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F u n d a m e n t o s d a E d u c a ç ã o I n f a n t i l
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
Reitor Prof. MSc. Pe. José Romualdo Desgaperi
Pró-Reitor de Graduação Prof. MSc. José Leão
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Dr. Pe. Geraldo Caliman
Pró Reitor de Extensão Prof. Dr. Luiz Síveres
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA VIRTUAL
Diretor Geral Prof. Dr. Francisco Villa Ulhôa Botelho
Diretoria de Pós-Graduação e Extensão Prof.ª MSc. Ana Paula Costa e Silva
Diretoria de Graduação Prof.ª MSc. Bernadete Moreira Pessanha Cordeiro
Coordenação de Informática Weslley Rodrigues Sepúlvida
Coordenação de Secretaria Acadêmica e Apoio ao Aluno Karlla Vanessa do Lago Aragão
Coordenação de Pólos e Relacionamento Francisco Roberto Ferreira dos Santos
Coordenação de Produção Edleide Epaminondas de Freitas Alves
Equipe de Produção Técnica
Análise didático-pedagógica
Prof. MSc. José Eduardo Pires Campos Júnior Profa. Dra Leda Gonçalves de Freitas
Prof. MSc. Juarez Moreira Profa. Especialista Ana Brigatti
Edição
Profª. Especialista Cynthia Rosa Márcia Regina de Oliveira
Yara Dias Fortuna
Montagem
Marcelo Rodrigues Gonzaga Anderson Macedo Silva
Bruno Marques Beça da Silva
Conteudista
Maria de Fátima Guerra
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Sumário Fundamentos da Educação Infantil
Sumário Ementa ....................................................................................................................... 6 Objetivos.................................................................................................................... 6 Contextualização ........................................................................................................ 6 Aula 01 - Cenário: a Construção do Conceito de Infância e de Criança ....................... 8
1.1 A Infância e o Sentimento de Infância.........................................................8 1.1.1 ARIÈS - História Social da Criança e da Família..............................................................8 1.1.2. A Criança e Infância ........................................................................................................13 1.1.3. Recortes sobre Infância e Crianças no Brasil...................................................................13
Aula 02 - Os Pioneiros da Educação Infantil Parte I: Platão e Comenius .................. 21 2.1. Introdução ...........................................................................................21 2.2. Platão (428/27 a.C. – 347 a.C) ...............................................................22 2.3. John Amos Comenius (1592-1670) ..........................................................23
Aula 3 – Os Pioneiros da Educação Infantil Parte II: Jean-Jacques Rousseau e Johann Heinrich Pestalozzi ................................................................................................... 27
3.1. Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778) ......................................................27 3.2. Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) ...................................................30
Aula 04 - Os Pioneiros da Educação Parte III : Friederich Fröbel e Maria Montessori35 4.1 Friedrich Fröbel (1782-1852) ..................................................................35 4.2 Maria Montessori (1870-1952) .................................................................38
Aula 05 - Os Pioneiros da Educação Parte IV: Vygotsky ........................................... 42 5.1 Jean Piaget (1896-1980).........................................................................42 5.2 Vygotsky (1896 a 1934) .........................................................................45
Aula 06 - Aspectos Importantes sobre o Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 anos 48 6.1 Os Três “Nascimentos” e o Processo de Desenvolvimento da Pessoa..............48 6.2 Implicações dos Processos de Desenvolvimento e de aprendizagem da Criança para a Educação Infantil. ..............................................................................51 6.3 O Contexto e as Competências do Professor: Conhecimento – Reflexão - Ação 53
Aula 07 - Educação Infantil no Brasil: Aspectos Sociais, Políticos e Educacionais do Atendimento em Creche e Pré-escola ....................................................................... 55
7.1 Introdução ............................................................................................55 7.2 Políticas Públicas para Educação Infantil ....................................................55 7.3 O Ontem e o Hoje: uma Síntese...............................................................59
Aula 08 - Educar e Cuidar no Contexto da Educação Infantil .................................... 63 8.1 Introdução ............................................................................................63 8.2 Cuidar e Educar: Bases Conceituais ..........................................................64 8.3 Cuidar e Educar: Bases Legais, Faces e Interfaces no Cotidiano da Educação Infantil.......................................................................................................65 8.3.1 Constituição da República Federativa do Brasil.........................................66 8.3.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº. 9.394, de 20 de Dezembro de 1996) .....................................................................................67 8.3.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - RESOLUÇÃO CEB Nº. 1, DE 7 DE ABRIL DE 1999......................................................................72 8.3.4 RESOLUÇÃO CNE/CP Nº. 1, DE 15 DE MAIO DE 2006 - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura ......................72
Aula 09 - O Brincar no Contexto da Educação Infantil .............................................. 74
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Sumário Fundamentos da Educação Infantil
9.1 Introdução ............................................................................................74 9.2 Tempos, Espaços e Significações do Brinquedo e das Brincadeiras ................78
Aula 10 - A Qualidade na Educação Infantil .............................................................. 82 10.1 Introdução ..........................................................................................82 10.2 Educação e Qualidade ...........................................................................83 10.3 Qualidade X Quantidade ........................................................................87 10.4 A qualidade na Educação Infantil ............................................................87
10.4.1 Perspectiva de cima para baixo.......................................................................................88 10.4.2 Perspectiva de baixo para cima.......................................................................................88 10.4.3 Perspectiva exterior-interna ao programa .......................................................................89 10.4.4 Perspectiva interna ao programa .....................................................................................90 10.4.5 Perspectiva exterior ao programa ou conclusiva.............................................................90
Referências .............................................................................................................. 92
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Glossário Fundamentos da Educação Infantil
Ementa
Os pioneiros da Educação Infantil. A construção do conceito de infância e de criança – Europa e Brasil. A
criança de 0 a 5 anos. Educação Infantil no Brasil: aspectos sociais, políticos e educacionais do
atendimento em creche e pré-escola. Educar e cuidar no contexto da educação infantil. O brincar no
contexto da educação infantil. A qualidade na educação infantil.
Objetivos
Ao final do estudo desta Unidade você será capaz de:
discutir sobre a construção do conceito de infância e de criança na perspectiva histórico-social;
destacar as contribuições dos principais teóricos pioneiros no estudo da educação infantil;
relacionar os principais aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem das crianças de 0 a 5
anos e a organização do espaço, a seleção de atividades e mediação do professor na educação
infantil;
analisar as implicações dos aspectos sociais, políticos e educacionais do atendimento em creche e
pré-escola no Brasil;
reconhecer a importância do brincar no contexto da educação infantil; e
refletir sobre as questões pertinentes à qualidade da educação infantil.
Contextualização
Hora da Novidade
As crianças se amontoavam perto à professora. Todos queriam ver a novidade. Calmamente ela pediu
que formassem a roda. Sentados, com as pernas cruzadas, como faziam todos os dias, no início da aula,
eles aguardavam a hora de pegar a novidade que estava escondida numa caixa.
- É macio! – um gritava;
- Está molhado! – dizia o outro;
Cada um falava algo ao colocar a mão na caixa e sentir o que era.
Eufóricos, olhinhos brilhantes, surpresos
A novidade era um coelho, que pulou da caixa e entrou na brincadeira.(Bernadete Cordeiro, turma do
Jardim I, outono de 1983)
A cena descrita acima retrata bem um dos momentos vivenciados em uma sala da educação infantil, mas
o que é educação infantil? Quando ela se inicia? Quem é a criança da educação infantil? Que infância
vive? Que significado tem o seu viver? Quais os fundamentos e a função da educação infantil? O que é
uma educação infantil de qualidade? É preciso ter uma formação específica para se trabalhar na educação
infantil? Tem sentido se falar numa Pedagogia da Educação Infantil? O que dizer sobre o currículo para
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Glossário Fundamentos da Educação Infantil
essa etapa da educação básica? A educação infantil é sinônimo de socialização e de brincadeira? Qual
tem sido a história da educação infantil no Brasil?
Espera-se que essas questões possam orientar seus estudos sobre os temas que permeiam a educação
infantil e que compõem esta disciplina.
Bom estudo!
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 01 - Cenário: a Construção do Conceito de Infância e de Criança
Os conceitos de infância e de criança vinculam-se à própria história dos espaços que os adultos e
a sociedade, em geral, têm atribuído a ambos - à infância e às crianças. Então, não se pode falar
numa idéia de infância ou mesmo do sentimento de infância desvinculados da história. Ou seja,
separadas da ação das mulheres e dos homens, ao longo de suas existências, nos diferentes
tempos e espaços. Portanto, uma primeira idéia-chave do tema que você estudará nessa aula é
esta: a infância é, antes de tudo, um fenômeno histórico. Ao longo da existência ela abrigou e
ainda abriga, diferentes crianças - conforme seus contextos histórico-sociais de vida.
Você iniciará seus estudos sobre educação infantil pela análise dos pensamentos de dois autores
sobre a construção social dos conceitos de infância e de criança: ARIÈS e JAVEAU. Após a
análise desses pensamentos, acompanhará, por meio do comentário da obra organizada por
DEL PRIORE e da correlação feita com aspectos atuais, os principais aspectos da relação
existente entre infância e criança.
Elementos importantes do cenário da educação infantil.
1.1 A Infância e o Sentimento de Infância
Nos últimos anos estudos e pesquisas multidisciplinares diversos - principalmente nas áreas da
Antropologia, da História e da Sociologia, têm buscado entender como tem surgido os conceitos de
infância e de criança e o sentimento a eles relacionados.
Nesse conjunto, um dos trabalhos mais comumente referido tem sido o livro História Social da
Criança e da Família, de Philippe Ariès (1981) – que você estudará a seguir a partir da obra comentada
- ainda que haja posicionamentos discordantes em relação às conclusões de suas pesquisas
historiográficas, o autor é uma referência mundial, quando se fala sobre a história social da criança e da
família.
1.1.1 ARIÈS - História Social da Criança e da Família
Você estudará este tema a partir da leitura da obra de Ariès (1981) que traz a sua interpretação
histórica da evolução do moderno “sentimento de infância” ou a construção da percepção da
especificidade da criança – alguém, em essência, diferente do adulto. No seu todo, ele trata da
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
“transformação da criança e de sua família”. É válido ressaltar que uma das principais contribuições
do autor é ter chamado a atenção para um aspecto específico da história até então obscuro e pouco
valorizado: a história da infância. É também relevante o fato de ele ter trazido à tona a idéia da
ocorrência de mudanças na natureza da infância e a polêmica provocada pela sua conclusão sobre a
inexistência do sentido de “infância”, até o período final da Idade Média.
Iniciando o capítulo sobre “a descoberta da infância”, ARIÈS afirma que “até por volta do século XIII a
arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la”. Frente a tal evidência, sua hipótese
é a de que, provavelmente, não havia “lugar para a infância nesse mundo” (ÁRIES, 1981, p.50). Veja o
que ele disse:
“No mundo das fórmulas românticas, e até o final do século XIII, não existem crianças
caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido” (1981, p. 51).
“... os homens dos séculos X-XI não se detinham diante da imagem da infância (...), esta não
tinha para eles interesse nem mesmo realidade”.
“Isso faz pensar também que no domínio da vida real, e não mais apenas no de uma
transposição estética, a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e cuja
lembrança também era logo perdida” (Op.cit., p.52).
Dando continuidade à sua linha de raciocínio, o autor argumenta que, por volta do século XIII, então, é
possível se identificar representações de crianças, mais próximas do sentimento moderno. Nesse
tempo, havia um sentimento religioso forte e este se refletiu na cultura e na arte e, portanto, também
nas representações da criança. Três tipos são identificados pelo autor: 1) o anjo - embora ainda muito
próximo da aparência de um jovem adolescente, mas “longe dos adultos em escala reduzida da miniatura
otoniana”; 2) “o modelo e o ancestral de todas as crianças pequenas da história da arte: o Menino
Jesus ou Nossa Senhora Menina” e 3) a criança nua (surgida só na fase gótica). Segundo o autor, a
representação do Menino Jesus só passa a ser desnuda no final da Idade Média.
O autor mostra a passagem da iconografia religiosa da infância, para a iconografia leiga - nos
séculos XV e XVI. Contudo, para ele, nesse tempo não havia, ainda, uma representação da criança
sozinha. É quando surgem as primeiras “cenas do gênero” e as “pinturas anedóticas” - em substituição às
“representações estáticas de personagens simbólicas” (ARIÈS, 1981, p.55). As representações das
crianças passaram a ocorrer, mais freqüentemente, nas pinturas anedóticas. Ou seja, não era raro se ver
representações de cenas da criança, naquilo que era o seu cotidiano. Ou seja, a criança:
na sua família,
entre companheiros de jogos (muitas vezes adultos),
na multidão, mas devidamente ressaltada no colo da mãe ou segura pela mão, ou mesmo
no meio do povo assistindo aos milagres ou aos martírios, ouvindo prédicas, acompanhando os
ritos litúrgicos, as apresentações ou as circuncisões;
como um aprendiz - de um ourives, de um pintor e outros; e
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
na escola (tema freqüente e antigo, que remontava ao século XIV e que não mais deixaria de
inspirar as cenas de gênero, até o século XIX (Op.cit., p.55).
Continuando, o autor passa a falar no aparecimento do “retrato” da criança, que, segundo ele, só
acontece no século XV. Na mesma época aparece o “putto” – representação de criancinhas nuas.
Segundo ele, nesse tempo era possível se identificar retratos em túmulos. Não o da criança ou de seus
pais, mas o de seus professores. Mais adiante, há referência a registros, já no século XVI, de retratos de
criança mortas e vivas, muitas vezes acompanhadas de pais e irmãos, representadas nos túmulos de
seus pais (ARIÈS, 1981, p. 56-59).
Fonte: Wikipédia
ARIÈS não se esqueceu de algo bem conhecido à época: a mortalidade infantil (comum até o século XIX).
Por causa dela, “O sentimento de que se faziam várias crianças era e permaneceu durante muito tempo
forte” (ARIÈS, 1981, p.56). Tal fragilidade demográfica da criança influiu, segundo ele, para que se
deixasse de considerar a personalidade da criança como tal, e contribuiu para que se tivesse uma
atitude e o sentimento de indiferença em relação às crianças. Em síntese, diria ele: nada mudou!
Nesse período, vê-se a infância vista, ainda, sem a devida importância.
Voltando à representação icnográfica da criança, conforme ARIÈS, é válido perguntar: quando
então surge a representação da “criança sozinha, e por ela mesma”? O que você acha? Isso se
deu no século XVII ou apenas no próximo? Para o autor, tal representação aparece no século
XVII, quando então surgem crianças representadas a sós, ou junto a outras, de sua família.
Segundo o autor, nesse tempo as famílias passaram a se interessar em retratar os seus filhos, desde
crianças. Interesse que se prolongou no século XIX, apesar da presença da fotografia. Portanto, o
sentimento da família não mudou.
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
Fonte: http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br
Na evolução dos temas da primeira infância, o século XVII tem especial importância, pelo fato de os
retratos de crianças sozinhas passarem a ser algo mais numeroso e freqüente entre as famílias. Ademais,
os próprios retratos de famílias, bem mais antigos, tenderam a ser organizados em função da criança -
ela passou a ser o centro na composição desses arranjos fotográficos.
É importante voltar ao surgimento do “putto” para ressaltar que, segundo argumentado pelo autor, o
gosto pelo “putto” relacionava-se ao que, à época, se tinha pela nudez clássica, mas não só. Havia ali
algo mais relevante: a evidência de “… um amplo movimento de interesse a favor da infância
(ARIÈS, 1981, p.63), já que o “putto”, surgido simultaneamente com o retrato da criança, nunca foi a
representação de uma criança real, histórica (nem no século XV nem no XVI). Ainda segundo o autor, o
último episódio da iconografia infantil foi a associação da nudez decorativa do "putto", ao retrato da
criança. Concluindo o seu pensamento, o historiador afirma: “A descoberta da infância começou sem
dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos
séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e
significativos a partir do século XVI e durante o século XVII” (ARIÈS, 1981, p.65).
Fechando essa descrição de ARIÈS sobre o “Sentimento da Infância”, destaco algumas idéias
relevantes presentes na parte conclusiva do livro, como por exemplo, a diferença de tratamento das
crianças, pelas suas famílias, na Idade Média e início dos tempos modernos (e por muito tempo ainda nas
classes populares). Antes, “[…] as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram capazes de
dispensar a ajuda das mães ou das amas, poucos anos depois de um desmame tardio – ou seja,
aproximadamente, aos sete anos de idade” (ARIÈS, 1981, p. 275). Havia assim, naturalmente, o
ingresso da criança “na grande comunidade dos homens”.
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
Com o advento dos tempos modernos, viu-se que a preocupação com a educação, agora não mais da
inteira responsabilidade da família, mas a ser compartilhada com as escolas (que na Idade Média era
mais voltada para os adultos, e não como passou a ser, para as crianças e jovens), mostrava que a
criança precisava de uma preparação para a vida. Isso precisava ser feito “em regime especial” ou
pelas escolas. Em outras palavras: a criança passou a ser percebida como um ser imaturo, a ser
preparado para a vida dos adultos, e a família “… deixou de ser apenas uma instituição de direito
privado para a transmissão dos bens e do nome e assumiu uma função moral e espiritual, passando a
formar os corpos e as almas”. O cuidado dispensado às crianças, diz ARIÈS, “passou a inspirar
sentimentos novos, uma afetividade nova, que a iconografia do século XVII exprimiu com insistência e
gosto: o sentimento moderno da família” (ARIÈS, 1981, p.277).
Segundo o autor, tanto a família como a escola, retiraram a criança da sociedade dos adultos. A primeira
impingiu à infância, outrora livre, um regime disciplinar cada vez mais rigoroso. Uma das conseqüências
disso foi o surgimento do internato – um enclausuramento total, nas palavras do autor, surgido nos
séculos XVIII e XIX (ARIÈS, 1981, p. 278). A privação da liberdade da criança deu-se, também, em razão
da solicitude da família, da igreja, dos moralistas e dos administradores.
Não passou despercebido na obra de ARIÈS algo muito triste em relação à infância e a criança: o uso de
chicote, da prisão, e das correções, que segundo ele, eram “reservadas aos condenados das condições
mais baixas”. No entanto, explica ele que tal rigor antes que resultar de um sentimento de indiferença
em relação à criança - como o que se conheceu anteriormente na história - traduzia um amor obsessivo
que deveria dominar a sociedade a partir do século XVIII.
Em síntese, o surgimento do sentimento da infância ou do conceito de criança, tal como vemos
hoje – considerando a criança como alguém que vive uma fase específica da vida - é uma “invenção”
do final do século XVIII e início do século XIX.
Acompanhando as idéias e os períodos mencionados por ARIÈS, vê-se que na sociedade pré-industrial, de
base predominantemente agrária, não havia uma separação entre crianças e adultos. Elas participavam,
normalmente, das atividades e trabalhos dos adultos de sua família.
Como foi mencionado, há críticas ao trabalho de ARIÈS. Uma delas refere-se ao fato de que na sua
historiografia, apenas crianças burguesas foram consideradas. Outra, diz respeito à sua metodologia
interpretativa. Burton (1989), por exemplo, em artigo intitulado de “Looking Forward from Aries? Pictorial
and Material Evidence for the History of Childhood and Family Life”, questiona a metodologia usada pelo
autor e argumenta que o tema “Idades do Homem” é analisado de forma superficial e, em outros, ele faz
inferências incorretas sobre poucas evidências. A despeito da crítica, esse autor reconhece os “insights
brilhantes” de ARIÈS.
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
1.1.2. A Criança e Infância
O tema desse item deverá ser acompanhado por você a partir da leitura do trabalho de JAVEAU (2005)
intitulado de “Criança, infância(s), crianças: que objetivo dar uma ciência social da infância?”
Nesta leitura você deverá:
Identificar as relações entre o que diz o artigo e o que temos falado até agora sobre a infância e
a criança, e ainda, com o que você tem lido e estudado sobre o tema.
Posicionar-se, criticamente, em relação ao que lê. Por exemplo, você concorda que a “infância” é
um conceito polissêmico, como diz o autor? Isto é, que ele remete a “uma multiplicidade de
dimensões ou campos”? E o que acha da opinião do autor quando diz que se este conceito –
infância, for reduzido ao termo “criança”, entra-se no campo psicológico? Como viu, o termo
“infância” pode referir-se, também, ao campo demográfico ou econômico. E qual a sua opinião
quando ele afirma que ao se falar de “crianças”, entra-se no campo propriamente antropológico
ou socioantropológico? Como viu, para o autor, nessa última dimensão - a socioantropológica,
está “o verdadeiro objeto susceptível de ser abordado pelas ciências sociais, no que diz respeito
às crianças”.
Reconhecer a importância da pesquisa e observar que há métodos próprios para se fazer
pesquisas com crianças. Isso pode exigir do pesquisador, o “tornar-se criança”, para que ele
possa, “reconstituir pela imaginação o universo das culturas infantis”. Já no que se refere ao
momento institucional, social, propriamente dito (correspondendo ao nível de análise
macrossociológico), é importante considerar os fenômenos estruturais e, em especial, aqueles
relativos à dominação que afetam as crianças e as demais pessoas.
1.1.3. Recortes sobre Infância e Crianças no Brasil
Para ajudá-lo na compreensão sobre a história social das crianças no Brasil, você deverá ter como base a
análise do livro organizado por DEL PRIORE (2000): História das Crianças no Brasil. Como observará,
ele traz o tema sob diferentes perspectivas e contextos. Acompanhe os comentários da obra a seguir.
O livro começa com “A história trágico-marítma das crianças” nas embarcações portuguesas do
século XVI”. Em seguida, passa para vários estudos relativos à criança no Brasil quinhentista, no
período entre a Colônia e o Império, abordando, inclusive, as crianças escravas e aquelas dos
escravos. Trata ainda, da relação entre “Criança e criminalidade" no início do século, o que é seguido
por um estudo que se intitula: “Brincando na história”, no qual a autora do texto aborda a brincadeira
entre os índios, com destaque para a natureza - o objeto-brinquedo. Depois, refere-se à fabricação de
brinquedos como o bodoque, à dança como um instrumento do brincar e do educar e, ainda, ao
intercâmbio do brincar havido entre as crianças índias e os filhos de portugueses, nas escolas jesuítas.
Descreve, também, como eram tratadas as crianças escravas, pelos filhos dos portugueses. Em seguida,
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
há considerações sobre as origens culturais das brincadeiras de rodas e das parlendas. O capítulo se
encerra com a consideração da “mercadoria”, como objeto-brinquedo, o que no Brasil passa a
ocorrer, mais fortemente, no final do século XIX, com a instalação das primeiras indústrias, inclusive as
de brinquedos.
O capítulo seguinte refere-se às crianças operárias na cidade de São Paulo, recém industrializada, e
recebendo uma massa de imigrantes - início dos anos de 1900. Conforme destacado, muitas crianças e
adolescentes foram vítimas de acidentes de trabalho, seja pelo exercício de funções impróprias para a
sua idade, seja pela precariedade das instalações dos estabelecimentos industriais onde trabalhavam.
Isto é, não só desempenhavam elas aquilo que não era adequado para a sua condição de criança, como o
fazia, em condições deploráveis. Essas crianças, portanto, tiveram roubadas as suas infâncias. Mas será
que essa é uma realidade apenas daquela época? O que ocorre no Brasil de hoje – temos ou não crianças
trabalhando? Sabemos que sim, mas pergunto: como se configura essa realidade?
1.1.3.1. O Trabalho Infantil no Brasil
Pode-se dizer que hoje não há, no Brasil, de modo aberto, crianças trabalhando nas fábricas ou
indústrias. Contudo, não podemos afirmar que hoje, em pleno século XXI, inexiste o trabalho infantil em
nosso país, não é verdade? Vejamos, ainda que sinteticamente, o que dizem os dados oficiais:
RECORTE: TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: Questões e Políticas
“A literatura sobre os determinantes da participação de crianças na força de trabalho indica cinco
evidências principais: I) a participação das crianças na força de trabalho – entendida como a proporção
de menores de uma certa idade que estão ocupados ou procurando trabalho em relação ao total das
crianças daquela mesma faixa etária – cresce com a idade e é maior entre os meninos do que entre as
meninas; II) essa participação é maior entre aqueles de cor negra ou parda; III) a participação das
crianças decresce com o nível de renda das famílias onde estão inseridas; IV) a taxa de participação de
menores é mais elevada na área rural do que na urbana; V) finalmente, no caso do Brasil urbano-
metropolitano, as taxas de participação são mais elevadas no Sul e no Sudeste do que no Norte e no
Nordeste.
Esses são fatos evidenciados pelas taxas de participação de menores na força de trabalho, distribuídos
por idade, sexo, cor, domicílio rural/urbano e nível de renda. Convém, todavia, fazer uma descrição mais
ampla das características do trabalho infantil. A análise será feita, separadamente, para os grupos etários
dos 5 aos 9 anos e dos 10 aos 14 anos. Os dados, processados pela Fundação Instituto de Geografia e
Estatística (IBGE), têm origem na Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD), que, convém
advertir, não contempla a área rural da região Norte”.
