorias de análise dos filmes
56
Os símbolos encontrados nos filmes de Yimou encontram-se no Quadro 2. CATEGORIAS
FILMES EDUCAÇÃO GÊNERO FEMININO
ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE
RELAÇÃO DE PODER
1. O sorgo vermelho
Campos de plantação de sorgo (comunidade rural) Rituais de celebração (casamento, fabricação do vinho)
Noiva prometida pela imposição patriarcal
Heroísmo dos trabalhadores rurais contra os invasores japoneses
Pai versus filha Marido versus esposa Soldados japoneses versus comunidades rurais chinesas
2. Lanternas vermelhas
Tradições familiares para o casamento com diversas esposas (rituais de almoço das esposas, massagens dos pés, lanternas vermelhas acesas)
Esposas subservientes
Punição com a morte em caso de transgressão das regras familiares
Homem chinês versus esposas Disputa entre as esposas
3. A história de Qiu jú
Relevância do modelo jurídico de justiça
Luta da mulher pela justiça
Hierarquia nas diferentes instâncias da lei versus cidadão
4. Tempo de viver
Uniforme cáqui com braçadeira vermelha, livro vermelho, bandeira (modelo político da Revolução Cultural) Show de sombras (cultura artística)
Mulher maoísta (participação política e militar)
Baionetas dos soldados japoneses Passeatas nas ruas
Livro de regras convencionadas Livro vermelho de Mao Estudantes da Guarda Vermelha Japonês versus chinês
5. Nenhum a menos
Sala de aula, giz, carteira, quadro, professor e aluno Sino, hino e bandeira (signos nacionais de ordem)
Professora de comunidade rural
Luta para não perder aluno
Prefeito (autoridade local) Hierarquia professor – aluno Meios de comunicação (TV)
6. Happy times
Padrões educacionais de comportamento do homem chinês (confuciano) e da mulher chinesa (novo status) Grupos (espírito comunitário)
Status econômico --------
Poder baseado em valores econômicos (mulher)
7. Herói
Escola de caligrafia (pincel, tinta, mestre) Academia de artes marciais e exército
Guerreira Ave fênix
Ritual de enterro do herói Guerreiros, imperador
Palácio (dragão) Exército Imperador
8. O clã das adagas voadoras
Academia de artes marciais Artes: dança do Eco (canto, dança, música)
Guerreira, bailarina
Grupo revolucionário
Vingança versus paixão Soldados do governo versus guerreiros do clã
9. Um longo caminho
Aprendizado e expressão do amor paterno Almoço coletivo Reeducação na penitenciária
Nora (mediadora na relação pai/filho)
Pai japonês protagoniza a dor da perda da paternidade
Pai versus filho Regras da cultura chinesa Líder comunitário
10. A maldição da flor dourada
Regras do imperador para a família imperial e para o exército
Imperatriz protagoniza o sacrifício (quebra das regras)
Confrontos familiares pelo poder
Estandarte (imperador) Flor dourada (imperatriz) Aparato dos soldados Palácio Imperador versus família imperial versus nação
Quadro 2: Síntese dos símbolos encontrados nos filmes
57
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS FILMES
O presente capítulo expõe a análise dos filmes a partir das diferentes
categorias preestabelecidas.
4.1 ANÁLISE DO FILME NENHUM A MENOS (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Nenhum a menos,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 1999;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 3):
época: período Mao Tsé-Tung (1949-1976),
material: terra, madeira, papel, tinta, bastonete de sulfato de cálcio,
ferro, tecido,
forma: carteira, caderno, quadro-negro, giz, tijolo, sino, bandeira,
cor: tons de amarelo (na vila), colorido (na cidade),
ritmo: lento (vila rural), apressado (cidade grande),
movimento: substituição de professor, evasão escolar, trabalho infantil,
resgate do aluno, processo de conscientização do professor,
símbolos: prefeito (representante da autoridade local), giz (material
escolar precioso), carteira (de dia para aula, à noite como cama), tijolo
(trabalho infantil e aprendizado matemático na prática), sino – hino ao
presidente Mao –, hasteamento da bandeira (signos nacionais de
ordem), TV (comunicação de massa), professora (heroína da
educação), e alunos (coletivo).
58
c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado
simbólico (conforme Quadro 4):
época: 1949-1976,
tema: sistema educacional negligenciado pelo governo nas áreas rurais
(professores, alunos, material escolar e instalações) a evasão escolar,
o trabalho infantil, o poder da televisão,
significado: crise na educação.
4.1.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética Em Nenhum a menos, Yimou retrata uma comunidade rural, ainda na época
do governo de Mao Tsé-Tung e os problemas com a substituição de um professor.
Inspirado em uma história real, com elenco de amadores, inclui momentos de humor
cativante. Com enredo e fotografias marcadas pela precisão e concisão de
documentário, o filme brilha por seu lirismo, sua poesia e a característica de mimesis
como no teatro grego: a verossimilhança.
Na primeira cena, vê-se um homem, de costas, caminhando em uma estrada
de terra. À sua frente, uma paisagem composta por montanhas em diferentes tons
de verde. Pequenas construções que parecem ser de argila compõem a cena. À
medida que ele caminha, uma jovem surge no canto esquerdo da tela. Ela anda
depressa e até corre para conseguir acompanhá-lo. A câmera, nessa primeira
sequência de cenas, fica praticamente imóvel. Ninguém fala, não há música de
fundo, o silêncio só é quebrado pelo som ambiente, pelos passos, pelo ruído de
alguns insetos, pelo canto dos pássaros. Esses recursos de polifonia e policromia
citados acabam por imprimir a este trecho do filme uma certa lentidão, que parece
ser a mesma velocidade com que o tempo escoa naquele lugar: uma pequena vila
rural no interior da China. Assim, todos os elementos do filme parecem ser utilizados
para atribuir um certo grau de realismo à história. Uma “edição da realidade” como
forma de construção da linguagem cinematográfica. Nessa sequência de cenas,
tem-se a sensação de que cada take pode ser comparado a uma pintura, sobretudo
pelo aspecto “amarelado”. É uma vila extremamente pobre, localizada em um lugar
árido, quase deserto.
Em cena, sai o professor Gao, que trabalha ensinando crianças de várias
59
faixas etárias, em condições precárias, onde a educação é negligenciada pelo
governo. A escola é simples, pobre e extremamente carente em termos de recursos
educacionais. Professores, alunos, material escolar como o giz, ferramenta básica
de trabalho dos educadores, é cuidadosamente economizado. A professora só pode
usar um giz por dia. A mesa do professor está quebrada, e os alunos sentam-se em
bancos de madeira, sem conforto.
Entra em cena Wei, uma jovem de treze anos, para substituir o mestre que
precisa se ausentar para cuidar da mãe doente. A jovem adolescente se mostra
despreparada, inexperiente e até desmotivada para um trabalho sério. Vários de
seus alunos dormem na escola, improvisando camas com as carteiras que usam
durante o dia.
O que a atraiu foi o dinheiro prometido. O professor Gao viu a turma diminuir
de quarenta alunos, no início do ano letivo, para vinte e oito. Antes de viajar,
promete a Wei mais dez yuans de pagamento se ela conseguir que nenhum aluno
abandone a escola.
Este conflito de ambiente público e privado, escola e casa, respectivamente,
se traduz no cuidado e na valorização que os alunos dão às coisas mais simples,
como o giz usado pela professora Wei. Em uma briga com seu aluno rebelde Zhang,
a professora esmaga todo o giz que o professor Gao lhe deixara. O fato é lamentado
com pesar no diário de uma das alunas, que dormia na escola. Só aí Wei passa a
realmente dar importância àquele insignificante instrumento, mas único, da escola.
Até então, a escola era cuidada apenas por quem via nela sua própria casa.
Como recém-chegada, foi necessário que Wei aprendesse aos poucos o que cada
coisa significava ali.
A sequência em que Wei inicia suas atividades como professora mostra, no
primeiro dia de aula, uma jovem perdida, sem saber como lidar com as crianças. As
crianças sem os limites demarcados com rigor e afeto, pelo velho mestre, começam
a imprimir um novo ritmo à narrativa. Falam mais, fazem bagunça, conversam,
brigam. O prefeito chega ao local e vê a professora sentada na porta da sala de aula
e as crianças dispersas, correndo e brincando. Ele grita com Wei e a repreende pela
desordem. Os símbolos nacionais estão presentes nesta cena: o sino, o hastear da
bandeira e o hino ao presidente Mao, como forma de agrupar e pôr em ordem as
crianças.
Nessa cena, em que Wei é repreendida pelo prefeito, percebe-se a utilização
60
de um plano de conjunto para mostrar a relevância de cada personagem diante da
hierarquia vigente. Assim, a figura do prefeito está em destaque, na parte superior
do enquadramento. Sua cabeça está posicionada acima da professora e das
crianças, evidenciando uma situação de autoridade e poder. O prefeito como
representante da comunidade zela para que a professora desempenhe sua função
corretamente, caso contrário sua prefeitura perde recursos.
Dessa forma, praticamente obriga a jovem professora a entrar na sala de
aula, depois faz as devidas apresentações e solicita que os alunos a cumprimentem.
Um aluno não reconhece a garota como professora, entretanto.
A cena sequencial apresenta um embate entre o prefeito e o garoto, que se
recusa a chamar a jovem de professora. Diante da teimosia do menino, o prefeito,
irritado pela desobediência, acaba abusando da sua autoridade. Ele “xinga” o garoto
e ameaça usar a força física para fazê-lo obedecer.
A situação de conflito problematiza as relações interpessoais no ambiente
escolar. A imposição, a violência psicológica, a falta de habilidade da jovem
professora, o abuso da autoridade e a humilhação, o medo de o professor perder um
aluno, do prefeito em perder recursos, são componentes de uma complexa relação
mediada pelo poder na qual as identidades são negociadas, partilhadas e
contestadas.
A evasão escolar é mostrada quando a menina atleta tem a chance de
escapar da pobreza e, por mérito próprio, fazer parte das vitórias da nação chinesa.
É uma chance rara, que lhe possibilitará o acesso a outros lugares e a uma nova e
melhor educação, enquanto os outros alunos ficam na escola paupérrima e, dessa
forma, são “excluídos” de qualquer possibilidade de educação e salvação.
Ao longo da narrativa, a pobreza continua fazendo vítimas. O trabalho infantil
surge quando se ausenta outro aluno, desta vez o menino Zhang, que parte para a
cidade à procura de um emprego que possa sustentá-lo e à sua família. Este é o
momento de virada da escolinha, que deixa de ser um depósito de pobreza e de
sofrimento para tornar-se o cenário de transformação, promovida pela união de
professora e alunos.
Impulsionada pelo dever de ir atrás do aluno perdido, Wei e os alunos se
juntam ao redor de contas que ela mesma não sabe como resolver e que devem
levá-la até a cidade para buscar Zhang. Depois do aprendizado da matemática
prática, vem o heroico esforço da professora e das crianças, de carregar tijolos para
61
levantar o dinheiro necessário. Professora e crianças se sacrificam para salvar uma
criança, em torno de um problema único, com a única arma disponível a uma classe
de crianças semianalfabetas, sem muitas alternativas menos sofridas, a de carregar
tijolos.
A postura de Wei e de seus alunos mostra um progresso em todos os níveis
na “educação” oferecida pela escola. A união das crianças e sua preocupação com o
colega tornou a todos responsáveis por ele e, indiretamente, pela evasão escolar.
A matemática ensinada por Wei pode ser apenas prática, visando a um fim
imediato e limitado ao problema representado pela ausência do aluno Zhang, mas
ela foi mais competente por ensinar solidariedade e união do que as músicas que
falavam de um país justo e igualitário como recurso de edição. Ou seja, “dá vida” à
história. Os planos e cortes revelam polifonia. É justamente quando Wei vai para a
cidade à procura de Zhang que se vê a edição compor uma intersecção entre as
duas realidades: o campo e a cidade se fundem na figura da jovem professora, que
tenta se adequar às exigências do novo contexto. A rodoviária é o lugar de
confluência entre essas duas realidades. É lá que Zhang se perde e é lá que a
busca da professora Wei realmente tem início.
A sequência em que Wei procura o serviço de alto-falante para tentar localizar
Zhang evidencia o descompasso entre a sua cultura e os valores nas relações
interpessoais dos grandes centros. Impaciente com a longa explanação de Wei
sobre o desaparecimento do menino, a funcionária entrega-lhe papel e lápis para
que a mensagem a ser lida seja redigida. Mas o texto escrito pela jovem professora
é longo, expressa as razões da vinda do menino para a cidade, fala do cotidiano
difícil da vida na vila, da pobreza, da doença da mãe de Zhang. A funcionária,
armada de uma caneta e da “couraça”, exige objetividade. “Nada disso interessa”,
diz ela cortando a parte do texto que conta a história do menino. A funcionária
esclarece que a mensagem a ser lida precisa dizer: “como o menino é, como estava
vestido, quando exatamente desapareceu, onde estarão esperando por ele”. Esses
são os elementos essenciais a um aviso de desaparecimento, texto que jamais seria
utilizado na vila, onde todos se conhecem pelo nome.
Como a chamada oral não surte efeito, Wei decide, inspirada em um quadro
de avisos, espalhar cartazes, que redige com “paciência oriental”. Gasta seus
últimos recursos em papel, pena e nanquim, virando a madrugada.
Um viajante que compartilhava com a menina o pernoite na rodoviária lê e
62
comenta: “não vai adiantar”. “As pessoas não leem, têm preguiça até de pegar o
telefone”, diz, afastando-se e deixando antever que uma impaciência ocidental,
mesclada a um crescente individualismo, parece ser a marca de todas as grandes
cidades no mundo.
A persistente professora vai atrás dele e exige uma interferência que
ultrapasse a crítica e aponte alternativas naquele universo desconhecido por ela. “É
só aparecer na TV, a cidade toda vai saber”, sugere o viajante. Wei desiste de afixar
os cartazes e procura a TV.
A persistência aliada ao acaso, ao poder da televisão, possibilitam que Wei
tenha seus “quinze minutos de fama”. Uma jovem professora que busca um aluno
evadido da zona rural e perdido num grande centro. Uma personagem perfeita para
uma matéria sobre educação no campo, a ser veiculada no telejornal “China Hoje”,
percebe, com seu faro jornalístico, o diretor da emissora.
Na cena da entrevista, a edição do filme se confunde com a edição do
telejornal. Foco na apresentadora que pergunta, foco na menina com a voz
entrecortada e, volta para a apresentadora que continua com a entrevista. Wei
continua em silêncio, “close” em Wei que, contendo o choro, suplica a Zhang que
volte.
Somente uma menina poderia ousar trilhar um caminho, um objetivo,
mostrando uma das características mais marcantes, talvez um pressuposto da
profissão de professora: a perseverança. Ao ser instigada por uma aluna, quando
iniciou a exercer seu cargo de professora, a acabar com a bagunça, ela ouve que
tem de fazer algo “por ser professora”. Começa aí seu processo de
amadurecimento, crescimento, a sua conscientização, transferindo da esfera privada
para o âmbito púbico, pelo fato de que a verdadeira transformação humana inicia-se
dentro de si mesmo, como no caso da professora Wei.
Neste filme, há um retrato do sistema educacional chinês, ilustrado pela saga
heroica da professora de uma comunidade rural em busca de resgatar o aluno que
abandonou os estudos para trabalhar na cidade. O seu problema torna-se uma
vitória pequena, mas indiscutivelmente de toda uma vila. Zhang volta e é um a
menos na estatística da evasão escolar. O filme reforça a crise na educação como
fator de todos. O mundo capitalista subdesenvolvido e desenvolvido, assim como o
mundo socialista, representado pela China, sofrem suas consequências. Mesmo em
um sistema supostamente igualitário, existem crianças atletas ou gênios que
63
escapam à pobreza. As verdadeiras soluções, no entanto, aparecem com o
comprometimento de toda a sociedade com os problemas.
Nesse processo de “edição”, tendo como foco a linguagem cinematográfica
como categoria, a educação, busca-se construir um sentido entre os recursos
utilizados pelo cineasta e o enredo da história.
O cinema se apresenta como uma reflexão sobre o ser humano e sua
universalidade, embora, neste filme, tantas diferenças se destaquem de modo tão
forte. As semelhanças também podem ser surpreendentes. A apresentadora do
telejornal, não fosse pelos olhos amendoados e o idioma falado, bem poderia estar
apresentando uma edição na TV brasileira, pelo gestual, corte de cabelo, roupa e,
sobretudo, o modo de conduzir a entrevista.
A educação, com diferenças e semelhanças, com possibilidade de perceber
identidades, entre realidades tão distintas e a TV, quase elimina as diferenças,
produzindo semelhanças.
O filme problematiza a condição da mulher e da criança, uma vez que a China
é tradicionalmente um país com arraigados valores patriarcais. Uma sociedade em
que o homem é reconhecido como a figura de poder e autoridade. Nesse sentido, os
paradoxos são intencionalmente utilizados no filme para abordar a questão da
identidade e da diferença, ou seja, para substituir um experiente e conceituado
professor de cabelos brancos, aparece uma menina inexperiente, tímida e sem
credibilidade diante de uma sala de aula repleta de crianças. A inversão de papéis
coloca em xeque as representações ao contestar as identidades estabelecidas e
reconhecidas.
A escola da vila rural de Shuiquan representa um território contestado,
constituído por mecanismos de produção e reprodução de desigualdades. Naquele
lugar, distante e pobre, percebe-se que a condição da criança imersa em uma
situação de desigualdade social e economia é enfatizada. Por outro lado, a grande
cidade é denunciada como local de exploração do trabalho infantil e injustiça social.
O filme apresenta o momento atual da cultura chinesa e problematiza a
condição social da criança e da mulher, quando mostra que as minorias estão
buscando espaço de expressão na arena política e social. Os papéis sociais estão
mudando e entrando em choque com os valores patriarcais. Assim, a China do
passado, representada pelo prefeito, não sabe lidar com a China do futuro,
representada pelas crianças. E a China do presente, representada pela professora,
64
está totalmente perdida, não sabe conciliar dois mundos tão distantes. A
representação é, então, utilizada no filme como uma forma de conhecimento e de
divulgação das minorias. Ela é, nessa perspectiva, central na formação e produção
da identidade social e cultural.
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Época período Mao Tsé-Tung (1949-1976)
Material terra, madeira, papel, tinta, bastonete de sulfato de cálcio, ferro, tecido
Forma carteira, caderno, quadro-negro, giz, tijolo, sino, bandeira
Cor tons de amarelo (na vila), colorido (na cidade)
Ritmo lento (vila rural), apressado (cidade grande)
Movimento substituição de professor, evasão escolar, trabalho infantil, resgate do aluno, processo de conscientização do professor
Símbolo
prefeito (representante da autoridade local); Giz (material escolar precioso); Carteira (de dia para aula, à noite como cama); Tijolo (trabalho infantil e aprendizado matemático na prática); Sino, hino ao presidente Mao, hasteamento da bandeira (signos nacionais de ordem); TV (comunicação de massa); Professora (heroína da educação); Alunos (coletivo)
Quadro 3: Análise iconológica do filme Nenhum a menos (1999) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Educação
Figura 1: Sala de aula da vila rural
66
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
1949 – 1976
Escola primária de Shuiguan (comunidade
rural na época do governo de Mao Tsé-
Tung)
Prefeito (representante da autoridade local)
Giz, quadro, carteira (material escolar e instalações: educação negligenciada)
Tijolo (trabalho infantil e aprendizado matemático na prática)
Sino, hino ao presidente Mao, hasteamento à bandeira (signos nacionais de ordem)
Alunos (coletivo)
Professora (heroína da educação)
Cidade grande (impessoalidade)
TV (poder da comunicação de massa)
Na época do governo de Mao, em uma comunidade rural chinesa negligenciada pelo governo, a
professora luta por seus alunos, principalmente um evadido. Utiliza
várias estratégias para resgatá-lo: o trabalho coletivo dos alunos para
conseguir dinheiro e o poder da TV para localizá-lo.
Quadro 4: Análise semiótica do filme Nenhum a menos Categoria: Educação
Figura 2: Tijolo, trabalho infantil
Figura 3: Signos nacionais de ordem: bandeira e hino
Figura 4: TV como comuni-cação de massa
67
4.2 ANÁLISE DO FILME UM LONGO CAMINHO (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Um longo caminho,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2005;
b) Categorias para análise iconológica (conforme Quadro 5):
época: tempo atual,
material: tecidos coloridos, fita de filme, pinturas faciais, alimentos
diversos,
forma: trajes e personagens característicos na ópera chinesa,
máscaras faciais, máquina filmadora, banquete comunitário,
cor: vermelho, amarelo, preto, branco, tons de azul,
ritmo: lento (aldeia de pescadores), apressado (na luta contra a morte),
movimento: viagem pelo sul da China, gravação da performance na
ópera Um longo caminho, interação cultural, aprendizado e expressão
do amor paterno,
símbolo: a natureza: o mar (para o pai), as montanhas (para o filho);
solidão de um mundo sem afeto; Fita de vídeo (resgate do afeto na
relação pai e filho); Almoço comunitário (interpenetração cultural);
Herói do afeto (pai japonês);
c) Identificação da imagem iconológica para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 6):
época: tempo atual,
tema: resgate das relações familiares (pai e filho), sistema de
reeducação (penitenciária), confronto cultural (Japão – China),
significado: resgate da paternidade.
68
4.2.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
Longo é o caminho, cheio de percalços, que percorre o Sr. Takata até os
confins da China para filmar Li Jiamin, contando a ópera popular Um longo caminho.
Riding Alone for Thousands of Miles é uma popular história chinesa que narra a
épica aventura do general Guan Yu, que percorre um longo caminho para se reunir
com o amigo a quem tratava como irmão, o senhor da guerra Liu Bei. O título tenta
traçar um certo paralelo entre a lenda e a tentativa de Takata em completar os
desígnios do seu filho.
Um dos aspectos mais fascinantes do filme passa pelo confronto cultural. O
pescador japonês Takata vive em uma ilha isolada, numa casa simples, desprovida
de meios de comunicação e se encontra de relações cortadas com o filho desde a
morte da mãe. A morte, neste filme, é representada pela ausência da indústria
audiovisual na vida dos personagens. O velho japonês, que depois de perder a
mulher se recolhe a uma aldeia de pescadores, não tem sequer televisão. Sua tela é
a natureza, que atrai sua atenção durante horas. É a extrema solidão de um mundo
sem afeto. Certo dia, Rie, a esposa do filho, contata Takata, informando-o que o filho
está com câncer no fígado, o que o levará inevitavelmente à morte. Rie empresta um
vídeo a Takata, que contém um documentário inacabado que o filho realizou sobre a
ópera chinesa. Após ver o documentário, Takata decide viajar pelo sul da China e
gravar a atuação de Li, tendo em vista cumprir a vontade de seu filho.
Takata é um japonês, que se encontra imerso numa China rural, onde não
entendendo a língua dos habitantes e possuindo um tradutor que não ajuda muito
neste aspecto. Provém de um país democrático, que se confronta com os aspectos
particulares de uma república “musculada” pela democracia e o controle. Apesar das
naturais dificuldades, a interpenetração cultural funciona bem, e a amizade e o
respeito nascem entre os representantes de ambos os povos, unidos por problemas
que superiorizam qualquer língua ou postura social.
O trabalho pedagógico de Yimou, neste filme, está voltado para a relação
pai/filho e as reservas emocionais que podem advir deles. Assim sendo, toda a
jornada de Takata justifica-se pelo aprendizado do amor paterno e da importância da
expressão desse amor. A morte de seu filho é então sublimada por essa lógica e
não se faz sentir dramaticamente. Mais importante do que a relação efetivada é a
solução moral do conflito e a celebração dos sentimentos. Os dados do mundo saem
69
do âmbito da experiência para erigir lições que promovem a educação dos
personagens e dos espectadores.
É nesse sentido que Takata pode encontrar o amor pelo filho, de forma
atravessada, no afeto do menino gerado pelo cantor Li e criado por toda a sua
aldeia, garantindo não apenas a sua redenção como pai frustrado, como a redenção
do cantor. Se, onde a distância era a maior possível, devido a seus padrões culturais
japoneses, a afetividade pôde irromper e unir um homem e uma criança, no campo
de uma relação familiar dada, não há o que justifique a não expressão de um
sentimento, independente da cultura.
A simbologia ganha largamente sobre a concretude dos fatos em toda a
extensão do roteiro que sustenta o filme. O próprio registro da performance de Li
revela-se desnecessário, o contato real de Takata com seu filho também. Vencer
todas as provas que se interpõem no seu caminho em direção a essa “conquista”,
para Takata, é a superação de uma relação fria e complicada e a abertura para um
amor sem contenções.
Essa “descoberta” e esse amor estão também transfigurados ao longo do
caminho percorrido pelo personagem, na relação estabelecida entre ele e a cultura
chinesa, com a qual trava contato. Se, para seu filho, o refúgio nos confins desse
imenso país correspondia a um reflexo de sua solidão – “ele ficava por muito tempo
olhando as montanhas”, diz a tradutora –, para Takata, pisar o mesmo caminho é
encontrar seu filho e descobrir um pouco sobre ele. Ao desbravar um mundo
desconhecido que lhe revela um sentido de interação humana, como na cena de
receptividade, junto à aldeia que o acolhe para o almoço comunitário, esse
sentimento de contraste da afetividade surge nos contrastes dos tons
monocromáticos e frios do Japão para o colorido das manifestações culturais
chinesas; da frieza de uma relação distante para o calor de uma ampla receptividade
e uma terna sensibilidade para com a sua causa.
Takata é uma espécie de herói do afeto, de baluarte do amor paterno
entravado pelas complicações da vida, um estrangeiro em missão nobre, para o qual
todos abrem caminho e cuja tarefa é saudada e endossada sem restrições, além de
alguns empecilhos legais, rapidamente superados.
As lágrimas vertidas pelos personagens são doces e estéreis, porque
carregam consigo a certeza de uma conciliação final. A ideia de redenção está
presente quando no meio dos altos e baixos de Takata, surge o relacionamento com
70
o pequeno Yang Yang, o filho do cantor Li, que o pai nunca conhecera.
Pode-se sentir perfeitamente o silencioso sofrimento de um pai que só se
apercebe realmente do quanto o filho significa para ele quando se descobre que vai
perdê-lo para sempre. Esse sofrimento é uma espécie de choro diferente, um choro
invisível, do coração. É mais apelativo e tocante.
Takata contribui para uma aproximação de Yang Yang com seu pai. No fundo,
funciona como um elo, não completamente desinteressado, que tenta evitar um
afastamento semelhante ao que assombra a sua vida. A apresentação das
fotografias de Yang Yang ao pai é um momento de muita comoção. Vários “presos”,
que estão na penitenciária, para serem reeducados, choram. Li pode não ter
conseguido ver seu menino, mas assim que cumprir pena irá certamente encontrá-lo
e ele o acolherá, da mesma forma que Takata não foi capaz de falar uma última vez
com seu filho doente, mas obteve, à distância, o reconhecimento do seu afeto. Toda
a jornada do Sr. Takata não é apenas uma aventura pessoal, mas uma espinha
dorsal que organiza e centra a narrativa em torno dos princípios morais que o filme
se propõe a resgatar.
71
Época tempo atual
Material tecidos coloridos, fita de filme, pinturas faciais, alimentos diversos
Forma trajes e personagens característicos na ópera chinesa, máscaras faciais, máquina filmadora,
banquete comunitário
Cor vermelho, amarelo, preto, branco, tons de azul
Ritmo lento (aldeia de pescadores), apressado (na luta contra a morte)
Movimento viagem pela sul da China, gravação da performance na ópera Um longo caminho, interação
cultural, aprendizado e expressão do amor paterno
Símbolo
a natureza: o mar (para o pai), as montanhas (para o filho); solidão de um mundo sem afeto; fita
de vídeo (resgate do afeto na relação pai e filho); almoço comunitário (interpenetração cultural);
herói do afeto (pai japonês)
Quadro 5: Análise iconológica do filme Um longo caminho (2005) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Educação
Figura 5: Ópera chinesa
Figura 6: As montanhas como solidão
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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
Tempo atual
Viagem de um pescador japonês à aldeia
próxima da cidade de Lijiang (China)
Pai japonês (herói do afeto)
Ópera chinesa (máscaras, trajes, pinturas faciais)
Almoço comunitário (interpenetração cultural)
Mar e montanhas (solidão)
Marcha dos presos na penitenciária (reeducação)
Regras culturais chinesas (no povoado e na penitenciária)
Pescador japonês da atualidade necessita entrar em contato com
vários ambientes, onde convive com diferentes segmentos da cultura comunitária chinesa. Vivencia a hospitalidade das comunidades
simples, o estilo artístico da ópera chinesa, o sistema penitenciário de reeducação. Sente, na viagem, a
solidão de um pai que procura resgatar o vínculo afetivo com o filho que está prestes a morrer de câncer.
