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modulo interdisciplinar
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PAR UFOPA
CENTRO DE FORMAO INTERDISCIPLINAR CFI
CICLO DE FORMAO GERAL DA UFOPA
MDULO INTERDISCIPLINAR
ESTUDOS INTEGRATIVOS DA AMAZNIA
EIA
Jos Mauro Sousa Moura
Jos Reinaldo Pacheco Peleja
Dris Santos de Faria
(Organizadores)
Santarm Par
2011
Universidade Federal do Oeste do Par
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PAR UFOPA
Prof. Dr. Jos Seixas Loureno Reitor Pro tempore
Profa. Dra. Raimunda Monteiro Vice-Reitora
Prof. Dr. Rodrigo Ramalho Filho Pr-Reitor de Ensino
Prof. Dr. Jos de Aquino Pr-Reitor de Pesquisa
Profa. MSc. Arlete Moraes Pr-Reitora de Administrao
Prof. MSc. Aldo Queirz Pr-Reitor de Planejamento e Recursos Humanos
Profa. Dra. Dris Faria e Profa. Dra. Ftima Matos
Diretoria do Centro de Formao Interdisciplinar
Profa. Dra. Dris Santos de Faria
Coordenao da Produo dos Mdulos
Prof. Dr. Jos Mauro Sousa Moura
Reviso Tcnica
Parceria Institucional: Universidade Federal do Par
ASSESSORIA DE EDUCAO A DISTNCIA AEDI
Profa. Dra. Marianne Kogut Eliasquevici
Profa. Dra. Snia Nazar Fernandes Resque
Tcnico em Assuntos Educacionais Devison Nascimento.
Impresso: Grfica dos amigos do SUL
CAPA: Rose Pepe Design
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Agradecimentos
A toda a equipe tcnica da UFOPa e demais envolvidos na confeco deste volume
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Nota da Coordenao de Produo dos Mdulos
Esta uma edio preliminar dos textos que vo compor a Coletnia de Textos do
Centro de Formao Interdisciplinar da UFOPA Coleo Mdulos Interdisciplinares , com a
Srie Textos do Ciclo de Formao Interdisciplinar.
Ainda esto sendo apresentados como Pr-impressos para o estudo das primeiras
turmas de alunos da UFOPA, as turmas-piloto de 2010/11. Uma vez concludas as aulas deste
mdulo, seus textos sero revistos para a impresso definitiva, em volume prprio.
Universidade Federal do Oeste do Par
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PAR
CENTRO DE FORMAO INTERDISCIPLINAR
COLETNEA DO CENTRO DE FORMAO INTERDISCIPLINAR DA UFOPA
COLEO MDULOS INTERDISCIPLINARES
SRIE TEXTOS DO CICLO DE FORMAO INTERDISCIPLINAR DA UFOPA
Apresentao da UFOPA
A Universidade Federal do Oeste do Par UFOPA foi criada pela Lei n. 12.085, de
cinco de novembro de 2009, pela fuso dos campi da Universidade Federal do Par/UFPA e
da Universidade Federal Rural do Par/UFRA existentes em Santarm. Ela fruto do esforo
conjunto dos governos federal, estadual, municipais e da sociedade em geral, os quais
reconhecem a importncia do papel da Universidade Pblica como vetor de desenvolvimento
local e regional; mas, sobretudo, como importante contribuinte da integrao do
conhecimento cientfico, tecnolgico e cultural pan-amaznico.
Mais do que uma simples fuso, a criao da UFOPA significa a presena, de forma
inovadora, de uma Universidade Federal no interior desta imensa regio, partindo
exatamente do oeste do Estado do Par corao da Amaznia. Por isso, a UFOPA elege
como prioridade o contexto regional, sua fonte de trabalho, em articulao e sintonia com os
contextos nacional e mundial, visando formao continuada de recursos humanos
qualificados graduados e ps-graduados , assim como produo e reproduo de
conhecimentos.
Para tanto, privilegia novos instrumentos e modelos curriculares, a comear pela sua
estrutura acadmica organizada em Institutos, voltados para a formao de pessoal graduado
e ps-graduado, e para a produo de conhecimentos interdisciplinares. Alm disso, sua
formao acadmica em trs ciclos evidencia o conceito e a sua prxis relacionada a um
processo de educao continuada desde o acesso Formao Interdisciplinar I, comum a
todos os seus cursos, at a ps-graduao stricto sensu.
Universidade Federal do Oeste do Par
Assim, os Institutos da UFOPA exercem atividades de ensino, pesquisa, extenso e
oferecem cursos que atendem a uma formao de graduao e de ps-graduao, no conjunto
de grandes temas de conhecimento, de interesse cientfico geral e amaznico, em particular,
onde atuam multi e inter disciplinarmente.
Os seus seis organismos estruturantes so as seguintes:
1. Centro de Formao Interdisciplinar CFI
2. Instituto de Cincias da Sociedade ICS
3. Instituto de Biodiversidade e Floresta IBEF
4. Instituto de Cincia e Tecnologia das guas ICTA
5. Instituto de Engenharia e Geocincias IEG
6. Instituto de Cincias da Educao - ICED
So trs os seus Ciclos de Formao:
1 Ciclo de Formao Graduada Geral
2 Ciclo de Formao Graduada Especfica
3 Ciclo de Formao Ps-Graduada
O ingresso do estudante se d amplamente na Universidade, na Formao
Interdisciplinar 1, ocasio em que os alunos adquirem, durante o seu primeiro perodo
acadmico, uma formao geral de natureza multi e interdisciplinar que atende aos
conhecimentos da realidade mundial refletida atravs da realidade local. Trata-se de
formao acadmica e cidad, oferecida por instncia especfica o Centro de Formao
Interdisciplinar.
A boa performance neste primeiro semestre permitir a eles o acesso a cada Instituto,
onde ingressar na Formao Interdisciplinar 2, especfica de cada Instituto escolhido. Trata-
se de formao organizada a partir da sntese de conhecimentos bsicos e comuns aos cursos
a oferecidos. Em sequncia, e em funo de seu desempenho neste novo semestre
interdisciplinar, o aluno ingressar no curso Bacharelado Interdisciplinar ou na Licenciatura
Interdisciplinar pretendida, obtendo, ao final do Primeiro Ciclo, o seu primeiro diploma
universitrio. Optando por continuar na UFOPA, ingressar no Segundo Ciclo para obter o
seu segundo diploma universitrio, desta feita uma graduao especfica. Em seguida,
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poder continuar seus estudos, pleiteando os vrios nveis de ps-graduao oferecidos no
mbito do Terceiro Ciclo.
No que concerne a Formao Interdisciplinar 1 primeiro componente do Primeiro
Ciclo, de Graduao Geral , fundamenta-se em conhecimentos articulados por meio de cinco
Mdulos Interdisciplinares, para os quais foi produzida a presente coletnea de textos. Estes
mdulos de ensino so:
Sociedade, Natureza e Desenvolvimento SND
Origem e Evoluo do Conhecimento OEC
Lgica, Linguagens e Comunicao LLC
Estudos Integrativos da Amaznia - EIA
Seminrios Integradores SINT
Estes mdulos sero conduzidos por equipes multidisciplinares que trabalham em
cima da construo interdisciplinar dos conhecimentos que compem o contedo
programtico dos cursos da UFOPA. Tambm ser propiciada a mediao tecnolgica
adequada s finalidades da integrao curricular, possibilitando o acesso permanente aos
contedos dos cursos. Sero utilizados materiais pedaggicos exclusivos, com textos inditos,
produzidos por expressivos autores locais, regionais e nacionais, apresentados neste e em
todos os volumes da Coleo de Textos da UFOPA. Eles objetivam a introduo ao estado
da arte dos respectivos temas, oferecendo, tambm, discusses crticas, organizadas em cada
um dos supracitados mdulos disciplinares.
Aproveitamos para desejar a todos os nossos alunos, boas-vindas, bom trabalho e
sucesso nesse processo de crescimento pessoal, do qual tambm depende o crescimento
institucional desta nova e inovadora Universidade Federal do Oeste do Par.
Professor Dr. Jos Seixas Loureno Professor Dr. Rodrigo Ramalho Filho
Reitor Pro Tempore Pr-Reitor de Ensino
Universidade Federal do Oeste do Par
SUMRIO DAS UNIDADES DE ENSINO
INTRODUO AOS ESTUDOS AMAZNICOS .............................................................................. 17
A FORMAO GEOLGICA DA AMAZNIA ............................................................................... 52
ECOLOGIA DA PAISAGEM AMAZNICA ...................................................................................... 81
O BIOMA AMAZNICO ..................................................................................................................... 123
ECOSSISTEMAS AMAZNICOS ....................................................................................................... 149
BACIAS HIDROGRFICAS ................................................................................................................ 176
INTERAES AQUTICO FLORESTAIS ........................................................................................ 191
A HISTRIA DA INTERAO HOMEM-AMBIENTE NA AMAZNIA................................... 217
A MUNDIALIZAO DA AMAZNIA: RIQUEZAS E INTERESSES .................................... 246
CONFLITOS SOCIAIS NA AMAZNIA .......................................................................................... 275
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MDULO DISCIPLINAR
ESTUDOS INTEGRATIVOS DA AMAZNIA
Grandes Temas
ECOLOGIA DA PAISAGEM E ECOSSISTEMAS AMAZNICOS
POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZNIA
CIDADE E TERRITRIOS DA AMAZNIA
APRESENTAO
O Mdulo Estudos Integrativos da Amaznia (EIA) compreende um dos cinco
mdulos da srie de textos do Ciclo de Formao Geral da Universidade Federal do Oeste do Par
(UFOPA). Os textos que compem estes mdulos subsidiam a oferta inicial dos cursos, em
seu Semestre Interdisciplinar 1, universal a todos os alunos desta instituio.
Neste mdulo so apresentados temas que trazem ao estudante um panorama das
peculiaridades da regio Amaznica, iniciando com assuntos mais fundamentais
relacionados com a cincia da natureza: da formao geolgica aos estudos dos principais
fatores ecolgico-ambientais que interferem neste Bioma. Em seguida trata de temas que
refletem sobre a complexa teia entre o capital ambiental, social e econmico dessa regio: da
geopoltica aos fatores histrico-econmicos. E finaliza com a discusso sobre o papel
estratgico da Amaznia no cenrio mundial, sobre a poltica de ocupao dessa regio e os
conflitos sociais que nela ocorrem.
importante mencionar que, apesar dos textos terem um carter introdutrio sobre o
ambiente amaznico, aborda aspectos que so fundamentais no s para melhor entender
essa regio, mas, principalmente, para propiciar s cincias uma abordagem mais integrada
dos problemas envolvidos que, dada a sua complexidade, jamais podero ser enfrentados por
processos mais setorizados, da a importncia da interdisciplinaridade nos estudos sobre esta
regio.
oportuno tambm destacar que a maioria dos textos desse mdulo foi escrito com
olhar genuno de professores e pesquisadores que vivem e buscam entender melhor o espao
amaznico, sendo todos textos inditos.