Fonte: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN1.HTM
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
Diante desse quadro, o que é ser criança e que tipo de infância existe no universo dessas crianças
trabalhadoras? Por certo, isto em muito se diferencia quando se tem crianças que trabalham e as que não
precisam trabalhar, ao longo da infância. Veja que os meninos, mais que as meninas, enfrentam isso
desde cedo. Veja que essa participação é ainda maior entre crianças de cor negra ou parda. E, como já
se sabe – “a participação das crianças decresce com o nível de renda das famílias onde estão inseridas”.
Isso é mais uma evidência de como não se pode compreender o universo das crianças sem que se
entenda a sua ecologia mais imediata e fundamental: a familiar. E claro, isso varia se as famílias moram
em área rural ou urbana; se falamos do Brasil urbano-metropolitano, ou das suas diferentes regiões
geográficas.
Você tem uma idéia de como se configura o quadro real do trabalho infantil no Brasil de hoje?
Para ajudá-lo nesse conhecimento veja, a seguir, alguns dados oficiais:
Recorte: Trabalho Infantil no Brasil I- Grupo dos 5 aos 9 anos
Os dados da PNAD de 1995 indicam que 3,6% (581,3 mil) das crianças entre 5 e 9 anos de idade
estavam trabalhando, naquela época, com uma jornada média semanal de 16,2 horas (Gráfico 1)
Leio o texto na íntegra: Trabalho Ifantil no Brasil: Questões e Políticas
A maior parte desse trabalho (79,2%) ocorre em ocupações típicas da agricultura, especialmente na
pequena produção familiar (Tabela A1). Assim, 63,2% das crianças estavam ocupadas, naquele setor,
como trabalhadores por conta própria (Tabela A2). Consistentemente, 75% das crianças que trabalham,
nessa faixa etária, têm o chefe de família ocupado em atividades agrícolas (Tabela A3). Vale salientar
que 61% dos chefes de família onde há registro de trabalho infantil são autônomos, e a sua maior parte
está envolvida naquela atividade (Tabela A4). Ainda nessa faixa etária, 51,7% dos que trabalhavam
residiam nos estados do Nordeste, a maioria desenvolvendo atividades vinculadas à agricultura familiar
(Gráfico 2).
Em se tratando de trabalho infantil, é preciso lembrar o leque que isso significa – inclui desde as crianças
que trabalham no lixão das metrópoles, até aquelas que estão envolvidas em outras atividades que nem
sempre constam das estatísticas oficiais tais como: as que se arriscam, diariamente cortando cana,
quebrando pedras, produzindo carvão, e tantas outras. Imagine, agora, como é o universo dessas
crianças que trabalham, na faixa etária entre 5 e 9 anos. Como serão as relações que mantêm com os
pais e vice-versa? Como será o processo de construção de suas subjetividades? O que pensam sobre si?
Que necessidades e sonhos têm? Que espaços têm para a brincadeira? Do que brincam, já que o “faz de
conta” para aprender sobre a vida adulta já é uma realidade do seu cotidiano? Enfim, nesse contexto,
tente responder: o que é ser criança, e de que infância se pode falar nesse caso.
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
Recorte: O Trabalho Infantil no Brasil II
Para saber mais sobre o trabalho infantil no Brasil, é importante buscar uma literatura mais
especializada. Um panorama geral desse sério problema brasileiro você encontra no artigo: O Trabalho
Infantil no Brasil (SCHWARTZMAN, S; SCHWARTZMAN, F.F, 2004). Conforme explicam os autores: “Na
primeira parte deste texto, apresentamos os dados gerais da evolução do trabalho infantil no Brasil entre
1992 e 2002. Na segunda parte, examinamos os determinantes e condicionantes mais gerais deste
trabalho, em função das características dos pais e outras variáveis. Na terceira parte, tratamos de
entender melhor em que consiste este trabalho – em que setores ele se dá, as horas trabalhadas, a
renda auferida e outras informações. Na quarta parte, examinamos mais em profundidade as relações
entre trabalho e estudo. Finalmente, em três anexos, apresentamos em mais detalhe a situação do
trabalho de crianças de 5 a 9 anos de idade, a de meninas ocupadas em trabalho doméstico, e um
exercício de análise de regressão sobre os condicionantes do trabalho infantil e da ausência à escola”.
No bojo do trabalho infantil há algo que não pode ser esquecido nem muito menos aceito: a prostituição
infantil ou a exploração sexual infantil, presente em todos os estados brasileiros. Como sabe, não é difícil
ver evidências de sua existência, principalmente em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, bem como
nas cidades litorâneas. Isso, contudo, não significa a sua inexistência nas demais cidades, ou ao longo
das rodovias federais, onde a rede de prostituição infantil se faz presente de modo muito intenso. Ela
existe, igualmente, na área do turismo, sob um termo geral – o turismo sexual infantil, que é, muitas
vezes, apoiado por setores turísticos com vistas a uma maior lucratividade. Ficam as perguntas: nesse
universo de infâncias perdidas, o que dizer sobre todas e cada uma dessas crianças? Como vivem essas
crianças exploradas sexualmente? Que imagem e conceitos têm de si mesmas? Que saúde têm? Que
crenças e expectativas têm sobre o próprio futuro?
Depois desses recortes no qual você observou dois tipos perversos de cotidianos impostos para muitas
crianças brasileiras, retomo às considerações que fazia sobre a obra organizada por DEL PRIORE (2000),
retomando-a no capítulo que se segue ao último do qual falei. Este, coincidentemente, se intitula de:
“Meninas Perdidas”. O capítulo analisa, de forma consistente, as condições das meninas-mulheres
frente à prática sexual antes do casamento, resultado, em grande parte, de defloramentos involuntários.
Nele são considerados padrões de honestidade e de moralidade existentes no Brasil da segunda metade
do século XIX, à luz da então política jurídica e médica.
Conforme ali lembrado, o país vivia, desde 1850, uma fase de transição do trabalho escravo para o
trabalho livre, que culminou com a Abolição da Escravatura, em 1888. Esta trouxe a necessidade de um
novo ordenamento e controle social, para uma sociedade livre da escravidão de homens, de mulheres e
de crianças. Percebe que, esse caso ilustra bem como é estreito o vínculo entre os conceitos de criança e
de infância, e a dinâmica da estrutura e dos fenômenos sociais? O Brasil pós Lei Áurea, tinha todos os
motivos para ver as crianças de ex-escravos e as crianças ex-escravas, sob um novo olhar e, portanto,
sob um novo conceito de criança, e de um arranjo diferenciado para a vivência da infância, não é
mesmo?
17
Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
O capítulo seguinte é bem peculiar. Sua construção se embasa em memórias, e se intitula: “Memórias
da Infância da Amazônia”. As narrativas nele contidas referem-se ao Brasil das primeiras décadas do
século XX, e, em especial àquele bem ao norte: a Amazônia. As narrativas mostram bem como a infância
fica, sim, na memória dos adultos. Disso nos falou bem Cecília Meireles, em uma de suas entrevistas:
"Não sem propósito se diz que cada adulto carrega em si, uma criança. Pelo menos a que foi
outrora. É uma verdade. Ainda que seus registros nem sempre correspondam às “verdades”
dos fatos, no olhar dos adultos de sua época, para as pessoas que, quando adultas ou já
idosas, narram as suas lembranças infantis, aquilo do que se lembram e como lembram, é o
que vale. Inspirada em Cicília Meireles complemento: é o que viram, ouviram, tocaram e
sentiram. Não fosse assim, seus registros seriam outros."
A leitura desse capítulo permite, portanto, ainda que de modo indireto, se fazer uma segunda leitura: a
do universo infantil. Isto é, o que viam e sentiam as crianças, que espaço ocupavam no seio das
famílias e como deveriam se portar entre os adultos. Ao ler esse trabalho verá as muitas diferenças entre
aquelas crianças, e as de hoje. Por exemplo, o fato de uma delas, cuja infância se deu na década de
1910, não conseguir conceber sua vida sem que esta se entrelaçasse com a de seus familiares; sem que
a sua casa fosse vista senão como uma “espécie de porto seguro”. Isso se deu numa época de famílias
numerosas e de casas sempre cheias de gente, a começar pelos inúmeros serviçais. Conforme relatado,
para a criança, a casa era tanto um local de aconchego, como “o verdadeiro centro e o começo do mapa
do mundo” (FIGUEIREDO, 2000 p. 320).
Nesse capítulo, o encontro com o passado, que se fez presente, deixou ver como alguns espaços valiosos
foram perdidos pelas crianças e suas famílias, com o passar do tempo e com as mudanças na sociedade
brasileira – fenômeno também vivido por outros países. Por exemplo, o espaço do fundo do quintal, os
espaços da rua onde se morava, e de suas adjacências mais imediata: todo o quarteirão. Eram espaços
estabelecidos como fronteiras físicas para as crianças, por certo, mas nunca áreas fronteiriças na fértil
imaginação infantil. Eram, essencialmente, espaços de relações e espaços livres para as brincadeiras.
Não se tinha tantos carros. Nas famílias das vizinhanças habitavam os pais e mães de todas as crianças –
todas eram filhos de todos.
Perdeu-se, igualmente, a idéia de o tempo da infância ser um “tempo de conversa”. O novo tempo que
chegava e a mudança dos hábitos das famílias arrastaram também consigo, uma instituição cultural
muito forte outrora: a conversa na calçada entre os familiares e vizinhos. Um verdadeiro ritual
noturno, que ocorreria após o jantar e que começava, literalmente, com as pessoas levando as suas
cadeiras para a roda de conversa na calçada. Um espaço de socialização das crianças, bem como um
lugar próprio para se maravilharem com os casos e as histórias contadas. Sendo a Amazônia o cenário,
seus temas envolviam: o rio, a floresta, e ainda, as onças, as serpentes e outros elementos da região.
No espaço entre a casa e a rua as crianças construíam os seus laços de sociabilidade. As relações se
ampliavam nos contatos com as pessoas da vizinhança. Os vizinhos de parede ou de porta, os vizinhos
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
dos fundos ou os vizinhos de quintal, e assim todos eram considerados vizinhos – bastava residir no
mesmo quarteirão. Nas narrativas há algo bem peculiar: o uso que os adultos faziam das crianças,
quando queriam mandar pequenos recados ou pedir algo aos vizinhos como, por exemplo, “... um pires
de pó de café”, e, também, mandar algo como fruta ou outra coisa, e já se esperava que a vasilha de ida
voltasse com alguma coisa.
Vê-se nas narrativas, que as crianças eram elos importantes entre as casas. Faziam mediações naquele
espaço delas e de todos. E assim, eram desenvolvidas as relações de amizades – dos pais com os outros
vizinhos, e das crianças com os adultos e com os seus pares. Cada grupo tecendo, à sua forma, os
modos de convivência e apreço. Surgindo inimizades entre os adultos – os pais das crianças, isso não
interferia na amizade das crianças com eles, e vice-versa. Do mesmo modo, os adultos não se metiam
nas brigas ou querelas existentes entre as crianças e, também, não brigavam uns com os outros por
causa disso.
1.1.3.2. Os Três Capítulos Finais
O primeiro deles versa sobre a relação entre as crianças carentes e as políticas públicas. O segundo, fala
sobre um tema aqui já referido: o trabalho infantil - “Pequenos trabalhadores do Brasil”. O capítulo
mostra que o problema não é novo em nosso país. O último capítulo trata do mesmo tema, mas aborda,
de forma conjunta, as crianças e os adolescentes, no cenário dos canaviais de Pernambuco. Lendo o
primeiro desses três capítulos, você entenderá melhor a história das políticas públicas brasileiras,
principalmente no que diz respeito à tendência para uma visão bastante preconceituosa em relação às
crianças filhas, vítimas e marcadas pela pobreza. Embora haja nele menções a coisas mais recentes,
como o Estatuto da Criança e do Adolescente, seu foco está nas condições das crianças pobres e de suas
famílias, do final do império e do início da República.
Conforme esclarece a autora, para muitas crianças e jovens brasileiros, esse início de século foi um
tempo de muitas crueldades. Em sua luta pela sobrevivência, muitos pais acabaram por abandonarem os
filhos – crianças e adolescentes, muitos dos quais passaram a ser vistos e tratados como delinqüentes ou
criminosos. Era preciso uma mudança na atenção dada às crianças – do filantrópico, para um
atendimento social assumido e regulado pelo estado. Assim, começaram a surgir as políticas sociais
voltadas para as crianças e os adolescentes, resultantes, em grande medida, da pressão dos imigrantes
que percebiam a condição de semi-escravatura – deles e dos seus filhos aqui no Brasil. Por isso, muitos
regressaram aos seus países.
Continuando, o capítulo mostra o surgimento da legislação específica voltada para as crianças e os
adolescentes – desde o decreto de 1891, que proibia o trabalho de crianças em máquinas de movimento
e em faxina, até à legislação mais recente, já na esteira da defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes. É, pois, um capítulo que não pode deixar de ser lido com cuidado, principalmente se quiser
entender a gênese, e boa parte da trajetória das políticas sociais públicas brasileiras, voltadas para as
crianças e jovens. Antes de passar para o próximo capítulo, refaço as perguntas de antes: No contexto da
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
gênese das políticas sociais públicas do início do século passado, de que criança se fala? Que infância
tiveram? Que infância mereciam ter? Por que isso não ocorreu?
O penúltimo capítulo trata da exploração da mão de obra infantil. Dessa vez apenas para anunciar a
lógica da sua construção, ou seja: que foi elaborado em torno das seguintes perguntas: Por que as
crianças trabalham? O trabalho poderia ser visto como uma solução para o chamado “problema do
menor”? A criança quer trabalhar? O que pensam as famílias sobre o trabalho de suas crianças? O
trabalho infantil deve ser extinto? O tema começa a ser trabalhado a partir do contexto do Brasil do final
do século XVIII e início do século XX. Nesse último, são enfocadas as décadas de 1920 e 1930, e se
avança para a visão atual desse sério problema social nosso.
De que criança falamos quando nos referimos às crianças que trabalham no Brasil? O que são,
por exemplo, as suas características e necessidades? Que tipo de infância elas têm? Que conceito
de infância e de criança podemos ter, frente a tudo isso? E mais: quando essas crianças têm a
oportunidade de algum modo chegarem à escola, ela está preparada para recebê-las e entendê-
las em suas histórias de vida, e ajudá-las a criar uma nova história delas mesmas?
A dura realidade das crianças e dos adolescentes nos Canaviais pernambucanos é o objeto desse
capítulo, que fecha a obra aqui considerada. Nesse último capítulo as autoras trazem um pouco da
história do trabalho infantil no Brasil, desde 1891. Em seguida, mostram a existência, ainda nos anos de
1990, de resquícios do tempo da escravidão, passando a tratar, com muita propriedade, do que
intitularam de “oportunidades perdidas”, notadamente naquilo que se refere à falta de oportunidades
educacionais para a criança do meio rural. Esse fato produziu, e continua a produzir um outro: o do
analfabetismo entre jovens e adultos, entre outros.
O organizado por Del Priori traz os problemas e realidades complexas em relação à história da criança e,
em conseqüência, da infância brasileira. Contudo, se pensar com mais cuidado verá que existem temas
nele não incluídos. Tal é o caso, por exemplo, da exploração sexual infantil.
Para finalizar esta aula, é interessante que leia a concepção de criança que consta no
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (Brasil, MEC, 1998)
A concepção de criança é uma noção historicamente construída e,
conseqüentemente, vem mudando ao longo dos tempos, não se apresentando
de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e
época. Assim é possível que, por exemplo, em uma mesma cidade existam
diferentes maneiras de se considerar as crianças pequenas dependendo da
classe social a qual pertencem, do grupo étnico do qual fazem parte” (Brasil.
MEC, 1998, Vol. 1 p.21).
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Aula 01 Fundamentos da Educação Infantil
Diferentes crianças vivem diferentes infâncias. Tudo depende dos contextos onde vivem e, em
especial, das condições gerais de vida e trabalho dos seus pais, já que deles dependem para viver.
De um modo mais amplo, a qualidade de vida da criança, numa dada sociedade, vai depender da
forma como essa sociedade enxerga, considera e trata a sua infância. É por isso que a educação
da criança não é um assunto só da família, nem só da escola ou da “ação complementar”, entre
ambas, nem também do governo, mas da sociedade como um todo.
“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.
(Provérbio africano)
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Aula 02 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 02 - Os Pioneiros da Educação Infantil Parte I: Platão e Comenius
Nas quatro aulas a seguir, você estudará sobre os pioneiros da Educação Infantil. Eles foram os
precursores da construção das bases ou dos fundamentos da educação infantil, como se conhece
e a entende hoje – no mundo e no Brasil.
Nesta aula, especificamente, você estudará as idéias de Platão e Comenius.
2.1. Introdução
No mundo e no Brasil, a educação infantil tem uma história de lutas para ser reconhecida e respeitada
como merece. Essas batalhas integram a própria história da valorização e do reconhecimento da infância
e da criança. Toda essa história contribuiu para que hoje se reconheça a importância e se valorize mais a
educação da criança, em especial aquelas que estão nas creches e pré-escolas.
Hoje, quando se fala em educação infantil sabe-se que se faz referência à educação da criança pequena,
embora nem sempre se conheça, em detalhes, aspectos relevantes dessa educação tais como:
a necessária ação de complementaridade família-escola;
a indissociabilidade entre o cuidar e o educar;
a importância de se considerar as características e as necessidades da criança;
os fundamentos e a função mais específica da educação infantil;
a relevância da formação específica para o profissional da educação infantil;
a divisão formal da educação infantil em “creche” e “pré-escola”;
a função das brincadeiras no contexto dessa educação;
as mudanças advindas com a Lei nº. 11.274, de 2006 (que regulamentou o ensino fundamental
de 9 anos, determinando que a educação escolar formal comece aos seis anos); ou
as contribuições, para a área de educação infantil, de filósofos, de educadores e de teóricos como
Maria Montessori, Rousseau, Fröbel, Pestalozzi, Piaget, Vygotsky, e tantos outros. Isso, contudo,
não as impede de saber que a educação infantil trata da educação destinada às crianças
pequenas.
A associação direta que se faz entre os termos “educação infantil” e a “educação da criança” - no período
mais inicial de suas vidas, nem sempre existiu. Os motivos disso? A começar pela não valorização da
infância e do ser “criança”, ao longo da história. Se hoje se argumenta a favor da necessidade de uma
pedagogia da educação infantil, que respeite a criança em seus contextos, em suas especificidades,
características e necessidades próprias, isso nem sempre foi assim, conforme veremos mais adiante,
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Aula 02 Fundamentos da Educação Infantil
nesta disciplina. Há razões outras para isso, relativas a fatores históricos e aqueles de natureza mais
política, econômico-social e cultural.
Hoje, mais do que antes, entende-se que a educação infantil resulta de processos sociais amplos que
inclui, entre outros, aspectos históricos e culturais de um povo. Resulta, ainda, do movimento das idéias
em geral, e em especial, de filósofos e educadores, que em seus tempos e contextos de vida, e em suas
formas de existência, chamaram a atenção sobre a necessidade e relevância da educação da criança.
Essas pessoas, em geral, estiveram à frente de seu tempo, inovando e criando novas concepções sobre a
infância e a criança, bem como sobre as suas necessidades educativas, muitas das quais se mantêm
atual, como você estudará ao longo das três primeiras aulas.
Perceba que todo esse movimento em relação à valorização da infância e da criança integra um
movimento mais amplo: o da luta pelos direitos humanos, cuja gênese se encontra nos primórdios da
idade moderna, em especial, nas idéias dos filósofos racionalistas dos séculos XVII e XVIII. Então, tem-se
hoje a clareza de que todas as crianças têm o direito a ter acesso a uma educação pública de qualidade.
E mais: de que todas as pessoas têm o direito a ter acesso a uma educação continuada, ao longo da
vida. Então, falar sobre infância e criança e, em especial, sobre a educação da criança é, igualmente,
falar sobre a construção da sua cidadania.
2.2. Platão (428/27 a.C. – 347 a.C)
Quando é possível identificar as referências mais formais à educação da criança? Ou ainda, à
infância e à sua educação?
Num tempo e contexto bem remoto: entre os filósofos gregos.
Veja um dos seus representantes mais ilustre.
Em trabalho sobre “Infância e educação em Platão”, Kohan (2003),
contextualiza bem esse início, mostrando que, quase por
unanimidade, os filósofos gregos do período clássico ressaltaram a
importância da educação, como um todo.
Segundo o autor, ainda que à época não existisse bem delineado
um conceito de infância, “Platão deu forma a um retrato específico
da infância”, ainda que “à sua maneira, de forma explícita ou
implícita, (...) com alusões diretas ou metafóricas” (KOHAN, 2003,
p. 13). Isso se deu de modo indireto, já que o foco do filósofo era resolver um problema objetivo:
“entender, enfrentar e reverter a degradação de Atenas de seu tempo” (KOHAN, 2003, p. 13).
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Aula 02 Fundamentos da Educação Infantil
Segundo argumentado por esse autor há, na visão platônica da infância e da sua educação, uma forte
intencionalidade política. Isto é: para ele, as qualidades que deveriam existir numa polis, deveriam estar
presentes em seus indivíduos. Nesse aspecto, pode-se identificar uma das raízes e uma aproximação de
um pensamento muito aceito hoje em dia: o da essencialidade da educação da infância, e a sua
importância na construção da criança e da sua cidadania, na perspectiva dela tornar-se,
progressivamente, um membro atuante na sociedade onde vive.
Hora da Novidade – A República
Uma das obras mais conhecidas de Platão é a República. Nessa obra organizada em livros (de I a X),
Platão descreve um diálogo no qual Sócrates explora tanto a natureza da justiça quanto a da injustiça.
Em 2000, esse livro foi editado, na íntegra, em formato de bolso, na língua portuguesa, pela editora
Martin Claret de São Paulo, como parte da “Coleção a Obra Prima de Cada Autor”. Outra referência que o
ajudará a conhecer melhor Platão e suas idéias é: “Platão”, da coleção - Os Pensadores. Foi lançado pela
Editora Victor Civita, de São SP, em 1983 (2ª edição).
De Platão a Comenius. Demos um salto no tempo.
A seguir, você estudará algumas das contribuições do pensamento de filósofos e educadores de
épocas mais recentes – a partir do século XVI.
2.3. John Amos Comenius (1592-1670)
“A educação dos homens deve começar na primavera da vida, isto é, na meninice (pois a meninice é o
equivalente da primavera, a juventude do verão, a idade adulta do outono e a velhice do inverno)”.
Comenius
Nascido na Moravia, (então província da Czechoslovakia), em 1592,
Comenius foi um homem à frente do seu tempo. Tornou-se bispo da sua
religião – a fé Moravia. Dedicou-se à sua igreja, ao ensino e aos seus
escritos, principalmente textos didáticos, destinados a crianças e jovens.
A sua produção é vasta, no entanto, as suas obras mais conhecidas são:
“Escola da Infância” (1628), “Orbis Pictus” - O Mundo em Gravuras,
considerado o primeiro livro ilustrado para as crianças, e a mais
conhecida no Brasil: - a “Didáctica Magna: tratado da arte universal de
ensinar tudo a todos”. Comenius é hoje considerado o “pai da pedagogia
moderna”.
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Aula 02 Fundamentos da Educação Infantil
Hora da Novidade
Orbis Pictus (ou Orbis Sensualium Pictus, o mundo de coisas óbvias para o
sentido desenhado em gravuras) é considerado o primeiro livro ilustrado para a
criança. Dada à formação de seu autor, ele traz “verdades morais” consideradas
relevantes para a educação. Perceba que nesse tempo, não havia livros
destinados às crianças. Tal fato só vem a ocorrer na Europa por volta de 1800.
Contudo, o foco não era o prazer ou o despertar o gosto pelas leituras, mas a transmissão de lições
diversas para as crianças. Literatura para criança, com o cunho mais prazeroso, só veio a surgir por volta
de 1850. O livro clássico – “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Caroll, data de 1865.
Se quiser ver algumas das ilustrações pesquise no “Google livros” escrevendo como palavra-chave: Orbis
Pictus
Fonte da ilustração: http://faculty.ed.uiuc.edu/westbury/JCS/Vol33/MENCKFIG7.JPG
Segundo Cambi (1999), a base da concepção pedagógica de Comenius é seu profundo ideal religioso.
Para ele, o homem e a natureza são “manifestações de um preciso desígnio divino”, e “Deus está no
centro do mundo e da própria vida do homem” (CAMBI, 1999, p.286). A partir disso o autor mostra que:
os projetos de reforma da sociedade e da escola têm uma “forte carga religiosa”;
há nele um “ideal irênico de pacificação entre os homens e a própria referência à liberdade das
igrejas em vista da constituição de um cristianismo universal”;
na sua construção pedagógica é possível se identificar “uma forte tensão mística que caracteriza
o seu caráter ético-religioso e a decidida conotação utópica: a educação neste quadro é a criação
de um modelo universal de ´homem virtuoso´ao qual é confiada a reforma geral da sociedade e
dos costumes”; e
a sua “concepção dinâmica e evolutiva da natureza e a do homem como microcosmo, gestor e
medidor nas relações com a natureza, com a tarefa de reconduzi-la a Deus”, advém da filosofia
renascentista. (CAMBI, 1999, p.286-287).
Cambi (1999) identifica Comenius como um pioneiro, ou melhor, como “o primeiro verdadeiramente
sistematizador do discurso pedagógico”, por ter ele relacionado, de modo orgânico, tanto os aspectos
técnicos da formação, como uma abrangente reflexão sobre o homem. No pensamento de Comenius,
essa formação deveria começar cedo, “desde a mais tenra idade, quando as mentes ainda não estão
ocupadas e contaminadas por pensamentos vãos e por costumes mudanos” e deve ocorrer na instituição
escolar (CAMBI, 1999, p. 287).