Quadro 6: Análise semiótica do filme Um longo caminho Categoria: Educação
Figura 7: Almoço comunitário
Figura 8: Pai japonês
73
4.3 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Herói,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2002;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 7):
época: de 221 a 207 a.C. (dinastia Qin),
material: tinta, madeira, areia, papel,
forma: pincel, caixa de areia,
cor: vermelho, preto, branco,
ritmo: intenso (na escola de caligrafia), reflexivo (na areia do deserto),
movimento: deslizar do pincel no papel ou na areia,
símbolo: caracteres chineses (caligrafia);
c) Identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 8):
época: de 221 a 207 a.C.,
tema: unificação da linguagem oral e escrita,
significado: a prática da caligrafia como forma de refinar as habilidades,
aumentar a força e o grau de reflexão.
4.3.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
No filme Herói, Yimou apresenta o primeiro imperador da China, Qin, que tem
o desejo de unificação territorial e cultural, o que é mostrado com a necessidade
de erradicar variações na escrita. É bom que um povo tenha regras de linguagem
oral e escrita unificadas para evitar extermínio de uma cultura.
Nas cenas, em que o vermelho vivo predomina, os personagens estão
74
envoltos em paixões, ciúmes, lutas. O vermelho é usado também como tinta por
estudantes guerreiros na escola de caligrafia, indicando a intensidade com a qual se
dedicam à tarefa de escrever. A vitalidade e o ritmo das pinceladas determinam a
representação. A caligrafia chinesa, a mais antiga das artes, nas cenas da escola de
guerreiros aprendizes, através do pincel, do papel e da tinta vermelha, passa a
sensação numa forma de beleza da imagem em pintura, de beleza do dinamismo na
dança, de beleza do ritmo na música.
Na cena de iniciação à escola de caligrafia, pelos soldados do exército de
Qin, o guerreiro Céu “quebra” a flecha enquanto escreve “Nossa Terra”.
O contraste entre a escrita e as artes marciais está presente também na cena
de combate na biblioteca, em que as espadas repousam enquanto os guerreiros
aprendizes desenham os caracteres.
Caligrafia e artes marciais têm a mesma origem e princípios. Praticar a
caligrafia é refinar a habilidade e aumentar a força. A essência da caligrafia é
assimilada pela alma. O mesmo acontece com as artes marciais.
Na cena final do diálogo entre o imperador Qin e o protagonista, o
ensinamento deixado pelo guerreiro Espada Quebrada e revelado pelo rei é que “o
verdadeiro ideal de um guerreiro é depor a sua espada e, sobretudo, se sacrificar
em prol de um bem maior a todos”.
75
Época De 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin)
Material tinta, madeira, areia, papel
Forma pincel, caixa de areia
Cor vermelho, preto, branco
Ritmo intenso (na escola de caligrafia), reflexivo (na areia do deserto)
Movimento deslizar do pincel no papel ou na areia
Símbolo caracteres chineses (caligrafia)
Quadro 7: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Educação
Figura 9: Escrita chinesa no papel
Figura 10: Escrita chinesa na caixa de areia
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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
De 221 a.C. a 207 a.C.
Dinastia Qin
Escola de caligrafia (mestre, guerreiros, pincel, papel, tinta, caixa de areia, caracteres chineses)
Artes marciais (ordem, disciplina, habilidade, força)
Escrita chinesa (unificação da linguagem escrita e registro simbólico)
Na dinastia Qin, o sistema educacional, através das escolas de caligrafia e artes marciais, ensina,
além dos caracteres chineses, disciplina, ordem, habilidade e que, acima das armas, as mentes devem ser capazes de resolver conflitos e
gerar paz.
Quadro 8: Análise semiótica do Filme: Herói Categoria: Educação
Figura 11: Escola de caligrafia
Figura 12: Escola de caligrafia - mestre
77
4.4 ANÁLISE DO FILME LANTERNAS VERMELHAS (CATEGORIA: GÊNERO
FEMININO)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Lanternas vermelhas,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 1991;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 9):
época: 1920,
material: papel, seda, vidro, fogo,
forma: lanternas vermelhas,
cor: tons de vermelho,
ritmo: batidas nos pés para massagem, música par anunciar a
colocação das lanternas vermelhas,
movimento: ritual de acendimento e colocação das lanternas
vermelhas,
símbolo: lanternas vermelhas como representação de status para a
esposa escolhida pelo seu senhor;
c) Identificação da imagem iconológica para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 10):
época: 1920,
tema: poder do homem sobre a mulher, disputa nas relações
femininas, cumprimento das tradições familiares na cultura chinesa,
significado: dentre os padrões culturais de comportamento, um dos
mais importantes é o das lanternas vermelhas. A esposa escolhida
pelo senhor da casa para passar a noite, tem as lanternas de sua casa
acesas e recebe um tratamento privilegiado do seu senhor e toda a
criadagem.
78
4.4.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
Em As lanternas vermelhas, Yimou constrói um filme pautado na eterna
disputa feminina. O enredo se desenvolve no início do século passado, onde um rico
comerciante mantém muitas das tradições de sua família, como manter casamento
com quatro esposas ao mesmo tempo.
A primeira esposa é a mais velha e submissa, a segunda esposa lhe deu um
filho e é manipuladora, a terceira esposa é artista e a quarta esposa é universitária.
Esta última é uma jovem, vendida por seu pai, como forma de melhorar a condição
de vida de sua família. Sob o manto da condição subserviente da mulher na tradição
cultural da China dos anos vinte, ela assume o lugar da quarta concubina e logo se
vê atropelada pelas disputas de poder das outras esposas.
As tradições chinesas são mantidas e exigidas em muitas cenas. Evidenciam-
se rituais que devem ser cumpridos. Na cena de chegada da quarta concubina, um
“mestre” lhe apresenta aos rituais com os padrões determinados de comportamento
da cultura chinesa: massagem dos pés, apresentação às outras três concubinas,
apresentação à criada particular, lugar para almoçarem e orarem diariamente juntas,
e o local onde cada esposa tem sua casa, de frente para a outra, numa espécie de
vila particular. Todos os dias o marido escolhe com qual delas vai passar a noite e o
sinal é a colocação de inúmeras lanternas vermelhas na porta da casa escolhida.
Cada uma delas espera ansiosamente na porta de sua casa.
O ritmo de espera vai sendo quebrado pela terrível guerra estabelecida entre
as esposas. Cada uma das mulheres tem personalidades e idades bem diferentes e
cada uma usa de suas estratégias para ter a preferência do marido. Não há limites,
não há pudores, não há escrúpulos.
Yimou abdica da figura masculina no filme. O poderoso “marido” não é
capturado em cena de forma a poder distinguir sua fisionomia. Como recurso técnico
cinematográfico, a câmera se afasta, sendo impossível a visualização da figura do
marido. O foco é a disputa interna entre as concubinas. O poder do homem sob a
mulher está entranhado em todas as ações das quatro esposas. A inveja, o ciúme, a
traição e o desejo de ser melhor que as outras aparecem quando uma finge estar
doente, outra inventa uma gravidez, e outra, a magia negra. Tudo é válido, desde
que seja a escolhida, desde que a lanterna vermelha esteja na porta da sua casa.
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Uma vez escolhida, tem atenção, amor, prazer, status. Dessa forma, o poder
do marido é exercido quanto à escolha, como forma de gratificar as esposas. No
entanto, quando as tradições rituais não são cumpridas, há punições.
Na cena da “casinha de punição”, é madrugada, na neve e a terceira esposa
é carregada por serviçais e trancafiada na torre. Há gritos, lamentos, gemidos e
silêncio. A morte da terceira esposa é anunciada. Ela foi punida com a vida porque
traiu o seu marido. O rico comerciante, o marido, o homem dos anos vinte é “dono”
da vida e da morte de suas esposas.
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Época 1920
Material papel, seda, vidro, fogo
Forma lanternas vermelhas
Cor tons de vermelho
Ritmo batidas nos pés para massagem, música para anunciar a colocação das lanternas vermelhas
Movimento ritual de acendimento e colocação das lanternas vermelhas
Símbolo lanternas vermelhas como representação de status para a esposa escolhida pelo seu senhor
Quadro 9: Análise iconológica do filme Lanternas vermelhas (1991) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Feminino
Figura 13: Ritual de acendimento e colocação das lanternas vermelhas
Figura 14: Lanternas vermelhas
81
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
China dos anos vinte, vila particular, um rico senhor mantém casamento com
diversas esposas, segundo tradições de sua família.
Ritual de preferência do esposo (massagem dos pés, almoço das esposas, casa de punição)
Padrões familiares de comportamento da época
Em 1920, os padrões culturais familiares chineses atribuem ao esposo o poder de escolha das mulheres que compõem sua casa. A preferida para convivência íntima recebe tratamento privilegiado do esposo e de sua criadagem. As esposas que não
cumprem as regras das tradições chinesas são punidas, às vezes, com a
morte.
Quadro 10: Análise semiótica do filme Lanternas vermelhas Categoria: Feminino
Figura 15: Casa de punição das esposas
82
4.5 ANÁLISE DO FILME O SORGO VERMELHO (CATEGORIA: GÊNERO
FEMININO)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: O sorgo vermelho,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 1987;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 11):
época: década de 30,
material: plantação de sorgo, barro, sangue,
forma: destilaria de vinho, tigela, armas,
cor: vermelho, tons de terra e campos verdes,
ritmo: canto alegre dos condutores da jovem prometida, canto em
oração da comunidade de fabricantes de vinho (ao deus do vinho),
rajada de metralhadora (japoneses),
movimento: transporte da jovem prometida, ritual de produção do vinho
artesanal, invasão japonesa, libertação da mulher,
símbolo: o sorgo vermelho, a heroína de uma sociedade patriarcal;
c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado
simbólico (conforme Quadro 12):
época: década de 30,
tema: posição da mulher numa sociedade patriarcal, crueldade dos
japoneses nas comunidades rurais de fabricantes do vinho,
demonstração do espírito comunitário,
significado: luta pela liberdade da mulher chinesa numa comunidade
patriarcal e retrógrada.
83
4.5.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
O sorgo vermelho é um filme que busca uma certa simplicidade. O ambiente é
rural, os moradores da região não são muitos. Há uma noiva de um velho
moribundo, há a destilaria de vinho, há o trabalhador apaixonado e há a turma de
companheiros. E, há, ainda, a violência do mundo de fora imposta por bandidos na
vida cotidiana e a posterior crueldade japonesa, imposta às comunidades rurais.
Ambientado na década de trinta, numa província rural perto de Schandong,
todas as imagens do filme parecem assumir alguns significados. É uma obra arte ao
mesmo tempo sobre a posição da mulher numa sociedade patriarcal e sobre os
abusos sofridos pelos chineses durante a invasão japonesa.
A câmera de Yimou movimenta-se para cima da cabeça de seus
personagens, mostra uma ampla paisagem rural e evoca um espetáculo de imagens
que funciona à perfeição, construindo uma narrativa de grande intensidade visual e
dramática. O vermelho tem presença marcante e, em determinado momento, o
sangue, o vinho e a cor do céu misturam-se para compor a cena. Este filme mostra a
sedução por uma certa magia cinematográfica completamente despudorada. As
cenas parecem se desenvolver com o encanto de uma narrativa ainda leve,
desarmada, que transmite uma sensação de pureza a qual, mesmo enganadora, é
fascinante.
É um filme sobre situações reais, pessoas simples, esquecidas do mundo e
um tanto isoladas em uma vasta paisagem que mistura campos verdes e muita terra
e sangue.
Na primeira cena, o narrador diz ser neto da personagem principal e, quando
começa a contar sua história, o rosto de Jieur, personagem feminina da trama,
assume um espaço na escuridão. Com um sorriso capaz de conquistar qualquer um,
reforça a fonte de construção do roteiro de que todos os conflitos provêm da
convivência e muitos podem ser resolvidos de acordo com os códigos da época.
As mulheres, nesse determinado momento da história, passavam, como
mostra Jieur, a maior parte de suas vidas inseridas no cotidiano masculino da
produção rural, contribuindo também com os serviços braçais e com a confecção de
produtos para venda e subsistência.
Prometida a um homem velho e leproso, o destino de Jieur parece condenado
84
ao enfado, à desgraça e ao meio de vida inimaginável mediante essas imposições.
Vendida como mercadoria, seu rosto parece não se mover enquanto é transportada
por homens, todos cantando alegremente. Ao pararem de cantar é possível ouvir o
choro de Jieur e, de repente todos esses homens se comovem. Nem todos os
homens são brutamontes e briguentos.
Na sequência da cena, Jieur é tocada no pé por seu futuro marido, que
mostra um pequeno sinal de afeto, o primeiro.
Apesar de se sentir presa, primeiramente condenada a viver com um homem
doente e no fim da vida, ela não perde as esperanças. Conduzida virgem ao esposo,
Jieur se recusa a fazer sexo com ele, mas entrega-se apaixonadamente a Zhancio,
um dos seus condutores, nos campos de sorgo, matéria-prima para a produção do
vinho da região na província de Schandong, no norte da China. O tempo passa. O
marido doente morre e Jieur se torna a herdeira de uma destilaria de vinho de sorgo.
Como várias cenas do filme, o caso amoroso tem início nos campos de
plantação de sorgo. A paisagem nasce como um dos símbolos mostrados, assim
como a presença da figura feminina no centro dos problemas, tendo de fazer
escolhas cruciais para sua vida e à dos demais membros do vilarejo.
Na sequência de produção desse vinho artesanal, vê-se a comunidade de
fabricantes apresentarem seus rituais. Assim que os primeiros litros do néctar
sagrado saem destilados, todos os fabricantes, cerca de sete homens, param para
fazer uma oração ao Deus do vinho, inclusive mostrando uma pintura do Baco
chinês na parede.
A oração é uma música que fala do poder de cura do vinho e, principalmente,
da veneração à entidade. Ele é reverenciado e, ao final, todos bebem uma tigela do
vinho em agradecimento divino à bebida. Há uma sensação de camaradagem
coletiva. Nessa cena, entre os colegas da destilaria, a atenção está voltada para
disposição em resolver os problemas surgidos na busca de um ideal da comunidade.
Através dos olhos de Jieur, continua-se a assistir a mudanças, ora
assustadamente, ora delineando a paisagem de um outro homem pela tela, um
grande camponês que, mais tarde, torna-se pai de seu filho.
Jieur vive em um mundo de homens pacatos, às vezes soberbos e confiantes
demais. Tem pulso para controlar esses arroubos sem que tenha que apelar para a
força de suas palavras, talvez ainda inexistente. Do encontro com o amor à
realidade dos conflitos territoriais, em nenhum momento ela parece completamente
85
abalada, como se fosse uma prisioneira previamente condenada.
Nas cenas de tortura dos japoneses, Jieur tampa os olhos do filho para que
ele não veja o que todas as pessoas do vilarejo estão presenciando a morte de
homens trabalhadores rurais de sua comunidade. Os conflitos nesse pequeno
vilarejo assumem proporções impensáveis quando esse mundo de atrocidades é
passado ao primeiro plano e as pessoas envolvidas constroem seus olhares
segundo a ótica da guerra desumana e à qual não estavam habituadas. Os
pequenos problemas de lutas entre vilarejos transformam-se em problemas de luta
entre nações.
Na sequência final do filme, quando Jieur declara vingança aos invasores
japoneses, é possível ver surgir outra mulher distante daquela cuja sensação de
insegurança é mostrada nas primeiras imagens. E a pior cena vem a acontecer
quando a jovem Jieur passeia pelos campos carregando alimentos junto a uma
mulher. Seu filho grita pela mãe enquanto soa a rajada de metralhadora. Chineses
da resistência saem das matas portando as únicas armas de que dispõem:
recipientes cheios de vinho quente feitos com o sorgo das plantações.
A câmera percorre os corpos ao chão, alguns parcialmente soterrados, e o
vermelho mais uma vez compõe a paisagem visual da cena final. Sangue e vinho
mesclam-se a falsas esperanças, à vida cotidiana simples, ao canto do filho
desesperado para que ocorra a impossível volta da mãe, e ao olhar do pai
impassível contra a paisagem. Homens e mulheres mortos assassinados com seus
corpos empilhados na terra que lhes deu o “néctar vermelho”, o sorgo, o vinho.
Nesse filme, Yimou mostra Jieur, primeiramente confinada em uma paisagem
rural e esquecida. A mulher como protagonista, e não mais coadjuvante de uma
cultura patriarcal e retrógrada, questiona a si própria sobre a liberdade e os
agravantes pagos a partir de sua escolha. Dessa forma, é possível ver no rosto de
Jieur a expressão de sofrimento e de sua tristeza, seu modo de olhar as crueldades
de sua China, sem perder a feminilidade, doando algo parecido com o olhar de uma
criança para com algumas de suas primeiras experiências importantes na vida.
Escolhe não viver afogada nessas regras e em suas mentiras, quando se recusa a
consumar o casamento com um homem leproso, o mesmo que a comprara.
A mulher e os campos de plantação de sorgo sofrem com os golpes da
crueldade e injustiça do homem, da morte de um bandido armado aos encantos da
descoberta do amor nas plantações do sorgo, da bebedeira vergonhosa, do
86
sacrifício do trabalhador rural imposto pelos soldados japoneses. O filme mostra
uma divisão entre a natureza, como pano de fundo nas plantações de sorgo e o
heroico percurso de Jieur, que não perde a esperança pela brutalidade vivida por ela
e por seu país.
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Época Década de 30
Material Plantação de sorgo, barro, sangue
Forma Destilaria de vinho, tigela, armas
Cor Vermelho, tons de terra, campos verdes
Ritmo
Canto alegre dos condutores da jovem prometida
Canto em oração (ao Deus do Vinho) da comunidade de fabricantes de vinho
Rajada de metralhadora (japoneses)
Movimento
Transporte da jovem prometida
Ritual de produção do vinho artesanal
Invasão japonesa
Libertação da mulher
Símbolo Sorgo vermelho
A heroína de uma sociedade patriarcal
Quadro 11: Análise iconológica do filme O sorgo vermelho (1987) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Feminino
Figura 16: Plantação de sorgo vermelho
Figura 17: Ritual de produção de vinho
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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
Década de 30
Província rural próxima de Shandong
Mulher chinesa protagonista dos valores patriarcais
Ritual de casamento
Cantos de celebrações (casamento e ritual do vinho)
Comunidade de produtores de vinho
Sorgo vermelho
Aparatos de guerra
A mulher chinesa cumprindo o ritual de casamento imposto pelo patriarca em conflito com os seus desejos.
Espírito coletivo na comunidade rural de fabricantes de vinho (sorgo vermelho) e seus rituais de celebração.
Invasão japonesa, revelando a sua crueldade sobre as comunidades rurais.
Quadro 12: Análise semiótica do Filme: O Sorgo Vermelho Categoria: Feminino
Figura 18: Ritual de casamento
Figura 19: Invasão japonesa
89
4.6 ANÁLISE DO FILME HAPPY TIMES (CATEGORIA: GÊNERO FEMININO)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Happy times,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2001;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 13):
época: tempo atual,
material: planta, cédula de papel, lâminas de metal,
forma: buquê de rosas, dinheiro, ônibus-motel,
cor: rosa, vermelho, azul, verde,
ritmo: pedalar da bicicleta, trabalho de recuperação do ônibus, visitas à
“noiva”,
movimento: transformação de um velho ônibus em “motel ambulante”,
símbolo: padrões educacionais de comportamento do homem chinês
(confuciano) e da mulher chinesa (novo status);
c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 14):
época: tempo atual,
tema: padrões educacionais de comportamento da mulher chinesa na
atualidade, sentido do coletivo no grupo de amigos,
significado: nova posição de poder nas suas escolhas que as mulheres
chinesas ocupam nas relações.
90
4.6.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
O filme se passa na atualidade e tem como personagem Zhao, um chinês de
cinquenta e poucos anos que decide antecipar sua aposentadoria. Ele se deixa
enganar por uma gorducha viúva, com dois filhos, que o convence a se casar.
Na cena do “compromisso firmado”, a noiva, um tanto gananciosa, pede ao
noivo cinquenta mil iuaes de presente de casamento, acreditando erroneamente que
Zhao é o dono de um rentável hotel.
Ajudado por seu amigo Li, Zhao vai realmente tentar se virar como hoteleiro,
para conseguir o dinheiro. Assim, surge um velho ônibus abandonado que eles
transformam numa espécie de “motel ambulante”.
Na cena de visita ao ônibus-motel, os casais entram, são servidos com uma
bebida, pagam, conversam, e querem fechar a porta. Zhao não permite.
Pode-se sentir nessas cenas o conflito que se estabelece em todas as formas
de expressão de Zhao. Os casais e seu amigo Li tentam argumentar, mas ele
continua irredutível. “A porta tem que ficar aberta”. Na sequência da cena, ele
devolve o dinheiro. Seus padrões educacionais de comportamento não permitem
que ele ganhe dinheiro desrespeitando as regras culturais. Acaba o negócio do
motel ambulante.
Em visita a sua noiva Zhao, vai de bicicleta e, sempre leva um buquê de rosas
vermelhas que ele apanha do lixo da floricultura, de forma que parece novo e bonito.
Na última cena de encontro com sua noiva, como sempre, vai de bicicleta, leva o
buquê renovado e surpreende-se com o que vê. Sua noiva demonstra surpresa com
sua presença, não querendo deixá-lo entrar. Na sala, Zhao avista um buquê de
verdade, vozes alegres vindas do interior do apartamento, o que o deixa incrédulo.
Sua noiva diz saber de sua situação financeira, mencionando saber que não
tem hotel, seus buquês são um arremedo, e seu futuro incerto, o que usa para
justificar sua escolha. Tem “outro noivo”, que pode lhe dar uma vida segura e manter
sua família. Dessa forma, sua “ex-noiva”, a mulher chinesa da atualidade, está numa
nova posição de poder nas relações. Ela ocupa o lugar da possibilidade de escolha
de um novo status nas relações e tem o poder de ação nos novos padrões culturais.
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Época tempo atual
Material planta, cédula de papel, lâminas de metal
Forma buquê de rosas, dinheiro, ônibus-motel
Cor rosa, vermelho, azul, verde
Ritmo o pedalar da bicicleta, trabalho de recuperação do ônibus, visitas à “noiva”
Movimento transformação de um velho ônibus em “motel ambulante”
Símbolo padrões educacionais de comportamento do homem chinês (confuciano) e da mulher chinesa
(novo status)
Quadro 13: Análise iconológica do filme Happy times (2001) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Gênero feminino
Figura 20: Homem chinês rejeitado (buquê de flores)
92
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
Tempo atual
Cidade da China
Homem chinês de meia idade, próximo à aposentadoria (padrões confucianos)
Mulher chinesa (interesse econômico)
Buquê de flores (status)
Porta aberta do motel ambulante (padrões educacionais do comportamento confuciano)
Em um ambiente urbano, na China atual, o homem chinês de padrões de comportamento confuciano impacta com os novos padrões de comportamento feminino focados nos valores econômicos.
Quadro 14: Análise semiótica do Filme Happy times Categoria: Gênero feminino
Figura 21: Mulher chinesa com interesse econômico (buquê de flores)
93
4.7 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Herói,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2002;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 15):
época: de 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin),
material: metal, tecidos coloridos, madeira,
forma: armas (espada e kwan kao usadas nas artes marciais),
diferentes cores de vestimenta do herói (vermelho, preto, branco, azul
e verde), flechas, pano vermelho que cobre o caixão do guerreiro herói,
cor: vermelho, preto, branco, verde e azul,
ritmo: determinado pelas lutas: ora na ação, ora na reflexão,
determinado pelas cores: vermelho (intenso), azul e branco (paz),
verde (vivacidade) e preto (morte),
movimento: nas lutas, nos silêncios, nas reflexões, no sacrifício da
vida,
símbolo: o guerreiro herói pela pátria; a espada deposta (paz e união
do povo em prol de sua pátria);
c) Identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 16):
época: de 221 a 207 a.C.,
tema: luta pela causa patriótica de união da China,
significado: todo sacrifício individual deve ser feito pelo guerreiro até
com a própria morte para apoiar o imperador na preservação da Pátria
Unida.
94
4.7.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
O filme Herói é ambientado na China Antiga (de 221 a 207 a.C.) quando os
sete reinos lutavam pelo domínio do território que viria a formar o país. O reino de
Qin era o mais forte e o seu imperador o mais determinado a unir os territórios, a
cultura, a Nação. A unidade de tudo e todos, “sob o céu”, formavam um vasto estado
sob o seu reinado.
No filme, Yimou constrói uma lenda histórica, patriótica, utilizando todos os
valores morais e espirituais da filosofia oriental, do qual faz parte um velho provérbio
chinês, segundo o qual o melhor lutador da história chinesa deve lutar pelo seu país
e pelo seu povo. Por esse ponto de vista, Herói trabalha para convencer o
espectador de que a “causa” merece todo e qualquer sacrifício.
Herói é uma obra com grande força estética, dispondo de flashbacks, com
várias interpretações de uma realidade já consumada: a morte dos três assassinos.
Na cena de apresentação do guerreiro ao rei, um oficial de baixo estatuto,
xerife de província, herói sem nome, diz ter matado os três guerreiros e apresenta as
suas armas como prova.
A história é contada através de várias versões, a do guerreiro sem nome, a do
imperador e a que mostra como tudo realmente aconteceu.
Nas cenas do diálogo de Sem Nome com o imperador, os diferentes
flashbacks do filme são diferenciados pela cor predominante das cenas e pelas
roupas usadas pelos personagens. Cada uma dessas cenas conta com uma
tonalidade predominante, assim, ao decorrer da projeção, há cenas em vermelho,
azul, verde, preto e branco.
Uma obra de arte para os sentidos, cirurgicamente coreografada e
apaixonadamente filmada. A própria estrutura estética e ética do protagonista flui,
sugerindo a execução de um ritual, uma celebração dos sentimentos mais primitivos
com os quais o homem vem tendo contato desde sempre; uma encenação pura das
emoções através das cores e movimento. A paixão com o vermelho, o amor com o
azul, a juventude com o verde, a morte com preto, a verdade com o branco fazem da
obra, acima de tudo, um canto de socorro, um pedido de paz.
As lutas em Herói são como pinturas móveis, lúdicas, coloridas, mais
carregadas de reflexão do que de ação. Os silêncios são fundamentais, são para ser
95
escutados. A solução não passa por vencer, eliminando fisicamente o inimigo, mas
por aceitar ou não um ideal patriótico, que justifica os maiores sacrifícios, incluindo a
condenação de relações amorosas em prol do amor à Pátria.
Yimou segue a tradição chinesa na narrativa de Herói. O guerreiro número um
do país deve cuidar primeiro do seu povo. Todo sacrifício individual deve ser feito
para apoiar o imperador na preservação da Pátria unida. Assim, Sem Nome entende
que se não matar o imperador, é melhor para o povo, porque a guerra terminará. O
guerreiro Sem Nome, de artes marciais, depõe sua espada. O desejo de matar não
mais existe, somente a paz.
Neste filme, Yimou entoa um hino de paz onde o protagonista é a presença
salvadora dos heróis, que lutam por uma causa, por um ideal e um bem maior,
sugerindo que, além da matança, existe outro nível de ser pautado na filosofia das
artes marciais.
Ética e confiança são parte da tradição das artes marciais, que aparece nas
cenas entre Herói e Espada Quebrada e, também, na cena final do filme, do
guerreiro Sem Nome e o imperador. A confiança é construída entre eles.
O guerreiro da morte transforma-se no herói da paz. Luta para unir e não para
dividir sua Pátria, sacrificando até mesmo sua própria vida. Torna-se um herói ao
desistir de matar o imperador Qin, em prol de uma China unida e sem guerras a que
ele chama: “Nossa Terra”. Ele desiste de sua missão e acaba morto.
Assim, Yimou revela o guerreiro Sem Nome como o herói da paz. Desde sua
apresentação através do ritual estético nas artes marciais até sua morte pela causa.
Tem-se no ritual de sua morte, os soldados do Imperador, chineses como o
guerreiro, que carregam seu corpo reverenciando-o com todas as pompas de um
herói do povo. O guerreiro chega ao palácio do imperador como assassino e sai dele
eleito pelo povo eticamente como o mártir que morre pela união da “Nossa Terra”.