A estratgia de abordagem dos textos busca romper com o princpio positivista que
postula uma hierarquia entre as Cincias Exatas, Biolgicas e Humanas, e que coloca algumas
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disciplinas no topo e outras na base, complicando ainda mais o dilogo entre elas, de modo
que at hoje mantm-se distante da necessria interao para a efetividade dos estudos nesta
regio. No entanto, esta proposta de simetria nos textos do mdulo EIA tambm no implica
em que a proposta esteja baseada em princpios de neutralidade do prprio conhecimento
que cada componente gera. Ao contrrio, postos proximamente, se espera que os textos
sirvam para potencializar a necessria realimentao que deveriam ter entre si e que,
minimamente, sejam trabalhados dentro de uma dinmica envolvendo estes trs grandes
setores das reas do conhecimento, numa dialtica que seja mais frtil aos estudos e
superao dos problemas da regio.
Nesse sentido, o objetivo maior dessa estratgia de abordagem promover um bom
entendimento dos problemas sociais, ambientais e econmicos da Amaznia, de forma a que
o aluno reflita e busque atuar na soluo dos problemas amaznicos com massa crtica
consistente e com o olhar interdisciplinar, originado pelo dilogo multidisciplinar do
conjunto, com vistas to sonhada sustentabilidade.
Finalizamos dizendo que o xito dessa nova estratgia no se restringe apenas a
metodologia aplicada, ao empenho do professor e as obrigaes dos alunos, mas de
reinveno desses atores que, esperamos, encontrem na UFOPA um terreno fecundo.
Professores Joo Roberto Pinto Feitosa, Doutor em Recursos Naturais e Dris Santos
de Faria, Doutora em Psicologia, ambos diretores do Centro de Formao Interdisciplinar da
UFOPA.
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PREFCIO
Jos Mauro Sousa Moura
Doutor em Cincias
Professor na Universidade Federal do Oeste do Par
Este volume composto por dez textos que tratam de Estudos Integrativos da Amaznia.
Mas quantos deveriam ser esses textos, se nossa inteno fosse mostrar de forma integrada o
conhecimento que se tem sobre a Amaznia?... Apenas dez textos seriam realmente
suficientes para se alcanar um objetivo to ambicioso assim?... Mesmo que nossa inteno
fosse mostrar o conhecimento sobre um assunto especfico, nossos rios, por exemplo, ainda
assim precisaramos de muito mais textos, dada a megadiversidade dos recursos naturais da
Amaznia.
Desta forma, o que apresentado aqui apenas um apanhado geral sobre alguns
temas que permitiro ao leitor iniciar, ou consolidar, em alguns casos, a prtica da busca do
conhecimento sobre a regio Amaznica.
Os textos que se seguem tentam cobrir um largo espectro da formao do
conhecimento sobre a Amaznia, desde a sua descoberta at os dias recentes, quando os
objetos de estudo das cincias deixam de ser o mero funcionamento dos ecossistemas
naturais e dos organismos que neles habitam, e passam a considerar a presena do ser
humano como o grande agente causador de mudanas.
O primeiro texto apresentado neste volume (Introduo aos Estudos Amaznicos, de
autoria de Violeta Refkalefsky Loureiro) mostra que a nossa histria cientfica se inicia com a
chegada dos europeus, que traziam consigo escrives, responsveis pela descrio detalhada
das riquezas a serem exploradas na regio. Mesmo que o propsito no tenha sido esse, o
trabalho dos escrives deu o pontap inicial para a formao do conhecimento cientfico
sobre a Amaznia.
Violeta Loureiro faz ainda meno s riquezas naturais e culturais existentes na
regio, bem como aos problemas advindos da explorao dessas riquezas em diferentes
momentos de nossa histria.
Em seguida, no texto A Formao Geolgica da Amaznia, o Prof. Ronaldo Mendes nos
faz entender as incrveis mudanas nas paisagens da Amaznia ocorridas em alguns bilhes
de anos de histria. A perspectiva da escala do tempo geolgico mostra-nos que, embora
sempre tenha existido um enorme dinamismo na regio, desproporcional a velocidade com
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que acontecem as mudanas decorrentes da ao do homem, e em nada se pode comparar a
ela no perodo que antecede o seu aparecimento.
Os cinco textos seguintes tratam dos ambientes amaznicos propriamente ditos, de
suas principais caractersticas, das interaes e relaes ecolgicas existentes entre eles. Vale
ressaltar que nenhum dos autores emprega a linguagem meramente descritiva, comum a
grande parte dos textos produzidos em estudos cientficos. Pelo contrrio, tentou-se enfatizar
que as caractersticas observadas no bioma amaznico sofreram e sofrem o efeito das aes
antrpicas recentes.
No antepenltimo texto (A Histria da Interao Homem-Ambiente na Amaznia), Gabriel
Lui retrata a ocupao do territrio amaznico desde o perodo pr-colonial at os dias atuais.
De fcil leitura, o texto leva-nos a imaginar como as populaes se sobrepuseram umas s
outras, e principalmente nos faz perceber as diferenas entre essas populaes no que diz
respeito aos impactos de sua ocupao sobre o meio ambiente. Aps essa leitura, certamente
o leitor ir perguntar-se: Como foi possvel no passado a sobrevivncia de uma enorme
populao indgena nessa regio, deixando to poucas marcas no ambiente, quando
comparada ao modelo desenvolvimentista incentivado pelos governos nas ltimas dcadas?
Em A Mundializao da Amaznia: Riquezas e Interesses, escrito por Mrio Amin, a
regio amaznica vista sob a tica do interesse internacional. Mesmo aps sculos de
explorao, a regio amaznica ainda dispe de uma enorme diversidade de recursos
naturais (alguns deles ainda no revelados), de modo que seria inevitvel que esta regio
aparecesse no cenrio mundial como um de seus mais importantes cones. Seja motivado
pela necessidade de suprir a demanda por recursos naturais ou pelo desejo crescente em
preserv-los, o Brasil assume importante papel neste cenrio, tendo como desafio a
conciliao entre essas duas vertentes.
Por fim, no texto Conflitos sociais na Amaznia, a Profa. Raimunda Monteiro trata a
questo dos conflitos como sendo o resultado do processo de ocupao da regio e das
divergncias entre os grupos sociais envolvidos nesse processo. Muito perspicazmente o texto
mostra que a soluo para os conflitos na regio depende do modelo de desenvolvimento
aplicado no pas, ou melhor, dos resultados desse modelo. Se os resultados favorecerem a
diminuio das desigualdades sociais, certamente os conflitos diminuiro mesma
proporo.
Embora tenha ocorrido por parte dos autores um enorme esforo para correlacionar o
conhecimento especfico abordado em cada tema com outras reas do conhecimento dentro
do contexto amaznico, cabe ao leitor estreitar estas relaes, o que poder ser feito atravs
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de outras leituras cujo teor esteja relacionado regio, mas que infelizmente no puderam ser
includas no apanhado geral aqui proposto.
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EIA 1
UNIDADE DE ENSINO
INTRODUO AOS ESTUDOS AMAZNICOS
O texto-base da Profa. Dra. Violeta Refkalefsky Loureiro, referente Unidade
de Ensino Introduo aos Estudos Amaznicos do Mdulo Disciplinar Estudos
Integrados da Amaznia, procura demonstrar que a histria da Amaznia tem tido
um percurso de perdas e danos. Para mostrar esta trajetria, descreve que, antes da
chegada dos europeus, no sculo XVI, os ndios j viviam na regio e, desde o inicio do
seu processo de colonizao, nunca mais houve uma convivncia tranquila entre os
conquistadores e os habitantes naturais.
Ainda durante a leitura, possvel perceber que centenas de anos antes de esta
regio tornar-se motivo de preocupao ambiental local e global, ela j despertava o
interesse e a cobia de vrios pases.
Sendo assim, a leitura deste texto-base importante por permitir refletir sobre o
paradoxo em que vive esta regio, que tem sido refm daquilo que possui de mais
especial sua riqueza, diversidade e saberes tradicionais.
Preocupe-se em relacionar seus contedos com os outros textos que j leu e
estudou, pois voc os compreender sobre outros ngulos, histricos, geogrficos,
sociolgicos etc. Para isso, a discusso nos grupos facilitar muito! No deixe de buscar
completar seus estudos com outras leituras e, sempre que tiver dvidas ou necessitar
de algum esclarecimento, procure seu professor ou tutor.
Viso geral da UE
O texto-base est dividido em tpicos que procuram explicar um pouco da
histria da conquista da regio para entender suas riquezas e fragilidades, sua
multiculturalidade e quais so os elementos importantes para compreender a histria
recente da regio.
Para tal, inicia descrevendo como os colonizadores viam a Amaznia, por
meio dos relatos de viagens feitos por escrives e o que isso representou para aumentar
a cobia dos europeus sobre a regio, dando incio a um ciclo de explorao, conflitos,
destruio e mudana na paisagem. O texto aborda, ainda, quais foram os primeiros
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estudos cientficos realizados sobre a regio (do sculo XVII ao XIX) que revelavam um
predomnio da natureza sobre a anlise das sociedades locais. Em seguida, o texto
inicia uma discusso que versa sobre as riquezas (diversidade de sistemas florestais e a
maior bacia hidrogrfica), bem como as fragilidades da regio e quais foram as
consequncias da revelao da megadiversidade da regio para o mundo.
No decorrer do texto tambm se d destaque enorme variedade cultural
existente na regio, devido presena dos ndios, caboclos, quilombolas, brancos e
negros. Segundo a autora, esta talvez seja a maior riqueza da Amaznia, embora
estudos sobre as diversas etnias, do ponto de vista do respeito diferena como um
direito humano, bem como o valor cultural que as diversas etnias brasileiras carregam
consigo, sejam muito recentes. Sobre este assunto, aborda a mudana na Constituio
e importncia dos saberes tradicionais quando ao conhecimento da biodiversidade da
regio e como estas populaes ficam em desvantagem diante das grandes empresas.
