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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores
UNIVERSIDADE E ESCOLAS DO CAMPO: DIÁLOGO NECESSÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA AMAZÔNIA
Simone Souza Silva, Arminda Rachel De Botelho Mourão
Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica
- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral
O presente estudo parte da necessidade de estabelecer o diálogo entre universidade e escolas do campo, a partir da realidade concreta de sujeitos, homens e mulheres, crianças e adolescentes que vivem no/do campo. Teve como objetivos analisar o trabalho docente e as condições em que se faz educação em escolas do campo, a partir do contexto de três comunidades localizadas no município de Parintins, tais como Maranhão, Paraná do Espírito Santo e Tracajá. O estudo foi realizado nos meses de novembro de 2012, maio de 2013 e outubro de 2013 e envolveu acadêmicos do 4º período dos cursos de Química e História e 8° período do curso de Pedagogia do CESP/UEA, através das disciplinas de Metodologia do Estudo, Didática e Estágio Supervisionado, respectivamente. Fundamentou-se em estudos realizados por Ghedin (2007), Severino (2009), Demo (2010) Arroyo (2011) e Gatti (2005 e 2011). Utilizou-se a abordagem qualitativa com apoio das técnicas de observação participante, entrevista e grupo focal para a coleta de dados e discussão dos resultados. O estudo aponta para a importância da universidade possibilitar aos professores uma formação teórica articulada a experiências com a realidade concreta. Aponta ainda para a necessidade de (re)pensar as políticas de educação do campo no sentido de contemplar as singularidades de escolas situadas a margem dos rios da Amazônia.
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UNIVERSIDADE E ESCOLAS DO CAMPO: DIÁLOGO NECESSÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA AMAZÔNIA
Simone Souza Silva. PPGE,UFAM e CESP, UEA; Arminda Rachel Botelho Mourão.
PPGE, UFAM e Faculdade de Educação da UFAM.
Introdução A educação brasileira carrega em sua bagagem histórica um modelo baseado
na racionalidade técnica, com crenças epistemológicas arraigadas em uma
tradição filosófica e cultural, de cunho representacionista e intuicionista, tendo
como consequências uma formação deficitária, fragmentária e
descontextualizada da realidade. Trata-se de um modelo societário marcado
pela lógica do mercado, com suas pesadas consequências para a educação,
revelando a ausência de uma política pública mais consistente por parte do
Estado (SEVERINO, 2009).
Para Mourão (2004), a Política Educacional Brasileira está desfocada da
realidade da Educação do país, por atender, sem questionamentos as
orientações dos Organismos Internacionais que, para fomentarem a
acumulação do capital, encaminham Políticas que levam a processos de
mercantilização da Educação.
Com base neste modelo, os cursos de formação docente, de modo geral, são
trabalhados com suporte de “pacotes instrucionais”, vindos de outros países,
com orientações de uma visão universalista, burocrática, acrítica e
descontextualizada da prática e das realidades das escolas. De acordo com
Hargreaves (apud LESSARD, 2010), esse tipo de política tende a aumentar a
probabilidade de fracasso dos alunos com maiores dificuldades e a submeter
os professores a maiores níveis de frustração e constrangimento no trabalho.
Este autor alerta para o fato de que intervenções padronizadas no ensino e
no currículo das escolas em comunidades e países mais pobres tende a
aumentar as diferenças entre ricos e pobres, já que o ensino para os
primeiros costuma ser diferenciado e empregar uma variedade de recursos.
Na Região Norte, especificamente, em comunidades rurais do Estado do
Amazonas, até a década de 1990, por exemplo, os professores que
ministravam aulas, em sua grande maioria, tinham a formação em nível
fundamental incompleto e assumiam a educação “das poucas letras” de
crianças, jovens e adultos. Isso sem contar com uma adequada estrutura
física e material das escolas, salário do professor, moradia, formação, etc.
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Só recentemente a questão da educação do campo entra nas pautas de
discussão devido a pressões de movimentos sociais. Nos debates que
compõem a educação do campo há dados que confirmam um tratamento
desigual e discriminatório da população que vive no e do campo e a ausência
de políticas públicas que alterem essa situação perversa.
As Universidades não podem se eximir de seu papel de formadoras de um
“cidadão autêntico, pois seu papel mais substantivo vai muito além da
(ARROYO, 2011)
Em Parintins, cidade Polo do Baixo Amazonas, até o ano de 2000, por
exemplo, os poucos cursos de formação de professores não atendiam a
demanda. A presença física das Instituições de Ensino Superior (IES) é
recente e visam fortalecer a educação básica em Parintins e nos municípios
da área de abrangência do Polo e Oeste do estado do Pará.
