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IMED
ESCOLA DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
LAURICE DARUI JUNTHON
O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA NA DOAÇÃO DE
ÓRGÃOS POST MORTEM E A DECISÃO DA
FAMÍLIA X O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA NA
DISTRIBUIÇÃO DA SAÚDE
Passo Fundo
2018
LAURICE DARUI JUNTHON
O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA NA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST
MORTEM E A DECISÃO DA FAMÍLIA X O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA NA
DISTRIBUIÇÃO DA SAÚDE
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para
obtenção do grau de bacharel no curso de Direito,
Escola de Direito da IMED.
Orientadora: Prof. Dra. Cheila Aparecida Oliveira
PASSO FUNDO
2018
LAURICE DARUI JUNTHON
O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA NA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST
MORTEM E A DECISÃO DA FAMÍLIA X O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA NA
DISTRIBUIÇÃO DA SAÚDE
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para
obtenção do grau de bacharel no curso de Direito,
Escola de Direito, da IMED, com Linha de Pesquisa
em mecanismos de efetivação da democracia e da
sustentabilidade.
Passo Fundo, 04 de dezembro de 2018.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Cheila Aparecida Oliveira – Doutora em Direito - (Imed) - Orientadora
Prof. Jandir Pauli – Pós - Doutor em Sociologia Econômica - (Imed) - Co-orientador
Profª. Tássia Aparecida Gervasoni - Doutora em Direito - (Imed)
Prof. José Carlos Kraemer Bortoloti - Doutor em Direito - (Imed)
Dedico este trabalho a Deus, à minha
família, ao meu noivo e principalmente a todos
os doadores de órgãos inter-vivos e pós–
mortem, pois demonstraram o que é amar
incondicionalmente o próximo em sua essência
real.
AGRADECIMENTOS
Todos somos sabedores de que a vida é formada por ciclos e, quando chegamos ao fim
de um, começamos a refletir por tudo o que passamos durante este período. Concluímos por
sentir gratidão, sentimento de felicidade, de dever cumprido, de mais uma etapa vencida.
A luz interior de quem tem a prática de agradecer brilha, gera felicidade, a percepção
vai se tornando abundante, irradia confiança, expande, produz autoestima e abre caminho para
uma evolução consciente.
Expressar gratidão é a melhor estratégia para alcançar a felicidade plena. Para muitas
pessoas a expressão da gratidão significa dar o devido valor às coisas, de forma sincera e
profunda. A gratidão é um antídoto contra emoções ruins, que ajuda a neutralizar a inveja,
hostilidade, aborrecimentos e irritação. Praticar a gratidão é focar no agora, reconhecendo
todas as conquistas que você já teve, para receber ainda mais.
Não importa qual a religião que se segue, ou mesmo se é religioso ou não. Gratidão é
um sentimento universal, que não é complexo, é simples e puro, porém, complicado de expor
em palavras, em uma simples busca no Google significa "reconhecimento de uma pessoa por
alguém que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor; agradecimento".
Refletindo sobre o fim desse ciclo de cinco anos de academia, quero render graças e
exaltar ao meu amado Criador, Deus, por ter me proporcionado esta nova oportunidade de
evolução, onde pude passar por inúmeros momentos de aprendizado durante toda a
graduação, na produção deste trabalho e principalmente por ser um ponto de força, o meu
alicerce seguro nos momentos de dúvida. Agradeço também aos seres evoluídos de luz que
sempre me guiam, ao meu amado anjo da guarda e ao meu protetor São Miguel Arcanjo.
Na definição de gratidão há pessoas que lhe prestam um favor e nos sentimos
agradecidos, mas há pessoas que lhe auxiliam durante a vida inteira, abdicando de suas
vontades e até mesmo dos seus sonhos em prol dos sonhos de seus filhos, sim, pais. Aos meus
amados Ilse e Alcides não encontro palavras para agradecer a tudo o que fizeram por mim,
mesmo diante da conquista de passar no vestibular em 2014. Foram dois anos em que bati o
pé contra eles, onde decidi que faria a faculdade sim, mesmo contra a vontade e sem o
consentimento e apoio deles, até que se deram conta que o meu sonho era maior e então
começaram a me apoiar e me deram muitas vezes auxílio financeiro. Obrigada pelos
ensinamentos de ética e caráter, dos valores de família, ao incentivo de sempre continuar
estudando independente de qualquer adversidade, por quebrar cadeias na evolução, pois
nenhum deles se quer terminou o ensino fundamental e principalmente por falarem da minha
conquista com brilho nos olhos, mas o mais importante é que sei que a minha vitória é a
vitória de vocês também.
Durante o período da faculdade percebi o quão importante é receber motivação nos
momentos de dificuldade e não posso deixar de agradecer minha irmã Lenice, ao meu
cunhado Fabiano e agradeço a eles principalmente por me darem a melhor parte de mim:
minha sobrinha e afilhadinha Joana, que é meu alento nos dias de tristeza e a minha diversão
pra toda a hora, é luz para os meus olhos.
Tenho muito a agradecer àquelas pessoas que conheci na faculdade que, inicialmente
seriam somente mais algumas colegas dentre tantas, porém Deus resolveu fazer delas as
minhas amigas/ irmãs do coração: Andreza Colvero, Marina Brandão e Tanise Nicolini, que
se tornaram essências na labuta diária de estudo. Obrigada de todo o meu coração por tudo o
que fizeram por mim, são tantas histórias, tantas confissões, a cada alegria e cada momento de
dificuldade, por estarem sempre disponíveis a me ouvir indiferente da hora do dia, por sempre
estarem com o ombro amigo e dispostas a me ajudarem e fazerem desta etapa da Faculdade de
Direito, além de um momento de estudo de doutrinas, leis ou jurisprudências, um tempo de
criar laços tão fortes e profundos de uma amizade leal e sincera que levarei para toda a minha
vida.
Agradeço à Imed por ser a Instituição que é, por ter profissionais gabaritados, de
excelente conduta, ética e que possuem qualidade em tudo o que fazem, por priorizarem
sempre o aluno a frente de tudo, tenho orgulho de fazer/ ter feito parte desta trajetória. Fui
representante oficial da turma A, desde o segundo semestre até o décimo, e vi com os meus
próprios olhos a evolução e rumo que a Faculdade tomou. Tenho muito prazer e orgulho de
dizer que fiz parte da história dela, e espero de todo o meu coração ter deixado uma pouco da
minha marca por aqui, quer seja pelo carinho e respeito com que sempre tratei todos, além do
sorriso largo no rosto, retrato fiel e característica minha por estar num lugar onde sempre fui
bem colhida e tratada por todos.
Aos meus queridos colegas, sem poder nomear todos, foram fundamentais nesta
caminhada, para cada momento da graduação estivemos juntos nas provas mais difíceis, nos
trabalhos em grupo e nas mais diversas situações. Obrigada por me deixarem conduzi-los
como sua representante até o final, sei que não foi nada fácil em muitos momentos, mas vocês
foram ótimos, tenho muito orgulho de ter vocês como meus colegas, carrego no peito a alegria
de fazer parte da vida de vocês e por me deixarem fazer parte das suas. Tenho a certeza de
ainda reencontrá-los na estrada da vida, espero e peço a DEUS que estejam bem, diante
daquilo que escolherão e seguirão com convicção.
Agradeço imensamente a todos os meus Mestres, que são muito além disso, tenho
orgulho de ter tido aula com Doutores na graduação e até com Pós-Doutores, mas além disso
simplesmente professores que, durante toda a graduação, dividiram comigo seus
conhecimentos de uma forma clara, objetiva e suprema. E principalmente agradeço muito a
minha orientadora Dra. Cheila Aparecida Oliveira, por todo o auxílio na elaboração deste
trabalho de conclusão de curso, pelos conselhos, pela atenção, parceria e por sempre me
incentivar, mesmo diante das intempéries impostas pelo estado de saúde a que se encontrava,
sempre priorizou estar em aula atendendo e fazendo o que tanto ama: ensinar. Além de ser
uma excelente orientadora, se tornou uma grande amiga a qual tenho muito respeito e
admiração, tenho muito orgulho de tê-la em minha vida e desejo que sua saúde seja
prontamente reestabelecida e que tu sejas feliz fazendo aquilo que mais ama.
Também sou grata às pessoas que conheci por onde passei em estágio, as quais são
fundamentais na caminhada rumo ao conhecimento prático, ao pessoal do Instituo de
Previdência Social (INSS) de Passo Fundo, também da 1ª Vara Cível Especializada em
Fazenda Pública e a Procuradoria Geral do Estado, foram fundamentais no lapidar daquilo
que aprendi em sala de aula ora disposto na temática prática.
Também emano meu agradecimento aos meus verdadeiros amigos, obrigada por
compreenderem a minha ausência diante da rotina a qual muitas vezes era frenética, por se
importarem comigo, por tornar a caminhada mais tranquila sabendo que a abdicação que ora
era necessária, justamente porque decidi alçar um voo mais alto, e sendo meus amigos, sei
que entenderiam.
Ademais, rendo o meu agradecimento à uma pessoa muito especial que Deus enviou
neste momento crucial da minha vida acadêmica, que auxiliou de forma substancial neste
trabalho de conclusão do curso, sendo portadora de vasto conhecimento naquilo que faz e que
tem um coração repleto de bondade e amor para com o próximo, a conheço simplesmente por
Renee, mas a gratidão que tenho para com aquilo que te propuseste a fazer não terei como
agradecer, este parágrafo é simples e pequeno diante do quão merecedora és do verdadeiro
reconhecimento. Obrigada por fazer parte dessa história. Deus te abençoe muito sempre.
Por fim, mas não menos importante, eu vou agradecer aquele que está ao meu lado em
todos os momentos, que compartilhei mais da metade da caminhada da faculdade com ele,
meu amigo, companheiro, namorado, noivo, namorido, enfim, Rudimar Saggiorato, não há
como descrever em palavras o quão agradecida sou por ter você em minha vida. Serei pra
sempre grata por tua presença ao meu lado nesta caminhada evolutiva, me conheces tanto que
sabe quando não estou bem só pelo olhar ou pela forma de respirar. Obrigada por me afagar
com o teu abraço carinhoso, por me compreender diante das tempestades que se levantavam
diante de mim, por me dares forças para seguir em frente, por me animar, por não me deixar
abater diante das dificuldades, e por estar muitas vezes por meio do teu silêncio a me acalmar,
mesmo parecendo eu calma. Deus me enviou você, que me ensinou o que é ter calma, a
exercitar minha paciência, a esvaziar um pouco do meu copo, visto que devemos ter tudo de
forma equilibrada. Você faz parte desse momento também, essa vitória com certeza também é
tua. Te amo.
“É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar
triunfos e glórias, mesmo expondo-se a derrota, do que
formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito,
nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta
que não conhece vitória nem derrota”.
Theodore Roosevelt
RESUMO
O presente trabalho fundamenta-se no estudo dos princípios envoltos na linha da bioética e do
biodireito, os quais fazem parte da avaliação daquilo que é melhor para si e para a sociedade.
Dentre os principais princípios que serão elucidados, foram concatenados no sentido da
necessidade, em vista primária, para entendimento acerca da disposição do corpo (órgãos) em
vida e pós mortem, no intuito de auxiliar o Sistema Nacional de Transplante, o qual está com
a demanda sobrecarregada no sentido da oferta e procura, atravancando cada dia mais a fila de
pessoas que necessitam de um órgão para sua sobrevivência. O principal objetivo verificar se,
cada pessoa dispõe livremente direito ao próprio corpo no comércio de órgãos? Fere o
Princípio da Justiça no tocante a igual distribuição do direito a saúde? É possível respeitando
e seguindo os preceitos legais e fundamentais elencados na Constituição Federal e no atual
ordenamento jurídico? Ainda, podem haver métodos governamentais que auxiliem no
aumento das doações de órgãos em vida e também no pós mortem tendo como consequência a
diminuição do trágico internacional de órgãos? Nessa esteira também se faz necessária à
avaliação do princípio da justiça no sentido de reflexão quanto à distribuição igualitária no
que tange ao equilíbrio em se tratando do alcance efetivo no campo de direito fundamental à
saúde. Igualmente, é necessário também concatenar as evoluções pertinentes aos aspectos
éticos e do ordenamento jurídico, em face do surgimento de lei específica regulando e
esclarecendo quanto ao funcionamento no Sistema Brasileiro, relacionado ao consentimento
informado e a doação de órgãos inter-vivos e pós mortem no Brasil, em paralelo com outros
países. Ademais, é necessária a reflexão no que concerne aos direitos da personalidade, quais
são constitucionalmente fundamentais para uma possível disposição de um órgão em prol de
outra pessoa. O trabalho foi desenvolvido por meio do método hipotético – dedutivo qual
consiste na construção de conjecturas baseada nas hipóteses, isto é, caso as hipóteses sejam
verdadeiras as conjecturas também serão. Por isso as hipóteses devem ser submetidas a testes,
os mais diversos possíveis, à crítica intersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão crítica, à
publicidade (sujeitando o assunto a novas críticas) e ao confronto com os fatos, para verificar
quais são as hipóteses que persistem como válidas resistindo às tentativas de falseamento, sem
o que seriam refutadas. É um método com consequências, que leva a um grau de certeza igual
ao das hipóteses iniciais, assim o conhecimento absolutamente certo e demonstrável é
dependente do grau de certeza da hipótese. À vista disso, ao longo do trabalho foi possível
contemplar a necessidade quanto a informação ao despeito da própria autonomia de vontade
para com a família possibilitando por meio de comunicação clara a vontade em vida de doar
ou não órgãos, auxiliando de forma relevante as equipes multidisciplinares que atuam na
captação de órgãos para perfectibilizar o procedimento.
Palavras-chave: Autonomia de Vontade. Consentimento Informado. Dignidade da Pessoa
Humana. Direito Fundamental à Saúde. Doação de Órgãos.
.
ABSTRACT
The present work is based on the study of the principles involved in the line of bioethics and
biology, which are part of the evaluation of what is best for oneself and for society. Among
the main principles that will be elucidated, they were concatenated in the sense of necessity,
in a primary view, to understand the disposition of the body (organs) in life and post mortem,
in order to assist the National Transplant System, which is with the demand overwhelmed in
the sense of supply and demand, cluttering each day more the queue of people who need an
organ for their survival. The main objective is to verify that each person freely has the right to
own body in the trade of organs? Does the Principle of Justice affect the equal distribution of
the right to health? Is it possible to respect and follow the legal and fundamental precepts
listed in the Federal Constitution and in the current legal system? Still, can there be
governmental methods that help increase donations of living organs and also postmortem,
with the consequence of reducing the international tragedy of organs? In this wake, it is also
necessary to evaluate the principle of justice in order to reflect on the equal distribution of
balance in relation to the effective scope in the field of fundamental right to health. Likewise,
it is also necessary to link the evolutions pertinent to ethical and legal aspects, in view of the
emergence of a specific law regulating and clarifying the functioning of the Brazilian System,
related to informed consent and the donation of inter vivos and postmortem organs in the
Brazil, in parallel with other countries. In addition, it is necessary to reflect on the rights of
the personality, which are constitutionally fundamental for a possible disposition of a body for
the benefit of another person. The work was developed through the hypothetical - deductive
method which consists of the construction of conjectures based on the hypotheses, that is, if
the hypotheses are true the conjectures will also be. Therefore, the hypotheses must be
submitted to the most diverse tests of intersubjective criticism, mutual control by the critical
discussion, the publicity (subjecting the subject to new criticism) and confrontation with the
facts, to verify what are the hypotheses that persist as valid resisting attempts at falsification,
without which they would be disproved. It is a method with consequences, which leads to a
degree of certainty equal to that of the initial hypotheses, so absolutely certain and
demonstrable knowledge is dependent on the degree of certainty of the hypothesis. In view of
this, throughout the work it was possible to contemplate the need for information in spite of
one's own autonomy of will towards the family, making possible through clear
communication the will in life to donate or not organs, helping in a relevant way the
multidisciplinary teams that act in the capture of organs to perfect the procedure.