96
Época De 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin)
Material metal, tecidos coloridos, madeira
Forma
armas (espada e kwan kao usadas nas artes marciais), diferentes cores de vestimenta do herói
(vermelho, preto, branco, azul e verde), flechas, pano vermelho que cobre o caixão do guerreiro
herói
Cor vermelho, preto, branco, verde e azul
Ritmo determinado pelas lutas: ora na ação, ora na reflexão, determinado pelas cores: vermelho
(intenso), azul e branco (paz), verde (vivacidade), preto (morte)
Movimento nas lutas, nos silêncios, nas reflexões, no sacrifício da vida
Símbolo o guerreiro herói pela pátria; a espada deposta (paz e união do povo em prol de sua pátria)
Quadro 15: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Estética e ética da morte
Figura 22: Espada usada nas artes marciais
Figura 23: Lutas na reflexão
97
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
221 a.C. a 207 a.C.
Dinastia Qin
Guerreiro Herói (morte pela pátria unida)
Artes marciais (armas: espada e kwan kao)
Lutas (ação e reflexão)
Espada deposta (morte do guerreiro Herói)
Ritual do enterro
Na dinastia Qin, a ética assimilada pelos guerreiros é de que todo sacrifício individual deve ser feito pela Pátria. Herói é quem dá a vida para apoiar o imperador a manter a Pátria unida.
Quadro 16: Análise semiótica do filme Herói Categoria: Estética e ética da morte
Figura 24: Artes marciais
Figura 25: Guerreiro Herói
Figura 26: Ritual do enterro do Herói
98
4.8 ANÁLISE DO FILME O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (CATEGORIA:
ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: O clã das adagas voadoras,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2004;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 17):
época: 859 a.C. (Dinastia Tang),
material: couro, madeira e seda, tecidos coloridos, bambu, água, grãos
de cereal, plantas,
forma: instrumentos musicais: pipa (de corda) e jiegu (percussão),
vestimentas coloridas da bailarina, floresta de bambu, neve, grãos de
feijão (dança do eco), campos de flores,
cor: rosáceo, azulado e pérola (na casa das peônias), verde (campo de
bambu), branco (na neve), amarelo (campos de flores),
ritmo: sons dos instrumentos musicais, das batidas dos feijões nos
tambores, dos galopes dos cavalos na floresta, das lutas, das folhas
caindo, do apito na floresta, da neve caindo,
movimento: apresentação da dança do eco, lutas no bambuzal e no
campo, fugas e duelo na neve,
símbolo: bailarina cortesã da casa das peônias, grupos revolucionários
secretos: clã das adagas voadoras, dança do eco, heroína do amor.
c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 18):
época: 859 a.C.,
tema: corrupção nas relações de poder na época da dinastia Tang,
99
significado: a bailarina de grandes habilidades na dança e nas artes
marciais desenvolve um balé de desafio, numa luta por vingança que
sucumbe ao amor, sacrificando sua vida em prol da vida de seu
amado.
4.8.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
O filme se passa durante o final da dinastia Tang, no ano de 859 a.C., em
ambientes rurais da China feudal. Muitos grupos revolucionários levantam-se contra
o governo corrupto, dentre eles o clã das adagas voadoras.
Dois agentes do governo, capitão Jin e capitão Leo, descobrem a existência
de uma habilidosa dançarina cega, Mei, na famosa casa das peônias, que pode ser
a filha do antigo líder do clã. Todo o enredo do filme se desenvolve à volta dos três
personagens principais, existindo como pano de fundo as lutas para apresentar um
triângulo amoroso no centro da história.
O filme trabalha diferentes níveis de movimento, como a dança (na cena da
dança do eco), as lutas (na cena do campo de bambuzal) e as fugas (nas cenas de
perseguição a Mei).
Yimou cria, dessa forma, um universo onde a história e a fantasia se misturam
e se transformam em aventura pura, capturado pelo imaginário coletivo.
Na sequência do encontro de Mei com o capitão Leo, na casa das Peônias,
um verdadeiro balé de fantástica coreografia se desenvolve com movimentos
harmoniosos, precisos, suaves, em perfeita sintonia com a música e as cores vivas e
luminosas. Esta é uma dança de desafio, em que a “bailarina cega” acompanha o
ritmo do toque dos feijões que Leo atira aos tambores.
Toda a temática inicial do filme é uma estratégia para enganar os
espectadores, deixando-os desarmados para as cenas que surgirão. Mei, após
vencer o último teste, quando todos os feijões são arremessados nos tambores,
acaba se revelando ao tomar uma das espadas do capitão Leo e tentar assassiná-lo.
Eles lutam, mas, enfim, a bailarina cega é presa. Ele a interroga e tortura, embora a
trate de uma forma carinhosa, tocando-a como se tocasse uma flor, não uma
prisioneira.
100
A câmera de Yimou dirige a maioria das cenas do filme na procura de cortes e
angulações que simulem os interstícios romântico-reflexivos, rompendo com a ação
estética, embora a embasem.
Neste filme, Yimou apresenta uma estética feminina, notavelmente sensível
para captar o interior da alma feminina, numa multiplicidade de movimentos, sons e
cores. Em tal estética ocorre a cena em que Mei tapa a boca de Jin com a mão,
impedindo que ele fale. Um gesto delicado, em contrapartida às suas habilidades
nas artes marciais. Embora ela tenha domínio na arte da luta, é apenas uma moça
tímida quanto ao amor. Aqui se percebe a proximidade dos sentimentos de paixão,
amor e vingança intimamente relacionados entre os três personagens principais.
Na sequência final do filme, Leo atenta contra vida de Mei, furioso por ela ter
se apaixonado por Jin, e lhe crava uma adaga no peito, enquanto Jin volta para levá-
la consigo, encontrando-a ferida. Eles lutam, enquanto uma nevasca começa a cair.
O céu e a terra parecem iguais de tão branco que ficam, apenas com a neve se
tingindo de vermelho pela gota de sangue que cai do ferimento de Mei. A luta final
entre Jin e Leo termina no sacrifício de Mei em prol de ambos.
Nesse filme, a personagem feminina, Mei, se torna uma heroína do amor,
defendendo esta causa em todos os sentidos, na dedicação, no saber e na maestria
no uso das armas, nas artes marciais e, até mesmo, no sacrifício da própria vida.
O percurso de Mei passa da aventura para uma tonalidade trágica que
domina o final. Momento de opções inevitáveis de amor, de vida e de morte, que
marcam os três personagens para sempre.
Como signo visual, a cegueira cinematográfica construída por Yimou através
de sua personagem Mei produz significados paradoxais. Talvez, a raiz da beleza, a
verdade das coisas, o amor, deixem o espectador momentaneamente cego, como a
personagem de Yimou.
101
Época 859 a.C. (Dinastia Tang)
Material couro, madeira e seda, tecidos coloridos, bambu, água, grãos de cereal, plantas
Forma instrumentos musicais: pipa (de corda) e jiegu (percussão), vestimentas coloridas da bailarina,
floresta de bambu, neve, grãos de feijão (dança do eco), campos de flores
Cor rosáceo, azulado e pérola (na casa das peônias), verde (campo de bambu), branco (na neve),
amarelo (campos de flores)
Ritmo sons dos instrumentos musicais, das batidas dos feijões nos tambores, dos galopes dos cavalos na
floresta, das lutas, das folhas caindo, do apito na floresta, da neve caindo
Movimento apresentação da dança do eco, lutas no bambuzal e no campo, fugas e duelo na neve
Símbolo bailarina cortesã da casa das peônias, grupos revolucionários secretos: o clã das adagas voadoras,
dança do Eco, heroína do amor
Quadro 17: Análise iconológica do filme O clã das adagas voadoras (2004) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Estética e ética da morte
Figura 27: Instrumentos musicais usados na dança do eco
Figura 28: Bailarina da dança do eco
102
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
859 a.C.
Dinastia Tang
Bailarina da casa das peônias (artista e guerreiro)
Dança do eco (dança típica chinesa com acompanhamento de instrumentos musicais de corda e percussão e batidas dos feijões nos tambores)
Bambus (floresta e lutas no bambuzal)
Campos de flores (amor da guerreira pelo soldado)
Grupo revolucionário (clã das adagas voadoras)
Gota de sangue na neve (morte da bailarina, heroína do amor)
Na dinastia Tang, em 859 a.C., a heroína sacrifica sua vida para salvar uma causa política e os soldados que a amam, envolvendo a trilogia: vingança, paixão e amor.
Quadro 18: Análise semiótica do filme O clã das adagas voadoras Categoria: Estética e ética da morte
Figura 29: Dança do eco
Figura 30: Morte da heroína
Figura 31: Luta entre exército de Tang e rebeldes
103
4.9 ANÁLISE DO FILME A MALDIÇÃO DA FLOR DOURADA (CATEGORIA:
ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: A maldição da flor dourada,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2006;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 19):
época: Séc. X (Dinastia Tang),
material: bronze, metal dourado, tecidos coloridos, papéis coloridos,
flores, substância líquida, pó de origem medicinal,
forma: armas e armaduras dos guerreiros, ornamentos dourados nas
vestimentas e enfeites do palácio imperial, paredes coloridas do
palácio, crisântemos amarelos, chá, veneno,
cor: vermelho, amarelo, azul, verde, laranja, rosa, branco,
ritmo: intenso nos confrontos,
movimento: confrontos familiares, envenenamento da imperatriz,
realização da Festa dos Crisântemos, queda do estandarte do
imperador, banquete da família imperial,
símbolo: estandarte do imperador, trajes dourados da família imperial,
ornamentos pessoais da imperatriz (coroa, pentes, anéis), ornamentos
dourados pessoais do imperador e de seus filhos, ritual de celebração
à mesa da família imperial na Festa dos Crisântemos (poder).
c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 20):
época: Séc. X,
tema: confrontos familiares na família imperial pelo poder,
104
significado: de acordo com o código confuciano da época, a hierarquia
das relações deve ser respeitada segundo o critério: os pais aos filhos,
os homens às mulheres, os governantes aos súditos, caso contrário a
punição é a morte.
4.9.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
O filme conta a história da dinastia Tang, na China do século X. O imperador
Ping é um homem poderoso que construiu um império vasto, dominado pela
grandiosidade e pela opulência.
Em uma das cenas iniciais, quando o imperador regressa de surpresa ao seu
reino com o seu segundo filho, o príncipe Jie, ocorre o primeiro confronto familiar.
Uma luta curta e puramente demonstrativa entre o imperador e o segundo filho
termina com a declaração do imperador: “Nunca adquiras pela força aquilo que eu
não te der”.
Yimou apresenta uma narrativa na qual tudo gira essencialmente em torno de
relações de poder no seio de uma família poderosa, ou seja, a do próprio Imperador.
Por detrás das coloridas paredes do palácio, escondem-se inúmeros segredos: as
costumeiras traições, os escândalos, o choque provocado pelas relações
incestuosas, capazes de desabar a dinastia Tang.
Em A maldição da flor dourada, Yimou traz para os espectadores um dos
mais exóticos e magníficos cenários do mundo cinematográfico, repleto de cor de
luxúria. Mais impressionante ainda, é o guarda-roupa envergado pelos personagens
que, por vezes, tocam o signo da extravagância, como os detalhes e as cores nos
trajes da família real. Percebe-se que esta beleza visual se sobrepõe à narrativa do
filme, dando um toque de plasticidade.
Em uma das cenas, o imperador descobre que sua esposa mantém uma
relação adúltera com o seu enteado, o príncipe Wan, o herdeiro do trono, e instrui ao
médico da corte que junte um veneno de origem persa ao remédio ministrado à
imperatriz para a cura de sua “anemia”.
O ritual de envenenamento é servido através de poucas doses do veneno
adicionado ao chá, a fim de provocar uma loucura crescente na imperatriz, que a
105
levaria inevitavelmente à morte. O imperador mantém em segredo a relação com
sua primeira esposa, e mãe do príncipe Wan, dando a entender que ela faleceu.
Dessa forma, presta-lhe homenagem todos os anos na cerimônia mais importante
do reino: a Festa dos Crisântemos.
Entre as relações de poder na família real, vai, portanto, começar uma luta
entre o imperador e a imperatriz. De um lado, o imperador tenta matar sua esposa
envenenando-a lentamente e, de outro lado, a imperatriz articula um golpe de
governo com a ajuda do príncipe Jie para matar seu marido.
No meio de toda essa turbulência familiar, encontra-se o príncipe Jie, que
tenta manter a harmonia. No entanto, quando descobre os planos de assassínio de
sua mãe, que estão a ser levados a cabo pelo pai, associa-se à conspiração da
imperatriz, que passa por uma tomada de poder, pela queda do estandarte do
imperador, a ser efetuada na noite da Festa dos Crisântemos.
Na sequência da cena de tomada do palácio, na luta entre os soldados do
imperador e os soldados do príncipe Jie, aprecia-se um cenário estético com os
mais diferentes contrastes, dos coloridos e detalhes das roupas dos soldados com
seus lenços bordados em crisântemos dourados pela imperatriz para identificar seus
soldados, às suas armas que representam a violência, habilidade e usurpação.
Esses mesmos soldados apresentam paradoxos estéticos através da
sensação de leveza produzida pelo lenço dourado tingido de vermelho pelo sangue
dos soldados adversários e pela sensação de brutalidade sentida sobre os pés
desses soldados ao pisotearem os crisântemos amarelos que formam um tapete ao
longo do pátio no palácio imperial.
O amarelo das flores, o vermelho do sangue dos soldados e o dourado dos
lenços misturam-se nesse cenário para compor a cena que culmina com a queda do
estandarte do imperador. O príncipe Jie, para, hesita à frente do estandarte de seu
pai, lembra-se dos princípios éticos ensinados pelo imperador: “Nunca tomes pela
força aquilo que eu não te der”. O estandarte é derrubado.
Na cena final, Yimou mantém o cenário particularmente pomposo e artificial,
com exagero estético, vazio de sentido, carregando os olhos dos espectadores com
um colorido de flores, entre o vermelho, o amarelo e o branco, organizando de forma
a circundarem a mesa onde acontece a celebração do ritual da família imperial na
Festa dos Crisântemos. Nessa sequência, os trajes usados pela família real são
dourados. O ouro cobre seus corpos do lado de fora e internamente o “veneno” do
106
poder corrói e apaga a luz da ética.
O imperador, como forma de punir seu segundo filho, o príncipe Jie, que
usurpa contra seu poder, lhe diz que a única possibilidade de salvar sua vida é dar o
“chá” para sua mãe, a imperatriz.
Neste filme, Yimou mostra através do príncipe Jie o herói do amor filial. O
príncipe escolhe morrer segundo seus padrões éticos num ritual de sacrifício à sua
própria vida, ao invés de presenciar o sofrimento que levaria sua mãe à morte.
107
Época Século X (Dinastia Tang)
Material bronze, metal dourado, tecidos coloridos, papéis coloridos, flores, substância líquida, pó de origem
medicinal
Forma
armas e armaduras dos guerreiros, ornamentos dourados nas vestimentas e enfeites do palácio
imperial, paredes do palácio coloridas, crisântemos amarelos, chá, veneno
Cor vermelho, amarelo, azul, verde, laranja, rosa, branco
Ritmo intenso nos confrontos
Movimento confrontos familiares, envenenamento da imperatriz, realização da Festa dos Crisântemos, queda
do estandarte do imperador, banquete da família imperial
Símbolo
estandarte do imperador, trajes dourados da família imperial, ornamentos pessoais da imperatriz
(coroa, pentes, anéis), ornamentos dourados pessoais do imperador e de seus filhos, ritual de
celebração à mesa da família imperial na Festa dos Crisântemos (poder)
Quadro 19: Análise iconológica do filme A maldição da flor dourada (2006) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Estética e ética da morte
Figura 32: Objetos de bronze – Palácio Imperial – Dinastia Tang
Figura 33: Celebração da Festa dos Crisântemos
108
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
859 a.C.
Dinastia Tang
Imperador (poder)
Família imperial (hierarquia do poder)
Palácio imperial (paredes coloridas, ornamentos dourados)
Soldados (armas, vestimentas e aparato militar)
Estandarte do imperador (poder)
Chá (envenenamento da imperatriz)
Príncipe Jie (herói do amor filial)
Em 859 a.C., na dinastia Tang, a imperatriz procura vingar a morte de seu pai, cujo poder fora usurpado pelo seu marido e atual imperador. Convenciona com seu filho, o príncipe Jie, matar o imperador na festa dos Crisântemos, tornando-o sucessor ao trono. Revela uma rede de relações familiares saturada de paixões, conflitos, desejos de poder e morte. Apenas o imperador sobrevive.
Quadro 20: Análise semiótica do filme A maldição da flor dourada Categoria: Estética e ética da morte
Figura 34: Palácio Imperial
Figura 35: Família imperial – Dinastia Tang
Figura 36: Imperador da dinastia Tang com o príncipe Jie
109
4.10 ANÁLISE DO FILME A HISTÓRIA DE QIU JÚ (CATEGORIA: RELAÇÕES DE
PODER)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: A história de Qiu Jú,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 1992;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 21):
época: atual,
material: plantas, papel, cédula de papel, alimentos variados,
forma: plantação de pimenta, petição judicial, dinheiro, almoço
comemorativo de nascimento,
cor: vermelho, amarelo, azul, branco,
ritmo: calmo (campo), impessoal (cidade grande),
movimento: venda da pimenta, uso de meios de transporte precários
para chegar às diferentes instâncias da lei, dar à luz seu primeiro filho,
comemoração de um mês da criança,
símbolo: luta da mulher por mudança nas relações sociais de poder,
heroína da justiça;
c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 22):
época: atual,
tema: luta pela justiça em face do direito,
significado: quem tem senso crítico e duvida do status quo vigente de
uma cultura eminentemente patriarcal, luta pelo reconhecimento do
direito.
110
4.10.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
A história de Qiu Jú apresenta uma narrativa feita em locações reais, sem
cenário fictício montado, muito próximo do estilo documental de filmagem. O filme
faz um mergulho na cultura chinesa, do campo bucólico e afetivo das relações, até a
impessoalidade calculista e, muitas vezes, pouco humana da cidade grande.
A fotografia é primorosa e seu ritmo contido, preciso e adequado à cultura
oriental que retrata, de forma muito verossímil. O filme se passa nos tempos atuais,
num remoto povoado da China, onde a protagonista Qiu Jú, uma esposa grávida,
trava uma batalha jurídica e existencial em busca do seu senso moral de justiça,
acreditando na possibilidade de mudança das relações sociais de poder. Numa
cultura eminentemente patriarcal, ela luta contra o conformismo submisso de seu
marido, que crê que seu chefe tem poder absoluto sobre si, podendo decidir, de
forma a se embasar no senso comum, sobre o emprego da força física.
Toda a trama se desenvolve a partir de um conflito que não é presenciado,
mas é relatado pelos próprios personagens.
Qiu Jú vive no campo de plantação de pimenta, num distante povoado, está
grávida do primeiro filho e, com seu marido, pede autorização ao chefe local para
utilizar uma parte do terreno para a construção de uma casa. O chefe nega o pedido,
alegando que a lei apenas autoriza o uso da terra para plantar, e não para construir.
O marido de Qiu Jú ofende verbalmente o chefe, dizendo que ele “só criará galinhas”
(uma referência ao fato de o chefe só ter tido filhas mulheres). Como resposta, o
chefe chuta com força os testículos do marido de Qiu Jú. Depois de levar o marido
ao médico, Qiu Jú, mesmo sendo quase analfabeta, percebe que houve um abuso
de poder do chefe, pois não havia motivo para uma atitude violenta como aquela e
diz que o marido poderia levar uns “cascudos”, mas nunca ter sua fertilidade
comprometida. Sentindo que seu marido sofreu uma injustiça, abuso de poder e uma
ofensa moral por parte do chefe, ela sai em busca da justiça, com uma espécie de
intuição de que ela teria um sentido de retratação ética. Ela espera que o chefe peça
desculpas e se arrependa por seus atos abusivos.
Nas cenas iniciais, Qiu Jú contata, no povoado, o oficial Li para mediar o
conflito, do ponto de vista jurídico. O chefe aceita entrar num acordo, propondo-se a
pagar as despesas médicas do marido e seu salário. Qiu Jú vai ao encontro do
111
chefe, mas a mediação fracassa, na medida em que o chefe se recusa a pedir
desculpas, jogando o dinheiro no chão e exigindo que Qiu Jú se curve para alcançá-
lo, várias vezes. Ela não aceita o pagamento, dizendo que a luta pela justiça não
acabou. Para ela, o abuso de poder injusto do chefe tornou-se a repetir. Qiu Jú não
queria o dinheiro, mas justiça. O chefe, porém, responde só ter concordado em
pagá-la para não contrariar o oficial e exige que Qiu Jú curve a cabeça cada vez que
apanhar uma nota por vinte vezes par que estejam quites.
A partir desse momento, a luta de Qiu Jú em torno da busca da concretização
de justiça, através de procedimentos jurídicos, tem início. Ela vende a pimenta,
utiliza meios de transporte precários, vai até a comarca em Beijing, depois ao
tribunal, enfrenta as dificuldades da falta de honestidade na cidade grande e a
decisão jurídica é a mesma: pagamento das despesas médicas, mais o salário da
vítima. Como último recurso, ela decide recorrer ao tribunal intermediário do povo,
que solicita uma nova perícia médica em seu marido. O descrédito dela é visível,
pois ela começa a perceber como as relações de poder, a noção de controle e o uso
da linguagem parecem preponderar sobre a justiça moral.
Na sequência, quando Qiu Jú tem dificuldades graves no parto e precisa ir
para um hospital, o chefe é procurado pela parteira para salvar sua vida e a do bebê.
A princípio, ele se recusa a ajudá-la, mas acaba cedendo e salvando a ambos.
Na cena de preparação da festa do nascimento da criança, ela visita o chefe e
expressa sua enorme gratidão por ter salvado a vida deles, convidando-o para a
comemoração. Na cena final, na festa, Yimou mostra como a alegria domina o
coração de Qiu Jú, que em nenhum momento parece lembrar-se do problema de
seu marido. O filme sugere que houve uma espécie de compensação ética na
atitude do chefe. Se ele causou um dano, colocando a fertilidade de seu marido em
risco, quando o chutou, o desequilíbrio foi sanado com a realização de um bem
maior, na sua atitude de salvá-la da morte, junto ao filho. O chefe torna-se herói para
a família.
112
Época atual
Material plantas, papel, cédula de papel, alimentos variados
Forma plantação de pimenta, petição judicial, dinheiro, almoço comemorativo de nascimento
Cor vermelho, amarelo, azul, branco
Ritmo calmo (campo), impessoal (cidade grande)
Movimento venda da pimenta, uso de meios de transporte precários para chegar às diferentes instâncias da
lei, dar à luz seu primeiro filho, comemoração de um mês da criança
Símbolo luta da mulher por mudança nas relações de poder sociais, heroína da justiça
Quadro 21: Análise iconológica do filme A história de Qiu Jú (1992) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Relações de Poder
Figura 37: Comemoração de um mês do filho de Qiu Jú
Figura 38: Batizado do filho de Qiu Jú
Figura 39: Cidade grande
113
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
Tempo atual num remoto povoado da
China, em um campo de plantação de
pimenta
Mulher rural (heroína da justiça)
Plantação de pimenta (produtores)
Ofensa verbal (“só criaria galinhas”, referência ao fato de o personagem só ter tido filhas mulheres)
Diferentes instâncias da lei (oficial do povoado, comarca em Beijing, tribunal)
Dinheiro jogado ao chão (reconhecimento do abuso do poder)
Pedido de desculpas (reconhecimento do abuso do poder)
Mulher de região rural luta em defesa de seu esposo, ofendido pelo patrão, que pelo senso comum, tem poder
absoluto sobre todos, podendo decidir até a respeito do emprego da
força física. Percorre todas as instâncias da lei na busca por justiça.
Quadro 22: Análise semiótica do filme A história de Qiu Jú Categoria: Relações de poder
Figura 40: A mulher rural lutando por Justiça junto ao oficial do povoado
114
4.11 ANÁLISE DO FILME TEMPO DE VIVER (CATEGORIA: RELAÇÕES DE
PODER)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
título da obra: Tempo de viver,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 1994;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 23):
época: dos anos 40 aos anos 80,
material: metal, tecidos, couro, madeira, palitos de madeira, papel,
forma: armas, bótons, caixa dos bonecos de marionete, show de
sombras, livros vermelhos de Mao, uniformes, cartazes,
cor: cinza, branco, vermelho, cáqui, preto, amarelo, azul,
ritmo: das botas e armas dos soldados, da música no show de
sombras, dos hinos cantados nas passeatas e festas comemorativas,
movimento: ocupação das províncias chinesas pelo exército japonês,
ajuntamento do povo em passeatas e festas,
símbolo: livro, bóton, braçadeira e bandeira vermelhas, hino ao
presidente Mao, uniforme cáqui, show de sombras;
c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 24):
época: dos anos 40 aos anos 80,
tema: fases de transição política na China (da invasão japonesa à
revolução cultural),
significado: luta de um homem do povo chinês pela sua sobrevivência
em meio a diferentes modelos políticos de poder.
115
4.11.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
Em Tempo de viver, Yimou traça em leves pinceladas como se de um quadro
se tratasse, parte da história da China do Séc. XX. Precisamente, dos anos 40, com
a invasão japonesa, aos anos 80, abrangendo a Revolução Cultural.
A narrativa do filme apresenta um homem do povo que, refletindo sobre os
meandros que a vida tece, de herdeiro de bens e inveterado jogador de apostas,
transforma-se em operador de marionetes. Lutando por sua sobrevivência,
acompanha os diferentes modelos políticos de poder pelos quais a China passa,
desde os anos 40 até os anos 80.
Na ação do personagem, vai-se entrando pouco a pouco num mundo mais
familiar, onde se revela, sem pudor, toda sensibilidade oriental, também universal. O
“ser” humano chinês, a alma humana, é universal, pois se alimenta das mesmas
necessidades arcaicas.
Na cena em que o operador de marionetes deixa sua cidade, leva consigo
apenas uma caixa de madeira, porque tudo o mais perdeu no jogo de apostas. Sua
única riqueza são os bonecos de marionetes. Não há mais dinheiro, casa ou família,
somente os bonecos. Uma oportunidade, uma ideia, uma inovação.
Década de 40, a guerra chega. Os japoneses empunham baionetas com
facas na ponta e o operador de marionetes empunha bonecos na ponta dos palitos.
Através do seu sofrimento causado pelas atrocidades cometidas pelo exército
japonês de ocupação, estabelece-se um “padrão” de real ser humano naquele
período da história da China.
O “chinês” luta por sua sobrevivência num esforço de autocultivação dentro
de padrões de paciência, pacifismo e honra. Confuciana é sua trajetória. Silenciosa,
profunda e vivificante. Num esforço constante, encontra uma alegria que o faz
esquecer suas dores. Através do show de marionetes, da caixa de bonecos de
marionetes, do grupo de músicos e operadores, constrói uma nova vida numa
espécie de paixão pela autonomia dentre tanta opressão. Sua arte, expressa pelo
show de sombras, transmite a leveza operacional e o companheirismo do conjunto.
Na performance dos “atores”, com os bonecos perto da cortina branca, tendo ao
fundo as velas acesas para projetar suas sombras, tem-se a sensação de um oásis
no meio do deserto. Luzes tênues que tremulam, palitos que seguram bonecos de
116
papel, acompanhados por música que narra as estórias da cultura chinesa.
Nessas cenas aparecem os contrastes mobilizados por Yimou, a beleza do
conjunto de signos apresentados na forma de manifestação artística cultural da
China, pelo show de sombras, e a demonstração da cultura da guerra, com seus
signos representados pela violência, pelo poder.
A cena em que o operador de marionetes se encontra de regresso à sua
cidade, esposa e filhos, marca o início da década de 60. É a festa de casamento de
sua filha. Seu país, a China, encontra-se sob o domínio do movimento de massas,
tendo como alvos principais a doutrinação política dos jovens estudantes. O noivo de
sua filha é um jovem integrante da Guarda Vermelha de Mao. Desta forma, oferece
com orgulho seus bens mais preciosos como presentes aos futuros sogros, os
signos da revolução cultural: livros vermelhos de Mao e bótons com emblemas
amarrados com fitas vermelhas.
O povo e os estudantes, especialmente, exaltam os ensinamentos dos livros
vermelhos, promovendo passeatas onde cantam hino em homenagem a Mao,
promovendo-o a um status de deus terreno. O jovem noivo comunga desse
fenômeno de fervor revolucionário, saindo em passeatas nas ruas vestido em traje
militar, calça e túnica cáqui com braçadeira vermelha e quepe com emblema
vermelho.