No entanto, análises preliminares dos currículos dos cursos de formação de
professores indicam dificuldades em articular conhecimentos - global e o
local-, inclusive, as práticas de ensino, pesquisa e extensão ocorrem numa
perspectiva urbanocêntrica, que não contemplam as especificidades das
escolas do campo, lócus onde os egressos geralmente iniciam suas primeiras
experiências profissionais. Isso sem contar com materiais e estrutura
adequada, entendidos como essenciais ao trabalho pedagógico.
Essa situação faz parte de um mecanismo perverso e excludente, que
precariza o trabalho do professor e trata a população do campo como sujeitos
invisíveis à sociedade. Há que se considerar que vivemos em uma sociedade
capitalista que, contraditoriamente, permite a existência humana cada vez
mais rica e universal de uns à custa da desumanização de grande parte da
população (MARX, 1986). A maioria das pessoas que participam de cursos de
formação de professores, vive a precarização do ensino, carregam as marcas
da alienação, da privação cultural que os afasta da humanização do gênero
humano, da individualidade para si (DUARTE, 1999).
Tal reflexão reforça nossa indignação e confirma as ponderações já indicadas
por Leontiev (1978) de que a maioria esmagadora das pessoas acaba por
contentar-se com o mínimo de desenvolvimento cultural nos limites das
funções que lhes são destinadas, ou seja, só tem acesso à apropriação das
aquisições produzidas pela humanidade dentro de padrões miseráveis.
Arroyo (2011) defende uma educação específica, diferenciada e alternativa
para a população do campo, o que implica uma formação, acima de tudo,
humana, com referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas
e dos sujeitos sociais na realidade.
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formação do profissional, do técnico e do especialista [...] precisa ser
[formadora] da consciência social que é a única sustentação de um projeto
político minimamente equitativo, justo e emancipador” para o Amazonas
(SEVERINO, 2009, p. 06). Precisa orientar seus professores a articular os
saberes oriundos da formação profissional aos saberes disciplinares,
curriculares e experienciais (TARDIF, 2008).
Nessa direção, as universidades locais, como UEA e UFAM, dialogam com
educadores, sociedade civil e população do campo, para que possam melhor
compreender o campo amazônico, os saberes construídos, seus sujeitos, e,
ao lado de outras instâncias, buscam efetivamente contribuir para alterações
significativas na realidade concreta.
Assim, este estudo surge da necessidade de analisar o trabalho docente e as
condições em que se faz educação em escolas de comunidades
rurais/ribeirinhas, como requisito necessário para a formação docente.
Fizemos isso a partir do contexto de três comunidades rurais, localizadas no
município de Parintins. Utilizamos a entrevista com comunitários e a reunião
focal com gestor, professores e demais funcionários da escola por permitir
“emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo
próprio contexto de interação criado, permitindo a captação de significados
que, com outros meios, poderiam ser difíceis de se manifestar” (GATTI, 2005,
p. 9). Essa técnica é útil em "análises por triangulação ou para a validação de
dados, ou podem ser empregados depois de processos de intervenção, para
o estudo do impacto destes, ou, ainda, para gerar novas perspectivas de
futuros estudos" (IDEM, p. 12), como é o nosso caso.
O contexto das comunidades de Maranhão, Paraná e Tracajá A compreensão deste estudo foi possível a partir do contexto de três
comunidades rurais do município de Parintins, como, Divino Espírito Santo do
Paraná do Meio, Nossa Senhora das Graças do Maranhão e Santo Antônio
do Tracajá.
A comunidade do Maranhão está localizada na zona rural do município de
Parintins, em uma área de terra firme. É uma comunidade bem desenvolvida,
oferece serviços básicos, como água encanada, luz elétrica, educação e
saúde. Seus moradores vivem da pesca e agricultura e, ainda de programas
sociais do governo Federal.
A escola recém-construída tem estruturada física adequada, salas
climatizadas e espaço amplo para o desenvolvimento das atividades
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escolares, porém, a ausência do ar condicionado em algumas salas, estaria
prejudicando o ensino oferecido.
O posto de saúde da comunidade conta com apoio de uma técnica de
enfermagem e de um médico, este atende aos comunitários uma vez por
semana e, em caso de emergência, a ambulancha - transporte aquático
usado na Amazônia - transporta o doente para a cidade de Parintins.
