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Sônia Maria Molan Gaban
Contribuições da pedagogia para a prevenção ao HIV/AIDS:
Uma revisão bibliográfica
Monografia apresentada à Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo para a obtenção do título de
Especialista em Prevenção ao HIV/AIDS no quadro da
Vulnerabilidade e Direitos Humanos
Orientadora: Prof.ª Dra. Elizabete Franco Cruz
São Paulo
2011
DEDICATÓRIA
Ao meu querido esposo
Roberto, com quem pude
construir novos sentidos para
minha vida e formar nossa
família.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus por todas as oportunidades de viver a vida.
Em especial agradeço ao meu esposo Roberto e a minha filha Ana Paula pelo
apoio incondicional que me deram durante o curso. Ela sempre com muita alegria
arrumando minha mala, estimulando a viagem, vendo a vida colorida e bela. Ele
compreendendo minhas ausências e principalmente ajudando na realização desta
monografia, acompanhando-me até as madrugadas formatando o trabalho.
À minha monitora Bruna por sua atenção e disponibilidade, com quem
sempre pude contar e em especial no momento da perda do meu querido pai.
À minha orientadora, Professora Dra. Elizabete Franco Cruz, que acreditou na
minha proposta e me ensinou que com respeito, dedicação e afeto também se
constrói conhecimento. Obrigada pela generosidade com que acolheu minhas
dificuldades e ansiedades, compartilhando comigo seu saber.
A todos os professores, em especial Ausonia, Paulo Monteiro e Vera Paiva
pelo amor que demonstraram no trabalho com a AIDS.
Aos amigos queridos: Renata, Zulmira, Marco, Marcus, que sempre me
acolheram com muito carinho, dividindo comigo o fardo de carregar a “bendita”
mala, além das trocas de experiências e momentos agradáveis compartilhados,
principalmente no “Pecado da Costela”.
Finalmente, a todos que direta e indiretamente contribuíram para meu
aprendizado.
“Não julgueis segundo a aparência, mas
sim pela reta justiça” – Jesus Cristo,
segundo evangelho de São João 7:24.
SUMÁRIO
1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.1. Justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2. Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
3. Educação e prevenção ao HIV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3.1. Teorias educacionais Acríticas, Críticas e Pós Críticas . . . . . . . . 13
3.2. Educação em saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.3. Vulnerabilidade e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4. Procedimentos metodológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
5. Análise e discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
6. Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
7. Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
ANEXO Quadro 2 - Organização dos dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Lista de Abreviaturas e Siglas
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
HND História Natural da Doença
MS Ministério da Saúde
NP Nova Prevenção
NPS Nova Promoção da Saúde
NEPAIDS Núcleo de Estudos de Prevenção da Aids Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo, SP, Brasil
ONGS Organizações não Governamentais
SUS Sistema Único de Saúde
Lista de Quadros
Quadro 1 Artigos Analisados
Quadro 2 Organização dos dados
RESUMO
Trata-se de uma revisão bibliográfica com o objetivo de compreender quais
referenciais pedagógicos são utilizados no âmbito da prevenção ao HIV/AIDS (em
práticas educativas e pesquisas relatadas nos textos analisados) e qual o diálogo que
estes referenciais estabelecem com o quadro da vulnerabilidade e dos direitos
humanos. Após a leitura e análise de 13 artigos publicados no Scientific Eletronic
Library Online, que atendem as questões norteadoras do estudo, adotando
procedimentos da análise de conteúdo, foram construídas as seguintes categorias de
análise: Descrição (formato e procedimento), Concepções de Educação (referencial
teórico citado e relação educador - educando), Vulnerabilidade e Direitos Humanos.
Avaliamos que os artigos analisados estabelecem diálogo com as perspectivas
críticas e pós criticas e que tais perspectivas educacionais, que tem como
pressuposto a criação de condições para modificação de contextos, se mostraram
pertinentes para o diálogo com o quadro conceitual da vulnerabilidade e dos direitos
humanos. Percebe-se a importância de propostas educacionais baseadas na
problematização, na reflexão, na crítica, no envolvimento e valorização dos
diferentes sujeitos que compõe o processo educativo, além da importância de novas
ações de prevenção ao HIV/AIDS que dialoguem com o quadro da vulnerabilidade e
direitos humanos.
1. INTRODUÇÃO
O entendimento da relevância deste estudo permeia minha história
profissional, por isso, é imprescindível que ela seja descrita, mesmo que
brevemente. Há 18 anos atuo como educadora na área da saúde, desde então,
desenvolvo atividades voltadas para a educação em saúde, principalmente
propostas de prevenção às DST/HIV/AIDS. Em 2000 fui convidada, como
pedagoga, a integrar a equipe multidisciplinar do Programa de Atendimento
Integral à Saúde do Adolescente do Município de Araraquara, SP.
A equipe de profissionais era formada por médicos (ginecologista, psiquiatra),
psicólogos, assistente social e enfermeira. Minha intervenção como educadora na
área da saúde trouxe-me inquietação quanto aos referenciais teóricos que iriam
subsidiar nossos projetos de prevenção ao HIV/AIDS. Com qual concepção de
Saúde, Educação, Prevenção iríamos trabalhar? A partir da leitura que fizemos de
vários textos e documentos nacionais e internacionais fomos delimitando e
desnudando os conceitos acima mencionados.
Em 2000 desenvolvemos um Projeto de “Saúde, Prevenção e Sexualidade nas
Escolas”, fundamentados em documentos oriundos da Conferência Internacional
sobre Atenção Primária de Saúde – Declaração de Alma Ata (Buss, 2000), na
Pedagogia da Problematização (Berbel, 1998) e na Pedagogia Libertadora do
educador Paulo Freire (1983).
Freire (1983) preconizava que a tarefa do educador deve ser a de
problematizar para os educandos o conteúdo que os mediatiza e não entregá-lo
6
como algo pronto. Educador e educando devem fazer parte do processo ensino
aprendizagem, pois os saberes se complementam de forma que, para Freire,
ninguém ensina nada a ninguém.
As leituras que foram feitas para subsidiar o projeto que desenvolvemos no
município de Araraquara, SP, foram de extrema importância, pois, se
configuraram como instrumental teórico e recurso fundamental para a intervenção,
oportunizando as construções conforme a definição de conceitos proposta:
Conceitos são recursos para responder a necessidades
sociais que demandam conhecimento e transformação da
realidade, que serão construídas segundo os recursos
materiais disponíveis, o estado da arte das ciências e
tecnologias, as condições político - ideológicas vigentes e
os valores éticos e morais característicos de cada época e
local (Ayres, Paiva, França Jr., 2010)
O trabalho em Araraquara foi e é importante. A partir de minha formação
acadêmica, trajetória profissional, reflexões e leituras realizadas no decorrer do
Curso de Especialização em Prevenção ao HIV/AIDS no Quadro da Vulnerabilidade
e Direitos Humanos (NEPAIDS, SP/2010), ampliei minha percepção de que a
pedagogia crítica dialoga com o quadro referencial da vulnerabilidade e dos direitos
humanos. Esta proposição se confirma com a reflexão apresentada por Seffner
(2010) que discute as aproximações entre o campo da teoria educacional e o
conjunto de referenciais teóricos e metodológicos que caracterizam as estratégias de
prevenção à AIDS na experiência brasileira. Este autor traz contribuições para
reflexão sobre o pensamento de Freire, Althusser, Silva e Foucault.
Freire é um autor muito citado na área de educação em saúde e para as
7
ações de prevenção à AIDS no Brasil, promovidas pelas instituições públicas e pelas
ONGS/AIDS. Vem daí meu interesse em pesquisar as contribuições da pedagogia
crítica para as ações de prevenção ao HIV/AIDS e refletir sobre pontos em que essa
teoria abre novos horizontes para trabalhar no quadro da vulnerabilidade e direitos
humanos.
Em 2010, diferentes autores como Paiva, Ayres et al., Seffner, Meyer e Félix,
Monteiro e Donato, referenciados no Curso de Especialização vieram corroborar
meu pensamento e minha prática na área da saúde como educadora, de que as
teorias educacionais críticas favorecem os processos educativos, possibilitando a
transformação dos indivíduos e dos contextos sociais.
Desde o início da AIDS várias tecnologias de prevenção foram utilizadas para
o enfrentamento da epidemia e, além das biomédicas, fez-se necessário lançar mão
das práticas educativas. Historicamente, pesquisadores, militantes, técnicos
acreditavam que era possível ensinar às pessoas o que é o HIV/AIDS, bem como as
formas de se proteger da infecção (Ayres, 2002). A própria evolução da epidemia de
AIDS mostrou que propostas de prevenção focadas apenas na informação
(pedagogia tradicional) não foram suficientes para vencer o grande desafio de
quebrar a cadeia de transmissão do vírus HIV e reduzir a infecção.
No início da epidemia da AIDS os esforços para o enfrentamento foram
direcionados aos grupos de risco, entendendo que somente os gays, travestis,
transexuais, profissionais do sexo, hemofílicos e usuários de heroína eram afetados
pelo HIV e adoeciam. Porém, a própria evolução da epidemia mostrou que essa
estratégia não estava adequada, derrubando essa classificação estigmatizante de
8
grupo de risco e adotando comportamento de risco, que culpabilizava os indivíduos
infectados por, supostamente, não se protegerem e adotarem comportamentos de
risco. Estas duas abordagens acima citadas apresentaram importantes limitações
relativas ao instrumental científico tecnológico normalmente utilizado para orientar
e avaliar ações preventivas em HIV/AIDS. Caminhamos até chegar ao conceito
de vulnerabilidade, que incorpora as diferentes situações de suscetibilidade dos
sujeitos, tanto do ponto de vista individual como na coletividade, frente à epidemia
da AIDS (Ayres et al., 2003). Apesar dos avanços conquistados do ponto de vista
de tratamento e da assistência, que colocaram o Brasil como referência, era
necessário avançar em relação às ações de prevenção ao HIV/AIDS.