Segundo Rizzo (1982 p. 12-13), no livro “Escola da Infância”, Comenius considerava a infância como um
período normal do desenvolvimento do homem, onde destacou:
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Aula 02 Fundamentos da Educação Infantil
o brinquedo e as experiências diretas com o objeto - para a aprendizagem de suas formas;
o valor das experiências afetivas e dos interesses – que deveriam ser considerados quando do
planejamento do currículo; e
a relevância de um crescimento sadio, para o qual era importante coisas como: a saúde, a
alimentação, o sono e a vida ao ar livre.
As obras de Comenius revelam duas marcas fortes do autor: a sua formação religiosa e o seu acentuado
inconformismo com as condições e práticas educacionais da sua época. Um dos seus principais
pressupostos referia-se à natureza do homem, isto é, entendia ele que, sendo criado à imagem e
semelhança de Deus, o homem é naturalmente bom e, portanto, o seu processo educativo deveria
proporcionar o desenvolvimento de suas habilidades, para que ele pudesse chegar a preencher essa
imagem. Isso deveria começar o mais cedo possível. Coerentemente, ele defendia a idéia da educação
universal, desde a etapa inicial da vida até a fase adulta.
Muitos dos seus princípios ou idéias educacionais básicas continuam bem atuais hoje. Por exemplo, a sua
proposta da associação entre educação e a ordem natural da natureza. Segundo ele, havia um ritmo
próprio para o crescimento e o desenvolvimento, idéia posteriormente retomada por Rousseau, na França
e próxima, também, do conceito de “períodos sensíveis” de Maria Montessori. Próxima ainda, em certo
sentido, do que hoje se chama de “janelas de oportunidades”, no contexto do desenvolvimento cerebral
ou das suas conexões nervosas, resultantes da interação da pessoa com o seu ambiente.
No entendimento de Comenius, o bem-estar, a liberdade e o prazer deveriam ser elementos essenciais
da educação. Do mesmo modo, defendia ele a educação sensorial e a importância da criança ter contato
com materiais concretos – “coisas reais e não sombras de coisas” - para que essas pudessem
“impressionar os sentidos e a imaginação”. Conforme Morrisson (1980, p.40), “Comenius acreditava que
se aprendia melhor quando os sentidos estavam envolvidos, e que a educação sensorial formava a base
de toda aprendizagem”.
As idéias de Comenius de que tudo aquilo a ser aprendido deveria passar pelos sentidos, bem como a
relevância que deu à educação sensorial foram posteriormente retomadas, em especial, pela educadora
Maria Montessori, na Itália e pelo epistemologista genético Jean Piaget, na França. Estas continuam bem
atuais na educação da criança em geral, e, principalmente, na educação das crianças menores, entre 0 e
6 anos e naquelas consideradas especiais.
Muito do conteúdo da obra “Didática Magna” se aplica à educação das crianças pequenas, mas conteúdos
mais específicos foram trabalhados no seu livro “A Escola da Infância”, já referido. Nele o autor defende a
educação das crianças pequenas, independentemente de sua classe social, propondo, inclusive, um nível
de ensino em que aponta o "papel da mãe". Segundo suas convicções, a mãe é a melhor professora das
crianças.
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Aula 02 Fundamentos da Educação Infantil
Em sua proposta de organização escolar, Comenius previa quatro graus, escolares – scholae, com os
seus respectivos objetivos, conteúdos e métodos. São eles:
1. a escola maternal para a infância;
2. a escola nacional ou vernácula para a meninice;
3. a escola de latim ou ginásio; e
4. a academia para a juventude
Conforme descrito por Cambi (1999), a escola maternal para a infância era a mais importante por
preparar “o terreno da inteligência” e à qual estava ligada “toda a esperança da reforma universal de
todas as coisas” (CAMBI, 1999,290).
Finalizando esta primeira aula, é importante saber que Comenius tem sido considerado, também, o
“Fundador da Ciência da Educação” ou o Pai da Didática. Seu livro ilustrado para as crianças, primeiro no
gênero (pelo menos no mundo ocidental), foi traduzido e usado nos países europeus por mais de 100
anos, como uma literatura básica para as crianças na fase inicial da escolarização. O proposto em relação
ao ensino no seu livro “Didática Magna”, tem sido apontado como uma proposta de reforma educacional.
Isto o tornou mundialmente conhecido e fez com que ele recebesse convites de países como a Inglaterra,
a Suíça e a Hungria, para orientá-los em suas reformas educacionais.
Na próxima aula, você continuará estudando sobre os pioneiros da educação infantil estudando
dois pensadores importantíssimos: Jean-Jacques Rousseau e Johann Heinrich Pestalozzi.
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Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 3 – Os Pioneiros da Educação Infantil Parte II: Jean-Jacques Rousseau e Johann Heinrich Pestalozzi
Nesta aula, você estudará sobre as principais contribuições para a educação em geral, e para a
educação da criança, em particular, de Rousseau e Pestalozzi.
3.1. Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778)
Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, nos é dado pela educação”.
Jean-Jacques Rousseau
Rosseau, foi sem dúvida um dos mais brilhantes escritores e filósofos do
Iluminismo, além de um pensador importante da educação. A repercussão de
seu trabalho foi além da filosofia e da educação. Ele contribuiu para áreas
outras do conhecimento como a da teoria social, a da política, a da botânica e
a da música.
Um dos pressupostos mais marcantes da obra de Rousseau refere-se à sua
crença na bondade natural do homem. Isto é, para ele, a criança tinha
uma natureza essencialmente boa: um ser bom, natural e inocente. No
entanto, ambas – a naturalidade e a bondade – perdiam-se à medida que a
criança passava a ter contato com o meio. Disso decorre a sua crença de que o mal era um fruto direto
da civilização.
Dito de outro modo, segundo Rousseau, as crianças são boas por natureza, e todas elas têm uma
tendência natural para o desenvolvimento. Desse modo, a educação deveria ser direcionada tanto para o
desenvolvimento das suas potencialidades naturais, quanto para evitar que o mal social as influencie. Por
ser um processo natural, a educação deveria seguir a própria tendência de desenvolvimento interno da
criança.
O ideário educativo-pedagógico de Rousseau está, principalmente, em seu
livro – “Emílio". Outra obra importante que escreveu intitula-se Do Contrato
Social (ambas de 1762). Essa última já é voltada mais para a área da política.
Cambi (apud MORAIS, 2005, p.60) identifica a pedagogia de Rousseau como
uma revolução Copérnica. E por que isso? Por ele ter colocado a criança como
o foco da sua teorização, opondo-se, assim, às idéias educacionais tradicionais
do seu século. Segundo Morais, Rousseau elaborou uma nova imagem da
infância, vista como próxima do homem por natureza (boa, animada pela
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Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
piedade, sociável e autônoma), articulada em etapas sucessivas (da primeira
infância à adolescência), etapas essas bastante diversas entre si por
capacidades cognitivas e comportamentos morais. (MORAIS, 2005, p. 60-61).
Para Suchodolski (2004), pedagogo polonês, Rousseau foi pioneiro ao se opor radicalmente à pedagogia
da essência e defender a construção de uma pedagogia da existência. Em outras palavras, em seus
pressupostos educativos o homem deveria ser visto tal como é, e não como deveria ser. Ou seja, nem o
homem racionalista visto por Platão, nem aquele da visão cristã (um ser capaz de, naturalmente,
diferenciar o certo e o errado, por ter recebido tal capacidade de Deus), segundo São Tomás de Aquino
(1227-1274).
Perceba que a visão de uma natureza inata no homem distancia Rousseau da idéia da criança como uma
“tábula rasa”, conforme o pensamento do filósofo inglês do Século XVII, John Locke (1632-1704).
Segundo Locke, não havia, em essência, idéias inatas. O que existe são as impressões ou idéias vividas e
sentidas. Portanto, produtos da experiência. Então, ao nascer a criança não era mais que uma “tábula
rasa” que passaria a receber as impressões a partir de suas experiências ou suas trocas com o ambiente.
Embora não caiba aqui aprofundar isso, lembramos que por entre as idéias de Locke e as de Rousseau,
está um dos grandes debates da psicologia, notadamente a relativa ao desenvolvimento da criança. Isto
é: as determinações e as interações entre hereditariedade e meio (ambiente).
Veja! Definindo a criança como naturalmente boa, Rousseau se contrapunha às fortes e arraigadas
crenças de natureza moral e religiosa, que a definia como inerentemente fraca e depravada, por já
nascer em pecado. Tal fraqueza acreditava-se, induzia à desobediência e ao mau comportamento. Daí a
prática corrente, naquela época, de uma educação voltada para um treinamento moral rígido bem como
o uso de uma forte disciplina. Criança “boa” era, então, aquela capaz de comportar-se como “um adulto
em miniatura”. Seu papel era ouvir os adultos e se comportar. Não havia, portanto, o espaço para ela ser
ouvida. Menos ainda para expressar seus sentimentos e opiniões, como hoje.
Em síntese, Rousseau propunha que a criança deveria ser considerada o centro e o fim da educação. Para
ele, a educação deveria ser a mais natural e livre possível, longe da opressão das imposições sociais
diversas. Assim sendo, dever-se-ia dar à criança a oportunidade de ser ela mesma, num ambiente livre e
natural.
Observe que no conjunto das idéias rousseaunianas há a postura de um naturalista. A idéia de natureza
ou das tendências naturais está na raiz de seus postulados. Portanto, não há, em seu pensamento,
espaços para se forçar uma criança a aprender algo se ela não estiver naturalmente preparada para isso.
Considerando a tendência naturalista de Rousseau, talvez você concorde com o comentário de Morrisson:
29
Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
Rousseau certamente discordaria de algumas das práticas presentes na
educação hoje como o uso de uniformes, freqüência obrigatória, o
estabelecimento de habilidades básicas mínimas, a aplicação freqüente de
testes padronizados e de grupamentos por habilidades, porque elas são
exemplos de se educar de uma forma não natural (MORRISSON, 1980 p.42).
Você concorda com o autor?
Segundo Rousseau, tudo o que precisamos na vida adulta depende, necessariamente, da educação.
Assim, pensar a educação é formar homens. É criar as condições para que o educando possa ter um
futuro melhor na sua vida social. Contudo, não se deve pensar que tal postura remete para uma visão da
educação como uma preparação, tão somente, ou algo essencialmente voltado para o futuro. Ao
contrário, no ideário educacional de Rousseau a centralidade da criança revela, sobretudo, uma proposta
de uma educação integrada, parte mesma da sua vida presente.
Hora da novidade
Presente e Futuro na Educação Infantil
As pessoas menos informadas sobre o sentido da educação infantil tendem a pensar que ela é,
essencialmente, uma preparação para a escola. A própria terminologia “educação pré-escolar” contribui
para tal equívoco. A centralidade da criança no pensamento de Rousseau nos dá uma idéia muito clara do
quanto devemos nos preocupar com a educação da criança, no momento mesmo da sua existência – na
sua infância. Isso, contudo, não implica em se anular a preocupação com o seu futuro. Ambos – o
presente e o futuro da criança devem – ser considerados na educação infantil. Finalmente, a criança é,
antes de tudo, uma pessoa em desenvolvimento.
O entendimento da criança nem como uma “tábula rasa” nem como um “adulto em miniatura”, mas
como alguém com um modo peculiar de ver, de pensar e de sentir, entre outras coisas nos fala de
especificidades ou de etapas do desenvolvimento ou do crescimento humano. Segundo ele, essas fases
ou estágios são: 1. Infância (0-5 anos); 2. Meninice (5-12 anos); 3. Adolescência inicial (12-15 anos); 4.
Adolescência posterior e; 5. Idade da humanidade.
Na infância, argumentava Rosseau, é preciso dar atenção especial às necessidades físicas e emocionais
da criança, incluindo o seu desenvolvimento muscular. Do mesmo modo, deve-se manter uma dieta sadia
e estimular o desenvolvimento da linguagem. Já na fase da meninice, atenção deve ser dada ao
treinamento físico e sensorial, num ambiente “livre de corrupção e vício”. As demais fases não serão
tratadas, por estarem além do período da educação infantil.
Muito ainda teríamos para falar sobre as contribuições de Rousseau para a educação e, em particular,
para a educação da criança. Mas é preciso ver outros pensadores.
30
Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
Busque aprofundar os seus conhecimentos sobre o autor, faça novas perguntas! Como bem diz
Bachelard (1996), sem pergunta não há conhecimento científico.
As idéias inovadoras e revolucionárias de Rousseau não apenas constituíram um marco entre a pedagogia
da essência e a criação de perspectivas para uma pedagogia da existência, conforme já referido, mas
também consubstanciaram um marco entre os chamados “período histórico” e o “período moderno” da
educação. A sua idéia de um desdobramento natural no processo de desenvolvimento assemelha-
se ao pensamento educacional de Comenius, e é possível identificar suas repercussões em Pestalozzi,
Fröebel e Piaget.
3.2. Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827)
O aluno, seja qual for a classe social a que pertença e a profissão a que esteja destinado, participa de
certos elementos da natureza humana que são comuns a todos e constituem o fundamento das forças
humanas. Nós não temos direito algum de limitar a qualquer homem a possibilidade de desenvolver
todas as suas faculdades (...); não temos o direito de negar à criança a possibilidade de desenvolver nem
que seja uma só faculdade, nem mesmo aquela que, no momento, julgamos não essencial para a sua
futura profissão ou para o lugar que ela terá na vida”. (PESTALOZZI apud ZANATTA, 2005, p.)
Pestalozzi nasceu em Zurique, na Suíça. A vivência numa sociedade
grandemente estratificada e desigual, formada por nobres (ricos) e
plebeus (pobres), o fez um grande lutador na defesa de uma educação
pública para todos – desde a fase da infância. Tanto ele, quanto
Fröebel, que veremos na próxima aula, viveram, conforme nos
esclarece na “era das revoluções”, (uma terminologia antes usada por
Eric Hobsbaw).
As idéias de Pestalozzi sobre a educação estão expressas,
principalmente, em duas de suas obras: Leonardo e Gertrudes
(1781) e Como Gertrudes instrui seus filhos (1801). Ambas se
complementam. Contudo, o impacto maior da primeira tem a ver com
o detalhamento do que ele entendia que deveriam ser as reformas de natureza política, moral e social.
O chamado “Método Pestalozzi” surgiu do seu trabalho efetivo com crianças órfãs de guerra. De fato,
sensibilizado pela situação das crianças pobres e órfãs, trouxe-as para a sua fazenda e, junto com a sua
esposa, criou a sua primeira escola conhecida pelo nome de Neuhof. Mais tarde, criou duas outras
instituições educativas - Burgdorf e Yverdon, mas fechou-as por falta de suporte financeiro.
Em Pestalozzi, ensinar e educar deveriam ser sinônimos de desenvolver as capacidades humanas
naturais das crianças e dos jovens. Nesse sentido, era importante atentar para a formação da mente, da
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Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
sensibilidade e do caráter, visando à plenitude das capacidades humanas ou a perfeição humana – a
tendência natural de todos.
O contexto em que viveu, o fez ser um revolucionário e um crítico ferrenho da situação política do país.
Na educação, inspirou-se nas obras de Rousseau, principalmente aquelas antes referidas – Emílio e Do
Contrato Social. Identificou-se muito com o movimento naturalista. Ao longo de sua vida ele tentou
aplicar em suas escolas a utopia educacional de Rousseau.
Assim, acreditava ele na bondade inata, e na idéia de que havia um “desdobrar” natural no processo de
desenvolvimento da criança, conforme uma seqüência já esperada. Desse modo, a criança deveria ser
vista como um ser em formação e não como um adulto em miniatura. A sua escolarização deveria se dar
a partir do respeito aos seus interesses, preservando-se, igualmente, a sua bondade natural.
Além disso, ele entendia que a educação tinha um papel relevante no aperfeiçoamento tanto do
indivíduo, quanto da sociedade. A educação deveria ser considerada como um direito absoluto de todos –
crianças e jovens, e assim, vista como a alternativa para que eles pudessem desenvolver tudo de bom
que Deus lhe havia dado, bem como livrar-se da pobreza. Para ele a educação era, igualmente, uma
questão de dignidade humana. A luta de Pestalozzi pela democratização da educação é tanto mais
relevante quanto se sabe que, na sua época, apenas uns poucos a ela tinha acesso.
Segundo Morrison (1980, p.45), Pestalozzi interessou-se particularmente pela idéia da “volta à natureza”.
Em termos objetivos, isso se traduziu, por exemplo, pela defesa de uma educação que deveria ocorrer:
em ambientes e situações as mais naturais possíveis;
num clima de disciplina e amor; e
por meio da criação de oportunidades freqüentes para que os educandos observassem e tivessem
contatos diretos com a natureza.
Em seus ensinamentos, Pestalozzi destacava, ainda, a importância de se ter uma preocupação com a
base sensorial do conhecimento e da aprendizagem, conforme a capacidade da criança. Mostrou a
importância de se incluir, no ensino das crianças, atividades que desenvolvessem os seus sentidos tais
como a música e as artes, ao lado de outra como geografia, aritmética e linguagem.
Outro ponto das recomendações de Pestalozzi sobre a educação da criança dizia respeito à relação:
concreto-abstrato. Isto é, ele dizia que se deveria evitar trabalhar com as crianças com coisas abstratas,
estranhas ao seu modo de sentir e de pensar, distantes assim, do seu universo.
Em sua pedagogia, Pestalozzi deu uma atenção especial ao amor materno e à formação das crianças
dada pela família. Para ele, o lar deveria ser considerado como um ambiente educacional por excelência,
por ser o lócus da estruturação da base da formação política, moral e religiosa da pessoa. Assim, um lar
organizado deveria ser um modelo para as instituições educacionais. Isto é, para ele, a situação do lar e,
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Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
principalmente, o amor materno, deveriam ser modelos para toda a educação. Nesse sentido, insistia que
uma boa relação afetiva entre mãe e filho era indispensável para um crescimento e desenvolvimento
sadio das crianças.
Hora da novidade
Pestalozzi: um Psicólogo?
Do que você estudou até agora, você considera que Pestalozzi poderia ser identificado como um
psicólogo?
Se o situarmos em sua época (1746-1827), isso não seria possível vez que, nesse tempo, a psicologia
ainda não era vista como uma disciplina científica independente. No entanto, a sua idéia sobre as
relações de amor entre a criança pequena e a sua mãe é muito próxima do que hoje entendemos por
“apego”. O mesmo pode ser dito em relação ao que entendemos sobre a importância da “segurança
afetiva” da criança, essencial para a construção da sua personalidade e da sua subjetividade, não é
mesmo?
Segundo Pestalozzi, as relações de amor e confiança entre a criança e a sua mãe eram essenciais para
que ela se capacitasse para ampliar seu círculo de relações sociais: da mãe para os demais membros da
sua família; e deles para os vizinhos, a comunidade, o mundo mais amplo e, finalmente, Deus. Isso
significava também a defesa de uma educação não repressiva.
A idéia de um ambiente de amor e de confiança como essencial à educação estava implícita em toda a
proposta educacional de Pestalozzi. Essa foi uma das suas grandes preocupações quando acolheu
crianças pobres e órfãs em suas escolas. Para ele, o amor entre as crianças e os seus professores e vice-
versa, era essencial. Essa idéia da essencialidade da relação de amor e confiança entre crianças e
mestres, para o desenvolvimento de uma proposta educacional efetiva, passou a ser conhecida como o
seu “Método Geral”.
Caracterizada a dimensão geral de seu método, é possível, então, se começar a aplicar o “Método
Especial” direcionado ao que hoje poderíamos chamar de aprendizagem de conceitos, onde se
enfatizava idéias como:
a base sensorial, dos sentidos; e
o contato direto das crianças com objetos concretos, do seu meio ambiente.
A isso, ele se referia como “lições de objeto”. Assim, se o tema estudado fosse “fruta”, as crianças
tinham que ter a oportunidade de vê-la e senti-la – fosse na sala de aula, fosse no contato direto com
essa ou aquela fruta, na própria árvore.
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Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
Observe como nisso ele se inspira em Rousseau. Veja que é uma proposta onde se junta a díade:
natureza e experiência, como estratégia de ensino-aprendizagem. Essa essencialidade do contato da
criança com o mudo ao seu redor era visto por ambos – Rousseau e Pestalozzi – como um caminho
necessário para se despertar, na criança, as suas potencialidades naturais e os seus interesses. Em
outras palavras: uma estratégia natural de motivação no contexto do ensino-aprendizagem.
Alguns dos princípios de seu “Método Especial” são os seguintes:
1. no ensino, as instruções devem se iniciar com algo diretamente relacionado à experiência e ao
ambiente da criança;
2. o ensino deve ser dado do concreto para o abstrato;
3. no desenvolvimento das habilidades deve-se trabalhar do mais simples, para o mais complexo; e
4. no trabalho com as crianças devem-se priorizar as idéias mais simples. A partir disso, se trabalha
as mais complicadas.
A despeito de sua atenção mais direta para uma metodologia de ensino, vê-se, nas idéias pedagógicas de
Pestalozzi, gêneses do que hoje identificamos como proposta curricular, currículo integrado ou, ainda,
como currículo centrado na criança (no seu processo de desenvolvimento e de aprendizagem). Conforme
nos esclarece Zanatta:
Era propósito de Pestalozzi (1946) descobrir as leis que propiciassem o
desenvolvimento integral da criança. Concebia a criança como um organismo
que se desenvolve de acordo com leis definidas e ordenadas e contém em si
todas as capacidades da natureza humana. Essas capacidades se revelam
como unidade da mente, coração e mão (ou arte), e devem ser devolvidas por
meio da educação intelectual, profissional e moral, estreitamente ligadas entre
si (ZANATTA, 2005 p.169).
Para finalizar esta aula, observe o quadro abaixo, sintetizando as principais idéias dos pressupostos e
métodos de Pestalozzi, adaptado de outro mais amplo, presente em ZANATTA (2005).
Pressupostos Método de Ensino Finalidade da educação: cultivo da
mente, do sentimento e do caráter; Centro: professor. Ensino: promoção da percepção das
coisas, dos objetos naturais, por meio do contato direto e da intuição.
Conhecimento: organização das percepções sensoriais obtidas na relação com as coisas.
Aprender: processo espontâneo, atividade livre
O mundo é a natureza; deve ser
1. Preparação: recordação, pelo professor, de algo já sabido; 2. Apresentação: o professor apresenta a nova matéria; 3. Assimilação: comparação com a matéria antiga; 4. Generalização: apresentação, pelo professor, de exemplos, casos semelhantes; 5. Aplicação: aplicação do aprendido por meio de tarefas.
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Aula 03 Fundamentos da Educação Infantil
percebida e, desse modo, conhecida.
Rosseau e Pestalozzi, dentre outras contribuições, modificaram a percepção que se tinha da
criança e da infância.
Prosseguindo na análise das idéias dos Pioneiros, você estudará na próxima aula o pensamento
de Friederich Fröbel, considerado o “Pai do Jardim de Infância”, e Maria Montessori.
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Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 04 - Os Pioneiros da Educação Parte III : Friederich Fröbel e Maria Montessori
Nesta terceira parte sobre os pioneiros da educação infantil, você estudará as principais
contribuições de Fröbel e Maria Montessori para o pensamento pedagógico em geral, e para a
educação da criança, em particular. Em termos históricos nos situamos no final do Século
XVIII, até por volta dos meados do Século XIX.
4.1 Friedrich Fröbel (1782-1852)
Brincar e falar constituem os elementos pelos quais a criança vive. Assim, a criança nesse estágio confere
a cada coisa as propriedades da vida, sentimento e fala. (...) a criança começa a representar seu interno
para fora e atribui a mesma atividade para tudo, para um seixo e uma lasca de madeira, para a planta, a
flor e o animal (FRÖBEL, 1912 p.54; apud KISHIMOTO, 2002, p.69).
Fröbel é considerado o “Pai do Jardim de Infância”. Foi ele mesmo quem cunhou o termo “Jardim de
Infância”. Sabe qual a sua fonte de inspiração? A comparação que fez entre a fragilidade da planta e
aquela da criança – ambas precisam de atenção e cuidado desde a mais tenra idade. Argumentava ele
que tal como a planta, a criança precisava de um ambiente adequado para crescer e se desenvolver.
Igualmente, precisava ser bem alimentada e nutrida.
Muitos consideram muito apropriada a imagem de “Jardim de infância”, pois, no caso da criança, há que
se pensar, de modo integrado, sobre o cuidado e sobre a educação. É preciso protegê-la, mesmo antes
do seu nascimento.
Você concorda com essa imagem e seu significado?
Ao se comparar as idéias de Rousseau, Pestalozzi e Fröbel, logo se percebe proximidades entre elas. No
entanto, Fröbel tem algumas especificidades que são bem valorizadas por aqueles que como eu, se
interessam pela educação infantil. Entre elas destacamos: a ênfase à brincadeira e ao brinquedo como
partes importantes da sua pedagogia, e o fato dele chamar a atenção para a relevância da preparação
mais específica para as professoras das crianças.
Como os demais pensadores que estudamos, Fröbel atribuiu um grande valor ao amor e ao respeito que
se deveria ter para com as crianças e a natureza. Com Rousseau, ele acreditava que a criança nascia
boa, mas o mal poderia atingi-la seja por uma educação inadequada, seja pela negligência dos seus pais.