Aqui fica uma preocupação quanto à garantia de manutenção tanto da escola
quanto do posto de saúde, pois, o Estado tem se mostrado incapaz de
“exercer o poder que lhe é delegado, democraticamente, para governar em
benefício de todos” (ROCHA NETO, 2008, p. 219). A distribuição de renda
extremamente desigual entre as diversas regiões do país dificulta o
atendimento a uma enorme parcela da população brasileira que tem seus
direitos negligenciados.
Já a comunidade do Divino Espírito Santo do Paraná do Meio é situada em
terras baixas, conhecidas como áreas de várzea, cujos habitantes vivem “um
eterno recomeço, seja pela relação de produção, seja pela enchente e
vazante” (RAMOS, 2010, p.4). Ou ainda pelas catástrofes da natureza, como
o temporal ocorrido em agosto de 2013, que devastou a comunidade,
destruindo a antiga escola e as aulas foram suspensas, afetando aos alunos.
No período de nossa visita (mês de outubro de 2013), as aulas haviam sido
reiniciadas, mas em espaços improvisados, como, sacristia da igreja, casas
cedidas por moradores e barracão comunitário, separado por folhas de
plásticos e TNT (figura 1 e 2), o que compromete o aprendizado das crianças.
Figuras 1 e 2: Espaços improvisados para as aulas
Fonte: Pesquisa de Campo (10/2013)
Apesar dos entraves, ressaltamos o empenho dos professores que assumem
seu trabalho docente em meio às adversidades. Talvez essa seja uma das
razões pelas quais os comunitários revelem significativo apreço pelo trabalho
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de alguns professores. Dizemos alguns, porque segundo aqueles, “há
professores esforçados, mas há também uns fraquinhos que não tem domínio
de sala, nem de conteúdo”. De fato, reconhecemos a importância de o
professor dominar os conteúdos trabalhados, contudo, é preciso considerar
outros aspectos igualmente necessários. De qualquer forma, o olhar dos
comunitários revela compreensão a respeito de assuntos importantes,
sobretudo, quando exigem melhores condições para a comunidade.
Quanto à participação dos pais e/ou responsáveis na vida escolar dos alunos,
é admirável, não faltam às reuniões e participam ativamente de atividades
como reuniões, eventos, etc. Talvez pela exigência do Programa Bolsa
Família, ou porque se sentem corresponsáveis pelo sucesso escolar dos
alunos, pois, segundo os professores, alguns pais assistem às aulas dos
professores, como forma de melhor ajudar as crianças nas atividades
escolares. Apesar de que nem sempre podem ajuda-los como desejam, seja
porque estão ocupados com os trabalhos da agricultura, seja porque o nível
de estudo não os permite. Por outro lado, há alguns pais que parecem não se
importar com o aprendizado dos filhos e acreditam que essa responsabilidade
cabe apenas ao professor já que ganha para isso. Conforme mencionamos
anteriormente, o professor precisa assumir o compromisso com a
aprendizagem dos estudantes, mas este compromisso precisa ser assumido
por todos, inclusive pelos pais e ter apoio de políticas públicas de governo.
Os comunitários cultivam a agricultura familiar e manejam a pescaria e
pecuária. Estes se reúnem mensalmente para discutir assuntos de interesse
da coletividade, como o tão propagado projeto do governo federal “Luz para
Todos” que ainda não chegou àquele lugar; a construção do posto de saúde
e; a construção da nova escola, que vale ressaltar foi anunciada pelo atual
prefeito logo após o temporal, mas até o momento nada foi feito. A superação
desses desafios se apresenta como possibilidade de condições dignas a que
os comunitários têm direito.
Finalmente, a terceira comunidade visitada, denominada Santo Antônio do
Tracajá é toda organizada, com ruas asfaltadas, água encanada, energia
elétrica 24 horas, praça, igreja, feira, comércio, casas com características
urbanas, porém, não possui posto de saúde para atendimento da população.
A fonte de renda parece vir da extração do carvão, agricultura familiar, pesca
e auxílio de programas sociais.
A escola foi construída há pouco tempo e tem uma estrutura adequada,
porém, as 04 salas de aula não atendem a demanda das 10 comunidades
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que fazem parte da nucleação daquele polo. Temos aí dois contrastes: de um
lado, alunos estudam em uma escola bem estruturada, com salas
climatizadas e equipadas; de outro, alunos em anexos, com condições
precárias, se sentem como se não fizessem parte daquela escola.
