View
249
Download
2
Category
Preview:
DESCRIPTION
Fotografia
Citation preview
traço I fotografia I
Uma entrevista a dois momentos com o fotógrafo
português que a críticanorte-americana
apontou como um dos artistas mais
importantes dasua geração.
TEXTO JOÃO MESTRE I FOTOGRAFIA PEDRO LOUREIRO
78
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
79
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
SÉRIE “LANDSCAPES BEYOND: THE BURDEN OF PROOF”
84
JUN
HO,
JULH
O2008
EDGAR MARTINS não passa muito tem -po em Portugal. Por norma, é o tra-balho que o traz ao país ondenasceu – e este regresso deve-se àinauguração de duas exposições emLisboa: uma no Centro Cultural deBelém, em conjunto com osrestantes finalistas do Prémio BESPhoto; e outra, em nome individual,intitulada “Topologias”, no Museudo Oriente.É nesta que marcamos o primeiroencontro, meia hora antes da aber-tura ao público. Edgar não está pro-priamente nervoso. Há dez anosque expõe individualmente, tendojá passado por cidades tão «intimi-dantes» como Londres, Nova Iorqueou Rio de Janeiro. Sentados numa mesa ao canto dacafetaria do Museu do Oriente, con-versamos sobre fontes de inspira ção,o seu método de trabalho, a músicados Queen. Até que a empregada seaproxima e interrompe, reticente:«Desculpe, senhor Martins, mas pe -diram-me para avisá-lo de que a suaexposição começou sem si.» A con-versa terá de ser retomada noutro dia.
A SUA (ACTUAL) ferramenta de trabalhoé uma Toyo, uma «máquina de cam -po, super-portátil, muito simples».A descrição pode ser enganadora:Edgar Martins só trabalha com gran -des formatos, máquinas que re que -rem filmes de 10 x 12 cm ou 20 x25 cm (ao passo que as câmarascomuns usam filme de 35mm) epodem pesar ????XX kg. É um con-ceito diferente de «portátil», portan-to. «Esta máquina fecha-se toda eposso carregá-la quase como umabolsa; apesar de ser de grande for-mato, é muito simples.» O fotógrafotrabalha sempre sozinho - «eu, umtripé e uma máquina». Porque,«para poder comunicar aquelarelação de projecção no vazio», temde passar ele próprio por essaexperiência. E também porque lhe
agrada a «incapacidade» de não sepoder controlar todas as circunstân-cias. Tal como lhe agrada «a ideiada falta de controlo, do desconheci-do», aliada «ao cosmos, à ideia doespaço» - elementos sempre presen -tes no seu trabalho. «Estou interes-sado na “performance” do mundo»,acrescenta. E a sua forma de captá-la é «abrandando o tempo». Isto é:através de exposições muito prolon-gadas, técnica que consiste no pro-longamento do tempo de aberturada lente. Essa impossibilidade decontrolar todos os passos da foto -grafia «dá azo a que as pequenasincongruências do mundo» se man-ifestem. É dessa «acidentalidade»que provém “O Teórico Acidental”,um dos três corpos de trabalho quecompõem estas “Topologias”. Nãose trata, porém, do «acidental quedefinia a fotografia de Cartier-Bresson», o chamado «instante de -ci sivo». Edgar Martins não se revêaí. «O meu trabalho acaba por serum “instante indecisivo”, decididopelo espaço.»
A FOTOGRAFIA nem sempre foi a suapaixão. Primeiro, veio o interessepela escrita, talvez por influência deseu pai, economista de profissão ecronista regular de diversos jornaismacaenses. O próprio Edgar Martinscomeçou pelos jornais. Passou pelosemanário “Comércio de Macau” epelo diário “Macau Hoje” – ondeficou a trabalhar após o 12º ano.«Eu era tudo, até editor: cheguei aeditar o jornal quase sozinho, quandoo director estava doente», recorda.Aos 18 anos, publicou, em ediçãode autor, o livro “Mãe, Deixa-meFazer o Pino”, uma colectânea depoesia e ensaios filosóficos quedescreve como a sua «primeira apro -priação do mundo»: ao aperceber-se de que «o livro tinha uma relaçãotão grande com as imagens», enten-deu que o que queria mesmo era
«estudar a imagem visual». A foto -grafia, entenda-se.O facto de viver em Macau e arespectiva proximidade de HongKong ditaram a escolha de Ingla terracomo passo seguinte no seu percur-so. Estudou Fotografia no LondonInstitute. Logo de seguida, ingres-sou no mestrado em Fotografia eBelas Artes do Royal College of Art,cujo primeiro ano passou «à deri-va». «Não sabia o que fazer e, pornorma, faz-se um mestrado quandose quer desenvolver uma linha es -pe cífica de trabalho». O seu interesse pelo conceito decidade moderna acabou, de certaforma, por encarrilar a veia criativa.«Dantes as cidades eram com-postas por um núcleo e uma perife-ria; hoje isso já não existe – há umamultiplicidade de núcleos e as fron-teiras tornaram-se fluidas, perme-áveis, desconhecidas», teoriza,lançando a questão fulcral: «Se jánão somos capazes de definir o queé uma cidade, como é que noshavemos de relacionar com ela?».Edgar Martins nasceu em Évora, em1977, mas pouco se relacionoucom a cidade alentejana. Aos doisanos, mudou-se para Macau, ondecresceu e viveu até à maioridade.«Aquilo é um espaço muito estran-ho», comenta, com alguma sau da -de. «É um sítio óptimo e, ao mesmotempo, super-intenso, como qual-quer espaço pequeno.» No meio davivência bipartida entre portugue-ses e chineses, começou a explorarum terceiro espaço, aquilo quedefine como «uma realidade nivela-da». Interessou-se, então, pelos“não-lugares” e pela metáfora dacidade moderna enquanto «sítio departidas e chegadas constantes», oque «acaba por não permitir às pes-soas identificar-se com o sítio ondevivem». Isto numa altura em queele próprio não se identificava como espaço onde vivia, Inglaterra. Da
traço I fotografia I
(PER)CURSOS. Edgar
Martins nasceu em Évora, em
1977. Aos dois anos, mudou-se
para Macau. Começou os
es tu dos pela área das Letras.