Com o impulso às propostas da Nova Promoção de Saúde (NPS), decorrentes
das Conferências Internacionais de Saúde, foram sendo consolidados conceitos e
estratégias orientados para a melhoria das condições de saúde das populações de
todo o mundo. O s sete princípios resultantes dessas Conferências Internacionais
de Saúde (Concepção Integral de Saúde; Intersetorialidade; Empowerment;
Participação Social; Equidade; Ações-multi-estratégicas; Sustentabilidade),
passaram a ser norteadores das políticas a serem desenvolvidas pelos países
signatários (Ayres, Paiva, França Jr., 2010).
Diante dos princípios acima elencados e do impacto das estratégias de
prevenção ao HIV/AIDS alcançados em três décadas da epidemia de AIDS, a
prevenção continua sendo um grande desafio. Frequentemente nos defrontamos
com as perguntas: como vamos enfrentar esse desafio? Como operar nossa prática
em saúde para a efetiva aplicação destes princípios?
9
Conforme afirmam Monteiro e Donato (2010), as ações de prevenção de
agravos e promoção de saúde e as práticas educativas apresentam uma estreita
relação no campo da saúde. O objetivo das ações educativas em saúde sempre foi a
prevenção de doenças e, apenas recentemente passou a ser a promoção da saúde dos
indivíduos e das comunidades.
Geralmente os estudos e experiências relatados neste campo mostram que as
atividades de prevenção são planejadas e desenvolvidas a partir de modelos e
estratégias escolhidas sem muita reflexão, apontando que a falta do referencial de
fundamentação em um referencial educacional ou a escolha de dado referencial vai
interferir no processo ensino aprendizagem, não alcançando necessariamente os
objetivos estabelecidos. As práticas educativas em saúde devem se pautar em eixos
norteadores, oriundos da concepção de educação adotada e sua relação com a
sociedade.
Monteiro e Donato (2010) através do texto Contribuições Teórico-práticas do
Campo da Educação para as Ações de Prevenção em DST/AIDS discutem a
pertinência de uma abordagem crítica da educação para as ações de prevenção das
DST/AIDS, pautando-se nos referenciais da vulnerabilidade e dos direitos humanos.
Estes autores pontuam que esses referenciais da vulnerabilidade e dos direitos humanos
permitem a escolha de uma pedagogia que tem como pressuposto o papel da educação
como uma das possibilidades de mudança dos contextos sociais e emancipação dos
sujeitos e da coletividade. Sob essa perspectiva, desenvolveu-se este estudo com o
objetivo de compreender quais referenciais pedagógicos tem sido utilizado no
âmbito da prevenção ao HIV/AIDS (práticas e pesquisas). Além de investigar se
estes referenciais dialogam com o quadro da vulnerabilidade e dos direitos humanos.
10
10
JUSTIFICATIVA
A relevância deste estudo está na possibilidade de pensarmos a interface entre
as diferentes teorias pedagógicas e o quadro da vulnerabilidade e dos direitos
humanos, com vistas a criar debates e reflexões que subsidiem ações de
prevenção efetivamente transformadoras.
Os autores que trabalham com as pedagogias críticas trazem à relevância de
pensarmos nos direitos humanos e o quanto a sociedade produz situações que
aumentam a vulnerabilidade das pessoas, aproximando-as da infecção pelo HIV.
Revisitar essas teorias possibilitam-nos ressignificar nossas práticas de
educação em saúde e desenhar novas estratégias de prevenção ao HIV/AIDS.
11
11
2. OBJETIVO
Compreender quais referenciais pedagógicos são utilizados no âmbito da
prevenção ao HIV/AIDS (em práticas educativas e pesquisas) expressos nos textos
analisados e qual o diálogo estabelecido com o referencial da vulnerabilidade e dos
direitos humanos.
12
3. EDUCAÇÃO E PREVENÇÃO DO HIV/AIDS
3.1 Teorias Educacionais Acríticas, Críticas e Pós-Críticas
As teorias educacionais, ou concepções de educação, podem ser divididas em
três grupos, de acordo com Monteiro e Donato (2010):
a) Teorias Não-Críticas, Acríticas ou Ingênuas, para as quais a educação
é um instrumento de equalização social, ou seja, processo de inserção dos
indivíduos, os quais devem se adequar a sociedade (esta concebida como
inquestionável). Compreende-se que somente por meio da educação as
desigualdades sociais podem ser diminuídas. A educação serve a todos os
indivíduos, tem autonomia e não sofre influência da sociedade.
Nessa perspectiva ingênua não se considera os fatores socioeconômicos e as
relações de poder presentes na sociedade, os quais são importantes geradores das
desigualdades.
Três são as escolas ou pedagogias que contemplam as teorias não
críticas: a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova ou Escolanovista e a
Pedagogia Tecnicista.
A distinção fundamental entre estas três pedagogias é quanto ao
entendimento do que é ser marginal na sociedade e o papel da escola no
13
processo de inclusão social desse marginal.
Na Pedagogia Tradicional as ações estão voltadas ao conhecimento do
professor. Nessa prática pedagógica, o aluno recebe de forma passiva os
conhecimentos transmitidos pelo professor. Ele é o condutor do processo
educativo. Não há demanda para qualquer tipo de problematização, cabendo
aos educandos apropriar-se dos conteúdos transmitidos. O Aluno é considerado
como um depósito de informações. Freire (1975) denomina essa prática
pedagógica de concepção bancária da educação.
Essa perspectiva pedagógica tradicional na área da saúde é expressa
através da utilização da técnica de palestra, tendo como objetivo principal a
transmissão de determinado conhecimento à população.
Para as ações de prevenção às DST/AIDS essa concepção mostra-se
limitada, pois; apenas a aquisição de conhecimentos, que é o objetivo final
dessa pedagogia, não é suficiente para o enfrentamento de situações de
vulnerabilidade, ou mudanças de atitudes (Monteiro e Donato, 2010).
Na Escola Nova o objetivo central é o da integração, inclusão social do
marginal. O eixo principal passa a ser os interesses e as necessidades dos
alunos. Há uma mudança de foco e o centro do processo ensino-aprendizagem
passa do professor para o aluno. O professor assume o papel de facilitador da
aprendizagem. As dinâmicas de grupo, os trabalhos em grupos e a dramatização
são técnicas didático-pedagógicas características da Escola Nova. Nesta
perspectiva pedagógica é fundamental compreender os interesses individuais
dos alunos para que a aprendizagem se realize, tornando-se necessário o
14
entendimento dos mecanismos psicológicos no processo de ensino-
aprendizagem.
A abordagem da Escolanovista também apresenta limitações; pois diante
das inúmeras criticas em relação à transmissão de conhecimento, abrem-se
espaços para os interesses dos alunos, há uma desvalorização dos conteúdos e
do papel do professor, não permitindo assim o acesso aos instrumentos e
conteúdos historicamente constituídos e fundamentais para a formação dos
alunos, em especial para aqueles que a escola é o único canal para acessar estes
saberes (Monteiro e Donato, 2010).
Na Pedagogia Tecnicista o objetivo do processo ensino-aprendizagem é o
aprendizado de técnicas. Nessa escola pedagógica o marginal não é mais aquele
que não sabe (Pedagogia Tradicional), nem o rejeitado (Escola Nova) e sim
aquele que é incompetente, aquele que não sabe fazer. Para ser considerado
integrado, o aluno tem que adquirir um conjunto de técnicas e procedimentos
que o capacitam a exercer uma função produtiva na sociedade, podendo assim
ser inserido no mercado de trabalho.
O papel do professor passa a ser o de arranjador das situações de ensino,
as quais foram concebidas e planejadas por especialistas sem sua participação.
O centro do processo ensino aprendizagem é a técnica de ensino. A posição
ocupada pelo professor e pelo aluno é secundária, passam a ser executores de
um processo concebido, planejado e coordenado por outros profissionais
supostamente habilitados (Saviani, 2008).
Na área da saúde, essa abordagem tecnicista se faz presente nas instruções
15
feitas de forma imperativa, com informações fragmentadas, baseadas na
aquisição de procedimentos. Não se leva em conta as especificidades de cada
turma, contexto em questão e a não participação do professor na definição das
estratégias para desenvolver a prática pedagógica. Essa pedagogia tecnicista
também se mostra limitada pelo não envolvimento do aluno e do professor,
pela não consideração das especificidades do grupo, do contexto, ficando dessa
forma a técnica pela técnica. Um exemplo dessa abordagem tecnicista: folhetos
ensinando como colocar o preservativo de forma correta.
b) Teorias Críticas-Reprodutivistas, segundo os autores defensores desta
abordagem pedagógica há uma estreita relação entre a educação e a sociedade, e a
presença de condicionantes /determinantes sociais influenciam de forma decisiva a
educação.
Os autores crítico-reprodutivistas (Bourdieu e Passeron; Althusser; Baudelot
e Establet) propõem o fim da escola como instituição social. Tecem críticas à
educação em geral e em especial a instituição escolar, entendendo que a escola
através de objetivos e de um currículo definido pela classe dominante, reproduz e
reforça a estrutura de classes existente na sociedade, mantendo as desigualdades
sociais. Nessa perspectiva o marginal não é mais o individuo e sim a classe social
subordinada (marginalizada) a classe dominante.
Segundo os teóricos crítico-reprodutivistas só será possível a emancipação da
classe proletária (dominada) com a extinção das escolas como instituições sociais,
alterando o modo de produção existente.
c) Teorias Críticas e Pós-Críticas entendidas como um conjunto de teorias
16
que compreendem a educação como um instrumento de transformação social e
emancipação.
Contrariando a concepção tradicional da educação surgem as Teorias Críticas,
concebidas como teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical.
Para essas teorias a escola é um espaço privilegiado de questionamento da própria
sociedade. As teorias críticas não se limitam às questões organizacionais, ou
relacionadas à operacionalização, mas estão preocupadas com questões como “o
que” e “para que ensinar”. Essas teorias trazem questionamentos quanto ao aluno
que se quer formar e a escolha dos conteúdos (Silva, 2011).