Mao quer o poder central de uma China unificada. Para isso, dá poder aos
jovens, seus guardas vermelhos, que cada vez mais exacerbados, punem e
humilham aqueles que não comungam do mesmo ideal político. Na cena do hospital,
quando a filha do operador de marionetes chega para ter seu filho, Yimou mostra
como a situação se complica quando as jovens estudantes soberbas não têm
competência para atendê-la. O jovem militar da guarda vermelha, seu marido, traz o
médico, um dos expurgados em rituais de humilhação pública, levado às ruas com
um cartaz pendurado ao pescoço. Não há mais tempo para salvar a vida de sua
esposa.
Assim, Yimou revela, neste filme, que, por detrás dos signos de
representação do poder, o que há sempre são pessoas, um mundo de pessoas que,
mesmo disfarçadas atrás de um uniforme cáqui ou com um jaleco de médico,
mostram que ainda o que tem maior valor, ou seja, a “vida”, está ao alcance da mão
de qualquer um.
117
Época dos anos 40 aos anos 80
Material metal, tecidos, couro, madeira, palitos de madeira, papel
Forma armas, bótons, caixa dos bonecos de marionete, show de sombras, livros vermelhos de Mao,
uniformes, cartazes
Cor cinza, branco, vermelho, cáqui, preto, amarelo, azul
Ritmo das botas e armas dos soldados, da música no show de sombras, dos hinos cantados nas
passeatas e festas comemorativas
Movimento ocupação das províncias chinesas pelo exército japonês, ajuntamento do povo em passeatas e
festas
Símbolo livro, bóton, braçadeira e bandeira vermelhos, hino ao presidente Mao, uniforme cáqui, show de
sombras
Quadro 23: Análise iconológica do filme Tempo de viver (1994) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Relações de Poder
Figura 41: Passeata do partido de Mao
Figura 42: Invasão japonesa
118
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
Dos anos 40 aos anos 80, fases de transição
política na China (invasão japonesa à Revolução Cultural)
Livros de regras contratuais (registro de valores econômicos e identificação digital)
Show de sombras (caixa de madeira com bonecos de marionetes)
Aparatos de guerra japoneses (baionetas)
Soldados da Guarda Vermelha de Mao (uniforme cáqui, braçadeira, bóton)
Livros vermelhos de Mao, passeatas, cantos ao presidente Mao (Revolução Cultural)
Entre os anos 40 e 80, o personagem atravessa diferentes fases de transição política, lutando por sua sobrevivência. De família rica, torna-se jogador inveterado de apostas que perde tudo. Torna-se um artista do show de sombras durante a invasão japonesa. Reunindo sua família, atravessa o período da revolução maoísta, tendo de se adaptar a todas as mudanças ideológicas.
Quadro 24: Análise semiótica do filme Tempo de viver Categoria: Relações de poder
Figura 43: Livros de regras contratuais
Figura 44: Show de sombras
Figura 45: Soldados da Guarda Vermelha de Mao
119
4.12 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: RELAÇÕES DE PODER)
A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:
a) dados de identificação do filme:
filme: Herói,
diretor: Zhang Yimou,
ano de realização: 2002;
b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 25):
época: de 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin),
material: metal, fogo, cera, tecidos, terracota, pilares de madeira,
colunas entalhadas de bronze, paredes de tijolos,
forma: trono do imperador com figura de um dragão e uma fênix
entrelaçados de bronze, bandeiras empunhadas pelos soldados de
Qin, colunas do palácio imperial, armas e vestimentas dos soldados,
sinos de Bianzhong, velas, Muralha da China,
cor: amarelo, vermelho, cinza e preto,
ritmo: toque dos sinos e tambores no palácio, estalar das espadas dos
soldados, ritual de acendimento das velas na sala do trono do
imperador, trote dos cavalos, corrida das bigas,
movimento: ordem, disciplina, proteção na formação dos soldados,
símbolo: soldados do exército de Qin;
c) identificação da imagem para obtenção de significado simbólico (conforme Quadro 26):
época: de 221 a 207 a.C.,
tema: criação do exército do imperador Qin para a unificação da China,
significado: poderio e liderança do imperador.
120
4.12.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética
No filme Herói, Yimou revela aos espectadores o Imperador Qin, que, usando
de extrema força, habilidade e determinação, por volta de 201 a.C., unifica os sete
reinos, formando o Estado unificado chinês. O Imperador jamais se resigna a morrer.
Assim, cria um exército para protegê-lo durante sua vida após a morte. É com esse
objetivo que o exército de terracota é construído. São estátuas feitas de barro cozido
em tamanho natural, colocadas estrategicamente como se estivessem prontas para
a batalha, refletindo o poderio e liderança do imperador. Uma obra de grande
conteúdo representativo em nível de precisão, ordem, disciplina, habilidade,
proteção e devoção que o povo chinês tem para com seu representante.
Entre as medidas adotadas por Qin para garantir seu poder e seu império
unido, oferece a entrega de elevadas recompensas contra os guerreiros que querem
assassiná-lo. A tarefa parece impossível, mas um oficial de baixo estatuto é levado à
presença do imperador, alegando ter matado os três assassinos e apresentando
suas armas como prova de sua maestria como guerreiro.
Herói é naturalmente um filme patriótico, com lutas travadas pelo herói de
Yimou, que se revolta contra um imperador déspota, responsável pela morte de
milhares de pessoas, lutando por uma causa nobre e pelo bem maior de um povo.
Os métodos do imperador não são exatamente camuflados ou branqueados quando
Yimou mostra a cena dos guerreiros estudantes na escola de caligrafia. São civis
inocentes, alunos que demonstram uma resistência passiva, não são soldados,
enfrentam a morte agarrados à sua cultura até o fim. Mesmo assim, o imperador não
lamenta sua aniquilação.
O imperador se autoproclama “filho do céu” e o seu palácio é vedado à
aproximação das pessoas comuns. Ninguém pode chegar a menos de cem passos
do imperador, na sala de audiência. Nela, atrás de seu trono, há uma figura em
bronze de um dragão e uma fênix entrelaçados que reproduz a união celeste e
terrestre, que significa a fusão entre o céu e a terra, simbolizando o poder e a
harmonia entre o imperador e a imperatriz. Nessa sala, onde se realizam
solenidades oficiais e rituais importantes, o protagonista tem sua entrevista com o
imperador.
Na cena para anunciar a entrada do herói, tocam-se os sinos de Bianzhong,
acendem-se as chamas das velas que estão perfiladas à frente do trono do
121
imperador e colocam-se as três espadas dos guerreiros diante delas. Os soldados
se enfileiram na praça e o imperador senta-se no alto de seu trono. As velas acesas
clareiam a sala e os sinos e tambores ressoam, criando um ambiente sagrado e
solene. Há, ainda, uma força intimidadora no ar, marcando o poderio e a liderança
do imperador.
Yimou apresenta o personagem do imperador Qin como um guerreiro
destemido que, com sua espada, une o passado ao presente, criando um Império
unido. Vence as revoltas, as traições, cria um exército organizado e numeroso com o
qual submete os grupos étnicos e tribais sob seu domínio. Instala um sistema
político de controle total a que subjuga seu povo e cria um conjunto de caracteres,
uma nova escrita, estabelecendo um universo simbólico único pelo qual o povo se
comunica. Constrói parte da Grande Muralha da China e deixa os soldados de
terracota, representações culturais do seu poder, da dinastia Qin. Seu exército é o
símbolo desse poder: fiel e combativo, criando figuras de heróis, iniciando um
sistema de defesa, principalmente o imperador Qin, que deixa o espírito de união,
disseminando o sentido e o orgulho de pertencer ao Império Chinês, o que significa
que a força da China vem da ligação mútua e da união do povo chinês em prol do
que chamam “nossa terra”.
122
Época de 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin)
Material metal, fogo, cera, tecidos, terracota, pilares de madeira, colunas entalhadas de bronze, paredes
de tijolos
Forma
trono do imperador com figura de um dragão e uma fênix entrelaçados de bronze, bandeiras
empunhadas pelos soldados de Qin, colunas do palácio imperial, armas e vestimentas dos
soldados, sinos de Bianzhong, velas, Muralha da China
Cor amarelo, vermelho, cinza e preto
Ritmo toque dos sinos e tambores no palácio, estalar das espadas dos soldados, ritual de acendimento
das velas na sala do trono do imperador, trote dos cavalos, corrida das bigas
Movimento ordem, disciplina, proteção na formação dos soldados
Símbolo soldados do exército de Qin
Quadro 25: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Relações de poder
Figura 46: Sinos de Bianzhong
Figura 47: Palácio do Imperador Qin
123
CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO
De 221 a.C. a 207 a.C.
Dinastia Qin
Imperador Qin (poder)
Palácio do Imperador (trono com figura de um dragão e uma fênix entrelaçados, colunas entalhadas, sinos de bronze de Bianzhong, velas postas à frente do trono)
Soldados do exército Qin (armas, vestimentas, aparato de formação militar)
O imperador Qin, que reinou na China entre 221 e 207 a.C., depois que uniu os sete reinos, sentado em seu trono no Palácio Imperial, revela através dos símbolos presentes no palácio o seu poder e liderança sobre o exército e sobre o povo.
Quadro 26: Análise semiótica do filme Herói Categoria: Relações de poder
Figura 48: Soldados do exército de Qin
Figura 49: Imperador Qin na sala do trono
124
CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A imagem tem hoje presença significativa na vida social. Nesta pesquisa, a
imagem cinematográfica, através da obra de Zhang Yimou, ganha status de “estudo
de caso” na educação, não apenas como uma questão metodológica, mas também
cultural, articulando relações entre imagem, símbolos e conhecimento.
Ciência e tecnologia interferem de forma marcante nos rumos das sociedades
e, consequentemente, na educação, criando uma nova linguagem a partir da
reprodução de imagens e sons num processo inovador na formação de um ser
humano universal, capaz de discutir a relação entre os saberes, as sensações e as
reflexões críticas. Ao estabelecer a relação entre imagem cinematográfica, história,
arte e educação, pode-se realizar a investigação do objeto de estudo, permitindo o
entendimento das questões histórico-culturais, situando-as na época de sua criação
e mostrando sua influência na sociedade atual. Considerando essas relações,
buscaram-se os enunciados de certos discursos de regimes de verdade próprios de
uma época, produzidos, veiculados e recebidos de formas específicas, que falam de
uma determinada contextualização e que apresentam relações de poder. Na
expressão de seus valores culturais, produzem sujeitos com padrões
comportamentais de homogeneização na construção de sua identidade.
Dessa maneira, a questão focal da relação entre imagem e educação é a
relação do homem com a tecnologia. Falar de imagens no cinema é falar da relação
entre o “olhar” humano repleto de saberes, experiência, criatividade, reflexão crítica
e o “olhar” a partir de um olho técnico com possibilidade de recortes. Ao interpretar a
imagem, apreende-se sua matéria significante em diferentes contextos. O resultado
dessa interpretação, da ordem do simbólico, é a produção de outras imagens. A
imagem fílmica do cinema é divertimento e arte, um meio de comunicação que
transmite mensagem e principalmente som e imagem. Atrai e prende o olhar. Cria os
grandes planos e as panorâmicas, da mesma forma que espetaculariza o ínfimo, o
detalhe, com uma nitidez que nenhuma outra linguagem é capaz de criar. Revela o
visível e aquilo que não é visível, mas faz ver.
Sendo assim, a imagem cinematográfica de Zhang Yimou é, então, o
espetáculo visto, proposto pela câmera, numa revelação direta olho-máquina.
Pela lente de Zhang Yimou, revelam-se os símbolos como representação dos
125
ciclos culturais que marcaram a história da China. O olhar do cineasta mostra,
também, a relação da cultura com o social, o histórico, a arte e com a formação
social da identidade do povo chinês.
Assim, a partir da imagem icônica, por um efeito de sentidos que se institui
entre o olhar, a imagem e a possibilidade do recorte, pode-se conhecer de que
forma a relação imagem fílmica/interpretação é administrada nas diferentes
instâncias da cultura chinesa por Zhang Yimou.
Para compreensão desse processo de análise, foram selecionados dez filmes
do cineasta Zhang Yimou, compreendendo o período de 1987 a 2006, que
representam desde a formação do Império Chinês até os dias atuais da China, além
da abertura e do encerramento das Olimpíadas de 2008:
a) 1987 - O sorgo vermelho;
b) 1991 - Lanternas vermelhas;
c) 1992 - A história de Qiu Jú;
d) 1994 - Tempo de viver;
e) 1999 - Nenhum a menos;
f) 2001 - Happy times;
g) 2002 - Herói;
h) 2004 - O clã das adagas voadoras;
i) 2005 - Um longo caminho;
j) 2006 - A maldição da flor dourada;
k) 2008 - Abertura e encerramento das Olimpíadas.
Posteriormente, efetuou-se a seleção de cenas através do software de edição
digital Windows Movie Maker, obtendo como produto final da montagem filmes mais
curtos, utilizados na análise. Foi aplicado o programa framing, que consiste em criar
um novo arquivo de imagens estáticas ou fotos a partir da captura da imagem no
arquivo de filme previamente selecionado. O processo foi realizado através do
mesmo software Windows Movie Maker, permitindo a impressão e apresentação das
imagens.
Nesta pesquisa, a análise descritiva das imagens cinematográficas apresenta
uma combinação da teoria iconológica (Panofsky), da semiótica (Peirce) e da reação
estética (Vygotsky), caracterizando a chamada triangulação metodológica.
Na aplicação da metodologia, foram selecionadas as categorias: “educação”,
“gênero feminino”, “relações de poder” e “estética e ética da morte” para análise das
126
imagens cinematográficas. Propõe-se, após a identificação das imagens, a
descrição de suas formas, sua correlação com estabelecimento de contextualização,
seu significado e sua função simbólica na sociedade e, por fim, um exercício de
sensibilidade que permita a compreensão da totalidade do fenômeno apreendido
através dos elementos: forma, material, imagem, tema, significado, sentido,
condicionamentos culturais e sociais.
Esta análise da imagem permite ao espectador apreender conhecimento,
possibilitando o seu crescimento, uma vez que oferece material para o exercício de
reflexão e de sensibilidade integradas.
Algumas das representações simbólicas encontradas nos filmes de Zhang
Yimou foram:
a) o aprendizado para os chineses reside no treino de um sistema de
práticas;
b) Homem e natureza constituem uma única sociedade que tem ciclos de
mudanças;
c) A sabedoria chinesa tem fins políticos;
d) O sistema familiar preserva padrões de comportamento profundamente
arraigados no código confuciano de conduta baseado no treinamento de
jovens para o autocontrole e obediência em aceitar padrões de status na
hierarquia familiar e oficial do governo;
e) Absorção do indivíduo pela natureza e pela expressão da coletividade;
f) O homem se aperfeiçoa por meio da educação, pelo seu próprio esforço
de autocultivação (meditação) e pelo cumprimento das regras de
sobriedade (concede status moral);
g) Maior ênfase aos deveres do que aos direitos;
h) O dever mais importante é a lealdade (devoção filial, devoção ao Estado,
devoção ao marido);
i) Os caracteres da escrita chinesa não são representações de palavras,
mas símbolos de ideias;
j) A ordem universal se realiza graças a uma participação ativa dos
chineses, tendo como efeito uma disciplina civilizatória;
k) Mudança no status da mulher: da sociedade patriarcal a novos padrões de
comportamento baseados nos valores econômicos;
l) Crueldade dos japoneses nas comunidades rurais invadidas;
127
m) A educação estatal chinesa cria soldados, heróis que lutam pela união da
sua pátria, a despeito de qualquer sacrifício individual, pelo bem da sua
terra;
Considerando a simbologia presente nos filmes de Yimou, que se processa
na mediação estabelecida entre o olhar que produz a imagem e o olhar do
espectador que a interpreta, permite-se estabelecer uma analogia com o objeto
educação como referência por meio da qual as relações na sociedade e na cultura
são constituídas. Abordar a questão da imagem no campo educacional é abordar a
relação entre o sensível e o racional. Entrar na história narrada nos filmes de Zhang
Yimou, como experiência de vida, traz a emoção de, percorrendo seus meandros,
diálogos, cores e sons, rever, ao mesmo tempo, aspectos da universalidade da
cultura e do comportamento humano.
O método de análise exposto neste trabalho é um exercício de abstração que
define padrões culturais a partir do enquadramento dos filmes em categorias
preestabelecidas, o que não só amplia o potencial cognitivo, como também a
capacidade sensitiva. Os filmes objeto de interpretação crítica podem ser de temas
tão variados quanto queira o educador, expandindo a criatividade dos alunos em
todas as matérias. Transportando tal recurso para os mais diversos sistemas
educacionais, inclusive o brasileiro, pode-se esperar que os alunos adquiram uma
capacitação reflexiva para desenvolver multicompetências. Segundo Vygotsky
(2001), os fenômenos psíquicos são inter-relacionados e indissociáveis do todo, o
que exige do sujeito uma ação totalizadora que engloba as dimensões cognitiva e
afetiva.
As imagens cinematográficas surgem, assim, como protagonistas de uma
ação pedagógica, participando na elaboração do conhecimento através da interação
do mundo real e suas representações com o universo simbólico.
Educar por intermédio da imagem cinematográfica, considerando as novas
formas de relação pedagógica, é criar condições para o espectador conhecer o
mundo através de imagens sobre as quais ele possa pensar, refletir, analisar,
criticar, relacionar e experienciar a intuição e a sensibilidade.
Concluindo, esta dissertação teve como proposta básica a criação de uma
metodologia, entrelaçada com os fundamentos teóricos de Panofsky, Peirce e
Vygotsky, para a compreensão do imenso conjunto de sinais que as obras
cinematográficas transmitem como fonte de conhecimento para os alunos. Através
128
deste trabalho, os educadores podem ter mais ferramentas para analisar, relacionar
e compreender com seus educandos, desde as primeiridades das configurações dos
sinais, como suas evoluções que se remetem de signos para signos, até a
complexidade que envolve os padrões culturais e suas significações.
Educar no século XXI requer do sistema educacional, envolvendo educador e
educando, um aumento da consciência e consequente reflexão de que se vive em
um mundo globalizado, continuamente informado pela conexão das mídias de última
geração, que mobilizam tomadas de decisões que incluem a análise de múltiplas
variáveis. Essa complexidade envolve diferentes culturas que se influenciam
continuamente. Sendo que os educandos vivem assistindo a filmes e estão
conectados em áudio e vídeo com informações que transcendem as salas de aula,
esta dissertação quer contribuir para que os educadores possam partir para
pesquisas mais eficazes com o propósito de compreenderem os significados dos
conteúdos do universo midiático no qual a nova geração de alunos está imersa.
129
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133
ANEXOS
CIVILIZAÇÃO CHINESA Da Muralha da China ao Estádio Ninho de Pássaro,
cinco mil anos de história, cultura e arte (Síntese Apresentada no quadro 27)
CHINA
Nome oficial: Zhonghua Renmin Gongueguo, “país do meio” em chinês,
República Popular da China (RPC); é uma das civilizações mais antigas do mundo,
com as suas raízes histórico-culturais que remontam há mais de cinco mil anos.
A cidade de Pequim ou Beijing é a capital da China, sendo tanto o centro
político, como o centro cultural, científico e educativo, além do eixo das
comunicações do país.
De dimensões continentais, a China é o país mais populoso do planeta, com
uma população de 1,306 bilhões de habitantes; com políticas rígidas para controle
de natalidade. Moeda: iuan chinês. “Yuan” em chinês significa “objeto redondo”.
Dia da independência Nacional: é comemorado no dia 1.º de outubro de
cada ano, marcando a fundação do People’s Republic of China.
Possui uma área de 9.572.909 km², com um relevo de grandes montanhas,
planícies e colinas que ocupam 65% da superfície continental.
Localiza-se a leste da Ásia, com uma sucessão de planaltos descendo na
direção (O – L); montes da Ásia Central e bacia do rio Tarim (NO). Cordilheira do
Himalaia (SO); deserto de Gobi e planalto da Mongólia (N); planalto do Tibet (O e
centro); planície da Manchúria (NE) e da China Setentrional.
Composição da população: já existiram na China mais de uma centena de
grupos étnicos. Em termos numéricos, a etnia dominante é a dos Han, com 92%.
Dos 8% restantes, o governo da República Popular Chinesa reconhece 55 grupos
étnicos.
Principais cidades: Xangai, Pequim (Beijing), Tianjin, Sheyang, Wuhan,
Guanzou (Cantão).
Figura 50: Zhonguo Fonte: HTTP://ptwikipedia.org/wiki/china
134
Economia da China:
a) Produtos agrícolas: arroz, batata-doce, trigo, milho, soja, cana-de-açúcar,
tabaco, algodão em pluma, batata, juta, legumes e verduras;
b) Pecuária: equinos, bovinos, búfalos, camelos, suínos, ovinos, caprinos, aves;
c) Mineração: carvão, petróleo, chumbo, minério de ferro, enxofre, zinco,
bauxita, asfalto natural, estanho, fosforito;
d) Indústria: têxtil (algodão), materiais de construção (cimento), siderúrgica
(aço), equipamentos eletrônicos.
Idioma: o mandarim, a língua oficial da China, é utilizado por 94% da
população, e dialetos regionais (predomina o cantonês).
Religião: a filosofia chinesa teve um impacto extremo na cultura do seu povo,
tanto em nível erudito quanto em nível popular. As raízes da filosofia chinesa estão
no Confucionismo, Taoísmo e Budismo. O budismo é a religião com o maior número
de seguidores: 20,1%. (CHINA, news.bbc.co.uk, 2009)
Escrita: o sistema de escrita chinesa possui 50.000 caracteres, dos quais
7.000 são os mais usados. Apesar desse grande número, análises mostram não
mais do que oito riscos básicos: ponto, traço, risco perpendicular para baixo, risco
para baixo e para a esquerda, ou risco caindo para a esquerda, risco em forma de
curva, ou risco caindo para a direita, gancho, risco para cima e para a direita, e
dobra ou entrelaçamento. Esse sistema ideográfico requer uma sociedade culta e
com uma boa formação, uma vez que é baseado, principalmente, em conceitos, e
não em fonética.
A caligrafia chinesa é uma arte oriental. Mas o que a torna uma arte? É muito
semelhante ao que ocorre com a pintura. Caracteres chineses são utilizados para
expressar o mundo espiritual do artista. Assim como as pessoas têm fisionomias
diferentes, elas também terão caligrafias e escritas diferentes. Através da forma,
manuseio do pincel, apresentação e estilo, a caligrafia como um trabalho de arte
comunica a moral, o caráter, as emoções, sentimentos estéticos e a cultura do
artista para os leitores, afetando-os pelo poder de apelo e alegria da beleza.
A caligrafia não é somente uma técnica prática para escrever caracteres
chineses, mas também uma arte oriental única, de expressão, aprendizado ou
disciplina. Como um modo de aprendizado, é rica em conteúdo, incluindo a evolução
dos estilos de escrita, desenvolvimento de regras e técnicas, história da caligrafia,
escritores e sua herança na arte, e avaliação da caligrafia como um trabalho de arte.
135
Esse modo de aprendizado é vasto e profundo, formando uma importante parte da
cultura chinesa.
Os estudiosos da caligrafia chinesa acreditam que essa forma de arte tenha a
beleza da imagem na pintura, a beleza do dinamismo na dança e a beleza do ritmo
na música.
Com uma história de quatro a cinco mil anos, a arte da caligrafia é rica e
profunda em conteúdo e tem atraído a atenção de artistas ao redor do mundo.
Arte: a arte registra as ideias e os ideais das culturas e etnias, sendo, assim,
importante para a compreensão da história do homem e do mundo. A verdadeira
essência da arte e do artista é poder transformar a realidade de acordo com seus
ideais e pensamentos.
O milagre da arte lembra outro milagre do Evangelho: “a transformação da
água em vinho, e a verdadeira natureza da arte sempre implica algo que transforma
[...]”. (VYGOTSKY, 2001, p. 45).
“Nada existe realmente que se possa dar o nome de arte, existem somente
artistas.” (GOMBRICH, 2000, p. 98). Arte pode ser sinônimo de uma beleza
transcendente. Arte é um fenômeno cultural. A verdadeira essência da arte e do
artista é poder transformar a realidade de acordo com seus ideais e pensamentos.
A arte possui a função transcendente, ou seja, manchas de tinta sobre uma
tela, ou palavras escrita em um papel, os estados da consciência humana,
abrangendo emoções, percepção e razão (PEIRCE, 2008), essa seria a principal
função da arte.
A montagem de uma obra de arte requer técnica, criatividade e conhecimento.
Apenas com a catarse a arte se manifestará em sua plenitude. “[...] a arte é uma
espécie de sentimento social, prolongado, ou uma técnica de sentimentos.”
(VYGOTSKY, 2001, p. 54). A sublimação da paixão produz a arte. (VYGOSTKY,
2001).
Nas personagens de Tolstoi, a arte exige resposta, motiva certos atos e
atitudes. Em Nietzsche, a arte sugere que o motivo está contido no ritmo: “Ele gera
uma vontade irresistível de imitar, de colocar-se em uníssono não só com os passos
que os pés lhe facultam como também com a alma que segue a medida... Aliás, terá
havido para o homem antigo e supersticioso algo mais útil que o ritmo?”
(VYGOSTKY, 2001, p. 78).
Caracterizada pela serenidade e permanência das formas expressivas e pela
136
rigidez de valores estéticos, a cultura chinesa procurou sempre, através das suas
realizações artísticas, a harmonia com o universo. Com a abertura da cultura
chinesa ao exterior, durante a dinastia Ching, tornou-se evidente, em paralelo com a
exportação de artefatos artísticos para todo o mundo ocidental, a apropriação pela
China de outras linguagens estéticas.
A arte chinesa é significativa não apenas pela beleza, mas também porque foi
a maior fonte de inspiração para todo o Oriente: Japão, Coreia, Tibete, Mongólia,
Indochina e Ásia Central. A Europa também deve à China muitos dos seus impulsos
artísticos, bem como a introdução de variadas técnicas, principalmente na cerâmica
e na tecelagem. A postura em relação às artes apresentava muitas diferenças entre
a China e o Ocidente. O amador erudito, por exemplo, tinha geralmente um status
mais elevado do que o profissional, e não havia distinção entre belas artes e artes
aplicadas. Na verdade, a caligrafia na China há muito tempo já era considerada a
mais nobre das artes.
A pintura era uma forma desenvolvida da caligrafia, e ainda hoje as duas
apresentam relações bem próximas. O pintor, em vez de pintar seus quadros em
telas ou madeira com tintas a óleo, geralmente trabalhava em seda ou papel com
aquarela. Além disso, a vitalidade e o ritmo das pinceladas era mais importante que
o naturalismo da representação.
O escultor utilizava pedra, madeira ou bronze, mas algumas vezes modelava
ou revestia suas obras com laca, uma forma de arte originária da China. A porcelana
também foi fabricada pela primeira vez na China, mais de mil anos antes que o
segredo de sua manufatura fosse conhecido na Europa, no início do século XVIII. O
jade é outro tipo de material associado à China, tendo sido utilizado na confecção de
objetos rituais, armas cerimoniais, joias e pequenas esculturas.
As casas dispõem, na maioria das vezes, de um só andar, espalhando-se por
grandes terrenos, com jardins e pátios entre as várias alas, embora palácios,
templos e pagodes sejam mais altos. Os telhados também são construídos sobre
portões, pontes, muralhas e monumentos. Vários telhados aparecem, muitas vezes,
uns sobre outros, com os beirais formando graciosas curvas para cima, uma das
características mais típicas da arquitetura chinesa.
A arte chinesa tem fascinado pessoas de todo o mundo. Cerâmica, pintura,
caligrafia, desenhos animados antigos, artes folclóricas, show de sombra, ópera
(ópera de Pequim), dança (dança do Leão e dança do Dragão), artes marciais,
137
esculturas em jade, marfim e bronze, são alguns exemplos da arte chinesa.
O show de sombras é um tipo de drama que tem suas raízes na China. A
lenda diz que o Imperador Wudi (156 – 87 a.C.) estava deprimido com a morte de
sua concubina favorita, Lady Li. Para ajudá-lo a superar essa tristeza, um artista
esculpiu uma figura de madeira semelhante a ela e projetou sua sombra numa
cortina para que o imperador pudesse vê-la, consolando-o com a crença de que a
sombra era o espírito da concubina. Essa crença permaneceu até o início do show
de sombras.
Os bonecos de sombra de hoje são feitos de couro, ao invés de madeira, pela
simples razão de que o couro é muito mais leve, mais fácil de ser manipulado e
transportado. Os bonecos de couro são pintados com várias cores para mostrar
suas diferentes qualidades – bom ou mau, feio ou bonito. Durante a performance, os
“atores” são segurados perto de uma cortina branca e as sombras coloridas de seus
moldes são projetadas sobre ela por uma forte luz ao fundo. Movidos por palitos,
eles desempenham seus papéis, acompanhados de música, com sua atuação ou
canto feito pelos operadores.