Cola bo rou, como redactor, nos
jornais “Comércio de Macau”
e “Macau Hoje”. Após publicar
o livro “Mãe, Deixa-me Fazer
o Pino”, sentiu-se atraído pelo
mundo da fotografia. Em 1996,
decidiu ir para Londres fazer
um bacharelato em Foto gra fia,
no London Institute. Seguiu-se
um mes trado em Fotografia e
Belas Artes, no Royal College
of Art.
PRÉMIOS & HONRAS.A sua primeira monografia,
“Buracos Negros e Outras
Inconsistências”, valeu-lhe
o RCA Society + Thames &
Hudson ArtBook Prize e o
Jerwood Photography Award
(2003). Em 2008, foi premiado
pela Association of Photogra -
phers (série “Aproxi ma ções”),
e pelos New York Photo Awards
(série “O Teórico Acidental”).
Em 2009, venceu o prémio BES
Photo e fez, a convite do “New
York Times”, uma série sobre
a crise da economia americana,
publicada a 18/Jun.
AGENDA. Em 2009, Edgar
Martins fará mais duas expo -
si ções em Portugal: na Galeria
Porta 33 (Funchal), a 23/Out;
e na Galeria Graça Brandão
(Lisboa), a 29/Out. Entre 21/Jun
e 13/Set, a mostra colectiva
“Entre o Céu e o Mar”, patente
no Centro Cul tu ral de Lagos,
apresenta tam bém alguns
trabalhos seus. Em agenda,
es tão ainda uma exposição
indi vi dual em Berlim (Novem bro)
e outra no Centro Gulbenkian
de Paris (Janeiro 2010).
traço I fotografia I
82
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
83
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
QUANDO QUESTIONADOSOBRE O SEU OBJECTIVOMAIS AMBICIOSO, EDGAR
MARTINS NEM HESITA: «CONSEGUIR, NOS
PRÓXIMOS DOIS ANOS, EXPOR NO MAIOR NÚMERO
DE INSTITUIÇÕES PÚBLICASA NÍVEL MUNDIAL.»
84
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
traço I fotografia I
sua experiência de vida em espaçosdiferentes nasceu a abordagem queviria a despoletar boa parte do seutrabalho.Assim nasce a monografia “BuracosNegros e Outras Inconsistências”. Ea sua relação com o trabalho muda.«O jogo abriu-se», aponta, de formaentusiasta. «Tinha sempre a sen-sação de que estava sempre umpasso atrás, não de alguém emespecífico, mas de mim mesmo, ehavia sempre uma diferença: istosou eu, isto é o que eu faço.» Essafronteira, entretanto, esbateu-se, epassou a sentir o trabalho como«parte integrante» de si próprio.«Comecei a debruçar-me sobretemas que me tocavam – e umartista tem de ter algo para comu-nicar.» E Edgar Martins comunica-ocom tal entusiasmo que a conversaexcede o tempo previsto e metadedas perguntas ficam por fazer. Aexposição, entretanto, acabara deinaugurar sem a presença doartista. A entrevista prossegue den-tro de dias.