As teorias críticas e as teorias pós-criticas compreendem a educação como
possibilitadora de mudanças na sociedade. Essas duas vertentes se diferem
basicamente pela matriz filosófica de que partem. A primeira tem como base uma
matriz marxista, onde a questão de poder e de desigualdade, está principalmente
relacionada aos aspectos econômicos próprios da estrutura de classes da
sociedade capitalista. A segunda vertente se baseia em uma perspectiva pós-
moderna e/ou pós-estruturalista e entende que a determinação econômica por si só
não é suficiente para explicar as relações de poder existentes na sociedade. Destaca
a presença das questões de gênero, étnicas, culturais, identidades, subjetivas,
sexuais, religiosas, as quais determinam essas relações e não estão necessariamente
ligadas aos modos de produção (Monteiro e Donato, 2010).
Essas duas correntes pedagógicas partem do pressuposto de que a sociedade é
contraditória, dinâmica e mutável. Na visão dos teóricos que defendem as teorias
criticas e pós-criticas, a educação pode ser um instrumento de reprodução da
17
sociedade e das desigualdades, e ou se tornar um fórum privilegiado de
problematização da própria sociedade e das relações de poder presentes nesta
sociedade. Portanto, a perspectiva educacional pode ser um instrumento de
resistência e fomento de mudanças, garantindo seu caráter dialético (Gadotti, 1983)
O foco das teorias críticas está no processo ensino-aprendizagem, nele, tanto o
professor quanto os alunos são vistos como sujeitos ativos e corresponsáveis. A
compreensão e problematização da realidade dos contextos de pertencimento dos
sujeitos ocorrem através dos conteúdos, que assumem papel fundamental no
processo de ensino aprendizagem; favorecendo assim o posicionamento crítico
dos alunos e professores diante da realidade.
Para Giroux e Simon o principal objetivo das pedagogias críticas é criar
condições para que os alunos
compreendam por que as coisas são como são e como
vieram a se tornar assim; tornar o familiar estranho e o
estranho familiar (...) assim como visualizar um mundo
que, ainda não está em ordem, para ampliar as
possibilidades de melhoria das condições de vida. (Giroux
e Simon, 2002, p.99 apud Monteiro, Donato, 2010).
Monteiro e Donato (2010), afirmam que as concepções de educação: Não
Criticas; Críticas-Reprodutivistas e as Criticas e Pós Criticas, apesar do caráter
histórico, não existem em seu estado puro e, ainda hoje se encontram traços destas
escolas nas práticas educativas. Esses autores caracterizam os pontos - chave,
possibilidades e limites de cada uma dessas teorias, apontando para as principais
diferenças existentes entre elas e como as práticas educativas no campo da saúde e
da prevenção podem ser influenciadas por essas concepções teóricas da educação.
18
18
3.2 Educação em Saúde
A educação e a saúde são duas áreas de produção de conhecimento que buscam
o desenvolvimento dos seres humanos. Há uma interseção entre o campo da
educação e o da saúde. Considerando a trajetória histórica da construção da saúde,
percebemos que o ato de educar sempre esteve presente nas ações de saúde
influenciando o processo de cuidado dos indivíduos e da coletividade.
Na segunda metade do século XX observamos uma mudança na concepção do
cuidado e do sentido da Educação em Saúde. A prática de educar que antes era
focada na adoção de bons hábitos e disciplinamento da classe trabalhadora passou a
ser orientada por uma perspectiva pedagógica, crítica e progressista, fundada na
educação popular1 e nas ideias libertadoras do educador Paulo Freire (1983).
Na Educação Popular e na perspectiva freireana há uma dinâmica para
estimular a reflexão e a autonomia, incentivando a participação ativa dos indivíduos
na construção do processo saúde-cuidado, entendendo este cuidado como sinônimo
de qualidade de vida.
1A Educação Popular é uma estratégia de construção da participação popular no redirecionamento da
vida social. É um instrumento de construção da ação de saúde mais integral e mais adequada à
população (Vasconcelos, 2004).
19
19
A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a saúde como direito de todo
cidadão e dever do Estado, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema
Único de Saúde/SUS, constantes nas leis 8.080 e 8.142 (Leis Orgânicas da
Saúde/LOS), contribuiu no processo de mudança da concepção do cuidado e no
sentido da Educação em Saúde (Brasil, 1998, 1990).
O enfoque mais crítico-pedagógico da Educação em Saúde foi fortalecido com
os princípios do SUS (universalidade, equidade, preservação da autonomia,
integralidade, direito à informação), incentivando um fazer profissional diferente,
rompendo assim com o modelo tradicional (Brasil, 1990).
No Brasil temos vários programas que envolvem a Educação em Saúde e o
Programa Nacional de DST/AIDS é um deles.
No cuidado em HIV/AIDS, o Brasil passou a lançar mão de práticas de saúde
que adotaram tanto à postura mecanicista/comportamental, quanto à postura da
promoção de saúde. Estas duas posturas ficaram evidentes na trajetória da política de
prevenção em HIV/AIDS.
Ao buscar desencadear um processo de cuidado voltado para a resolução
conjunta dos problemas de saúde, rompendo com o modelo médico mecanicista,
prescritivo, a Educação em Saúde desempenhou papel relevante na promoção da
saúde no Programa Nacional DST/AIDS.
O conceito de Educação em Saúde preconizado pelo Ministério da Saúde/MS
(Guedes e Stephan-Souza, 2009) se refere à capacitação dos grupos para resolução
das questões pertinentes ao processo saúde-doença e defesa do direito à saúde.
20
20
A Educação em Saúde pode ser entendida como um espaço de trocar
informações, refletir e de desenvolver uma visão crítica dos problemas de saúde,
bem como da sociedade na qual os indivíduos estão inseridos. A educação em
saúde pode ser percebida como uma prática social, porque é atitude, atuação e
vivência. Tem como objetivo o envolvimento e a participação da comunidade nos
programas de saúde, na construção de políticas públicas, na compreensão de
conceitos de saúde (Vila, Vila C, 2007).
No contexto dos profissionais de saúde, praticar Educação em Saúde é
oferecer ao individuo/usuário condições para que ele próprio seja protagonista da
sua saúde/história de vida, lute por seus sonhos, reconheça seus direitos e deveres
e construa seu projeto de vida.
Com esta concepção de Educação em Saúde, a prevenção ao HIV/AIDS não é
mais focada em grupo de risco ou comportamento de risco (como no inicio da
epidemia), uma vez que as decisões sobre o comportamento sexual não podem ser
isoladas das influências sociais, culturais e econômicas que direcionam a vida
dos indivíduos. Através da perspectiva pedagógica crítica, orientada pela Educação
Popular2, pela pedagogia da problematização
3, a prevenção está além da aquisição
de informações e pressupõe o fortalecimento da autonomia e a vivência da saúde
enquanto um direito de cada cidadão.
2 O trabalho de sistematização teórica da Educação popular foi realizado por Paulo Freire. O Brasil foi
pioneiro na constituição do método da Educação Popular (Vasconcelos, 2004).
3 Pedagogia da Problematização ou pedagogia problematizadora considera a importância de
desenvolver nos alunos a capacidade de detectar problemas reais e de atuar como agentes de
transformação social, sendo protagonistas na busca de soluções originais e criativas para os problemas
(Berbel, 1998).
21
21
Freire (1975) ao propor a educação de adultos como prática de liberdade em
oposição a uma educação como prática de dominação, defende que a educação não
pode ser uma prática de depósito de informações. A educação problematizadora
fundamenta-se na relação dialógica entre educador e educando, possibilitando a
ambos aprenderem juntos, por meio de um processo emancipatório.
As práticas educativas norteadas pela pedagogia problematizadora4,
mostram-se as mais adequadas à educação em saúde; pois além de valorizar as
hipóteses trazidas pelo educando, instrumentaliza-o para a transformação de sua
realidade e de si mesmo, favorece o acesso do usuário às informações, garantindo
efetivação de seus direitos. Cria possibilidades de participação ativa dos usuários
nas ações de saúde (Vila, VC, 2007).
Ayres (2002) aponta uma importante crise vivenciada pelas práticas de saúde
atuais. Essas práticas vêm encontrando sérias limitações para responder
efetivamente às complexas demandas de saúde de indivíduos e populações. Para
enfrentar com criatividade a crise e construir propostas de organização e práticas
de atenção à saúde em nosso país, tem se recorrido às estratégias de humanização e
integralidade no cuidado. O autor elenca os traços principais que considera
importantes na compreensão das interações entre profissionais de saúde e usuários e
também os pontos-chave para a reconstrução ética, política e técnica do cuidado em
saúde. São eles: projeto de vida, construção de identidade, confiança e
responsabilidade.
4 A Pedagogia da Problematização ou Problematizadora foi proposta inicialmente por Bordenave e
Pereira, é considerada estratégia inovadora na área de educacional, quer como método de ensino ou
estudo, fundamentada no pensamento de Paulo Freire (Vasconcelos, 2004).
22
22
3.3 Vulnerabilidade e Direitos Humanos
A vulnerabilidade pode ser compreendida como a resultante de um conjunto
de fatores e aspectos dinâmicos, os quais podem ser de ordem individual, social,
relacional, contextual. É importante compreender que estamos nos referindo ao
conjunto de aspectos individuais e coletivos relacionados à maior suscetibilidade de
indivíduos e comunidades a um adoecimento ou agravo e diretamente
relacionado à menor disponibilidade de recursos para a sua proteção. O conceito
de vulnerabilidade n ão é novo, porém emergiu recentemente como conceito na
área da saúde pública, na busca da construção de respostas á epidemia de
HIV/AIDS. As abordagens de grupo de risco e comportamento de risco, utilizadas
para o enfrentamento da epidemia na década de 80 apresentaram limitações, porém
mesmo assim, trouxeram contribuições importantes para os avanços (Ayres, Paiva,
França Jr., 2 0 1 0 ) .