O show de sombras se tornou muito popular no começo da dinastia Song,
quando as festas nacionais eram marcadas pela apresentação de várias peças de
sombras. Durante a dinastia Ming, havia 40 a 50 equipes de show de sombras só na
cidade de Beijing.
Algumas pessoas podem ter ido muito longe ao alegar que o show de
sombras chinês foi o precursor da indústria cinematográfica, mas ele certamente
contribuiu para enriquecer o show business mundial da época. Atualmente, tempos
em que o cinema e a televisão se espalharam pelo mundo, turistas estrangeiros na
China ainda se entusiasmam para ver uma apresentação dessa anciã arte
dramática.
Durante séculos, a antiga civilização chinesa foi conhecida somente através
de registros escritos. Agora a arqueologia moderna está revelando os segredos
desse mundo antigo, com surpreendentes descobertas através de obras realizadas
em bronze, tesouros em informações sobre o passado da China.
O desenvolvimento da metalurgia do bronze envolveu mineração, fundição e
os minérios que contêm cobre e estanho, dois metais que se ligam para produzir
bronze. O bronze foi usualmente utilizado para fazer melhores ferramentas para a
agricultura e melhores armas para entrar em guerra. Na China antiga, os mais
138
talentosos trabalhadores de bronze foram colocados para fabricar vasos para
preservar água e alimentos para serem utilizados em cultos e rituais.
A civilização chinesa no início dos anos da Idade do Bronze foi uma
sociedade altamente estratificada, governada por um rei todo-poderoso e seus
nobres. De acordo com a religião da dinastia Shang, o rei tinha o seu poder derivado
de seus divinos ancestrais, cujos espíritos poderiam influenciar o curso dos
acontecimentos se fossem propiciados com oferendas e sacrifícios. O bronze, assim,
estava relacionado ao poder e à divindade.
Em 1976 foi descoberto um navio de bronze, cujo registro de inscrição revela
que foi encomendado apenas oito dias após a derrota dos Shangs para a captação
do auspicioso Bronze. Os navios de bronze mais antigos descobertos até o
momento são datados de 1800 a.C.
As decorações em vasos do Shang parecem ricas de significado. A
decoração mais frequentemente utilizada é o “mascarar de animal”, que, na verdade,
é composto por duas criaturas mostrando cabeça-de-cabeça no perfil.
As peças de jade da China antiga foram preservadas porque elas foram
enterradas nos túmulos. Durante a dinastia Shang, membros da realeza foram
enterrados não apenas com os seus bronzes, cerâmicas, armas e amuletos, mas
também com os seus servos, guarda-costas, cavalos, carros e cocheiro.
Uma versão dessa prática da era imperial chinesa foi descoberta em 1974 por
agricultores que estavam cavando um poço para a sua comuna. Os numerosos
guerreiros, os soldados de terracota, enterrados menos de uma milha a partir da
tumba do primeiro imperador de Qin (221 – 210 a.C.), fazem parte de uma das mais
surpreendentes descobertas em toda a história da arqueologia. O Primeiro
Imperador foi ao túmulo escoltado por mais de 7000 figuras de homens, cavalos e
charretes de terracota. Eles não foram carimbados a partir de moldes, mas foram
modelados individualmente, despidos, pintados e equipados com armas reais e as
artes de representar o Imperador do exército terrestre.
Os fabulosos bronzes e figuras em terracota representam as mais brilhantes
descobertas feitas na última arqueologia da Idade de Bronze chinesa. Em muitos
casos, elas confirmam a veracidade das antigas lendas, como se fizessem luz sobre
uma civilização há muito eclipsada e obscura. Sua descoberta é uma grande
contribuição para a compreensão ocidental do esplendor e grandeza da antiga
civilização chinesa.
139
O que a arte das máscaras representa para a ópera de Pequim? A arte das
máscaras e da maquiagem facial nas óperas chinesas tem uma longa história. Na
China anciã, havia uma forma de dança chamada nuo, apresentada em cerimônias
rituais para espantar os fantasmas e almas malévolas e para libertar a população
das epidemias.
Na dinastia Tang (618 – 907), máscaras eram aplicadas na comédia e, ao
mesmo tempo, artistas começaram a pintar suas faces para se transformar em seres
sobrenaturais.
Maquiagens e pinturas faciais são uma arte especial nas óperas chinesas,
mostrando com perfeição as diferentes personagens, assim como suas disposições
e qualidades morais por meio de exagero artístico, combinando pinturas faciais
verossímeis e simbolismo. A maquiagem facial também serve para expressar apreço
ou repúdio pelas personagens.
Diferentes cores, como vermelho, amarelo, azul, branco, preto, roxo, verde,
dourado e prateado, são usadas para a maquiagem facial. A cor principal numa
maquiagem facial simboliza a disposição da personagem. Vermelho indica devoção,
coragem e nobreza. Amarelo significa ambição, intensidade, sabedoria e diversão.
Azul representa lealdade, espiritualidade, intuição e astúcia. Branco sugere pureza,
mistério, transcendência, traição e astúcia. Preto simboliza rudeza, brutalidade e
medo. Roxo significa nobreza, sofisticação, inspiração, fé e prosperidade. Dourado e
prateado são cores usualmente utilizadas para deuses e espíritos.
Dança: Assim como o idioma chinês, a dança chinesa possui seu próprio
vocabulário, semântica e estrutura sintática que permitem a um dançarino expressar
completamente seus pensamentos e sentimentos com facilidade e graça no palco.
A arte da dança chinesa traça suas origens até mesmo antes do
aparecimento dos primeiros caracteres escritos chineses. Potes de cerâmica foram
encontrados no sítio de escavação de Sun Chia Chai no Município de Tatung, na
província chinesa ocidental de Chinghai, que descreve figuras dançantes coloridas.
Um estudo desses artefatos arqueológicos revela que o povo da cultura Neolítica
Yangshao do quarto milênio a.C., aproximadamente, já coreografava danças em
grupo nas quais os participantes fechavam os braços e batiam seus pés no chão
enquanto cantavam com acompanhamento instrumental.
A dança chinesa foi dividida em dois tipos, civil e militar, durante os períodos
Shang e Chou do primeiro milênio a.C. Na dança civil, os dançarinos seguravam
140
bandeiras de penas em suas mãos, simbolizando a distribuição dos frutos da caça
ou pesca do dia.
No vasto grupo de dança militar, por outro lado, os dançarinos levavam armas
em suas mãos e se moviam em grupos com movimentos coordenados. Esses
movimentos evoluíram para os movimentos usados em exercícios militares. Os
chineses usaram movimentos coreográficos das mãos e pés para expressar sua
reverência aos espíritos do céu e da terra, para representar aspectos de suas vidas
cotidianas e para dar expressão sentimentos compartilhados de alegria e prazer. A
dança também era uma arte de apresentação prazerosa, tanto para os artistas como
para o público.
Após a criação da Agência de Música na Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.),
um grande esforço foi feito para colecionar canções e danças folclóricas. Devido à
estável situação política durante a Dinastia Tang, a dança na China entrou em um
período brilhante sem precedentes. A corte imperial da Dinastia Tang fundou a
Academia Pear Garden, a Academia lmperial e o Templo T'ai-ch'ang, reunindo os
melhores talentos da dança do país para executar a magnífica, imponente e
incomparável dança "Música dos Dez Movimentos". Essa dança incorporava
elementos de formas de dança dos povos da China, Coreia, Sinkiang, Índia, Pérsia e
Ásia Central em uma dança colossal. Ela apresentava complexas técnicas de
movimento corporal e fazia grande uso de fantasias coloridas e de gala e suportes
para provocar os refinados movimentos de dança. Poesia, canções, um enredo
dramático e música de fundo foram incorporados para criar uma abrangente
produção de multimídia rica em conteúdo e brilho. Esse era um predecessor da
moderna Ópera chinesa.
A dança do Leão e a dança do Dragão são as duas formas de dança da
cultura chinesa. Geralmente encontradas em celebrações festivas. A dança do Leão
teve origem na China cerca de mil anos atrás. Tradicionalmente, o leão é
considerado uma criatura guardiã e aparecia na coletânea budista. A dança é
tradicionalmente acompanhada por gongos, tambores e foguetes.
O povo chinês frequentemente usa o termo “descendentes do Dragão” como
sinal de identidade étnica. A dança do Dragão é um espetáculo no qual os músicos,
com os tradicionais tambores, pratos e gongos, acompanham o “Dragão”, que dança
enfatizando a chegada do Ano Novo chinês em Chinatowns ao redor do mundo.
A dança do Dragão começou a ser documentada na dinastia Han (206 – 220),
141
até o fim da dinastia Song (960 – 1279) e ficou muito popular. Tradicionalmente,
aparecia sempre em festejos que celebravam boa colheita ou clima favorável à
agricultura, que mostram a prosperidade da vida. Mais tarde, a dança virou também
um show de técnica folclórica especial. Hoje, ela aparece muito em festejos
diferentes ou em inauguração de empresas e de eventos.
A “dança do eco” mostra a exibição de uma dança típica chinesa, na qual
tambores marcam o ritmo, feijões são jogados na direção deles, lembrando pinturas
da época em que mulheres dançavam com tambores e pratos na ponta dos dedos.
A música na China parece datar de antes da civilização chinesa, e
documentos e artefatos fornecem evidência de uma cultura musical bem
desenvolvida ainda na Dinastia Zhou (1122 – 256 a.C.). A música instrumental é
tocada com instrumentos de solo ou conjuntos pequenos de instrumentos de corda,
flautas, e vários pratos, gongos, e tímpanos. A escala tem cinco notas. Os tubos de
bambu estão entre os instrumentos musicais conhecidamente mais antigos da
China. Os instrumentos estão tradicionalmente divididos em categorias baseadas
em seu material de composição: pele, abóbora, bambu, madeira, seda, barro, metal
e pedra. A música escrita mais antiga é Solidão da Orquídea, atribuída a Confúcio.
A música chinesa está entre as mais antigas do mundo. Entre os instrumentos
mais conhecidos estão as flautas, gongos, sinos e cítaras. Enquanto alguns
instrumentos – de caráter elitista – acabavam restritos à nobreza (caso, por
exemplo, da cítara Qin ou da viola Erhu), outros, como os gongos, tambores e
flautas, tinham presença garantida nas festas populares e até nas cerimônias
religiosas. Descobertas arqueológicas recentes mostram quão antiga é a relação
entre a China e a música. No sítio arqueológico de Jiahu (Henan), em 1999,
pesquisadores localizaram as mais antigas flautas produzidas pela civilização
chinesa. Construídas com ossos ocos de aves, as flautas, datadas de nove mil anos,
possuem entre cinco e nove furos e, até o momento, são as mais antigas peças do
gênero encontradas intactas.
Outro achado extraordinário ocorreu em 1978 em Hubei, quando arqueólogos
que trabalhavam na tumba do Marquês de Yi, personagem do Período dos Reinos
Combatentes (475 – 221 a.C.), encontraram um jogo de 64 sinos do tipo Bianzhong
em bronze. As peças dão a medida do desenvolvimento da música na China:
percutido em diferentes pontos, cada sino é capaz de emitir duas notas diferentes,
sendo, por isso, conhecidos como “sinos de duas notas”.
142
Além das flautas, encontraram-se mais instrumentos musicais da Idade da
Pedra Polida, sinos de terracota, Qing (um instrumento de percussão, feito de pedra
ou jade) e tambores. Esses instrumentos musicais cobrem um período bem longo e
foram encontrados amplamente na China. Por isso, eles devem ser os principais
instrumentos musicais dessa época e desenvolveram-se muito mais tarde.
O Tai Chi Chuan é uma arte marcial chinesa. Esse estilo de arte marcial é
reconhecido também como uma forma de meditação em movimento. Os princípios
filosóficos do Tai Chi Chuan remetem ao Taoísmo e à Alquimia Chinesa. A relação
de Yin e Yang, os Cinco Elementos, o Ba Gua (Oito Trigramas), o Livro das
Mutações (I Ching) e o Tao Te Ching de Lao Zi são algumas das principais
referências para a compreensão de seus fundamentos. Os textos clássicos do Tai
Chi Chuan, escritos pelos mestres, orientam a vencer o movimento através da
quietude, vencer a dureza através da suavidade e vencer o rápido através do lento.
Os criadores do Tai Chi Chuan basearam sua arte na observação na natureza – não
apenas na observação dos animais, mas no estudo dos princípios na interação entre
os diversos elementos naturais. Sendo o homem parte dessa natureza, o
conhecimento destes princípios e de como atuam no corpo humano, estudados pela
Medicina Tradicional Chinesa, revelam o Tai Chi como uma fonte efetiva de energia
que se encontra em seu interior, situada na região do corpo nomeada pelos
chineses de Dantian Médio.
Os ideogramas que compõem a palavra Tai Chi Chuan significam:
a) Tai significa “o maior”, o “mais alto”, originalmente se referia à parte mais alta
do telhado – “cumeeira”;
b) Chi significa “supremo”, “absoluto”;
c) Chuan significa punho, aqui simbolizando “soco”, “luta a mãos livres”, “boxe”.
Documentos históricos consideram o general chinês Chen Wang Ting (1600 –
1680) o criador do estilo Chen de Tai Chi, que ganhou grande projeção e está na
raiz da origem dos estilos praticados pelas outras linhagens/famílias.
Além das contribuições culturais da arte, outras quatro grandes invenções
chinesas na área da tecnologia marcaram profundamente a história cultural das
civilizações: bússola, impressão, papel e a pólvora. Algumas outras invenções:
ábaco oriental, besta (arma), leme e sistema de velas (navegação). Símbolos nacionais pretendem unir as pessoas através da criação visual,
verbal, icônica ou representações nacionais do povo, princípios, metas, ou a história.
143
Geralmente símbolos nacionais são emprestados a partir do mundo natural.
Símbolos nacionais oficiais de um país são sua bandeira, brasão (emblema), selo e
carimbo das dinastias, suas cores, animais, plantas, hinos, Chefe de Estado.
Símbolos nacionais não oficiais são os mitos nacionais, adornos, danças, heróis,
instrumentos, etc.
São símbolos nacionais da China:
a) Bandeira nacional da República Popular da China: adotada em 1949, sua
cor vermelha simboliza o espírito da revolução e as cinco estrelas significam a
unidade do povo da China sob a liderança do Partido Comunista Chinês.
b) Brasão de armas da República Popular da China: o emblema nacional da
República Popular da China contém uma representação da porta de entrada
da Cidade Proibida na Praça Tiananmen em Pequim, num círculo vermelho.
Por cima dessa representação, estão cinco estrelas que se encontram
também na bandeira da República Popular da China. As cinco estrelas
representam a união dos povos chineses. Algumas pessoas interpretam
essas cinco estrelas como a união das cinco principais nacionalidades,
enquanto outras as interpretam como as cinco principais classes sociais. O
círculo é rodeado por uma borda que contém espigas de arroz e de trigo, que
simbolizam a filosofia maoísta de uma revolução da agricultura, assim como
os agricultores. Na parte inferior, encontra-se uma roda dentada que
representa os operários industriais. Foi oficializado como emblema nacional
em 1950. c) Hino nacional: o hino nacional da República Popular da China, composto em
1935 e originalmente conhecido como o Mar do Voluntariado, descreve a ira
do povo chinês contra a agressão imperialista e a sua determinação em
proteger a sua pátria contra invasores. d) Cores nacionais: vermelho e amarelo. e) Animal nacional: o panda gigante é o animal nacional da China. O dragão
chinês é o símbolo da monarquia feudal da China. Ele representou o poder, a
inteligência e a criatividade do imperador da China durante os anos do
sistema feudal, sendo, também, um sinal de riqueza entre as pessoas. f) Heróis: segundo a mitologia grega e o folclore, um herói (masculino ou
feminino) normalmente atende as definições do que é considerado bom e
nobre na cultura originária. Normalmente, a disponibilidade para o
144
autossacrifício para o bem maior é considerada como a mais importante
característica de um herói. Na história da China, há alguns dos melhores
heróis da época e o país continua a ser o berço de muitos corações
corajosos, que podem ser justamente chamados de heróis nacionais. Todos
eles encarnam a identidade da nação. Alguns heróis nacionais da
Antiguidade: Bao Gong, nascido em abril de 999 d.C., um alto funcionário da
Dinastia Song, admirado pelo seu rigor na defesa e justiça, e por sua posição
contra a corrupção entre os funcionários do governo; Lin Zexu, nascido em
1785, era um temível diplomata, famoso por sua luta ativa contra posições em
divisas de ópio importado. Como herói moderno, destaca-se Mao Zedong,
nascido em 1893, uma das figuras mais importantes na história do mundo
moderno, um grande líder revolucionário, cujo pensamento é a mais alta
expressão do marxismo. Levou o Partido Comunista da China para a vitória
da Guerra Civil e, consequentemente, para a criação da República Popular da
China em 1.º de outubro de 1949.
Política: durante mais de 2000 anos, o Estado chinês manteve basicamente a
mesma estrutura criada por Qin Shi Huangdi, o primeiro e o mais celebrado
imperador. Ele unificou sete reinos no que viria a ser chamado para sempre de País
do Meio. Era um Estado centralizado e autoritário, com moeda comum e escrita
unificada. Além da primeira Grande Muralha, deixou, para guardar sua tumba, os
fabulosos guerreiros de terracota.
Depois da unificação sob o Império Qin, a China foi dominada por mais dez
dinastias, muitas das quais comportavam um complexo sistema de reinos,
principados, ducados, condados e marquesados. O poder era centralizado, contudo,
na figura do imperador, ainda coadjuvado por ministros civis e militares e,
principalmente, por um primeiro-ministro. Aconteceu de, por vezes, o poder político
ser tomado por oficiais (eunucos) ou familiares. As relações políticas com regiões
dependentes do império (reinos tributários) eram mantidas à base de casamentos,
coligações militares e ofertas. Atualmente, a China é governada pelo Partido
Comunista Chinês fundado por Mao Tsé-tung, que realizou a planificação econômica
chinesa.
Educação: em apenas três décadas, a China conseguiu erguer um sistema
de ensino eficiente o bastante para emplacar duas de suas universidades entre as
melhores do mundo (segundo rankings mundiais que medem a produção
145
acadêmica), formar nada menos que 1,2 milhão de pesquisadores com doutorado,
reduzir o analfabetismo a 4%, colocar 21% dos jovens na universidade e 5,9% de
artigos publicados em periódicos científicos internacionais (em relação à produção
mundial). As salas de aula do país absorvem 240 milhões de estudantes de todos os
níveis. É a maior concentração de alunos do mundo.
CHINA: A HISTÓRIA DE UMA CIVILIZAÇÃO MILENAR ATRAVÉS DA CULTURA E DO PENSAMENTO CHINÊS (FAIRBANK, GOLDEMAN, 2007)
China antiga:
O Rio Amarelo e as origens da civilização chinesa
China medieval:
Dinastias Sui e Tang - reunificação e esplendor do império
China imperial:
Dinastia Manchu controlava sociedade agrícola
Colapso do sistema imperial e o advento da República
China republicana:
Chiang Kai-shek e o domínio do Kuomintang
Camponeses abrem caminho para a Revolução
China comunista:
Camponeses se juntam ao movimento revolucionário
Conflito entre China e URSS e o Grande Salto
O Livro Vermelho de Mao e a Revolução Cultural
Deng Xiaoping promove reformas econômicas
146
O RIO AMARELO E AS ORIGENS DA CIVILIZAÇÃO CHINESA
A civilização chinesa é uma das mais antigas
civilizações conhecidas, quase tão antiga quanto as
que existiram no Egito e na Mesopotâmia. O Império
chinês já existia muitos séculos antes de Roma se
tornar uma das maiores potências do mundo antigo e
continuou existindo séculos após a queda do Império
Romano.
Assim como a cultura grega serviu de modelo
e inspiração para diversos povos do Ocidente, a
cultura chinesa influenciou o desenvolvimento cultural
de diversos países vizinhos, dentre os quais, o Japão
e a Coreia. Os chineses também foram responsáveis
pela descoberta da pólvora e pelas invenções do
papel e da bússola.
Não bastasse tudo isso, a cultura chinesa sobrevive ainda hoje e, segundo
muitos analistas econômicos, a China deverá se tornar em décadas futuras a maior
economia do mundo, posição atualmente ocupada pelos Estados Unidos.
A China atual é um país de dimensões continentais. A presença de grupos
humanos no território em que hoje é a China é bastante remota, tanto que lá foram
achados os vestígios de fósseis do chamado Homem de Pequim, cujo nome
científico é Homo erectus pekinensis, um dos mais antigos hominídeos (a família à
qual pertence a nossa espécie). Esse provável antepassado da espécie humana
viveu há mais de 400 mil anos, andava ereto e é possível que já soubesse utilizar o
fogo. Na parte leste do território que veio a se tornar a nação chinesa, é onde se
encontra a chamada Grande Planície de China. Dois rios que nascem nas
montanhas correm por ela: o Huang-Ho (também chamado de rio Amarelo) e o
Yang-Tsé-Kiang. Semelhante ao que ocorreu no Egito em relação ao rio Nilo, o rio
Huang-Ho favoreceu o desenvolvimento da agricultura e o surgimento de cidades na
região.
Figura 51: Crânio do homem de Pequim, Homo erectus pekinensis, encontrado entre 250.000 a 400.000 anos atrás. Fonte:www.educacao.uol.com.br/historia
147
Às margens do rio Amarelo
Durante muito tempo, acreditou-se que as margens do rio Huang-Ho foram o
berço de toda a civilização chinesa. Escavações arqueológicas mais recentes
levaram os historiadores a concluírem que as margens do rio Huang-Ho foram
apenas um dos centros de difusão de uma das várias culturas que originou a
civilização chinesa.
Em 1986, foram encontrados no sudoeste da China, na vila de Sanxingdui,
objetos de bronze da mesma época da Dinastia Shang (aproximadamente 1500 –
1050 a.C.), mas com um estilo muito diferente do de objetos da mesma época
encontrados no leste do país. Esses e outros achados são exemplos de que o
processo de povoamento e o desenvolvimento cultural da China antiga foram muito
mais complexos do que se imaginava.
As primeiras dinastias
Diferentes linhagens de reis e imperadores governaram a China. Costuma-se
dividir a história da China Antiga nos períodos em que cada uma dessas linhagens
ou dinastias governou o país. Assim, esses períodos podem ser divididos em duas
épocas: Época das três dinastias régias e Época Imperial, que durou de 221 a.C. ao
ano 1911 da nossa era.
CHINA ANTIGA: AS CINCO PRIMEIRAS DINASTIAS CHINESAS
Dinastia Xia (2205 – 1818 a.C.)
A existência da dinastia Xia ainda é motivo de controvérsia entre os
historiadores. Mesmo entre os que acreditam que essa dinastia tenha existido, não
há consenso em relação às datas de sua duração.
Dinastia Shang (aproximadamente entre 1500 – 1050 a.C.)
Até cem anos atrás, aproximadamente, tudo o que se sabia a respeito dessa
dinastia era o que estava escrito em documentos produzidos durante as épocas das
dinastias Zhou e Han, centenas de anos após a queda da dinastia Shang. Por isso,
muitos historiadores ocidentais duvidavam da existência dessa dinastia, afirmando
que os relatos sobre ela não passavam de mitos.
148
A maioria dos historiadores chineses, no entanto, sempre aceitou esses
relatos, citando-os como fontes históricas confiáveis. Descobertas arqueológicas
comprovaram a existência da Dinastia Shang. Entre os achados arqueológicos
estavam objetos de bronze; inscrições gravadas em ossos e cascos de tartaruga e
sepulturas. Pode-se dizer que os mais antigos registros escritos da história da China
surgiram durante a dinastia Shang. A mais antiga forma de escrita conhecida surgiu
na China dos Shang.
Arte e cultura: bronze, música
Depois de um período pré-histórico bastante obscuro, a evolução da arte
chinesa pode ser dividida em cinco longos períodos, para os quais, no entanto, não
existem limites bem claros. Registros definitivos datam da segunda parte da dinastia
Shang, cujos trabalhos mais importantes são os vasos de bronze para sacrifícios, de
formas rígidas e decorados principalmente com motivos animais de significado
religioso.
Dois instrumentos musicais, importantes na Dinastia Shang e que tiveram
muita influência na história toda são o sino e o Qing. O tambor de Shang é também
bem caracterizado. Existem hoje dois tambores de Shang, ambos de bronze,
simulações de tambores de madeira. Um deles foi desenterrado em 1977, na
província de Hubei, e o outro sobreviveu, sendo passado de geração a geração. Os
dois são bem feitos e delicados, evidenciando o estilo do tambor de Shang.
Dinastia Zhou (aproximadamente entre 1050 – 256 a.C.)
Os Zhou (também chamados de Chou) eram uma poderosa família vinda do
oeste do país. Derrubaram os Shang e assumiram o poder. Para obter apoio,
costumavam distribuir terras aos seus aliados. Esse apoio vinha de famílias nobres,
que detinham riquezas. Cada uma dessas famílias governava uma cidade ou
província.
Em caso de guerra, eles ajudavam o exército do rei, fornecendo soldados,
armas ou alimentos. Os territórios controlados por essas famílias foram ficando cada
vez maiores e a China acabou sendo dividida em sete principados. Na prática, essa
divisão acabou fortalecendo essas famílias e diminuindo o poder do imperador.
Não demorou para os sete principados entrarem em guerra entre si. Essa
guerra durou anos (480 – 221 a.C., período conhecido como "Época dos Estados
Guerreiros") e foi vencida pelo primeiro reino de Qin (ou Chin). Esse reino era
149
afastado dos outros que se enfrentaram entre si. Por isso, sofreu menos os efeitos
das guerras e se tornou o mais rico e poderoso. Os reis de Qin organizaram um
grande exército e equiparam seus soldados com espadas e lanças de ferro, uma
inovação para a época. A vantagem sobre os inimigos era que uma espada de ferro
podia cortar ao meio uma feita de bronze.
Arte e cultura: 12 desenhos tradicionais e música
As cores amarelo claro e azul escuro da
veste imperial chinesa têm o seguinte
significado: a cor amarelo claro (do Rio
Amarelo) representa a terra amarela, boa sorte
e poder e a cor azul escuro significa o céu azul.
O sol, a lua e as estrelas foram
escolhidos por causa de sua claridade. O
dragão se representa com o seu espírito, que
significa que o imperador é inteligente e criativo.
As montanhas são bem calmas, representando
que o imperador pode acalmar tudo. Hua Chong, um pássaro parecido com a fênix,
que representa o talento na literatura e significa que o imperador é erudito. Zong Yi,
um aparelho usado em sacrifício, que tem desenhos de um tigre e de uma cobra e
representa a lealdade e a devoção do imperador. A alga dá o sentido de ser limpo e
impecável. O fogo representa a luz. O arroz dá o sentido de ser branco e alimento às
pessoas. Fu, um tipo de machado, é bordado em branco e preto, significa que o
imperador é decidido. Fu são dois arcos em preto e azul, o que significa que o
imperador sabe distinguir entre o bem e o mal.
Esses desenhos começaram a aparecer na veste imperial na dinastia Zhou.
Mais tarde, eles se tornaram desenhos especiais para vestes imperiais, e
permaneceram durante todas as dinastias. Eram verdadeiros símbolos do poder
imperial na China antiga. Os símbolos do dragão e da fênix viraram, depois,
símbolos privilegiados do imperador e da imperatriz.
A música chinesa remonta ao amanhecer da civilização chinesa. Documentos
e artefatos dão provas de uma cultura musical bem desenvolvida, já a partir da
Dinastia Zhou. A música chinesa foi influenciada pela música do Livro de Canções,
Figura 52: 12 desenhos tradicionais Fonte:www.minhachina.com/arteroupaimperialcor
150
por Confúcio e pelo poeta e estadista chinês Qu Yuan, sendo baseada em
instrumentos de percussão, que mais tarde deram sequência aos instrumentos de
palheta.
Os chineses criaram diversos instrumentos musicais, como o zheng, o xiao e
o erhu, incluindo, também, um tipo de oboé chamado suona.
Dinastia Qin (221 – 207 a.C.)
Usando de extrema força, o rei de Qin, vencedor da
guerra que marcou o final da dinastia Zhou, conquistou um
território após o outro e os incorporou ao seu reino. Por volta
do ano 221 a.C., ele já havia conquistado quase toda a
China. Esse rei assumiu o título de Qin Shi Huangdi, que
significa "primeiro rei de Qin". Ao concentrar o poder em
suas mãos, Qin Shi Huangdi se tornou o fundador do Império
Chinês. Foi ele quem estabeleceu, pela primeira vez na
História, um Estado unificado chinês.