Objetivando compreender de forma mais especfica a questo regional
amaznica, a autora faz uma reviso histrica recente demarcada por quatro
momentos: a regio antes dos anos 60; da abertura da Belm-Braslia ditadura militar;
a ditadura militar; e do final da ditadura (1985) aos dias atuais. Em suas consideraes
finais, dois debates so instaurados: se possvel mudar o modelo agroexportador da
regio, e como pequenos empreendimentos podem apontar para grandes
possibilidades de mudana.
Objetivo
O texto-base Introduo aos estudos amaznicos tem por objetivo explicar
acontecimentos da histria da conquista da regio amaznica para entender suas
riquezas e fragilidades, sua multiculturalidade e o percurso histrico recente da regio.
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Contedo
1. INTRODUO .................................................................................................................... 17
1.1 A FASE DO RECONHECIMENTO CARTAS E RELATRIOS DE VIAGENS ............................................................................................................................... 17
1.2 OS EUROPEUS DESCOBREM UM PARASO NA TERRA ...................................... 18 1.3 OS EUROPEUS COMEAM A DESTRUIR O PARASO ........................................ 21 1.4 OS PRIMEIROS ESTUDOS CRONISTAS, NARRADORES,
NATURALISTAS E CIENTISTAS................................................................................... 22 2. UMA VISO PANORMICA DA NATUREZA AMAZNICA:
RIQUEZAS E FRAGILIDADES ....................................................................................... 25
2.1 DAS RIQUEZAS .................................................................................................................. 25 2.2 CONSEQUNCIAS DA REVELAO AO MUNDO SOBRE A
MEGABIODIVERSIDADE AMAZNICA .................................................................. 26 2.3 PRINCIPAIS FRAGILIDADES DA NATUREZA AMAZNICA ......................... 27 3. A MULTICULTURALIDADE DA REGIO NDIOS, CABOCLOS,
QUILOMBOLAS, BRANCOS E NEGROS ................................................................... 29
3.1 UMA ENORME VARIEDADE CULTURAL ............................................................... 29 3.2 O SABERES DAS POPULAES TRADICIONAIS .................................................. 31 4. ELEMENTOS IMPORTANTES PARA COMPREENDER A HISTRIA
RECENTE DA REGIO .................................................................................................... 32
5. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 43
5.1 POSSVEL MUDAR O MODELO AGROEXPORTADOR DA REGIO? ........ 43 5.2 PEQUENOS EMPREENDIMENTOS APONTAM GRANDES
POSSIBILIDADES DE MUDANAS ............................................................................. 45 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 49
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INTRODUO AOS ESTUDOS AMAZNICOS
Violeta Refkalefsky Loureiro
Doutora em Sociologia
Profa. da Universidade Federal do Par
1. INTRODUO
1.1 A fase do reconhecimento cartas e relatrios de viagens
Os primeiros textos escritos sobre a Amaznia brasileira foram cartas e relatos
de viagens, dando notcias ao Velho Mundo (a Europa) sobre a nova descoberta o
Novo Mundo, algumas delas antes mesmo da descoberta. Em janeiro de 1500 Pinzn
chegou costa do Nordeste do Brasil, subiu at o esturio do rio Amazonas e
prosseguiu at o Oiapoque. Ficou impressionado com a enorme quantidade de gua
que o Amazonas despejava no mar e com o furor da pororoca. E vendo que se tratava
de gua doce, comparou-o a um mar, dando-lhe o nome de Santa Maria de la Mar Dulce.
Embora bem recebido pelos ndios que habitavam o litoral, Pinzn aprisionou ndios e
levou-os consigo para vender como escravos na Europa. Foi ele o primeiro europeu a
dar incio prtica da explorao e da escravizao dos ndios do Brasil. Portanto, o
primeiro conceito de Amaznia definia a regio como as terras do Mar Doce.
Duarte Pacheco Pereira, dois anos antes de Pedro lvares Cabral, chegou ilha
de Maraj, no atual estado do Par. Atravs de seus relatos e dos de Vasco da Gama,
Portugal ficou sabendo, concretamente, da existncia das novas terras, enviando
depois Cabral, que veio tentando encontrar e tomar posse da nova terra, em nome do
rei de Portugal (BUENO, 1998). Os ndios ajudaram Cabral a fincar o mastro para
hastear a bandeira de Portugal, sem imaginar que a partir daquele momento suas vidas
mudariam completamente. Desde ento, nunca mais houve uma convivncia tranquila
entre os conquistadores e os habitantes nativos.
Na poca, predominava na Europa uma corrente econmica de pensamento o
mercantilismo, segundo a qual a riqueza de uma nao dependia da quantidade de
ouro, prata e pedras preciosas que o pas conseguisse acumular; da porque os pases
europeus buscavam essas riquezas no Novo Mundo, especialmente no Mxico, Peru,
Brasil. Procuravam o Eldorado, lugar onde, segundo a lenda, haveria tanto ouro e
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prata que os moradores os usavam para cobrir os telhados de suas casas. Os
portugueses custaram a encontrar ouro e prata no Brasil. Assim, comearam a extrair o
pau-brasil e variadas ervas (usadas para temperos, tinturas, remdios, etc.). Portanto, o
primeiro impulso de conquista veio da busca das riquezas do Eldorado a terra da
riqueza sem fim.
1.2 Os europeus descobrem um paraso na terra
Cada expedio levava consigo um escrivo, pessoa letrada que se incumbia
de fazer a descrio da viagem e de enviar cartas ao reino, dando notcias. Muitas
descries foram feitas pela expedio de Cabral e por outros viajantes, exploradores e
colonizadores que vieram antes e depois dele. Os europeus estavam impressionados
com a exuberncia da natureza da Amrica do Sul, e principalmente do Brasil: As
rvores so de uma beleza e de uma suavidade tais que ns pensamos estar no paraso terrestre e
nenhuma dessas rvores e dos seus frutos se parecem com aqueles das nossas regies
(MAGASICH-AIROLA; BEER, 2001, p. 47).
Tudo era diferente e fantstico no novo continente: a beleza, a sade e a fora
fsica dos ndios; a ausncia de doenas, a vida em total liberdade, a abundncia de
comida, a beleza dos corpos pintados e enfeitados de penas e colares, a liberdade dos
ndios, a exuberncia das florestas, as flores e frutas, a temperatura morna da gua do
mar, o sol permanente, o azul do cu, a temperatura agradvel, as praias de areias
brancas e finas, as cores da natureza.
Na carta de Pero Vaz de Caminha l-se o seguinte trecho, em que se narra a
primeira missa no Brasil e de como os portugueses cobrem a nudez de uma ndia e
contam ao rei que ela mais inocente que Ado: Entre todos esses que vieram, no veio
mais que uma mulher moa, a qual esteve presente missa e qual deram um pano, com o que
se cobrisse... Porm, ao sentar, no fazia memria (no se lembrava) de o estender para se
cobrir; assim, Senhor, que a inocncia dessa gente tal, que a de Ado no seria mais quanta em
vergonha (no seria maior) (ARROYO, 1971).
Tudo isto fez com que os europeus comparassem a Amrica com o paraso na
terra. Esta terra to agradvel e coberta de uma infinidade de rvores muito verdes e grandes,
Universidade Federal do Oeste do Par
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que no perdem jamais suas folhas1. Elas exalam um perfume muito suave e aromtico,
produzem uma infinidade de frutos, que so agradveis no gosto e bons para a sade. Os campos
so cheios de ervas, flores e razes muito suaves e boas. Acontecia, com freqncia, de eu me
maravilhar com a doura do perfume das ervas e das flores e do sabor dessas frutas e razes a um
ponto tal que eu julgava estar no paraso terrestre (MAGASICH-AIROLA; BEER, 2001,
p. 47). Esta imagem idealizada das terras fartas marcou o imaginrio europeu at hoje.
Darcy Ribeiro, ao apresentar obra de Samuel Benchimol (BENCHIMOL, 1999)
menciona as levas de migrantes que mesmo no sculo XIX procuravam a Amaznia
como a Terra da Promisso.
Cerca de quatro dcadas antes da unificao de Portugal e Espanha2, foi
organizada a viagem de Orellana, para percorrer o grande rio, atravessando as terras
de Portugal e Espanha. Francisco Pizarro foi o espanhol que conquistou o reino dos
incas, cujas terras abrangiam, alm do Peru, partes de vrios pases atuais - Colmbia,
Bolvia, Equador e Chile. L, saqueou aldeias e cidades, matou milhares de ndios,
entesourou ouro numa quantidade jamais imaginada pelos espanhis. Acreditaram ter
chegado ao Eldorado. No territrio da atual Bolvia foram encontradas as riqussimas
minas de prata de Potosi. Se antes eram toneladas de ouro, agora eram montanhas de
prata3. A notcia correu a Espanha e o resto da Europa. Milhares de espanhis vieram
Amrica Latina para enriquecer rapidamente. Em 1550 j havia em torno de 100.000
espanhis na Amrica Latina, o que significava mais saque, morte e crueldade. Onde
havia ouro e prata, os povos e suas culturas iam sendo destrudos. Na Europa, o ouro
era cunhado em moedas, transformado em joias, enfeitava as igrejas; era gasto ou
entesourado pelos reis e pela nobreza.
Pizarro deixa seu irmo como governador da sede do antigo imprio inca, em
Quito, e, acompanhado de Francisco de Orellana e de algumas dzias de homens,
inicia uma viagem (1542) descendo o rio Amazonas, desde suas cabeceiras, at o
esturio, onde o grande rio se lana no Atlntico (SBPC, 1994). Procuravam um novo El
Dorado. A certa altura da expedio, Pizarro e Orellana separaram-se e s Orellana
prosseguiu viagem. Foi a primeira grande viagem pelo maior rio do mundo, da
nascente foz.
1 Na Europa, quando chega o outono, as folhas das rvores comeam a ficar amarelas, depois marrons e, finalmente, caem. As rvores ficam sem folhas durante todo o inverno. O espanto dos europeus era, justamente, por que as rvores no Brasil no perdiam as folhas durante o ano. 2 Entre 1580 e 1640 Portugal e Espanha estavam sob o domnio do mesmo rei. 3 Os espanhis extraram 18.000 toneladas de prata das minas de Potosi at que essas minas se esgotaram.
Universidade Federal do Oeste do Par
20
Na poca, em todas as grandes viagens o comandante designava algum para
ser o relator ou o escrivo. Este deveria registrar os acontecimentos importantes da
viagem e, sobretudo, aquilo que viam e encontravam. Foi graas a este costume que
sabemos dos primeiros tempos da nossa histria. Os padres eram, na poca, pessoas
letradas, de grandes conhecimentos; por isto, era muito comum que algumas
expedies tivessem padres como relatores. No caso da expedio de Francisco
Orellana o relator foi Frei Gaspar de Carvajal (MELLO-LEITO, 1941, p. 203).