A utilização da referência conceitual de comportamento de risco nas
abordagens de prevenção trouxe como vantagem a possibilidade de universalizar as
estratégias e estimular o envolvimento de todas as pessoas com a prevenção, e
aumento de iniciativas para aliviar o estigma plantado com a abordagem de grupo
de risco (grupos de maior incidência). Por outro lado apresentou aspectos negativos;
podendo ser observada a tendência a responsabilizar exclusivamente os indivíduos
pela mudança de comportamento. Surgem assim, atitudes de culpabilização,
atribuindo ao indivíduo que se infectou a responsabilidade pela ocorrência, por não
23
ter aderido a um comportamento seguro. Diante dessa realidade, grupos e
movimentos organizados (movimento pelo direito das mulheres e de homossexuais),
que se manifestaram contra a abordagem de grupos de risco, novamente se
mobilizam e criticam os modelos comportamentais e individualizantes. Esses grupos
apontaram que parte significativa das medidas preventivas propostas, como o uso do
preservativo, era de natureza complexa e estavam relacionadas a condições de
caráter interpessoal e social. Trouxeram questões significativas relacionadas à classe
social e acesso ao preservativo; questões de gênero (uso de preservativo numa
sociedade machista) dentre outras. Diante destes questionamentos,
pesquisadores, cientistas, profissionais e ativistas de diferentes países, desencadeiam
buscas para compreender as bases sociais e implicações éticas e políticas que podem
estar permeando os comportamentos de risco, iniciando a partir daí as discussões
sobre vulnerabilidade.
Ayres, Paiva, França Junior citam Leavell e Clark (2010) que a partir do
conceito de História Natural da Doença (HND) requerem a superação dos limites
disciplinares entre a clínica médica e saúde pública e entre medidas curativas e
preventivas.
Demonstram que a prevenção deve estar presente em todos os
momentos em que seja possível algum tipo de intervenção que evite
adoecimento ou suas consequências, compondo diferentes níveis de
prevenção (NP), desde transformações de condições ambientais e
sociais que predisponham ao surgimento de agravos até a redução dos
seus piores efeitos sobre aqueles que já adoeceram (Ayres, Paiva,
França Jr., 2010).
Nos anos 70, a promoção da saúde passou a expressar um poderoso
24
24
movimento de ideias e ações visando a renovação das práticas de saúde,
introduzindo mudanças significativas, apesar de guardar relação com o nível
primário de prevenção do modelo HND/NP. Nesse processo de mudança, a
reconstrução do conceito de promoção de saúde foi o exemplo mais expressivo,
porque expandiu o alcance das ações associadas ao nível primário de prevenção e
buscou também a modificação de seus fundamentos e métodos. Surge a “nova
Promoção da Saúde” (NPS) e esta tem como marco fundador o Relatório Lalonde,
de 1974, assinado pelo Ministro da Saúde do Canadá. O Relatório Lalonde
questionava o modelo de atenção à saúde do Canadá, o qual era avaliado como
dispendioso e pouco eficaz na melhoria das condições de saúde da população. As
ações de saúde estavam muito centradas na prática hospitalar e nos determinantes
biológicos do adoecimento. E o relatório recomendava que maior atenção deveria
ser dada ao meio ambiente e aos estilos de vida (Ayres, Paiva, França Jr., 2010).
De acordo com Ayres, Paiva e França Jr. (2010)
“O conceito de vulnerabilidade alinha-se em diversos aspectos com a NPS, na
medida em que ambos buscam compreender e transformar desde a perspectiva
sócio-política os processos e determinantes descritos nos modelos de HNP/NP”.
Quadro da Vulnerabilidade nos mostra que não há uma História Natural da Doença,
senão uma História Social; pois são sociais os conteúdos dessa História e também
a forma de contá-la tem um caráter social e histórico. O quadro da
vulnerabilidade é uma abordagem baseada em direitos humanos.
No Brasil, as respostas à epidemia da AIDS são construídas no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS). O quadro dos direitos humanos é um ponto de
25
referência para a análise da epidemia, pois a partir desse referencial podemos
identificar situações potenciais de vulnerabilidade. O crescimento da epidemia da
AIDS possibilitou a presença e visibilidade de marcadores sociais de violação de
direitos e indicadores para o planejamento de ações. Assim, foi possível ser
identificadas populações e grupos que sofrem discriminação e restrições aos seus
direitos.
Os sujeitos (individuais e/ou coletivos) podem estar diante de diferentes
situações de vulnerabilidade e estas podem ser particularizadas pelo reconhecimento
de três componentes interligados, o individual, o social e o programático ou
institucional. Esses três componentes se articulam entre si, são indissociáveis.
Dentro dessa abordagem, considera-se que as pessoas não são vulneráveis, mas
podem estar vulneráveis a alguns agravos e não a outros, dependendo das
condições e diferentes momentos na sua trajetória de vida.
Para a identificação e superação da vulnerabilidade ao HIV/AIDS nas suas
três dimensões (individual, social e programática), passou-se a considerar cada
pessoa como sujeito de direitos. O quadro conceitual da vulnerabilidade trouxe
muitos benefícios para as práticas de educação em saúde, na medida em que traça
um novo horizonte para situar e articular riscos, trazendo a saúde, assim como a
possibilidade de adoecer, para o campo da vida real, para o cotidiano dos sujeitos
em relação. Dessa forma os processos de intervenção são singulares.
Apenas as perspectivas educacionais que tenham como pressuposto a criação
de condições para modificação de contextos se mostram pertinentes para aplicação
do quadro conceitual da vulnerabilidade (individual social e programática ou
26
institucional). Essas perspectivas são as Teorias Críticas e Pós-Críticas (Monteiro e
Donato, 2010).
Para que as ações educativas possam contribuir na redução da vulnerabilidade
ao HIV/AIDS precisam apresentar as características baseadas na problematização
da realidade, entendida como algo passível de mudança e propiciando condições
para os sujeitos se posicionarem criticamente frente a ela; compreendendo o
aprendiz como individuo e sujeito de sua aprendizagem, criando condições para a
aprendizagem (de qualquer natureza) ser significativa; assumindo como objeto as
diversas naturezas dos saberes, propondo-se a desenvolver aprendizagens de
diversas dimensões; com propósitos claros com ações educativas sempre planejadas
(Monteiro, Donato, 2010).
Segundo Paiva (2002), não há soluções mágicas, nem receitas prontas para o
desafio de fazer prevenção ao HIV/AIDS. A autora discute a necessidade de
politizar os espaços psicoeducativos e coloca a necessidade de desenvolver a noção
de emancipação psicossocial como uma das referências para a aplicação do
conceito de vulnerabilidade no campo da prevenção de novas infecções pelo HIV
e do cuidado com os portadores do vírus HIV. Faz uma crítica às propostas de
prevenção existentes, afirmando que as mesmas são construídas apenas para
cidadãos que não se infectaram com o HIV, deixando de investir na prevenção dos
portadores de HIV/AIDS.
27
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para aproximação teórica com o tema do meu estudo “contribuições da
pedagogia para a prevenção do HIV/AIDS”, realizei um estudo exploratório
utilizando inicialmente os referenciais teóricos da apostila do Curso de
Especialização em Prevenção ao HIV/AIDS no Quadro da Vulnerabilidade e Direitos
Humanos. NEPAIDS. SP-2010.
Posteriormente defini o objetivo e desenho do trabalho, definindo que faria
uma revisão da bibliografia tomando como base para análise artigos que versam
sobre a temática do estudo.
Com a finalidade de atingir o objetivo deste trabalho o procedimento
metodológico utilizado para seleção do material a ser analisado foi um levantamento
bibliográfico na base de dados do SciELO - Scientific Eletronic Libray Online
www.scielo.org/php/index.php usando as palavras chave: Pedagogia, Prevenção,
Vulnerabilidade, AIDS, Práticas Educativas.
O critério utilizado para delimitação foi selecionar artigos publicados no
SciELO no período de 2000 a 2010.
A pesquisa foi realizada de junho a outubro de 2011.
Foram identificados 33 artigos. Após a leitura dos resumos, foram
selecionados e estudados os 13 artigos especificados a seguir:
28
Quadro1 – Artigos Analisados
NOME DO ARTIGO AUTORES PERIÓDICO ANO QUANTIDADE
DE PÁGINAS
1
Práticas educativas e
prevenção
de HIV/AIDS: lições
aprendidas e desafios
atuais
Ayres, JRCM. Interface,
Comunicação,
Saúde, Educação
v.6, n.11, p.11-24,
2002.
2002 14
2
“Você aprende. A gente
ensina?” Interrogando
relações entre educação e
saúde desde a perspectiva
da vulnerabilidade.
Meyer D EE,
Valadão M M,
Mello DF, Ayres
JRCM.
Caderno Saúde
Pública, Rio de
Janeiro, 22(6):
1335-1342, junho,
2006.
2006 08
3
Sexualidade, prazeres e
vulnerabilidade:
implicações educativas.
Meyer, DEE, Klein
C.
Educação Revista,
Belo Horizonte,
2007
2007 21
4
O governo dos corpos
femininos entre as
catadoras de lixo: (re)
pensando algumas
implicações da Educação
em Saúde
Silva FF, Ribeiro
PRC.
Estudos
Feministas,
Florianópolis,
16(2): 440, maio-
agosto/2008.
2008 24
5
A mudança no discurso
educacional das
ONGS/AIDS no Brasil:
concepções e
desdobramentos práticos
(1985-1998)
Góis JBH Interface –
Comunicação,
Saúde, Educação
v7, n13, p.27-44,
agosto 2003.
2003 18
6 Tendências da produção
do conhecimento na
educação em saúde no
Brasil
Vila ACD, Vila
VSC.
Revista Latino
Americana
Enfermagem,
15(6) novembro/
dezembro 2007.
2006
Tendências da
produção do
conhecimento
na educação
em saúde no
Brasil
7
Limites e possibilidades
de uma ação
Educativa na redução da
vulnerabilidade
À violência e à homofobia
Borges ZN, Meyer
DEE.
Ensaio: Avaliação
Políticas Públicas
Educacionais, Rio
de Janeiro, v. 16,
n. 58, p. 59-76,
janeiro/março
2008.