Como vimos, a escola apresenta problemas quanto a sua estrutura física. Por
outro lado, diferentemente da comunidade do Divino Espírito Santo do Paraná
do Meio, a participação dos pais e/ou responsáveis na vida escolar parece ser
outro grande desafio enfrentado pelos professores, talvez pelo fato de que a
maioria reside em comunidades distantes. A situação apresentada nesta
escola polo talvez explique o fato de a mesma apresente um dos menores
índices do IDEB do município de Parintins, estando muito abaixo da meta.
A religião católica é predominante em ambas às comunidades, a começar
pelos nomes Nossa Senhora das Graças do Maranhão, Divino Espírito Santo
do Paraná do Meio e Santo Antônio do tracajá que homenageia seus
padroeiros e tem seus reflexos no ambiente escolar. Nos dias em que
estivemos nas comunidades presenciamos momentos de oração antes do
início das aulas e na hora da merenda. Da mesma forma, observamos que o
futebol faz parte das atividades de lazer dos moradores, fazendo parte das
programações sociais, como as festa de padroeiro.
Escolas do campo: desafios epistemológicos, metodológicos e práticos Ao pensarmos em escolas do campo na Amazônia, especialmente as
situadas em comunidades rurais de difícil acesso distantes e com muitas
horas de viagem, como é caso das comunidades do Baixo Amazonas, requer
que se considere esse contexto, especialmente quando se vislumbra
assegurar o direito a uma educação de qualidade.
De um lado há que se considerar as estruturas físicas e materiais das escolas
que, em sua grande maioria são precárias. De outro, a valorização
profissional do trabalho docente, como salário, formação e carreira. As
condições precárias impostas acabam por desgastar os profissionais da
educação e os impedem de avanços mais concretos e melhor intervir para
transformações sociais no interior do Amazonas.
Um primeiro desafio identificado nas três comunidades está relacionado à
oportunidade da primeira experiência profissional dos egressos de cursos
de formação de professores. Durante reunião focal com os professores das
comunidades investigadas verificamos que os egressos, geralmente, têm
iniciado suas experiências profissionais em escolas do campo.
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De acordo com uma professora egressa, sua alternativa para conseguir o
primeiro emprego foi participar de processo seletivo para a Zona Rural porque
“como a gente não tem experiência, tem mais chance de conseguir. Eu
consegui, mas em uma comunidade muito distante”. Lá havia muita
rotatividade de professor, “eu já era a 3ª professora da turma e quando
cheguei pensei até em desistir pelo grau de dificuldades que as crianças
manifestavam” – enfatizou a professora.
As condições em que os egressos experienciam a profissão docente, são
pouco estimuladoras. De acordo com Gatti, Barreto e André (2011, p. 28): Atualmente, no Brasil, os próprios professores são provenientes de camadas sociais menos favorecidas, com menor favorecimento educacional, especialmente os que lecionam na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental.
O salário e custo benefício que os professores recebem é suficiente para a
locomoção comunidade/cidade/comunidade e ainda manter aspectos básicos,
como saúde e alimentação. A situação apresentada aponta a necessidade de
pensarmos em questões mais amplas como “planos de carreira mais dignos e
perspectivas de trabalho mais motivadoras” (IDEM).
Outro aspecto igualmente importante apontado pelos professores é quanto às
dificuldades de aprendizagem que as crianças manifestam, que ao que
parece virou uma bola de neve. Nesse jogo, um professor sentindo-se
“incompetente” por não conseguir fazer com que as crianças aprendam e por
não encontrar aí as condições sociais e de trabalho dignas acaba desistindo e
o problema perdura. Isso não quer dizer que é culpa dos professores, ao
contrário, trata-se de uma política de governo pensada para culpabilizar os
professores pelas mazelas do ensino, desviando o foco da raiz do problema.
Como se isso não bastasse, os egressos trabalham disciplinas que na maioria
das vezes não são de sua área de formação. Uma professora que já leciona
há mais de 19 anos em escolas do campo e cursou o Programa de Formação
de Professores (PROFORMAR2
Relacionamos as dificuldades sentidas pelos professores com a análise
apresentada por Demo (2010), quando afirma que “não se trata de culpa dos
) trabalha no turno matutino com três turmas
agregadas da Educação Infantil e à tarde leciona as disciplinas de Geografia
e Inglês nas turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. A mesma
enfatizou que é considerada apenas um “quebra galho” e sente muita
dificuldade, “se o Português já é difícil, imagina o Inglês [...] é muito
complicado trabalhar com uma área que a gente não domina”.