Keywords: Autonomy of Will. Informed Consent. Dignity of Human Person. Fundamental
Right to Health. Organ Donation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13
1 A BIOÉTICA, SEUS PRINCÍPIOS E O BIODIREITO NA DOAÇÃO DE
ÓRGÃOS ....................................................................................................................... 15
1.1 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA E O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO ........... 18
1.2 O PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA E O FUNCIONAMENTO DO
SISTEMA BRASILEIRO DE TRANSPLANTES E SUAS NORMAS ........................ 21
1.3 O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA E A IGUAL DISTRIBUIÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE...........................................................................................................................27
2 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO
DIREITO BRASILEIRO E O DIREITO INTERNACIONAL ............................... 30
2.1 EVOLUÇÕES LEGISLATIVAS NO DIREITO BRASILEIRO ............................. 31
2.2 PROJETOS DE LEI ................................................................................................. 35
2.3 O CONSENTIMENTO NO DIREITO INTERNACIONAL ................................... 37
2.3.1 Legislação Espanhola .......................................................................................... 38
2.3.2 Legislação Portuguesa ......................................................................................... 39
2.3.3 Legislação Francesa ............................................................................................. 40
2.3.4 Legislação Americana ......................................................................................... 41
2.4 O CÓDIGO CIVIL ................................................................................................... 41
3 O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E A JUSTA DISTRIBUIÇÃO DO
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE .................................................................... 43
3.1 O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E A DISPOSIÇÃO DE ÓRGÃOS EM
VIDA .............................................................................................................................. 45
3.2 O DIREITO À SAÚDE E A DISPOSIÇÃO DOS ÓRGÃOS PÓS MORTEM ....... 45
3.3 VENDA DE ÓRGÃOS NO BRASIL ...................................................................... 48
3.4 O PAPEL DO ESTADO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO PRÓPRIO CORPO
E A SAÚDE E ADOÇÃO DE MEDIDAS DE INCENTIVO ESTATAL EM PROL
DA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS ........................................................................................ 53
3.5 DADOS ATUALIZADOS DAS DOAÇÕES DE ÓRGÃOS NO RIO GRANDE DO
SUL E CONVICÇÕES MÉDICAS A RESPEITO DAS PROBLEMÁTICAS
QUE DIFICULTAM A DOAÇÃO NO PÓS MORTEM ............................................... 54
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 64
ANEXO A – Lei n. 9.434, de 04 de fevereiro de 1997 ................................................ 71
ANEXO B - Declaração de Istambul sobre tráfico de órgãos e turismo de
Transplante ................................................................................................................... 80
ANEXO C – Resolução do CFM 2.173/2017 .............................................................. 88
ANEXO D - Decreto 9.175/2017 .................................................................................. 101
13
INTRODUÇÃO
O tema adotado para a realização do presente trabalho funda-se no princípio da
autonomia o qual é envolto pelo princípio fundamental da dignidade humana, sendo que este
deve ser respeitado e a qualquer tempo abordado, visto a importância que o assunto toma na
atual conjuntura do país.
Nesse contexto, a remoção de órgãos para fins de transplantes sempre provocou
discussões polêmicas, por se tratar de um assunto extremamente delicado, posto que aborda
diretamente os mais profundos valores éticos e morais de uma sociedade, exigindo reflexões
mais abrangentes acerca dos direitos fundamentais, tal como o respeito à dignidade humana,
nele inserido o direito da personalidade e a autonomia de vontade.
Primordialmente, este assunto detém tamanha importância, à vista do elevado número
de pessoas que aguardam ansiosamente sua vez, na fila única de espera, e dependem de uma
ligação, para atingir o principal objetivo, um doador compatível, para que sua saúde seja
assegurada ou até mesmo a sua sobrevivência. Tal temática irá abranger a moral, a ética, o
direito, a consciência da pessoa, a educação, o livre arbítrio, a solidariedade e principalmente,
a vida.
Nesse sentido, em elevada escala, há muitas informações circulando atualmente na
área do biodireito e da saúde em geral, no âmbito de que, a necessidade de transplantar um
órgão tem levado ao desespero as pessoas que dele necessitam, fazendo-as sair do país e
buscarem por intermédio de outros meios a resolução de tal problema, uma vez que na
legislação destes países é possível a doação e ainda a comercialização de órgãos em vida,
possibilitando então para aquele que assim se submete a solucionar o seu problema.
Em se tratando de autonomia sobre o próprio corpo é possível ter a dimensão de quão
ampla e extensa esta discussão pode ser, sendo que se pode questionar se há total autonomia
sobre o próprio corpo, pois se pode tatuar, colocar “piercings”, adornos entre outros, mas
deve-se fazer um contra balanço com aquilo que a moral, a ética e os bons preceitos, a própria
“voz interior”, tratam quanto a questão em voga, pois, deve-se respeitar tais normas morais,
éticas e até mesmo jurídicas. Contudo, é necessário realizar esta análise, para que se pondere a
interferência Estatal na vida de cada pessoa, a qual compõe uma sociedade, e, portanto o
Estado possui domínio e influência direta quanto aquilo que se pode ou não fazer, então, é
preciso fazer uma diferenciação sobre o que é, e o que trata o princípio da autonomia e
também, quanto ao princípio da justiça.
14
O princípio da dignidade humana, inerente à pessoa, manifesta-se na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas. Como meio de garantir esse mínimo que todo o
estatuto jurídico deve assegurar, a Constituição Federal de 1988 reconheceu em seu texto que
a pessoa é detentora de direitos inerentes a sua personalidade, assim entendida com as
características que a distinguem como ser humano.
Na visão de Matte (2017), o tráfico de órgãos humanos é um mercado clandestino que
existe no mundo inteiro para satisfazer a oferta e a procura de órgãos, onerando as classes
mais desfavorecidas. De acordo com a autoria, o Brasil é o segundo país que mais realiza
transplantes renais e hepáticos no mundo, e é um grande fornecedor de órgãos ao mercado
clandestino. Neste sentido, a legalização da comercialização de órgãos, é defendida como
uma forma de acabar com o mercado clandestino, porque age equilibrando a oferta e a
procura. O comércio ilegal tem como fatores de justificativa o desequilíbrio e a demora.
Assim, este trabalho pretende aprofundar-se sobre o tráfico de órgãos mundial,
comparando as principais legislações internacionais e nacionais que tratam sobre o tema, além
de discutir sobre a possibilidade de legalização da comercialização de órgãos no Brasil em
face dos princípios constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana.
Também serão estudadas as principais legislações sobre o comércio de órgãos, apresentando
leis e projetos de lei documentados com o objetivo de elucidar a pesquisa. Por fim, analisar
quais os entraves às doações de órgãos no País.
A pesquisa que segue foi estruturalmente organizada em três capítulos, utilizando-se o
método dialético, por meio do qual serão contrapostas teses opostas (tese e antítese) para
chegar a uma conclusão (síntese) sobre a importância do assunto. O primeiro capítulo
apresenta o tema Bioética com seus princípios e o Biodireito na doação de órgãos, o segundo
capítulo trata da doação de órgãos e a evolução legislativa no Direito Brasileiro e o Direito
comparado e o terceiro capítulo discorre sobre o direito ao próprio corpo e a justa distribuição
do direito à saúde.
15
1 A BIOÉTICA, SEUS PRINCÍPIOS E O BIODIREITO NA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
O progresso científico, que na área da medicina é assinalado por um conjunto de
práticas que visam o prolongamento da vida, deve priorizar valores superiores como o da
dignidade da pessoa humana e a preservação da vida, sempre observando os preceitos éticos e
jurídicos, além de respeitar os princípios que visam auxiliar na conduta dos profissionais
responsáveis pela ação.
Neste sentido, se deu a palavra "ética" que vem do grego “ethos” que significa aquilo
que pertence ao "bom costume", "costume superior", ou "portador de caráter ", sendo
princípios universais, ações em que se acredita e não mudam, seja qual for o lugar onde se
está, diferenciando-se da moral pois, enquanto esta se fundamenta na obediência a costumes e
hábitos recebidos, a ética fundamenta as ações morais tão somente pela razão. (WALKER,
2015, p. 01).
Por isso, de acordo com Chaui (2010) a ética se dá pela educação da vontade. A
filosofia moral ou a ética inicia quando se indaga o que são, de onde vêm e o que valem os
costumes. Surge também quando o objetivo é compreender o caráter de cada pessoa, o senso
moral e consciência moral individual. A autora conceitua senso moral como a maneira como é
avaliada a situação pessoal e a dos outros, segundo conceitos de justiça, injustiça, bom e mau.
São os chamados sentimentos morais. Já a consciência moral não se trata apenas dos
sentimentos morais, mas as avaliações de conduta que nos levam a tomar decisões por nós
mesmos, agindo conforme elas e a responder por elas perante os outros. Isso significa ser
responsável pelas consequências de nossos atos. (CHAUI, 2010).
É necessário poder entender o surgimento da ética sendo esta de suma importância, no
que tange principalmente sua diferenciação em relação à moral, pois tem-se o costume ou a
inconsciente idéia de que sejam parecidas ou que o seu sentido é igual, o que não é verdade,
pois apresentam relações de características diferentes e a sua distinção justamente se dá pela
abordagem, a qual abaixo será explicitada.
Assim, a ética sempre abarca a questão teórica como o modo de ser, caráter,
disposição, hábito, índole. Sendo ciência do caráter e fazendo reflexões sobre esta, ainda, é
uma disciplina filosófica, que orientará para a opção de adesão a uma norma moral, significa
o estudo dos valores morais, daquilo que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto,
não sendo esta exposta ao exterior e fazendo uma reflexão sempre crítica acerca da ação
humana ou social, da qual sempre buscará justificativas para as regras indicadas pela moral e
pelo direito, pois por si só não estabelece regras.
16
A moral de origem latina “mos ou moris” se dá pela prática habitual de costumes
coletivos e de valores, a qual está envolta num conjunto de normas para o agir concreto, na
maneira de se comportar, sempre regulada pelo uso das relações interpessoais. Sendo então
um conjunto de preceitos, princípios, costumes, normas, de valores, contidos num código, que
justamente servem como caminho a seguir, em um comportamento do indivíduo no seu grupo
social, tendo como exemplo os 10 mandamentos bíblicos, sendo nestes, obrigatória a presença
do caráter. Nesse sentido, Augusto Comte “a moral sempre consistirá em fazer prevalecer os
instintos simpáticos sobre os impulsos egoístas”. (RIBEIRO, 2015)
A Bioética é o diálogo entre a ética e a vida. Quem utilizou deste termo inicialmente
foi o Pastor Fritz Jahr, num periódico alemão (Kosmos), no ano de 1927, e caracterizou a
Bioética como sendo o reconhecimento de compulsões éticas não apenas em relação ao ser
humano, mas sim, com todos os seres vivos. Então nos anos 60, no contexto da bioética foram
abordadas mais incisivamente as questões que se tornaram públicas, quando os EUA tomaram
conhecimento de casos de manipulação em pesquisas, com doentes e pessoas mentalmente
fragilizadas, pacientes com abusos nos tratamentos clínicos, experimentações em pacientes
terminais, as quais sensibilizaram a sociedade e preocuparam os órgãos governamentais,
despertando a discussão acerca dos direitos dos enfermos.
Surgindo então nos anos 70, a partir de grandes progressos tecnológicos na área da
biologia, que acarretaram grande poder de intervenção sobre a vida e a natureza, e aos
consequentes problemas éticos derivados das descobertas e aplicações das ciências biológicas
(OLIVEIRA, 1997, p.05). Nesta esteira, foi aprovada nos hospitais dos Estados Unidos, a
carta dos direitos dos enfermos, tornando um marco na relação de profissionais da saúde e
doentes. A grande questão que se aborda desta época até a atualidade é a problemática de
como humanizar a relação entre pessoas que possuem conhecimentos médicos e o ser
humano, muitas vezes extremamente doente, fragilizado e a mercê dos conhecimentos
técnico-científicos, dos quais as equipes médicas usam e abusam no tratamento verbal.
Neste sentido, se deu a necessidade da criação de um consentimento informado nos
quais muitos procedimentos são esclarecidos de forma escrita, com linguagem de fácil
compreensão e entendimento a qualquer pessoa, pois este instrumento é de extrema
necessidade na atualidade. Seu objetivo principal é proteger a comunicação entre o
profissional de saúde e o doente, assim prevenindo que a ignorância o leve a uma escolha
equivocada, portanto devendo suprir a falta de informação e garantindo o respeito a sua
dignidade.
17
No entendimento de Bittar (2009, p.10), “a bioética seria uma resposta às novas
situações originárias da ciência no campo da saúde, tomando-se não só dos problemas éticos,
provocados pelas tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida humana, mas
sim uma resposta aos riscos próprios à prática tecnocientífica e biotecnocientífica”. A partir
disso, evidencia-se que os elementos necessários a serem explorados neste campo referem-se
aos três princípios que norteiam a bioética como a justiça, que aborda as instituições de saúde
e a sociedade no tratamento de questões relativas à vida e à saúde dos enfermos, a autonomia,
que é ponto de referência ético para o enfermo e a beneficência, como sendo para o médico,
sendo que esta última deve ser sugeridamente desdobrada em dois, ou seja, beneficência e
não-maleficência (BEAUCHAMP E CHILDRESS, 2013, p.209).
Estruturar o Biodireito requer o entendimento de que este surgiu por meio da
necessidade da intervenção do Direito na ocorrência dos fatos e análises provenientes de
questões bioéticas. Por isso, antes de qualquer coisa, é importante saber que não se pode
reduzir o direito a um instrumento, substituindo os direitos do homem pelos direitos de um
homem em função de suas predisposições genéticas. Não se refere, simplesmente, a encontrar
um “correspondente jurídico” para Bioética, mas de estabelecer quais as normas jurídicas que
devem reger os fenômenos resultantes da biotecnologia e da biomedicina, também
disciplinados pela Bioética. Na verdade, a possibilidade de colisão parece remota, na exata
medida da relação existente entre Ética e Direito. Contudo, não seria razoável resolverem-se
conflitos jurídicos exclusivamente com fundamentos em princípios da Bioética.
Segundo Silva e Serra (2009), o Biodireito eclodiu nos anos 90, apesar de seu
surgimento parecer mais antigo, mas, este campo realmente se tornou muito fértil, devido às
lacunas de legislação referentes a fatos decorrentes desta revolução biomédica e cabe a este
pensar tanto nas normas quanto nos critérios de decisão sobre as inovações da biotecnologia,
sempre sendo inspirado nos princípios da Bioética, a qual sugere sempre a finalidade do
sentido da vida humana e os fundamentos dos deveres sociais, destacando sempre que acima
de qualquer revolução está o valor da vida humana.
À vista disso, nota-se que o Biodireito é compreendido por meio de quatro
paradigmas: O formalístico, em que é impensável a constituição do Biodireito, pois o papel do
Direito é a pura formalização jurídica de decisões éticas prévias; o individualismo-libertário,
o qual diz que, quem não está em condições de exigir seus direitos, sejam estes fetos ou
adultos excepcionais, estão excluídos da proteção jurídica; o procedimental, que atribui ao
direito à função de defender uma ética convencional pública, que fixe universalmente os
procedimentos publicamente aceitos e reacional, que diz que é juridicamente ilícita toda a
18
modalidade de relação que altere a simetria de reciprocidade, dando-a um elo da relação,
poderes não reconhecidos ao outro (MAIA, 2017, p.158)
Diante disso é necessário um Biodireito que justamente promova e defenda a
igualdade e o respeito recíprocos dos sujeitos de qualquer relação interpessoal na qual está
implicada a vida humana, assegurando também a responsabilidade e solidariedade social por
aqueles diminuídos em sua dimensão relacional, afirmando sua subjetividade jurídica
(SOUZA, 2009, p.57).
Portanto, evidencia-se a necessidade de tal abordagem, para que seja possível o
entendimento do princípio da autonomia, quanto ao direito ao próprio corpo, além disso, do
princípio da beneficência, buscando esclarecer e explicitar como funciona o sistema brasileiro
de transplante, concatenando suas normas e envolto nesta aura, o princípio da justiça e a igual
distribuição do direito à saúde. Viés que é necessário para o entendimento dos mecanismos
para a efetivação de uma democracia sustentável em relação a um direito que respeite a
dignidade do ser humano e que ao mesmo tempo atenda as expectativas sociais nas demandas
pertinentes ao alcance do direito, que respeite o direito à saúde e à justiça.
1.1 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA E O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO
O surgimento da palavra autonomia se dá pela derivação do grego “próprio” e
“nomos” como sendo “regra”, “governo” ou “lei”, como forma de autogestão nas cidades
gregas e a partir de então o termo autonomia se estendeu aos indivíduos, adquirindo sentidos
bem diversos, dentre os quais está elencado os direitos de liberdades, de escolha individual,
pertencer a si mesmo, liberdade de vontade. (CONPEDI, 2015)
O conceito de autonomia, debatido em diferentes ordens discursivas, tais como a
filosofia, neurociências, genética, psicanálise e teoria política, é complexo e de difícil
aplicação aos conflitos da vida. (RUSSO, 2002)
Autonomia é definida como a capacidade do indivíduo em decidir fazer o que julga ser
o melhor para si mesmo, então estas condições se caracterizam pela capacidade de agir
intencionalmente, pressupondo compreensão, razão e deliberação para decidir coerentemente
entre as alternativas que lhe são apresentadas na liberdade, sem influência controladora, para
esta tomada de decisão e, na segunda hipótese, o significado de ter consciência do direito que
o indivíduo tem de possuir um projeto de vida próprio, com seus pontos de vista e opiniões,
escolhas autônomas, agindo segundo seus valores e convicções. Portanto, a autonomia é
19
preservar os direitos fundamentais do homem, aceitando o pluralismo ético-social que existe
na atualidade (MAIA, 2015).
A autonomia afigura-se, portanto, como o reconhecimento de direito individual de
poder fazer aquilo que se tem vontade, desde que não prejudique os interesses de outras
pessoas. Dessa forma, a autonomia possui valor inestimável, já que vários direitos
fundamentais, como a liberdade de locomoção, de expressão, de religião, de reunião, de
profissão, de disposição sobre o próprio corpo, decorrem deste princípio (LIMA, 2008).
Um exemplo explícito desta idéia é a prática assistencial, é no respeito ao princípio de
autonomia que consiste a aliança terapêutica entre o profissional de saúde e seu paciente e o
consentimento para os diagnósticos, exames, procedimentos e tratamentos (MAIA, 2015). É
este princípio que leva o profissional da saúde a dar ao paciente a mais completa informação
possível, com o objetivo de que o problema seja compreendido e assim o paciente possa
tomar uma decisão. No entanto, é visto que grande parte da população não tem o devido
esclarecimento quanto aos verdadeiros malefícios de tais procedimentos e confiam no
profissional que ora lhe repassa tais informações, no intuito de auxiliá-lo na tomada de
decisão, mas será que este profissional está agindo com ética, será que os seus interesses não
prevalecem em determinadas situações?