A expedio descobre uma riqueza enorme: animais muito diferentes e muito
mais numerosos do que os da Europa, grandes florestas e muitas guas. Tomam
conhecimento da lenda de ndias guerreiras que viveriam no Lago Espelho da Lua, no
atual municpio de Faro, no Par. Ao chegar ao rio Nhamund4, a expedio de
Orellana teria sido atacada pelas temidas ndias guerreiras, a quem eles chamaram de
amazonas5.
Aps este episdio, os espanhis comearam a chamar o grande rio de rio das
amazonas. A lenda importante porque o nome dessas ndias guerreiras deu origem,
no s ao rio, como a toda a regio.
Carvajal menciona as dezenas de tribos de ndios nus (como nas pinturas do
paraso), que foram encontrando ao longo do rio das amazonas. Concluem que uma
regio to rica somente poderia ser o paraso na terra. Surge assim um novo conceito
de Amaznia como paraso na terra.
Para a Amaznia, to importante quanto expedio de Orellana talvez tenha
sido aquela comandada pelo portugus Pedro Teixeira, que levou consigo dois
escrives espanhis (MELLO-LEITO, 1941). Pedro Teixeira saiu de Belm, chegando
at Quito (no Equador), subindo o rio Amazonas e depois voltando pelo mesmo
caminho, mas parando em pontos diferentes daqueles nos quais parara durante a ida.
Sua viagem durou dois anos - de 1637 a 1639 (BRASIL, 1996). A melhor narrativa sobre
a lenda das ndias amazonas, que viviam no Lago Dourado, hoje lago Espelho da Lua,
no Par, est contida no relatrio da viagem de Pedro Teixeira, que teve como escrivo
Cristbal de Acua. Este, posteriormente, publicou o livro O Novo Descobrimento do
Grande Rio das Amazonas.
4 Afluente do Amazonas pela margem esquerda. Situa-se entre os estados do Amazonas e Par (entre o municpio de Parintins, no Amazonas, e Oriximin, no Par). 5 A melhor narrativa sobre a lenda das ndias amazonas, que viviam no Lago Dourado, hoje Espelho da Lua, no Par, est contida no relatrio da viagem de Pedro Teixeira. A lenda importante porque o nome dessas ndias guerreiras deu origem, tambm, ao nome do grande rio.
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1.3 Os europeus comeam a destruir o paraso
A beleza da terra no evitou que esses conquistadores pouco mais tarde
comeassem a destruir esse paraso e a matar os habitantes nativos. Os sculos
seguintes foram de violncia, dominao, conquista e destruio daquilo que eles
chamavam de paraso na terra. Morreram milhes de pessoas: entre o ano de 1492,
quando os europeus entraram na Amrica Latina, e o ano de 1572, portanto, menos de
80 anos depois, a populao dos astecas (no Mxico) decresceu de 25 milhes de
habitantes para apenas 2,6 milhes. No Peru a populao existente caiu de 9 milhes
para, apenas, 1,3 milhes de sobreviventes incas (DENEVAN, 1976, p. 291)6. Os povos
que habitavam o Mxico7 e o Peru foram praticamente dizimados, pois no resistiram
s invases dos espanhis, sucumbindo aos ataques das armas de fogo. Cerca de 20
milhes de ndios foram dizimados, vtimas da cobia de ouro e prata.
Durante os mais de 500 anos aps a chegada dos europeus Amrica,
incontveis estudos foram realizados sobre essas conquistas. Um dos mais importantes
o de Todorov (1991). O autor aborda o modo como os europeus encaravam os ndios
como o outro, o estranho, o extico, o selvagem, o perigoso, o sem alma, o brbaro,
o sem cultura. Assim, o ndio devia ser cristianizado e moldado para viver segundo as
ideias e hbitos europeus, abandonando sua cultura original, julgada inferior e intil,
simplesmente por ser diferente da deles.
Vrias foram as causas dessa espantosa mortandade. Na Amrica espanhola ela
se deveu, principalmente, s guerras de conquista e, secundariamente, s vrias
doenas introduzidas pelos europeus, como a varola, a gripe, o sarampo, etc. (TIME-
LIFE, 1991, p. 57). No Brasil e na Amaznia as mortes tiveram outra causa, alm das
guerras e das doenas trazidas pelos portugueses: a catequese dos ndios. Os que
sobreviviam s doenas fugiam para o interior, proporo que os brancos ocupavam
as reas do litoral (RIBEIRO, 1995, p. 34). Quando Cristvo Colombo chegou
6 Neste estudo o autor estima que viviam na Amrica Latina e Caribe em torno de 52.900.000 ndios, dos quais 8.500.000 no Brasil (a maioria), Argentina e Uruguai. 7 No Mxico viviam os astecas, quando o espanhol Hernn Cortez, com seu exrcito iniciou o massacre. A capital do imprio asteca a cidade de Tecnochtitln era maior do que qualquer cidade europeia na mesma poca. Possua largas avenidas, ruas, pontes, gigantescas pirmides-templos, no alto das quais os sacerdotes faziam o culto aos deuses. O imprio asteca tinha uma administrao, o imperador tinha conselheiros e havia uma religio. Conheciam astronomia, matemtica, medicina, engenharia etc. A base da economia era a agricultura. A posio hierrquica de cada cidado na sociedade era definida por sua profisso. O ouro e a prata enfeitavam templos e adornavam as pessoas (BERNAND; GRUZINSKI, 1993).
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Amrica, o papa espanhol Alexandre VI - maior autoridade religiosa e poltica da
poca reconheceu, imediatamente, os direitos da Espanha sobre as novas terras. Mas
imps como condio para esse reconhecimento, que os habitantes das novas terras
fossem convertidos religio crist. medida que os europeus povoavam a terra,
praticando a escravido indgena (depois veio a escravido negra), os missionrios e os
novos colonos adentravam nas matas e as doenas proliferavam entre os ndios (que
no dispunham de anticorpos em relao a elas). E as mortes aumentavam sem cessar.
1.4 Os primeiros estudos cronistas, narradores, naturalistas e cientistas8
preciso lembrar que Portugal tinha duas colnias na Amrica Latina: o Brasil
e o Gro-Par9 e Maranho, que abrangia toda a Amaznia e alcanava parte do
Nordeste. Somente em 1823 o Gro-Par unificado ao Brasil, com a adeso (forada)
dos portugueses que a habitavam, depois de terem sido derrotados por mercenrios
ingleses enviados pelo Imprio do Brasil. As primeiras narrativas sobre o Gro-Par
foram escritas por padres que vieram cristianizar os ndios, em especial o padre Joo
Daniel (DANIEL, 2004) e o padre jesuta Antnio Vieira. Ambos fizeram minuciosas
descries e reflexes sobre o modo de vida das sociedades indgenas e a natureza da
regio amaznica. Antnio Vieira (sculo XVII) era portugus; veio para o Brasil ainda
menino, morou na Bahia e no Gro-Par. Ficou famoso por seus sermes inflamados,
belos, profundos e altamente reflexivos, especialmente combatendo a escravido
indgena e negra. Obteve do rei de Portugal decretos proibindo maus-tratos e mesmo a
escravido indgena numa certa poca. Angariou a ira dos fazendeiros portugueses
que conseguiram sua expulso temporria do Brasil, a proibio de pregar e fazer
sermes, tendo em Portugal sido julgado pela Inquisio. Defendeu-se com sabedoria,
escapando da morte e voltando ao Brasil. Uma publicao recente seleciona trechos de
obras em que ele se reporta Amaznia (TUPIASSU, 2007).
Os primeiros estudos cientficos (do sculo XVII ao XIX) enfatizam a natureza,
deixando em segundo plano a anlise das sociedades locais, j que a exuberncia e a
8 Para um panorama geral das principais expedies at o incio do sculo XX ver GONDIN, 2007. 9 O nome Gro-Par resulta da juno de gro (portugus: grande) e par, que em tupi antigo significa mar ou rio. Belm, sua sede, foi fundada por Caldeira Castelo Branco, em 12 de janeiro de 1616, quando veio criar a capitania do Gro-Par, aps a expulso dos franceses, que a pretendiam fundar a Frana Equinocial.
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diferena da natureza amaznica em relao da Europa fascinava os naturalistas.
Entre eles destacam-se as detalhadas descries feitas pela expedio de Pedro Teixeira
(sc. XVII), que fez medies precisas do rio Amazonas e alguns dos seus afluentes,
vindo do Peru a Belm. Segundo Harald Sioli (ver mais frente), este foi o primeiro
estudo cientfico natural da Amaznia. Vrios estudos importantes foram realizados; aqui
esto destacados apenas os que mais marcaram a regio, identificando-a por um
conceito ou viso diferente que, alis, so as obras mais conhecidas.
La Condamine (Charles-Marie), no sc. XVIII, desceu o rio Amazonas do Peru
ao Maraj e subiu at a Guiana Francesa. Registrou uma enorme variedade de plantas,
enviou milhares de sementes Europa, deu notcias sobre o uso da borracha pelos
ndios e confirmou a existncia das amazonas. Mas desenhou um mapa em que terras
portuguesas eram identificadas como francesas, prejudicando as pretenses
portuguesas na Amrica do Sul (CONDAMINE; ODONAIS, 1778). Ainda no sculo
XVIII, o baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (FERREIRA et al., 1972) fez importante
estudo geogrfico e antropolgico. No sculo XIX destacam-se os trabalhos feitos por
von Martius (botnico e etnlogo) e von Spix; Martius fez um minucioso estudo sobre a
farmacopeia dos vegetais da Amaznia e deixou uma vasta literatura sobre a msica e
a arte de vrios grupos indgenas. Salvou-se de um naufrgio em frente cidade de
Santarm; para retribuir o salvamento ofereceu uma esttua em tamanho natural, que
se encontrava na Catedral de N. Sra. da Conceio daquela cidade. Os registros sobre
Spix so mais escassos (SPIX; MARTIUS, 1981). Outros naturalistas fizeram estudos
importantes, como Henry Bates que, em meados do sc. XIX percorreu o rio Tapajs e
parte do rio Amazonas. Escreveu um livro que ficou famoso Um naturalista no rio
Amazonas. Na mesma poca, o naturalista suo Louis Agassiz percorreu o rio Tapajs
e o rio Negro, registrando o enorme potencial fsico, social e natural dos rios
amaznicos; escreveu um livro que o deixou famoso (AGASSIZ, L.; AGASSIZ, E. C. C.,
1868). Ver tambm Wallace; Amado (1979).