2008
17
8
Aconselhamento na
prevenção do HIV: olhar
dos usuários de um centro
de testagem
Souza V, Czeresnia
D, Natividade C.
Caderno Saúde
Pública, Rio de
Janeiro, 24(7):
1536-1544, julho,
2008.
2008
09
9
Desenvolvimento de uma
proposta de educação
sexual para adolescentes
Alencar R A, Silva
FA, Diniz RES.
Ciência &
Educação, v. 14,
n. 1, p. 159-168,
2008
2008
10
29
continua
Quadro1 – Artigos Analisados conclusão
10
Estigma e discriminação
vividos na escola por
crianças e jovens órfãos
por AIDS
Zucchi EM, Barros
CRS, Paiva VSF,
França Jr I.
Educação e Pesquisa,
São Paulo, v.36, n.3, p.
719-734,
setembro/dezembro
2010.
2010
20
11
Plantões Jovens:
acolhimento e cuidado por
meio da educação entre
pares para adolescentes e
jovens nos Centros de
Testagem e
Aconselhamento-CTA
Calazans G, Kiss L,
Capellini S,
Siqueira D, Vieira
RM, França Jr I.
Saúde e
Sociedade v.15,
n.1, p.22-36,
janeiro/abril 2006. 2006
15
12
Gênero, saúde reprodutiva
e vida cotidiana em uma
experiência de pesquisa-
ação com jovens da Maré,
Rio de Janeiro.
Barbosa, RS, Giffin
K..
Interface -
Comunicação
Saúde, Educação,
v.11, n.23, p.549-
67, setembro
/dezembro 2007.
2007
20
13
Promoção da saúde
sexual: desafios no Vale
do São Francisco
Sampaio J, Santos
R C, Paixão LA,
Torres T S.
Psicologia &
Sociedade; 22 (3):
499-506, 2010
2010
08
De acordo com a representação do Quadro 1 – Artigos Analisados,
podemos observar que as publicações aparecem na seguinte ordem de periódicos
indexados:
Quatro (04) artigos na área de Saúde, distribuídos: dois (02) nos
Cadernos de Saúde Pública, um (01) na Revista Latino Americana de
Enfermagem, um (01) na Saúde & Sociedade.
Três (03) artigos, na revista Interface-Comunicação, Saúde, Educação.
Quatro (4) na área da Educação, distribuídos assim: um (01)
Educação e Pesquisa; um (01) Educação Revista – Belo Horizonte, um
(1) Ensaio: Aval. Pol. Públ. Educ., Rio de Janeiro; um (1) Ciência e
Educação.
Um (01) na Revista Psicologia e Saúde.
Um (01) Estudos Feministas, Florianópolis, 16(2): 440 maio-
agosto/2008.
30
Para organização e análise do material coletado utilizei os procedimentos de
análise de conteúdo, fazendo sistemáticas leituras dos artigos criando
categorias que permitissem a análise. A princípio fiz uma leitura vertical do
material (com um resumo de cada artigo) e posteriormente fiz uma leitura horizontal
com a organização de um quadro que permitisse a sistematização do conjunto de
textos analisados.
31
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO
A partir da leitura dos artigos, foram construídas as categorias de análise
bibliográfica:
a) Descrição (formato e procedimento) – nesta categoria observamos se o
artigo era um ensaio, relato de experiência e/ou pesquisa e quais os
procedimentos metodológicos foram utilizados;
b) Concepções de Educação – esta categoria inclui a observação do
referencial teórico citado e relação educador/educando;
c) Vulnerabilidade, Direitos Humanos – nesta categoria observamos se os
artigos faziam menção ao referencial teórico da vulnerabilidade e dos
direitos humanos.
Observando o quadro – Organização dos Dados – em anexo, podemos dizer
que a maioria dos artigos utilizados nesta revisão são relatos de pesquisa (9) e
alguns artigos são ensaios (4).
Os artigos que relatam pesquisas utilizaram procedimentos metodológicos
ligados à pesquisa qualitativa. Apenas um artigo (artigo 10) refere ser
desdobramento de estudo populacional (quanti-quali).
Todos os artigos dialogam com práticas educativas, principalmente voltadas à
prevenção do HIV/AIDS e a maioria estabelece diálogos com questões ligadas à
sexualidade e relações de gênero.
Como observamos no quadro um os artigos foram publicados em periódicos
que contemplam questões de saúde, educação e sociedade. Nenhum artigo desta
32
seleção foi publicado em periódicos que tem concepções mais tradicionais de saúde
(fundamentadas exclusivamente no modelo biomédico).
Em relação às concepções de educação podemos afirmar que a concepção de
educação predominante nos artigos selecionados é a da Teoria Educacional Crítica
(crítica e pós-crítica). A presença da abordagem construcionista, abordagens de
estudos Culturais e de Gênero pautados nas vertentes pós-estruturalistas, e algumas
proposições do pensamento de Foucault, revelam a importância das teorias pós-
críticas e o avanço nas propostas educativas de prevenção.
Os textos analisados dialogam com a pedagogia libertadora do educador Paulo
Freire (que é o autor mais citado no conjunto dos textos), o qual acredita ser
possível transformar a sociedade a partir da educação. Todos os autores dos
artigos dialogam com a pedagogia crítica, reflexiva, problematizadora,
emancipadora proposta por este educador. Quanto à relação estabelecida entre
educador/educando prevalece uma relação de simetria, dialógica, onde há a
valorização das hipóteses trazidas pelos sujeitos (alunos, usuários, profissionais da
saúde/educação).
No que se refere à abordagem conceitual da vulnerabilidade, podemos
observar que nos artigos analisados, a maioria estabelece diálogo com o conceito de
vulnerabilidade, porém, nem todos os autores dialogam na mesma intensidade com
o quadro da vulnerabilidade e dos direitos humanos.
Observamos também que o diálogo com a vulnerabilidade é mais aprofundado
do que o diálogo com os direitos humanos. E que, embora nos estudos analisados a
maioria dos autores dialoga com direitos humanos, aqueles que adotam a abordagem
conceitual da vulnerabilidade estabelecem um diálogo mais profundo.
33
A partir da análise dos artigos um ponto destacado pelos autores é que os
componentes da vulnerabilidade (individual, social e programático ou
institucional) estão intimamente interligados e remetem às seguintes questões:
vulnerabilidade de quem? Vulnerabilidade a que? Vulnerabilidade em que
circunstâncias? Para responder as questões acima é fundamental considerar os
marcadores sociais (estigma, discriminação, preconceito, misoginia) produtores das
desigualdades sociais.
O quadro dos direitos humanos oferece um ponto de referência para a análise
da epidemia porque este identifica situações potenciais de vulnerabilidade. As
pessoas que apresentam piores perfis de saúde, sofrimento, doença e morte, são
aquelas que tiveram seus direitos violados (Ayres, Paiva, França Jr, 2010).
O material analisado também permite supor que as práticas educativas
pautadas na pedagogia crítica trouxeram resultados favoráveis, pois as estratégias
utilizadas têm possibilitado mudanças a partir do fortalecimento dos sujeitos e/ou
grupos para saírem da cultura do silêncio e adentrarem como protagonistas na
transformação da sociedade e de seus projetos de vida. A epidemia da AIDS
fomentou a discussão sobre os princípios do SUS (universalidade, equidade,
integralidade) e os direitos humanos. A AIDS deixou de ser vista apenas como um
evento biológico promovido por um vírus e passou a ser tratada como um fenômeno
social.
Portanto, a educação problematizadora, capacita os indivíduos (excluídos,
marginalizados, oprimidos) a perceberem criticamente as injustiças sociais
estimulando a reflexão sobre os problemas.
Concordo com Paulo Freire (1983) que a educação tem caráter libertador.
34
Contudo, apesar do conhecimento ser indispensável para a luta popular, somente ele
[conhecimento] não é suficiente. Esse conhecimento acontece com a reflexão,
através das pessoas resistindo, lutando, portanto aprendendo e participando
ativamente na (re) construção de uma sociedade mais justa.
Vale ressaltar o pensamento de Foucault que embasou pesquisas
selecionadas neste estudo, por exemplo, no artigo quatro em que a proposta foi
analisar os discursos acerca da saúde sexual e reprodutiva das mulheres (20
mulheres, faixa etária de 20 a 60 anos). No estudo foi problematizado como esses
discursos inscrevem diferentes marcas nos corpos, ensinando diferentes maneiras de
se perceber mulher, de pensar sua atuação com relação ao próprio corpo. Buscou-se
compreender o quanto as mulheres são interpeladas pelos discursos nas práticas
educativas, especialmente nas políticas e campanhas dirigidas às mulheres, focadas
nos corpos femininos.
Importante revisitar a definição de Foucault quanto ao significado de
discursos5, para compreendermos que as proposições e discursos que normatizam as
politicas de educação em saúde, são tomados como tecnologia de poder que regula a
sexualidade da população através de mecanismos de controle e intervenção, como
natalidade, prevenção às DST, AIDS. Dessa forma as práticas educativas com a
finalidade de promover saúde e prevenir doenças, atuam como instrumentos que
governam a população e disciplinam os corpos.
Considerando ser a via sexual a principal forma de transmissão, não se pode
mais preservar o silêncio em relação às estas questões da sexualidade, da vida
5 Para Foucault, os discursos, mais do que conjunto de signos que remetem a conteúdos ou
representações, são “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (Foucault, 1995
apud Silva F, Ribeiro C, 2008).
35
sexual dos sujeitos. Posturas normatizadoras, coercitivas não são recomendadas,
uma vez que podem ter efeitos contrários, conforme mostram os estudos e o
próprio caminhar da epidemia.
Vários estudos apontam que projetos que se sustentam na transmissão de
informação são insuficientes e parecem impactar bem pouco os processos de
diferenciação e de exclusão, nas quais as pessoas portadoras do HIV estão
envolvidas e que esses projetos deixam intocadas condições e relações sociais
produtoras de vulnerabilidade. O que predomina são processos educativos com
ênfase no saber científico teórico e pouco se relacionam com o saber do outro, um
saber unilateral, eu ensino através do conhecimento e da informação e o outro
“aprende”. Um aprendizado baseado na dimensão individual, do risco, sem
considerar as questões subjetivas, culturais, contextuais e políticas.