Na visão de Mello, Rodrigues e Andrade (2015), respeitar a autonomia significa
ajudar o paciente a suplantar seus anseios de dependência, dando justificativas para que ele
coloque em primeiro plano seus valores e preferências legítimas, para que possa discutir as
opções diagnósticas e terapêuticas. Além disso, não são raros os casos em que pacientes estão
sob efeito de forte medicação, em procedimentos cirúrgicos, entre outros, não havendo
possibilidade de escolha, ou de agir com autonomia na tomada de decisão referente ao que
deve-se fazer em determinada situação.
De maneira muito resumida, pode-se dizer que a essência do consentimento
informado é resultado desta interação entre profissional e paciente. O consentimento
informado é uma decisão voluntária, verbal ou escrita, que deve ter como protagonista uma
pessoa autônoma e capaz, antes de qualquer procedimento, por meio do qual tomará a
decisão, após um processo informativo, onde aceitará um tratamento específico ou
experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis consequências (LOCH,
2002).
Dessa forma, a autonomia de escolha possui valor inestimável, já que inúmeros
direitos fundamentais, como de religião, de reunião, de profissão, de expressão, de disposição
do próprio corpo, decorrem diretamente de tal princípio (LIMA, 2008).
20
A proteção da autonomia da vontade objetiva proporciona à pessoa o direito de
autodeterminação, ou seja, determinar o seu próprio destino, fazendo escolhas que digam
respeito a sua vida e ao seu desenvolvimento humano (MORAIS, 2010, p.334).
A autonomia é, portanto, um dos pivôs dos direitos fundamentais do homem e,
notadamente, dos seus direitos de personalidade (MORAIS, 2010, p. 334).
Assim, a autonomia de vontade configura-se, portanto, como a capacidade de
autodeterminação, o poder de realizar suas próprias escolhas individuais, de modo a promover
o livre desenvolvimento da personalidade.
A partir dessa perspectiva, é possível perceber a necessidade de se desprender de
tendências, pensamentos, a fim de se desvincular de qualquer tipo de inclinação, para que a
tomada de decisão, seja ela qual for, seja consciente e despretensiosa, no sentido de ser
verdadeiramente autônomo.
Mas até que ponto se tem total disposição do próprio corpo? Ser autônomo não é a
mesmo que ser respeitado como um agente autônomo, ou seja, respeitar um agente autônomo
é reconhecer o direito desta pessoa ter as suas opiniões, de poder fazer as suas escolhas,
sempre agindo com base em valores e crenças pessoais e isso significa portanto um
envolvimento de ação respeitosa e não simplesmente uma atitude de cunho respeitoso. Para
esclarecer, a obra de Beauchamp e Childress trata sobre esta questão:
Muitas críticas dirigidas aos usos concorrentes do princípio de respeito à autonomia
na ética biomédica observam que a autonomia não é nosso único valor e que o
respeito pela autonomia não é o único imperativo moral. Esses críticos
acertadamente destacam que muitas das tomadas de decisões na assistência à saúde
não dependem somente de se respeitar a autonomia, mas sim preservar a capacidade
de autonomia às condições de uma vida digna. Portanto, o respeito à autonomia com
frequência é menos importante do que as manifestações de beneficência e
compaixão. Tais críticas, porém, só são eficazes contra as teorias éticas que
reconhecem um princípio de autonomia exageradamente estreito ou que tratam o
princípio como incondicional ou como anterior a todos os demais princípios. O
princípio de respeito à autonomia deve ser atingido enquanto estabelecendo um
firme direito de autoridade para o controle do próprio destino pessoal, não mais
como a única fonte de obrigações e direitos morais (BEAUCHAMP CHILDRESS,
2013, p. 144).
Nota-se, diante disso, que claramente se corrompe a autonomia do indivíduo pela
graça da beneficência e compaixão, ocasionando um corrompimento na linha de respeito e
interferindo diretamente na autonomia de uma sociedade, a qual produzirá consequências
destoadas, como se aquilo que cada pessoa realmente quer, fosse induzido e educado a ser
aquilo que é melhor e mais compensador para a sociedade.
21
Por fim, cabe também abordar a idéia de Godinho, que propõe critérios, que possam
aferir, quando será lícito, que uma pessoa por um ato de somente pura vontade disponha da
sua integridade física e de seu direito ao próprio corpo, formulando estudos, diante das bases
da ordem jurídica brasileira, não perdendo de vista obviamente o caráter universal das
questões em voga abordadas, tentando observar as temáticas que escapam ao olhar da
doutrina nacional, seja pelo ângulo do direito civil, constitucional ou ainda, sob domínios da
bioética e também do biodireito (GODINHO, 2014).
1.2 O PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA E O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA
BRASILEIRO DE TRANSPLANTES E SUAS NORMAS
Beauchamp e Childress definem beneficência como uma ação feita em benefício de
outros. Este princípio estabelece a obrigação moral de agir em prol dos outros. É importante
distinguir da benevolência, que é a virtude de se dispor a agir em benefício dos outros
(BEAUCHAMP E CHILDRESS, 2013, p. 260).
Este é o Princípio que regula as instâncias éticas da medicina, onde se bifurca em
prover benefícios e ponderar benefícios e danos, portanto este é um dever para o profissional
de saúde, o qual sempre deve refletir e indagar sobre tais questões, como quando o enfermo
corre risco significativo de sofrer dano ou prejuízo. Um grande e ponderável exemplo é
quanto ao envolvimento de pacientes em pesquisas, para o possível benefício de substâncias,
as quais são desconhecidas e são então “testadas”, ocasionando em determinadas proporções
danos aos indivíduos envolvidos. Portanto, este caracteriza-se na obrigação ética de
maximizar o benefício e minimizar o prejuízo. Assim sendo, é fundamental que este
profissional tenha abordado todas as informações possíveis e pertinentes a tal situação, que
assegure faticamente que o ato médico seja benéfico ao paciente, ou seja, que faça o bem, não
infligindo, portanto um dano deliberado. Fazendo um contraponto também ao princípio da
não-maleficência, está estabelecendo que a ação entre o médico e o paciente sempre deve
causar o menor prejuízo possível à saúde do paciente, é uma ação que não faz o mal.
À vista disso, nota-se que o conceito de beneficência é necessário e se faz presente em
qualquer envolvimento ou trato médico-paciente, visto que em grande parte dos casos, os
pacientes não estão a par dos benefícios ou prejuízos que tal ação pode trazer sobre a sua vida.
Nesse sentido, o transplante do órgão afetado torna-se uma alternativa, já que aquele que
encontra-se em seu corpo, ora está lesionado, doente, falho ou limítrofe ao funcionamento
normal. Por conseguinte, o resultado que se espera de um transplante é que a expectativa de
22
vida do paciente seja mais positiva do que a doença que motivou o procedimento. Mesmo
sendo servida de todas as opções de tratamento disponíveis, em alguns casos o que acontece é
que muitos transplantados passam a não ter limitações físicas no seu cotidiano.
Com relação ao transplante, ele é realizado através de cirurgia que resulta na troca de
um órgão, tecido ou parte de um corpo da pessoa doente por outro órgão ou tecido saudável
de alguém que morreu. Em alguns casos, pode ocorrer a troca também inter-vivos, sendo que
transplantes desta última modalidade ocorrem em menor incidência no Brasil (SILVA, 2009,
p. 1594).
A legislação brasileira define que a doação inter-vivos é realizada entre pessoas que
tenham parentesco de até 4º grau, de preferência, sendo que é permitido ao doador vivo ceder:
um dos rins, parte do fígado, do pulmão, ou da medula óssea, ou do intestino. Para isso,
exige-se que haja um padrão imunológico idêntico ou compatível, para aumentar a
probabilidade de êxito nos transplantes renais e de medula óssea (SILVA, 2009, p. 1594).
O Sistema Brasileiro de Transplantes abarca a demanda de todo o território nacional,
atualmente o transplante de órgãos e tecidos entre pessoas vivas funciona por meio de doação
voluntária, feita por pessoa juridicamente capaz, preferencialmente por escrito e na presença
de duas (02) testemunhas, especificando o órgão, tecido ou parte do seu corpo que será
retirado para a realização de transplante ou enxerto de pessoa, devendo haver comprovação da
necessidade terapêutica do receptor. O documento deve conter duas vias, sendo que uma é
destinada ao Ministério Público, com protocolo de recebimento na outra, como condição para
a então doação. A doação de medula é um caso em que se dispensa estas formalidades. Todo
o doador é informado sobre os riscos imediatos e tardios, por meio de um documento
expedido na ocasião e oferecido à leitura de duas testemunhas, as quais devem assiná-lo. O
que fica claro neste sentido é que a doação de órgãos deve ser um ato livre, consciente,
explícito, gratuito e responsável.
A matéria de transplantes é dirigida pela observância dos direitos da personalidade,
amparados nos princípios da dignidade do indivíduo que impõe a adoção de procedimentos
que lhe possibilitarão o prolongamento da vida ou a melhoria da qualidade (SILVA, 2009, p.
1595).
A partir dessa garantia constitucional acerca da dignidade, o tema decorre pelo
reconhecimento de ser, tanto o direito à vida, quanto à integridade física, direitos da
personalidade e, assim, indisponíveis, tutelados pela Constituição Federal do Brasil, pelo
Código Civil e pelo Código Penal (SILVA, 2009, p. 1595).
23
O mercado de órgãos e tecidos humanos está disposto na Lei nº 9.434/1997 e na
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº1480/1997 (quanto à constatação da morte
encefálica, independentemente da doação ou não de órgãos). Na Constituição Federal de
1988, no artigo 199, traz enfaticamente em seu parágrafo 4º:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema
único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou
convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às
instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros
na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. (BRASIL, 1988).
Destarte, requerem gratuidade na disposição de órgãos e tecidos em vida ou pós
mortem, para fins de transplante e tratamento, no mesmo sentido dos EUA, da quase
totalidade dos países europeus e parte dos países africanos e asiáticos que proíbem a
comercialização de órgãos. Porém, na Índia o comércio de rins já existe, mas devido à
impossibilidade financeira da população ocorre uma verdadeira caça, pois pessoas do mundo
todo que necessitam de um órgão, vão a procura destes naquele País. O fato é que aquela
população é extremamente miserável e faz a “doação/comercialização” meramente por
necessidade.
Assim, a retirada de um órgão humano que seja indispensável à vida só pode ser
realizada após a morte do doador. Alguns órgãos podem ser aproveitados para transplante se
forem retirados em um tempo determinado após a parada cardíaca do doador, mas existem
também órgãos do corpo humano que só podem ser utilizados em transplante se forem
retirados quando o coração do doador ainda estiver em funcionamento. Deste modo, é
necessário que se constate quadro irreversível, denominado morte encefálica (RIBEIRO,
2004).
Ainda de acordo com Ribeiro (2004), o diagnóstico de morte encefálica obedece
critérios estabelecidos mundialmente, existindo porém variação de técnica de acordo com o
país, com a finalidade de comprovar a ausência de reflexos que só se concretizam na
existência de atividade encefálica. Quando diagnosticada a morte encefálica, a retirada de
órgãos pode ser realizada, de acordo com as normas de cada país.
24
Os órgãos retirados são resfriados e lavados, adequadamente embalados e colocados
em caixa resfriada para conservá-los a uma temperatura em torno de 4ºC. As técnicas de
retirada e conservação dos órgãos prolonga o tempo em que ele continua viável fora do
organismo (RIBEIRO, 2004).
Segundo considerações da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos – ABTO,
as córneas podem ser retiradas até seis horas após a parada cardíaca do doador, e quando
preservadas adequadamente permanecem viáveis por até 7 dias. É recomendável que os rins
sejam retirados até 30 minutos após a parada cardíaca do doador e conservados por até 48
horas. O coração e o fígado são órgãos que devem ser retirados antes da parada cardíaca do
doador. O coração é preservado por até 6 horas, e o fígado por 24 horas. É comum que as
cirurgias de retirada e de transplante ocorram de maneira concomitante, para favorecer a
viabilidade dos órgãos (RIBEIRO, 2004)
Para que um transplante tenha sucesso é necessário haver um eficiente mecanismo de
comunicação, pois assim que for identificado um doador num serviço de saúde e obtida
autorização para o transplante, a central de transplante é comunicada para selecionar o
receptor, de acordo com critérios de lista de espera, convocá-lo para a cirurgia, avisar a
unidade transplantadora e transportar o órgão para o local do transplante.
Neste processo, conta-se com médicos, enfermeiros, auxiliares e também com serviços
de laboratório e de banco de sangue. Desta forma, a retirada de órgãos e a realização de
transplantes não são tarefas simples, pois exigem pessoal e equipamentos diferenciados para
cada tipo de transplante (SILVA E SERRA, 2009).
Conforme o Ministério da Saúde, o Sistema Nacional de Transplantes, criado no ano
de 1997, é capacitado para administração dos transplantes, financiados pelo Sistema Único de
Saúde, o Brasil atualmente possui 25 centrais de captação nos Estados e no Distrito Federal,
além de contar como uma Central de Notificação Nacional, que se localiza em Brasília. Este
sistema ainda conta com 548 estabelecimentos autorizados a realizar os procedimentos de
transplante, envolvendo cerca de 1.376 equipes médicas. Desse modo, o Sistema Nacional de
Transplantes é um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo, pois conforme
dados levantados deste sistema, houve um número elevado no que se refere a doação de
órgãos, principalmente depois que o decreto do presidente Michel Temer (nº 8.783 de junho
de 2016) determinou que uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) permaneça em solo
para transporte de órgãos. Ainda, em 2016, foram transportados 1.023 órgãos pelas
companhias aéreas. Sendo que dezembro de 2013, já tinha sido assinado um acordo de
cooperação com as cinco maiores empresas aéreas, para efetuar o transporte de órgãos e
25
equipe médicas com prioridade de voo e decolagem das aeronaves, o que integrava a parceria
entre a Secretaria de Aviação Civil, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear),
Força Aérea Brasileira (FAB), Agência Nacional de Aviação Civil e a Infraero. Pois entre
2000 a 2008, os transportes eram realizados por poucas empresas aéreas. Conforme a
ANVISA, o objetivo é minimizar os riscos sanitários e garantir que as condições fisiológicas
do órgão sejam preservadas, reduzindo assim as possibilidades de rejeição do paciente.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015)
No atinente à importância da cooperação de forças nacionais, equipes médicas e
hospitais conveniados com este sistema é que se dá a ênfase dos resultados das expressivas
doações realizadas, pois o prazo entre a retirada do órgão doado e o seu implante no receptor
é chamado de tempo de isquemia (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015). Dentro dos tempos
máximos de isquemia normalmente aceitos para o transplante de diversos órgãos têm-se: o
coração (4 horas) fígado (12 horas), pâncreas (20 horas), pulmão (6 horas), rim (48 horas). No
ano de 2010 foram realizados 167 transplantes de coração e, no ano de 2016, foram 357. Em
2010 foram 1.404 transplantes de fígado e, em 2016, foram 1.880. Transplantes de pâncreas
no ano de 2010 eram 44 e em 2016 houve uma queda para 26. De pulmão no ano de 2010
eram 60 e em 2016 foram 96. De rim no ano de 2010 eram 4.660 e em 2016 foram 5.492. Em
2010 foram efetuadas 12.923 doações de córneas e, em 2016, foram 14.641. De medula óssea
1.695 no ano de 2010, em 2016 foi de 2.362 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015)
Atualmente o Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo. Cerca de
95% dos procedimentos realizados no país são através do Sistema Único de Saúde (SUS), e
praticamente todos os transplantados, independentemente da classe social, se beneficiam da
medicação fornecida pelo SUS (RIBEIRO, 2004).
A grande problemática é que vários países citam desigualdades regionais em
transplantes de órgãos, sendo que no Brasil o cenário relatado é de bastante desigualdade
entre as populações residentes nos diversos estados da Federação. Contudo, têm-se
identificado como tendo mais vantagens às regiões sul e sudeste, pois possuem mais centros
hospitalares e equipes médicas cadastradas para efetuarem tais procedimentos e por também
estarem mais desenvolvidas em certo aspecto referente a Transplantes de órgãos. Assim,
explana um artigo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Rio de Janeiro sobre a
questão em voga; (LIMA, 2010)
Existem diferenças consideráveis na efetividade, na produtividade e na capacidade
de realização de transplantes de órgãos (rim, córnea, fígado), entre os Estados do
País. Há predominância de transplantes nos estados da região sul, sudeste e centro-
26
oeste, embora alguns estados da região nordeste, principalmente Ceará e
Pernambuco, também se destaquem. Em São Paulo há grande número de
transplantes, e um bom desempenho relativo em todos os indicadores. Por outro
lado, na região Sudeste, o Estado do Rio de Janeiro está em situação inferior ao
potencial sanitário, humano e econômico que tem à disposição. O Estado da Bahia
também não apresenta bons indicadores nos níveis regional e nacional. Seria
importante realizar estudos específicos sobre essas importantes UFs e os outros
estados com pior desempenho, a fim de ajudar a identificar com precisão as causas
dos problemas e, eventualmente, apontar soluções para os mesmos. (MARINHO,
CARDOSO E ALMEIDA, 2006, p.2229)
Na ideia do autor, as questões de regionalidade e de acesso ao sistema variam, pois há
facilidade nos maiores centros. No Brasil, o transplante de órgãos por doação somente pode
ser feito após a morte encefálica do doador, seja natural ou acidental, havendo o
funcionamento dos órgãos que serão doados, com consentimento familiar ou expresso do
doador. A morte encefálica deve ser diagnosticada por dois médicos, e estes não podem
participar da equipe de remoção e transplante, além de procedimento autorizado pelo SNT
(Sistema Nacional de Transplantes).