Entre as medidas adotadas por Qin para garantir a
unidade do império, estavam a adoção de um único
sistema de pesos e medidas, de escrita e de moeda em
todo o Império. Para vigiar os outros nobres, Qin ordenou que os antigos
governantes dos principados se mudassem para a capital. Esses nobres foram
obrigados a entregar suas armas, fundidas e transformadas em estátuas e sinos.
Qin também promoveu a realização de concursos públicos para o
preenchimento de cargos. A intenção do imperador era selecionar os candidatos
mais qualificados para ocupar os cargos públicos. Tratava-se de um sistema
inovador para a época, pois os candidatos eram escolhidos com base no mérito e
não na origem social ou por "apadrinhamento".
Por isso, costuma-se dizer que foi na China que surgiu a ideia de
meritocracia. Os funcionários que ocupavam esses cargos públicos se
encarregavam de tarefas como cobrar e arrecadar impostos, administrar os
recursos, etc.
Outra medida adotada por Qin foi o recrutamento de camponeses para
trabalharem na construção de obras públicas. Uma dessas obras foi a construção da
Figura 53: 1º Imperador da China: Qin Fonte: Xi’an Cartographic Publishing House
151
famosa Grande Muralha, cujo primeiro trecho começou a ser construído durante o
reinado desse imperador. Os camponeses também eram recrutados para o serviço
militar.
Antes de morrer, Qin ordenou que fossem feitas cerca de sete mil estátuas de
guerreiros para serem colocadas a 1.500 metros a leste de seu túmulo. Essas
estátuas eram de terracota (argila cozida em forno) e foram feitas em tamanho
natural. Além disso, foram feitas algumas estátuas de cavalos em tamanho natural, e
mais de cem carros de madeira. Esse "exército" guardaria o túmulo do imperador,
afugentando ladrões e intrusos.
Para a construção do mausoléu do imperador foram utilizados cerca de 700
mil trabalhadores. Após alguns anos de serviço, esses trabalhadores teriam sido
enterrados vivos por ordem do imperador, para que a obra permanecesse em
segredo.
Arte e cultura: a Grande Muralha, os soldados de terracota e música
O segundo período de evolução da arte chinesa tem início com a unificação
da China em 221 a.C., durante a dinastia Qin, com o imperador Shi Huangdi, o
construtor da Grande Muralha. Objetos de bronze e jade constituem os mais
importantes exemplos da arte desse período. Além disso, também foram
encontrados vasos de cerâmica vitrificada e figuras em sepulturas.
A Agência de Música Imperial, estabelecida primeiro na Dinastia Qin (221 –
207 a.C.), estava muito expandida sob o império do Imperador Han Wu Di (140 – 87
a.C.) e ordenou supervisionar a música da corte e a música militar e determinou que
a música folclórica estaria oficialmente reconhecida. Em dinastias subsequentes, a
revelação da música chinesa estava fortemente influenciada por músicas
estrangeiras, especialmente as da Ásia Central.
A Dinastia Qin foi um período de iniciação em vez de transição. Na Dinastia
Qin, houve duas organizações que administraram os negócios da música: uma se
chamou de "Tai Yue", responsável pela música utilizada em eventos oficiais; a outra
se chamou de "Yue Fu", responsável por procurar e escolher boas músicas para o
imperador se divertir.
Nesse período foi escrito o livro Li Ji, que caracteriza o nascimento da
partitura. Documentaram-se duas maneiras diferentes de bater tambor em duas
regiões distintas. O livro usou os caracteres “quadrado” e “redondo” para indicar o
152
tambor grande e o tambor pequeno. O tambor é o instrumento mais antigo e é
relativamente fácil documentar os toques.
Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.)
Com a morte do imperador Qin, teve início uma grande crise política na
China. Aproveitando-se dessa crise, um líder chamado Liu Bang tomou o poder e
inaugurou a dinastia Han. Uma das características dessa dinastia foi a política de
presentes, que consistia em conceder presentes caros aos seus vizinhos da Ásia
central. Tratava-se de uma forma de comprar aliados.
Esses presentes consistiam em grandes quantidades de tecidos de seda,
espelhos de bronze, perfumes, peças de cerâmica e joias. Além dos presentes, os
Han ofereciam banquetes e festas a seus vizinhos. Foi na época dos Han que os
chineses, que se julgavam o centro do mundo (daí chamarem seu país de "Império
do Meio") descobriram que outros povos viviam a oeste de suas fronteiras,
souberam inclusive da existência de um certo Império romano. Isso ocorreu quando
Wu Ti, um imperador Han, enviou no ano de 138 a.C. uma missão diplomática à
Ásia Central, com o objetivo de estabelecer uma aliança com os turcos para
combater os hunos.
Arte e cultura: templos, música
Um dos acontecimentos mais importantes da dinastia Han foi a introdução do
budismo, proveniente da Índia e da Ásia Central, uma vez que os templos e
mosteiros budistas se tornaram os grandes patrocinadores e guardiões das artes.
Os exemplos mais bem preservados são aqueles que, segundo o modelo indiano,
foram escavados nas faces das rochas, decorados com esculturas e afrescos. Esses
templos pertencem ao terceiro período da arte chinesa, cujo clímax foi atingido pelas
dinastias Sui (581 – 618) e Tang (618 – 907). A China foi unificada após um período
de invasões de guerra civil, quando todas as artes floresceram.
Num livro escrito na Dinastia Han, descreveu-se uma música tocada do Se,
falando que as mãos se moviam muito rápido em cima das cordas, bem como
insetos voadores rodeando. E isso é o que falta na música do sino e do Qing, bons
para tocar músicas solenes e respeitosas.
153
Rota da seda
A construção de outros trechos da Grande Muralha nessa mesma época
ajudou a abrir um caminho da China para o Ocidente. Ao ser ampliada, a Muralha
acabou atravessando regiões montanhosas e desertos (inclusive o famoso deserto
de Gobi). Poços profundos foram cavados para fornecer água para as caravanas. O
caminho ficou conhecido como "A Rota da seda".
A demanda por seda chinesa estava alta em mercados como a Pérsia, a
Turquia, a Índia e até o Império romano. Os dois impérios, romano e chinês, sabiam
um da existência do outro, mas a enorme distância, aliada à dificuldade de
transporte da época, tornou inviável um contato mais estreito entre eles.
Durante a Dinastia Han, a China conheceu um considerável aumento da
população e uma série de avanços técnicos. Entre esses avanços estavam a
invenção do carrinho de mão (bastante útil para transportar cargas pesadas em
caminhos estreitos e tortuosos); o aperfeiçoamento da produção de ferro (com o
qual faziam objetos como espadas e estribos) e a invenção do moinho movido a
água, usado para moer cereais e na fundição de ferro e cobre.
Revoltas camponesas
Apesar do desenvolvimento técnico, os camponeses, que constituíam a
imensa maioria da população, continuavam enfrentando condições ainda muito
precárias de vida. Por isso, durante os dois primeiros séculos da Era Cristã,
ocorreram violentas revoltas camponesas, duramente reprimidas. Segundo
historiadores da corrente marxista, especialmente nos países que adotaram o
regime socialista, a escravidão por dívidas era comum na China durante a Dinastia
Han.
Outros historiadores discordam, afirmando que não existia escravidão, mas
sim, uma forma de servidão. Em todo caso, escravos ou servos, a certeza é uma só:
os camponeses viviam em condições miseráveis e eram extremamente explorados
pelos poderosos. As revoltas camponesas contribuíram para o enfraquecimento do
Império, o que trouxe o fim do domínio dos Han. O Império da China acabou se
dividindo em três reinos: Wei (no norte), Wu (no oeste) e Shu (no leste e no sul).
Essa divisão em três reinos durou do ano 220 a.C. ao ano 265 da Era Cristã.
154
CHINA MEDIEVAL: DINASTIAS SUI E TANG: REUNIFICAÇÃO E ESPLENDOR
DO IMPÉRIO
Ameaças à unidade política chinesa
Em 221 a.C., com a dinastia Qin, surgia, pela primeira vez, um Estado
unificado chinês. A dinastia seguinte, os Han, que governou a China de 206 a.C. ao
ano 220 da nossa era, consolidou essa unificação. Tal unidade política não resistiu e
o país se dividiu em três reinos independentes: Wei (no Norte), Shu (no Oeste) e Wu
(no Leste).
No ano 552, essa China dividida estava prestes a ser invadida pelos turcos,
mas isso não aconteceu, pois uma divisão política também ocorreu entre eles,
dando início, mais tarde, no ano 581, a uma guerra que opôs o Turquestão do oeste
e o Turquestão do leste.
Esse conflito entre os turcos foi encorajado pelos chineses, pois afastava
deles a possibilidade de uma invasão. Livres do perigo, os três reinos chineses
começaram a lutar entre si. Cada um era controlado por uma elite guerreira e
proprietária de terras, semelhante aos senhores feudais da Europa medieval. Após
muitas batalhas, finalmente, no ano 589, um desses nobres, cujo nome era Wendi,
saiu vitorioso e reunificou a China, dando início à dinastia Sui (589-618).
Dinastia Sui
Wendi, o primeiro imperador Sui, encontrando um país arrasado pela guerra,
ordenou o corte de gastos com "mordomias", que beneficiavam apenas os membros
da nobreza, e tentou melhorar as condições de vida dos camponeses, paupérrimos.
Tais medidas não agradaram a certos nobres, que logo tramaram e
assassinaram o imperador. Em seguida, substituíram-no por seu filho, Yangdi, que,
diferente do pai, preferia gastar a economizar.
Assim, o segundo imperador Sui aumentou os gastos com "mordomias" e
obras "faraônicas", beneficiando a nobreza que o havia colocado no trono. E quem
pagou a conta desse aumento nos gastos foram os camponeses, que passaram a
ser ainda mais explorados.
155
O Grande Canal
A obra mais importante construída durante o governo do segundo imperador
Sui foi o Grande Canal, que ligava os dois principais rios da China. Ele facilitou o
transporte do imposto pago em arroz até as duas capitais do país na época, na
bacia do rio Amarelo: Chang'an, a oeste, e Luoyang, a leste.
Apesar da importância econômica do Grande Canal, sua construção significou
grandes sacrifícios para o povo chinês: milhares de camponeses foram convocados
para trabalhar na obra e vários deles morreram enquanto realizavam a tarefa. Não
bastasse isso, cada homem convocado representou braços a menos para trabalhar
nos campos. Consequentemente, houve queda na produção agrícola, o que
significava menos comida no país.
O imperador também pretendia que o Grande Canal fosse um instrumento
para sua política expansionista e a vizinha Coreia foi um dos primeiros alvos, porém,
o exército chinês foi arrasado na série de guerras travadas contra o reino coreano.
Estima-se que as baixas chinesas superaram a marca de dois milhões. Das 305 mil
tropas enviadas para lutar na Coreia, apenas duas mil e setecentas retornaram. O
alto custo dessas derrotas militares, tanto em dinheiro quanto em vidas humanas,
contribuiu para o fim da dinastia Sui.
O imperador se tornou cada vez mais impopular e, no ano de 618, acabou
sendo assassinado por seus próprios ministros. Outros fatores que contribuíram
para a sua queda foram as invasões de nômades turcos no território chinês e os
excessivos gastos com luxos no palácio – à custa dos impostos pagos pelos mais
pobres.
O início da Dinastia Tang
Pouco antes do assassinato de Yangdi, numa das capitais do império, Daxing,
que se localizava no oeste, um general rebelde chamado Li Yuan, proclamou
imperador um dos netos do monarca. Esse general também "homenageou" Yangdi,
concedendo-lhe o título de "imperador aposentado". Tais medidas só foram
reconhecidas nos territórios controlados por ele.
Antes de se rebelar, Li Yuan governava uma província e era leal ao
imperador. Um de seus filhos, o segundo, Li Shimin (também se escreve Li Shih-
Min), foi quem encorajou o pai a rebelar-se. Quando as notícias sobre a morte de
Yangdi chegaram, Li Yuan depôs o neto do imperador e colocou a si mesmo no
156
trono, dando início à dinastia Tang (618-907).
Dentre todos os filhos do primeiro imperador Tang, Li Shimin era o mais
ambicioso e o que mais demonstrava talento para a política. O irmão mais velho, Li
Jiancheng, sentindo-se preterido (pois, por ser o primogênito, considerava-se o
herdeiro do trono por direito), uniu-se a Li Yuanji, o quarto filho de Li Yuan, para
conspirar contra o irmão. A conspiração fracassou e ambos acabaram mortos numa
emboscada preparada pelo irmão que pretendiam eliminar. Li Shimin tomou como
esposa a viúva do irmão mais novo.
No ano 626, o primeiro imperador Tang abdicou do trono em favor de Li
Shimin que, ao assumi-lo, adotou um novo nome: Taizong (também se escreve Tai-
Zung), que significa "segundo imperador de uma dinastia". Portanto, Tang Taizong
significa nada menos que "segundo imperador da dinastia Tang".
Arte e cultura: pintura, cerâmica, ópera e arquitetura
O século X marca o início do quarto período da arte chinesa, que culminou na
dinastia Tang, época em que a arte chinesa atingiu seu apogeu. O grande feito
desses séculos foi a transformação da simples pintura de paisagens numa arte
maior. Teve a mesma importância neste período a cerâmica, inigualável tanto pela
nobreza da forma quanto pela beleza da decoração.
A ópera chinesa é uma forma de teatro popular que tem atravessado
fronteiras para chegar ao público internacional. A ópera chinesa, especialmente a
Ópera de Pequim, foi extremamente popular por séculos. A música é muitas vezes
gutural com vocais de alta frequência, geralmente acompanhada por suona, jinghu,
e outros tipos de cordas e instrumentos de percussão. O agir é baseado em alusão
com gestos, pés, e outros movimentos corporais que expressam tais ações, como
andar de cavalo, remar um barco, ou abrir uma porta. Remonta à dinastia Tang e o
elenco era majoritariamente voltado a prazeres pessoais de imperadores.
Na arquitetura chinesa, as casas dispõem, na maioria das vezes, de um só
andar, espalhando-se por grandes terrenos, com jardins e pátios entre as várias
alas, embora palácios, templos e pagodes sejam mais altos. Os telhados também
são construídos sobre portões, pontes, muralhas e monumentos. Vários telhados
aparecem, muitas vezes, uns sobre os outros, com os beirais formando graciosas
curvas para cima, uma das características mais típicas da arquitetura chinesa.
157
Tang Taizong, imperador mestiço
O segundo imperador Tang era de origem chinesa, por parte do pai, e turca,
por parte da mãe. Esse fator contribuiu para que a dinastia Tang fosse caracterizada
pela mescla de elementos das duas culturas e fosse mais aberta para inovações,
rompendo com algumas das antigas tradições chinesas.
Taizong incorporou várias tropas turcas ao exército chinês, nomeando oficiais
turcos e utilizou esse exército contra os próprios reinos turcos. O império dos Tang
era multicultural: além de turcos e chineses, também abrigava comunidades de
origens indiana, persa e árabe, entre outras.
Reforma agrária e concursos públicos
Durante o reinado de Taizong, o governo tomou medidas que contribuíram
bastante para o desenvolvimento da China. Uma delas foi a reforma agrária: o
imperador desapropriou as terras que pertenciam aos seus inimigos (era uma forma
de evitar que os nobres se rebelassem contra o imperador) e as dividiu entre os
camponeses que nela trabalhavam (conquistando, assim, apoio popular).
A imperatriz Wu Hou
A política de Taizong foi continuada por seus sucessores, dentre os quais, Wu
Hou, uma das concubinas de Li Shimin, única mulher a ser reconhecida oficialmente
como imperatriz da China.
Quando um imperador chinês morria, as mulheres, que faziam parte do
harém, eram obrigadas a viver reclusas. Muitas delas eram enviadas para algum
convento budista, geralmente próximo ao túmulo do imperador, onde tinham suas
cabeças raspadas e passavam o tempo rezando pela alma do morto para que ele
fosse feliz em sua próxima reencarnação.
Wu Hou escapou desse destino porque seus atributos teriam impressionado o
filho de Taizong, o imperador Gaozong. Ela governou ao lado de Gaozong, de 670 a
683 e, sozinha, de 690 a 705, quando morreu. O seu sucessor foi seu filho,
Zhongzong.
Fase de prosperidade
Durante a dinastia Tang, a China conheceu uma fase de grande prosperidade
158
e progresso técnico e material. Entre as inovações que marcaram o período, está o
aparecimento do primeiro relógio mecânico, no ano 732, inventado por um monge
budista chinês.
Outras invenções que marcaram o período foram a bússola e a técnica de
imprimir livros. Enquanto na Europa, nos mosteiros católicos, os chamados monges
copistas tinham de transcrever manualmente livros antigos para obter novas cópias,
na China já era possível imprimir vários exemplares de um mesmo livro.
Essa mesma técnica de impressão permitiu que as provas para os concursos
públicos chineses da época fossem impressas. Durante a dinastia Tang, a China
teve suas fronteiras ampliadas e o comércio se expandiu. O período também foi
marcado pela fundação de várias escolas de medicina, não apenas na capital,
Chang'an, mas também nas províncias.
Uma das consequências do desenvolvimento econômico foi o extraordinário
aumento da população, favorecido pela melhoria nas condições de vida da maioria
dos habitantes. Segundo o primeiro censo, realizado em 754, a população da China
já havia ultrapassado a faixa dos 50 milhões, um número excepcional para a época.
Essa prosperidade, no entanto, não durou para sempre. O final da dinastia
Tang foi conturbado, marcado por uma série de crises. Durante o reinado de
Taizong, os camponeses pagavam impostos em espécie (entregando parte do arroz
que plantavam) ou na forma de trabalho; mas, a partir de 780, o governo passou a
exigir que os impostos fossem pagos em dinheiro. Tal exigência era impossível de
ser cumprida pela maioria dos camponeses e, por isso, muitos deles perderam suas
terras.
Perseguição aos budistas
Outro problema que surgiu foi a escassez de cobre e outros metais para
cunhar moedas. Naquela época, o dinheiro era todo na forma de metal. Falta de
metal era igual a falta de dinheiro. O governo colocou a culpa nos templos budistas,
que usavam bronze e outros metais para construir seus sinos e estátuas.
Em meados do Século IX, o imperador começou a confiscar todos os objetos
de metal dos templos budistas para derretê-los e cunhar novas moedas. Outra
medida foi baixar um decreto que acusava o budismo de ser uma religião
estrangeira (surgiu onde hoje é o Nepal), que estava enfraquecendo o país. O
governo se apropriou das terras onde estavam vários mosteiros budistas. Alguns
159
foram destruídos, enquanto outros foram transformados em edifícios públicos.
Devido à extensão da China, essas medidas antibudistas só conseguiram ser
cumpridas em algumas regiões. Nas outras, eles continuaram praticando sua
religião nos templos e mosteiros.
A decadência da dinastia Tang
Outros problemas assolaram o país: uma grande seca e uma praga de
gafanhotos trouxeram a fome e provocaram uma série de revoltas camponesas.
Uma delas ocorreu no século IX, quando vários camponeses famintos saquearam as
duas capitais, Chang'an e Luoyang. Apesar de derrotada, essa rebelião enfraqueceu
o exército chinês e contribuiu para o declínio da dinastia Tang.
A partir do ano 902, teve início uma longa guerra civil, que levou ao
esfacelamento do país em vários reinos menores. Em 906, o general Zhu Wen
depôs o último imperador Tang e deu início ao período das cinco dinastias, 907 –
960, também conhecido como período dos dez reinos.
A China voltou a ser reunificada somente a partir do ano 960. O responsável
pelo feito foi o general Zhao Kuangyin, que deu início a uma nova dinastia – a dos
Song (960 – 1279), que conseguiram reunificar a maior parte da China, exceto a
parte norte, governada por um povo mongol. Durante essa dinastia, a China se
tornaria pioneira no uso do papel-moeda e da pólvora.
160
CHINA IMPERIAL: ARTE E CULTURA: PINTURA, CERÂMICA, ESCULTURA EM
MARFIM E JADE
O último grande período da arte chinesa vai do reinado dos imperadores Ming
(1368 – 1644) até a última dinastia dos Manchu (1644 – 1912). A pintura e a
cerâmica mantiveram o alto nível e novas técnicas de fabricação de porcelana foram
desenvolvidas, especialmente a pintura azul vitrificada e a utilização de cores
esmaltadas sobre a vitrificação. Notável habilidade também foi demonstrada nos
trabalhos de escultura em marfim e jade.
A dinastia Manchu controlava sociedade agrícola
Nas últimas duas décadas do Século XX, a República Popular da China
atraiu a atenção do mundo em razão do seu acelerado crescimento econômico e
intenso processo de modernização social. A China emerge como potência mundial
e, segundo todas as estimativas, o país está destinado a ocupar uma posição de
destaque no cenário internacional no transcurso do Século XXI.
O progresso e o desenvolvimento econômico e social da China estão
fortemente assentados sobre o regime comunista, que se estabeleceu com a
Revolução de 1949. Para compreender a vitória revolucionária dos comunistas, bem
como a China contemporânea, é imprescindível considerar primeiramente os
períodos históricos precedentes, em que o país esteve sob domínio imperial e,
posteriormente, sob o regime republicano.
Durante o período em que vigorou o sistema imperial, a China era uma
sociedade predominantemente agrária, permanecendo assim até as vésperas da
Revolução de 1949. Ao contrário da Europa medieval, porém, a China imperial não
conheceu o feudalismo, e pode-se dizer que o sistema de vassalagem e as
concessões de terra em troca de serviços militares (que representavam a base do
sistema feudal ocidental) sempre foram muito limitados naquele país.
A dinastia Manchu (1644 – 1911) representou a última fase do sistema
imperial. O poder político estava fortemente centralizado nas mãos dos imperadores
que se sucederam no trono: Nurhachi (1616 – 1625); Huang-Taiji (1625 – 1643);
Shunzhi (1643 – 1661); Kangxi (1661 – 1722); Yongzheng (1722 – 1735); Qianlong
161
(1735 – 1796); Jiaqing (1796-1820); Daoguang (1820 – 1850); Xianfeng (1850 –
1861); Tongzhi (1861 – 1875); Tzu Hsi (1875 – 1908); e Xuantong (1908 – 1912).
Os imperadores controlavam o vasto país por meio de um extenso aparelho
administrativo, constituído por uma classe de funcionários recrutados segundo
critérios burocráticos (chamado de sistema de exames). A estrutura econômica se
baseava na produção agrícola e a sociedade chinesa era composta por uma
diminuta classe de proprietários de terras e uma grande maioria de camponeses.
Arte e cultura: o “Grande Dragão”
Em agosto de 1878, os primeiros selos
“Dragões” (Dragonstamps) foram colocados à venda,
em Tientsin e outros lugares. Eles foram impressos
pelo Departamento Estatístico de Xangai, em 1.º de
janeiro de 1878. Trata-se da primeira emissão oficial
dos Correios Imperiais da China (Imperial customs
post). Os selos da emissão tipo “Grande Dragão”
mostram que o dragão representado é um dragão do
ar chamado “LUNG”, o qual é o tipo de dragão mais
popular na China. Ele está “flutuando” entre as nuvens
e sobre o mar. Cada selo tem no centro um dragão guardião, “protegendo” a “pérola
da noite”, que supostamente possui virtudes miraculosas contra a doença.
Estrutura fundiária
Um dos principais fatores, talvez o mais importante, para se compreender a
estrutura fundiária da sociedade chinesa é entender o mecanismo social de
acumulação material, que estava fortemente baseado na relação entre o serviço
burocrático imperial e o investimento na compra de terras.
A classe proprietária de terras era constituída por clãs familiares. Para
assegurar a propriedade da terra e aumentar a fortuna material da família era
importante que algum membro do clã obtivesse um cargo oficial junto à estrutura
burocrática imperial. As fortunas obtidas por meio do serviço imperial eram
investidas em terras.
Em teoria, os cargos oficiais estavam abertos a todos, incluindo até mesmo os
Figura 54: Grande Dragão Fonte:www.girafamania.com.br/asiatico/china
162
camponeses mais pobres, mas a ausência de um sistema de educação popular
diminuía consideravelmente as chances daqueles que não pudessem contar com o
apoio de uma família rica para custear os estudos, que exigiam muitos anos de
dedicação.
Controle da mão de obra camponesa
Entre os funcionários burocráticos, havia uma nítida distinção entre aqueles
que possuíam ou não formação cultural e grau acadêmico. Os "intelectuais"
formavam a classe de funcionários burocráticos que possuíam formação acadêmica
(mandarins). Sendo a propriedade da terra o fator decisivo na dominação da mão de
obra camponesa, os cargos oficiais mais importantes (que interessavam à classe de
proprietários) eram justamente aqueles que diziam respeito ao controle das terras.
Além disso, o proprietário de terras dependia da burocracia imperial para a
realização de benfeitorias, como grandes obras de irrigação e a construção de
sistemas de controle de águas adequados, que ajudassem a obter boas colheitas.
O sistema político cumpria, portanto, a dupla função de assegurar a
propriedade e de fazê-la render. Mas, além de realizar essas duas funções, a
burocracia imperial cumpria o papel de manter a ordem, evitando que o crescimento
da população de camponeses ameaçasse os direitos de propriedade.
Colapso do sistema imperial e o advento da República
Na ausência de obrigações feudais surge, na China imperial, controlada pela
dinastia Manchu, a questão de se saber como a classe de proprietários fundiários
conseguia obrigar os camponeses a trabalharem na terra. De acordo com
estudiosos do período, o trabalho dos camponeses era baseado em contratos de
arrendamento do tipo capitalista. Evidentemente, havia variações regionais, mas
pode-se dizer que, na maioria das zonas agrícolas, o proprietário fundiário fornecia a
terra e os camponeses, a mão de obra.
Sabe-se que, por volta de 1810, cerca de 80% das terras cultivadas na China
estavam em poder da classe dos grandes senhores fundiários e o restante, 20%,
pertencia aos camponeses. A colheita era dividida entre ambos e, ao que tudo
indica, a troca em espécie prevalecia até mesmo nos pagamentos de impostos
devidos ao imperador.
163
Superpopulação de camponeses
A existência de uma superpopulação de camponeses interessava diretamente
aos senhores proprietários fundiários, pois facilitava o arrendamento das terras
através de um maior grau de extração de excedente econômico. Ou seja, num
contexto social de superpopulação, a competição entre os camponeses diante da
necessidade de prover o próprio sustento levava-os a trabalhar nas terras por níveis
cada vez mais baixos de remuneração (neste caso, a porção de alimento produzido).
As pressões da grande massa de camponeses sobre as terras cultiváveis
aumentaram consideravelmente no final do Século XXVIII e se agravaram nas
décadas seguintes, transformando-se num fator importante a contribuir para minar a
estrutura social.
Urbanização e industrialização
A urbanização e a industrialização ocorreram tardiamente na China. O
sistema imperial, em particular a burocracia administrativa, impediu o quanto pôde a
modernização do país, evitando a adoção da agricultura comercial, o surgimento de
uma burguesia comercial e núcleos urbanos autônomos capazes de contrapor-se
aos grandes proprietários fundiários (como ocorreu na Europa Ocidental, na última
fase do feudalismo).
Avanços na urbanização e industrialização começaram a ganhar fôlego no
final do Século XXVIII, diante de dois processos concomitantes: a decadência da
máquina administrativa imperial e as pressões externas provenientes das nações
europeias ocidentais, que tinham interesses militares e comerciais na China.
O domínio tradicional da classe culta de funcionários-intelectuais declinou nas
zonas costeiras, permitindo, assim, o surgimento de núcleos urbanos e o
aparecimento de uma burguesia comercial nativa que se opôs às pretensões de
centralização do poder político sob o sistema imperial.
Novas forças sociais
O sistema imperial tentou, em vão, controlar as novas forças sociais e
econômicas que se desenvolviam rapidamente e ameaçavam a manutenção da
unidade política e territorial da China. Mesmo assim, foi somente em 1910 que se
verificou um nítido impulso no sentido de as classes comerciais burguesas se
164
libertarem da influência da burocracia imperial.
De qualquer modo, as áreas territoriais mais avançadas urbana e
industrialmente permaneceram sob controle estrangeiro até a segunda metade do
Século XX. Até a data mencionada, a sociedade chinesa permaneceu
predominantemente agrária, com uma classe média numericamente insignificante e
politicamente dependente.
Colapso do sistema imperial
O sistema imperial chinês foi minado por forças internas que tinham
interesses conflitantes. Essa situação levou o país a um período de anarquia, que
resultou na mudança do regime político e a proclamação da República.