Ayres (2002) em seu artigo Práticas educativas e prevenção: lições
aprendidas faz uma critica em relação às teorias utilizadas de modelos importados,
os quais eram limitados e limitantes. Esses modelos são baseados na ideia de
aprendizado como simples aquisição de informação.
Na pedagogia crítica de Freire há uma valorização do cenário sócio-político e
as desigualdades sociais eram apontadas, trazendo em suas obras e discursos a
necessidade de se conhecer a realidade dos sujeitos, seus comportamentos, valores,
bem como instrumentalizá-los, educá-los para se posicionarem criticamente frente
às injustiças sociais.
Para Freire e demais teóricos críticos e pós-críticos, a educação tem como
missão formar sujeitos cidadãos, emancipados socialmente, missão também
preconizada por Ayres e Paiva (2010) em seus ensaios reflexivos sobre prevenção
36
ao HIV/AIDS.
Vários autores dos artigos analisados questionam suas experiências enquanto
profissionais, referentes ao conhecimento e operacionalização (conhecer/fazer) e
colocam o quadro conceitual da vulnerabilidade como possibilidade para
problematizar e reconstruir as propostas de prevenção ao HIV/AIDS.
A educação em saúde envolve fatores e aspectos subjetivos, sendo assim
considerada uma prática social constituída por atitudes, encontros e vivencias. É um
processo dinâmico que possibilita ao individuo compreender o que ocorre na
sociedade, ampliando sua visão do mundo no qual está inserido.
Portanto, o incentivo à educação e à saúde oferece oportunidades de
transformar, desenvolver ideias, criar meios para o crescimento e desenvolvimento
da sociedade. Bem sabemos que o caminho a ser percorrido é longo para a
construção da sociedade democrática que queremos; pois ainda no Brasil a
desigualdade social está muito presente e produz situações que levam ao sofrimento
e ao adoecimento.
É de extrema importância que os profissionais de saúde compreendam que
educação em saúde é um campo necessário para que uma sociedade possa se
desenvolver e que as práticas educativas são espaços privilegiados para aplicação
dos saberes, espaços onde os saberes vividos, sentidos dos usuários vão se
somar aos saberes técnico cientifico dos profissionais da saúde/educação. Só
assim podemos perseguir o crescimento social e uma qualidade de vida saudável.
(Vila, Vila C, 2007).
Devemos considerar como um divisor de águas o rompimento da pedagogia
tradicional e a adoção de uma nova proposta pedagógica fundada na certeza de que
37
educando (aluno, usuário, profissional de saúde e educação) é sujeito ativo no
processo de construção do conhecimento, cabendo ao professor/profissional da
saúde o papel de mediador nos processos de ensino e aprendizagem, possibilitando
a expressão do pensamento do aluno/usuário, a integração de novos
conhecimentos às experiências prévias que compõem o repertório de vida desses
sujeitos.
38
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da AIDS, houve uma ressignificação no conceito de sexo e
sexualidade, não sendo mais vistos apenas como algo isolado e passível de receber
apenas orientações prescritivas, tais como: use camisinha e faça sexo seguro.
Sexo e sexualidade passaram a ser concebidos através de uma pluralidade de
olhares que iam além da visibilidade das questões políticas presentes, incluindo
também à dinâmica das relações de poderes que envolvem as relações afetivas e
seu papel na constituição dos sujeitos. Diante disso as intervenções de prevenção
na área de educação em saúde foram sendo construídas a partir da relevância de
temas como relações de Gênero, negociações, autoestima, emoções, diversidade
sexual, identidades.
Essas construções foram realizadas a partir dos estudos, discussões e
reflexões de autores como Fernando Seffner, Dagmar Meyer, Monteiro e Donato,
Paiva, Ayres, França Junior, Elizabete Franco, os quais na busca de novas
tecnologias passaram a dialogar com as teorias educacionais, pensamento
pedagógico e suas relações com as estratégias de prevenção na experiência
brasileira de luta contra a AIDS.
Observamos, a partir do material analisado, que as teorias críticas e pós-
criticas, abrem possibilidades para o questionamento dos currículos vigentes. A
questão central, diante do desafio de fazer prevenção ao HIV/AIDS, é saber qual
conhecimento deve ser priorizado para compor o currículo. Quais os conteúdos
dos programas educativos? O que os sujeitos/usuários/alunos devem se tornar?
39
Segundo Silva (2011):
uma teoria define-se pelos conceitos que utiliza para conceber a
“realidade”. Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção
para certas coisas que sem eles não “veríamos”. Os conceitos de
uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a
“realidade” (Silva, 2011, p.17).
A partir das teorias crítica e pós criticas de currículo a educação pode ser
vista dentro de uma nova perspectiva. Estas teorias deslocam a ênfase dos
conceitos pedagógicos de ensino e aprendizagem para outros conceitos
importantes como, por exemplo, ideologia e poder. Silva (2011) em sua obra
Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo nos convida a
pensar o quadro que resume as grandes categorias de teorias e os respectivos
conceitos que enfatizam:
Teorias Tradicionais: ensino, aprendizagem, avaliação,
metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência,
objetivos;
Teorias críticas: ideologia, reprodução cultural e social, poder,
classe social, capitalismo, relações sociais de produção,
conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto,
resistência;
Teorias Pós-críticas: identidade, alteridade, diferença,
subjetividade, significação e discurso, saber-poder,
representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade,
multiculturalismo (Silva, 2011).
Não é objeto deste trabalho e não vamos nos ater aqui a aprofundar as
diferenças entre as teorias críticas e pós-criticas, apenas sinalizamos que a
utilização destas perspectivas parece abrir novas possibilidades para o campo da
prevenção.
40
Com a utilização destes referenciais as intervenções passaram a incidir mais
na modificação dos cenários socioculturais onde as práticas sexuais ocorrem. Essa
proposta de reorganização e mudança de foco, ou seja, considerar o contexto
social ao pensar a prevenção e buscar diálogos com perspectivas educacionais que
rompam com o modelo tradicional de educação foi motivada também pelo limite e
fracasso das estratégias educacionais simplistas até então utilizadas para a
realização de ações de prevenção.
O movimento social brasileiro e os profissionais das universidades e serviços
de saúde não mediram esforços, continuaram e continuam apontando a
necessidade urgente de buscar novos patamares de análise e intervenção junto à
epidemia da AIDS.
Diante da evolução da epidemia e da mobilização tanto das instituições
governamentais e das Organizações Não Governamentais, a AIDS deixou de ser
vista apenas como um evento viral e passou a ser tratada como um fenômeno
social.
Avaliamos que apenas as perspectivas educacionais que tenham como
pressuposto a criação de condições para modificação de contextos, como as
Teorias Críticas e Pós- Críticas em educação mostram-se pertinentes para dialogo
com o quadro conceitual da vulnerabilidade e dos direitos humanos.
Justamente porque tais referenciais tem compromisso com a problematização
e a mudança social. Contudo ainda é necessário ampliar e fomentar os diálogos
destes referenciais com o quadro da vulnerabilidade e dos direitos humanos,
buscando um novo jeito de fazer, mais efetivo para a redução da vulnerabilidade
ao HIV/AIDS.
41
A partir da análise dos artigos refletimos também que na amostra selecionada
já existe a apropriação do conceito de vulnerabilidade e que isto se deve
principalmente à formação dos autores e autoras e ao período de publicação (a
partir de 2000 quando já trabalhávamos no Brasil com o conceito de
vulnerabilidade). Contudo observamos que há espaço para maior problematização
da questão dos direitos humanos ligados a vulnerabilidade (os artigos exploram
mais a ideia de vulnerabilidade do que de Direitos Humanos). Observamos que a
maioria dos trabalhos publicados são ligados à academia (o que é compreensível
pelo âmbito de atuação), mas interpelamo-nos a respeito de como estes saberes
chegam e são apropriados por profissionais que estão em serviços de saúde e
escola.
Embora iniciativas governamentais, institucionais, sociais tenham avançado,
encontramos desafios como recursos humanos insuficientes, ausência de políticas
que contemplem e priorizem formação nesta área, tempo escasso para o
desenvolvimento de processos reflexivos. Tais dificuldades com frequência
resultam em manter invisível o direito dos sujeitos seja no âmbito da saúde, seja
no âmbito da educação.
Outro aspecto importante a ser considerado é a formação dos profissionais de
saúde e educação, onde o currículo deve contemplar não só os aspectos
biomédicos da saúde sexual e reprodutiva, mas investir na reflexão das múltiplas e
complexas dimensões da sexualidade, das relações de gênero e da AIDS
assumindo que somente a informação não é suficiente para dar conta do domínio
da saúde e da sexualidade. O currículo tem um papel fundamental nos processos
educativos de prevenção ao HIV/AIDS, podendo facilitar ou dificultar a
42
aprendizagem, têm o poder de intervir nos sujeitos a quem pretendem formar.
Portanto, uma adequação curricular voltada para os direitos humanos e
vulnerabilidade pode trazer grandes contribuições para a formação de profissionais
da saúde e da educação no campo das DST/AIDS.
Para construção de uma sociedade melhor, construção de políticas públicas,
fica evidente a importância da participação do sujeito/usuário, com seus saberes
práticos vividos e sentidos dialogando com o saber técnico cientifico dos
profissionais de saúde.
Criar, problematizar, debater, constituem estratégias extremamente
importantes para as nossas práticas cotidianas na saúde. Observamos a presença da
pedagogia critica/pós critica, tanto nas pesquisas, reflexões, como nas práticas e
experiências educativas analisadas neste estudo e a predominância dessa
abordagem pedagógica sinaliza um avanço com a apropriação dessa concepção de
educação, qualificando as ações de prevenção ao HIV/AIDS.