No incio do sculo XX, Euclides da Cunha embrenha-se nos seringais da
Amaznia. Escreve o livro margem da histria, sobre a organizao da produo nos
seringais, a explorao do trabalho humano. E o faz numa poca em que quase todos
os autores, acriticamente, louvavam o perodo da borracha como sendo uma fase
urea, de grande progresso econmico, omitindo ou subestimando os aspectos sociais e
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humanos da questo (CUNHA, 1909)10. O homem ali ainda um intruso impertinente.
Chegou sem ser esperado nem querido, quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais
luxuoso salo.
Na mesma poca Alberto Rangel (brasileiro), escreveu um livro de contos,
prefaciado por Euclides da Cunha, intitulado Inferno Verde: cenas e cenrios do
Amazonas. Seu livro tornou famosa a expresso inferno verde, para representar tanto a
floresta como o trabalho humano na regio (RANGEL, 2001). Rangel , como Euclides
da Cunha, autor de um dos primeiros textos de crtica social superexplorao do
trabalho humano na Amaznia durante o ciclo da borracha11.
Nos anos 40 e 50 a antropologia social voltou-se enormemente para os grupos
indgenas da Amaznia. Um antroplogo renomado foi Eduardo Galvo12, ex-diretor
do Museu Paraense Emlio Goeldi; dedicou-se especialmente aos ndios, assim como os
irmos Villas-Boas. Dos irmos Villas-Boas (Orlando o mais famoso -, Cludio,
Leonardo e lvaro), o primeiro liderou uma expedio chamada Roncador-Xingu,
iniciada no incio dos anos 40, abrindo mais de 1500 km de picadas na mata. Na trilha
deixada por ela surgiram, ao longo de 3 dcadas, 40 cidades e vilas; criou (junto com
seus irmos) o Parque Nacional do Xingu, onde vivem milhares de ndios de mais de
uma dzia de etnias. Para isto contou com a ajuda de Darcy Ribeiro e do Marechal
Cndido Rondon. Foi indicado duas vezes para o Prmio Nobel da Paz pela forma
pacfica com que tratava os ndios. Esses dedicados sertanistas estudaram e
estimularam grandemente os estudos de antropologia. Na temtica de no-ndios,
talvez o trabalho cientfico mais marcante tenha sido o de Wagley (1957), Uma
comunidade amaznica; nele o autor exemplifica a vida social interiorana da regio com a
vida social e econmica da comunidade de Gurup, que na obra ele chama de It.
10 Obra disponvel na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro USP: www.bibvirt.futuro.usp.br e em www.dominiopublico.gov.br e ainda em www.virtualbooks.terra.com.br. 11 preciso mencionar que alguns escritores j vinham abordando as questes sociais, seja em romances, como Ferreira de Castro (portugus que trabalhou num seringal desde os 12 anos), autor do romance A Selva. Ingls de Souza escreveu romances de temticas amaznicas, sendo considerado um precursor do realismo na literatura brasileira: O Cacaulista, O Coronel Sangrado, Histria de Um Pescador, e O Missionrio. Seu livro de contos intitula-se Contos Amaznicos. J Jos Verssimo, seguindo a linha do realismo, no d destaque natureza ou ao exotismo (caracterstica de grande parte da literatura sobre a Amaznia at ento), mas ao homem e ao meio social. Seu trabalho cientfico mais importante foi A Pesca na Amaznia (1895); destacam-se ainda Cenas da Vida Amaznica, um ensaio social (1886), e igualmente como ensaio A Amaznia (1892). Estes dois autores paraenses tiveram suas obras publicadas pela UFPA. 12 Para conhecer mais sobre Eduardo Galvo ver a obra de Orlando Sampaio da Silva, citada na bibliografia.
http://www.bibvirt.futuro.usp.br/http://www.dominiopublico.gov.br/http://www.virtualbooks.terra.com.br/
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Harald Sioli (estudioso das guas e solos da regio amaznica), classificou os
rios da regio Sioli (1984) em rios de guas brancas (como o Solimes/Amazonas),
negras (como o Negro) e verdes (como o Tapajs).
A partir de mais ou menos 1970, as pesquisas sobre a Amaznia diversificaram-
se grandemente, abrindo-se na direo de todas as reas cientficas, abrangendo as
Cincias Humanas e Sociais, assim como as Cincias da Natureza. A seguir, uma
introduo s principais temticas amaznicas traa um panorama da variedade e da
complexidade das questes hoje abordadas no apenas no Brasil, mas por estudiosos
de vrios cantos do mundo, uma vez que a Amaznia, por inmeras razes, tornou-se
alvo de preocupao mundial.
2. UMA VISO PANORMICA DA NATUREZA AMAZNICA: RIQUEZAS
E FRAGILIDADES13
2.1 Das riquezas
No que concerne diversidade dos seus sistemas florestais, a Amaznia conta,
a grosso modo, com dois grandes tipos de ecossistemas, cada um com suas diversas
variantes: as florestas de reas inundveis - com vrzeas e igaps, e as florestas de terra
firme ambas apresentando rvores altas e matas densas; h tambm as florestas
baixas e as florestas de encostas. Predomina no conjunto a floresta ombrfila, que
ocupa aproximadamente 3.800.000 km (com rvores de grande porte, de copas largas
e abundante vegetao no solo). a hileia14, a floresta equatorial supermida
(HUMBOLDT, 1875). Mas h tambm outros tipos de vegetao: os vastos campos
naturais (do Maraj, de Roraima, do Amazonas e outros), os ricos manguezais onde
centenas de espcies procriam, razo pela qual estes ecossistemas so conhecidos como
berrios do rio ou berrios da vida; e em menor quantidade os cerrados, os lavrados
e a vegetao de praias, que, somados s florestas, completam, ao todo, 4,5 milhes de
km.
13 Para mais esclarecimentos acerca do tema abordado neste item, ver Loureiro (2003a). 14 Hileia nome dado pelo gegrafo e naturalista alemo Alexander Von Humboldt floresta equatorial supermida da Amaznia. O termo tornou-se clssico e conhecido em todo o mundo acadmico do Ocidente. Humboldt recolheu centenas de espcies animais e milhares de espcies vegetais na panAmaznia (poucas da Amaznia brasileira porque foi expulso pelos portugueses, acusado de espionagem).
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A floresta amaznica conta com cerca de 4.000 espcies florestais. Elas
correspondem a mais ou menos 20% das espcies conhecidas no mundo, distribudas
numa mdia de 40 a 300 espcies por hectare, enquanto a Amrica do Norte possui
apenas cerca de 650 espcies (www.brasilambiente.com.br); entre 2500 a 2800 espcies
de peixes, das quais 1.800 j catalogadas; em torno de 360 espcies de mamferos, dos
quais mais de 300 vivendo na Amaznia brasileira; cerca de 1500 espcies de pssaros e
milhes de insetos das mais variadas espcies.
Segundo Ennio Candotti15, a Amaznia o maior laboratrio cientfico do planeta;
possvel que l existam milhares de produtos que podem revolucionar a dieta e a sade do
mundo. Nela se situa, tambm, a mais abundante bacia hidrogrfica, com o maior rio do
mundo em extenso e volume dgua - o Amazonas. O rio entra no Brasil com o nome
de Solimes e chega com este nome at a cidade de Manaus, tomando da para a frente
o nome de Amazonas.
A bacia rene milhares cursos dgua dos mais diversos tamanhos e cores
variadas. Esses cursos dgua (rios, igaraps, furos, etc.) somam uma rede de mais ou
menos 20.000 km de extenso, que drena o correspondente a cerca de 20% de gua
doce do planeta. Para se ter uma ideia da importncia desse fato, basta dizer que entre
93% a 97% do total da gua existente no planeta so constitudos por gua salgada;
apenas 3% a 7% constituem-se de gua doce (FLIX e CARDOSO, 2005). As guas
doces esto muito desigualmente distribudas na superfcie da terra: parte considervel
(aproximadamente 70%) encontra-se sob a forma de geleiras nas calotas polares; e
apenas uma nfima poro (pouco mais de 1%) se encontra disponvel em rios e lagos.
Desta poro, aproximadamente 20%, concentram-se na Amaznia; outra parte
considervel no Canad. O restante est distribudo em pequenas quantidades pelos
vrios cantos do planeta. Da porque a conservao das guas amaznicas constitui no
apenas uma questo de responsabilidade social, como representa uma enorme fonte de
riqueza - atualmente, e mais ainda, no futuro.
2.2 Consequncias da revelao ao mundo sobre a megabiodiversidade
amaznica
15 Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC), em 2005.
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Um dos temas mais importantes da ECO-92 foi a riqueza natural da regio
amaznica, com nfase nos rios e nas florestas, incluindo-se a a biodiversidade que
eles encerram. Aps esta conferncia, a queima da floresta comeou a ser vista sob um
outro ngulo: no apenas como sua simples destruio, mas como a perda de um
enorme patrimnio natural que morre junto com ela. Duas consequncias positivas
decorreram dessa revelao: a) o aumento da conscincia ambiental; b) a produo de
leis de proteo natureza, especialmente o SNUC Sistema Nacional de Unidades de
Conservao, que classifica e define os usos dos diversos tipos de unidades de
conservao. Mas acarretou, tambm, consequncias negativas, sendo a mais grave
delas o aumento da biopirataria de espcies amaznicas para a produo de remdios,
cosmticos, alimentos e outros produtos, pela indstria farmacutica e qumica,
especialmente a estrangeira. A biopirataria o processo de patentear a biodiversidade, fraes
dela e produtos que dela derivam, com base nos conhecimentos indgenas (e os conhecimentos
que as populaes tradicionais, alm dos ndios, detm sobre ela). As patentes so um
direito de excluir os outros da produo, venda..., etc. desses produtos patenteados...(SHIVA,
1993)
2.3 Principais fragilidades da natureza amaznica
Os solos da Amaznia so pobres em nutrientes, com raras excees (algumas
reas de terras roxas, terras-pretas do ndio e outras igualmente escassas). Parece
paradoxal que a mais rica floresta do mundo esteja assentada sobre um solo
extremamente pobre. Este aparente paradoxo requer explicao. que os solos
amaznicos diferem significativamente dos solos de outros ecossistemas no mundo,
que, por serem ricos em nutrientes, sustentam as florestas e assim, podem suportar
com menores impactos os problemas decorrentes da substituio da antiga floresta
primria por florestas homogneas, plantadas para fins industriais. No caso da
Amaznia, apesar de sua exuberante natureza, seus ecossistemas so extremamente
frgeis. Isto acontece porque, como todo sistema, eles funcionam de forma integrada, e
assim, cada um de seus elementos depende de outros, de tal forma que a diminuio
ou o desaparecimento de um deles (espcies florestais ou animais) pe o ecossistema
em desequilbrio.