Quando for constatada, por médico, a necessidade de transplante num indivíduo ele é
colocado na fila de receptor. A fila para transplantes no SUS, seja para órgão ou tecido é
única, e o atendimento é por ordem de chegada, considerados critérios técnicos, geográficos,
de compatibilidade e de urgência. O Sistema Nacional de Transplantes registra informações
gerais sobre os transplantes de órgãos no Brasil, mas não administra os procedimentos que
são realizados fora do SUS (POLICASTRO, 2014).
Cabe informar que, no sistema de saúde suplementar os planos de saúde somente são
obrigados a financiar transplantes de rim e de córnea, embora, eventualmente, paguem outros
tipos de procedimentos, que são realizados nas suas redes referenciadas, podendo incluir
hospitais públicos. Os custos indiretos da não realização de transplantes são elevados.
(MARINHO, CARDOSO E ALMEIDA, 2010)
No Brasil, de cada oito potenciais doadores, apenas um é notificado e somente 20%
destes são utilizados como doadores de múltiplos órgãos. A despeito do reconhecimento da
enorme magnitude das atividades públicas de transplantes no Brasil, o SNT convive com
sérios problemas operacionais. Apesar desses problemas, há a necessidade de se adotar
medidas quanto a uma melhor logística e abordar sobre as disparidades regionais,
relacionadas com os transplantes de órgãos. (MARINHO, CARDOSO E ALMEIDA, 2010)
Para que os programas de transplante se desenvolvessem nos diversos países, foi
necessário adotar uma legislação que permitisse a realização do procedimento e de métodos
27
adequados para a retirada de órgãos, além da sensibilização das famílias dos doadores
(RIBEIRO, 2004).
Ribeiro (2004) frisa que em 1986, a Bélgica tornou-se o primeiro país a aprovar lei
relacionada à retirada e ao transplante de órgãos, sendo baseada no consentimento presumido,
onde o cidadão que não deseja doar seus órgãos pode se opor durante sua vida, e caso não o
faça é automaticamente um doador. Após isso, vários outros países introduziram mecanismos
legais relacionados ao transplante.
Quanto à existência de legislação pertinente, Mello (2017) fala da (i)licitude da venda
de órgãos humanos, tema que gera ampla discussão no campo da Bioética e do Biodireito, que
paralelamente a isso, vem se ventilando um comércio lícito para este fim. Para isso é
necessário analisar e estudar o funcionamento dos transplantes em outros países e também
quais problemas foram acontecendo e o que as permissões e proibições tem acarretado, pois
nota-se que as pessoas que estão mais propensas a dispor do seu corpo realmente são as que
estão vulneravelmente expostas a condições de extrema pobreza. Nesta obra, a autora analisa
documentos internacionais que falam sobre a remoção de órgãos e tecidos para fins de
transplante e tratamento, ainda, sobre as características sobre a formação de um negócio
jurídico no plano existencial e patrimonial e concatenando com os princípios da bioética e do
biodireito, para justificar a (im)possibilidade de um comércio lícito de órgãos, analisando se é
possível estabelecer limites éticos e jurídicos para estas questões, em voga, referentes à
transplantes (MELLO, 2017, p.26).
1.3 O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA E A IGUAL DISTRIBUIÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Em se tratando do princípio da justiça na ética biomédica, tem se notado mais ênfase à
relação interpessoal entre o profissional de saúde e seu paciente, onde a beneficência, a não
maleficência e a autonomia têm exercido um papel de destaque, ofuscando, de certa maneira,
o tema social da justiça. Justiça está associada preferencialmente com as relações entre grupos
sociais, preocupando-se com a igualdade na distribuição de bens e recursos considerados
comuns, numa tentativa de igualar as oportunidades de acesso a estes bens (LOCH, 2002).
Com isso, percebe-se, que há necessidade de profissionais competentes, um sistema
eficaz e seguro, para que possa cumprir as necessidades da sociedade e que este, possa
atender de forma igualitária, não importando suas características de perfil financeiro, político,
religioso, entre outros, no intuito de garantir o acesso à saúde em sua forma plena.
28
A problemática do desafio da gestão de serviços públicos, no tocante a igual
distribuição no direito à saúde, consiste em colocar as questões da assistência em saúde nas
perspectivas de necessidades da população, pautadas nos princípios doutrinários do Sistema
Único de Saúde (SUS) e em princípios éticos, com isso considerando, de certa forma, os
recursos disponíveis como um bem coletivo a ser usado eficientemente e com equidade.
Trata-se de uma reflexão teórica das questões bioéticas, na conquista da saúde e no direito à
assistência à saúde no Brasil, enfatizando a questão da equidade. Com relação às discussões
sobre equidade, foram realizadas, baseando-se nas teorias da justiça e o princípio da justiça
proposto por Tom Beauchamp e James Childress, no livro Princípios de Ética Biomédica
(BEAUCHAMP E CHILDRESS, 2013).
Vislumbra-se, portanto, que na discussão acerca da aplicação concreta do princípio da
justiça, as políticas públicas de saúde, no Brasil, tornam-se acentuadas quando permitem a
ampliação do campo de reflexão, aos envolvidos: profissionais, conselhos, comissões,
códigos, organizações governamentais e não governamentais, o Estado e, enfim, toda a
população. Desta forma, tais desigualdades podem ser minimizadas com a criação de políticas
e medidas práticas, fundamentadas na equidade e na responsabilidade social. Uma política
pública justa demonstra a redução das desigualdades sociais (PESSALACIA, OLIVEIRA E
GUIMARÃES, 2011).
No âmbito internacional, o que se tem mais presenciado em tablóides de circulação
mundial é que 14 países europeus assinaram, na Espanha, o primeiro Tratado Internacional
para combater o tráfico de órgãos. Esta prática gera mais de um bilhão de dólares em lucros
ilegais, anualmente em todo o mundo. O Tratado firma um quadro geral para criminalizar o
tráfico de órgãos, protegendo as vítimas. Ainda, o texto solicita que os Estados criminalizem a
exploração ilegal de órgãos humanos de doadores vivos ou mortos e sua utilização para
transplante ou outros fins relacionados. Este Tratado também proíbe que haja lucro com
transplantes garantindo às vítimas indenização, o que poderia cobrir custos de “assistência
médica, psicológica e social”. Espanha, Portugal, Reino Unido, Itália, Bélgica e Turquia estão
entre os 14 países que assinaram o acordo durante uma Conferência de dois dias. O tráfico de
órgãos humanos é uma grave violação dos direitos. Na maioria das vezes os doadores estão
nos grupos de pessoas vulneráveis exploradas pelo crime organizado, que se aproveita da falta
de órgãos disponíveis para transplantes, então eles e os receptores são expostos a cirurgias em
que não há garantias médicas, em um mercado que prejudica a saúde pública (EXAME,
2014).
29
Conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano são realizados
cerca de 10.000 transplantes ilegais, um problema que muitas vezes envolve o crime
organizado internacional. O tráfico de órgãos humanos está entre as dez maiores práticas
ilegais mais lucrativas. Há registros de casos na Ucrânia em que pacientes pagaram até
200.000 euros por um rim. Para que o Tratado passe a vigorar, pelo menos cinco países têm
que aprovar o texto (EXAME, 2014). O que se vê é que é necessária a cooperação
internacional para o combate ao crime. Um dos objetivos do Tratado é uniformizar a maneira
como os países tratam o transplante e tornar crime a doação ou venda de órgãos, sem seguir
determinadas regras. Todos os países que assinarem a Convenção ficam comprometidos a
combater juntos o tráfico internacional.
30
2 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO DIREITO
BRASILEIRO E O DIREITO INTERNACIONAL
Durante anos, houve discussões acerca das leis que regulamentam sobre o assunto da
doação de órgãos, mas com o passar do tempo, foram realizadas algumas modificações que
beneficiaram a população, num contexto geral, tanto no âmbito nacional quanto internacional,
sempre visando a decisão de cada indivíduo na proteção do direito ao próprio corpo, mas
também buscando um número mais expressivo e efetivo nas doações, o que diminuiria
consideravelmente o tráfico internacional de órgãos.
O Protocolo de Palermo foi a primeira legislação internacional que abordou sobre o
tráfico de pessoas no geral, no entanto ele não foi específico em relação ao tráfico e ao
turismo de órgãos, os quais foram discutidos e conceituados na Declaração de Istambul
(GUEDES, 2016).
A Declaração de Istambul foi elaborada a partir de uma reunião realizada em 2008,
com a participação de cerca de 150 especialistas e representantes de organizações médicas
para discutir sobre a problemática do tráfico de órgãos. O evento definiu princípios básicos,
conceituou o tráfico de órgãos e diferenciou o turismo de órgãos das viagens para transplante
(DECLARAÇÃO DE ISTAMBUL, 2008).
A Declaração de Istambul também prevê meios para aumentar as doações de órgãos
dentro dos países, afastando a necessidade das pessoas em procurarem formas escusas para
obtenção de órgãos, ou seja, não sendo necessário recorrer ao mercado clandestino. O
documento sugere que os países que não possuem uma política nacional para incentivo à
doação de órgãos post mortem elaborem campanhas que promovam a doação autorizada por
famílias de seus parentes falecidos. Além disso, prevê que os países que já possuem políticas
de incentivo busquem eliminar as barreiras que impossibilitam ou dificultam as doações.
As medidas estratégicas citadas na Declaração de Istambul são importantes e
eficientes para a solução do crime de tráfico de órgãos, haja vista que os motivos que levam
os pacientes a procurarem meios alternativos de obtenção do órgão é causado, principalmente,
pela falta de doadores de órgãos, gerando um déficit nas filas de espera.
Portanto, ao promover políticas públicas para incentivo da doação de órgãos após a
morte, automaticamente estarão disponíveis mais órgãos para doações, e com isso as filas de
espera vão reduzindo gradativamente, até que um dia, quiçá, poderá se ter uma equivalência
entre doadores e pacientes.
31
2.1 EVOLUÇÕES LEGISLATIVAS NO DIREITO BRASILEIRO
Para que haja argumentos deve-se discutir a questão da legislação relacionada ao
processo de doação de órgãos, ou seja, se a lei define quando e como escolher ser doador ou
não. Então, estuda-se de que forma o país pode valorizar a afirmação dos direitos de
personalidade e de escolha no âmbito da doação de órgãos no Brasil.
Por meio de um breve estudo da evolução legislativa no Brasil acerca do tema,
percebe-se, que diversos foram os posicionamentos sobre a questão do consentimento relativo
à retirada de órgãos post mortem. O primeiro texto legal a tratar do assunto foi a Lei nº. 4.280,
de 06 de novembro de 1963, qual prometia a extirpação de partes de cadáver, para fins de
transplante, desde que, o de cujus tivesse deixado autorização escrita ou que não houvesse
oposição por parte do cônjuge ou dos parentes até o segundo grau, ou de corporações
religiosas ou civis responsáveis pelo destino dos despojos (BRASIL, 1963).
A lei nº. 5.479, de 10 de agosto de 1968, permitia a “disposição gratuita de uma ou
várias partes no post mortem, para fins terapêuticos”, estabelecendo que, a permissão para a
retirada de órgãos somente se efetivaria mediante a satisfação de uma das condições exigidas
pelo artigo 3º, quais sejam: por manifestação expressa da vontade do disponente; pela
manifestação da vontade, por meio de instrumento público, quando se tratasse de disponentes
relativamente incapazes e de analfabetos; pela autorização escrita do cônjuge, não separado e
sucessivamente, de descendentes e colaterais, ou das corporações religiosas ou civis
responsáveis pelo destino dos despojos. A citada lei ainda previa que, na falta de responsáveis
pelo cadáver, a retirada somente poderia ser feita a autorização do Diretor da Instituição onde
ocorre o óbito, sendo ainda necessária esta autorização nas condições dos itens anteriores.
(BRASIL, 1968).
Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 contemplou a questão dos transplantes
em seu artigo 199, §4º. In verbis;
A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplantes, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado o todo o tipo de comercialização (BRASIL, 1988).
A lei nº. 8.489, de 18 de novembro de 1992, qual foi regulamentada pelo decreto nº.
879, de 22 de junho de 1993, trocou a expressão cadáver por corpo humano e abordou,
também, a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo humano vivo e não apenas do cadáver.
32
Exigia o consentimento expresso, quando em vida do doador, através de documento e, na
ausência do referido documento, estabelecia que a retirada de órgãos seria decorrida, se não
houvesse manifestação em contrário, por parte do cônjuge, ascendente ou descendente. Esta
lei adotou o critério da morte encefálica como determinação de morte. (BRASIL, 1992 –
1993).
A lei nº. 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, regulamentada em junho do mesmo ano,
pelo Decreto nº. 2.268, entre outras medidas, adotou o conceito da doação presumida, aspecto
que gerou diversas críticas no sentido de que tal critério feria os direitos à personalidade e a
dignidade humana, posto que, considerava como “doador presumido” de tecidos, órgãos ou
partes do corpo humano, todo o indivíduo que não fizesse constar de forma indelével a
condição de não-doador na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação.
(BRASIL, 1997).
No entanto, tal dispositivo legal sofreu fortes críticas acerca da sua
constitucionalidade, além do que não fora obedecido pela classe médica, que optou em se
postar conforme a ética médica e o respeito aos familiares, solicitando a estes a autorização
para remoção dos órgãos para fins de transplantes.
Acerca da aludida contrariedade, assim se manifestou José Geraldo de Freitas
Drumond, estava então constituído o conflito de uma lei que pregava contra a autonomia e os
direitos individuais com uma sociedade pluralista e democrática, sendo necessário um amplo
debate para se obter uma conscientização que estimulasse a doação de órgãos, mas jamais
pregar a obrigatoriedade em fazê-la, constrangendo as pessoas que optassem pelo contrário.
Por outro lado, os médicos brasileiros não se sentiam confortáveis com a retirada de órgãos do
morto, quando a sua família não consentia o ato, o que fez com que a Associação Médica
Brasileira e o Conselho Federal de Medicina aconselharem à classe médica abnegar-se de
qualquer ato contrário à manifestação dos familiares do morto (DRUMOND, 2000).
Após a edição da Lei 9.343/97, ao afastar a possibilidade de oposição ou de
autorização por parte dos familiares do falecido, o legislador foi surpreendido com acirradas
discussões notadamente perante a comunidade médica e jurídica, sob argumentos como
“estatização de cadáveres”, violação do princípio da liberdade individual e da capacidade de
autodeterminação, ausência de infraestrutura apropriada dos hospitais brasileiros para
comportar a captação de órgãos, fator de discriminação dos cidadãos não doadores,
insuficiência de informação da população brasileira para fazer a opção negativa. (SILVA,
2002, p. 419). Referiu-se, também, o receio de criar excedentes ou estoques de órgãos e que
33
não havia estudo comprovando que, o aumento das doações resolveria o problema do déficit
de órgãos. (GEDIEL, 2000, p. 123).
Existem duas razões básicas para que a nova lei exalasse tamanha rejeição na
compreensão popular: a primeira, que o Congresso Nacional tentou impor uma lei
demasiadamente avançada para a sociedade brasileira, sem a devida discussão e compreensão
prévias; e a segunda diz respeito a falta de confiança da população nos programas sanitários
públicos, problema este que ocorre até os dias atuais. (BERLINGUER E GARRAFA, 2001).
Rodrigo Pessoa Pereira Silva, por sua vez, referiu que, a grande parte da população
brasileira não possuiria discernimento necessário para realizar a opção pela doação ou não de
seus órgãos, tecidos e partes do corpo em seus documentos. (SILVA, 2002, p. 419).
Augusto César Ramos apontou como argumentos contrários à lei, o fato de grande
parte da população, notadamente as camadas mais pobres, não possuírem os documentos
exigidos pela lei para o registro de sua vontade (Carteira de Identidade ou Carteira Nacional
de Habilitação). Acrescentou que, a pessoa passaria a não ter mais direito sobre o seu próprio
corpo após a morte, que passaria a ser usurpado pelo Estado, ficando a classe menos
favorecida à mercê dos abusos do Estado. Outrossim, sustentou o desrespeito aos familiares
do de cujus, sendo essencial o consentimento da família “uma vez que não pode ser uma
imposição legal senão um ato de generosidade, de solidariedade, de humanidade”. Ressaltou
ainda a situação de algumas regiões brasileiras que caracterizou como “composta de pessoas
simples e bastante místicas (…) dentre os quais existem pessoas que acreditam não ver o
paraíso se doadores suas córneas”. (RAMOS, 1999, p.01).
Diante da repercussão negativa, a medida provisória nº. 1.718/1998 acresceu
parágrafo, ao artigo 4º da Lei nº. 9.434/1997, dispondo que, na falta de manifestação do
potencial doador, a família seria responsável pela autorização de retirada de órgãos de
cadáver. (BRASIL, 1998) Tal parágrafo foi expurgado pela Medida Provisória nº. 1959-27 de
24 de fevereiro de 2000.
Neste ponto, a medida provisória, após a sua reedição (MP 2083-32 de 22/02/2001),
foi convertida na Lei nº. 10.211. de 23 de março de 2001, qual a redação do artigo 4º da Lei
de Transplantes foi alterada, prevendo então que:
A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes
ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização de cônjuge ou parente,
maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até segundo grau
inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à
verificação da morte. (BRASIL, 2001).