Enfim, não pretendemos esgotar o tema, apenas abrimos aqui, algumas
reflexões que podem nos levar a pensar em novas propostas. Sinalizamos para a
relevância do fomento à apropriação do conceito de vulnerabilidade e para o
aprofundamento do entrelaçamento com os direitos humanos, bem como para a
necessidade de maior aproximação com os profissionais que estão prestando
atendimento direto à população.
40
43
7. REFERÊNCIAS
Alencar RA, Silva L, Silva FA, Diniz RES. Desenvolvimento de uma proposta de
educação sexual para adolescente - Ciência & Educação, v. 14, n. 1, p. 159-168,
2008. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v14n1/11.pdf
Ayres JRCM. Práticas educativas e prevenção de HIV/AIDS: lições aprendidas e
desafios atuais. Interface - comunic, saúde, educ, v.6, n.11, p.11-24, 2002.
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/icse/v6n11/01.pdf
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47
ANEXO
Quadro 2: Organização dos Dados
AR
TIG
OS
DESCRIÇÃO
(FORMATO E PROCEDIMENTO)
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO VULNERABILID
ADE
DIREITOS
HUMANOS REFERENCIA
L
TEÓRICO
CITADO
RELAÇÃO EDUCADOR
EDUCANDO
1 Ensaio reflexivo para sistematizar as lições aprendidas com as práticas
preventivas desenvolvidas principalmente no Brasil, no período de duas décadas da epidemia de Aids. Sintetiza as implicações dessas lições enfatizando a necessidade de pensar
as estratégias de prevenção
considerando a vulnerabilidade dos contextos, os quais são produtores ou
não de vulnerabilidades (social,
pessoal, programáticaou institucional).
As contribuições desse ensaio vão
possibilitar o desenho de novas estratégias de prevenção. O foco não pode ser grupo populacional, nem
adotar uma atitude modeladora,
prescritiva e sim emancipadora. O centro das políticas, programas e ações
deve ser direcionado para as relações
sociais estabelecidas entre os diversos sujeitos e suas identidades. Cita a
educação de pares como uma prática
educativa de sucesso.
Pedagogia crítica e pós-
critica (educação emancipadora) (definição identitária
definida por sua continua
reconstrução e interação).
Simétrica, dialógica.
Saberes técnico científico soma- se aos saberes dos sujeitos usuários.
Profissional de
Saúde mediador do saber.
Interação
intersubjetiva.
O autor dialoga profundamente
com o quadro conceitual da vulnerabilidade.
Nosso saber / fazer deve
considerar os valores e os direitos humanos.
2 Reflexão pautada no conceito de vulnerabilidade visando identificar as interfaces com o processo educativo e apontar os resultados alcançados,
através da articulação entre saúde e
estudos da vulnerabilidade (do ponto de vista teórico-prático e político). As
autoras apresentam elementos da
cultura e da educação para reflexão e apropriação de nova concepção de
educação em saúde, que vai além da
dimensão comportamental. Temos que reconhecer as dimensões
contraditórias e transitórias dos
comportamentos, ditos saudáveis.
As práticas de saúde e de educação
precisam ser renovadas e o referencial
da vulnerabilidade é de grande valia, uma vez que abre novos caminhos
trazendo a saúde/doença para o campo da vida real, para o cotidiano dos sujeitos em relação. O modelo de
saúde deixa de ser prescritivo e os
sujeitos são atendidos dentro de suas reais necessidades, sendo
corresponsáveis no processo.
Pedagogia crítica e pós- critica (educação
(emancipadora) (definição
identitária
definida por sua continua
reconstrução e
interação).
Teorias de
Foucault (poder
autoridade e controle social)
Simétrica, dialógica. Saberes técnico
científico soma- se aos saberes dos sujeitos
usuários.
Profissional de Saúde mediador
do saber.
Interação intersubjetiva
Dialoga e recomenda pensar em outras formas de
prevenção. Encontrar eco nesse quadro
conceitual, adotando-o como eixo rearticulador
de práticas de educação em saúde.
Reconhece os sujeitos como construções sócias- culturais
sujeitos de
direitos.
Continua
Quadro dois: Organização dos Dados
48
continuação
AR
TIG
OS
DESCRIÇÃO (FORMATO E PROCEDIMENTO)
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO VULNERABILID
ADE
DIREITOS
HUMANOS REFERENCIA
L
TEÓRICO
CITADO
RELAÇÃO
EDUCADOR EDUCANDO
3 Reflexão, revisão de conceitos, Repensar as práticas educativas, a
partir do contexto cultural e pautando-
se nos estudos de gênero e culturais. pós-estruturalistas. Diante desta realidade está posto um grande desafio para os educadores/as
trabalhar na escola, temas sobre
questões de gênero, sexualidade, adotando a abordagem da
vulnerabilidade. Com o advento da
AIDS, não podemos ficar presos aos modelos acabados e inquestionáveis.
Temos que investir em processos
educativos que permitam a problematização, a desnaturalização
de verdades e crenças.
Deve-se considerar a variabilidade e a dinâmica dos
significados sociais envolvidos nas
dimensões do adoecimento e da saúde. Através de múltiplas questões as
autoras provocam o fazer cotidiano,
ficando evidente que os discursos produzidos para a construção do
conhecimento ainda deixam a desejar.
As relações sociais (de gênero e sexualidade) e a produção de
intersubjetividades precisam ser
integradas na produção dos discursos na escola. Ao entrar na sala de aula,
os desejos, curiosidades dos jovens
não ficam para fora. Esses diferentes discursos que atravessam a escola vão
contribuir para produzir modos de ser
e de viver a sexualidade de forma singular e não hegemônica. A
dinâmica escolar deve ser construída a
partir de uma nova concepção de currículo, ou seja, lugar privilegiado
para a produção e reprodução das
diferenças de gênero, sexualidade, raça, classe social, religião, geração.
Tudo deve ser questionado. Nada está
pronto e acabado, questionar, por
exemplo, o que eles ensinam? É
possível incluir no planejamento temas para discutir com os jovens sobre
prazer, sexualidade, corpo, saúde? Será
importante e possível? Educadores devem se apropriar do conceito de
vulnerabilidade.
Pedagogia
crítica e
pós-critica
(educação
emancipadora)
Relação
simétrica.
Dialógica
O quadro conceitual da
vulnerabilidade
como novo horizonte para recriar as práticas
educativas, possibilitando
contemplar os diferentes
aspectos
constituintes de identidades,
sexualidades
apresentam também limites
dessa abordagem para a redução da
infecção pelo
HIV.
O referencial
dos direitos
humanos
Possibilita identificar as
situações que
violam ou
restringem os
DH e aumentam
a
vulnerabilidade individual,
programática e
social.
4 Pesquisa Qualitativa– método de investigação: narrativa. Metodologia: grupo focal formado por 20 mulheres
(faixa etária entre 18 e 60 anos). Encontros no Curso Mulher e
cidadania – espaço onde as mulheres
produziam suas narrativas - discussão e reflexão relativas ao corpo, ao gênero
e a sexualidade (falas, cartazes,
desenhos, ações, expressões).
Problematização, Vertentes pós- estruturalistas e
proposições de Michel Foucault
Relação dialógica, construção
coletiva do conhecimento
através da
problematização.
É valorizado o Saber e as vivencias das
mulheres pesquisadas e os
fatores sociais,
individuais e programáticos que
as tornam mais
vulneráveis à violência e às
infecções às
DST/HIV/AIDS.
1ª Conferencia Nacional Direitos da
mulher;
Acesso
universal a saúde
sexual e reprodutiva
continua
49
Quadro 2: Organização dos Dados continuação
AR
TIG
OS
DESCRIÇÃO (FORMATO E PROCEDIMENTO)
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO VULNERABILID
ADE
DIREITOS
HUMANOS REFERENCIA
L
TEÓRICO
CITADO
RELAÇÃO
EDUCADOR EDUCANDO
5 Exame dos discursos e ações educacionais defendidas pelas
ONG/AIDS Brasil no período de 1985
a 1998 (período de 13 anos). Análise da influência desses discursos
na elaboração dos projetos de intervenção.
Identifica duas fases importantes do
discurso: a universalista e a focalista,
havendo um intercambio de características entre uma e outra.
Combateram propostas de conteúdo
moral (redução de parceiros, monogamia, abstinência).
Desenvolveram projetos de prevenção
de forma interativa, participativa,
direcionado aos diferentes segmentos da população. (não recomendavam
receitas prontas de intervenção). A
receita mais indicada é criar cada programa com o envolvimento da
população.
Deram vez e voz ao sujeito afetado/
usuário.
1ª fase Educação
antiaids –
ensino da alteração/ eliminação de
práticas que podem levar à
infecção pelo HIV.
2ª fase
Pedagogia antiaids –
conteúdo
ensinado produz a conversão de
sexo comum em
sexo perigoso e este em sexo
seguro, ou seja,
sanitário e oficial (ensino
aprendizagem).
3ª fase
Pedagogia
crítica e
pós-crítica
Foco na mudança de
comportamento
do individuo.
Estratégia ainda focada na
mudança
comportamental
Não dialogam com o quadro
conceitual da
vulnerabilidade, porém já clamavam pela importância de
entender e intervir
nos determinantes sociais, os quais
produziam
situações de risco nos contextos,
expondo.
indivíduos e determinados
grupos sociais.
Essas avaliações
contribuíram para
que o conceito de vulnerabilidade
social se firmasse
no Brasil;
O movimento ativista foi
fundamental na
construção de políticas públicas. Saúde
é um direito de todos.
Deram vida aos
princípios do SUS.
6 Trata-se de revisão de literatura - visa identificar o conceito de educação em
saúde sua aplicação por pesquisadores em Saúde Coletiva. Principais tendências e referenciais pedagógicos.
Exemplifica estudos construídos para promoção em saúde com a participação ativa da comunidade.
Definem educação em saúde no Brasil.
Elencam as práticas educativas, entendidas pelos
pesquisadores como espaços de
produção e aplicação de saberes para o desenvolvimento humano. Essas
práticas devem facilitar o processo
ensino-aprendizagem, embasados na pedagogia crítica.