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O macroecossistema amaznico pode ser entendido como uma perfeita
articulao entre trs elementos chaves: chuva -floresta- solo16. A evaporao dos rios,
mares e florestas formam abundantes nuvens que, por sua vez, provocam fortes e
frequentes chuvas17. As chuvas caem pesadamente sobre as copas das rvores,
arrancando folhas, galhos, frutos, cips, insetos, etc. Os insetos tm um papel
importante na polinizao das plantas, mas tambm na deteriorao da biomassa18,
assim como o calor da mata tambm auxilia neste processo. Em contrapartida, o
desmatamento provoca danos ambientais irreparveis por duas razes: nas reas
desmatadas os solos descobertos recebem as chuvas com grande impacto, ficando
lavados e pobres em nutrientes. Alm disso, os raios solares passam a incidir
diretamente sobre os solos queimando-os, e matando os elementos que antes os
nutriam. Da porque o desmatamento na Amaznia um fenmeno muito mais grave
e problemtico do que em outros ecossistemas19. Alm disso, a riqueza da
biodiversidade amaznica constitui a mais forte razo pela qual no se deve desmatar
e sim conservar o mximo de floresta em p e explor-la, responsavelmente, naquilo
que ela pode render de benefcios para todos os grupos sociais da regio e do Brasil.
Estudo realizado pelo Banco Mundial (MARGULIS, 2005) admite que a pecuria seja
responsvel por 75% das reas j desmatadas, sendo os grandes e mdios pecuaristas
os maiores responsveis pelo desmatamento. Em seguida vem a extrao ilegal de
madeira para venda. nas reas de maior desmatamento que se registra o maior
16 A explicao e uma anlise detalhada da articulao-chave do sistema chuva-floresta-solo analisada em Loureiro (2003). 17 Estudos cientficos indicam que a retirada das rvores mudar o regime de chuvas da regio, j que quase 50% das chuvas amaznicas resultam da evaporao da floresta. Em oposio a esta, uma corrente terica defende que as florestas antigas consomem mais oxignio que as florestas novas, pelo que devem ser substitudas umas pelas outras. Ainda que esta lgica (defendida principalmente por empresrios) venha a ser comprovada, ela no obrigaria, necessariamente, substituio por culturas homogneas, o que implica em perda de biodiversidade e risco de pragas; ou por plantas estranhas flora regional; ou, ainda, por culturas de porte reduzido, como o caso da cultura de gros, que permite o empobrecimento dos solos pelo efeito das pesadas chuvas. 18 Biomassa a matria orgnica vegetal ou os derivados de matria orgnica ou de organismos vivos, empregados por um ecossistema na sua autossustentao. No caso da Amaznia a maior parte da biomassa cai das rvores, realimentando o sistema. evidente que, no caso da biomassa da floresta amaznica, ela no pode ser retirada em grande quantidade, sob pena de desestruturar o sistema. Nas cidades e mesmo nas fazendas, outros materiais podem ser utilizados como biomassa, seja para proteger o solo, seja para gerar energia, como por exemplo, o bagao de cana, papis, papelo etc. 19 Segundo o INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre 1500 e 1970 foram desmatados em torno de 3% da floresta amaznica; entre 1970 e 2000 foram desmatados 14%. Em 2010, esse percentual subiu para 18% da rea total. Trata-se, portanto, de uma extenso gigantesca, no justificando desmatar mais ainda, e sim aproveitar as terras j desmatadas.
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nmero de ocorrncias de trabalho escravo e os mais altos ndices de desemprego e
diminuio da renda depois do desmatamento; e so elas, tambm, que apresentam os
mais baixos ndices de Desenvolvimento Humano IDH (UNESCO), alm do emprego
do trabalho infantil na produo de carvo vegetal20.
3. A MULTICULTURALIDADE DA REGIO NDIOS, CABOCLOS,
QUILOMBOLAS, BRANCOS E NEGROS
3.1 Uma enorme variedade cultural
A maior riqueza da Amaznia talvez esteja em sua multiculturalidade, mas os
estudos sobre as diversas etnias, do ponto de vista do respeito diferena como um
direito humano, bem como o valor cultural que as diversas etnias brasileiras carregam
consigo, so muito recentes. Este texto restringe-se aos ndios, j que a maior parte dos
ndios brasileiros encontra-se na Amaznia. Esta regio tornou-se o ltimo abrigo e o
reduto da resistncia dos mais antigos e legtimos donos da terra brasileira, frente s
populaes que adentraram rumo ao interior das demais regies brasileiras (e desde
meados do sculo XX enfrentam e afrontam ndios e suas terras na regio), colocando-
os em risco fsico e cultural. O Brasil contava no ano 2000 com 345.000 ndios,
distribudos em 215 sociedades e 45 grupos isolados. As populaes indgenas tem tido
um aumento considervel, o que indica que nos ltimos anos a morte de ndios tem
diminudo, embora a presso sobre suas terras tenha aumentado consideravelmente. O
Instituto Socioambiental estima que em 2010 existam quase 600.000 ndios, estando a
maior concentrao deles na Amaznia21.
Existiam 584 terras indgenas no Brasil no ano 2000, as quais somavam
106.767.349 ha (ou 1.067.695 km), segundo a FUNAI. Elas correspondem a 12,54% do
territrio brasileiro e a 20% da rea total da Amaznia. Das 673 terras indgenas
existentes no Brasil, 405 (69%) situam-se na Amaznia Legal22. Mas, como nessa regio
20 Os municpios mais desmatados apresentam baixssimo IDH (UNESCO) e a extrao de madeira deixa atrs de si apenas a misria nas reas j desmatadas. 21
Disponvel em http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis. Acesso em 20 de novembro de 2010 22 Pode parecer que muita terra para pouco menos de 250 mil ndios, mas no o , quando se compara esta situao com as grandes fazendas de monocultura existentes na Amaznia e noutros pontos do Brasil. No caso dos ndios, eles so milhares de pessoas; e j foram, no passado, donos de toda a terra brasileira. Alm disso, so grupos tnicos que preservam sua cultura e a natureza em que vivem, porque vivem dela. Em contrapartida, h imveis rurais que
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as terras indgenas so muito mais extensas do que as terras situadas noutras regies
do Pas, 98% de toda a terra indgena brasileira somada encontram-se na regio. Os
1,4% restantes (FUNAI/2005) esto distribudos por outros pontos em todo o territrio
nacional em minsculos pedaos de terras. Nesses lugares as terras indgenas, por falta
de proteo, ao longo do tempo tornaram-se to reduzidas que inviabilizaram a
sobrevivncia cultural plena dos ndios; assim, muitos grupos foram obrigados a
transformar-se em artesos, lavradores, etc., e perderam grande parte de suas antigas
tradies, inclusive a lngua materna.
A Constituio brasileira no situa mais os ndios (e quilombolas) na condio
de etnias provisrias, como as leis anteriores o faziam, prevendo o desaparecimento
dos ndios medida que eles fossem absorvidos, pela integrao compulsria,
chamada comunidade nacional. A inteno era compor algo imaginrio, inexistente -
um povo brasileiro nico. Grande parte dos brasileiros no compreende o enorme
valor e o contributo cultural que os diferentes povos, das mais diversas origens
aportam cultura e vida nacional. A integrao dos ndios sempre se processou de
maneira forada: no passado, pelas misses catequticas e pela escravido indgena,
acompanhadas da morte por doenas transmitidas por brancos; no presente, pela
expulso para desocupao da terra, pela tomada ou invaso das terras onde habitam,
ou por projetos que cortam suas terras, como estradas e hidreltricas, que os obrigam a
deslocar-se para outras reas ou para as cidades, causando danos culturais ou mesmo a
morte cultural de muitos grupos. A legislao atual no mais os considera como povos
atrasados, selvagens, brbaros. Reconhece-os como povos com culturas prprias e ricas
e com modos distintos de viver, de falar, de vestir que devem ser respeitados e
preservados.
A proteo que consta dos dispositivos legais nem sempre endossada pela
sociedade em geral ou por segmentos dela. As diferenas culturais tm servido para
ocupam milhares e at milhes de hectares e eles pertencem a apenas uma pessoa ou a vrias pessoas de uma s famlia ou empresa. o caso das terras discutidas na justia como pertencentes a Ceclio do Rego Almeida, que somam 4,5 milhes de hectares e vrias outras com 1 milho de hectares ou algo prximo disso. Segundo o Atlas Fundirio Brasileiro INCRA, apenas 342 imveis rurais no Brasil detm 47,5 milhes de hectares; esses imveis correspondem s reas dos Estados de So Paulo e Paran somados e pertencem a pouco mais que 300 pessoas. Alm de concentrarem enormes extenses de terra, geram poucos empregos, pois as reas em produo so totalmente mecanizadas; grande parte das reas terra ociosa, guardada para especulao imobiliria. Os dados do IBGE so ainda mais claros 1% dos proprietrios de terra detm quase metade das terras agricultveis do Brasil (46%). A injustia dessa concentrao de riqueza maior ainda quando o IBGE informa que h aproximadamente 4,5 milhes de trabalhadores sem-terra no Brasil.
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justificar preconceitos e estigmatizar os ndios como sendo pessoas libidinosas,
preguiosas, traioeiras, avessas ao trabalho, inferiores culturalmente. Da as tentativas
de integr-los comunidade nacional para, supostamente, faz-los evoluir, sarem
do atraso; e mesmo, num passado ainda muito recente (anos 70/80), para mat-los,
tirando-os do caminho por onde uma estrada deveria passar. At hoje grande parte dos
brasileiros tm dificuldade em aceitar a ideia de que este um pas multicultural e de
que a multiculturalidade constitui uma imensa riqueza humana.