34
Ao apreciar o Projeto de Lei de Conversão nº 06 de 2001, o Presidente da República,
nos termos do artigo 66, parágrafo 1º, da Constituição Federal, por contrariar o interesse
público, vetou o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 9.434/1997, que tinha o seguinte teor:
“A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas poderá ser realizada a
partir de registro feito em vida, pelo de cujus, nos termos do regulamento”. (BRASIL, 2001)
Nas razões do citado veto, constam as seguintes justificativas:
A inserção deste parágrafo único induz o entendimento que, uma vez o
potencial doador tenha registrado em vida a vontade de doação de órgãos,
esta manifestação em si só seria suficiente como autorização para a retirada
dos órgãos. Isto além de contrariar o disposto no caput do art. 4º - a
autorização familiar contraria a prática da totalidade das equipes
transplantadoras do país, que sempre consultam os familiares (mesmo na
existência de documento com manifestação positiva de vontade de potencial
doador) e somente retiram os órgãos se estes, formalmente, autorizarem a
doação. (BRASIL, 2001)
Assim, na forma do artigo 2º da lei nº 10.211/2001, as revelações de vontade
referentes à retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, que
aparecem no documento de identidade civil e da carta de habilitação, perderam sua validade a
partir de 22 de dezembro de 2000.
Foram revogados, portanto, os parágrafos 1º a 5º do artigo 4º da lei nº 9.434/1997, que
abordavam a identificação da doação nos documentos de identidade e na carteira de
habilitação. Dessa forma, constata-se que, a partir de 2001, com o advento da lei nº 10.211,
passou a ser de responsabilidade da família o destino dos órgãos da pessoa falecida, detendo,
só ela, o poder de decidir, independentemente da existência ou não de manifestação expressa
em vida, autorizando a retirada de seus órgãos e tecidos para transplantes.
Por fim, o decreto frisa que a retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo
humano, após a morte, necessitam do consentimento livre e esclarecido da família do doador,
pondo fim ao consentimento presumido. A autorização da doação dos órgãos também pode
ser permitida pelo(a) companheiro (a) da pessoa falecida, sem a necessidade de estar
oficialmente casado. Este termo já tinha sido alterado pela Lei 10.211/2001, que deliberou
pelo consentimento familiar. No entanto, o decreto antigo ainda mencionava o consentimento
presumido, precisando ser atualizado com as legislações seguintes (VEJA, 2017).
Da análise da evolução legislativa acerca dos transplantes no Brasil, percebe-se que se
atribuiu ao legislador a difícil tarefa de regulamentar os procedimentos relativos ao tema, com
a expressiva influência da opinião pública, o que fez com que uma série de leis fossem
aprovadas na busca de harmonizar os interesses do indivíduo e da coletividade. O interesse
35
coletivo é entendido aqui como o próprio desenvolvimento científico, como possibilidade de
aproveitamento do corpo humano, vivo ou morto, para fins de transplantes ou tratamento. Já o
interesse individual diz respeito aos direitos intrinsicamente ligados à pessoa humana, como o
direito à vida e à integridade física.
Diz-se que é uma tarefa difícil a do legislador, pois a política dos transplantes visa o
benefício social, sendo que, em contraponto, existem valores da pessoa, como ser humano,
que não podem ser maculados: a indisponibilidade da vida e da saúde, o direito de dispor do
próprio corpo, o direito à igualdade e à liberdade.
Depreende-se que, embora o esforço do legislador, na tentativa de regulamentar a
sistemática dos transplantes de forma a harmonizar tais interesses aparentemente
contraditórios, a legislação vigente não solucionou as necessidades sociais e, embora as
alterações realizadas tenham apaziguado as insurgências da população, ainda persistem
discussões acerca do tema.
2.2 PROJETOS DE LEI
Ao longo dos anos, foram propostos alguns projetos de lei, no âmbito federal,
relacionados ao tema doação e transplante de órgãos. Numa breve pesquisa das últimas
propostas entre o ano de 2000 a 2017, nota-se a preocupação com a criação de mecanismos de
incentivo à tal prática, com a interferência, notadamente, quanto a questão da doação post
mortem, do consentimento informado e da doação presumida.
Importante citar algumas das proposições que guardam relação como tema ora
debatido, frisando-se que não se esgotam nas explanações abaixo e que o tema sempre
encontrará respaldo para uma discussão ou outra, visto que é a vida e a continuação dela que
estão em debate.
Inicialmente, têm-se os projetos apresentado à Câmara dos Deputados. Por tratarem da
mesma matéria, alteração da Lei nº. 9.434/1997 foram anexos ao Projeto de Lei nº. 4.069/
1998 os projetos de números 4.092/1998, 4.123/1998, 4.125/1998, 4.241/1998, 4.239/1998,
4.322/1998, 1.225/1999, 4.394/2004, 4.535/2004, 4.582/2004, 7.178/2006 e 2.050/2007. A
maioria dos Projetos data de 1998 e 1999, e. por não terem sido votados a tempo, ficaram
desatualizados e superados por força de Lei nº 10.211/2001.
Destaca-se na análise do Projeto nº 4.069/1998 e seus anexos a preocupação de
condicionar a doação de órgãos e tecidos à manifestação de vontade do doador, ou, na
anuência desta, à decisão tomada pela família. O Projeto de Lei nº 4.069/1998 propõe a
36
exigência de manifestação de vontade expressa para que alguém que possa figurar como
doador de órgãos, tecidos e partes do corpo humano.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) aprovou, em 06 de
março de 2008, parecer do Deputado Relator Colbert Martins, no sentido de rejeitar todas as
proposições apensadas ao PL 4.069/1998, pois continham defeitos de técnica legislativa,
como a utilização de cláusula revogatória genérica e ausência de indicação de nova redação.
Ao PL 4.069/1998, posteriormente, apensados os projetos de números 3560/2008 e
5764/2009. Como os projetos anteriores a 2001 restaram prejudicados pela Lei nº 10.211,
convém discorrer acerca dos projetos apresentados após tal data relativos à doação post
mortem e à questão do consentimento.
O PL nº 4.394/2004, já arquivado, de autoria do Deputado Enio Bacci (PTD/RS), entre
outras providências, previa que a disposição post mortem só poderia se efetivar mediante a
manifestação expressa de “não-doação” na cédula de identidade, sendo que no caso de dois ou
mais documentos legalmente válidos, com opções diferentes, prevaleceria aquela cuja data
fosse mais recente. Acrescentava que a opção de que tratava o projeto poderia ser formulada a
qualquer tempo, sem a necessidade de justificar ou exemplificar suas razões.
O PL nº 2.050/2007, de autoria de Arnon Bezerra (PTB/CE), arquivado na Mesa
Diretora da Câmara dos Deputados, pretendia a alteração da Lei 9.434/1997 a fim de, entre
outras medidas, estabelecer benefícios para os doadores de órgãos no Brasil (BRASIL, 2007).
O PL nº 3.560/2008, apensado ao PL 4.069/1998, também de autoria de Arnon
Bezerra, pretende a revogação dos artigos 4º e 5º do capítulo II, da disposição post mortem e
tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de transplantes (BRASIL, 2008).
O PL 5.764/2009, também apensado ao PL 4.069/1998, e pendente de julgamento pelo
Plenário, de autoria de Eliseu Padilha, pretende a alteração do artigo 4º da Lei nº. 9.434/1997,
para colocar a doação presumida de órgãos e tecidos para transplantes. Ele justifica a referida
proposta afirmando que a doação presumida de órgãos constituiria um meio para aumentar a
disponibilidade de órgãos para transplante.
O PL 3.938/2012, do Deputado Federal Manato, aborda o argumento de que não é
falta de doadores, mas sim da estrutura deficiente, o maior problema no que tange às doações
de órgãos no Brasil. Ele sugere a dispensa do pagamento devido no meio funerário à pessoa
que tiver doado, por si ou por seus familiares responsáveis, seus órgãos corporais para fins de
transplante médico (BRASIL, 2012).
Seguindo, há o PLS 408/2005, apresentado à Mesa do Senado Federal pela Senadora
Lucia Vânia, qual já restou arquivado, tendo como conteúdo central a modificação da Lei
37
9.434/1997, para assegurar o atendimento da vontade das pessoas que tenham manifestado em
vida o desejo de doar tecido, órgãos e partes do corpo, alterando a redação do artigo 4º da Lei
de Transplantes.
Isso posto, diante da vultosa demanda de órgãos e tecidos para fins de transplantes em
contraponto com à sua insuficiência é questão que gera preocupação e deveria incitar a
população nacional a buscar soluções legislativas para o aumento da captação de órgãos.
2.3 O CONSENTIMENTO NO DIREITO INTERNACIONAL
Em um mundo cada vez mais globalizado, válida é uma breve análise da legislação
vigente entre outros países, cujo cotejo permite uma melhor compreensão do modelo adotado
no Brasil, principalmente porque os textos legais estrangeiros, especialmente os europeus,
serviram de base para a legislação brasileira.
A principal vantagem do direito comparado é a possibilidade de indicar as normas
jurídicas e afins nas legislações nacionais e estrangeiras, com o propósito de
confrontá-las para determinar as afinidades e diferenças que existem entre sistemas e
institutos, além de avaliar o a aproximação das legislações ou instituições jurídicas
de outras nações, formando o novo Direito Positivo Contemporâneo (SERRANO,
2006, p.34)
O estudo do direito comparado é importante porque fornece elementos para uma
investigação cientifica do direito. Diniz menciona que, em relação ao consentimento, quatro
são os modelos adotados pelos diversos ordenamentos jurídicos do mundo. Quais sejam:
1) o do consentimento (opting in system): que exige a concordância expressa do
doador ou de sua família. Pelo princípio do consenso afirmativo o indivíduo deve
manifestar a vontade de doar ou não órgãos e tecidos para fins terapêuticos ou de
transplante. Tal modelo é utilizado no Brasil, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra,
México, etc. ; 2) o da informação, seguido na Itália, que estabelece que, não
havendo manifestação do doador, com o seu falecimento, comunica-se seus
familiares sobre o Intentio de se lhe retirarem os órgãos e tecidos para salvar vidas
humanas; 3) o da declaração obrigatória, baseada em uma estrutura binária de
consentimento e oposição, cabendo ao legislador disciplinar acerca do eventual
significado da ausência de manifestação; 4) o da oposição ou dissentimento ( opting
out system) ou consentimento presumido (presumed consent), adotado na
Dinamarca, Áustria, Bélgica, Suécia, Austrália, França, etc., que confere ao doador
direito de se opor à retirada post mortem de seus órgãos e tecidos (DINIZ, 2007,
p.300/301)
38
2.3.1 Legislação Espanhola
De início, pertinente à apreciação do modelo adotado na Espanha, considerando
conforme expõe Alaércio Cardoso, é o país que possui o melhor modelo e estrutura para
transplantes de órgãos. A extração, diz o autor, apenas é admissível se o falecido, quando em
vida, não houver deixado oposição expressa, a qual poderá ser efetuada sem qualquer
formalidade (CARDOSO, 2002, p.30).
Desse modo, prevalece a doação altruística e gratuita para fins terapêuticos por meio
do consentimento informado, livre e consciente, autorizado por pessoas maiores e capazes. A
lei espanhola, ao tratar de doadores inter-vivos, só autoriza a remoção com segurança desde
que não apresente risco à saúde do doador.
O consentimento, tanto para o doador quanto para o receptor é importante para a
decisão, tendo em vista a carga de informações apresentadas com confidencialidade acerca do
doador, não sendo de forma alguma permitido o ganho financeiro, material ou que alguma das
partes seja corrompida a manifestar sua vontade.
Assim sendo, a Espanha é um país que realiza o maior número de cirurgias de
transplante no mundo, com qualidade nos procedimentos e respeitando os direitos
fundamentais da pessoa, além de possuir um sistema organizacional modelo, que funciona a
nível nacional, regional e local e que, cada vez mais aumenta o número de doações
altruísticas, o que corresponde a 11% dos transplantes hepáticos de todos os países.
Um fator importante que contribui para o aumento de doações é a existência de
coordenadores autônomos de transplantes, composto por um médico ou enfermeiro, que tem a
função de percorrer os hospitais, atuando na captação de doadores em potencial.
Percebe-se ainda que a Espanha, embora tenha um sistema de captação de órgãos
exemplar, por ser pouco habitual o comércio de órgãos, dispõe de uma legislação para
reprimir o mercado ilegal, contando com um sistema severo para quem promove o tráfico,
favorece, facilita ou publica a obtenção desses órgãos.
O artigo 5º da “Ley nº30/1979”, dispositivo da lei espanhola que trata da extração de
órgãos de pessoas falecidas, dispõe que a remoção de órgãos ou outras partes anatômicas de
cadáveres, pode ser feita após a verificação da morte, a qual é baseada na existência de
irreversibilidade de danos cerebrais e no atestado de óbito assinado por três médicos
(ESPANHA, 1978).
A remoção de órgãos ou outras partes anatômicas pode ser procedida para fins
terapêuticos ou científicos, no caso da pessoa falecida não houver efetuado registro
39
manifestando a sua oposição. As pessoas, presumivelmente saudáveis, que falecem em
acidente ou como consequência posterior deste, se considerarão também como doadores, se
não constar oposição expressa do falecido. Para estes fins deve conter a autorização do
tribunal competente para julgar o caso, que deve concedê-la nos casos em que a colheita de
órgãos não impeça o processo de identificação das causas da morte (ESPANHA, 1978).
Na reportagem transmitida no programa “Fantástico” da Rede Globo de Televisão, em
03 de maio de 2009, no quadro “Transplante, o dom da vida”, o Dr. Dráuzio Varella
mencionou que o sistema de transplantes brasileiro foi inspirado no da Espanha, o país com
maior número de doações no mundo (GLOBO, 2009). A reportagem ainda prossegue
informando que “nosso sistema foi inspirado no modelo espanhol, porém funciona de forma
muito diferente, a começar pela verba”.
2.3.2 Legislação Portuguesa
Semelhante ao sistema espanhol, a legislação portuguesa opta por considerar como
possíveis doadores quem não tenha manifestado ao Ministério da Saúde a sua opção de não
doador, para o que se faz uso da RENNDA (Registro Nacional de Não Doadores), um sistema
informatizado, onde se encontram os registros de todos os que manifestaram junto ao
Ministério a sua total ou imparcial indisponibilidade em doar órgãos ou tecidos post mortem
(MACHADO, 1993).
O artigo 10º da Lei Portuguesa nº. 12/1993, especifíca que, são considerados
potenciais doadores post mortem: “todos os cidadãos nacionais ou apátridas e estrangeiros
residentes em Portugal que não tenham manifestado junto ao Ministério da Saúde a sua
qualidade de não doadores” (MACHADO, 1993).
O artigo 11º da supracitada lei dispõe acerca do “Registro Nacional de Não Dadores
(RENNDA), sistema informatizado, para registro de todos aqueles que hajam manifestado,
junto ao Ministério da Saúde, a sua qualidade de não dadores”. Tal dispositivo ainda
determina que o governo fica autorizado “a regular a organização e funcionamento do
RENNDA e a emissão de um cartão individual, no qual se fará menção da qualidade de não
dador”. (SILVA, 2010).
A referida lei ainda prevê que, nos casos em que a indisponibilidade para a doação for
limitada a certos órgãos ou tecidos, estas restrições devem ser indicadas nos registros e cartão.
E também a indisponibilidade para a doação dos menores e dos incapazes deve ser
manifestada pelos representantes legais (SILVA, 2010).
40
Do breve estudo acerca da lei portuguesa, infere-se que esta respeita a vontade do
falecido de opor-se à doação e somente atribui poder de decisão à família em relação à doação
de órgãos em casos de menores e incapazes.
2.3.3 Legislação Francesa
Outro modelo que vale ser analisado, eis que pertencente a um dos países europeus
bem desenvolvidos é o da França. A legislação francesa permite aos indivíduos tomar a
decisão de doar seus órgãos pessoalmente. Em caso de morte, o médico deve pedir a família
do paciente se o falecido havia manifestado oposição à doação de órgãos. O nome do doador
não deve ser comunicado ao destinatário. No entanto, se requerido, a família do doador pode
ser informada dos órgãos e tecidos removidos e os resultados do transplante, sem ser dada
qualquer indicação de identidade do destinatário. (FRANÇA, 2004).
A lei federal francesa nº 810,21, de 08 de outubro de 2004, que entrou em vigor em 1º
de julho de 2007, em seu artigo 8º, prevê que os procedimentos para remoção de órgãos,
tecidos e células provenientes de indivíduos falecidos. Conforme o referido dispositivo legal,
são requisitos para tanto a confirmação da morte encefálica e a concordância da pessoa, a
respeito de tal procedimento, antes de seu óbito. Na ausência de documentos que comprovem
o consentimento ou a recusa da pessoa falecida, são solicitados aos familiares se eles estão
cientes de uma declaração de doação.
Se os familiares não possuírem conhecimento de tal declaração, podem consentir com
a remoção. Em conhecendo a decisão do falecido, no entanto devem respeitá-la, sendo a
vontade d falecido superior à dos familiares. Se o falecido não tiver parentes ou não for
possível consultá-los, é proibida a remoção. Se restar comprovado que o falecido tenha
delegado a uma pessoa de sua confiança a competência para decidir sobre a remoção de
órgãos, tecidos ou células, a vontade desta prevalece à dos familiares. A lei francesa ainda
permite que qualquer pessoa com 16 anos tenha direito a fazer a declaração de vontade de ser
doador.