Kishimoto (1998) identifica Fröebel como um filósofo do período romântico. Segundo ela, Fröbel acreditou
na criança, enalteceu a sua perfeição e deu valor à sua liberdade. Igualmente, ele valorizou a expressão
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Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
da natureza infantil, por meio de brincadeiras livres e espontâneas. Contudo, a autora questiona a
coerência da relação teoria-prática no contexto da Pedagogia Fröebeliana. Segundo ela, há relatos de
práticas pedagógicas froebelianas bem mais próximas da coerção, do que da liberdade de expressão,
com as jardineiras assumindo o comando da conduta infantil de modo fortemente direcionado, inclusive
dando orientações minuciosas relativas aos conteúdos escolares.
Diante disso, essa autora questiona se não teria havido uma ruptura na relação teoria-prática, ou se o
paradigma de Fröbel não explicitava suficientemente o valor da liberdade e espontaneidade do ser
humano. Uma outra possibilidade levantada por ela para justificar o forte direcionamento das jardineiras
com as crianças refere-se ao peso da rigidez da tradição. Sendo assim, a idéia da infância que brinca e se
desenvolve não se materializava. Para KIshimoto (1998), este último questionamento é bem pertinente,
vez que, até hoje, ainda não se tem a clareza, nos sistemas pré-escolares, sobre a natureza do jogo
infantil. Isto é, se ele é um ato de expressão livre, um fim em si mesmo, um recurso pedagógico, ou
ainda, um meio de ensino .
Deve-se destacar que, com relação à brincadeira, Fröbel não só ressaltava o brinquedo como “um
processo essencial da educação inicial”, mas também mostrou a existência de relações simbólicas
presentes no brincar infantil. A propósito, lembremos que esse simbolismo inerente às brincadeiras foi
retomado posteriormente por Piaget, em seus estudos sobre o desenvolvimento do pensamento,
especialmente, naquele relativo à formação do símbolo na criança (PIAGET,1976).
Fröbel ressaltou muito a função da mulher na educação das crianças. Segundo ele, as mulheres deveriam
se unir em torno da “causa santa da educação humana”, como se fosse um seu apostolado. Dizia ele que
o cuidado com as crianças era algo que deveria ser visto como inseparável da vida e da missão das
mulheres. Para ele, nas mãos das mulheres estava a criação da “planta humana frágil” – uma missão a
elas atribuída por Deus e pela Natureza.
Hora da Novidade
O papel da mulher na educação infantil: ontem e hoje
Para Fröbel, as mulheres deveriam ser vistas como as “educadoras da humanidade”. A mulher era vista
como muito importante na construção de uma civilização mais elevada, por meio da sua participação
ativa na educação, pois, segundo ele, a cultura do indivíduo e da pessoa como um todo, dependia,
principalmente, dos treinos iniciais ocorridos no início da infância e, portanto, no âmbito da família.
Historicamente, sempre coube à mulher a responsabilidade maior pela educação das crianças. Isso levou
a certas “conformações” no sentido de se aceitar, como a coisa mais natural do mundo, o fato de que
cabe à mulher – apenas – a educação da criança. Uma das conseqüências disso é a dificuldade que se
tem de se separar os múltiplos e diversos papéis da mulher, no lar e na sua vida profissional.
37
Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
A propósito, convém lembrar que aqui no Brasil, no âmbito da educação infantil, a presença da mulher-
professora é majoritária e muito marcante. Isso significa que ainda estamos longe de reverter esse
quadro que requer uma formação profissional adequada, a valorização salarial, a não percepção da
inferioridade perante os demais docentes. A mulher-professora tem, ainda, o seu trabalho muito
vinculado ao trabalho doméstico.
Continuando, destaque-se que em Fröbel há uma relação estreita entre a sua visão de mundo, da religião
e do processo educativo. A educação e a religião eram vistas como partes integradas de um todo
inseparável. Ademais, ele destacava a importância da dignidade humana, bem como valorizava o estudo
da natureza. A pessoa humana era vista como tendo toda a dignidade, por ser alguém com essência e
valor espiritual. No que diz respeito ao estudo da natureza, ele acreditava ser ela a detentora das leis de
Deus. Por entender o ser humano como alguém dotado de dons e capacidades vindos de Deus, ele
achava que esse deveria ser treinado para servir a Deus.
Em sua metodologia de ensino, Fröbel propôs o uso do que chamou de “prendas, presentes ou dons”
e as “ocupações”. As prendas eram objetos lúdicos e criativos dados às crianças, para que brincassem e
criassem. Nesse caso, o seu pressuposto era o de que as crianças aprendiam ao brincar. Que prendas
eram essas? Você tem idéia? Elas eram: uma bola (que representava o universo), cubos, cilindros,
triângulos, seis bolas de lã coloridas e outros objetos semelhantes..
Hora da Novidade: as prendas e a aprendizagem da criança
Ao propor essas prendas, Fröbel acreditava que, a partir de suas
observações e manipulações, as crianças poderiam aprender desde a
idéia de unidade do universo, até o fato de que é possível se combinar
coisas diferentes para se obter novas e diferentes formas e, ainda,
aprender que há caminhos para se combinar elementos aparentemente
opostos. Esses objetos permitiam aprendizagens outras tais como cores,
formas e tamanhos, e as suas relações.
No que diz respeito às “ocupações”, elas se referiam às atividades
menos formais, igualmente importantes, pois visavam o
desenvolvimento de habilidades específicas. Em geral, as crianças
podiam escolher as ocupações e os seus respectivos objetos, tais como:
tintas ou argila, material para tecelagem, desenho, costura e outros.
Fröbel chamava a atenção para a importância de se observar o
conteúdo dos diálogos mantidos pelas crianças quando do desenvolvimento dessas atividades, que
poderiam revelar coisas como a aprendizagem de conceitos e outras.
No conjunto da sua proposta curricular para a criança, Fröbel destacou, ainda, a importância de espaços
para: a música, os exercícios rítmicos, o estudo da natureza, a poesia e as histórias. De um modo geral,
Primeira PrendaBola e cordão.
Fonte da Foto: First gift ball on
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Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
pode-se dizer que na base do pensamento pedagógico de Fröbel é possível se identificar dois pilares: 1) o
“exercitar das mãos” (o fazer) e o “exercício dos sentidos” (o sentir). Assim, todo o trabalho voltado
para as crianças deve ser algo divertido e prazeroso para ela. No que se refere ao desenvolvimento da
criatividade, seu pensamento se embasava na crença de que a capacidade criativa do homem era uma
das marcas mais superiores do seu criador – Deus.
Concluindo, lembramos que, segundo Fröbel, a orientação ou o treino dado pela mãe à criança precedia o
que esta teria no Jardim de Infância. E este precedia a escola – “são passos naturais de um processo
natural de desenvolvimento”.
4.2 Maria Montessori (1870-1952)
“Creio que quando a humanidade tiver adquirido plena compreensão da criança, encontrará um modo
muito mais perfeito de a tratar”.
Maria Montessori
Em geral, quem trabalha ou de algum modo se interessa pela área da educação, mesmo que em
ambientes não montessorianos, de uma ou outra forma ouviu falar no “Método Montessori”, ou nas
escolas montessorianas. Contudo, nem sempre se sabe o sentido real desse Método. Começamos, então,
perguntando:
Quem foi Maria Montessori? O que é o Método Montessori? O que caracteriza uma escola
montessoriana?
Maria Montessori tem sido referida como uma das mulheres mais importantes do século XX. Italiana, foi
uma pessoa profundamente religiosa, bem com sensível, observadora, crítica e criativa. Uma das suas
principais marcas foi o pioneirismo:
Ela foi a primeira mulher a concluir o curso de medicina não só na Universidade de Roma, mas na
Itália como um todo;
Foi a primeira educadora a se interessar, mais de perto, pelo entendimento de como as crianças,
então consideradas “deficientes mentais”, eram capazes de aprender, e como deveriam ser
ensinadas;
Foi a primeira a propor a integração da fonética à tradicional prática de reconhecimento de
palavras, para o desenvolvimento da aprendizagem da leitura;
Foi a primeira a criar um mobiliário escolar adequado ao tamanho das crianças -o que
representou uma mudança significativa nas crenças e práticas comuns, da sua época; e
Foi a primeira a insistir sobre a importância de um ambiente organizado e cuidadosamente
planejado, como essencial para a facilitação da aprendizagem da criança.
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Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
Montessori iniciou o seu trabalho com as crianças com necessidades especiais, desde o tempo da
universidade. Depois, expandiu a sua experiência para as demais crianças. Trabalhou, também, com
crianças pobres de favela. Com todas elas obteve progressos inesperados no seu contexto e tempo. Diz-
se que, uma vez, quando perguntada como conseguia tamanho sucesso com as suas crianças com
deficiência mental, que, nos testes, conseguiam níveis iguais àquelas consideradas normais, ela
respondeu que se deveria pensar no contrário: como se conseguir que “crianças normais” se
equiparassem àquelas com as quais trabalhava.
Quanto ao Método Montessori? O que é exatamente isso? Dada a sua relevância para se entender melhor
o pensamento pedagógico de Montessori, passamos a discorrer um pouco sobre ele agora. Iniciando,
pode-se dizer que ele é, a um só tempo, uma filosofia de vida, um modo próprio de se perceber e
sentir a criança, e uma proposta metodológica de como se trabalhar com ela, a partir dela mesma.
Isto é, tal como ela é e está. Ou seja, respeitando-se as suas características e necessidades, o seu nível
de desenvolvimento e procurando fazer desabrochar todo o seu potencial, não deixando passar
despercebido nenhum dos seus “períodos sensíveis”.
É difícil falar sobre o Método Montessori. Talvez devessemos começar destacando a sua complexidade, o
seu caráter inovador e o fato de que ele influenciou e continua a influenciar, um número grande de
crianças e seus professores, em todo o mundo. Mas isso não é tudo: as idéias de Montessori mudaram as
formas de se conceber e valorizar a criança, tanto quanto influíram no modo de se planejar e se
desenvolver o ambiente das salas de aulas das crianças. Enfim, mudou a forma de se pensar e trabalhar
com a criança nas instituições de educação infantil.
Segundo Montessori, a essência de seu método estava no seguinte:
no estudo que vinha fazendo das crianças;
naquilo que as crianças lhe davam em troca (a partir das suas cuidadosas observações); e
na sistematização que ela fazia dessas duas coisas
O “Método Montessori” desenvolveu-se a partir de princípios filosóficos sólidos e consistentes. Entre eles
destacam-se: respeito e amor pela criança, respeito à dignidade da pessoa humana, presente em cada
criança; ajudar a criança a desenvolver, em plenitude, o seu potencial natural. Montessori sempre
destacou a importância do desenvolvimento da força espiritual e moral. Uma de suas metas era que a
criança se tornasse cada vez mais autônoma a partir do desenvolvimento de suas potencialidades e
capacidades.
Leitura comentada
Uma idéia mais clara e objetiva do Método de Montessori está em seu livro: Método Montessori –
Pedagogia científica aplicada à educação da criança nas “Casas das crianças”. Boa leitura!
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Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
Complementado o que você estudou até o momento, é válido destacar que:
A preocupação e a sensibilidade de Maria Montessori com a criança podem ser vistas em cada
uma das suas obras ou propostas de trabalho. Não sem propósito, um dos seus livros clássicos se
intitula: “A Criança”.
Do ponto de vista da escolarização, Montessori sempre ressaltou a curiosidade natural da criança
e a sua intensa atividade física.
Mereceu destaque em Montessori a preferência da criança por tarefas com significados e a opção
pela ordem, e não a desordem.
De forma inesperada para a sua época, Montessori defendeu e mostrou como a criança era capaz
de se concentrar por um longo período de tempo, no desenvolvimento de suas tarefas, desde que
esteja num ambiente devidamente preparado e motivador.
Em seu Método, Montessori mostrou a importância e a necessidade de se dar atenção
individualizada a cada criança (o professor ou professora).
Um outro aspecto relevante das idéias montessorianas foi mostrar que as crianças aprendem em
ritmos diferenciados, bem como têm interesses diversificados e que essas coisas precisam ser
consideradas quando se trabalham com elas.
As idéias de Maria Montessori têm servido de modelo para inúmeras escolas – “montessorianas” ou não.
Um exemplo dessa fértil inspiração é o valor que se dá ao prazer da aprendizagem. Isto é, o
entendimento de que não tem sentido colocar a criança numa situação de aprendizagem que não lhe
traga prazer. O prazer de aprender precisa acompanhar a criança ao longo de sua infância e, tanto
quanto possível, com as devidas proporções e características, ao longo da sua vida. Pela sua natureza,
esse prazer não é algo que se situe no campo dos discursos ou das abstrações, mas no das vivências.
Em Montessori, sentir e vivenciar são essenciais para a aprendizagem da criança.
Na aplicabilidade do “Método Montessoriano” a idéia de prazer não deveria ser difícil de ser sentida pela
criança vez que, argumentava a autora, as crianças não precisavam ser forçadas a aprender nada, pois
elas já desejam isso. Ademais, dizia ela, essa aprendizagem é ainda melhor, quando elas tinham a
oportunidade de explorar o ambiente, segundo as suas necessidades e interesses. Ou seja, em
Montessori, a fascinação já faz parte do mundo infantil - de modo muito natural. Isso porque, segundo
ela, as crianças tendem a sentirem-se fascinadas por quase tudo - mesmo por coisas que, aos nossos
olhos de adulto, não passem de objetos velhos, insignificantes, desinteressantes ou corriqueiros.
Como você viu, o chamado Método Montessori descrito em seu livro é amplo. A criação e o
desenvolvimento desse Método são não apenas uma proposta de ensino mundialmente conhecida, mas
também, uma sistemática de treinamento de professores. Toda e qualquer escola com inspiração
montessoriana, em qualquer parte do mundo, requer um treinamento especial de seus professores.
Ao concluir essa parte sobre Montessori, é importante destacar que uma das coisas mais inspiradoras de
Maria Montessori é a sua firme convicção de que as crianças têm uma enorme capacidade e
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Aula 04 Fundamentos da Educação Infantil
motivação para o auto-desenvolvimento. Além disso, ela nos mostrou algo também relevante no
desenvolvimento da criança: a existência de “períodos sensíveis”, ou seja, etapas específicas em que as
crianças estão mais sensíveis para determinadas aprendizagens. Do nascimento aos seis anos, por
exemplo, a criança, em geral, está particularmente sensível para observar, absorver e organizar o
estímulo ao seu redor. Referindo-se à grande influência do meio sobre a criança ela se refere ao fato de a
criança ter uma “mente absorvente”.
Em síntese, não dá para se ser um professor de inspiração montessoriana sem uma sensibilidade para a
criança e o seu mundo, sem planejamento da ação pedagógica e do ambiente da aprendizagem.
Nessa terceira e última aula sobre os pioneiros da educação infantil, vimos algumas das
contribuições de Fröbel e Maria Montessori para o pensamento pedagógico, em geral, e para a
educação da criança, em particular. Antes de terminar assista ao filme Maria Montessori Her
Life And Legacy, no You Tube
42
Aula 05 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 05 - Os Pioneiros da Educação Parte IV: Vygotsky
Os dois pensadores dessa aula são, reconhecidamente, os nomes mais citados pelos educadores
do Brasil e do mundo, pois suas contribuições para a educação e, principalmente, sobre o
processo de aprendizagem são inúmeras. Nesta aula você estudará sobre eles.
5.1 Jean Piaget (1896-1980)
Jean Piaget dedicou-se a estudar como se forma o conhecimento. Ao estudar a maneira pela qual as
crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico – tais como as de tempo, espaço,
objeto, causalidade – buscou compreender a origem (Gênese) e a evolução do conhecimento (Episteme)
humano. Por isso sua teoria é chamada de epistemologia genética.
Hora da Novidade: Relativismo Piagetino
Você deve ter observado que os pioneiros da educação infantil, dentre outros pensadores da época,
buscavam explicar o processo de aprendizagem ou pelas idéias dos racionalistas ou pelos pressupostos
empiristas.
Com sua teoria, Piaget defende o relativismo, ou seja, a epistemologia genética não acredita que todo o
conhecimento seja, a priori, inerente ao próprio sujeito. O conhecimento que provenha totalmente das
observações do meio que o cerca, o conhecimento, em qualquer nível, é gerado através de uma interação
radical do sujeito com seu meio, a partir de estruturas previamente existentes no sujeito. Assim sendo, a
aquisição de conhecimentos depende tanto de certas estruturas cognitivas inerentes ao próprio sujeito
(S) como de sua relação com o objeto (O), não priorizando ou prescindindo de nenhuma delas.
A teoria de Piaget possibilitou uma mudança radical nos processos e abordagens educacionais ao afirmar
que as crianças possuem uma lógica diferente dos adultos e que sua mente não é um saco vazio, mas
sim sujeitos ativos que possuidores de uma lógica construída a partir das interações que estabelecem
com o ambiente.
A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Todo organismo vivo procura manter um estado de
equilíbrio ou de adaptação com seu meio, agindo de forma a superar perturbações na relação que ele
estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo de buscar um novo e superior
estado de equilíbrio é denominado processo de equilibração majorante.
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e
equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou a mudança de alguma
característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso — da
harmonia entre organismo e meio —, causando um desequilíbrio.
43
Aula 05 Fundamentos da Educação Infantil
Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio. O primeiro recebe o nome
de assimilação. Através dele o organismo — sem alterar suas estruturas — desenvolve ações destinadas
a atribuir significações, a partir da sua experiência anterior, aos elementos do ambiente com os quais
interage. O outro mecanismo, através do qual o organismo tenta restabelecer um equilíbrio superior com
o meio ambiente, é chamado de acomodação. O organismo é impelido a se modificar, a se transformar
para se ajustar às demandas impostas pelo ambiente.
Para Piaget, a aprendizagem verdadeira se dá no exercício operacional da inteligência. Só se realiza
realmente quando o aluno elabora seu conhecimento. A aprendizagem, no sentido estrito, se refere às
aquisições relacionadas com informações e se dá no decorrer do desenvolvimento. A inteligência é o
instrumento de aprendizagem mais necessário.
A relação entre sujeito-objeto dá-se através de um processo de dupla face, denominado adaptação, o
qual é subdividido nos dois momentos já citados, a assimilação e a acomodação.
Das sucessivas e permanentes relações entre assimilação e acomodação (não necessariamente nessa
ordem), o indivíduo vai adaptando-se ao meio externo através de um interminável processo de
desenvolvimento cognitivo. Por ser um processo permanente e estar sempre em desenvolvimento, essa
teoria é também denominada construtivismo. É a idéia de que novos níveis de conhecimento estão
sendo indefinidamente construídos através das interações entre o sujeito e o meio.
É importante salientar o fato de que a Epistemologia Genética de Jean Piaget é uma teoria baseada em
investigação científica sobre a forma como se constrói o conhecimento no ser humano. Sendo assim, o
construtivismo é muito mais do que um subsídio para o aperfeiçoamento de técnicas pedagógicas, posto
que se trata de uma forma de conceber o conhecimento, sua gênese e seu desenvolvimento.
O desenvolvimento da inteligência é uma contínua interação com o ambiente através de um processo de
maturação, formado por dois componentes básicos: adaptação e organização.
A adaptação é o processo pelo qual o sujeito adquire um equilíbrio entre assimilação e acomodação. A
assimilação refere-se à introjeção de conhecimentos sobre o meio e a incorporação ao conjunto de
conhecimentos já existentes. Através da incorporação, a estrutura de conhecimento existente se modifica
de modo a acomodar-se a novos elementos — tal modificação é denominada acomodação.
Equilíbrio é o processo de organização das estruturas cognitivas num sistema coerente,
interdependente, que possibilita ao indivíduo a adaptação à realidade. A organização é a função pela qual
a informação é estruturada, gerando os elementos internos da inteligência: os esquemas e as estruturas.
Piaget, ao descrever as operações de assimilação e acomodação, desenvolveu o conceito de esquema.
uma estrutura cognitiva, ou padrão de comportamento ou pensamento, que emerge da integração de
unidades mais simples e primitivas em um todo mais amplo, mais organizado e mais complexo. Dessa
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Aula 05 Fundamentos da Educação Infantil
forma, temos a definição que os esquemas não são fixos, mas mudam continuamente ou tornam-se mais
refinados.
Esses esquemas são utilizados para processar e identificar a entrada de estímulos e graças a isso o
organismo está apto a diferenciar estímulos, como também está apto a generalizá-los. O funcionamento
é mais ou menos o seguinte: uma criança apresenta certo número de esquemas, que grosseiramente
poderíamos comparar a fichas de um arquivo. Diante de um estímulo, essa criança tenta "encaixar" o
estímulo em um esquema disponível. Vemos então que os esquemas são estruturas intelectuais que
organizam os eventos como eles são percebidos pelo organismo e classificados em grupos, de acordo
com características comuns.
Piaget, quando descreve a aprendizagem, tem um enfoque diferente do que normalmente se atribui a
essa palavra. Piaget separa o processo cognitivo inteligente em duas palavras: aprendizagem e
desenvolvimento. Para Piaget, segundo Macedo (1994), a aprendizagem refere-se à aquisição de uma
resposta particular, aprendida em função da experiência, obtida de forma sistemática ou não. Enquanto
que o desenvolvimento seria uma aprendizagem de fato, sendo o responsável pela formação dos
conhecimentos.
Piaget, quando postula sua teoria sobre o desenvolvimento da criança, descreve-a, basicamente, em
quatro estágios, que ele próprio chama de fases de transição. A passagem de um estágio para o outro
não ocorre de forma abrupta e guarda características dos estágios anteriores.
Esses quatro estágios são:
Sensório-motor (0 - 2 anos);
Pré-operatório (2 - 7,8 anos);
Operatório-concreto (8 - 11 anos); e
Operatório-formal (8 - 14 anos).
Eles são, antes de tudo, formas de organização da atividade mental - incluem dimensões individual e
social, e se referem a aspectos motores (ou intelectual) e afetivos da pessoa em desenvolvimento. Dito
de outro modo: cada estágio – e o seu conjunto têm uma função básica: a organização do psiquismo,
que caracteriza as várias áreas do desenvolvimento, tais como: a motora, a perceptiva, a cognitiva e a
afetivo-social (PIAGET,1964; SOUSA & PULINO, 2005).
Para a educação infantil é muito importante o conhecimento dos dois primeiros estágios, pois os espaços
e as atividades que comporão o currículo da educação infantil deverão estar baseadas, intencionalmente,
em situações desafiadoras que promovam desequilíbrios que possam possibilitar o desenvolvimento das
operações mentais desenvolvidas nesses períodos. Esse ponto será reforçado no estudo da próxima aula.
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Aula 05 Fundamentos da Educação Infantil
5.2 Vygotsky (1896 a 1934)
Vygotsky teve como tema central de seus estudos a relação entre pensamento e linguagem, e no nível de
aprofundamento a que chegou terminou por desenvolver uma teoria do desenvolvimento intelectual. Em
Vygotsky, a visão de desenvolvimento humano é baseada na concepção de um organismo ativo, cujo
pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e, em essência, social.
Pensamento e linguagem são dois círculos interligados e é na intersecção deles que se produz o que se
chama pensamento verbal, que não inclui nem todas as formas de pensamento nem todas as formas de
linguagem.
Em suas pesquisas, acompanhou o desenvolvimento da linguagem e do pensamento infantil e concluiu
que a fala, que é utilizada para a interação social, tem papel fundamental na formação e organização do
pensamento complexo e abstrato individual. Para esse autor, ocorre um processo de internalização no
desenvolvimento humano, um processo ativo de internalização do social de uma forma particular.
Interiorização e transformação interagem constantemente, de forma que o sujeito, ao mesmo tempo em
que se integra no social, é capaz de posicionar-se frente ao mesmo, ser seu crítico e seu agente
transformador.
Todo processo de aprendizagem é uma fonte de desenvolvimento que ativa numerosos processos, que
não poderiam desenvolver-se por si mesmos sem a aprendizagem. O processo de desenvolvimento não
coincide com o da aprendizagem, o processo de desenvolvimento segue o da aprendizagem, que cria
uma área de desenvolvimento potencial.
Falar da perspectiva de Vygotsky é falar da perspectiva social do desenvolvimento humano. Um de seus
pressupostos básicos é a idéia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua relação com o outro
social. A cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem. Suas
proposições contemplam, assim, a dupla natureza do ser humano, membro de uma espécie biológica que
só se desenvolve no interior de um grupo cultural.
Instrumentos e símbolos construídos socialmente definem quais das inúmeras possibilidades de
funcionamento cerebral serão efetivamente concretizadas ao longo do desenvolvimento e mobilizadas na
realização de diferentes tarefas. O conceito de mediação é fundamental para a compreensão do
desenvolvimento humano como processo sócio-histórico. Enquanto sujeito do conhecimento o homem
não tem acesso direto aos objetos, mas um acesso mediado, isto é, feito através dos recortes do real
operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe. A idéia de mediação remete a processos de
representação mental e refere-se também ao fato de que os sistemas simbólicos que se interpõem entre
sujeito e objeto de conhecimento têm origem social:
É a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação
da realidade e, por meio deles, o universo de significações que permite
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Aula 05 Fundamentos da Educação Infantil
construir uma ordenação, uma interpretação dos dados do mundo real. Ao
longo de seu desenvolvimento, o indivíduo internaliza formas culturalmente
dadas de comportamento num processo em que atividades externas, funções
interpessoais, transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas. As
funções psicológicas superiores, baseadas na operação com sistemas
simbólicos, são, pois, construídas de fora para dentro do indivíduo. O processo
de internalização é, assim, fundamental no desenvolvimento do
funcionamento psicológico humano (VYGOSTKY, 1998).