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docentes, mas de decorrência da perversidade de um sistema voltado para o
instrucionismo [...] a desvalorização profissional, encardida na história do
país, que até hoje, não reconhece seu papel estratégico” (p. 17).
Sobre isso, um professor enfatizou: as dificuldades são grandes na zona
rural, mas quando queremos alguma coisa e temos boa vontade
conseguimos realizar tudo o que nos propomos a fazer. Contudo, sabemos
que apenas a boa vontade dos professores e seu compromisso ético e
político não são suficientes para a melhoria da qualidade da educação.
Apesar de ser um bom começo, outros elementos precisam ser considerados,
como “a valorização social da profissão, os salários, as condições de
trabalho, a infraestrutura das escolas, as formas de organização do trabalho
escolar, a carreira – devem fazer parte de uma política geral de apoio aos
docentes”. (GATTI, BARRETO & ANDRÉ, 2011, p. 15).
Um segundo desafio está ligado às metodologias utilizadas pelos
professores. Isso pode ser percebido na realização das oficinas ministradas
pelos acadêmicos, quando “simples experimentos de ciências deixaram até
os próprios professores admirados, como se tudo ali fosse novo” (acadêmico
de Química, 2012). Ressaltamos aqui a importância da utilização de outras estratégias como
possibilidades para auxiliar para potencializar o ensino. Talvez tenhamos
despertado olhares atentos” – declarou outro acadêmico de Química.
Refletir, questionar, elaborar aulas instigantes e criativas, são ações
entendidas aqui como essenciais para melhoria dos processos de ensinar e
aprender, sobretudo, quando se pensa em auxiliar os estudantes a
ultrapassar o não cotidiano, como o manifestado por professores que se
preocupam em saber as dificuldades que os alunos apresentam, fazem
pesquisa e buscam apoio da família. Outros utilizam estratégias de ensino
variadas para as aulas, como o professor que cria músicas juntamente com
as crianças para trabalhar os conteúdos, despertando o interesse, criatividade
e participação. A preocupação dos profissionais da educação para com a
educação das crianças que estão sob sua responsabilidade, possibilita um
percurso de aprendizagem para além do que o cotidiano pode permitir.
O terceiro desafio diz respeito ao transporte escolar oferecido aos alunos,
que para chegarem à escola, percorrem longas distâncias, ora caminhando,
ora viajando, às vezes, em embarcações precárias ou mesmo em rabeta
(figuras 3 e 4), sem contar com o colete de salva-vidas.
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Figuras 4 e 5: Trajeto percorrido por crianças para chegar à escola polo.
Fonte: Pesquisa de Campo (2013).
De acordo com o artigo 11, inciso VI, da LDB - LEI Nº 9.394, de 20 de
dezembro 1996, é dever dos Municípios assumir o transporte escolar dos
alunos da rede municipal
De acordo com o artigo 28 da LDB, os sistemas de ensino de escolas
inseridas em espaços rurais devem seguir as seguintes normas:
I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas as reais necessidades
e interesses dos alunos da zona rural; II. Organização escolar própria,
incluindo a adequação do calendário escolar as fases do ciclo agrícolas e as
condições climáticas; III. Adequação à natureza do trabalho da zona rural.
(Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.07.2003).
No entanto, na reunião focal ficou evidente a preocupação quanto ao destino
do recurso para essa finalidade, pois as escolas visitadas apresentam sérios
problemas no que consta à compra de combustível, manutenção dos meios
de transporte, segurança, entre outras questões.
Finalmente, o quarto desafio apontado por professores das escolas
investigadas, diz respeito ao Calendário Escolar, que diferencia-se do
calendário da Zona Urbana no que diz respeito à flexibilidade e quantidade de
dias letivos trabalhados. Durante a reunião focal, percebemos o quanto o
calendário de escolas do campo fica comprometido. Um dos motivos é que o
professor precisar se deslocar para a cidade para receber seus vencimentos,
o que leva geralmente 02 dias. Se multiplicarmos os 02 dias vezes 10 meses
letivos, temos supostamente 20 dias letivos perdidos.
Há ainda outros fatores que influenciam no cumprimento do calendário
escolar, como a festa do padroeiro, casos de luto. De acordo com um
professor da comunidade do Maranhão, “na cidade se faleceu alguém a
escola continua, na área rural não. Como todo mundo conhece todo mundo,
seria uma afronta à própria cultura da comunidade [...] a reposição das aulas
torna-se um calcanhar de Aquiles”.