Ademais a França condena veementemente a comercialização de órgãos
para transplante em seu território. A lei francesa regulamenta a atividade de colheita e
transplante e fornece, como princípios primários de doação e transplante, consentimento,
anonimato e gratuidade e o ato ilegal de obter de uma pessoa um dos seus órgãos contra um
41
pagamento, seja qual for a sua forma, é punido com 7 anos de prisão e multa de 100.000
euros.
Deste modo, é importante conversar com seus entes queridos sobre os desejos uns dos
outros. Se você não está registrado no registro nacional de recusa, é para eles que as equipes
médicas se voltarão no momento da morte para garantir que você não tenha, durante sua vida,
manifestado oposição ao doação de órgãos e tecidos.
2.3.4 Legislação Americana
Nos Estados Unidos, o regulamento de doações de órgãos é diferente em seus
cinquenta estados. Há diversas normas federais e estaduais que regulamentam a doação de
órgãos, havendo uma lei uniforme chamada “The Uniform Anatomical Gift Act”, (A
Uniformidade Anatômica do Presente Ato), datada em 1987 e revisada em 2006, que procura
padronizar o processo e harmonizar as leis entre vários estados, requerendo que o doador faça
uma indicação afirmativa durante a sua vida, baseando-se, portanto, no princípio do
consentimento informado.
A lei uniforme prevê um cartão de doador, uma declaração escrita que autoriza a
remoção de órgãos depois da morte, impressa na carteira de motorista do doador a qual pode
ser feita por qualquer pessoa com mais de 18 (dezoito) ano de idade. O documento de doação
deve ser assinado pelo doador, e, no caso de este não poder assiná-lo, o documento deve ser
assinado por outra pessoa e por duas testemunhas, na presença do doador.
2.4 O CÓDIGO CIVIL
No tocante ao que dispõe o Código Civil Brasileiro, o art. 13, parágrafo único,
prescreve que o ato de disposição é permitido para fins de transplante, na forma estabelecida
em lei especial. Transplantar é transferir de uma parte para outra, do mesmo indivíduo, ou de
uma pessoa (viva ou morta) para outra (BRASIL, 2009).
A interpretação do referido art. 13 do Código Civil, a contrário senso, permite concluir
que, o ato de disposição que não acarreta diminuição permanente da integridade física e não
atenta contra os bons costumes é permitido (ex: disposição de cabelo, unha, leite materno).
Se houver exigência médica, o ato de disposição também é admitido, como a extração
de um órgão ou tecido que apresenta uma doença ou a necessidade de amputação de um
42
membro. Assim, neste exemplo é possível a disposição, porque a vida e a saúde são
igualmente interesses protegidos.
Nesse sentido, o artigo 14 da atual codificação veda qualquer disposição de parte do
corpo a título oneroso, sendo apenas possível àquela que assuma a forma gratuita, com
objetivo altruístico ou científico. A questão é ainda regulamentada pela legislação específica,
particularmente pela Lei nº 9.437/97, que trata da doação de órgãos para fins de transplante
(TARTUCE, 2005).
43
3. O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E A JUSTA DISTRIBUIÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE
O transplante trata-se de um procedimento cirúrgico para a substituição de um órgão
ou tecido por outro órgão ou tecido saudável proveniente de um doador, vivo ou morto.
De acordo com Ribeiro (2004), esta é uma prática aprovada em diversos países e
possui extrema importância para milhares de pessoas em todo o mundo, pois é uma opção de
tratamento para diversas doenças, tendo assim uma alta demanda por transplantes,
principalmente em países com renda média ou alta.
É muito provável que o progresso da imunologia, da biologia molecular e da ciência
dos biomateriais proporcionarão, num futuro próximo, novidades que terão como resultado a
redução da extensa lista de espera para a realização de transplantes. Pode-se citar como
exemplo a utilização de órgãos artificiais e de tecidos produzidos por animais e a ampliação
do uso das células-tronco (RIBEIRO, 2004).
Nem sempre o transplante representa a melhor opção de tratamento. Ele é uma das
opções terapêuticas à disposição para a prática médica. Na visão de Ribeiro (2004), em
qualquer caso, a disposição, para efeito de transplante, deve ser gratuita e a qualquer tempo,
antes de implementada, pode ser revogada (art. 5º, § 4º, da lei nº 9.434/1997). Ou seja, não se
aplicam as cláusulas clássicas de execução específica do contrato. Se houver arrependimento,
antes de ocorrer a doação, é válida para todos os contratos dessa natureza.
De acordo com Comparato (2007, p. 24 apud Lyrio, 2014), o princípio de dignidade
humana não traduz o homem apenas como um fim em si mesmo, mas traz à tona algumas
questões éticas, que, segundo ele, por ser único, o homem é um ser que deve ter seu direito de
escolha garantido. Ele deve ser o ator principal da escolha, pois a sua capacidade racional é
capaz de levá-lo a decidir sobre o que é melhor para ele mesmo.
Quanto à distribuição da saúde no que tange à questão em voga, de acordo com Lyrio
(2014), além das perdas de transplantes referentes à logística de processo, também há falta de
verba, de infraestrutura em hospitais geridos pelos SUS, deficiência de capacitação de
profissionais para a realização de transplantes e também carência de informação da família a
respeito de como funciona o processo de doação de órgãos. Ainda existem mitos referentes à
doação de órgãos que povoa o imaginário do senso comum.
Ainda são muitos os desafios para que o processo de doação seja eficiente no Brasil.
No entanto, há uma ferramenta mais simples que pode ser utilizada: o conhecimento e
44
capacidade de escolha dos indivíduos, para que eles se tornem autoconscientes e autônomos
de todo processo (LYRIO, 2014).
Seja o ser humano dotado de capacidades para definir tais escolhas, em determinado
momento haverá intervenção judicial, contudo a doação de órgão duplo ou partes
regeneráveis, não dependerão de autorização judicial se forem realizados entre cônjuges ou
parentes consanguíneos até o quarto grau. Quando não há uma dessas relações é
imprescindível a autorização judicial (exceto para medula óssea).
O objetivo da lei é claramente o de coibir a comercialização de órgãos. Por isso, o juiz
deve ser extremamente cuidadoso ao analisar pedidos dessa natureza, investigando se a
doação é realmente doação, motivada por razões altruísticas ou de solidariedade. A falta de
parentesco ou de amizade íntima entre o doador e o donatário pode representar uma doação
simulada (FERRIANI, 2011).
Ferriani (2011) cita que somente as pessoas com capacidade plena podem doar. Os
incapazes, com compatibilidade imunológica comprovada, são autorizados a fazer doação
somente nos casos de transplante de medula óssea, desde que sua saúde não seja posta em
risco. Para isso, basta a autorização dos pais ou, se o doador não os tiver, dos responsáveis
legais somada à autorização judicial (art. 9º, § 6º da lei nº 9.434/1997).
Nesse sentido, a doação de sangue é um ato de disposição permitido porque não
importa diminuição permanente, ou seja, ninguém pode doar todo o sangue do seu corpo
porque isso resulta em morte. Então, a quantidade doada não irá interferir na saúde e bem
estar do doador. Com relação à doação de sangue, também existem regras: a lei nº
10.205/2001 proíbe qualquer tipo de comercialização (art. 1º). Um dos princípios dessa lei é a
proibição de remuneração do doador de sangue (art. 14, inciso III). Cabe salientar que não se
considera comercialização a cobrança de valores referentes a materiais, exames sorológicos,
imunoematológicos e demais exames laboratoriais definidos pela legislação competente,
realizados para a seleção do sangue, bem como honorários por serviços médicos prestados na
assistência aos pacientes e aos doadores (art. 2º, parágrafo único) (BRASIL, 2011).
Vislumbra-se, que na perspectiva de doação para depois da morte é válida, desde que
com objetivo científico ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em
parte (art. 14 do Código Civil). Nesse caso, obviamente é permitida a doação de um órgão,
ainda que ele não seja duplo ou regenerável (FERRIANI, 2011).
45
3.1 O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E A DISPOSIÇÃO DE ÓRGÃOS EM VIDA
O principal requisito para doar órgãos e tecidos em vida é que o doador tenha
compatibilidade com o paciente. Além disso, é necessário estar em boas condições de saúde e
ter parentesco de até quarto grau familiar ou ser casado com a pessoa. Não havendo vínculos,
a doação é permitida mediante ordem judicial.
O doador não pode ter a saúde afetada depois de doar o órgão, por isso deve estar
ciente dos riscos e consequências da cirurgia. Os órgãos passíveis de doação em vida são os
duplos ou que tenham capacidade de se reconstituir no organismo.
A respeito da doação de órgãos entre vivos, apesar de alguns proporem a sua completa
proibição para evitar o comércio de órgãos, a medida é extrema e limitadora de gestos
altruísticos genuínos. Entretanto, deve ser proposta uma série de medidas para tornar a
autorização judicial mais rigorosa para as doações entre os não-aparentados; como também
medidas para estimular a doação proveniente de cadáver, que tem o grande potencial de
reduzir o problema da fila de espera por órgãos no País, particularmente aqueles de maior
demanda, como os rins e as córneas (RIBEIRO, 2004).
Evidente que deve-se continuar promovendo a doação de órgãos com base no
diagnóstico de morte encefálica, pois alguns órgãos só podem ser removidos enquanto o
coração do doador estiver funcionando. No entanto, há grande demanda por transplantes de
rins e córneas, que pode ser atendida por meio de doações que são menos complexas, após a
completa parada circulatória.
Vale salientar que órgãos para doar não faltam, o que faltam são condições logísticas
para realizar os transplantes. Não é possível detectar problemas relacionados ao desejo de a
população doar órgãos, mas, sim, de desperdício de órgãos (RIBEIRO, 2004).
3.2 O DIREITO À SAÚDE E A DISPOSIÇÃO DOS ÓRGÃOS PÓS MORTEM
Os transplantes são uma grande conquista da ciência e não são poucos aqueles que
devem a própria vida a um procedimento de transplante bem sucedido. Portanto, a técnica dos
transplantes revela-se cada vez mais como um instrumento precioso na consecução da
finalidade primária de toda a medicina: o serviço à vida humana. Por esta razão, na Carta
Encíclica Evangelium Vitae, entre os gestos que concorrem para alimentar uma autêntica
cultura da vida, merece particular apreço a doação de órgãos feita, segundo formas eticamente
46
aceitável, para oferecer uma possibilidade de saúde e até de vida a doentes, por vezes já sem
esperança. (PAULO II, 2000, p.01 apud MARCELO, 2018).
Por isso, para haja qualidade de vida e possibilidade de melhora num tratamento, é
amplamente positivo e necessário, dentro dos parâmetros legais e aceitáveis, a realização do
transplante. É de vital importância o conhecimento de como funciona uma central de
gerenciamento única, a qual comporta uma demanda grandiosa e precisa trabalhar em
sincronia com as instituições em prol do sucesso na doação de órgãos.
Desse modo, a distribuição dos órgãos e tecidos, células e partes do corpo humano
para fins de transplante segue critérios específicos, de acordo com a Lei 9434 de 1997,
regulamentada pelo Decreto nº 9.175, de 2017. O Regulamento Técnico do Sistema Nacional
de Transplantes, cuja última atualização foi aprovada, consta na Portaria de Consolidação do
MS nº 4, ANEXO I, de 28 de setembro de 2017.
No Sistema Informatizado de Gerenciamento (SIG), gerenciado pelo Sistema Nacional
de Transplantes (SNT) através de um banco de dados nacional, é utilizado um conjunto de
critérios técnicos estabelecidos para cada tipo de órgão, tecido ou célula doado, e gerada uma
lista de receptores, que varia para cada doador, dependendo das características clínicas e
anatômicas deste doador e também da situação clínica dos receptores no momento em que
esta distribuição é realizada. Cabe salientar que, para cada receptor inscrito, a equipe
transplantadora preenche neste cadastro eletrônico uma ficha complementar, a qual estabelece
algumas características clínicas e anatômicas do doador, bem como os limites de idade que
serão ou não aceitos para este receptor. Não fazem parte dos critérios de alocação de órgãos
para transplantes classe social, cor, religião, escolaridade, entre outros.
Atualmente, a inscrição e a manutenção do cadastro de potenciais receptores é
realizada pelas equipes transplantadoras previamente autorizadas: os pacientes são inscritos
pelas equipes, as quais são também responsáveis por manterem atualizados os seus dados
cadastrais, exames laboratoriais e situação clínica, informando se está apto a realizar a
cirurgia ou suspendendo temporariamente caso necessário. As solicitações de priorizações por
urgências são encaminhadas por estas equipes e avaliadas previamente pela Central Nacional
de Cadastros de Doadores de Órgãos e/ou Câmara Técnica Estadual ou Nacional, ficando sob
responsabilidade da Central de Transplantes a manutenção deste tipo de informação. Cabe
ainda ressaltar que os motivos de priorização, da mesma forma que o conjunto de critérios de
distribuição varia para cada órgão, tecido ou célula doado. Todas estas informações são
inseridas diretamente no site do Ministério da Saúde, utilizando o Sistema Informatizado de
47
Gerenciamento (SIG) do Sistema Nacional de Transplantes, por meio de senhas específicas
para cada tipo de usuário no sistema.
A distribuição de órgãos é realizada para receptores inscritos em outros estados da
federação na ocorrência de urgências ou ausência de receptor compatível no estado.
Além das equipes, o SIG também permite que o paciente em lista de espera
acompanhe pela internet a sua situação cadastral, utilizando o número de seu registro único no
sistema, o qual é gerado no momento de sua inscrição, através do site do Sistema Nacional de
Transplantes.
O gerenciamento da lista de potenciais receptores de células-tronco hematopoéticas é
realizado em outro sistema informatizado, o Registro de Receptores de Medula Óssea
(REREME) do Instituto Nacional do Câncer. Critérios de distribuição de acordo com o órgão:
Para o transplante renal, a seleção será processada mediante identidade no sistema
ABO e por exame de histocompatibilidade, avaliadas as incompatibilidades no
sistema HLA entre doador e receptor. O tempo de espera em lista e a data de início
da diálise são utilizados para desempate. Outras características do receptor, como a
hipersensibilização, presença de diabetes, idade (crianças e adolescente) e
nefrectomia prévia para doação intervivos, também recebem pontuação especial.
Nos casos de doador com idade menor ou igual a dezoito anos, primeiro serão
selecionados os potenciais receptores com idade igual ou menor de dezoito anos,
utilizando a pontuação apurada nos demais critérios. (SECRETARIA ESTADUAL
DE SAÚDE RS, 2018)
De acordo com dados da Secretária de Saúde do Rio Grande do Sul (2018), para o
transplante de rim ou pâncreas, a seleção será: identidade ABO (grupo sanguíneo) e tempo de
espera; compatibilidade ABO (grupo sanguíneo) e tempo de espera. Para o transplante
de fígado, a seleção dos potenciais receptores é processada mediante identidade ou
compatibilidade ABO, compatibilidade anatômica com o doador, faixa etária, critérios de
gravidade e tempo de espera. Por critério de gravidade clínica serão classificados de acordo
com os critérios de gravidade MELD/PELD, priorizando-se o de maior pontuação e
considerando o tempo em lista. Para pulmão, a seleção dos potenciais receptores segue
seguintes critérios: identidade ABO x tempo de espera; compatibilidade de tamanho da caixa
torácica; prova de reatividade contra painel de linfócitos e compatibilidade ABO x tempo de
espera. Para o transplante de Coração, a seleção dos potenciais receptores é realizada
mediante compatibilidade ABO doador x receptor, peso doador x receptor, priorização,
características do doador e tempo de espera. Para transplante de Tecidos Oculares: a seleção
para potenciais receptores de córnea será realizada considerando o tempo em lista de espera e
de acordo com a especificação da qualidade da córnea estabelecida pela equipe
48
transplantadora na inscrição do receptor, bem como da faixa etária do doador aceita para este
receptor.
Assim, um paciente que seja inscrito em lista hoje pode ter sua posição em cadastro
técnico ou cadastro ativo na posição 200, por exemplo, mas quando gerar o relatório de
distribuição para determinado doador, poderá ficar em primeiro lugar por sua compatibilidade
genética ou por sua característica anatômica ou por suas condições clínicas que podem, neste
momento, configurar um critério de priorização.
Assim, os critérios acima explanados foram construídos no sentido de justiça e
celeridade, com o intuito de facilitar as equipes encadeando características que possibilitam
um enquadramento entre doador e receptor.
3.3 VENDA DE ÓRGÃOS NO BRASIL
A partir da ideia explanada até o presente momento, será possível adentrarmos ao
cerne da discussão no que tange à (im)possibilidade da venda de órgãos no país.
Contextualizando, no ano de 2011 a imprensa mundial noticiou o inusitado caso de um
chinês, de 17 anos, que vendeu um de seus rins para comprar um Ipad 2, o cobiçado tablet da
Apple, e depois arrependeu-se. Embora o episódio tenha ocorrido na China, examina-se tal
situação, assim como a possibilidade de disposição do próprio corpo, à luz do direito
brasileiro. Evidentemente, contratos dessa natureza atentam contra o bom senso, contra a
saúde, contra os bons costumes, a ética, a moral e também contra a lei (FERRIANI, 2011).