Selecionaram três pesquisas que
desenvolveram ações educativas em
saúde aplicando a pedagogia critica.
Nessas experiências práticas realizaram grupos educativos,
programas em rádio comunitária; ludo
terapia construíram material educativo com participação dos sujeitos
envolvidos nas atividades educativas.
Pedagogia tradicional ou condicionada
Pedagogia
crítica ou renovada, conhecida
também como
pedagogia da problematização
e ou libertadora.
Professor é o centro do
processo de ensino- aprendizagem.
O aluno recebe passivamente o conteúdo
(educação
bancaria).
Professores e alunos são
mediatizados
pela realidade que apreendem e
dela extraem o
conteúdo da aprendizagem.
Estudo selecionado foi a
Intervenção comunitária e redução da
vulnerabilidade de mulheres às
DST/AIDS em São Paulo.
Acesso à informação,
insumos de prevenção.
Construção Sujeito de
direitos
continua
50
Quadro 2: Organização dos Dados continuação
AR
TIG
OS
GO
DESCRIÇÃO
(FORMATO E PROCEDIMENTO)
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO VULNERABILID
ADE
DIREITOS
HUMANOS REFERENCIA
L
TEÓRICO CITADO
RELAÇÃO
EDUCADOR EDUCANDO
7 Pesquisa visando analisar os limites e possibilidades de uma ação educativa na redução da vulnerabilidade à
violência e à homofobia no espaço escolar. Objetivo entender a
percepção dos professores/as quanto às
dificuldades e problemas referentes às questões de sexualidade e
homofobia, e identificar os fatores que
os motivaram a buscar a capacitação no curso “Educando para a
Diversidade” e o impacto dessa
formação no cotidiano da escola.
Metodologia: grupos de discussão e entrevistas com professoras (alunas)
do curso.
Identifica medo, preconceito
Perspectiva construcionista;
pedagogia pós- crítica.
Relação de simetria.
Construção coletiva do conhecimento.
Dialoga com as três dimensões da
vulnerabilidade e sua interligação.
Hipótese de Entendimento
das profissionais mais jovens
de tratar a sexualidade
no âmbito dos
DH
8 Pesquisa qualitativa de caráter Exploratório (analítico descritiva), realizada em um CTA, Minas Gerais
(nov.2005 a mar.2006). Participaram
do estudo 32 indivíduos.
Utilizou-se a técnica de entrevista em profundidade e uma adaptação do
método de análise de conteúdo
privilegiando-se a modalidade temática.
Para Fairclough aconselhamento é uma prática ambivalente – aspectos de emancipação e democratização.
Resultados: A expectativa inicial por um atendimento precário, associado à
ideia de que o SUS expõe os usuários
a filas, burocracia e demora foi reconsiderada; diante da agilidade do
atendimento, da presteza do
diagnóstico e especialidade dos profissionais.
Pedagogia pós- crítica. Processo de
democratização
dos discursos (Fairclough) e
tecnologias de
poder
disciplinar e
confissão de
Foucault.
Dialógica entre usuários e profissionais do
serviço
(simetria).
Relação direta e personalizada,
linguagem que
busca a informalidade e conversação.
Dialoga principalmente com a dimensão
pessoal ao
desenvolver a escuta e analisar as
situações de risco
do usuário.
Quanto à dimensão
programática, a
pesquisa está buscando levantar
a percepção dos usuários em
relação ao serviço
prestado.
Dialoga de forma mais
superficial quando se
refere aos aspectos dominação.
Emancipação.
Direito de Acesso aos Serviços de saúde.
9 Pesquisa experimental qualitativa. Autores da pesquisa:
2 enfermeiras 1 licenciado em
ciências biológicas; 58 adolescentes
(42 meninos e 16 meninas) do Programa SOS Bombeiros de
Botucatu-SP.
a)Investigação exploratória (demanda dos adolescentes sobre sexualidade
DST/AIDS);
b) construção da proposta educativa a
partir do conteúdo trazido pelos jovens;
c) aplicação proposta pedagógica.
Trabalho é desenvolvido na
perspectiva de mudança de comportamento
Pedagogia Crítica
/
Problematizador
a / Libertadora
Relação de simetria.
Construção
coletiva do conhecimento
Dialoga na medida em que
reconhecem as
hipóteses trazidas pelos sujeitos da pesquisa,
contextos familiar, social.
Liberdade de escolha,
direito dos
adolescentes
de participar em qualquer momento do
processo educativo.
continua
51
Quadro 2: Organização dos Dados continuação
AR
TIG
OS
DESCRIÇÃO
(FORMATO E PROCEDIMENTO)
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO
VULNERABI-
LIDADE
DIREITOS
HUMANOS
REFERENCIA L
TEÓRICO CITADO
RELAÇÃO EDUCADOR
EDUCANDO
10 Pesquisa com objetivo de analisar episódios de estigma e descriminação ao HIV/AIDS.
Restrição no ambiente escolar que se tornam obstáculos para o exercício do
direito à educação, sociabilidade e
vida afetiva dos alunos órfãos.
Episódios presentes diferem daqueles encontrados na literatura sobre o
estigma da AIDS e educação.
Educadores podem se vir no direito de intervir no namoro de jovens soro
discordante. O estudo mostra ausência
de atividades de prevenção no campo da AIDS entre a população jovem
infectada pelo HIV.
Metodologia: entrevistas profundas pautadas em 5 eixos e realizadas com
coordenadores de 6 escolas públicas e
provadas da cidade de São Paulo.
Episódios indicam a influência
negativa do estigma aprofundando a
desigualdade social já instalada no
âmbito da educação e cria obstáculos referentes ao direito à educação, a
convivência familiar, ao lazer, a
privacidade ao sigilo e confidencialidade e a vida afetiva dos
jovens. Homofobia e racismo
aparecem como potencializadores do estigma.
Pedagogia crítica
Relação dialógica entre
pesquisadores e educadores.
Dialoga na medida na qual
identifica as circunstâncias e os elementos do
processo de estigmatização
Relacionam direitos e princípios afetados: não
discriminação
, sexuais e reprodutivos,
sobrevivência. e participação,
direito a informação.
Portaria Interministeri
al 769,
29/05/1992
11 Plantões Jovens – Educação entre pares - Pesquisa descritiva – coleta
de dados através de grupos focais/roteiro para condução dos
grupos/ encontros gravados/ material coletado de acordo com categorias analíticas da teoria do trabalho em
saúde e técnica de análise de conteúdo
como 2º procedimento da análise.
Intervenção individual e coletiva junto aos pares na comunidade de
pertencimento.
Ênfase no aprendizado prático e enfoque no encontro e no entendimento do outro.
Pedagogia da problematização , crítica.
1ª vertente Relação de assimetria.
2º vertente
Relação
dialógica/ simétrica.
Construção coletiva do conhecimento
Estratégia implantada em
CTA de regiões periféricas de alta
exclusão social Enfoque nos aspectos culturais,
econômicos,
políticos e morais, buscando
condicionar os comportamentos. de risco para
produzir uma
resposta social capaz de transformar os
contextos que favorecem tais comportamentos.
Dialoga à medida que adota a
abordagem da
vulnerabilida de, sendo os
direitos
humanos o
referencial
norteador dos
direitos violados e,
portanto,
condições que aumentam a
vulnerabilida
de social, individual e
programática.
continua
52
Quadro 2: Organização dos Dados conclusão
AR
TIG
OS
DESCRIÇÃO
(FORMATO E PROCEDIMENTO)
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO
VULNERABILID
ADE
DIREITOS
HUMANOS
REFERENCIA
L
TEÓRICO CITADO
RELAÇÃO
EDUCADOR EDUCANDO
12 Conceituação da Pesquisa- ação (Articulando a pedagogia de Paulo
Freire com a proposta reflexiva e
prática do movimento das mulheres. Pesquisa-ação realizada em 2002 a 2004).
Concepção pesquisa-ação pretende
gerar com e pelos sujeitos
pesquisados, novos conhecimentos e ações coletivas visando
transformar uma sociedade marcada
pelas injustiças sociais.
Técnicas utilizadas: grupos de reflexões, dramatizações, jogos
teatrais, exercícios corporais,
dinâmicas de grupo.
Pedagogia Crítica
/
Problematizado-
ra/ Libertadora
Relação de simetria.
Construção
coletiva do
conhecimento
Foram consideradas as
dimensões
socioculturais
e políticas
que afetam a
vida dos jovens
que vivem em
contextos de
pobreza,
violência e
exclusão de
direitos.
Dialoga com direitos
reprodutivos,
direitos
humanos
elementares
como direito a
vida e a
liberdade de ir e
vir
13 Pesquisa – instrumentos de coleta de dados, observação Participante,
grupos focais. Dados coletados
entre os anos de 2007 e 2008.
Pesquisa fundamentou-se na
perspectiva da abordagem
qualitativa em saúde, buscando trabalhar com o universo de
significados atribuídos pelos sujeitos aos seus processos de saúde-
doença.
Modelo teórico metodológico
utilizado para a análise dos dados - Práticas Discursivas e Produção de Sentido no Cotidiano (Spink&
Medrado, 1999).
Foram realizados grupos focais com
360 adolescentes, 72 entrevistas com
profissionais de saúde e 1024 horas
de observação participante em oito dispositivos da ESF.
Resultados: inexistência de proposta de prevenção dirigida aos adolescentes.
Os adolescentes só procuram a
unidade quando estão doentes.
Modo de funcionamento dos serviços, fundamentado em um
modelo médico e ambulatorial, que vai de encontro à noção de cuidado
realizado pela rede básica. Não se
apropriaram da proposta do Programa de Saúde da família.
Pedagogia Crítica
Relação de simetria.
Dialógica.
Construção
coletiva do conhecimento
Estratégia implantada
em
CTA em regiões
de alta exclusão
social, maior
com grande
concentração de
jovens
(maior
vulnerabilidade
social).
Dialoga na medida em que os
jovens são
encorajados a
participar de ações concretas de
prevenção
(direito a
informação, acesso
aos insumos
de prevenção).
53
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