3.2 O saberes das populaes tradicionais
Boa parte das formas de aproveitamento de espcies da biodiversidade
amaznica j era conhecida pelas chamadas populaes tradicionais (caboclos,
quilombolas, ndios e outros povos amaznicos), que sempre se valeram dos produtos
da floresta para fazer remdios, tinturas, etc. Estimativas cientficas tm apontado as
incontveis possibilidades de ganhos econmicos com base na explorao da
biodiversidade no mundo, e em particular da Amaznia. Esses ganhos deveriam ser
distribudos, prioritariamente, entre os que detm os conhecimentos sobre ela as
populaes tradicionais. O fato de que entre 50% a 75% dos princpios ativos da
farmacopeia mundial tm origem em plantas utilizadas pelas populaes tradicionais
(LEONEL, 2000, p. 321) permite constatar a amplitude do conhecimento desenvolvido
e acumulado por essas populaes no trato com o meio ambiente. Ao longo de milnios,
os ndios deram nomes a quase todos os componentes vivos dos ecossistemas... Sem falar na
descoberta dos princpios e serventias de cada folha, cips ou terras descobertas no entremeio dos
diferentes tipos de vegetao existentes nas florestas imemoriais; nessas tentativas, muitos
ndios adoeceram, mas a maior parte descobriu alguns princpios medicinais ou formas de uso
para a alimentao de grupos de caadores, coletores e pescadores...E a cincia dos ndios passou
para os caboclos, os sertanejos, os roceiros e pescadores. Sem falar que, hoje, cientistas registram
os conhecimentos primrios de uma cincia muito velha a cincia dos ndios (AB'SABER,
2002).
fato que a indstria farmacutica tem-se valido desses conhecimentos,
usurpando-os, sem qualquer benefcio para as populaes tradicionais. Metade dos
medicamentos prescritos nos pases industrializados produzida com base em
descobertas feitas nas regies de florestas tropicais (SHIVA, 1993). Alm do uso
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farmacutico, h uma enorme gama de utilizaes altamente rentveis. Segundo
Kuruk; citado em Antons (2009)23, entre 1960 e 1982 foram recolhidas trinta e cinco mil
amostras de plantas medicinais de pases tropicais, que so hoje utilizadas na
farmacopeia ocidental, derivadas de saberes tradicionais, apropriadas por empresas
que posteriormente as aproveitaram na industrializao de produtos. O Banco
Mundial estimou, em 2002, que o lucro anual usufrudo pelo mercado de produtos
farmacuticos decorrentes dos conhecimentos tradicionais ascende a 32 bilhes de
dlares (BRANDO, et al., 2005, p. 10).
O saber das populaes tradicionais conhecido e reconhecido por segmentos
muito restritos da sociedade brasileira; a legislao no incisiva e a fiscalizao
insuficiente. Alm disso, o foro mundial em que essas questes so resolvidas, a OMC
Organizao Mundial do Comrcio, privilegia as grandes empresas em detrimento
das comunidades e dos saberes locais e coletivos. E s aceita o registro de patentes
quando o conhecimento decorrente de conhecimento cientfico (razo pela qual os
laboratrios sempre acrescentam alguns elementos aos produtos naturais usados pelas
populacionais tradicionais, a fim de caracterizar o produto como resultado de
pesquisa). Embora a UNESCO assuma postura contrria, defendendo os direitos das
populaes nativas sobre os saberes coletivos, no embate contra o capital (defendido
pela OMC e grandes indstrias), so estas que, geralmente, levam vantagem nas
questes jurdicas, em prejuzo das populaes tradicionais
4. ELEMENTOS IMPORTANTES PARA COMPREENDER A HISTRIA
RECENTE DA REGIO24
Uma brevssima reviso da histria recente da Amaznia compe um
instrumento indispensvel para o entendimento da questo regional amaznica.
Segundo meu modo de ver a questo, pelo menos quatro momentos podem ser
visualizados e demarcados na histria recente da regio. A classificao que fao no
rgida no que concerne s datas ou perodos em que termina uma fase e comea outra;
23 A mesma obra foi publicada no Brasil pela Editora Cortez na coletnea organizada por Boaventura de Souza Santos, intitulada Reinventar a Emancipao Social (4 volumes). 24 Uma anlise aprofundada das grandes transformaes na Amaznia desde os anos 50 ao final do sculo XX e suas consequncias, bem como os diversos momentos aqui referidos, esto em: Loureiro (1992) e edies seguintes da mesma obra. Para ma breve anlise no mesmo tema ver Loureiro (2003)
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at porque uma pode avanar sobre a outra antes de desaparecer ou permanecer
simultaneamente com a outra fase, embora com menor expresso.
1. Momento A regio antes dos anos 60 Caractersticas gerais
a) At o incio dos anos 60 predominava na Amaznia a terra pblica (98%).
Apenas 2% eram terras tituladas como propriedade privada (IBGE/Censos
Econmicos/1960). A natureza estava preservada: 98% das terras estavam cobertas por
matas, rios e campos naturais (IBGE/Censos Econmicos/1960). A questo ambiental
no era tema de discusso e a potencialidade da natureza amaznica era desconhecida.
A maior parte dos ndios do Brasil habitava a regio, tal como ainda acontece nos dias
de hoje.
b) A terra era livre. O que isto significa? A populao do interior da Amaznia,
isto , ndios, brancos, caboclos, negros que viviam em reas de antigos quilombos, os
moradores em geral ribeirinhos, extrativistas, pescadores, colonos podiam
cultivar a terra em paz, sem disputa e conflito. Assim, quase todos eram posseiros e
todos eles se consideravam legtimos donos das terras. Jamais algum ou algum rgo
havia questionado a legitimidade da terra onde seus antepassados moraram h sculos
e eles prprios moravam agora. A posse era socialmente reconhecida.
c) At os anos 60, a Amaznia era uma regio isolada do resto do Brasil
nenhuma estrada ligava qualquer estado da regio a uma outra regio. O ano de 1961
um marco importante para a histria da regio. quando a rodovia Belm-Braslia
aberta, ainda com cobertura de piarra. Devido ao isolamento, o valor das terras no
mercado era baixo; o mais correto dizer que no havia um mercado de terras
estruturado na Amaznia.
d) A economia da regio fundava-se no extrativismo. As populaes do
interior viviam do extrativismo animal, vegetal e mineral. O extrativismo vegetal
consistia na coleta dos mais diversos produtos da natureza (seringa, castanha,
andiroba, copaba, murumuru, extrato de pau-rosa e inmeros outros produtos que
eram vendidos para os regates e estes, por sua vez, revendiam os produtos nas
cidades, de onde seguiam para o exterior); no extrativismo animal predominavam a
pesca artesanal e a caa para venda de peles de animais silvestres como a ona, a
jaguatirica e outros animais, j que a caa para exportao de peles foi permitida, at
colocar as espcies em risco de extino. O extrativismo mineral era praticado no
Amap, onde se extraa o mangans, vendido bruto (sem beneficiamento); extraam-se
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diamantes em Roraima, ouro no Tapajs, etc. Tambm se criava gado nos campos
naturais de Roraima, do Maraj e do Amazonas.
e) As cidades funcionavam como centros comerciais e de prestao de
servios (bancos, colgios, hospitais, cartrios, etc.). Exportavam os produtos que
vinham do interior e importavam produtos industrializados que adquiriam do Sudeste
e do Sul do pas, os quais revendiam para as cidades mdias e estas para as cidades
pequenas, vilas e povoados. Havia algumas poucas indstrias (de cigarros,
refrigerantes, sacarias, beneficiamento de castanha, mveis e outros).
2. Momento da abertura da Belm-Braslia ditadura militar: a Amaznia
passa a ser a nova fronteira econmica ou de expanso do capital no pas e suas
consequncias
a) A terra s margens da estrada passa a ser valorizada comercialmente e se
estrutura um mercado de venda de terras, geralmente tomadas de caboclos e antigos
migrantes, incluindo mesmo terras de ndios e de antigos quilombos;
b) A Amaznia transforma-se no lugar privilegiado para a migrao de
pessoas pobres vindas de outras partes do Brasil, especialmente do Nordeste, na
esperana de encontrar uma terra farta e boa para cultivar; em algumas dcadas a
populao da regio multiplica-se vrias vezes, devido aos intensos fluxos migratrios:
em 1960 a populao da Regio Norte era de 1,9 milhes de habitantes25; em 1980 j
havia ascendido a seis milhes26, sendo que no Par 43% da populao eram
constitudos por migrantes e em Rondnia 33% (CARVALHO e FERNANDEZ, 1995).
No ano 2000 a populao da Amaznia geogrfica havia chegado a 12.900.704
habitantes27.
c) Os produtos industrializados do Sudeste e do Sul chegam pela estrada
regio, provocando a falncia de grande parte das pequenas e mdias indstrias que
existiam e que no suportaram a concorrncia das grandes empresas de fora. O
mercado regional enfraquece e desestrutura-se por muitos anos.
3 Momento/1964/85 A ditadura militar - As polticas desenvolvimentistas
transformam a regio numa vasta fronteira de expanso do capital
25 Censos Demogrficos dos estados da Regio Norte; IBGE. 26 BGE; idem/1980; 27IBGE. Censos Demogrficos /2000 (Estados de Rondnia, Roraima, Acre, Amazonas, Par, Amap, Tocantins).
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Para alcanar os objetivos das novas polticas, trs elementos bsicos foram
acionados:
a) O governo militar concede incentivos fiscais28 para vrias atividades, das
quais as mais destacadas eram a explorao madeireira (sem a obrigao de
reflorestar); a pecuria, mesmo em zonas de floresta densa, que era queimada ou
derrubada para dar lugar aos pastos; e a siderurgia (que veio desenvolver-se a partir
de meados dos anos 80);
b) A legislao federal modificada para atender s pretenses do governo
militar para a regio e os estados seguiram o Governo Federal, alterando igualmente
suas leis;
c) O governo comea a vender as terras pblicas para grupos econmicos em
lotes de grande extenso, no importando quem estivesse dentro dela.
As consequncias dessas estratgias logo apareceram. Dentre elas destacam-se:
a) A terra era vendida com seus antigos moradores vivendo dentro delas;
assim sendo, duas alternativas ocorriam: ou o morador migrava para a cidade, onde
passava a viver nas periferias pobres; ou resistia expulso e entrava em conflito com
o novo dono.
b) Os conflitos de terra comeam a acontecer nos anos 70 e proliferam nos
anos 80. De incio eles se limitavam s terras por onde passavam ou passariam (no
futuro) as estradas; posteriormente eles se disseminam por centenas de lugares,
envolvendo colonos, ndios, quilombolas, garimpeiros, proprietrios, religiosos, lderes
rurais, etc.; da segunda metade dos anos 70 ao final dos anos 80 a Amaznia um
palco permanente de conflitos;
c) As populaes expulsas do campo pela venda das terras em que habitavam
comeam a deslocar-se para as cidades, formando enormes e numerosas periferias
urbanas empobrecidas;
d) Os direitos humanos das populaes urbanas, mas principalmente das
populaes rurais, eram constantemente violados, sem que o Estado brasileiro se
manifestasse em seu favor.