Nesse sentido, mesmo sendo um caso ocorrido no exterior merece ponderações. No
Brasil, de acordo com o artigo 13 do Código Civil, é proibido o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons
costumes (BRASIL, 2002). Dispor é desfazer-se, é alienar, a título gratuito (doação) ou a
título oneroso (compra e venda). A proteção da integridade física fundamenta-se na dignidade
da pessoa humana e na inviolabilidade do direito à vida, conforme o artigo 1º, inciso III e art.
5º, caput, da Constituição Federal.
Na filosofia ainda é predominante a visão de que o corpo humano não deve ser
“coisificado” por meio do comércio. O filósofo Immanuel Kant expressou em seu livro Lições
sobre Ética, que o homem não é propriedade de si mesmo, visto que isso seria contraditório,
pois se fosse uma propriedade de si mesmo, ele seria uma coisa, e é impossível uma pessoa
ser pessoa e coisa ao mesmo tempo (RIBEIRO, 2004).
49
O comércio de órgãos contraria os princípios da maioria das religiões, principalmente
as que pregam que a vida humana é sagrada, e que sendo Deus que nos deu a vida somente
Ele pode tirá-la. De acordo com Ribeiro (2004), para os cristãos o corpo possui importante
significado, como se observa no trecho da carta que o apóstolo Paulo escreveu aos Corintos:
Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós,
proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por
bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais
pertencem a Deus (A BÍBLIA, 2008).
Apesar da predominante rejeição ao comércio de órgãos, infelizmente, observa-se,
conforme alertado pelo Dr. Volnei Garrafa, que está surgindo no mundo, o encaminhamento
de certas situações visando a legalização e a aceitação moral da mercantilização de órgãos,
em função de uma alegação de que as pessoas são autônomas (GARRAFA, 2004, p.06 apud
RIBEIRO, 2004)
No mundo todo, a demanda legal por órgãos é superior à oferta transformando o
tráfico de órgãos em uma das mais lucrativas atividades ilícitas exploradas pela criminalidade
organizada. Esse é um mercado próspero, pois pessoas milionárias que necessitam de
transplante sabem que podem morrer no aguardo da vez nas filas das listas oficiais. A
alternativa é apelar para o mercado clandestino, operado pelo crime organizado transnacional,
sem fronteiras (RIBEIRO, 2004).
Entidades especializadas no transplante de órgãos criticam a possibilidade de legalizar
a comercialização de órgãos, apontando os malefícios que o comércio de partes do corpo
humano traria à sociedade, transformando o corpo em mercadoria, e destruindo o objetivo
altruísta das doações. Por outro lado, os defensores apontam que a legalização da
comercialização inibiria a ilegalidade, além de diminuir as filas de espera (BERLINGUER;
GARRAFA, 2001). Neste seguimento, em um congresso mundial, o Papa João Paulo II
abordou tal questão, dizendo:
A primeira ênfase deve-se dar ao fato de que qualquer intervenção de transplante de
órgãos como já noutra ocasião teve a oportunidade de ressaltar, tem geralmente
origem numa decisão de grande valor ético: a decisão de oferecer, sem recompensa,
uma parte do próprio corpo, em benefício da saúde e do bem-estar de outra pessoa
(PAULO II, 1991).
São estes preceitos que mostram a nobreza do gesto, que se resume num autêntico ato
de amor. Não se oferece simplesmente uma parte do corpo, mas doa-se algo de si, a partir do
momento em que o corpo humano não pode ser considerado apenas como um conjunto de
50
tecidos, órgãos e funções, mas sim como parte constitutiva da pessoa que através dele se
manifesta e se exprime.
Um argumento fortemente usado para autenticar a comercialização de órgãos, é da
autonomia de vontades. Defende-se que o ser humano tem autonomia e liberdade para tomar
decisões por si, que envolvam e resultem na sua vida, desta forma, do mesmo jeito, ele tem
autonomia sobre o seu corpo e sobre a forma de utilização do seu corpo. Portanto, ao decidir
vender um órgão ele estaria se utilizando da sua autonomia de fazer com o seu corpo e com a
sua vida o que livremente deseja, sem prejudicar outrem (SÁ E OLIVEIRA, 2017).
Assim, ao discutir sobre a legalidade da comercialização de órgãos é necessário
perceber que não se trata somente de proteger o fornecedor, mas também de respeitar a sua
autonomia. A proteção da parte hipossuficiente é necessária, como em qualquer sistema
jurídico, todavia, a hipossuficiência de alguém não representa a sua incapacidade para tomar
decisões sobre a sua vida. É necessária muita cautela ao dizer que o fornecedor não tem o
direito de autonomia, pois encontra-se em situação desesperadora (BERLINGUER E
GARRAFA, 2001).
Em contraponto, o principal argumento contrário à legalização da comercialização de
órgãos no Brasil pauta-se na hipossuficiência do doador. Geralmente, o doador é uma pessoa
com baixos recursos financeiros, que passa por necessidades para garantia do mínimo
existencial, e encontra na venda de seus órgãos uma alternativa para a solução dos seus
problemas financeiros (ÁVILA et al., 2008). É a clássica visão do rico se aproveitando do
pobre. Neste sentido, Berlinguer e Garrafa (2001) complementam:
O mercado de corpos realmente não se dá somente entre indivíduos
economicamente, culturalmente, e quase sempre etnicamente em situação de
desigualdades, mas traz de um lado indivíduos isolados, sem capacidade de
organização para proteger seus próprios direitos, e do outro uma força sustentada
por meios, associações, estruturas, profissões, instrumentos de comunicação
(BERLINGUER E GARRAFA, 2001, p. 98)
Neste aspecto da exploração do mais pobre, entende-se que a comercialização de
órgãos transformaria o indivíduo em objeto, tornando-o comercializável, além disso haveria
uma disparidade de valores, pois o preço pago ao vendedor do órgão seria injusto comparado
com os riscos e possíveis perdas da capacidade física que o vendedor estaria se submetendo
(SÁ E OLIVEIRA, 2017). De fato, pessoas de baixa renda dificilmente têm dimensão do
valor do corpo, e em razão de estarem sob grandes necessidades financeiras, acabariam
cedendo a quantias irrisórias.
51
Berlinguer (2004) compara a comercialização de órgãos com a época da escravidão,
em que os escravos, por serem de classes inferiores, eram utilizados para servir a burguesia e,
como argumento, dizia-se que o serviço lhes dava moradia e alimentação, do contrário não
teriam lugar para ficar. Pode-se assimilar ao tráfico de órgãos pelo fato de que somente
pessoas de baixa renda vão se submeter a um procedimento de transplantação, vendendo
partes do seu corpo para garantia de sua sobrevivência, o que aumentaria ainda mais as
desigualdades sociais do país.
O mesmo autor ainda enfatiza que caso a comercialização de órgãos viesse a ser
legalizada, seria o patrimônio da pessoa que indicaria se ela iria sobreviver ou não, pois em
um sistema no qual o altruísmo é raro, sendo considerado somente o valor pecuniário a que se
paga ao objeto, as pessoas de baixa renda que estivessem acometidas de doenças que
causassem a insuficiência de um órgão, não teriam como adquirir novos órgãos, por não terem
patrimônio para isso, ou seja, estariam condenadas à morte.
Nesse sentido encontra-se outro argumento, o da injustiça. Ao permitir a compra e
venda de órgãos, o sistema iria deixar de incentivar a doação voluntária e altruística, desta
forma, para realizar um transplante o paciente necessariamente teria que pagar. No entanto,
questiona-se quanto àqueles que não possuem condições de pagar por um órgão, situação
econômica de boa parte da população brasileira. Esses indivíduos seriam coagidos e
incentivados a venderem seus órgãos, todavia, quando eles precisassem de uma doação,
teriam que pagá-la, e de que forma isso seria feito, se estes nem possuem condições de manter
o mínimo existencial (SÁ E OLIVEIRA, 2017).
As classes mais baixas sempre foram utilizadas pela sociedade para realizar os
serviços que ninguém das classes média e alta quiseram realizar, da mesma forma, no caso da
comercialização de órgãos, os pobres seriam utilizados para vender seus órgãos, e por óbvio,
não seriam pagos justamente. A problemática que envolve a legalização vai além do déficit de
órgãos disponíveis para doação, há de se analisar todos os impactos que isso causaria à
sociedade.
Quanto ao consentimento dos indivíduos que decidissem vender seus órgãos, este
também seria muito relativo. Questiona-se se a situação econômica de alguém poderia
determinar a sua incapacidade para tomar esse tipo de decisão sobre o seu corpo, haja vista
determinadas circunstâncias de extrema necessidade pelas quais os cidadãos passam. Como
seria possível autenticar o consentimento como livre e esclarecido? Sá e Oliveira (2017)
indagam sobre a capacidade do indivíduo, se esta estaria prejudicada pelo fato dele tomar uma
decisão quanto à venda de seus órgãos. A voluntariedade também estaria prejudicada, pois
52
essas pessoas seriam coagidas a realizarem as doações pagas por serem convencidos de que é
a única forma de saírem da situação econômica que se encontram.
Estes argumentos já demonstram a dificuldade de se estabelecer um comércio de
órgãos legal no Brasil, ainda mais devido as grandes desigualdades sociais que assolam os
quatro cantos do país. Contudo, seria hipocrisia em pensar no sentido de que isso não irá
ocorrer, ou que no país isso não acontece, pois há relatos, embora “abafados” e não expostos
que casos já ocorreram, portanto o sentido da vigência de leis proibitivas dessa temática e
ainda, que ocorra a fiscalização de modo mais eficaz, coibindo e amenizando o mercado
internacional de órgãos.
Desse modo, a rigorosa exigência legislativa tem seu fundamento no controle do
procedimento médico, que com base no princípio da Justiça, proporciona a qualquer pessoa o
direito de receber órgãos ou tecidos humanos, independentemente de sua situação financeira.
Do contrário, somente os favorecidos teriam acesso ao procedimento regenerativo. Mesmo
assim, com tamanha rigidez, o sistema vem sendo burlado e órgãos são desviados para
pessoas que não se encontram listadas ou, se inscritas, não ocupam lugar de preferência.
Para conhecimento geral, o ato, por si só, de desviar órgãos humanos, constitui crime
de furto. O verbo subtrair fala mais alto e dá conta da realização típica da conduta. Ocorre,
no entanto, que o tipo penal faz referência a “coisa alheia móvel” e, principalmente que seja
bem circulante no comércio, com valor estipulado pelas regras da oferta e procura. O órgão
humano é bem extracommercium, insusceptível da realização da conduta típica descrita pelo
legislador penal. Atípica, portanto, a conduta.
Desloca-se, então, para fins de adequação típica, para o ilícito previsto no
artigo 211 do Código Penal, in verbis: Art. 211 “Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou
parte dele”.
Parte do corpo humano vem a ser aquela destacada da parte principal, mas que
continua ainda sob a propriedade de seu titular, a quem caberá consentir na realização da
doação. Portanto, é possível juridicamente a disposição gratuita do corpo humano,
renováveis (leite, e sangue, medula óssea, pele, óvulo, esperma) ou não, para salvar a vida ou
preservar a saúde do interessado ou de terceiros, ou para fins científicos ou terapêuticos.
Ocorre que o tipo penal remanescente, que é da própria origem do Código, tem o
elemento subjetivo direcionado para o dolo genérico, consistente em praticar ação que
constitui a materialidade do delito, sendo irrelevante o fim pretendido pelo agente. A
classificação legal, desta forma, rejeita também a norma do artigo 211 do Código Penal.
53
Em que pese, a Lei n.º 9434/97, que cuida da disposição de tecidos e órgãos do corpo
humano, traz elencados nos artigos 14 a 20 vários tipos penais referentes a condutas
relacionadas com remoção, compra, venda, transporte, guarda ou distribuição de órgãos
humanos, assim como realização de transplante ou enxerto sabendo que as partes do corpo
humano foram obtidas em desacordo com o dispositivo da lei. Na realidade, com uma
linguagem mais apropriada, o legislador desconfigurou o verbo subtrair, ligado diretamente a
um bem com valor econômico e o substituiu por outro, mais técnico e específico para a
atividade ilícita, que é o ato de remover. A origem etimológica dá o sentido de mover para
trás, quer dizer, ajeitar para retirar algo de algum lugar, tirar, pegar, suprimir, apartar.
Por se tratar de uma lei especial, cuidando especificamente de uma conduta humana,
há relação de especialidade e, consequentemente, a lei especial afasta a incidência da norma
geral. É a regra lex specialis derrogat lex generali. O novo tipo penal passa a ser mais
completo e atende prontamente a necessidade legal. Considera-se especial a norma que
contém todos os elementos da geral (lex generalis) e mais o elemento especializador. Há,
pois, na norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da
norma geral.
O próprio Código de Ética Médica, em seu artigo 46, veda ao médico “participar
direta ou indiretamente de comercialização de órgãos ou tecidos humanos”.[5] Compreende
este dispositivo o ato cirúrgico da remoção.
3.4 O PAPEL DO ESTADO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E A
SAÚDE E ADOÇÃO DE MEDIDAS DE INCENTIVO ESTATAL EM PROL DA
DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Muitas pessoas ainda morrem à espera de um órgão que poderia lhe salvar a vida.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde promove campanhas de conscientização sobre a
importância da doação de órgãos, porém ainda não são suficientes para atender a demanda.
Sem dúvida, uma das maiores barreiras é a falta de informação e orientação para que os
familiares possam agir e de fato efetivar a doação adequadamente num momento de
fragilidade e tristeza.
Além da infraestrutura precária dos hospitais do SUS como já supracitado, carência de
capacitação profissional para realização de transplantes, outro obstáculo que o Brasil precisa
enfrentar é no fluxo logístico para possibilitar o transporte do órgão no tempo certo e no local
apropriado para conservação.
54
A doação de órgãos é gratuita e de livre decisão do doador ou familiar responsável em
caso de doação pós-morte. Em hipótese alguma esse processo pode envolver negociação
comercial ou influência econômica, pois configura crime.
Outrossim, na atualidade, muitos municípios trabalham sobre a questão de incentivo à
doação de órgãos post mortem e também, intervivos. Assim, foi criado o Dia Nacional da
Doação de Órgãos. O principal objetivo desta data é conscientizar a população em geral sobre
a importância de ser doador de órgãos, com o intuito de ajudar a milhares de pessoas que
lutam por uma oportunidade de salvarem as suas vidas. Doar órgãos é um ato de amor e
solidariedade.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o objetivo da campanha é estimular
cada vez mais pessoas a serem doadoras e garantir que o Brasil alcance anualmente a meta de
14,4 doadores por milhão. No primeiro semestre de 2016, o país bateu recorde ao registrar
1.438 doadores, um aumento de 7,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Com o
resultado, o Brasil está muito perto de alcançar a meta: hoje o índice está em 14 pessoas por
milhão. Além disso, as doações de órgãos permitiram que 12.091 transplantes fossem
realizados entre janeiro e julho deste ano. As operações de órgãos mais complexos, incluindo
pulmão, fígado e coração, cresceram 31%, 6% e 7%, respectivamente, na comparação com o
mesmo período de 2015. Vale destacar ainda que, atualmente, 89% dos transplantes de órgãos
sólidos são realizados pelo SUS, o que torna o país referência mundial neste campo (ADOTE,
2016).
3.5 DADOS ATUALIZADOS DAS DOAÇÕES DE ÓRGÃOS NO RIO GRANDE DO SUL
E CONVICÇÕES MÉDICAS A RESPEITO DAS PROBLEMÁTICAS QUE DIFICULTAM
A DOAÇÃO NO PÓS MORTEM
Embora não seja o ensejo direto do trabalho ora explanado, cabe aqui mencionar
dados importantes, referente aos números de doações atualizado do Estado do Rio Grande do
Sul. Neste sentido, oportuna a conversa, mesmo que por via informal no sentido de
entrevistar e levantar quanto aos questionamentos até então abordados com o médico Dr.
Paulo Reichert, qual possui graduação em Medicina pelo Fundação Universidade Federal de
Ciências da Saúde de Porto Alegre (1987), especialização em Cirurgia Geral pelo Fundação
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (1987), mestrado em Medicina
(Cirurgia do Aparelho Digestivo) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutorado em
Medicina (Cirurgia do Aparelho Digestivo) pela Universidade de São Paulo (1998),
55
atualmente é professor titular da Universidade de Passo Fundo e Professor da Fundação
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, tem experiência na área de
Medicina, com ênfase em cirurgia, atuando principalmente nos seguintes temas: transplante
hepático e complicações biliarese fígado reduzido. O mesmo elucidou que a maior
problemática encontrada pelas equipes do Brasil inteiro no que tange à questão em pauta -
transplante - é a falta de informação das famílias no que concerne à decisão da pessoa que
está prestes a ser um possível doador(a), pois, conforme relata, as famílias ainda desconhecem
a verdadeira vontade da pessoa quanto a ser doador(a) em vida ou não, tornando o trabalho
das equipes que estão apostos mais complicado.
Nesta esteira, também relata a responsável pela Organização de Procuração de Órgãos
(OPO04), enfermeira Fabiana Dal Conte Buzatto, que mesmo havendo um aumento a nível
nacional no número de doações, no estado do Rio Grande do Sul a situação tem se mostrado
preocupante. Em sua fala, Fabiana fez um relato da história dos transplantes e aborda a
legislação sobre a OPO (Organização de Procura de Órgãos e Tecidos), que é um organismo
com papel de coordenação supra-hospitalar, responsável por organizar e apoiar as atividades
relacionadas ao processo de doação de órgãos e tecidos, a manutenção de possível doador, a
identificação e a busca de soluções para as fragilidades do processo, a construção de parcerias
e a capacitação para identificação e efetivação da doação.