Pode-se afirmar que, até o final do Século XIX, as classes dominantes
chinesas (ou seja, os proprietários fundiários) continuaram a ser a base de
sustentação de todo o sistema imperial. Fatores externos, sobretudo ligados às
pressões militares de nações europeias, levaram, no entanto, a classe dominante
chinesa a se dissociar. O principal fator de desintegração do sistema imperial
emergiu diante das necessidades crescentes dos últimos governantes da dinastia
Manchu de concentrar recursos materiais e financeiros para fazer frente às rebeliões
internas e aos inimigos externos. As necessidades materiais e financeiras só
puderam ser atendidas a partir da destruição do amplo sistema de privilégios que
unia a burocracia administrativa e a classe fundiária.
165
CHINA REPUBLICANA: CHIANG KAI-SHEK E O DOMÍNIO DO KUOMINTANG
No final do Século XIX, o sistema imperial chinês começou a ruir diante das
tensões políticas provocadas por rebeliões sociais internas, ameaças de invasão
estrangeira e divisão da classe dominante.
O enfrentamento dos problemas que ameaçavam o sistema imperial
necessitava de vultosos recursos econômicos. A dinastia Manchu ficou diante de
dois dilemas. Primeiro, precisava criar um sistema eficiente de impostos. Para isso,
teria de acabar com os privilégios da pequena nobreza que representava a classe de
proprietários fundiários vinculados à burocracia, que drenava boa parte dos recursos
extraídos dos súditos em forma de impostos. Segundo, precisava encorajar o
comércio e a indústria, estimulando a geração de novos recursos financeiros em
forma de tributos e o surgimento de uma nova classe social (a burguesia industrial)
para contrabalançar o poder da pequena nobreza "parasitária".
A partir de 1860, a China mergulhou num período de caos social, conflitos
políticos internos e ameaças de invasão militar estrangeira. Todas as tentativas de
salvar o sistema imperial não tiveram êxito. A cobrança e transferência dos impostos
e tributos sobre a terra e sobre a circulação de mercadorias, bem como a influência
sobre os camponeses, escaparam quase que por completo do controle do poder
central. A exploração das massas camponesas pelos senhores rurais aumentou
consideravelmente. Os camponeses perderam os direitos tradicionais, que lhes
garantiam proteção com base no código de exploração legítima, mas "limitada" (ou
seja, dentro dos padrões de dignidade prevalecentes nos códigos morais da época).
O crescente descontentamento dos camponeses desencadeou inúmeras revoltas no
campo, todas eficazmente exploradas pelos revolucionários comunistas, que
ganharam influência contribuindo diretamente para elevar a tensão social e provocar
mais divisão das forças políticas nacionais.
Os senhores rurais e os pequenos comerciantes reagiram à crise do sistema
imperial coligando-se entre si a partir de seus interesses regionais. Para garantir o
poder em determinada região, as elites rurais formaram exércitos locais. No contexto
de militarização crescente das elites rurais regionais, o poder central desapareceu e,
com ele, a capacidade de manter a ordem social.
A proclamação da República, em 1911, representou tão somente a
formalização de uma situação político-institucional que já existia de fato, ou seja, o
166
declínio do poder imperial. Nas duas décadas seguintes, porém, as classes
dominantes chinesas foram incapazes de se aliar para formar um governo de
unidade nacional. Nesse contexto, a sociedade chinesa ficou profundamente dividida
e entrou numa fase de desagregação ainda mais intensa, que perdurou até a
Revolução Comunista de 1949.
Domínio do Kuomintang
O Kuomintang foi o movimento republicano conduzido pelo Partido
Nacionalista da China. O partido foi liderado pelo militar Chiang Kai-shek, que tentou
a todo custo unificar a China, com a formação de um governo nacional. Para
concretizar essa tarefa, os republicanos que integravam o Kuomintang combateram
incansavelmente os comunistas e os "senhores da guerra" (denominação dada aos
proprietários rurais que haviam formado exércitos regionais para manter o controle
político e econômico nos seus respectivos domínios territoriais).
Contando com um exército poderoso, Chiang Kai-
shek conseguiu estabelecer, em 1927, controle sobre a
maior parte do território da China e estabelecer um poder
central que ficou sob a liderança do Kuomintang. Não
obstante, na China daquele período, qualquer programa
político de unificação nacional que pretendesse ser estável
e duradouro dependia de um amplo consenso entre as
classes sociais, que estavam em conflito latente diante de
seus interesses profundamente divergentes.
Com o apoio das velhas classes de proprietários
rurais e de parcelas importantes das novas classes
industriais e comerciais emergentes, Chiang Kai-shek
liderou uma série de golpes militares e constituiu um
governo ditatorial. A aliança das classes dominantes chinesas, no âmbito do
Kuomintang, deu origem a um programa político de modernização social
extremamente conservador e reacionário.
O governo central passou a reprimir com extrema violência os trabalhadores
urbanos e, principalmente, os comunistas que lideravam as revoltas e a sublevação
de camponeses. Em 1934, as forças militares do governo central desfecharam um
forte golpe no movimento comunista, forçando-o a abandonar as suas posições no
Figura 55: Chiang Kai-shek, líder do Partido Nacional da China Fonte:www.pt.wikipedia.org/wiki/chiangkai-shek
167
sul do país.
Camponeses abrem caminho para a Revolução
Nas últimas décadas que antecederam o fim do sistema imperial na China, as
revoltas camponesas ampliaram-se enormemente diante da ruptura da coesão
social no âmbito da aldeia. A fome, a exploração brutal e a repressão aos
camponeses, que se juntavam aos movimentos de revolta e sublevação, deram
origem a uma situação insustentável, que transformou a zona rural das províncias do
interior da China num ambiente marcadamente violento.
Os comunistas chineses desempenharam um importante papel ao
canalizarem o crescente descontentamento das massas camponesas para as
tarefas revolucionárias de destruir a estrutura social existente. Desde a fundação do
Partido Comunista Chinês, em 1921, os comunistas tentaram, sem sucesso, seguir
a ortodoxia marxista, que preconizava o levante revolucionário com o apoio do
proletário urbano.
Exército de Libertação Popular
O líder máximo do movimento comunista revolucionário chinês, Mao Tsé-
Tung, porém, abandonou essa estratégia e conduziu a formação de um Exército de
Libertação Popular, integrado, majoritariamente, por camponeses. As ofensivas
militares contra os comunistas, por parte do governo de Chiang Kai-shek,
continuaram, mas, em 1937, o governo central precisou enfrentar um novo inimigo:
os invasores japoneses. A luta contra a ocupação japonesa fortaleceu os
comunistas.
Ocupação japonesa
Em julho de 1937, o Japão atacou e ocupou parte do território da China. Os
comunistas, liderados por Mao Tsé-Tung, e os nacionalistas, liderados Chiang Kai-
shek, firmaram uma aliança estratégica para combater o inimigo comum. A
ocupação japonesa favoreceu os comunistas de dois modos: eliminou a elite rural e
forjou a solidariedade entre as massas rurais oprimidas.
Primeiramente, a ocupação das províncias chinesas pelo exército invasor fez
com que os funcionários do Kuomintang e os senhores rurais abandonassem o
campo em direção às cidades, deixando, portanto, os camponeses entregues à
168
própria sorte. Essa situação permitiu que os comunistas estreitassem os laços com
as massas rurais. Por outro lado, as campanhas japonesas de perseguição e
extermínio no campo estimularam a maior coesão das massas camponesas.
A influência crescente dos comunistas deu origem a tendências
colaboracionistas por parte dos líderes do Kuomintang, que, temerosos com as
possibilidades de uma revolução social, apoiaram-se nas forças invasoras e lutaram
contra os comunistas. Os comunistas, porém, conseguiram maior adesão das massas
camponesas, com promessas de reforma agrária e com a adoção de uma nova
organização política nas aldeias conquistadas. A ocupação das forças japonesas na
China chegou ao fim depois da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial.
Guerra civil e revolução de 1949
Após a vitória sobre o invasor, tanto os comunistas como o Kuomintang
tentaram ampliar a influência e o controle sobre o território chinês. Ambas as forças
políticas antagônicas retomaram, então, a guerra civil que tinha sido suspensa. A
guerra civil foi travada entre os anos de 1946 e 1949. O Kuomintang era militarmente
mais forte nas cidades, enquanto os comunistas tinham maior força nos campos. A
estratégia do líder comunista Mao Tsé-Tung foi a de cercar as cidades a partir dos
campos.
A vitória dos comunistas foi gradual e começou com o controle total da região
norte da China, em 1948, onde está localizada a província da Manchúria, que, na
época, era a mais importante do país, devido a seus imensos recursos econômicos.
Progressivamente, os comunistas avançaram para o restante do território chinês.
Em 1949, os comunistas chineses finalmente conseguiram expulsar os
nacionalistas para a ilha de Taiwan e proclamaram a República Popular da China.
Os líderes do Kuomintang que abandonaram o território da China continental
trataram de instaurar um governo ditatorial na ilha de Taiwan, contando com apoio
militar dos Estados Unidos, que perdura até hoje. Até 1980, os nacionalistas
mantiveram o país sob uma ditadura de partido único. A relação entre Taiwan e
China é tensa, pois os comunistas consideram Taiwan uma província renegada,
parte da China.
169
Arte e cultura: influência da política revolucionária nas artes
A revolução comunista de 1949 e a criação da República Popular da China
sob a liderança de Mao Tsé-Tung introduziram uma incontornável dimensão política
em todas as formas de expressão artística. Os movimentos vanguardistas foram
banidos e tachados como "formalismo burguês". Por outro lado, a revolução também
propiciou o renascimento de formas artísticas ancestrais e ensinou o povo a
valorizar suas tradições no campo das artes, o que resultou em valiosa restauração
e descoberta de tesouros artísticos do passado, como o folclore, assumido como
valioso produto de exportação e importante fonte de rendimentos.
CHINA COMUNISTA: CAMPONESES SE JUNTAM AO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
A revolução comunista na China foi um processo que começou em 1927 e
terminou em 1949. No transcurso desses vinte e dois anos, a revolução atravessou
quatro fases distintas.
A primeira fase se caracterizou pela eclosão de uma guerra civil envolvendo
os nacionalistas e os comunistas, que combateram em algumas cidades do sul do
país. O exército nacionalista foi liderado pelo general Chiang Kai-shek e, nos
primeiros três anos de guerra, conseguiu derrotar e expulsar das grandes cidades os
comunistas e seus seguidores.
A severa derrota dos comunistas nas zonas urbanas, principalmente nas
cidades de Shangai, Gengzhou e Changsha, desencadeou uma autocrítica dentro
do Partido Comunista Chinês (PCCh), levando Mao Tsé-Tung à liderança partidária.
Mao Tsé-Tung estabeleceu uma nova estratégia revolucionária, voltando-se às
zonas rurais em busca do apoio das massas camponesas.
170
A Longa Marcha
Dos anos que vão de 1930 a 1937 a Revolução
atravessa a segunda fase. O conflito se generalizou por todo
o território chinês, levando milhões de homens a pegar em
armas. No início, porém, a estratégia maoísta de criação dos
chamados sovietes rurais (cujo desdobramento esperado
era a organização das guerrilhas camponesas, que iriam
deflagrar a guerra revolucionária) se deparou com alguns
obstáculos, entre eles a dificuldade de vencer o poderoso
exército nacionalista que perseguiu os comunistas pelo
interior do país.
Habilmente, Mao Tsé-Tung conduziu os comunistas por quase dez mil
quilômetros pelo interior do país, no que ficou conhecida como a célebre Longa
Marcha (1934 – 1935), até chegarem à província de Shensi, onde se instalaram e
permaneceram sob a coordenação e proteção do soviete de Yenan.
Em 1937, o Japão invade militarmente a China e o exército nacionalista passa
a combater os japoneses. Concentrados na província de Shensi, os comunistas
fortalecem suas posições com a organização do Exército Popular de Libertação,
formado majoritariamente por milhões de camponeses explorados e empobrecidos,
que aderem em massa ao movimento revolucionário.
Inimigo comum: os japoneses
Mesmo assim, a vanguarda revolucionária comunista decidiu unir forças com
o exército nacionalista na luta contra o inimigo comum da China: os japoneses. Tem
início, então, a terceira fase do movimento revolucionário, denominada de coalizão
das forças comunistas e nacionalistas, que durou de 1938 a 1945.
Depois de oito anos de intensos combates, os japoneses são finalmente
derrotados na China e também pelos aliados na Segunda Guerra Mundial. Os
comunistas saem fortalecidos na guerra de libertação nacional e retomam a guerra
civil contra os nacionalistas, dando início à quarta e última fase do movimento
revolucionário.
Finalmente, em 1949, o Exército Popular de Libertação derrota os
Figura 56: Mao Tsé-Tung, líder do Partido Comunista Chinês Fonte:www.learner.org/channel/courses/worldhistory/archive.html
171
nacionalistas, que se refugiam na ilha de Taiwan e formam um governo ditatorial,
separando-se da China continental como um Estado independente. Vitoriosos, os
comunistas fundam a República Popular da China.
Ao assumirem o poder, os comunistas tinham pela frente enormes tarefas
diante de um imenso país, muito populoso e com muitas riquezas naturais, mas
atrasado em vários aspectos: tecnológico, científico, educacional, social e
econômico. A China pós-revolucionária é uma nação desorganizada, falida e em
ruínas.
Construção de uma nova China
Os problemas mais urgentes de época eram a inflação galopante e a
paralisação da produção industrial e rural. Depois de muitas décadas de penúria e
humilhação, o povo chinês ansiava por mudanças que melhorassem sua condição
de vida. Gradualmente, a indústria e o comércio foram nacionalizados. As finanças
foram equilibradas e a reforma agrária realizada.
Os hábitos e costumes tradicionais do povo foram abruptamente alterados. O
Estado declarou a educação popular uma obrigatoriedade. A prostituição e o uso de
drogas, antes endêmicos, passaram a ser considerados crimes. As mulheres, por
outro lado, se libertaram do concubinato (que as mantinham numa relação de
subordinação ao marido).
Os revolucionários desfecharam uma feroz perseguição a todas as classes de
indivíduos que tinham ligações com os nacionalistas. Funcionários estatais,
administradores de empresas, pequenos e médios proprietários urbanos e rurais,
membros de associações religiosas e tradicionais, entre outros segmentos sociais,
foram declarados "inimigos do povo".
A população foi oficialmente estimulada a participar, engajando-se na
denúncia, julgamento e condenação dos acusados. Todo esse processo foi marcado
pelo uso de violenta repressão contra os opositores do socialismo. Como exemplo
dessa política oficial, estima-se que cerca de dois milhões de indivíduos
pertencentes à classe de proprietários rurais perderam a vida porque resistiram à
socialização e à coletivização das terras.
172
Conflito entre China e URSS e o Grande Salto
A construção do socialismo chinês recebeu inicialmente um valioso apoio da
Rússia (URSS). A ajuda soviética veio em forma de assessoramento técnico,
científico e, principalmente, financeiro. Entre 1950 e 1956, a assistência soviética
contribuiu decisivamente para a recuperação e posterior desenvolvimento da
economia chinesa.
Repressão de dissidentes
No início, Mao Tsé-Tung permitiu que o revisionismo aflorasse na China com
a Campanha das Cem Flores, que pode ser entendida como a aceitação por parte
do Estado da crítica contra o sistema socialista, tanto por parte de ativistas,
intelectuais, quadros do Partido Comunista Chinês (PCCh) e também do povo em
geral. Depois de um brevíssimo período, movimentos de contestação e ondas de
protesto irromperam por todo o país, levando Mao a interromper a política de
tolerância e liberalização e reprimir violentamente os dissidentes e críticos.
Além de conflitar com os soviéticos na questão do revisionismo, os chineses
criticaram a doutrina de coexistência pacífica, por ela ter levado a URSS a se
aproximar das potências capitalistas ocidentais, em particular dos Estados Unidos,
estreitando as relações diplomáticas e abandonando a política de enfrentamento.
Em 1959, duas atitudes da URSS irritaram ainda mais os dirigentes chineses.
A primeira envolveu a recusa do Estado soviético em fornecer ajuda à China para
desenvolver armamentos nucleares. A segunda derivou do apoio da URSS à Índia
numa questão, envolvendo um litígio fronteiriço com a China. Esses fatores geraram
muita desconfiança dentro da China e fez com que os dirigentes chineses se
afastassem da URSS.
Em 1960, a tensão entre a China e a URSS alcançou o clímax. Os soviéticos
interromperam o auxílio técnico, financeiro e militar. Os chineses tiveram de contar
com seus próprios recursos a fim de seguir na construção do socialismo. Foi nesse
contexto que a China abandonou o planejamento econômico com base nos Planos
Quinquenais (1949 – 1954) e colocou em prática uma nova política de
desenvolvimento econômico e social, oficialmente chamada de o Grande Salto para
Frente (1958 – 1960).
173
Grande Salto
O Grande Salto tinha como premissa a mobilização de todos os recursos
humanos da China, em particular da massa camponesa, que constituía cerca de
80% da população, a fim de acelerar o desenvolvimento econômico e a igualdade
entre todos num curto período de tempo. Ironicamente, porém, o Grande Salto foi
um desastre completo, que levou à desorganização da economia chinesa e ao
aumento da fome no campo, acarretando a morte de milhões de camponeses.
O núcleo do projeto desenvolvimentista era a autossuficiência e a
autossobrevivência, ou seja, cada vilarejo deveria produzir os alimentos e os bens
necessários. A obsessão para atingir metas de produção, porém, levou os dirigentes
chineses a dispensarem o conhecimento técnico e o planejamento antecipado,
precipitando o surgimento de problemas insolúveis para o país.
As minas de carvão que se proliferaram por todo o país arruinaram os
campos férteis; o cultivo irregular de determinados grãos e alimentos ocasionaram o
cansaço do solo; a construção de represas sem o devido planejamento e estudo
técnico arruinou os solos, tornando-os imprestáveis para o cultivo; as máquinas
agrícolas careciam de peças de reposição, entre inúmeros outros problemas.
O fracasso do Grande Salto abriu caminho para uma autocrítica por parte de
Mao Tsé-Tung e o surgimento de uma dissidência dentro do PCCh. Com apoio de
partidários influentes, Liu Shao-chi e Deng Xiaoping assumiram a condução dos
assuntos internos. Mao Tsé-Tung teve seus poderes diminuídos, mas ainda assim
manteve controle sobre o Exército Popular de Libertação. A tentativa de Mao Tsé-
Tung de retomar seus poderes resultou na Revolução Cultural (1966 – 1975).
O Livro Vermelho de Mao e a Revolução Cultural
O desastre econômico e social provocado pelo
Grande Salto para Frente (o projeto de desenvolvimento
experimentado pela China entre os anos de 1958 e 1960)
gerou conflitos internos de grandes proporções no PCCh,
abrindo caminho para a perda de poder de Mao Tsé-Tung.
A direção política do Estado chinês ficou nas mãos
de um triunvirato integrado pelo vice-presidente, Liu Shao-
chi; pelo primeiro-ministro, Chu Enlai, e pelo dirigente Figura 57: Leitura do Livro Vermelho de Mao durante a Revolução Cultural Fonte:www.educacao.uol.com.br/historia/china-comunista-3.jhtm
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partidário, Deng Xiaoping. As críticas que emergiram do seio do PCCh, contrárias ao
governo de Mao Tsé-Tung, eram válidas em razão do retrocesso econômico e social
provocado pelo projeto desenvolvimentista idealizado pelo dirigente chinês.
Durante os três anos de vigência do Grande Salto, estima-se que cerca de
16,5 milhões de chineses (em sua maioria, camponeses) tenham morrido de fome e
doenças causadas por desnutrição. Para recuperar a economia, os novos dirigentes
do Estado chinês reavivaram alguns princípios característicos do sistema capitalista,
como, por exemplo, recompensas por esforços no trabalho. Eles também
desmontaram as comunas rurais e readotaram o gerenciamento técnico na
condução da produção econômica.
Construção do socialismo e o Exército de Libertação Popular
Mao Tsé-Tung não perdeu o poder por completo. Ele manteve-se como líder
supremo do Exército de Libertação Popular (ELP) e, com o apoio dos militares e de
facções políticas atuantes dentro do PCCh, Mao retomou as rédeas do Estado
chinês, reconduzindo a seu modo a construção do socialismo.
A lealdade do ELP ao PCCh e de ambos ao próprio Mao Tsé-Tung se
fortaleceu à medida que as relações internacionais da China com seus vizinhos
fronteiriços ameaçaram a integridade do território chinês. No início dos anos 60, as
relações da China com a Índia e a ex-aliada URSS se deterioraram ainda mais.
Nessa mesma conjuntura, Mao e seus aliados lançaram um programa de educação
política objetivando converter todos os soldados do poderoso ELP em comunistas
fiéis e obedientes ao PCCh.
Mao deflagrou, em 1965, a contraofensiva sobre as facções políticas rivais
dentro do PCCh, que controlavam o Estado chinês. Ele criticou ferozmente aqueles
que preconizavam a readoção de alguns princípios capitalistas na economia, além
de apontar a burocratização e o elitismo que já se manifestavam dentro e fora do
PCCh.
Mao também defendeu a transferência do controle da Revolução para as
mãos das massas (camponeses e operários), sob coordenação do Partido, como
forma de avançar na construção de um sistema socialista próximo da igualdade
absoluta. Para atingir esses objetivos, Mao Tsé-Tung decidiu aplicar ao conjunto da
sociedade chinesa um vasto programa de educação política, seguindo o modelo
aplicado ao ELP.
175
Revolução cultural
A Revolução cultural começou oficialmente no outono de 1965. Com apoio do
ELP, Mao e seus seguidores coordenaram um amplo expurgo que atingiu todas as
esferas da vida social, política e econômica. Membros do PCCh, burocratas,
políticos, militares e cidadãos comuns foram atingidos por uma onda repressiva.
A esposa de Mao, Jiang Qing, se transformou na figura dominante nas artes.
Chamada de ditadora cultural, Qing exerceu domínio absoluto e determinou o que
podia ser escrito, pintado, editado, cantado e exibido nos teatros e cinemas. Muitos
cursos universitários foram fechados, professores e diversos profissionais ligados à
produção artística perderam seus cargos e foram banidos para o campo.
Os alvos principais da doutrinação política que permeava a Revolução cultural
foram os jovens, em particular os estudantes de nível médio e universitário. Os
jovens foram dispensados das aulas e o Estado providenciou alimento, transporte e
alojamento para que percorressem o país, de cidade em cidade, como aguerridos
militantes de esquerda.
O Livro Vermelho e a Guarda Vermelha
Usando uma braçadeira vermelha em um dos braços, milhões de jovens
formaram a Guarda Vermelha. A base doutrinária para a ação dos militantes era o
célebre "Livro Vermelho" de Mao.
Um dos trechos do livro dizia: "O pó se acumula se um quarto não é limpo
com frequência, nossas faces ficam imundas se não forem lavadas com frequência.
A mente de nossos camaradas e o trabalho de nosso Partido também podem ficar
empoeirados e também precisam ser varridos e lavados. O provérbio 'a água
corrente nunca fica choca e os vermes nunca roem uma dobradiça' significa que o
movimento constante impede a contaminação pelos germes e outros organismos".
Os militantes da Guarda Vermelha tinham por encargo desfechar a crítica aos
revisionistas, aos direitistas, aos burgueses, aos burocratas do Partido e do Estado
e, até mesmo, àqueles que adotavam estilos ocidentais de comportamento. Além da
crítica, eles também humilhavam e castigavam todos que resistiam à doutrinação
socialista.
Durante o período em que a Guarda Vermelha atuou, a sociedade chinesa foi
abalada por perseguições, execrações e julgamentos sumários em praças públicas.
176
A Guarda Vermelha cometeu muitas atrocidades e espalhou o terror pela China.
Também ocorreram muitos conflitos, alguns deles de grande proporção,
principalmente no final da década de 1960, envolvendo militantes extremistas da
Guarda Vermelha e as massas.
A Guarda Vermelha, formada por milhões de jovens militantes, se dedicava à
doutrinação socialista. Não era, porém, um agrupamento juvenil coeso e disso
resultou o surgimento de facções rivais que lutaram entre si, agravando ainda mais o
conflito político.
No início dos anos 70, a selvageria e desordem provocadas na sociedade
chinesa pela atuação dos militantes da Guarda Vermelha trouxeram enormes
problemas políticos para Mao Tsé-Tung. No seio do ELP e do PCCh surgiram
críticas cada vez mais contundentes diante do caos e descontrole social e político
provocados pelas ações da Guarda Vermelha.
Mao se curvou aos críticos e ordenou o desmonte da Guarda Vermelha e a
desmobilização e dispersão dos dezoito milhões de jovens. Gradualmente, Mao
reconduziu a política chinesa de volta ao centro e reconheceu a necessidade do
Estado e da nação chinesa de contar com o apoio de todos os cientistas, técnicos
especializados, administradores e educadores que haviam sido purgados e exilados.
Luta pelo poder
A morte de Mao Tsé-Tung reacendeu a luta pelo poder dentro do PCCh. O
conflito partidário foi breve. A facção de direita (ou seja, os comunistas pragmáticos)
obteve uma expressiva vitória. Os novos dirigentes desfecharam uma perseguição
contra as facções mais radicais de esquerda. A esposa de Mao e seus aliados mais
próximos, por exemplo, foram banidos definitivamente da política chinesa.
O Comitê Central do PCCh tornou público um relatório em que assinalava: "A
história mostrou que a Revolução Cultural, laborando em erro e capitalizada por
claques contrarrevolucionárias, levou à comoção intestina e trouxe a catástrofe para
o Partido, para o Estado e para todo o povo".
Na perspectiva do líder revolucionário Mao Tsé-Tung, porém, temia-se que a
burocratização e a apatia política e social se consolidassem. Por isso, em toda sua
vida, Mao defendeu com bastante veemência que a sociedade chinesa fosse
abalada com frequência por movimentos de massa, como aquele promovido pela
Revolução cultural.
177
China como potência econômica mundial
Com a morte de Mao, Deng Xiaoping se tornou secretário-geral do PCCh e se
transforma no dirigente máximo da China, governando o país de 1976 a 1997. Deng
Xiaoping promoveu inúmeras reformas econômicas, cujo desdobramento, depois de
uma década, foi a implantação de uma economia de mercado nos moldes
capitalistas.
Na década de 1990, as reformas do sistema produtivo se aprofundaram ainda
mais e resultaram em um vertiginoso crescimento da economia chinesa, cujas bases
são os investimentos estatais e o capital estrangeiro (atraído para a China num
volume sem precedentes na história do país e do continente asiático).
A China atual é um país continental marcado pela diversidade cultural, étnica
e linguística. Um exemplo disso é chamarmos de língua chinesa o que, na verdade,
é o mandarim, um dos vários dialetos falados no país e cujo ensino é obrigatório em
todas as províncias.
Em Hong-kong, por exemplo, ex-possessão britânica, recentemente
reintegrada à República Popular da China, a língua falada pelos habitantes é o
cantonês, incompreensível para chineses de outras regiões.
O turista estrangeiro que visitar os rincões da China encontrará diversas
minorias étnicas. Atualmente, o governo chinês reconhece a existência de pouco
mais de cinquenta grupos. Entre eles, podemos destacar as etnias hui e cazaque.
A minoria hui, por exemplo, é de religião muçulmana, que proíbe o consumo
da carne de porco, a principal iguaria da cozinha chinesa. Ela jamais conseguiu se
integrar inteiramente ao resto da população e costuma estar envolvida em revoltas
separatistas. Por sua vez, o grupo cazaque compartilha mais laços culturais com os
turcos do que com os han, a etnia dominante no país. É encontrado em partes da
China e também na Rússia, Mongólia, Uzbequistão e Cazaquistão (onde é maioria).
De acordo com todos os prognósticos, por volta do ano de 2030 a China se
transformará na maior economia do mundo. O Estado comunista chinês, porém,
resistiu politicamente à desagregação da ex-URSS e ao fim do socialismo no leste
europeu. Os dirigentes comunistas chineses mantiveram a China fechada
politicamente e governam o país com base na ditadura do partido único.
Uma questão que surge com frequência no debate político e nos círculos
acadêmicos ocidentais é saber até quando a China se manterá politicamente
fechada e resistirá às pressões por reformas políticas liberalizantes e democráticas.