A linguagem humana é o sistema simbólico fundamental na mediação entre sujeito e objeto de
conhecimento e tem duas funções básicas: a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante.
Além de servir ao propósito de comunicação entre indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a
experiência, ordenando as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é
compartilhado pelos usuários dessa linguagem. Os conceitos são construções culturais, internalizadas
pelos indivíduos ao longo de seu processo de desenvolvimento.
O processo de formação de conceitos é a transformação, ao longo do desenvolvimento humano, do
sistema de relações e generalizações contidos numa palavra. A formação de conceitos se dá pela
interação do sujeito com os atributos presentes nos elementos do mundo real, sendo essa interação
direcionada pelas palavras que designam categorias culturalmente organizadas. Nesse processo, a
linguagem internalizada representa categorias culturalmente organizadas e funciona como instrumento
de organização do conhecimento.
Entre os teóricos considerados pós-construtivistas, Vygotsky é o que apresenta maior contribuição no
entendimento do complexo processo de aprendizagem humana, ao propor o interacionismo. A interação
social possui um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo e toda função no desenvolvimento
cultural de um sujeito aparece primeiro no nível social, entre pessoas, e depois no nível individual, dentro
dele próprio.
Vygotsky identifica três estágios de desenvolvimento na criança e que podem ser estendidos a qualquer
aprendiz:
Nível de desenvolvimento real — determinado pela capacidade do indivíduo em solucionar
independentemente as atividades que lhe são propostas;
Nível de desenvolvimento potencial — determinado através da solução de atividades
realizadas sob a orientação de uma outra pessoa mais capaz ou cooperação com colegas mais
capazes; e
Zona de desenvolvimento proximal — considerada como um nível intermediário entre o nível
de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.
47
Aula 05 Fundamentos da Educação Infantil
A zona de desenvolvimento proximal é potencializada através da interação social, ou seja, as habilidades
podem ser desenvolvidas com a ajuda de um adulto servindo de auxílio ou através da colaboração entre
pares. Já o nível de desenvolvimento real é considerado como as funções mentais do indivíduo que já
estão estabelecidas, decorrentes das etapas de desenvolvimento inteiramente cumpridas pelo sujeito.
Para finalizar esta aula, convidamos você para a leitura do texto Piaget e Vygotsky que
estabelece uma comparação desses dois autores presentes nos projetos pedagógicos de inúmeras
escolas brasileiras.
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Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 06 - Aspectos Importantes sobre o Desenvolvimento da Criança de 0 a 5 anos
Na aula 1, você estudou a construção social dos conceitos de criança e de infância e nas demais
aulas que se seguiram reforçaram como esses conceitos aparecem nos pensamentos dos
pioneiros da educação infantil. Criança sempre existiu. Já um espaço no qual ela possa ser
respeitada em suas características e necessidades e possa viver a sua infância conforme merece,
isso já é algo mais recente, principalmente se entramos na linha das argumentações de Ariès
(1981). Nesta aula, você estudará os aspectos importantes que evidenciam o desenvolvimento, as
características e necessidades das crianças de 0 a 5 anos. Antes de iniciar seus estudos, leia o
texto Tudo o que realmente eu precisava saber, aprendi no jardim de infância.
6.1 Os Três “Nascimentos” e o Processo de Desenvolvimento da Pessoa
A criança tem pelo menos três diferentes tipos de nascimento. Esses nascimentos são: o biológico, o
social e o psicológico. Tal afirmativa ressalta aspectos importantes do processo de vida e
desenvolvimento da criança, que precisam ser considerados em suas particularidades, tanto quanto em
suas interfaces e complementações.
O nascimento biológico abrange o pensar na criança desde a sua vida intra-uterina. Isto é, do
biológico, em si (da concepção ao parto), até aos aspectos outros, que envolvem os pais e a família mais
ampla. Contudo, uma gravidez não traz modificações apenas para o corpo da gestante. Nenhum casal ou
família é mais a mesma, a partir do momento em que sabem que estão “grávidos”. O anúncio da
possibilidade de uma nova vida que, em si, indica o prenúncio de uma vida de possibilidades altera o que
está ao seu redor. Isto é, há, sempre, algum tipo de perspectiva vinculada ao bebê, seja por parte dos
pais, seja por parte da família. Tal expectativa pode ser positiva ou negativa. Se negativas – no caso de
uma gravidez indesejada – isso pode significar risco de vida para o feto.
Por isso, há também o nascimento social que reúne os aspectos relacionados ao reconhecimento (e
respeito) da cidadania da criança, representados, principalmente, pelo Registro Civil e Certidão do
Nascimento. A ação da família e dois pais começam a partir da concepção – ou talvez devesse dizer –
deveria iniciar-se cerca de uns vinte anos antes disso: pela necessária educação dos futuros pais, pois
que se estar apto para procriar, nada diz sobre a capacidade de se assumir uma família, ou se exercer a
paternidade ou a maternidade, de modo adequado e responsável. À família, tanto quanto ao Estado, cabe
proteger a saúde materno-infantil, ou proteger a vida da gestante e a do bebê. Isso é tão mais relevante
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Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
quando se sabe que no Brasil, temos pelo menos dois problemas sociais sérios nesse campo: um alto
percentual de adolescentes grávidas e a paternidade irresponsável.
Muitos fatores explicam a gravidez precoce, tais como: o início cada vez mais precoce da atividade
sexual, a irregularidade inicial da ovulação e dos ciclos menstruais, a desestruturação familiar, a
desinformação associada a uma educação sexual inadequada, o abandono da escola, a baixa auto-
estima, as dificuldades de relacionamentos e de diálogos dos filhos com os pais, e outros. Tudo isso pode
interferir na vida da criança, antes mesmo dela nascer. Quanto mais jovem a gestante, maior a chance
de uma gravidez de alto risco e a possibilidade de complicações na gestação e/ou no parto. É essencial o
acompanhamento pré-natal, tanto quanto cuidados especiais no parto e no pós-parto. Ademais, há que
se pensar que é muito difícil para uma grávida quase-criança, desenvolver uma identidade materna. Mais
adiante verá a importância disso tudo quando estudar sobre a relevância do vínculo mãe-criança e o
papel estruturador da família, para a criança.
No bojo do movimento pela defesa dos direitos da criança se inclui o da “Paternidade Responsável”. Não
raro você vê campanhas e o estabelecimento de parcerias entre organizações não governamentais e
instituições sociais outras, tais como: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente –
CMDCA –, Conselhos Tutelares, Secretarias de Assistência Social e da Educação (Estadual e Municipal),
Ministério Público, Vara da Infância e Juventude e outros, para que as famílias – principalmente as
mulheres e os filhos que desconhecem os seus pais, tenham acesso gratuito ao dispendioso exame de
DNA, para o reconhecimento de paternidade. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre esse sério
problema. Contudo, é necessário chamar a atenção para o fato de que a capacidade biológica para se
procriar deve estar acompanhada de uma consciência cidadã. Igualmente, é necessário defender os
direitos das crianças de não apenas saberem quem são seus verdadeiros pais, mas também, de
receberem deles todo o apoio que precisam e merecem.
A presença da ação da família, do Estado e de instituições outras, se faz necessária desde antes de a
criança vir ao mundo. Ao nascer, seus direitos precisam ser respeitados não só em relação à sua vida
biológica, mas à sua vida de cidadão, a começar pelo Registro Civil e pela Certidão de Nascimento, na
qual constem os nomes de ambos os pais. Mas não pára aí. À família, em especial, cabe assumir de modo
adequado, a proteção, o cuidado e a educação dos seus filhos e, ao mesmo tempo, receber o devido
apoio do Governo e da sociedade em geral.
O nascimento psicológico foi objeto de estudo de Margaret S. Mahler (1897-1985). Além do livro que
reuniu alguns de seus escritos, intitulado “Simbiose e Individuação” (MAHLER, 1982) ela publicou um
outro com FRED PINE & ANNI BERGMAN (1993), sob o título de: “O Nascimento Psicológico da Criança:
Simbiose e Individuação”. Um dos primeiros pressupostos trabalhados por Mahler e colegas é o de que o
nascimento biológico do ser humano e o seu nascimento psicológico se diferenciam no tempo. O primeiro
surge com o parto. O segundo é um desdobramento, e se dá ao longo da vida da pessoa. Trata-se de um
processo intrapsíquico – da simbiose à individuação – que vai sendo construído a partir do nascimento,
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Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
no qual a relação simbiótica mãe-filho (a) desempenha papel fundamental, mas que resulta, igualmente,
de aquisições advindas do meio sociocultural.
Da linha psicanalítica, Mahler e colegas (1993) explicam que o processo separação-individuação é
fundamental para a estruturação psíquica do ego (eu), ou seja: da pessoa; e se inicia após a primeira
ruptura que enfrentamos: o nosso nascimento. Para explicar isso, a autora usa três conceitos básicos,
conforme as etapas dessa evolução. Sãos eles: o “autismo normal”, (do nascimento até por volta de
quatro semanas), a “simbiose normal” e a “fase da separação-individuação”. O esperado é que a pessoa
chegue à sua individuação, de modo saudável.
A relevância do vínculo mãe-criança e o papel estruturador da família têm sidos estudados por outros
pesquisadores de orientação psicanalítica. Um deles, John Bowlby (1907-1990), desenvolveu a Teoria do
Apego. Segundo ele, o apego tem um papel central para o desenvolvimento saudável da pessoa. Isto é, o
tipo de vínculo inicial existente entre a criança e sua mãe - em geral, a principal “figura de apego” – é
fundamental para o desenvolvimento de um estilo próprio ou de um modo de funcionamento da pessoa,
um “Modelo Funcional Interno”, mais seguro e, portanto, mais positivo ou vice-versa. Espera-se assim
que, desde a mais tenra idade da criança, seja construído com ela e no seio de sua família um núcleo
básico de confiança (BOWLBY, 1988; 1989). O tipo de Modelo Funcional que a criança construir influirá
nas suas formas de relações consigo mesma, com as demais pessoas, e com o mundo mais amplo
(BOWBLY, 1990) – mais positiva ou mais negativa.
MONDARDO e VALENTINA (1998) assim sintetizam as contribuições desses autores:
As contribuições de Margareth Mahler ao desenvolvimento infantil reforçam as
idéias desenvolvidas por Bowlby quanto ao estabelecimento, através dos
cuidados parentais, de uma base segura aos filhos. Suas contribuições
referem-se à importância fornecida às relações de objeto precoces, ou seja, ao
vínculo com a mãe, às angústias de separação e aos processos de luto nas
etapas evolutivas.
As fases que propõe como sendo organizadoras do psiquismo, incluem uma
etapa do desenvolvimento no qual o eixo psicológico é a separação-
individuação da criança em relação à mãe. A evolução normal ou patológica da
criança seria conseqüência da forma como se configurariam as etapas
anteriores e, principalmente, esta última fase do desenvolvimento mental.
A partir disso, elas destacam o papel das tarefas estruturantes, ou seja:
Mahler (1993) destaca que os três primeiros anos de vida da criança possuem
importantes tarefas estruturantes, cujo alcance e passagem são determinados
por dois fatores: primeiro, a dotação genética do bebê, que o impulsiona para
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Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
o vínculo com o meio ambiente, permitindo perceber e aceitar os cuidados
proporcionados pela mãe; e, segundo, a maternagem, ou seja, a presença de
uma mãe que verdadeiramente proporcione esses cuidados.
Há ainda outras explicações teóricas sobre o desenvolvimento da criança na perspectiva psicológica além
da abordagem psicanalítica. Essas explicações abrangem também o nascimento social, como por
exemplo: as explicações behavioristas sobre como a pessoa cresce, desenvolve-se e adquire
comportamentos, a abordagem histórico cultural, conforme a visão de Vygotsky (1896-1934); ou ainda,
os nascimentos biológico e social, como é o caso da epistemologia genética, conforme o pensamento
Jean Piaget (1896-1980).
6.2 Implicações dos Processos de Desenvolvimento e de aprendizagem da Criança para a Educação Infantil.
Os três nascimentos nos permitem uma visão tridimensional dos fatores relacionados as características
das crianças de 0 a 5 anos, contudo é mais adequado se referir ao desenvolvimento e a aprendizagem.
A despeito das divergências teóricas entre Piaget e Vygotsky, ambos destacam a relevância da ação da
criança, para o seu processo de desenvolvimento e de aprendizagem. Em Piaget, o desenvolvimento é
explicado a partir de sua base biológica, na idéia de maturação, de formação e desdobramento de
estruturas cognitivas – estágios de desenvolvimento (PIAGET, 1976). Em Vygotsky (1998), vemos a
relevância da cultura, na explicação do processo de desenvolvimento da pessoa e, ainda, do conceito de
Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP.
Nesse contexto, isto possibilita a percepção da criança como co-construtora de seu conhecimento e de
seus processos de desenvolvimento e de aprendizagem.
Esclarecendo a questão!
Na concepção de que a criança é um ser que constrói seu conhecimento a partir das interações com o
ambiente, não pode caber uma percepção inadequada de entender que isto significa manter as crianças
sempre ocupadas com as suas atividades de sala de aula, como se tais atividades existissem por elas
mesmas, sem vínculo com o planejamento do professor (a), nem com o seu trabalho pedagógico
cotidiano. É preciso que haja uma intencionalidade. O mesmo pode ser dito com relação ao ato de
pensar, que nem sempre é considerado como uma ação que demanda tempo e concentração, por parte
da criança e, portanto, precisa ter um espaço adequado na rotina das crianças. E, finalmente, como se as
crianças de creches e pré-escolas não tivessem o direito de brincar.
Em Piaget, as aprendizagens dependem, necessariamente, do nível do desenvolvimento cognitivo do
indivíduo (ou dos seus estágios do desenvolvimento); Vygotsky entende que a aprendizagem é funcional
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Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
para o desenvolvimento, isto é, a aprendizagem leva ao desenvolvimento das funções psicológicas. Ao
dar destaque à cultura no processo de desenvolvimento, Vygotsky entende o homem como um ser
biológico que, ao longo da vida, se constrói no seio da sua cultura. Assim, duas coisas são fundamentais
nesse processo: o contexto cultural onde se vive e convive, e a linguagem.
Essa idéia de subjetivação, do fazer-se junto aos outros no interior da cultura, está bem resumido em
Sousa & Pulino (2005, p. 80):
[...] para Vygotsky, o ser humano é um ser biológico que se constrói e
reconstrói, transformando-se historicamente no interior da cultua. Ele tem
transformado, historicamente, o meio ambiente físico e cultural, que, ao
mesmo tempo, transforma-o num ser cultural e histórico, calcado em suas
raízes biológicas. É um processo de mão dupla, de mútua determinação. Isso
ocorre no nível do desenvolvimento da espécie e do indivíduo: o bebê nasce
com um sistema neurológico que permite que ele atue por processos mentais
biológicos, que, por sua relação com o meio, medida por outras pessoas, vão
se transformando em processos mentais superiores.
Mais adiante, dizem as autoras (2005, p. 81):
O ser humano se torna um indivíduo imergindo-se na cultura. Ele processa sua
individuação relacionando-se com o outro, o mediador, que o introduz aos
padrões de comportamento vigentes. É um processo dialético, já que o sujeito
se torna diferenciado do outro na relação com o outro; torna-se singular por
meio de sua socialização.
Ao aproximar as abordagens trabalhadas nesta aula, você verificará que elas reforçam a idéia de que
cada pessoa precisa do outro para se descobrir e para construir-se como tal. Contudo, elas têm
pressupostos bastante diferenciados e por isso não podem ser utilizadas isoladamente para explicar as
características e as necessidades das crianças de 0 a 5 anos. As explicações das teorias devem ser re-
significadas pelo contexto em que as crianças estão inseridas.
Esclarecendo a questão!
Nesta disciplina, você não encontrará receitas prontas do tipo “o que é mais adequado para crianças na
faixa etária x ou y”, até porque não há receitas mesmo. Ademais, faixa etária não é uma categoria de
identificação de crianças, pelo menos do ponto de vista trazido para esta aboragem. O que funciona bem
numa dada instituição de educação infantil, pode não funcionar em outra. Tudo depende muito do
contexto, da cultura, da qualidade das interações, das histórias de vidas das pessoas daquele lugar e
espaço específicos, dentre outros aspectos.
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Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
6.3 O Contexto e as Competências do Professor: Conhecimento – Reflexão - Ação
Os anos iniciais da vida são decisivos. Entre 0 e 6 anos as bases da pessoa começam a se estruturar.
Mudanças significativas e rápidas ocorrem no cérebro. Formam-se as conexões cerebrais, em
conseqüência das experiências da criança com o seu meio. As diversas áreas do desenvolvimento - física,
motora, sexual, afetiva e cognitiva – são estimuladas. Começa o processo de formação, estruturação e
integração da personalidade. Surgem os primórdios da identidade, do autoconceito e da auto-estima.
Inicia-se a caminhada em direção à conquista da autonomia.
De acordo com Sousa (1998), entre 0 e 6 anos, as nossas interações com o meio passam a ser
progressivamente mais complexas. Nesse tempo, a criança começa a adquirir uma importante
ferramenta do pensamento e da comunicação: a linguagem. Aprendemos sobre o outro, sobre nós
mesmos e sobre o mundo mais amplo onde estamos inseridos. Iniciamos as aprendizagens do viver e
conviver em sociedade, bem como começamos a nos conscientizar sobre que comportamento se deve ter
frente a regras, aos valores, às normas e aos padrões sociais. Começamos, então, a entender o quê e o
porquê dos nossos direitos e deveres, bem como começamos a entender, cada vez mais, o sentido dos
comportamentos éticos e solidários. Enfim, nesse importante período da vida estamos começando duas
caminhadas básicas da vida que se complementam: a da autonomia e a do exercício da cidadania.
Você estudou na aula 1 a construção das diferentes infâncias e crianças, segundo as marcas históricas de
seus contextos. Lembra? Então, está na hora de trazer esse tema para cá, vendo-o como ele se dá, de
fato, na realidade: de cada criança, de cada sala de aula e de cada instituição da educação infantil.
Portanto, as diversidades histórico-sociais e de vida das crianças, em geral, precisam ser consideradas
desde o planejamento, até o desenvolvimento do trabalho pedagógico. E claro, entre essas diferenças,
estão aquelas das crianças com necessidades de uma atenção mais especial.
Caso você venha a ser um professor (a) de educação infantil, será necessário desenvolver as seguintes
competências:
ver a(s) o contexto de sua sala de aula como um ambiente cultural específico e, ainda, um
espaço privilegiado para se compartilhar a construção de conhecimentos;
considerar as crianças como sujeitos ativos e interativos;
perceber a função da mediação de uma pessoa mais experiente para o desenvolvimento de
uma menos experiente (uma aplicação do conceito de ZDP, de Vygotsky); e
compreender que a cultura e a linguagem são fundamentais para o desenvolvimento e a
aprendizagem (entre outras coisas).
O desenvolvimento dessas competências possibilitará você avaliar a importância da sua mediação,
quando em interações com as crianças. Isso fará com que saiba selecionar as formas mais adequadas de
sua mediação, bem como lhe dará inspirações para criar situações de aprendizagens colaborativas entre
54
Aula 06 Fundamentos da Educação Infantil
as crianças, pela ajuda mútua. Portanto, as chances são de que todas, por meio da sua mediação,
participem do crescimento, desenvolvimento e aprendizagem de todas – as mais experientes ajudando as
menos experientes.
Na TVE-Brasil há uma série de bons programas sobre o título Educação e Desenvolvimento
Infantil . Esse programa que reúne textos que contemplam os temas discutidos nesta aula,
especialmente os selecionados abaixo. Acesse, leia a apresentação e, para terminar o estudo desta
aula, leia os textos indicados abaixo:
Programa 1 - O Desenvolvimento da criança
o Texto: Desenvolvimento Cultural da criança: a transformação do biológico pelo
social
o Programa 2 – Educação e Comunidade
Texto: A criança na família e a família da criança
o Programa 5 – Formação do professor
Texto: Educação Infantil e construção do conhecimento na contemporaneidade: alguns
eixos orientadores das práticas pedagógicas
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Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 07 - Educação Infantil no Brasil: Aspectos Sociais, Políticos e Educacionais do Atendimento em Creche e
Pré-escola
Nesta aula, você estudará os aspectos sociais, políticos e educacionais do atendimento em creche
e pré-escola.
7.1 Introdução
Falar sobre os aspectos sociais, políticos e educacionais do atendimento em creche e pré-escola é, de
certa forma, contar um pouco das suas raízes históricas e, ao mesmo tempo, contar como o panorama da
educação infantil e das políticas a ela relacionada,foi se construindo em nosso país.
Um pouco sobre a história da educação da criança no mundo você estudou quando do estudo das
contribuições dos pioneiros da educação infantil. Não que não tenha havido contribuições outras, fora da
Europa. Mas como as nossas origens históricas são em grande parte européias, e muito do pensamento
desses educadores influenciaram e ainda influenciam o pensamento pedagógico brasileiro no campo da
educação infantil, trouxe-os para a nossa disciplina sobre os Fundamentos da Educação Infantil.
Você já estudou que os conceitos – infância e criança foram (e estão sendo) construídos ao longo da
história dos homens e das mulheres. Igualmente, compreendeu que uma dada concepção de criança
influi naquilo que se define em termos de sua educação, bem como nas práticas pedagógicas existentes
no interior das creches e pré-escolas. Os pioneiros que estudamos antes como Comenius, Rousseau,
Piaget e outros, romperam com os paradigmas educacionais de suas épocas. Tinham um olhar
diferenciado em relação à criança e como ela deveria ser educada. Sabendo disso, dá para imaginar o
quanto tiveram que lutar, para fazer valer as suas idéias?
Um pouco disso também ocorre em termos das políticas públicas e programas governamentais, relativos
à criança. Ou seja: eles não surgem do nada. Retratam lutas, perdas e conquistas. Suas configurações
dependem de um conjunto de coisas tais como: as concepções da época, as tensões político-sociais
existentes, os encontros e desencontros das ações de pessoas e das instituições; as necessidades
objetivas das famílias, as pressões advindas dos movimentos sociais organizados e finalmente, da
sociedade mais ampla.
7.2 Políticas Públicas para Educação Infantil
Para você ter uma idéia dos fatores e circunstâncias determinantes da definição de políticas e programas
para a infância, vamos contemplar um pouco das idéias de Cochran (1993; apud. ROSETTI-FERREIRA,
56
Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
RAMON e SILVA, 2002) em Políticas de Atendimento à Criança Pequena nos Países em Desenvolvimento.
Veja a seguir o esquema de Cochran, em que ele descreve três elementos básicos, a saber:
fatores causais;
tendências em políticas;
influências mediadoras.
FIGURA 1 - ESQUEMA DE COCHRAN PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS E PROGRAMAS PARA A INFÂNCIA
Observe que, ainda que não explicitado, há algo na base dos fatores causais: a história das sociedades.
Na Idade Média, por exemplo, não existiam os fenômenos da urbanização e da industrialização (e das
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Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
suas conseqüências). Do mesmo modo, de lá para cá, no mundo e no Brasil tem havido grandes
transformações em relação à família. Isto é, a sua estruturação não é mais a mesma, não só em relação
ao que antes definia uma família – pai, mãe (em geral, assumia-se que tinham uma relação estável) e
filhos, mas também, em relação ao “chefe de família”, outrora uma função apenas masculina. Ademais,
as famílias já não são tão numerosas como antigamente. Igualmente, hoje já não se conta com a ajuda
de parentes, principalmente avós e tios, para dividir as responsabilidades no cuidado e na educação dos
filhos.
Um dos marcos profundos da transformação do funcionamento e dinâmica da família foi a entrada da
mulher no mercado do trabalho, com o advento da industrialização. Isto evidencia também mudanças no
papel da mulher na sociedade, aos papéis exclusivos de esposa, mãe de família e dona de casa, um outro
foi agregado: o de profissional.
A mulher ganhou seu espaço. Não mais precisa se ver ou ser identificada como uma pessoa de “prendas
domésticas”. Dito assim, parece simples. Mas não é o que ocorre. É isso sim, o produto de lutas, muitas
das quais de mulheres anônimas que, de geração a geração, não aceitaram que a submissão fosse uma
escolha ou uma prioridade em seus projetos de vida. A luta das mulheres pelo respeito e por igual
tratamento continua, inclusive em termos salariais, pois em geral, até hoje os homens recebem mais por
idêntico trabalho.
Observe como uma coisa tem relação com a outra. Veja: surge a industrialização/urbanização; muda a
estrutura da família; a mulher vai para o mercado de trabalho; as famílias, em geral, não moram mais
perto dos parentes ou podem contar com eles no apoio do cuidado e da educação das crianças; então,
um problema emerge: O que fazer com as crianças? Como garantir o cuidado e a educação delas?
Evidencia-se, assim, a necessidade de instituições educativas, principalmente creches para as menores.