O «SEGUNDO ROUND» tem lugar trêsdias depois, no Centro Cultural deBelém. O fotógrafo parece maisapreensivo. Talvez devido aospreparativos finais para a exposiçãoque inaugurava naquele dia, noâmbito do Prémio BES Photo. Ouentão pelo próprio galardão em si:trata-se, afinal, de um dos maisprestigiados prémios de arte atribuí-dos em Portugal. E o facto de seesperar três semanas pelo resultadoinquieta-o. Porém, não havia motivopara receios: a 9 de Abril, o veredic-to é anunciado e Edgar Martins
torna-se o artista mais jovem a rece-ber a distinção. No que respeita ao reconhecimen-to, o seu trajecto é o inverso dohabitual: «comecei no estrangeiro evim ao encontro de Portugal.» Masnão foi propriamente fácil, garante:«Ninguém me veio bater à porta adizer “olha, vem expor em Por tu gal”;foi um processo moroso.»Torna-se, então, inevitável saber asua opinião sobre o panorama artís-tico nacional, nomeadamente, noque respeita às instituições. Aresposta surpreenderá os mais rei -vindicativos: «Têm feito um bomtrabalho». Elogia as que existem,criticando apenas o facto de serempoucas, e aponta como bons exem-plos o CCB, a Fundação Gulben -kian, a Fundação Ilídio Pinho ou oBES Photo.
EM FINAIS DE 2008, a crítica norte--americana já o apontava como umdos artistas mais importantes dasua geração. Em Portugal, contudo,ainda pouco se ouvira falar do seunome. Por essa altura, é noticiado,a título de curiosidade, que a capado recém-lançado disco de Queen(“The Cosmos Rocks”, em socie da -de com Paul Rodgers) era da auto-ria de um fotógrafo português. Éentão que, fora dos meandros docircuito artístico, se começa a falardeste ilustre desconhecido. Tudo começou com a relação deamizade que se cria entre o artistae um comprador das suas peças.Até aqui, não haveria nada de par-ticularmente interessante, nãofos se o facto de esse compradorser Roger Taylor, baterista da
lendária banda britânica. Tornou-seassente que um dia haveriam decolaborar e esse dia veio quandoTaylor conseguiu convencer osrestantes elementos dos Queen aentregar a comissão ao jovem fotó-grafo português. Em simultâneo, o “rapper” MikeSkinner (mais conhecido pelonome colectivo The Streets) esco -lhe para capa do seu quartoálbum, “Every thing Is Borrowed”,uma fotografia inédita da série“The Burden Of Proof”.Haverá quem olhe estas colabo-rações como a massificação (nomau sentido) da obra artística. Nãoé o seu caso: «Sempre achei estecampo de trabalho interessante, nosentido em que faz a minha obrachegar a um leque de pessoas que,possivelmente, não frequentamgalerias ou museus.» E atira, emjeito de desabafo: «Não há nadapior do que passar meses a organi-zar uma exposição e depois ser vistasó por 100 pessoas.» Será por issoque, quando questionado sobre oseu objectivo mais ambicioso, nemhesita: «Conseguir, nos próximosdois anos, expor no maior númerode instituições públicas a nívelmundial.» E um exemplo desse de -sígnio é a exposição que planeiafazer, ainda este ano, na estação deSaint Pancras, uma das mais movi-mentadas de Londres. «É algo quegostaria de fazer mais vezes: que otrabalho chegasse às pessoas e nãoo contrário.» E haverá para umartista ambição mais genuína doque desejar que o seu trabalhoentre – nem que apenas por merosinstantes – na vida das pessoas?
MÚSICA. Em 2008, fez a capa
de dois discos de artistas britânicos
e, com isso, o seu nome começou
a ser falado fora dos circuitos
artísticos. Ambos chegaram aos
escaparates praticamente em
simultâneo: “Everything Is
Borrowed”, de The Streets, com
uma imagem inédita da série “The
Burden Of Proof”; e “The Cosmos
Rocks”, de Queen + Paul Rodgers,
uma encomenda inspirada na série
“O Teórico Acidental”. «É impossível
não gostar de Queen, eles são tão
influentes; porém, conhecendo-os
pessoalmente, é óbvio que ganhei
outro respeito à música deles».
81
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
SÉRIE “WHEN LIGHT CASTS NO SHADOW”
«O MEU TRABALHO ACABA POR SER UM “INSTANTEINDECISIVO”, DECIDIDO PELO ESPAÇO.»
traço I fotografia I
86
JUL
HO,
AG
OS
TO
20
08
REVOLUÇÃO DE BOLSO
Que telemóvel utiliza?
O iPhone.É o seu favorito?
Por enquanto sim. O iPhone não é ape-nas um telefone. É uma revolução.
Qual a razão da sua preferência?
Posso usá-lo como um mini-computador,tendo acesso à minha base de dados,Internet, mapas, informação, etc.
Como é, para si, o telemóvel ideal?
Se a Apple conseguisse desenvolver umteclado mais “user-friendly”, seria ópti-mo. E gostava de poder ter um telefoneque respondesse a comandos orais.
A que funções dá mais utilidade?
Internet e email. Embora não seja adepto do digital, já
usou (ou pensa usar) o telemóvel
como câmara, no seu trabalho?
Para referência apenas. n
Recommended