178
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Programa deMestrado Acadêmico em Educação – PMAE
YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A EDUCAÇÃO: UM
ESTUDO DE PADRÕES SÓCIO-CULTURAIS NA HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU
ÉPOCAS DA CHINA
ANTIGA MEDIEVAL IMPERIAL REPUBLICANA COMUNISTA ATUAL
Fundação do Partido Comunista Chinês em
1921
Dinastia Shang (1500 – 1050 AC) Objetos de bronze e os mais antigos
registros escritos da história da China Instrumentos musicais: sino e o tambor de
Shang Dinastia Zhou (1050 – 256 AC) 12 desenhos tradicionais das vestes
imperiais Influência musical do Livro das Canções,
Confúcio
Dinastia Sui Grande Canal
(navegação: arroz)
Imperador Ming (1368 – 1644)
Pintura em porcelana FILMES:
SORGO VERMELHO
TEMPO DE VIVER
Invasão japonesa (1937)
Diversidade cultural, étnica e lingüística (mandarim)
Abertura do mercado econômico
para capital estrangeiro
Apresentação das Olimpíadas
“Um mundo, um sonho”
FILMES:
A HISTÓRIA DE QIU JÚ
NENHUM A MENOS
HAPPY TIMES
UM LONGO CAMINHO
Interação entre chineses e estrangeiros
Dinastia Quin (221 – 207 AC) FILME: HERÓI Soldados de terracota A grande Muralha Unificação dos Sete Reinos Sistema único de peso e medidas, de
escrita e de moeda Criação do exército de Quin (ordem,
disciplina, devoção, poder) Sistema de meritocracia Dinastia Han (206 AC – 220 DC) Rota da seda Instrumento musical: Se
FILMES:
O CLÁ DAS ADAGAS VOADORAS
A MALDIÇÃO DA FLOR
DOURADA
Dinastia Tang (859 AC) Apogeu da arte chinesa;
arquitetura; Palácio Imperial. Multicultural Invenções: primeiro relógio
mecânico, bússola, impressão Grupos revolucionários
FILME:
LANTERNAS VERMELHAS
Imperador Manchu (1644 – 1912) Controle da sociedade
agrária (proprietários fundiários
Selos Dragões Sistema de exames
Proclamação da República em 1911
Revoltas camponesas
Proclamação da República Popular da
China, liderada por Mao Tsé-Tung (1949)
Revolução Cultural
(1966 – 1975) (Livro Vermelho de Mao
e os jovens da Guarda Vermelha)
Deng Xiaoping promove
reformas econômicas Mudanças no status da mulher Luta pelo salário
Quadro 27: Civilização Chinesa: Da Muralha da China ao Estádio Ninho de Pássaro, 5 mil anos de história, cultura e arte, analisados através da obra cinematográfica de Zhang Yimou
179
APÊNDICE
Cinema
Imagem em movimento: De acordo com Xavier (2003) e Stasior (1998), as
imagens digitalizadas em movimento são motivadas por operações de combinações
de flutuações de pontos em matrizes de pixels, gerando cenas e possibilitando a
interação do homem com as mídias. Tecnicamente, um tipo de transformação de
informação detecta o movimento, sendo que cada informação possui propriedades,
gerando padrões passíveis de serem representados Existe um mistério no seio do pensamento sobre a arte que é centrada no que
se passa entre duas imagens. Isto é, nas imagens que representam movimento,
sendo elas mesmas, imagens fixas. O movimento, no entanto, é o destino da
apropriação da imagem, seja em que contexto for.
Origem
Há muito que o homem deseja reproduzir o movimento da vida. Nobre (1982)
mostra que, desde os primórdios, o homem já tinha uma preocupação em estudar o
movimento. Existem registros de desenhos rupestres nas grutas de Altamira (na
Espanha) que datam de 12000 a.C., nas quais desenhos de animais e pessoas
procuravam sugerir um movimento, dando ideia de um realismo contínuo. A
linguagem desenvolvida pela ilusão de movimento do cinema provoca no homem
sensações e emoções que se desencadeiam a partir da estética do olhar e vêm
ocorrendo desde as primeiras projeções.
O jogo de sombras do teatro de marionetes oriental é considerado um dos
mais remotos precursores do cinema. Surge, na China, por volta de 5000 a.C. e
caracteriza-se pela projeção, sobre paredes ou telas de linho, de figuras humanas,
animais ou objetos recortados e manipulados. Há um conjunto de operadores em
que um operador narra a ação e outros tocam instrumentos e movimentam as
marionetes compondo uma narrativa que quase sempre envolve príncipes,
guerreiros e dragões.
Experiências posteriores com a câmara escura (uma caixa fechada, com um
pequeno orifício coberto por uma lente) e a lanterna mágica (uma caixa cilíndrica
180
iluminada a vela), constituem os fundamentos da ciência óptica, que torna possível a
realidade cinematográfica.
No século XIX, começam a surgir os primeiros ensaios de Joseph Niepce
sobre a fotografia que, no final desse mesmo século, é colocada em movimento
pelos irmãos Lumière. Auguste e Louis Lumière idealizaram o cinematógrafo em
1895, ocorrendo a primeira exibição pública em 28 de dezembro de 1895, em Paris.
Os filmes exibidos eram bem curtos, filmados em preto e branco e sem som. O
aparelho, uma espécie de ancestral da filmadora, era movido a manivela e utilizava
negativos perfurados, substituindo a ação de várias máquinas fotográficas para
registrar o movimento.
Antes das primeiras projeções públicas realizadas pelos irmãos Lumière, em
1895, o fenakistoscópio, desenvolvido pelo físico Joseph Plateauera (1832), já
maravilhava milhares de pessoas. Esse invento só pôde ser desenvolvido porque o
físico “percebeu que, para recuperar o movimento, é necessário decompô-lo em
uma série de imagens fixas quase idênticas”. (CHARLIER, 1995).
Com os irmãos Louis e Auguste Lumière, essa linguagem foi adquirindo maior
consistência e criando um meio de expressão que viria a caracterizar a maior
invenção já produzida com o nome de arte: um aparelho mecânico que capta ilusões
e desejos e se aventura a trazer, por meio de planos, de lentes e de luz, um mundo
em movimento que estabelece um diálogo possível entre a realidade e a fantasia.
Se com os Lumière essa “caixa mágica” conseguiu mover o mundo, levando
para a tela de projeção a vida, que passa a ter uma característica de espetáculo e a
ser traduzida por meio de uma linguagem documental, já com Georges Méliès (1861
– 1938) tem-se o cinema encantando o público com estórias de ficção criadas por
meio de cenários, atores, iluminação artificial e efeitos de trucagem que forneciam
ao cinema os primeiros passos para a criação de uma linguagem que seduz pela
ilusão e pela ação dramática e narrativa.
Primeiros filmes
Méliès foi diretor, ator, produtor, fotógrafo e figurinista, sendo considerado o
pai da arte do cinema.
Pequenos documentários e ficções são os primeiros gêneros do cinema. A
linguagem cinematográfica se desenvolve, criando estruturas narrativas. Na França,
na primeira década do século XX, são filmadas peças de teatro, com grandes nomes
181
no palco, como Sarah Bernhardt. Em 1913, surgem, com Max Linder, que mais tarde
inspiraria Charles Chaplin, o primeiro tipo cômico e, com o Fantômas, de Louis
Feuillade, o primeiro seriado policial.
Cinema mudo
O cinema nasceu mudo, característica que tinha como principal vantagem a
universalidade: um único filme era exportado para vários países, com o custo
adicional apenas das traduções de alguns intertítulos.
Segundo Doctorow (2001):
Os primeiros cineastas aprenderam a transmitir significado sem o emprego da linguagem. Em sua maior parte, as fichas com letreiros dos filmes mudos só confiavam na inteligência não-verbal atribuída à platéia. O gênero do filme é indicado pelos portentosos letreiros de abertura. As tomadas iniciais situam o filme e identificam a época em que a ação transcorre. Uma certa cena é iluminada e a câmera toma posição para criar clima e informar à platéia como esta deve considerar o que está vendo, até que ponto a história é séria ou não, se devemos encarar os personagens objetivamente ou não, como estamos sendo solicitados a compartilhar de suas aventuras. Os componentes materiais do filme são sincronizados com seu tema. Os atores se vestem, têm cortes de cabelo ou penteados de modo a indicar a idade, classe econômica, status social, instrução e até o grau de virtude. Tais componentes são direcionados para demonstrar o estado de espírito dos personagens com atitudes ousadas, gestos, expressões faciais e movimentos dos olhos. Por causa de tudo isso, a cena tem um peso que se desenvolve sem palavras. O que se vê e se sente é um contexto demonstrativo no lugar de palavras proferidas. (DOCTOROW, 2001, p. 112).
Cinema falado
O advento do som, nos Estados Unidos, revoluciona a produção
cinematográfica mundial. Os anos 30 consolidam os grandes estúdios e consagram
astros e estrelas em Hollywood. Os gêneros se multiplicam e o musical ganha
destaque. A partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra, há um renascimento das
produções nacionais: os chamados cinemas novos.
Em 1929, o cinema falado representava 51% da produção norte-americana.
Outros centros industriais, como França, Alemanha, Suécia e Inglaterra, começavam
a explorar o som. A partir de 1930, Rússia, Japão, Índia e países da América Latina
recorriam à nova descoberta.
182
ZHANG YIMOU
Natural de: X’ian, Shaanxi, China.
Nascimento: 14 de novembro de 1951.
O cineasta chinês Zhang Yimou, mestre de
cerimônia da abertura dos Jogos Olímpicos de
Pequim, é conhecido por suas epopeias
patrióticas e por projetos gigantescos. As
imagens criadas por ele mostram um espetáculo
futurista, com imensos blocos brancos em
movimento, imitando uma onda, e projeções de
luz na forma de animais nas laterais do Estádio Nacional, o Ninho de Pássaro. No
centro, um imenso pergaminho é deslocado, sobre o qual os dançarinos evoluem.
Também há um imenso globo, além de centenas de figurantes agitando bandeiras
vermelhas, enquanto outros batem tambores.
Foi revelado ainda que o espetáculo conta a longa história da China, sob as
cores de fogos de artifício, e presta uma homenagem às vítimas do terremoto de
maio, em Sichuan.
Aos 46 anos, Zhang Yimou, como a China, teve uma história difícil. Filho de
um oficial do Kuomintang, que lutou contra o Exército Vermelho durante a guerra
civil chinesa, Zhang foi obrigado a interromper seus estudos aos 16, durante a
Revolução Cultural, quando foi enviado ao campo para ser "reeducado". Durante
esse processo, trabalhou três anos em uma fazenda e sete anos em uma
tecelagem.
Após descobrir a fotografia, Zhang conseguiu se inscrever na Escola de
Cinema de Pequim, aos 27 anos e, em 1984, experimentou seu primeiro sucesso
com Chen Kaige em "Terra amarela", que conta a difícil vida dos camponeses no
norte da China.
Considerado um dos principais expoentes da quinta geração de cineastas do
Pós-Guerra, o equivalente da "Nouvelle vague", produziu "O sorgo vermelho", uma
história de amor que tem como pano de fundo a invasão japonesa do país, nos anos
de 1930. Com esse filme, conquista o Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 1998,
e se torna conhecido internacionalmente.
Autor de "Adeus, minha concubina", em 1991, enfrentou a censura do
Figura 58: Cineasta chinês Zhang Yimou Fonte:www.google.com.br/article/Aleqm5hpavrkyuz91wodoke8kqonocidw
183
governo, que viu na história uma crítica ao regime. Seu filme "Tempo de viver",
ganhador do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes, em 1994, também
passou muitos anos na lista dos censores.
Mesmo assim, Yimou rejeita qualquer ideia de deixar o país para trabalhar no
exterior. "Não posso considerar ficar separado do país no qual eu cresci", disse ele
em uma entrevista, insistindo em que "não entendo o público estrangeiro e nem
mesmo falo inglês".
Depois de celebrar o indivíduo, ele se dedica a grandes projetos, lançando-se
nos filmes de sabre tradicional, com Herói, a história do primeiro imperador da
China, antes de filmar Cidade Proibida, cuja produção teve o mais importante
orçamento do cinema chinês.
Filmografia
1987 - O sorgo vermelho (Hong gao liang)
1991 - Lanternas vermelhas (Da hong deng long gao gao gua)
1992 - A história de Qiu Jú (Qiu Jú da guan si)
1994 - Tempo de viver (Huozhe)
1999 - Nenhum a menos (Yi ge dou bu neng shao)
2001 - Happy times (Xingfu shiguang)
2002 - Herói (Ying xiong)
2004 - O clã das adagas voadoras (Shi mian mai fu)
2005 - Um longo caminho (Qian li zou dan qi)
2006 - A maldição da flor dourada (Man cheng jin dai huang jin ji)
2008 - Abertura e encerramento das Olimpíadas
Prêmios
Ganhou dois prêmios no British Academy of Filme and Television Arts
(BAFTA) de melhor filme estrangeiro por Lanternas vermelhas (1991) e
Tempo de viver (1994).
Recebeu duas indicações no Independent Spirit Awards de melhor filme
estrangeiro por Lanternas vermelhas (1991) e A história de Qiu Jú (1992).
Recebeu uma indicação ao Prêmio Bodil de melhor filme não americano
por Nenhum a menos (1999).
184
Ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Cannes por Tempo de
Viver (1994).
Ganhou o prêmio ecumênico do júri no Festival de Cannes por Tempo de
viver (1994).
Ganhou o grande prêmio técnico no Festival de Cannes por Operação
Xanghai (1995).
Ganhou duas vezes o Leão de Ouro no Festival de Veneza por A história
de Qiu Jú (1992) e Nenhum a menos (1999).
Ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza por Lanternas vermelhas
(1991).
Ganhou o prêmio Lanterna Mágica no Festival de Veneza por Nenhum a
menos (1999).
Ganhou o prêmio Sergio Trasatti no Festival de Veneza por Nenhum a
menos (1999).
Ganhou o prêmio UNICEF no Festival de Veneza por Nenhum a menos
(1999).
Ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim por O sorgo vermelho
(1987).
Ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Berlim por O caminho para
casa (1999).
Ganhou o prêmio ecumênico do júri no Festival de Berlim por O caminho
para casa (1999).
Ganhou o prêmio Alfred Bauer no Festival de Berlim por Herói (2002).
Ganhou o prêmio de melhor filme – Voto Popular – no Sundance Film
Festival por O caminho para casa (1999).
Ganhou o prêmio de melhor filme – Voto Popular – na Mostra de Cinema
de São Paulo por Nenhum a menos (1999).
185
ERWIN PANOFSKY
Erwin Panofsky nasceu em Hannover em 1892, graduou-se em 1914 na
Universidade de Friburgo, depois de estudar nas Universidades de Berlim, Munique
e Friburgo. Em 1916, casou-se com Dora Mosse, também historiadora de arte. Em
1924, aparece a primeira de suas grandes obras, Ideia, que tratou da história das
ideias na história da arte. Sua carreira em história da arte levou-o a lecionar nas
universidades da Alemanha de 1920 a 1933. Ele também esteve envolvido na
organização de concertos de música de câmara, especialmente de Mozart. Durante
esse período, Panofsky começou a desenvolver a abordagem iconológica à história
da arte em suas conferências e publicações, destacando sua preocupação com o
conteúdo em contraposição à forma e análise estilística.
Panofsky analisou filmes de uma maneira completamente nova. Do cinema,
disse ele, “não foi uma expressão artística que deu origem à descoberta e
aperfeiçoamento gradual de uma nova técnica, mas sim uma invenção técnica que
deu origem à descoberta e perfeição progressiva de uma nova arte”. Ele teve um
papel importante na obtenção de apoio para a criação de um departamento de
cinema do Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1934. Dois anos mais tarde,
Panofsky emitiu uma palestra sobre o cinema no Metropolitan Museum of Art, e foi
coberto pela Nova York Herald Tribune de sua “aparentemente sem precedentes e
bastante surpreendente legitimação cultural do cinema” como arte.
Abandonou a Alemanha quando os nazistas tomaram o poder em 1933, por
ser de ascendência judia, e instalou-se nos Estados Unidos, para onde havia viajado
como professor convidado em 1931. Foi professor no Instituto para Estudos
Avançados da Universidade de Princeton (1935-1962), mas também trabalhou nas
universidades de Harvard (1947-1948) e Nova York (1963-1968). Morreu no ano de
1968.
CHARLES S. PEIRCE
Charles S. Peirce (1839 – 1914). A tentativa mais elaborada e mais decidida
de explicação dos sinais e seu significado foi, de longe, a do lógico norte-americano
Peirce. Cientista, matemático, historiador, filósofo e lógico, é considerado o fundador
da moderna semiótica. Graduou-se com louvor pela Universidade de Harvard em
186
Química, fez contribuições importantes no campo da biologia, psicologia,
matemática, filosofia e geodésia. Peirce, como diz Santaella (1983), foi um
“Leonardo das ciências modernas”. Peirce foi o enunciador da tese anticartesiana de
que todo pensamento se dá em signos, na continuidade dos signos, do diagrama
das ciências, das categorias do pragmatismo.
Ao morrer, em 1914, Peirce deixou doze mil páginas publicadas e noventa mil
páginas de manuscritos inéditos. Os manuscritos foram depositados na
Universidade de Harvard. Caso raro na filosofia contemporânea, a filosofia de Peirce
constituiu-se em um sistema no qual a lógica, a ética, a estética, a metafísica,
formam uma unicidade que não permite entender uma sem as outras.
Num artigo datado de 14 de maio de 1867, Peirce definiu Lógica como a doutrina
das condições formais da verdade dos símbolos, isto é, da referência dos símbolos
aos seus objetos. Mais tarde, quando reconheceu que a ciência consiste em
inquérito, não em doutrina, sendo a história das palavras a chave para o significado
delas, acabou se apercebendo, como escreveu em 1908, que para o estudo da
“referência geral dos símbolos aos seus objetos ver-se-iam obrigados a realizar
também pesquisas das referências em relação aos seus interpretantes, assim como
de outras características dos símbolos e não só dos símbolos, mas de todas as
espécies de sinais. Por isso, atualmente, o homem que pesquisa a referência dos
símbolos em relação aos seus objetos será forçado a fazer estudos originais em
todos os ramos da teoria geral dos sinais”. Essa teoria tem o nome de semiótica e os
seus aspectos essenciais foram desenvolvidos num artigo da revista Monist (1906),
sob o título de Prolegomena to an Apology for Pragmaticism.
LIEV S. VYGOTSKY
Liev S. Vygotsky (1896 – 1934), professor e pesquisador, foi contemporâneo
de Piaget, nasceu em Orsha, na Bielorússia. Viveu na Rússia, sendo uma das
figuras mais importantes da escola psicológica russa.
Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como
resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da
aprendizagem nesse desenvolvimento. Sua questão central é a aquisição de
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio, especialmente no que se
refere “ao estudo do papel dos signos”, que se constitui no direcionamento para
187
estudar o comportamento humano.
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conhecimentos
remetem às relações entre pensamento e linguagem, à questão cultural no processo
de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização.
Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores com internalização
mediada pela cultura.
O que impressiona na obra de Vygotsky é a diversidade. Ele tentou reunir
todos os aspectos das condutas humanas numa abordagem explicativa de conjunto,
ou seja, a elucidação dos fenômenos segundo o modelo das ciências da natureza,
que depende da explicação que está ao longo da história e desenvolvimento social
do homem. Logo, para a cultura educacional humana, não é tão essencial apenas a
existência dos signos externos que direcionam o comportamento, mas também a
transformação gradual desses signos externos e internos.
Vygotsky dedicou dez anos de sua atividade científica (de 1915 a 1925) ao
estudo dos problemas da crítica das artes e da literatura, da estética e da psicologia
da arte. A atenção voltada para a natureza simbólica da imagem artística foi levando
Vygotsky a evoluir gradualmente para a elaboração de uma teoria enriquecida pelas
ideias gerais da sociologia, psicologia, fisiologia, para explicar a “função da arte”.
188
GLOSSÁRIO
CULTURA
Vinda do latim, que tem o sentido de “cultivar”, significava, na antiguidade
romana, o cuidado do homem com a natureza.
A cultura é o campo instituído pela ação dos homens que agem escolhendo
livremente seus atos, dando a eles sentido, finalidade e valores na formação de um
complexo sistema de padrões comportamentais de crenças, de costumes e das
instituições sociais, transmitidos coletivamente a partir de uma sociedade. Na
realidade, sociedade e indivíduo não são antagônicos. A cultura fornece a matéria-
prima, os instrumentos técnicos que permitem aos homens agir sobre a natureza,
transformando-a, dando origem ao conjunto das produções materiais humanas que
formam o campo da cultura.
Pode-se, então, definir a cultura como criação de símbolos significantes,
constituindo uma ordem simbólica da lei, de sistemas de controle estabelecidos a
partir da atribuição de valores às coisas, aos humanos e suas relações. Os símbolos
surgem tanto para representar como para interpretar a realidade, dando-lhe sentido
pela presença do humano no mundo. É, portanto, a criação de uma ordem simbólica
da sexualidade, da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do sagrado e do
profano.
Cultura se define, pois, como criação de práticas comportamentais, ações e
instituições pelas quais os homens se relacionam entre si e com a natureza e dela
se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-a (rituais, fabricação
de instrumentos técnicos ou ferramentas), formas de guerra e paz; ainda, a cultura
como criação de obras de sensibilidade e da imaginação: as obras de arte e como
criação de obras da inteligência e da reflexão: as obras de pensamento, isto é, a
ciência e a filosofia.
PENSAMENTO
Do latim pensare, que significa “ficar em suspenso, pesar, examinar, avaliar,
ponderar”. O pensamento é a tomada de consciência, a capacidade de refletir sobre
os dados reunidos pela experiência, pela percepção, pela imaginação, pela
189
memória, pela linguagem, a fim de compreender os fenômenos cognitivos e
possibilitar a elaboração de conceitos.
Ao pensar, células neurais são ativadas num processo mental no qual o
cérebro, ou seja, os neurônios transformam impulsos elétricos e bioquímicos em
imagens, dando uma representação conceitual na qual a imagem participa como
auxiliar simbólico. Então, o que vem da percepção sensório-motora, da imaginação e
da memória é colocado em movimento. Apreende-se o sentido das palavras,
estabelecem-se relações e comparações para obter significações, algumas vindas
da experiência sensível, outras do raciocínio, outras formadas pelas relações entre
imagens, palavras, lembranças e ideias anteriores.
CONSCIÊNCIA
Capacidade humana para conhecer e para saber que sabe, que conhece. É um
conhecimento das coisas e de si, uma reflexão sobre esse conhecimento. É uma
atividade sensível e intelectual dotada da capacidade de análise e síntese, de
representação dos objetos por meio de ideias e de avaliação, compreensão e
interpretação desses objetos por meio de juízos. É o sujeito do conhecimento. É o
homem que se reconhece como diferente dos objetos, cria ou descobre
significações, institui sentidos, elabora conceitos, ideias, juízos e teorias. Por ser
dotado de reflexão, o sujeito é um saber de si e um saber sobre o mundo,
manifestando-se como sujeito de percepção, de imaginação, de memória, capaz de
falar e pensar.
PERCEPÇÃO
É o conhecimento sensorial de formas ou de totalidades organizadas e
dotadas de sentido. É o conhecimento de um sujeito corporal para o qual a
experiência é dotada de significação mediante sua história de vida, fazendo parte de
seu mundo e de suas vivências. A percepção é, assim, uma relação do sujeito com o
mundo exterior que depende das coisas e de seu corpo. Envolve toda a
personalidade, a história pessoal, a afetividade, os desejos. Percebe-se o mundo
qualitativamente (cores, formas, sabores, texturas, sons, etc.), afetivamente (amado
ou odiado, prazeroso ou doloroso, etc.) e valorativamente (bom ou mau, belo ou feio,
190
etc.). Assim, a percepção oferece um acesso ao mundo dos objetos práticos e
instrumentais, orientando para a ação cotidiana e para uma forma de conhecimento
e de ação fundamental nas artes, capazes de criar uma “outra realidade”, como no
teatro, na música, na pintura, no cinema.
O cérebro, além do processo perceptivo, seletivo, memoriza as informações
recebidas e seleciona os movimentos motores possíveis, visando a uma ação
prática, mas, toda percepção se prolonga em ação nascente. À medida que as
imagens, uma vez percebidas, se fixam e se alinham nessa memória, os
movimentos que as continuavam modificam o organismo, criam no corpo novas
disposições a agir. (BERGSON, 1934).
MEMÓRIA
Memória é uma atualização do passado na qual células do cérebro registram
e gravam percepções e ideias, gestos e palavras através de fatos, acontecimentos,
coisas, pessoas e relatos experienciados. Pode-se dizer que, no processo de
memorização, entram componentes objetivos e componentes subjetivos. São
componentes objetivos as atividades físico-fisiológicas e químicas de gravação e
registro cerebral das lembranças. São componentes subjetivos o significado
emocional ou afetivo do fato ou da coisa para alguém, o prazer ou a dor que este
fato ou alguma coisa produziram nesse mesmo alguém.
A memória não é um simples lembrar, mas revela uma das formas
fundamentais da existência, que é a relação com o tempo e, no tempo, com aquilo
que está invisível, o passado. A memória é o que confere sentido ao passado como
diferente do presente e do futuro, podendo permitir compreendê-lo. Memória
imaginativa e memória repetitiva: assim, progressivamente vai-se constituindo uma
experiência de uma ordem e que se deposita no corpo; uma série de mecanismos
combinados, com reações as mais numerosas e variadas às reações externas, com
réplicas todas prontas a um número continuamente crescente de interpretações
possíveis. É dessa forma que Bergson (1934) descreve o primeiro tipo de memória
como imaginando (é a memória espontânea), e a segunda como repetindo.
Das duas memórias, a primeira parece ser a memória por excelência, a
imaginativa, que está presente na imagem da memória dos sonhos, nos devaneios,
essencialmente fugidia à vontade consciente. A segunda, que os psicólogos
191
estudam mais comumente, é o hábito, esclarecido pela memória. “Para evocar o
passado sob a forma de imagem, é necessário poder abstrair-se da ação presente,
saber ligar-se a todo custo ao inútil, é necessário querer sonhar. Somente o homem
é capaz de um esforço deste gênero.” (BERGSON, 1934).
É dessa forma que, para Bergson, o corpo, situado no espaço como um
centro de ação, pode, através de mecanismos cerebrais, prolongar toda a percepção
numa escolha, que implica consciência da ação motora em função do “esquema
motor” de que dispõe, ou seja, do conjunto de ações motoras que o corpo pode
absorver durante sua vida.
IMAGINAÇÃO
A imaginação é a capacidade da consciência para criar os objetos imaginários
ou objetos na forma de imagens mentais. É a atividade individual, subjetiva, que se
alimenta da materialidade do mundo real com capacidade de reelaboração,
constituindo imagens materializadas com significação. Dessa forma, pela
imaginação, é possível relacionar-se com o ausente e com o inexistente. Imaginar
um objeto é relacionar-se com a imagem desse objeto, isto é, com o objeto
existente, mas ausente, ou com um objeto ausente, porque ainda inexistente. Essa é
a capacidade criadora da imaginação, capaz de tornar ausente o que está presente,
de tornar presente o ausente e criar o inexistente. É por isso que a imaginação tem
também uma força prospectiva, isto é, consegue inventar o futuro.
LINGUAGEM
A linguagem é a forma propriamente humana da comunicação, da relação
com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.
É um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação
entre pessoas e para a expressão de ideias, valores e sentimentos. Esse sistema de
signos tem função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa. A linguagem é,
hoje, o valor social mais atuante num mundo de comunicações, em toda a extensão
de sua conceituação técnica e humana, desde a fala articulada do homem até os
enunciados simbólicos, sígnicos, de caráter prático e englobante das expressões
coletivas ou sociais resultantes do convívio e transmissão de emoções
192
experienciadas pelo coletivo. Fala articulada e simbolização sonora coletiva são as
funções da linguagem, como sistema de sinais simbólicos convencionados em uma
cultura para a arte da comunicação, envolvendo a cadeia de signos: ícones, índices,
símbolos com os códigos próprios de cada época de determinada civilização.
SIMBOLISMO DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO: REAL – IMAGINÁRIO – SIMBÓLICO
Real: é o plano em que acontece a existência humana, a realidade em si, e
onde o homem exerce sua ação transformadora da natureza. Ele constitui, ao
mesmo tempo, o lugar de ancoragem do homem no universo e o que é externo a
ele. Designa uma qualidade das coisas, pessoas ou acontecimentos que tenham
existência em si.
Imaginário: é o plano onde convergem os sinais emitidos pelos objetos que
povoam o real. É a realidade no homem, ou seja, a realidade interiorizada na forma
de imagens mentais que ele reelabora por sua capacidade criadora e que se tornam
parte do mundo da sua subjetividade.
Simbólico: é o plano da realidade transformada pelo homem que retorna ao
seu estado de realidade em si, mas agora em forma representativa. É o universo
criado pelo inconsciente coletivo como desdobramento do real num plano diferente
de existência que o torna significante e inteligível. Trata-se de instâncias na literatura
filosófica e psicológica, pois elas definem a natureza humana e o que o homem é
capaz de ser e fazer.
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