Mas não para aí. É preciso:
creches e pré-escolas para todas as crianças;
democratização do acesso às já existentes;
garantir um atendimento de qualidade;
ambientes adequados para o atendimento a bebês, tanto quanto às crianças maiores
(maternal/pré-escola);
garantir a formação inicial e continuada dos professores e demais agentes escolares; e
garantir a saúde, a proteção e a segurança dos pequenos.
Tudo isso envolve tanto uma base legal, quanto políticas públicas e programas integrados, principalmente
nas áreas da educação e da assistência e, claro, financiamento! Do mesmo modo envolve-se viver e
conviver com tensões, contradições e incoerências. Nem precisa dizer que no mundo e no Brasil, financiar
a educação pública é investir na redução das desigualdades sociais. E, como sabe, não há financiamento
para aquilo que não é priorizado.
58
Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
Entre os fatores causais e as tendências das políticas e programas, têm-se as forças advindas das
“influências mediadoras”. Um jogo onde se intercruzam coisas como: os valores culturais, as crenças e
normas (família e religião); as ideologias sociopolíticas e econômicas, e outros. Veja como exemplo o
caso do FUNDEB.
Exemplo: FUNDEB para valer!
Você certamente viu pela imprensa a Campanha FUNDEB para valer,
cujo principal objetivo era: conseguir que a proposta do Ministério da
Educação de criação do FUNDEB - (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
de Educação) para substituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF,
incluísse o financiamento da etapa inicial da Educação Infantil: de 0 a 3
anos. Ou seja, não deixasse de fora a possibilidade de atendimento às crianças em creches. Depois de
muita mobilização e de idas e vindas entre Câmara e Senado, se conseguiu isso (FUNDEB – Lei Federal
11.494, de 20.06.2007). Não fosse essa capacidade mobilizadora dos movimentos organizados da
sociedade civil, nada diferente ocorreria. Teríamos, assim, uma política social excludente, e uma
desigualdade de oportunidades a ser vivenciada pelos pequenos, desde os seus anos iniciais de vida.
Uma mobilização significativa foi feita pelo MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil,
que se integrou no movimento FUNDEB para valer, e em 06 de julho de 2005, em Posicionamento Público
amplamente divulgado, assim se posicionou:
O MIEIB defende a proposição de uma emenda substitutiva à PEC 415,
propondo a inclusão das matriculas da educação infantil, oferecida em creches
e pré-escolas, na distribuição dos recursos que compõem o FUNDEB. Convoca
todas as cidadãs e todos os cidadãos, fóruns, movimentos, entidades e
instituições a cobrarem dos deputados federais de seus estados a defesa da
inclusão da creche no FUNDEB. Solicita aos parceiros desta luta que se
manifestem junto à Presidência da Comissão Especial da PEC 415 pela inclusão
das creches no FUNDEB.
Observe que nesse exemplo da FUNDEB para valer, como é intricado jogo político, principalmente quando
se trata de financiamento. A leitura do texto “A educação infantil no contexto das políticas públicas”
(BARRETO, 2003), lhe dará uma visão analítica muito boa da educação infantil, no contexto das políticas
públicas. Nesse trabalho, a autora tratou mais das políticas e programas no âmbito federal, com
destaque para a situação do atendimento em creches e pré-escolas, trazendo problemas pertinentes
tanto ao financiamento, quanto à gestão da educação. Outro trabalho que vale a pena ser lido é uma
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Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
publicação da UNESCO, organizada por Coelho & Barreto (2004). Com a leitura desses estudos você
entenderá melhor a importância da luta pela inclusão das creches no FUNDEB.
7.3 O Ontem e o Hoje: uma Síntese
Se você comparar o panorama da educação infantil hoje, com aquele do início da história do atendimento
à criança brasileira, verá que, apesar de estarmos longe da necessária democratização da educação
infantil, principalmente no caso das creches públicas, o Brasil avançou nesse campo. Um deles refere-se
à mudança de perspectiva sobre a infância, a criança, e sobre a sua educação. No início dessa história –
final do século XVIII, começo do século XIX – se tinha uma abordagem essencialmente higienista e
assistencialista. Hoje se vê a criança como sujeito de direitos. Mas essa percepção tem sido uma luta
árdua.
Há consensos que, no Brasil, a despeito de se ter na década de setenta iniciativas do Ministério da
Educação em relação à educação pré-escolar, e uma demanda maior da sociedade por creches públicas, o
reconhecimento oficial da educação da criança só aparece nas décadas seguintes. Primeiro, com a
Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã, que incluiu o “atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos” (Art.208, inciso IV) entre os deveres do Estado com a educação. Depois,
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, Lei Federal 9394/96 - que reconhece a educação
infantil como a primeira etapa da educação básica. Na LDB anterior, a Lei nº. 5.692/71, no capítulo do
ensino de 1º grau (art. 19, § 2º), havia a referência de que “os sistemas de ensino velarão para que as
crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de
infância e instituições equivalentes”.
Não passava disso: “velar”, o que não respaldava nada em termos de iniciativas municipais ou estaduais.
Não sendo obrigatória essa educação, não havia como se ter previsão orçamentária para a sua oferta.
Daí a inexistência de creches públicas, espaço que foi preenchido pelas creches: privadas, comunitárias,
confessionais e filantrópicas, em boa parte vinculada à Assistência Social do Governo Federal. Nesse
caso, esta celebrava convênios diretos com os Estados e Municípios. O mesmo poderia ocorrer em âmbito
estadual ou municipal, no sentido de que as creches se vinculavam diretamente à Secretaria de Bem-
Estar Social, e não à da Educação. A partir de 1977, a Legião Brasileira de assistência (LBA), do então
Ministério da Previdência e Assistência Social, passou a subvencionar parte dessas creches e, também, a
prestar alguma “assistência técnica”. Esse órgão foi extinto em 1995, mas a Assistência às creches, em
termos de financiamento, não parou.
Do ponto de vista do Ministério da Educação, as iniciativas sobre a educação da criança, no caso, da
criança de 4 a 6 anos, começaram em 1975, com a criação da “Coordenação de Educação Pré-Escolar”.
Nos anos de 1970 e até meados dos anos de 1980, a tônica das políticas públicas voltadas para as
crianças pequenas era a compensatória. Principalmente quando se falava em crianças pobres, buscava-se
compensá-las de suas carências: nutricionais, culturais, educacionais, de aprendizagens e outras.
60
Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
Em 1981, o MEC divulgou, amplamente, um documento no qual explicitava o seu Programa Nacional de
Educação Pré-Escolar. Dois anos antes, havia sido declarado o Ano Internacional da Criança. Esse
programa tanto era levado a cabo pelo MEC, por meio da COEPRE – Coordenação de Educação Pré-
escolar, como pelo Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização, que a essa época, também passou a
financiar ações na área da pré-escola. Como não poderia deixar de ser, os pressupostos e as ações
previstas nesse programa têm o viés da filosofia compensatória.
Nos dias de hoje, a educação infantil do MEC está sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de
Educação Infantil e, conforme se vê no Portal do MEC, ela “busca subsidiar os sistemas de ensino na
elaboração de normas e ações político-pedagógicas respeitando peculiaridades desta etapa da educação
básica. Sua meta é a melhoria da qualidade da educação da criança de 0 a 6 anos”. Esta Coordenação se
vincula ao Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Vale a pena conferir!
Entre no portal do Ministério da Educação (MEC) e explore o que está disponível, em termos de estudos e
documentos, na área da educação infantil. Recomendamos, em especial, o Proinfantil, um curso para
formação de professores da educação infantil. Também é interessante conhecer as publicações criadas
pelo MEC para a Educação Infantil. É nessa parte que você tem acesso ao material didático do Proinfantil
e outros documentos. Igualmente importante é a leitura dos seguintes documentos:
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (dois volumes);
Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil;
Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação;
Revista Criança;
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (3 volumes);
Subsídios para Credenciamento e o Funcionamento das Instituições de Educação Infantil;
Integração das Instituições de Educação Infantil aos Sistemas de Ensino - Um estudo de caso.
Observe que a integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino é uma decorrência
da LDB de 1996. Em novembro de 1999, a Gerência de Projetos de Zero a Seis Anos, da Secretaria de
Estado de Assistência Social – SEAS/MPAS, do Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS,
publicou um documento intitulado de: Ação compartilhada das políticas de atenção integral à criança de
zero a seis anos. Já na abertura desse documento, percebe-se o novo direcionamento político dado à
educação infantil, qual seja, o da integração das ações voltadas para as crianças entre 0 e 6 anos:
A Secretaria de Estado de Assistência Social – SEAS/MPAS, por meio da Gerência de Projetos de Zero a
Seis Anos, e o Ministério da Educação, por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil,
consideraram oportuno, tendo em vista os prazos legais definidos na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB de 1996, elaborar material de apoio e subsídio a estados e municípios no que
se refere à integração de creches e pré-escolas aos sistemas de ensino. As informações e procedimentos
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Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
sobre esta ação de caráter técnico demandam uma articulação política entre educação e assistência
social, de maneira que não se fragmente o atendimento à criança pequena, reconhecendo-a como sujeito
de direitos. (BRASIL, MPAS, 1999 p.5).
Mais na frente, é esclarecido que o trabalho pautou-se:
(...) na crença de que para operacionalizar um serviço de atenção à criança de
zero a seis anos de idade de forma integrada e integral, é fundamental que o
trabalho seja realizado de forma articulada com as políticas públicas. Destaca-
se a necessidade de definições claras e democráticas das atribuições e
competências de cada área, recorrendo-se a uma fundamentação histórico-
social, a fim de que se possam oferecer elementos necessários para a
efetivação de uma prática adequada às particularidades das crianças dessa
faixa etária, em seu contexto sócio-cultural (BRASIL, MPAS, 1999 p. 5).
Em estudo publicado em 2000 – Histórias da educação infantil brasileira, Moysés Kuhlmann Jr. se
posiciona sobre isso, tendo o município de São Paulo como foco. Segundo ele, naquele ano as creches do
município ainda não tinham se desvinculado do órgão do bem-estar social. Falando de um modo mais
geral, ele afirma que:
Em muitos outros municípios, a mudança já se realizou. Mas a segmentação
do atendimento da criança pobre em instituições estruturadas precariamente
continua na agenda dos problemas da educação infantil brasileira. A
incorporação das creches aos sistemas educacionais não necessariamente tem
proporcionado a superação da concepção educacional assistencialista. A falta
de verbas para a educação infantil tem até estimulado novas divisões, por
idades: apenas os pequenos, de 0 a 3 anos, freqüentariam as creches; e os
maiores, de 4 a 6, seriam usuários de pré-escolas; são várias as notícias de
municípios cindindo centros de educação infantil e limitando o atendimento em
período integral. Mas as instituições nunca foram assim e as creches quase
sempre atenderam crianças de 0 a 6 anos, ou mesmo as com mais idade –
excluídas da escola regular ou em período complementar a esta (KUHLMANN
JR., 2000, p.7).
O problema da integração das instituições da educação infantil aos sistemas de ensino é tratado pelo
MEC, em documento mais recente. Se você já entrou no Portal do MEC, na parte relativa à educação
infantil, já viu que o seu título é: “Integração das Instituições de Educação Infantil aos Sistemas de
Ensino: um estudo de caso de cinco municípios que assumiram desafios e realizaram conquistas”
(BRASIL MEC/SEF, 2002).
62
Aula 07 Fundamentos da Educação Infantil
Não poderíamos concluir esse diálogo sobre educação infantil no Brasil: aspectos sociais, políticos e
educacionais do atendimento em creche e pré-escola, sem chamar a atenção para um fato: as influências
de organismos internacionais. Seria um equívoco assumir que os interesses e as movimentações políticas
referentes ao financiamento nas áreas sociais como as da saúde educação, se situam apenas no âmbito
dos interesses nacionais. Por exemplo, há uma série de estudos mostrando como no caso brasileiro, e no
de outros países subdesenvolvidos, há uma interferência grande do Banco Mundial e de organizações
internacionais outras como UNICEF e UNESCO, nas políticas educacionais em geral, e, em especial,
naquelas da primeira infância. Financiamentos internacionais têm direcionado as decisões políticas
relativas à educação infantil.
Esperamos que nesta aula você tenha tido uma visão geral das questões importantes relativas aos
aspectos sociais, políticos e educacionais do atendimento em creche e pré-escola. Há avanços,
como se viu, mas ainda temos muito trabalho pela frente para podermos falar de uma educação
infantil de qualidade para todas as crianças brasileiras. A realidade desafia, e acredite: é possível
mudá-la sempre e para melhor! Faça a diferença na educação brasileira e, em especial, na
educação das crianças pequenas. Essa é uma razão a mais para que você cuide bem deste seu
tempo de formação em Pedagogia.
63
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 08 - Educar e Cuidar no Contexto da Educação Infantil
Toda criança tem o direito a um bom começo de vida. Para isso ela precisa ser acolhida, amada,
e respeitada em suas necessidades e características. Para crescer e se desenvolver de forma
saudável, a criança necessita de: afeto, proteção, cuidado e educação. Portanto, precisa de um
ambiente promotor do seu desenvolvimento e aprendizagem, que reconheça a sua identidade
cultural e a veja como um sujeito de direitos, que vive um tempo especial do seu processo de vida.
Nesta aula, você estudará a díade que identifica bem a educação infantil: cuidar e educar, por
meio dos referenciais legais da educação infantil.
8.1 Introdução
A criança pequena vive um momento muito especial e único de sua vida: o da construção de suas bases
físicas, psicológicas, cognitivas, afetivas e sociais. O bebê, a partir das suas primeiras interações com o
ambiente, começa a formar conexões cerebrais, que serão tanto mais numerosas quanto mais
diversificadas forem as estimulações recebidas. É, pois, um momento crucial de construção das bases da
pessoa, das suas competências e habilidades e, ainda, da sua autonomia e cidadania. É um tempo onde a
criança começa a apreender sobre si, sobre o outro e sobre o mundo mais amplo, e dá seus passos
iniciais na aprendizagem da leitura do mundo e da apropriação/construção de conhecimentos. Enfim, é
um tempo de construção das bases do seu ser pessoal e social.
Por se encontrar num período muito crítico e decisivo de sua história de vida, a criança de creches e pré-
escolas necessita que as pessoas que a cuidam e educam tenham uma formação adequada. Devido à sua
grande plasticidade e a possibilidade contínua de receber influência dos adultos, entendo que quanto
menor a criança, maior deveria ser o nível de formação dessas pessoas. Seja no âmbito das instituições
educativas, seja naquele das famílias.
Contudo, o que em geral ocorre é se atribuir às pessoas mais jovens e menos experientes, a
responsabilidade pelas turmas dos menores. Para se cuidar e educar uma criança há que se ter uma
visão do seu presente – da sua forma de ser e estar no mundo, e do seu futuro. Assim, não faz sentido
expô-la a situações de risco, de violência, de ameaça ou de perigo, ou ainda, a um cotidiano de medos ou
inseguranças.
Portanto, não é qualquer instituição de educação infantil – seja ela pública ou privada – que serve para
as crianças pequenas. Não basta o acesso. É preciso que as crianças sejam estimuladas, acompanhadas e
orientadas pelos adultos com quem vivem e convivem. É preciso que, como educadores, eles saibam
como fazer uma mediação adequada capaz de ajudar a criança a crescer e a se desenvolver de forma
64
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
saudável. É preciso, portanto, que as famílias e as instituições educativas proporcionem às crianças, uma
educação infantil de qualidade.
Como se sabe, a educação infantil tem as suas especificidades que a torna diferenciada em relação às
demais etapas da educação básica. Uma das mais marcantes é a relação indissociável entre o educar e o
cuidar.
8.2 Cuidar e Educar: Bases Conceituais
Na gênese da história das instituições de educação infantil e num tempo mais além, o “cuidar” e o
“educar” eram vistos como coisas separadas. O cuidar esteve associado às concepções de proteção, de
amparo, de educação compensatória, do assistencialismo, e da filantropia. Sua origem data do começo
do século XIX, quando educadores como Pestalozzi, Fröebel e Montessori buscaram, por meio da
educação que propunham para os pequenos, uma forma de “compensar” a pobreza, a miséria ou o
abandono em que se encontravam.
O segundo – o educar – era considerado algo mais importante. Uma função dos professores (as). O
cuidar ficou sendo visto como uma atividade dos “auxiliares” da turma, a quem cabia a responsabilidade
da higiene pessoal das crianças como trocar fraldas, dar banho e alimentar. Na verdade, essas
concepções e esse tipo de divisão do trabalho ainda existem hoje em muitas creches e pré-escolas.
No Brasil, as primeiras creches, de cunho marcadamente higienista e assistencialista, eram vistas como
lugar de guarda e de proteção das crianças, enquanto as mães trabalhavam. Em geral eram filantrópicas,
e tinham uma filosofia compensatória. Destinavam-se às crianças pobres. Para as outras, havia os jardins
de infância. Segundo Kuhlmann JR (2001), tais creches revelavam tanto uma concepção preconceituosa
da pobreza, quanto um atendimento de baixa qualidade dado às crianças, justamente para que não
ascendessem socialmente, permanecendo assim, no seu lugar social de origem.
Observe o seguinte: até hoje muitas famílias pobres ou não contam com as creches por falta de vagas,
ou quando essas existem funcionam, muitas vezes, em ambientes inadequados, seja em termos de
instalações físicas, seja pela falta de formação do seu pessoal e, ainda, pela inexistência de uma proposta
pedagógica que norteie os trabalhos ali desenvolvidos.
O avanço no campo da educação infantil e as contribuições advindas da psicologia, da sociologia e áreas
outras, mostram que não tem mais sentido se ver, de modo fragmentado, o cuidar e o educar. Educa-se
enquanto se cuida. Cuida-se, enquanto se educa. O cuidado é uma ação humana tanto quanto o educar,
e elas se complementam.
65
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
Em termos de bases conceituais, podemos considerar, com propriedade, a relação cuidar-educar segundo
o explicitado nos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil - RCNEI (MEC, 1988, Volume I,
p. 23-25). Isto é:
Educar
Significa propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e
que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e
estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças,
aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Nesse processo, a educação poderá
auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades
corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de
crianças felizes e saudáveis.
Cuidar
Contemplar o cuidado na esfera da instituição da educação infantil significa compreendê-lo como parte
integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam
a dimensão pedagógica. Ou seja, cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a
integração de vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas.
Os RCNEI (MEC, 1988) apresentam, ainda, outras idéias relativas ao cuidado. Por exemplo, é dito que
ajudar o outro a se desenvolver como ser humano é a base do cuidado humano. Igualmente, se esclarece
que “o cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e
implica em procedimentos específicos”. Faz também referências à relação entre o cuidado e o
desenvolvimento integral, dizendo que esse último
depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva e
dos cuidados com os aspectos biológicos do corpo, como a qualidade da
alimentação e dos cuidados com a saúde, quanto da forma como esses
cuidados são oferecidos e das oportunidades de acesso a conhecimentos
variados.
8.3 Cuidar e Educar: Bases Legais, Faces e Interfaces no Cotidiano da Educação Infantil
Que legislação oferece as bases legais da Educação Infantil? Você a conhece? Vamos analisar isso agora.
66
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
8.3.1 Constituição da República Federativa do Brasil
Na nossa Carta maior, a Educação está contemplada na Seção I (Da Educação) do Capítulo III - DA
EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO. Contudo, no Art. 6º do seu segundo Capítulo, que
trata dos Direitos Sociais, a educação é referida como um direito social (ao lado da saúde, do
trabalho, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e à
infância, e da assistência aos desamparados). No artigo seguinte, entre os “direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”
está o XXV, que se refere à “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento
até seis anos de idade em creches e pré-escolas”. No Art. 30, que trata das Competências dos
Municípios, é dito, no item VI, que esses devem “manter, com a cooperação técnica e financeira
da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental”.
Veja agora os artigos do Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto - Seção I: Da
Educação). São eles:
Art. 205
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
Observe que o cuidar se insere no direito à educação e no atendimento desse direito. Veja que há
menções à “proteção” à maternidade e a infância, e o uso da palavra “assistência”. Nesse sentido, é
preciso atentar para que os termos da lei não sejam entendidos como uma proposta de assistencialismo
ou filantropia. Pelo contrário! Veja que se a Constituição tivesse sido cumprida, o Brasil estaria bem mais
avançado em termos de universalização do atendimento na educação infantil. Como sabe, vinte anos
após, o acesso à educação infantil ainda não é uma realidade na vida de todas as crianças entre 0 e 6
anos, principalmente aquelas que residem em locais mais afastados dos grandes centros.
No Art.211, a Lei define que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios organizar,
em regime de colaboração, seus sistemas de ensino. No que se refere à educação infantil, o parágrafo
segundo desse artigo diz o seguinte: § 2° Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental
e na educação Infantil. Isso significa que como o FUNDEB passou a incluir as creches e as pré-escolas,
os Municípios passaram a ter dotações orçamentárias para esse atendimento.
Uma última consideração sobre a nossa Carta Magna refere-se ao Capítulo VII - Da Família, da Criança,
do Adolescente e do Idoso. Veja os termos do Artigo 227 a seguir, e procure identificar a díade cuidar-
educar. Veja que não só a educação é um processo para toda a vida. O cuidado é, também, fundamental.
Não há mesmo como separar um do outro.
67
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
8.3.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº. 9.394, de 20 de Dezembro de 1996)
A LDB reafirma o direito da criança à educação. Na história da Educação Infantil essa lei é um importante
marco, principalmente pelo seu artigo 29, que explicita o reconhecimento da educação infantil como a
primeira etapa da educação básica.
Como não poderia deixar de ser, há outras menções à educação infantil. Já no TÍTULO III - Do Direito à
Educação e do Dever de Educar, o item IV refere-se, justamente, ao “atendimento gratuito em creches e
pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”. No TÍTULO IV - Da Organização da Educação
Nacional, a Lei destaca a responsabilidade da União para, junto com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, definir as competências e diretrizes dos diferentes níveis do ensino, a partir da educação
infantil. Os artigos que fazem referência direta à educação infantil são o 11, o 17 e o 18. Veja-os a
seguir:
Art.11
Os Municípios incumbir-se-ão de: (...) V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
Art.17 Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem: (...) Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino.
Art.18
Os sistemas municipais de ensino compreendem:
I. as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;
II. as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;
Veja que a Lei situa nos Municípios a oferta da educação infantil - em creches e pré-escolas –, contudo há
uma fragilidade em relação à educação infantil. Isto é, o Art.11 não só explicita a prioridade para o
ensino fundamental, mas também impõe algumas condições para se atender outros níveis, inclusive no
que se refere aos recursos a serem usados. Veja que com isso, na prática, o cuidado e a educação da
criança, na perspectiva do poder público, ficaram comprometidos. Com o FUNDEB essa distorção foi
corrigida.
68
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
A próxima menção da Lei à educação infantil está em seu TÍTULO V, que trata “Dos Níveis e das
Modalidades de Educação e Ensino”. A referência encontra-se no CAPÍTULO I – sobre a Composição dos
Níveis Escolares, mais especificamente no Art. 21º. Nele é novamente dito que a educação infantil
compõe a educação básica. Esta é melhor explicitada no capítulo seguinte. É nesse capítulo que temos
três importantes artigos, que são o 29, o 30 e o 31:
Art. 29
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30
A educação infantil será oferecida em:
I. creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II. pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.
Art. 31 Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.
Como se viu antes, é justamente no primeiro desses três artigos que temos o principal marco da história
da Educação Infantil – o seu reconhecimento e a sua inserção no Sistema de Ensino. Mas isso não é tudo.
Veja que ele define a finalidade da educação infantil: o desenvolvimento integral da criança até seis anos
de idade (em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social) e a natureza da sua ação educativa
em relação àquela da família e da comunidade: uma ação complementar. Isso mostra, igualmente, a
essência do cuidar e do educar a criança: contribuir para o desenvolvimento integral da criança. Esse
cuidar e educar deve ocorrer, pois, tanto no âmbito da família, quanto no seio das creches (ou entidades
equivalentes) e das pré-escolas. É uma ação que, necessariamente, precisa ser integrada e
compartilhada.
Para Saber Mais
A idéia de integração de ações no atendimento à criança pequena envolve aspectos políticos e aspectos
pedagógicos relevantes. Para entender melhor sobre isso, leia o trabalho: “Políticas integradas de
educação e cuidado infantil: desafios, armadilhas e possibilidades”, de Lenira Haddad (2006).
Veja que, ao explicitar o ponto de partida de seu estudo, a autora acaba por identificar algumas
importantes características do atendimento da criança pequena em alguns países, incluindo o Brasil, que
envolve a díade cuidar-educar, quais sejam:
1. o “quadro de inconsistências, incoerências, paralelismos e descontinuidade nos serviços voltados à
educação e cuidado infantil presentes na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento
estudados; e
2. a necessidade de uma abordagem pró-integração para alcançar coerência, consistência e
coordenação em políticas e práticas.
69
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
Para ajudá-lo (a) a sistematizar o seu estudo desse artigo e do tema em pauta, de um modo mais geral,
listo a seguir algumas perguntas para você responder:
O que caracteriza o paralelismo nos serviços de educação e cuidado infantil?
O que conduz à polarização entre o cuidar e o educar e como esta influencia a organização de
instituições de educação infantil no que se refere: aos seus objetivos, ao público alvo, à sua
regulamentação, ao seu financiamento, à sua oferta, ao seu pessoal, ao seu tipo de funcionamento, e
outros?