28Incentivos fiscais entende-se por incentivos fiscais a reduo, iseno (dispensa) de pagamento de impostos para que a empresa invista em novos empreendimentos o valor que deveria pagar como imposto. Pela lei 5.174/66 as empresas poderiam ter at 100% de dispensa do Imposto de Renda, do Imposto Sobre Exportao de produtos regionais, bem como sobre o Imposto de Importao de mquinas e equipamentos. Para mais esclarecimentos, ver: Loureiro (1992).
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e) Inicia-se o chamado ciclo das estradas (abrem-se as rodovias
Transamaznica, Braslia-Acre, Manaus-Boa Vista, alm de outras). Vrios motivos
nortearam as novas polticas:
e.1 A inteno de integrar a regio ao resto do Brasil e, dessa forma, aproveitar
suas riquezas para pagar dvidas contradas pelo Governo Federal;
e.2 Trazer nordestinos que clamavam por uma reforma agrria no Nordeste e
assim resolver graves problemas sociais ligados luta pela terra naquela regio;
e.3 Desenvolver a regio e tir-la do atraso, trazendo para ela novos e
grandes capitais.
E por onde as estradas passavam, as terras iam sendo vendidas ou griladas e
revendidas. Os novos donos, legais ou ilegais (grileiros) iam expulsando as populaes
naturais (caboclos, ribeirinhos em geral, enfim, aqueles que eram os legtimos donos
das terras, embora sem disporem de um ttulo de propriedade, j que a terra era
pblica); ou as desocupavam, mesmo matando ndios que resistiam passagem das
estradas em suas terras.
Dessa forma, a nova poltica aumentou a concentrao de renda, j que somente
os grandes empresrios eram beneficiados. Em contrapartida, ndios, negros de
quilombos, caboclos, ribeirinhos em geral, eram considerados como obstculos ao
progresso. Suas formas de vida eram julgadas incompatveis com a modernidade que
a ditadura militar pretendia implantar na regio. E para isso, era preciso livrar-se
desses povos que o Estado e as elites consideravam como atrasados, de cultura
inferior, improdutivos, enfim, como brasileiros inferiores aos demais; da serem
escorraados para as periferias urbanas. preciso frisar que esses investimentos dos
empresrios eram feitos custa de recursos pblicos, que poderiam ter sido utilizados
em benefcio da sociedade em geral. Todas as vantagens foram dirigidas
especificamente para os grandes grupos econmicos; os trabalhadores da regio e os
pequenos empresrios foram excludos dos benefcios criados.
f) Expande-se a pecuria e a produo madeireira e com elas o
desmatamento. Muitos dos males de hoje tm origem no perodo autoritrio. As
atividades produtivas priorizadas pelas polticas pblicas desse perodo - extrao
madeireira, pecuria e minrios , implicavam em desmatamento e baixa gerao de
emprego29: uma condio para o proprietrio receber recursos do governo era ter
29 Estima-se que para cada 5.000 hectares de pastos formados (como a maioria se situa perto de estradas) eram expulsos dezenas de famlias de pequenos produtores, ribeirinhos, extrativistas e
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trabalho incorporado terra, ou seja, uma extensa rea de mata queimada ou desmatada
para formar pastos ou desmatada para exportar madeira. E assim, sem qualquer
respeito natureza, cresceu a produo madeireira. At 1960, a Amaznia respondia
com apenas 0,3% de toda a exportao nacional de madeira. Atualmente, s o Par
passou a responder com uma mdia anual de 28% da produo nacional. No incio do
processo de ocupao da Amaznia no havia qualquer restrio extrao de
madeiras (seja em encosta de montes, nascentes e margens de rios, terras pblicas,
terras indgenas ou outras situaes) e sem a obrigao de reflorestar, at mesmo
porque a floresta representava um dos smbolos do atraso da regio; face a isto,
devia ser substituda por plantaes que o Governo Federal e as elites nacionais e
regionais consideravam racionais, isto , sob a forma de monocultura; sem levar em
considerao que a natureza poderia ser aproveitada de uma forma mais proveitosa,
ao invs de ser queimada.
Difundiu-se a concepo de que o extrativismo era uma atividade arcaica,
primitiva, devendo ser ultrapassado, ao invs de ser aprimorado, intensificando-se o
plantio de rvores de alto valor comercial e fazendo-se o abate orientado de rvores
adultas. E, finalmente, os planejadores e os governos no estimularam a produo de
bens finais na prpria regio (mveis, tacos, portas, etc.). Exportava-se a madeira em
toras ou pranchas, modo que obtm um baixo valor comercial e gera reduzidos
empregos.
A desvalorizao da floresta e do extrativismo provocou a banalizao das
queimadas e criou um vcio difcil de mudar, posteriormente. Quando, a partir dos
anos 90, as queimadas e o desmatamento comearam a ser combatidos, iniciou-se a
prtica das fraudes na venda de papis autorizando o desmatamento de reas onde,
supostamente, estaria ocorrendo algum manejo florestal30; a fraude estendeu-se
venda de guias autorizando o transporte de produtos florestais para fora da regio.
Outro aspecto importante a considerar que o total de reas autorizadas para
desmatamento pelo IBAMA, por si s, j atinge uma grande extenso. Mesmo assim,
desmatamentos em terras pblicas, inclusive indgenas, em reas de preservao
outros produtores descapitalizados e moradores das margens das estradas, que estivessem ocupadas em atividades tradicionais pouco rentveis. No caso da atividade extrativa madeireira, o trabalho sazonal (suspenso durante seis meses por causa das chuvas e do estado das estradas de terra) e os empregos so, de fato, subempregos, j que a maior parte da atividade clandestina. 30 O manejo florestal impe o corte de rvores adultas e o replantio de mudas para substitu-las. feito dentro de um espao autorizado e fiscalizado pelo rgo responsvel.
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ambiental, ou de pequenos produtores familiares e em terras privadas so frequentes
(NEPSTAD et al., 2000). As reas autorizadas pelo IBAMA para desmatamento
correspondem, em geral, a menos de 5% da rea que realmente desmatada, o que
significa que o desmatamento, em 95% das reas, caracteriza-se pela ilegalidade.
g) A terra torna-se veculo para obteno de recursos do governo ou para
revenda, e estimula a fraude cartorial com vistas grilagem. Como os possuidores de
terra obtinham facilmente incentivos fiscais, a corrida por grandes lotes estimulou a
grilagem, que se tornou frequente e persiste at os dias atuais. Face ao caos fundirio
gerado em todos os estados da Amaznia desde ento, mais de uma CPI - Comisso
Parlamentar de Inqurito federal ou estadual foi instalada, sem uma soluo para o
problema. A multiplicao de ttulos de terra falsos sobre uma mesma terra tornou-se
incontrolvel. No caso do Par, o Tribunal de Justia do Estado-TJE encontrou
situaes inimaginveis; por exemplo, no municpio de Moju os ttulos de terra
correspondem a 15,9 vezes a real extenso do municpio; no caso de Tucuru a 9,4
vezes; no caso de So Flix do Xingu a 3,4 vezes sua rea total, e assim por diante31.
Nenhum municpio escapou do processo de grilagem32.
e) A Zona Franca de Manaus. Da regio como um todo escapa ao modelo
agroexportador de semielaborados ou de produtos in natura apenas o estado do
Amazonas, graas Zona Franca de Manaus. Sua implantao como rea livre de
importao e exportao foi efetivada atravs do Decreto-lei n 288/1967, com o
objetivo de promover o desenvolvimento do Oeste da Amaznia, atravs da indstria e
do comrcio. Para esse efeito foram concedidas isenes parciais e, em alguns casos,
totais de impostos33. A ZFM deveria durar trinta anos; a Constituio de 1988 ampliou-
seu prazo de vigncia at 2013 e posteriormente o prazo foi estendido novamente at
2023.
A ZFM tem sido objeto de crticas contundentes, seja porque a mesma se apoia
em elementos predominantemente espaciais (PEREIRA, 2005), sem ter em conta as
31 Investigao realizada pela Comisso Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questes Ligadas Grilagem, do Tribunal de Justia do Estado- CMEAQLG, j referida anteriormente. 32 Fonte: Relatrio Preliminar da comisso Permanente de Monitoramento e Assessoramento das Questes Ligadas Grilagem, do Tribunal de Justia do Estado, formada e atuando com base no provimento no. 13/2006 do CJCI-TJE-Pa. 33 A iseno foi concedida para trs impostos - Imposto sobre Produtos Industrializados; Imposto de Importao, quando as mercadorias ou insumos se destinam ao consumo local, s indstrias da regio, ou reestocagem para reexportao; e o Imposto sobre a Circulao de Mercadorias, hoje modificado para o ICMS. Outras vantagens como isenes parciais do estado e municpio tambm foram concedidas.
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potencialidades regionais; seja porque se origina em interesses de grandes
conglomerados internacionais que se aproveitam das vantagens fiscais e outras
oferecidas pelos governos, alm de vrias outras razes igualmente justificadas
(PINTO, 1987). Entretanto, quero discutir aqui ngulos diferentes e pouco abordados
da questo, que dizem respeito aos aspectos positivos da Zona Franca de Manaus.
Destaco, inicialmente, os aspectos econmicos, j que sobre eles que recaem as
maiores crticas.
O primeiro ponto diz respeito ao fato de que as empresas da ZFM no
pagariam impostos. Entretanto, os dados mostram que o Estado do Amazonas
arrecada mais impostos (proporcionalmente ao seu Produto Interno Bruto PIB) do
que outros estados considerados desenvolvidos. Dados do IBGE e da Receita indicam que,
em 2001, a arrecadao de tributos federais no Estado do Amazonas foi de 10,7% do seu PIB,
enquanto que em Minas Gerais foi de 8,72%, no Rio Grande do Sul, foi de 9,87%, em Santa
Catarina, 7,95%, de seus respectivos PIBs34.
Quanto crtica de que as empresas da ZFM gozam de um favorecimento
econmico excepcional, dados do Oramento da Unio/2004 evidenciam que as
isenes de impostos para outras regies so maiores do que aquelas concedidas para a
Regio Norte, sem a contrapartida que a ZFM oferece em termos de gerao de
empregos. Em 1994, do total das renncias fiscais brasileiras, 26,4%, vieram para a Regio
Norte, 49,61% foram para o Sudeste e 10,41% para a Regio Sul. J em 2004, a participao da
Regio Norte diminuiu para 20,05%, as do Sudeste cresceram para 51,52% e as do Sul para
12,97%.
Dados da Secretaria da Receita Federal (SRF) e do Tribunal de Contas da Unio
(TCU) do conta de que os incentivos concedidos Zona Franca de Manaus
representaram, em 2003, apenas 1,77% de toda a carga tributria nacional, enquanto
que os benefcios fiscais dados s empresas
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