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Isso implica dizer que o trabalho docente precisa considerar o cotidiano, as
experiências construídas em cada comunidade rural, em busca de melhores
condições para o processo de ensino aprendizagem.
Na comunidade do Divino Espírito Santo do Paraná do Meio por ser uma
localidade de várzea, o calendário escolar é diferenciado das escolas de terra
firme e das escolas da cidade. Um dado preocupante é que o ano letivo inicia
em agosto e já no segundo bimestre os professores precisam declarar se os
alunos irão ser aprovados ou reprovados para constar no censo escolar do
ano em curso, ou seja, a realidade de escolas inseridas em áreas de várzea,
não é reconhecida pelo MEC.
Outro dado que preocupa é que os alunos participam da Provinha Brasil, mas
esta participação fica comprometida pelo fato da provinha ser realizada
geralmente nos meses de outubro e novembro, período em que os
estudantes ainda não estão preparados devido o pouco tempo de aula.
Outra questão que preocupante é quanto à evasão, principalmente dos
alunos remanescentes, os conhecidos “filhos de vaqueiros”, que por conta do
trabalho dos pais, precisam deslocar-se para outra localidade se ausentando
das aulas. Segundo os professores, não se trata de um problema e sim de
uma realidade típica de áreas de várzea. Esta é uma realidade que precisa
ser levada em conta na hora de (re) pensar o currículo para aquela escola,
aquele contexto. Para Caldart (2002, p. 26), “o povo tem o direito de ser
educado no lugar onde vive; [...] uma educação pensada desde o seu lugar e
com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades
humanas e sociais”.
Como podemos ver as dificuldades geográficas, de acesso e permanência, de
políticas públicas, tornam ainda mais desafiador o cotidiano dos profissionais
da educação, que precisam adequar sua prática de ensino à realidade
particular de cada região. Não se pode educar com base apenas nas
condições locais, mas também não se pode educar com base somente nas
condições ideais. Isso quer dizer que ao ensinar é preciso que se busque
uma ponte de equilíbrio entre o ideal e o real.
À guisa de conclusão Neste estudo buscamos analisar o trabalho docente e as condições em que
se faz educação em escolas de comunidades rurais/ribeirinhas na Amazônia,
como requisito necessário para a formação docente, o que foi possível a partir
do contexto de três comunidades rurais, localizadas no município de
Parintins. O estudo contou com a participação de acadêmicos do 4º período
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dos cursos de Química e História e 8° período do curso de Pedagogia do
CESP/UEA, através das disciplinas de Metodologia do Estudo, Didática e
Estágio Supervisionado, respectivamente, o que possibilitou uma primeira
experiência destes em escolas do campo.
A partir do contato com sujeitos do campo foi possível identificar alguns
desafios característicos desses contextos, como as condições em que os
egressos dos cursos de formação de professores ingressam na profissão
docente; as metodologias utilizadas pelos professores; o transporte escolar
oferecido aos alunos, e; finalmente, a dificuldade de cumprir o Calendário
Escolar e suas implicações para os processos ensinar/ aprender.
O estudo aponta para a importância de a universidade possibilitar aos alunos
em formação uma formação teórica articulada a experiências com a realidade
concreta. Aponta ainda para a necessidade de (re)pensar as políticas de
educação do campo no sentido de contemplar as singularidades de escolas
situadas a margem dos rios da Amazônia.
Nosso olhar voltou-se para a importância da articulação de saberes, a partir
de diálogo entre os saberes da terra e os saberes construídos cientificamente.
Esse diálogo não trata um saber como superior ao outro, mas como uma
ponte de equilíbrio para compreensão/intervenção na realidade concreta. Os
textos lidos, discutidos em sala de aula, as dúvidas que geraram nos alunos
em formação, as práticas de campo experienciadas no contexto de escolas
do campo, fortalecidas no diálogo nos incentivam ainda mais a creditar que a
luta, a perseverança, a atitude, a vontade de transformar nos fazem “sair da
roda” e ajudam a escrevermos outra cena, outra história.... Mudar o percurso
do destino ao qual “fatalmente” nos encontramos é possível, porém, depende,
em grande parte de condições necessárias que o meio nem sempre nos
oferece. As interações com os outros, as vivências, a consciência podem
contribuir para alterar o nível de desenvolvimento humano que podemos
atingir e os professores tem importância vital nessa tarefa. Daí nosso
compromisso, nossa busca!!!
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