O que a autora julgou necessário fazer antes de propor ações voltadas para a integração de serviços
de ECI (Educação e Cuidado infantil)?
O que o seu modelo de integração de ECI levou em consideração e em que estudo anterior se
apoiou?
Quais os principais desafios e armadilhas em relação a uma política de integração consistente e
coerente dos serviços voltados para o cuidado e educação da criança pequena?
Que mudança de paradigma em relação ao cuidar e educar propõe a autora?
Quais os desafios práticos de um modelo integrado de ECI?
Quais os principais desafios para a prática pedagógica do modelo integrado de ECI?
Continuando, vamos reler o Art. 31:
Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento,
sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.
Observe que de modo muito coerente, no que diz respeito à avaliação se faz referência ao
acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança. Não poderia ser diferente! Ora, se a
finalidade da educação infantil é o desenvolvimento integral da criança, o foco da avaliação só poderia ser
esse mesmo. Contudo, isso não é algo fácil de ser aceito e menos ainda, de ser aplicado.
Vários fatores contribuem para isso. Um deles diz respeito à forte influência da cultura da escolarização
ou da atenção ao que se entende deva ser o “sucesso escolar”, em especial a importância dada ao
domínio dos conteúdos das disciplinas curriculares e, também, a preocupação com o ensino de algumas
habilidades específicas para as crianças pequenas. O que se fala, portanto, é da valorização maior dada
aos aspectos mais cognitivos do desenvolvimento, deixando-se de lado as demais dimensões. Isso faz
com que, por exemplo, instituições de educação infantil exijam coisas como “deveres de casa” das
crianças pequenas – o que, muitas vezes, é um procedimento muito “bem-vindo” na perspectiva dos pais
por não entenderem sobre a finalidade da educação infantil. Alguns chegam a protestar porque estão
“pagando para os filhos apenas brincarem”.
Outra atitude comum é se iniciar bem mais cedo a alfabetização mais formal da criança (em termos do
ensino da leitura e da escrita). Uma das conseqüências mais sérias dessa supervalorização dos aspectos
cognitivos do desenvolvimento é se deixar de ver e respeitar a criança no seu jeito próprio de ser e estar
no mundo. Portanto, no seu tempo presente. A partir das capacidades e competências que já tem (e não
70
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
do que se deseja que ela venha a ter no futuro). Uma outra implicação disso refere-se ao fato de não se
saber dar o devido valor, por exemplo, às brincadeiras, às manifestações artísticas e culturais e outras,
no âmbito da educação infantil.
Nesse sentido, o cuidar e o educar precisam ser vistos, antes de tudo, como espaços de desenvolvimento
e de aprendizagem, a partir da própria criança e da sua história de vida. Nesse contexto, há que se
atentar para a importância da diversidade. Cada criança tem a sua unicidade e a sua subjetividade,
construídos a partir das suas relações com o outro, com a cultura de seu contexto e com o ambiente,
num sentido mais amplo. Consideradas em seu conjunto, as crianças diferem em termos de muitas
coisas tais como: o corpo e as formas de expressão e de comunicação; o tipo de história pessoal e
experiências de vida; a idade; a família, as suas crenças e valores; a cultura de seus ambientes; o tipo
de moradia; o ambiente onde vivem e convivem. Finalmente, diferem nas formas de verem,
apreenderem e sentirem o mundo, e nele se comportarem.
Agora ficou mais claro o quanto o Art.31 da LDB está coerente naquilo que afirma em termos da
avaliação no contexto da educação infantil – não poderia ser mesmo outra coisa, não é mesmo? É
essencial, de fato, que os profissionais da educação infantil saibam identificar, acompanhar, analisar e
registrar o seu processo de desenvolvimento.
Continuando a análise da LDB. Na seqüência, veja o capítulo V, que trata da Educação Especial. Nele, o
parágrafo 3º do Art. 58, diz claramente que “a oferta de educação especial, dever constitucional do
Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil”. Isso refere-se que ao
cuidar e educar as crianças é preciso considerar que algumas delas podem demandar uma atenção
especial devido às especificidades das suas características e necessidades. Nesse caso, é preciso não só
se ter uma formação especializada - sem o que não se consegue fazer uma mediação pedagógica
adequada - promotora do desenvolvimento dessa criança, mas também um cuidado grande para que ela
não seja nem se sinta discriminada. Isto nos fala sobre a criança e, também, sobre a formação dos
professores.
Outro cuidado em relação a essa criança diz respeito à atenção que deve ser dada à formação da sua
autonomia considerando-se, conjuntamente, seus limites e as suas potencialidades – as atuais e aquelas
que poderão ser desenvolvidas com a ajuda de outras pessoas, ainda que de forma mais lenta, se
comparada a outras crianças. No fundo, diferenças de ritmos entre as crianças existem em todas as salas
da educação infantil. E não apenas nelas. As pessoas diferem em seus ritmos de vida, não é mesmo?
Percebeu que essas idéias supõem a integração de vários conceitos, tais como – formação inicial e
continuada, educação especial, inclusão, igualdades de direitos (incluindo o direito à plenitude da vida),
cidadania, profissionalismo e, ainda, o conceito de desafios? No contexto da educação especial e da
inclusão, há desafios específicos para cada um dos protagonistas desse processo educativo – a criança, o
professor (a), as demais pessoas que compõem a comunidade escolar, os pais e as famílias das crianças,
e a sociedade num sentido mais amplo.
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Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
DECRETO No 3.276, DE 6 DE DEZEMBRO DE 1999
Dispõe sobre a formação em nível superior de professores para atuar na educação básica e dá outras
providências.
Art. 3 - A organização curricular dos cursos deverá permitir ao graduando opções que favoreçam a
escolha da etapa da educação básica para a qual se habilitará e a complementação de estudos que
viabilize sua habilitação para outra etapa da educação básica.
§ 2o A formação em nível superior de professores para a atuação multidisciplinar, destinada ao
magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, far-se-á, preferencialmente,
em cursos normais superiores. (Redação dada pelo Decreto nº. 3.554, de 2000)
A formação dos profissionais da educação é abordada no Titulo VI dessa Lei, que trata, especificamente,
dos Profissionais da Educação. No que diz respeito à educação infantil é dito o seguinte:
Art. 62
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Art. 63
Os institutos superiores de educação manterão:
I. cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;
Veja que, nessa parte de formação de professores, houve uma mudança grande. Se antes a Lei falava na
necessidade de se ter nível superior para se atuar na educação básica, em 2000 o Decreto 3.554 inclui a
palavra “preferencialmente”. O próprio MEC, que por sua natureza não deveria trabalhar em execução
direta das políticas públicas, desenvolve o Proinfantil (falado em aula anterior), que é uma formação de
professores para a Educação Infantil, no nível médio, e não superior. Fala-se que é um Programa
“emergencial”. Se essa necessidade existe, se deveria pensar, igualmente, na continuidade da formação
desses profissionais, que passariam para o Ensino Superior.
Importante!
A LDB foi alterada em vários dos seus artigos. A alteração mais recente ocorreu em conseqüência da LEI
Nº. 11.274 de 2006, que tornou obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade. Essa
Lei alterou a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da LDB. Veja as mudanças ocorridas na LDB ao longo
desses 20 anos.
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Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
8.3.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - RESOLUÇÃO CEB Nº. 1, DE 7 DE ABRIL DE 1999
A análise das bases legais do cuidar e educar estaria incompleta sem a inserção das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Note que, diferentemente dos Referenciais Curriculares
antes mencionados, essas Diretrizes são mandatórias. Ou seja: precisam ser observadas quando da
organização das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil integrantes dos diversos
sistemas de ensino. Isto é: “na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação” das propostas
pedagógicas. Nessas Diretrizes há três Fundamentos Norteadores postos em termos de Princípios. São
eles:
Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem
Comum;
Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito
à Ordem Democrática; e
Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de
Manifestações Artísticas e Culturais.
Observe como o educar e cuidar estão implícitos nesses princípios. Mesmo assim, há uma referência clara
sobre essa díade no item 3, do Art.3:
III – As Instituições de Educação Infantil devem promover em suas Propostas
Pedagógicas, práticas de educação e cuidados, que possibilitem a integração
entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos, lingüísticos e sociais
da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível.
Veja que o cuidar e educar estão postos como mediadores da integração dos vários aspectos do
desenvolvimento da criança. Uma nova menção ao cuidar e educar é feita no item V, do mesmo Art.3º:
“As Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de avaliação,
através do acompanhamento e dos registros de etapas alcançadas nos cuidados e na educação para
crianças de 0 a 6 anos, “sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”.
8.3.4 RESOLUÇÃO CNE/CP Nº. 1, DE 15 DE MAIO DE 2006 - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação
em Pedagogia, Licenciatura
Você conhece as Diretrizes relativas ao curso de Pedagogia? Se não conhece, recomendo que as estude
para entender melhor o seu curso. Essas diretrizes datam de 2006. É uma Resolução do Conselho
Nacional de Educação (Conselho Pleno), e referem-se
73
Aula 08 Fundamentos da Educação Infantil
à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional
na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos.
Nessa Resolução, o cuidar e o educar são referidos no Art.5º, como uma das especificações daquilo que
se espera em termos do preparo do egresso do curso de Pedagogia. Trata-se do segundo, dos dezesseis
listados. Isto é: “II - compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir,
para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social”. Perceba
que aqui já se considera a criança de seis anos como aluna do Ensino Fundamental.
Esta aula criou condições para que refletisse sobre a indissociabilidade entre o cuidar e o educar. Ambos
se inserem não só no âmbito da educação infantil como promotores do desenvolvimento e da
aprendizagem da criança, mas na tessitura, na trama e nas relações do viver e conviver – da infância à
vida adulta. Cuidados nos remte a elementos outros como o meio ambiente, a outras formas de vidas
não humanas e ao nosso planeta – a Terra.
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Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 09 - O Brincar no Contexto da Educação Infantil
A brincadeira é uma coisa muito séria, principalmente quando se trata do brincar infantil. Se já
é difícil entender o mundo infantil a partir do olhar das crianças, não menos complicado é
identificar as relações entre os elementos que pulsam e se movimentam nas múltiplas
combinações entre o real e o imaginário de uma criança ou de um grupo de crianças, em
situação de brincadeira. Nesta aula você terá oportunidade de estudar sobre a brincadeira, no
contexto da educação infantil.
9.1 Introdução
Ao longo dos tempos, a brincadeira tem sido associada à infância e à criança. Há evidências de que, em
geral, as crianças brincam - não importa o tempo ou a cultura. Como sabe, o lúdico ou a brincadeiras e
os jogos são temas freqüentes na educação infantil. Contudo, isto não significa que se compreenda bem
o seu significado ou que se consiga fazer uma mediação pedagógica adequada no que se refere ao
brincar infantil.
O que se vê no cotidiano das creches e pré-escolas, em relação às brincadeiras? Muitas coisas
adequadas, mas também, muitas inadequadas. Uma delas refere-se à tendência de se colocar em
posições opostas, o brincar e o aprender. Isto traz conseqüências desaforáveis tanto para a criança,
como para o trabalho pedagógico em geral, conforme ilustrado a seguir.
O caso do Rodrigo
Quando, ao final do jardim de infância, explicaram ao Rodrigo que no ano seguinte ele teria que ir para
uma outra turma e professora, porque ele havia crescido e, portanto, não mais poderia ficar brincando,
pois “precisava estudar e aprender”, ele prontamente respondeu: “Eu não quero aprender!” Ao
insistirem, ele não titubeou. Disse de imediato: “Já disse que não quero aprender, e quem quiser me
ensinar vai ter que me pegar” – correu e fugiu da escola, aproveitando-se do portão aberto. Não foi fácil
alcançá-lo!
Como se viu, o diálogo que se procurou ter com o Rodrigo foi muito inadequado. É preciso que todos
entendam que sem brincadeira, não se pode falar num ensino de qualidade para crianças de creches e
pré-escolas. O mesmo pode se dizer em relação àquelas que se iniciam no ensino fundamental.
Brincadeiras, livros, letras e números deveriam ter o mesmo tratamento em termos de prioridade. Para
as crianças, as brincadeiras são como um livro sempre aberto para a aprendizagem das coisas da vida.
Por que não aprender isso com elas? Por que negar esse fato nas nossas salas de aulas?
Esse caso é tanto real quanto simbólico. Quantas crianças,se pudessem, não fariam a mesma coisa,
sempre que se sentissem ameaçadas ou desrespeitadas? No caso do Rodrigo, “estudar e aprender”
75
Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
significava perder o que mais gostava: os passeios de ônibus (o que se fazia, freqüentemente, com os
menores), bem como deixar de brincar com os colegas. Isso para não falar das relações afetivas já
estabelecidas com a professora, fundamental para ele, principalmente por já ter uma dura história de
vida: um pai desconhecido e uma mãe alcoólatra.
Um segundo ponto que se traz à tona diz respeito às conseqüências do desconhecimento generalizado da
função do brincar para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Um fato corriqueiro, por
exemplo, é a dificuldade que muitos pais têm para entender o porquê das crianças pequenas “só
brincarem”. Do mesmo modo, alguns professores de pré-escolas tendem a perceber a brincadeira apenas
como uma “aliada” ou como um “recurso didático” para facilitar o aprendizado dos seus alunos. Outras
vezes, ela é usada como um meio de “relaxamento” para as crianças, podendo ser ainda, uma
ferramenta de controle dos seus comportamentos: “se ficarem quietos, a tia deixa brincar depois!”. Como
você sabe, essa é uma expressão comum no âmbito da educação infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Contudo, há educadores mais críticos. Esses vêem o brincar como um direito da criança e sabem que a
brincadeira é fundamental para o seu desenvolvimento e aprendizagem. Ocorre que, nem sempre eles
conseguem transformar suas crenças em fazer pedagógico. Isso porque são obrigados a seguir as
orientações dadas pela direção da escola ou pela coordenação, as quais priorizam aspectos mais
cognitivos do desenvolvimento.
Desse modo, no planejamento e na organização das rotinas há pouco ou nenhum espaço para as
brincadeiras. O tempo maior é reservado mesmo para a realização das “atividades”, pelas crianças, as
quais são, em sua maioria, feitas individualmente. Nesse caso as crianças sentadas e mais “quietas” e,
portanto, sem trocas ou interações com os colegas. Isso é um equívoco duplo. Primeiro, por se perder
tudo o que as brincadeiras poderiam trazer de benefícios para o crescimento e o desenvolvimento das
crianças. Segundo, por se tirar delas a oportunidade de interagir. Como você sabe, as interações com o
outro são indispensáveis para a constituição do indivíduo. A relevância do outro no contexto das
brincadeiras infantis está bem sintetizada nas palavras de Leite (2002):
É o outro quem me constitui sujeito, quem me mostra quem sou. É na relação
com o diferente de mim que vou alicerçando ou desconstruindo hipóteses,
modelos. A possibilidade de experienciar sentimentos fortes e contraditórios,
colocar-me em múltiplos papéis, de exercitar o poder, dizer o indizível, viver o
inimaginável. Enfim, na interação com o outro, a brincadeira alarga as
fronteiras entre a fantasia e a realidade colaborando significativamente na
construção da identidade das crianças. Na qualidade de sujeito social,
brincando, a criança não está só fantasiando, mas trabalhando suas
contradições, ambigüidades e valores sociais.
76
Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
Observe como é importante a aproximação maior entre a família e a escola, inclusive para se entender
melhor o significado do brincar. Esse diálogo precisa ser construído de forma aberta e constante, bem
como incluir todos os atores envolvidos com a educação e o cuidado da criança: a família, a direção, a
coordenação e educadores (professores e auxiliares). Uma melhor compreensão da função do lúdico ou
do papel da brincadeira para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, resultaria em atitudes
mais positivas e adequadas frente ao brincar, sendo a criança a maior beneficiária disso. Tudo seria
diferente se, por exemplo, todos compreendessem a brincadeira como aquilo que nos esclarece Lima
(2005, p. 167):
uma forma de expressão e apropriação do mundo das relações, das atividades
e dos papéis dos adultos. [...] fonte privilegiada de desenvolvimento proximal
e colabora para que a criança assimile e estruture novas aprendizagens,
avançando nos seus estágios de desenvolvimento.
Para Refletir
Apenas brincando
Quando estou construindo com blocos no quarto de brinquedos,
Por favor, não diga que estou apenas brincando.
Porque enquanto brinco estou aprendendo
Sobre equilíbrio e formas.
Quando estou me fantasiando,
Arrumando a mesa e cuidando das bonecas,
Por favor, não fique com a idéia que estou apenas brincando.
Porque enquanto brinco estou aprendendo.
Eu posso ser mãe ou pai algum dia.
Quando estou pintado até os cotovelos,
Ou de pé diante do cavalete ou modelando argila,
Por favor, não me deixe ouvir você dizer: ele está apenas brincando.
77
Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
Porque enquanto brinco estou aprendendo.
Estou me expressando e criando.
Eu posso ser um artista ou um inventor algum dia.
Quando você me vê sentado numa cadeira
Lendo para uma platéia imaginária,
Por favor, não ria e pense que eu estou apenas brincando
Porque enquanto brinco estou aprendendo.
Eu posso ser um professor algum dia.
Quando você me vê procurando insetos nos arbustos,
Ou enchendo meus bolsos com todas as coisas que encontro,
Porque enquanto brinco estou aprendendo.
Eu posso ser um cientista algum dia
Quando estou entretido com um quebra-cabeça,
Ou com algum brinquedo na minha escola,
Por favor, não sinta que é um tempo perdido com brincadeiras
Porque enquanto brinco estou aprendendo
Estou aprendendo a me concentrar e resolver problemas.
Eu posso estar numa empresa algum dia.
Quando você me vê cozinhando ou experimentando alimentos,
Por favor, não pense que porque me divirto, é apenas uma brincadeira.
Eu estou aprendendo a seguir instruções e perceber diferenças.
Eu posso ser um “chef” algum dia.
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Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
Quando você me vê aprendendo a pular, saltar,
Correr e movimentar meu corpo,
Por favor, não diga que estou apenas brincando
Eu estou aprendendo como meu corpo funciona.
Eu posso ser um médico, enfermeiro ou um atleta algum dia.
Quando você me pergunta o que eu fiz na escola hoje,
E eu digo, eu brinquei,
Por favor, não me entenda mal.
Porque enquanto eu brinco estou aprendendo.
Estou aprendendo a ter prazer e ser bem sucedido no trabalho.
Eu estou me preparando para amanhã.
Hoje, eu sou uma criança e meu trabalho é brincar.
(Anita Wadley; fonte: PREVITALE, 2006, p.19-20.)
A brincadeira é essencial para o processo de constituição pessoal e social do sujeito, desde o seu
nascimento.
9.2 Tempos, Espaços e Significações do Brinquedo e das Brincadeiras
Você estudou na aula 4 sobre Friedrich Fröbel (1782-1852), fundador do Jardim de Infância e primeiro
educador a incluir o brinquedo como parte importante da sua pedagogia. Lembra-se? Conforme lá
descrito, para ele ambos – o brincar e o falar – são os "os elementos pelos quais a criança vive”. Assim, a
criança no estágio inicial da vida
confere a cada coisa as propriedades da vida, sentimento e fala. (...) a criança
começa a representar seu interno para fora e atribui a mesma atividade para
tudo, para um seixo e uma lasca de madeira, para a planta, a flor e o animal
(FRÖEBEL, 1912, p.54; apud KISHIMOTO, 2002, p.69).
79
Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
Outras idéias relativas à concepção de Fröbel sobre a brincadeira, mencionadas por Kishimoto (2002 pp.
68-69) são:
Brincar é a fase mais importante da infância – do desenvolvimento humano
neste período – por ser a auto-ativa representação do interno – a
representação da necessidade e impulsos internos. [...] A brincadeira é a
atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo,
típica da vida humana enquanto um todo – da vida natural interna no homen e
de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo
e interno, paz com o mundo... A criança que brinca sempre, com
determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo a sua fadiga física, pode
certamente, tornar-se um homem determinado, capaz de auto-sacrifício para
a promoção do seu bem e de outros... Como sempre indicamos, o brincar em
qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação
(FRÖEBEL, 1912 c, p. 54-55).
No que se refere à importância da brincadeira para o desenvolvimento da criança, e em especial, nos
seus primeiros anos de vida Fröebel, ainda segundo Kishimoto (2002), diz:
neste estágio de desenvolvimento a criança vai crescendo como ser humano
que sabe usar seu corpo, seus sentidos, seus membros, meramente por
motivo de seu uso ou prática, mas não por busca de resultados em seu uso.
Ela é totalmente indiferente a isso, ou melhor, ela não tem idéia sobre o
significado disso. Por tal razão a criança neste estágio começa a brincar com
os seus membros – mãos, dedos, lábios, língua, pés, bem como as expressões
dos olhos e face (Fröbel, 1912 c, p.48).
Em sua análise sobre a concepção fröebeliana do brincar, Kishimoto (2002 pp.68-75) diz que:
as brincadeiras com partes do corpo se aproximam dos jogos de exercícios de Piaget e aos
funcionais de Claperède e Walon;
Fröbel percebia a descentração da criança, o caráter antropomórfico da conduta infantil, e o
quanto as mães, instintivamente, contribuíam para o desenvolvimento da linguagem das
crianças, ao nomearem as partes do corpo, como: “Onde está a sua mão?”
Fröbel via a brincadeira como uma “ação metafórica, livre e espontânea da criança”; e
Em Fröbel, o brincar era visto como uma “[...] atividade representativa”, que envolvia: “prazer,
autodeterminação, valorização do processo de brincar, seriedade do brincar, expressão de
necessidades e tendências internas”.
Além da importância do brincar para criança como indivíduo, há também a importância para o
desenvolvimento do coletivo, ou seja, a criança frente ao outro e aos outros. Há importantes
80
Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
aprendizagens quando as crianças brincam em conjunto. As experiências coletivas das brincadeiras são
essenciais para o desenvolvimento. Com relação a isto é importante destacar os aspectos da base do
pensamento da criança enquanto brinca, conforme nos fala Lima (2005). Isto é:
As experiências coletivas nas interações lúdicas estão, especialmente,
determinadas sobre a base de uma propriedade particular de pensamento, que
leva a criança a desdobrar-se para se colocar no ponto de vista do outro,
buscar consenso, fazer acordos, atuar de forma oposta e complementar,
antecipar condutas futuras e, a partir dessas exigências, estruturar o próprio
comportamento e considerar o outro nas suas ações (p.169-170).
Segundo Venguer (1986, apud LIMA, 2005), a brincadeira exerce uma grande influência no
desenvolvimento da personalidade, pois,
Ao praticá-la, a criança passa a conhecer as condutas, os papéis sociais, e as
interações dos adultos, e esse conhecimento serve de modelo, de referencial
para a sua própria conduta, promovendo as qualidades indispensáveis para o
estabelecimento das interações atuais e futuras com os seus semelhantes
(p.170).
Como se viu, ao brincar a criança aprende sobre si, sobre o outro e sobre o funcionamento do mundo
adulto, em geral. Igualmente, aprende sobre a linguagem e sobre as formas de comunicação, sobre os
valores da sociedade e sobre as suas regras sociais e morais, entre outros.
Você já percebeu que, de certa forma, a brincadeira fala? Por exemplo, o fato de a brincadeira poder ser
uma janela significativa para se entrar no “interior” das lógicas e das representações infantis, o que
começa a ficar claro quando prestamos atenção às suas atitudes, aos seus diálogos e imitações,
enquanto brincam.
Igualmente, a brincadeira e, em especial, o brinquedo, fala da história dos homens,
das mulheres e das crianças. Conta sobre tempos e lugares. Diz algo sobre os
valores de uma sociedade. Fala sobre como a infância e a criança foram (ou são)
percebidas e valorizadas. A brincadeira fala, também, da aproximação dos tempos –
passado, presente e futuro. O passado que está contido na memória, nas
experiências anteriores, nos conhecimentos socialmente construídos. O presente
visto sob a perspectiva de que o brincar, como uma ação humana lúdica, não se
prende, necessariamente, a algo previamente definido, pois depende muito das condições materiais
existentes no momento. Quanto ao futuro, ele é possível de ser “visto” nas situações tais como: o jogo
do “faz de conta”, ou naquele no qual a criança representa papéis sociais de adultos, que pode um dia vir
a ser. Finalmente, a brincadeira pode, também, nos dizer algo sobre um dado contexto histórico-social,
bem como sobre os seus objetos culturais.
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Aula 09 Fundamentos da Educação Infantil
Em trabalho intitulado “História cultural do brinquedo”, Walter Benjamin
(2002), por exemplo, mostra as raízes culturais dos brinquedos e argumenta
sobre a impropriedade de se buscar explicá-los em termos apenas do “espírito
infantil” vez que, em sua visão, as crianças não podem ser vistas distintas de
seu povo e classe. Em outras palavras: brinquedos e brincadeiras expressam
um diálogo simbólico da criança com o seu contexto ou realidade. Nesse
diálogo, os elementos da cultura se fazem presente. Quer um exemplo disso tudo? Leia então o que se
segue (MELO, 2000 p. 71-81).
Os brinquedos dos meninos, quando se aquietavam, eram os rebanhos de
vacas de osso. Cada um tinha sua coleção dentro de uma caixa. Eram ossos
das mãos dos bovinos, que conforme o tamanho eram touros, vacas, bezerros
não esquecendo os cachorros, um osso pontudo que corresponde a unha. Com
seus rebanhos enchiam currais feitos de cercas de pedras, porteiras
corrediças, numa miniatura do que viam nas suas vivências da fazenda. Eram
brinquedos só deles e não despertavam nossos interesses. [...] Para nós,
crianças, a seca tinha seu lado divertido. Ela não se instalava da noite para o
dia e assim íamos nos acostumando às mudanças de hábito. O leite diminuía e
as despesas com o caroço de algodão aumentavam. [...] a casa-grande dos
nossos avós da Tapuia, sede da fazenda, das nossas vidas, dos nossos
primeiros passos, e dos primeiros vislumbres da inteligência. [...] Em cada
recanto, ela guarda um pedacinho da nossa infância – nos cheiros, no seu
burburinho, nas iguarias ali preparadas, na visão curiosa de tudo que
continha, na vontade de pegar e mexer nos guardados, e de ajudar a fazer de
tudo que ali se executava. Cada sala, cada quarto, a cozinha, a despensa, os
terreiros, todos os espaços foram palco de brincadeiras, de travessuras, e
também de aprendizado. Só a entendo como a vimos no nosso tempo,
ocupada pelos seus habitantes, que a dinamizavam do nascer ao por do sol.
Essas narrativas exemplificam bem o que foi trabalhado nesta aula – que o brincar e o
brinquedo expressam uma dada realidade cultural e, ao mesmo tempo, trazem uma visão do
mundo da criança. As brincadeiras são, como você viu, formas de apropriação do espaço-tempo,
pelas crianças. Elas constroem as suas regras e definem as formas de interações com o outro que
podem incluir diferenciações de papéis e, até mesmo, imitações dos comportamentos dos adultos.
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Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Aula 10 - A Qualidade na Educação Infantil
Freqüentemente exige-se que as crianças pequenas passem grande parte do tempo, em sala,
realizando tarefas que requerem o uso de lápis e papel. Não que isto deva ser excluído da
educação infantil. Mas seu uso freqüente pode não só ser desestimulante e cansativo para a
criança, como pode ensiná-la, equivocadamente, que aprender significa depender da iniciativa
do professor. Sem uma visão de qualidade, o professor acaba por organizar o seu trabalho
pedagógico na base de repetições, sem variações nas suas “regras”, ou nos espaços e tempos
disponíveis. Um verdadeiro “ritual pedagógico” (CURY, 1989), o qual reforça a obediência
passiva da criança, distanciando-a assim, da necessária formação da sua autonomia.
Distanciamentos ocorrem, também, em relação ao professor, que se afasta cada vez mais de uma
ação mediadora adequada, seja em termos do planejamento e da estruturação do ambiente
educativo da escola e da sala de aula – que se espera esteja em sintonia com as expectativas, os
interesses e as necessidades das crianças; seja em relação a aspectos outros da dinâmica do seu
trabalho pedagógico, tais como: estimular e desafiar as crianças; ampliar os seus horizontes, ter
uma escuta sensível, estabelecer uma relação dialógica. Enfim, o professor deixa de ser um
construtor de um ambiente criativo, participativo, prenhe de oportunidades variadas de
comunicação, de desenvolvimento e de aprendizagem. Mas o que é qualidade? Esta aula
abordará este tema.
10.1 Introdução
A discussão da qualidade está na pauta do dia. Cada vez mais se fala na qualidade, na eficiência e na
produção da excelência como essenciais a qualquer tipo de atividade, nos diferentes setores da
sociedade. As indústrias e as empresas, em geral, têm diante de si o desafio de criar uma cultura de
qualidade, bem como o de fornecer produtos de qualidade a preços competitivos e compatíveis com o
orçamento das pessoas e das instituições. Mais que antes, os consumidores estão exigentes. Exige-se a
melhoria contínua em tudo. Estabelecem-se normas, padrões, indicadores e critérios de qualidade.
Há pressões políticas, sociais e econômicas para a qualidade. Exige-se a garantia da qualidade: de vida;
da educação; da escola; do ensino; das relações humanas; da saúde; da habitação; dos transportes, das
estradas; dos medicamentos; do meio ambiente e da proteção ambiental; dos recursos hídricos; dos
alimentos; dos serviços públicos ou privados; dos programas de televisão; dos produtos e dos seus
fornecedores; do desempenho dos profissionais das diversas áreas; da segurança pública e de outros.
83
Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Mas o que é a qualidade? Antes de começar qualquer discussão sobre o tema é importante lembrar que
há diferenças marcantes de significados quando o termo qualidade é usado na perspectiva das empresas,
e quando ele se aplica à educação, à escola ou ao ensino, a começar por uma idéia central: a educação
não é uma mercadoria! Do mesmo modo, no âmbito da educação há mudança de parâmetros ou
referenciais, se tratamos da qualidade no âmbito do ensino superior ou médio, ou no do ensino
fundamental e, em especial, no da educação infantil.
10.2 Educação e Qualidade
O que é a educação? Como pode ver, essa é uma pergunta muito geral, já que se pode pensar na
educação sob diferentes perspectivas, tais como: educação básica, educação dos jovens e adultos,
educação infantil, educação moral, educação a distância, educação profissional e tecnológica, e assim por
diante. Contudo, apesar dessas especificidades há, entre elas, princípios e pressupostos educacionais
comuns. Por exemplo, a compreensão de que toda pessoa – seja ela criança, jovem ou adulto – é capaz
de aprender e de ensinar. Dito de outro modo: no processo de construção do conhecimento, as pessoas
nele envolvidas, tanto aprendem, quanto ensinam.
Nesse caso, é melhor falar em co-construção do conhecimento (VALSINER, 1989; VALSINER, 1994) e
ressaltar que, na educação da criança pequena é essencial que ela seja considerada como sujeito do seu
processo educativo, bem como seja vista como alguém capaz (psicologicamente capaz e socialmente
vulnerável), que já participa ativamente da cultura e, em especial, da cultura infantil, com seus modos
próprios de percepções, de expressões e de criações.
Uma outra idéia geral sobre a educação, que está subjacente nas suas várias concepções e
especificidades, é a de que esta não se dá apenas no âmbito da escola. O Art. 1º da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB explicita bem isto:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Não há, assim, um “lugar” específico para se educar. Como uma ação humana ou ainda, como uma
prática social, a educação ocorre em diferentes tempos, espaços e contextos. Contudo, a família e a
escola são per se, e no seu conjunto, o “lócus preferencial” do processo educativo, porque ambas têm a
responsabilidade legal de educar, conforme definido no Art.2º. da LDB:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
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Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Nem precisa dizer que cada sociedade estabelece os seus objetivos educacionais. Não há, portanto, um
modelo único de educação, nem de sociedade. Buscando sistematizar o conceito de educação, trazemos o
que Marchesi & Martin dizem:
A educação tem um papel por si mesma no desenvolvimento das pessoas, em
seu enriquecimento cultural e no progresso dos seus conhecimentos (2003, p.
13).
Em síntese, a educação é um processo que se dá ao longo da vida. A educação e a vida são
indissociáveis. Ao viver, nos educamos a cada dia. Vamos nos construindo como pessoa. Aprendemos a
construir saberes e fazeres. Tornamo-nos mais capazes e mais autônomos, bem como vamos
desenvolvendo a nossa cidadania. É urgente que essa idéia se incorpore na nossa cultura e que cada vez
mais as pessoas, sob diferentes formas e possibilidades, tenham acesso à educação. A infância é, assim,
um momento inicial desse processo. Um tempo de construção das bases da pessoa, do cidadão e da
cidadania (SOUSA, 2007).
Segundo Sousa (2008), a indissociabilidade entre educação e vida requer que entenda o caráter
multidisciplinar de uma e de outra. Quer dizer: a rigor, não há uma demarcação rígida no campo do
conhecimento humano. As chamadas “áreas do conhecimento” são estratégias criadas para lidar com a
realidade. Isto é, uma forma de facilitar a nossa ação/relação com o mundo “real”, na tentativa de ler,
interpretar, compreender, categorizar e explicar as coisas, bem como saber quem somos e como nos
localizamos de modo mais adequado nesse mundo.
O que é qualidade? Com relação a qualidade, não é fácil definí-la. Parece mais fácil exigir, falar sobre ou
reconhecer a qualidade (ou a sua falta) num dado produto ou serviço, do que defini-la. E por que tal
dificuldade? Bom, por uma série de fatores que se interpenetram, a começar pela natureza desse termo:
multidimensional, ambíguo, subjetivo e relativo. Só o fato de o termo “qualidade” ser usado, muitas
vezes, como um atrativo, já evidencia uma outra de suas características: a não neutralidade. Há sempre
uma dada avaliação ou um juízo de valor, quando nos referimos à qualidade de algo ou de alguém, não é
mesmo?
Uma outra característica da qualidade é a sua contextualização. Isto é: diferentes situações e contextos
têm diferentes referenciais de qualidade. O que é qualidade num dado ambiente, pode não sê-lo em
outro, ainda que aparentemente semelhantes. Escolas semelhantes não necessariamente estão próximas
em termos da qualidade da educação ou do ensino que oferecem, não é mesmo?
A dificuldade de se definir a qualidade tem sido apontada por diferentes autores. Marchesi & Martin
(2003), por exemplo, destacam as múltiplas aproximações existentes na definição da qualidade, nas
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Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
quais se refletem diferentes ideologias, concepções e expectativas. Igualmente, falam que o
entendimento do que seja a “melhoria da qualidade do ensino” pode ter variações entre pais e
professores e outros. Ao discutirem sobre uma “definição integral de qualidade”, esses autores definiram
uma escola de qualidade como:
aquela que estimula o desenvolvimento das capacidades cognitivas, sociais,
afetivas e morais dos alunos, contribui para a participação e a satisfação da
comunidade educativa, promove o desenvolvimento profissional dos docentes
e influi com sua oferta educativa em seu ambiente social. Uma escola de
qualidade leva em conta as características de seus alunos e de seu meio
social. Um sistema educacional de qualidade favorece o funcionamento desse
tipo de escolas e apóia particularmente aquelas que escolarizam alunos com
necessidades educativas especiais ou que estão situados em zonas
socialmente ou culturalmente desfavorecidas.
Para se falar numa escola de qualidade é preciso que esta tenha impacto na transformação do ambiente
ao redor. Do mesmo modo, penso que para que uma escola seja de qualidade é essencial se considerar
tanto as características dos alunos, quanto aquelas do seu meio social. E complemento: não só as
características, mas também as suas expectativas e necessidades. Como viu, a inclusão é vista como
uma outra dimensão da qualidade. Isto refere-se tanto aos alunos com necessidades educativas especiais
e aqueles situados em zonas socialmente ou culturalmente desfavorecidas, conforme pensam os autores,
quanto à idéia de uma escola aberta e acolhedora para todos os tipos de diversidade entre os alunos e as
demais pessoas da comunidade escolar.
Ao discutir os desafios da qualidade, ZABALZA (1998) apresenta três eixos semânticos que considera
como organizadores do conteúdo do conceito de qualidade:
a qualidade vinculada aos valores;
a qualidade vinculada à efetividade (em termos de resultados); e
a qualidade vinculada à satisfação dos participantes no processo e dos usuários do mesmo.
Além desses eixos, o autor refere-se, ainda, a quatro vetores, os quais se referem aos eixos
organizacionais que se vinculam à qualidade ou a aspectos funcionais de escolas e serviços que atendem
as crianças. São eles:
projeto;
produto ou resultados;
processo ou função;
desenvolvimento organizacional.
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Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Ainda segundo Zabalza (1998, p.33), no que se refere às escolas, a qualidade não deve ser vista como
um “repertório de traços que se possuem, mas sim como algo que vai sendo alcançado”.
Complementando o seu pensamento sobre a dinâmica da qualidade, ele esclarece que esta faz com que
se faça mais alusão às condições culturais das escolas do que aos seus elementos estruturais. Em
síntese, para esse autor, a qualidade “é algo que se constrói no dia a dia e de maneira permanente”.
Entre as vertentes da discussão da qualidade da educação está a que considera a relação qualidade-
quantidade. O seu pressuposto básico é o de que é necessário se ter uma educação de qualidade para
todos e não para uma minoria mais privilegiada (Gentili, 1998). Veja, então, que lutar pela qualidade da
educação é defendê-la como um direito de todos.
No Brasil, a luta pelo direito à educação e pela sua democratização não é nova. Ela tem se dado tanto no
foco do acesso universal, quanto no da qualidade do ensino, bem como naquele relativo à
democratização da gestão. Fala-se assim, da qualidade social da educação. A luta pela qualidade social
da educação posiciona seus defensores contra a lógica da exclusão educacional e do chamado “fracasso
escolar”, ao tempo em que defendem a inclusão, o acesso e a permanência na escola, com o sucesso,
que todos devem ter, como um direito.
Para refletir
Direito à Educação
“Qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio”.
(GENTILI, 1998, p.176).
Em entrevista publicada no Portal do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase, Pablo
Gentili, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (Uerj), diz que o direito à educação tem a ver com a não-mercantilização da educação e
com a universalidade das oportunidades de acesso a esse direito, que não se restringe à escola. Segundo
ele, a escola é uma condição importante, mas não suficiente para se assegurar o direito à educação. Para
isso, acredita Gentili, é imprescindível uma política de ruptura com o monopólio do conhecimento e da
informação. No que se refere ao direito à educação e à mídia, ele diz:
Não há como ter direito à educação, se a mídia, por exemplo, está monopolizada em três ou quatro
famílias, como acontece na maioria dos países da América Latina. Essas famílias dominam o que todo
mundo lê, o que todo mundo assiste na TV. A ruptura do monopólio privado da mídia é uma pré-condição
para garantir o direito à educação. [...] não se produziu ainda, como deve se produzir em uma sociedade
democrática, uma ruptura sistemática dos espaços onde se concentram o poder e, junto com estes, o
conhecimento. Na América Latina, há uma alta concentração da renda e do acesso ao conhecimento e à
informação. O direito à educação tem a ver, dentre outras coisas, com isso, a idéia do público em um
espaço não-mercantil. O Estado é um espaço público desde que tenha uma determinada organização,
nem todo Estado é espaço público. Temos Estados supostamente democráticos na América Latina e
87
Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Estados ditatoriais que não são a representação do público, são apenas Estados que criam condições para
a privatização sistemática de todas as dimensões da vida em sociedade, isso não é espaço público.
10.3 Qualidade X Quantidade
No que diz respeito à relação quantidade-qualidade no contexto da educação infantil, a Sinopse
Estatística da Educação Básica, apresentada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais – INEP
(2006) com base no Censo Escolar de 2006, revela que, de 2005 para 2006
no que se refere à oferta de vagas da educação infantil (com cerca de 7
milhões de alunos), foi registrado crescimento negativo de 2,6%. No entanto,
as matrículas em creche, que, em 2006, foram na ordem de 1,4 milhões,
cresceram 1% em relação ao ano de 2005. Já na pré-escola, com
aproximadamente 5,6 milhões de matrículas, houve um decréscimo de 3,5%
em relação ao ano anterior.
Veja que ainda há um longo caminho para que o direito à educação e o acesso a uma educação infantil
de qualidade, seja uma realidade para todas as crianças que necessitam de creches e pré-escolas.
10.4 A qualidade na Educação Infantil
A qualidade da educação infantil pode ser considerada a partir de diferentes parâmetros ou pontos de
vista – da sociedade, dos pais, dos professores, dos gestores escolares, dos fazedores das políticas
públicas e outros. Corrêa (2003), por exemplo, pensa em termos de “qualidades” e não de qualidade. A
sua discussão da qualidade na educação infantil tem como eixo, os direitos da criança. Assim, ela prioriza
o atendimento público, considerando-o em termos da relação entre oferta e procura, da razão
adulto/criança, bem como da dimensão de cuidado. Há, em seu trabalho, uma pergunta bem pertinente:
“Qualidade ou qualidades”? Para ela, o conceito de qualidade não pode ser traduzido como algo único,
universal e absoluto. Ela ressalta a importância de se incluir, na discussão da qualidade da educação
infantil, o seu financiamento – uma boa educação tem um custo, que não é baixo.
Ao referir-se à avaliação da qualidade dos programas pré-escolares, Katz (1998) propõe analisá-los a
partir de “múltiplas perspectivas”. Isto é:
de cima para baixo;
de baixo para cima;
a exterior-interna ao programa;
a interna ao programa; e
a perspectiva exterior ao programa ou conclusiva.
88
Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Além disso, Katz destaca a relevância de se estabelecer critérios de qualidade para se analisar cada
programa, e a importância de se ter um consenso sobre os padrões mínimos da qualidade.
10.4.1 Perspectiva de cima para baixo
Segundo essa autora, na perspectiva orientada de cima para baixo, se considera o seguinte:
a proporção adultos/crianças;
as qualificações e a estabilidades dos profissionais;
as características das relações entre adultos e crianças;
a qualidade e quantidade do equipamento e dos materiais;
a qualidade e a quantidade dos espaços por criança;
aspectos das condições de trabalho dos profissionais; e
cuidado de saúde e higiene, prevenção de incêndios, entre outros.
10.4.2 Perspectiva de baixo para cima
Já a orientação “de baixo para cima” diz respeito às avaliações das crianças. Ou melhor, da forma como
esse ou aquele programa de educação infantil é percebido e, principalmente, vivenciado por elas. Ou
seja, “a qualidade de vida experimentada por cada criança que nele participa dia-a-dia”. Para a autora, o
foco dessa perspectiva é, pois, a experiência subjetiva da criança. Nesse sentido, uma avaliação
conseqüente da qualidade de um dado programa “requer respostas a uma pergunta essencial: Como é
ser criança nesse ambiente?” (KATZ, 1998, p.19).
Para lidar com isso, a autora diz que é preciso fazer inferências sobre as possíveis repostas das crianças a
perguntas tais como: Normalmente sinto que sou bem recebido, ou, pelo contrário, sinto-me preso aqui?
Normalmente sinto que tenho aqui um lugar só meu, ou, pelo contrário, sou apenas um entre muitos?
Normalmente sinto que sou aceito, compreendido e protegido pelos adultos, ou, pelo contrário, sinto que
me ralham ou se esquecem de mim? Normalmente sou aceito por alguns dos meus pares, ou pelo
contrário, sinto que me ralham ou se esquecem de mim? Normalmente falam comigo de forma séria e
respeitosa ou, pelo contrário, sou tratado como “um anjo” ou “um diabo”? Acho que as actividades são
normalmente estimulantes, atraentes e prendem a atenção, ou, pelo contrário, são apenas passatempos,
brincadeiras divertidas e excitantes? (Katz, 1998, p.19-20).
Para refletir
A qualidade vista pela criança
Segundo Sousa (1998), um questionamento semelhante o inquietava: o que seria a qualidade da
educação infantil, na perspectiva da criança? A partir daí a autora buscou identificar caminhos
89
Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
estratégicos que pudessem ajudar o professor a identificar e a considerar isso em seu trabalho
pedagógico. Uma das estratégias para se obter isso é a observação - a mais próxima e a mais
individualizada possível, do comportamento de cada criança e da sua turma como um todo (SOUSA,
1993). A observação e o registro sistemático e refletido dessas observações. Os diálogos entre crianças
então, são fontes inesgotáveis para se saber o quê e o como pensam e sentem, em geral.
É igualmente importante se observar a dinâmica das interações: do adulto para com a criança (qualidade
das relações e das mediações) e das crianças entre si – dentro e fora do ambiente da “sala de aula”.
Como exemplo, se uma criança chora freqüentemente, tem medo, oferece resistências para se aproximar
dos colegas ou mesmo dos adultos, bem como tem dificuldade para permanecer no local onde os
programas são desenvolvidos, isto pode estar indicando que, aos seus olhos, esse local não é acolhedor,
seguro ou confiável (Sousa, 1998).
Mas é importante também que não se confunda isso com uma resistência ou um temor normal, próprios
da fase de adaptação da criança à creche ou a pré-escola. Isto é bem compreensível. Contudo, se
comportamentos de choro e de ansiedade permanecem ao longo dos meses, não podemos dizer que este
seja um programa ou um ambiente de qualidade - pelo menos para aquela criança. Um programa de
qualidade deve significar um ambiente acolhedor, seguro e confiável para todas as crianças. Um local
onde cada uma delas possa se sentir bem, segura, protegida, amada, aceita e feliz. Nesse programa não
há espaço para descuidos, abandonos ou negligências por parte dos adultos que nele trabalham. Pelo
contrário, o que há é um interesse explícito pelo bem estar e segurança das crianças e um profundo
respeito às suas individualidades, associados a um planejamento de ações integradas que possam
contribuir, positivamente, para os seus processos de desenvolvimento e aprendizagem (SOUSA, 1998).
Pensar na qualidade da educação infantil a partir da perspectiva da criança é, ainda, importar-se com
os seus sentimentos quando do desenvolvimento das atividades a ela propostas. Isto inclui, por
exemplo, a sua participação nos ensaios e apresentações de eventos alusivos a datas comemorativas
como o Dias das Mães, o da Páscoa, o de São João, entre outros. Muitas vezes, o foco de tudo é menos a
criança e mais aquilo que está sendo preparado para mostrar aos pais e conseqüentemente, para ser
fotografado ou filmado. Nesse caso, as necessidades, motivações, desejos ou sentimentos das crianças
acabam ficando em segundo plano. Isto é uma contradição! Como não priorizar as crianças? Ora, o mais
importante desse envolvimento das crianças nas festas e comemorações escolares, deveria ser buscado
justamente nelas, não nos outros! Elas, as crianças, precisam ser vistas como o ponto de partida e o de
chegada de todas as propostas e atividades com e por elas desenvolvidas, no âmbito das creches e das
pré-escolas (SOUSA, 2000).
10.4.3 Perspectiva exterior-interna ao programa
Continuando com às considerações da qualidade segundo Katz (1998). A terceira perspectiva por ela
apresentada – “exterior-interna ao programa”, focaliza as características das relações pais/educadores.
90
Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Nesse contexto, os questionamentos sugeridos aos pais são, por exemplo: Na minha relação com os
educadores, estes mostram que sabem tratar-me com respeito, ou pelo contrário, são autoritários e
estão convencidos da sua superioridade? Eles são receptivos, abertos e tolerantes, ou pelo contrário, são
parciais, preconceituosos, prontos a rejeitar e a culpar? Eles têm respeito pelas metas e valores com que
educo os meus filhos?
10.4.4 Perspectiva interna ao programa
A perspectiva seguinte é aquela referida pela autora como “a interna ao programa”. Ou seja, ao modo
como os educadores percebem a qualidade do programa de educação pré-escolar, onde trabalham. Para
ela, isto inclui três dimensões: as relações entre colegas, as relações entre educadores e pais e as
relações com a instituição promotora do programa.
10.4.5 Perspectiva exterior ao programa ou conclusiva
Finalmente, a última perspectiva da consideração da qualidade, conforme proposta por Katz (1998) é a
“perspectiva exterior ao programa ou conclusiva”. Isto é, a qualidade na perspectiva da sociedade.
Além de Katz (1998), há outros autores que propõem outras categorias. Dentre eles se destaca Zabalza
(1998), que considera a educação infantil a partir de “dez aspectos chaves”. São eles:
organização dos espaços;
equilíbrio entre iniciativa infantil e trabalho dirigido no momento de planejar e desenvolver as
atividades;
atenção privilegiada aos aspectos emocionais;
utilização de uma linguagem enriquecida;
diferenciação de atividades para abordar todas as dimensões do desenvolvimento e todas as
capacidades;
rotinas estáveis;
materiais diversificados e polivalentes;
atenção individualizada a cada criança;
sistema de avaliação, anotações e outros que permitam o acompanhamento global do grupo e de
cada uma das crianças; e
trabalho com os pais e as mães e com o meio ambiente.
Para saber mais
Conheça mais sobre Miguel Zabalza, lendo a entrevista O aprendizado deve ser uma aventura
compartilhada, publicada em 2005 no portal dos Maristas.
91
Aula 10 Fundamentos da Educação Infantil
Ao concluir este tema e esta disciplina sobre os Fundamentos da Educação Infantil, espera-se
que essas dez aulas tenham inspirado as suas reflexões e mostrado a importância de se dar
atenção à educação da criança. Busque complementar o seu estudo integrando outros
conhecimentos. Por exemplo, procure aprender sobre: as teorias do conhecimento e as suas
relações com o desenvolvimento humano; as diferenças e as aproximações existentes no debate
Piaget/Vygotsky, bem como as suas implicações para o trabalho pedagógico no âmbito da
educação infantil; a relação entre educação, cultura, interações sociais, ensino e aprendizagem
no contexto da educação infantil; a importância da linguagem para a constituição da
consciência; a importância da literatura infantil, da música, do desenho e da arte na infância; as
relações entre conhecimento, afetividade e criatividade; bem como sobre a formação e o
desenvolvimento do autoconceito e da auto-estima. Não se esqueça de refletir, também, sobre o
significado hoje da infância e da criança, frente às tecnologias da informação e da comunicação.
Uma recomendação a mais - no futuro, quando assumir uma turma de educação infantil, não se
esqueça de transformar a sua “sala de aula” num ambiente de acolhimento e de aconchego, bem
como num local de proteção, de cuidado e de educação, onde se possa sentir facilmente, o pulsar
das suas mediações dialógicas, humanas, e profissionais.
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