A enfermeira tratou também sobre morte encefálica. Discorreu sobre como é realizado
o diagnóstico, independente da possibilidade de doação e a obrigatoriedade da notificação da
suspeita de morte encefálica, assim como o processo de comunicação à família e a abordagem
para a doação. Também mencionou sobre a doação de órgãos, como ainda sendo um tabu em
nosso país. Muitas famílias não concordam com a doação dos órgãos de seus familiares com
morte encefálica. Os números são alarmantes e revelam também o desconhecimento dessa
realidade. As Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes
(CIHDOTTs), têm como objetivo principal, instrumentalizar a sociedade e educar a
população sobre a importância da doação e dos transplantes.
A falta de informação, a recusa familiar ou questões religiosas estão entre os fatores
responsáveis pela demora do transplante. Muito se fala sobre a doação em si. Mostrar que o
tempo é precioso para quem aguarda um novo órgão vai chamar a atenção para este ponto
pouco explorado: essa longa espera. É importante que todas as pessoas comuniquem suas
famílias, caso sejam doadores, pois somente os familiares podem consentir na retirada dos
órgãos.
56
Atualmente, o decreto nº 9.175/2017, que regulamenta a lei de transplantes nº
9.434/1997, determina a necessidade de consentimento familiar para a efetivação da doação
de órgãos do falecido, no âmbito do transplante post mortem. A aplicação do consentimento
familiar para a realização dos transplantes proporcionou uma melhora na relação médico-
paciente-família, viso que há respeito ao momento de luto e dor vivenciado pela família,
evitando conflitos nesse período. Todavia, ao mesmo tempo, descarta a possibilidade do
sujeito, em vida, decidir sobre o destino do seu próprio corpo, desconsiderando a sua
liberdade decisória, o que inclui, em algumas vezes, a desconstrução do seu projeto de vida e
de suas convicções pessoais.
Desse modo, constata-se que o supracitado decreto veio a consagrar a ineficácia da
declaração de vontade de ser doador, uma vez que colocou nas mãos da família a decisão
acerca da transplantação post mortem. Essa ineficácia já se mostrava evidente na prática
médica, dessa forma, o dispositivo legal em comento formalizou uma situação já existente,
quando, na verdade, deveria ter corrigido esta realidade, reafirmando o direito do cidadão de
decidir sobre o destino do seu próprio corpo.
Essa alteração representa uma afronta à autonomia do indivíduo, dado que ignora
expressamente a vontade do titular do corpo, com a justificativa de proporcionar maior
segurança para o procedimento cirúrgico, já que diminuirá a possibilidade de extração
precipitada de órgãos. Contudo, essa modificação, instituída pelo decreto, pode vir a ensejar
uma diminuição do número de transplantes, posto que, atualmente, a recusa familiar é um dos
principais impedimentos na prática de transplantes no Brasil. A família, após a morte do ente
querido, se encontra em um momento bem delicado, o que torna mais difícil a abordagem
para a questão de transplante, bem como a aceitação desse procedimento.
Em que pese, faz-se necessário, diante da nova realidade, um maior investimento em
campanhas pelo poder público, visando justamente disseminar a informação acerca da
alteração promovida por este dispositivo legal, para que os indivíduos estejam devidamente
informados e possam revelar a vontade de ser ou não doador para sua família.
No que tange a dados, a profissional de enfermagem relata que de Janeiro de 2018 até
o atual momento (outubro de 2018), na Organização de Procuração de Órgãos (OPO04),
houve a abertura de 27 (vinte e sete) notificações, dentre as quais somente 04 (quatro)
concretizaram com sucesso, as 23 (vinte e três) restantes não foram possíveis por diversas
situações, dentre as quais destaca-se a interação medicamentosa pelo uso abusivo de
antibióticos ou medicamento opióides, a contaminação por doença vital ou infectocontagiosa,
57
e ainda a questão do politrauma, sendo que os órgãos estão afetados pelo trauma
impossibilitando a retirada para o receptor pois não resultará em sucesso.
Os dados referentes ao ano de 2017 resultam em 07 (sete) doações com sucesso dentre
as 59 (cinquenta e nove) notificações abertas, portanto uma luta diária quanto às equipes
multidisciplinares que estão apostos nos hospitais na busca de possíveis doadores e que os
receptores consigam em um prazo curto alcançar o seu maior objetivo, um órgão para
continuar vivendo.
Para tanto, faz-se necessária uma análise do número de doações que são realizadas
anualmente no estado do Rio Grande do Sul para maior compreensão da temática:
Gráfico 01: Doadores de órgãos no RS
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (2017)
Como o gráfico acima exposto demonstra, é realizado um número expressivo de
notificações quais são abertas aos potencias doadores, contudo é possível vislumbrar o baixo
número de efetivos doadores.
58
No ano de 2018 os dados são os seguintes:
Gráfico 02: Doadores efetivos no RS em 2018
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (2018)
Conforme acima exposto, os dados relevantes no que concerne ao ano atual:
Gráfico 03: Receptores em lista de espera no RS, em 2018
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (2018)
Conforme exposto, o gráfico acima demonstra o expressivo número de pessoas que
aguardam sua vez na fila de espera, dados estes referentes somente ao estado do Rio Grande
do Sul. Nesse sentido, é necessária a implementação de medidas que auxiliem de forma
59
considerável, gerando um aumento nas doações. O gráfico abaixo elucida sobre qual é o
maior entrave neste viés:
Gráfico 04: Entraves para a doação de órgãos
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (2018)
Como é possível avistar abaixo, a não autorização da família é a maior problemática
contatada:
Gráfico 05: Problemáticas encontradas no processo de doação
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (2018)
Atualmente o Brasil tem 32.716 pacientes cadastrados em lista de espera para um
transplante dos seguintes órgãos: rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas e córneas. Os dados
foram divulgados pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
60
A maioria aguarda pela doação de um rim: 21.962. Mais da metade desses pacientes
está em São Paulo. O segundo órgão com maior demanda é a córnea, com 8.574 pacientes na
lista de espera.
Por fim, conforme expostas as justificativas da não doação, pode-se fazer uma rápida
reflexão acerca do abordado, em que pese deve-se sempre respeitar a autonomia de vontade. É
possível trabalhar com resultados consideráveis dentro da margem daqueles que não são
doadores em vida, mas principalmente é preciso trabalhar com a quebra de tabus, de
preconceitos e ainda dentro do desconhecimento de vontade do doador. A sociedade precisa
quebrar paradigmas para que haja uma verdadeira e real evolução no sentido de buscar
alcançar a evolução, não somente no viés pessoal, mas em todos os âmbitos possíveis da vida.
61
CONCLUSÃO
O presente trabalho analisou a possibilidade de incentivos estatais no que tange à
doação de órgãos no Brasil, sempre respeitando as referências constitucionais, princípios e
principalmente a autonomia de vontade, gerando como consequência positiva a diminuição no
mercado clandestino de órgãos cuja rede é ramificada no âmbito internacional.
Diante do que foi exposto acerca dos princípios, entende-se ter duas hipóteses neste
sentido, as quais podem ser concatenadas em duas correntes. A primeira hipótese é de que a
Justiça pode ser alcançada sem ferir ou interferir abusivamente quanto à autonomia sobre o
próprio corpo no que concerne ao comércio internacional de órgãos. Quando autorizada a
“venda” de órgãos, sendo estes tabelados e que os países interliguem conforme suas
necessidades, das pessoas doadoras até os indivíduos receptores, tendo entre estas duas partes
uma forma de contrato, onde o órgão é o principal produto. Esta opção é a que está em
desencontro com o andamento jurídico mundial e agride seriamente acerca dos direitos
humanos, visto que não se deve utilizar o corpo ou partes dele como forma de comércio.
Ainda, como seria possível valorar um órgão humano? Complementando esta ideia, deve-se
examinar a classe social e econômica mais vulnerável a este fim de exploração, por breve
consciência e análise a que sofrerá as devidas consequências de cunho maléfico.
Ao passo em que há uma desenfreada ação de pessoas que participam do tráfico
internacional de órgãos e que, de uma forma ou outra, continuarão a praticar tal ato,
independentemente da proibição ou não, para a sociedade a ação de doação continuaria
tramitando como de rotina. Porém, para as quadrilhas de órgãos o negócio continuaria
lucrativo, visto que não haveria nenhuma medida de interferência punitiva eficaz.
Nessa esteira, em segunda hipótese, a existência de tratados e convenções
internacionais que respaldam e auxiliam a legislação de determinados países, em detrimento
da precaução quanto a esta problemática e que na sua vigência, poderiam aderir medidas de
incentivo estatal quanto à doação de órgãos em vida ou pós mortem, como já existem em
alguns países. Aqui cita-se o exemplo da Espanha, que adotou esta medida para angariar
maior número de doadores, sem interferir na sua autonomia, respeitando a decisão individual
e coletiva quanto à família, onde no momento em que se tem constatado a morte encefálica do
indivíduo e este se pronunciou em vida como doador de órgãos, a família assim autorizando
conjuntamente, será feita a doação dentro do protocolo, e como medida de incentivo o
governo espanhol paga todo os custos referentes ao então transplante de doador para receptor.
Após isso, a família do doador não terá custos com o velório, enterro e/ou cremação do ente
62
querido, pois os atos são custeados pelo governo como medida de incentivo à doação. Assim,
como mencionado neste breve exemplo, há de se propagar mais ideias deste cunho, para que
se possa exterminar ou amenizar o tráfico internacional, visto que tal medida em expressivo
número diminuiria a questão da ilegalidade, pois atualmente se tem muito custo nos
procedimentos pós morte de um indivíduo e em muitos casos a família não tem meios
financeiros para fazê-lo com dignidade.
Nessa perspectiva, foi basilar uma análise para que, realmente se possa ensejar a busca
de soluções jurídico-políticas, passíveis de serem replicadas a todos os serviços de
transplantes no país, e assim emprestar-lhes um norte que, potencializando de modo eficaz o
manejo dos instrumentos adequados, lhes propicie a almejada efetividade na proteção do
direito aos transplantes. Isso porque é crucial a elaboração de soluções construtivas da norma
jurídica, que se prestem a tutelar os direitos fundamentais, como o de transplantes, com
efetividade. Atualmente o que rege a sua normatividade é a lei n°. 9.434, de 04 de fevereiro
de 1997, com as alterações das leis nº 10.211, de 23 de março de 2001; nº 11.521, de 18 de
setembro de 2007, e nº 11.633, de 27 de dezembro de 2007. São normas específicas do
ordenamento jurídico brasileiro, sobre a questão de transplantes de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano, tendo sido regulamentada pelo Decreto n°. nº 2.268, de 30 de junho de 1997.
De acordo com Silva e Serra (2009), o artigo 9º da Lei Brasileira dos Transplantes,
autoriza a pessoa juridicamente capaz, a doação do próprio corpo vivo para fins de
transplantes ou terapêuticos, tendo sido recepcionada tal autorização pelo Código Civil, cujo
artigo 13, parágrafo único, admite a disposição do próprio corpo mesmo que deste ato resulte
diminuição permanente da integridade física. A legislação pretérita, lei n°. 8489/1992 e o
decreto n° 879/1993, exigia para doação inter-vivos o parentesco ou a autorização judicial
para os que não são parentes, sob algumas condições: exame de sanidade mental do doador;
inexistência de qualquer tipo de retribuição material ou não; inexistência de coação; respeito
ao anonimato do doador e do receptor, além do termo de doação. A lei vigente não exige o
laço de parentesco, mas sim para os não relacionados, expressa declaração de vontade do
doador para transplantes inter-vivos.
É o regulamento da lei que exige autorização judicial para aquela doação, abstraindo
de tal autorização para os transplantes que envolvam cônjuges ou parentes até o quarto grau,
sendo mesmo discutível a legalidade da exigência de termo escrito para doação formulada
pelo decreto n°. 2.268/1997, posto que a dei n°. 9.434/1997 não contém tal restrição,
limitando-se a dispor que a autorização seja feita preferencialmente por escrito. Aparentados
até o quarto grau podem doar, em vida, um dos seus órgãos e tecidos humanos para serem
63
utilizados em transplantes duplos, com autorização judicial, e não aparentados, desde que
capaz o doador, o regulamento da lei exige a obtenção de alvará judicial para a efetivação da
doação em vida.
A partir dessa garantia constitucional acerca da dignidade, o tema perpassa,
necessariamente, pelo reconhecimento de ser, tanto o direito à vida, quanto à integridade
física, direitos da personalidade e, assim, indisponíveis, tutelados pela constituição federal do
Brasil, pelo código civil e pelo código penal.
Por fim, é fundamental verificar, se o resguardo integral da dignidade de cada pessoa,
derivado da tutela a cada parte de seu corpo e a cada aspecto de sua estrutura físico-psíquica,
encontra resposta adequada na legislação vigente no Brasil para transplantes, em especial para
as hipóteses em que se trata de doações inter-vivos. Esta questão implica em se estabelecer
premissas básicas que podem, paradoxalmente, ser oponíveis uma à outra: de um lado, o
direito de se dispor de parte do próprio corpo e, de outro, a autonomia de fazer do próprio
corpo o que bem entender. Portanto, quase que explicitamente, pode-se averiguar as balisas
conceituais e teóricas, mas a da realidade somente tem alcance ao que nele vivencia e sabe
das suas necessidades majoritárias.
Conclui-se então, nesta vertente, pela impossibilidade da legalização da
comercialização de órgãos no Brasil, devido ao princípio da dignidade da pessoa humana, e
aos prejuízos que sua legalização causaria ao país a longo prazo, com o fim das doações
altruístas e o aumento das desigualdades sociais. Ademais, conforme decreto nº 9.175/2017,
que regulamenta a lei de transplantes nº 9.434/1997, é expressamente necessário o
consentimento familiar para a efetivação da doação de órgãos do falecido, portanto se a
família não autorizar, não haverá a abertura do protocolo de doação. Como possível solução,
indica-se a necessidade imediata de incentivos estatais e sociais à população brasileira, além
de maior disseminação de informações e da importância em tratar do assunto com a família,
para que ocorra então a doação de forma altruística e solidária de órgãos inter-vivos e post
mortem, tendo em vista a sua importância para o alcance do equilíbrio nacional entre oferta e
procura de órgãos para transplante, bem como para minimizar a ação do mercado humano.
64
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2018.
71
ANEXO A – Lei n. 9.434, de 04 de fevereiro de 1997
LEI Nº 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997.
Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e
partes do corpo humano para fins de
transplante e tratamento e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou
post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a
que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.
Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por
equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de
gestão nacional do Sistema Único de Saúde.
Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes
do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de
triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos para a triagem de sangue para
doação, segundo dispõem a Lei n.º 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder
Executivo.
Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do
corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de
triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares
expedidas pelo Ministério da Saúde. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.083-
32, de 2001)
Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do
corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de
triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares
expedidas pelo Ministério da Saúde. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
CAPÍTULO II
72
DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS,
ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE.
Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados
a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,
constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução
do Conselho Federal de Medicina.
§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes
aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º,
parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e
detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos
arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.
§ 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os
nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde.
§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da
comprovação e atestação da morte encefálica.
Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se
autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de
transplantes ou terapêutica post mortem.
Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas, para
transplante ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização de qualquer um de seus
parentes maiores, na linha reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, ou do cônjuge,
firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da
morte. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.083-32, de 2001)
Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para
transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente,
maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive,
firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da
morte. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 1º A expressão “não-doador de órgãos e tecidos” deverá ser gravada, de forma
indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação
da pessoa que optar por essa condição. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.083-
32, de 2001) (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 2º A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a
todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da
publicação desta Lei. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.083-32, de
2001) (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 3º O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação
emitidas até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não
doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de
identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão “não-
73
doador de órgãos e tecidos”. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.083-32, de
2001) (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 4º A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira
Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no
documento, a nova declaração de vontade. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.083-
32, de 2001) (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 5º No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes,
quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais
recente. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.083-32, de 2001) (Revogado
pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa
juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais,
ou por seus responsáveis legais.
Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de
pessoas não identificadas.
Art. 7º (VETADO)
Parágrafo único. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de
causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa
médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante
ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de
verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necrópsia.
Art. 8º Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e
entregue aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento.
Art. 8o Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente
necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do artigo anterior, e, em qualquer
caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou
seus responsáveis legais para sepultamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
2.083-32, de 2001)
Art. 8o Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente
necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do art. 7o, e, em qualquer caso,
condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus
responsáveis legais para sepultamento. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
CAPÍTULO III
DA DISPOSIÇÃO DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO VIVO
PARA FINS DE TRANSPLANTE OU TRATAMENTO
Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos
ou partes do próprio corpo vivo para fim de transplante ou terapêuticos.
74
Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos,
órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge
ou consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer
pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula
óssea. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.083-32, de 2001)
Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos
e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou
parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em
qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula
óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 1º (VETADO)
§ 2º (VETADO)
§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de
partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador
de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave
comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou
deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente
indispensável à pessoa receptora.
§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas,
especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.
§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer
momento antes de sua concretização.
§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada,
poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento
de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco
para a sua saúde.
§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto
quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato
não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.
§ 8º O auto-transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo,
registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais
ou responsáveis legais.
Art. 9o-A É garantido a toda mulher o acesso a informações sobre as possibilidades e os
benefícios da doação voluntária de sangue do cordão umbilical e placentário durante o
período de consultas pré-natais e no momento da realização do parto. (Incluído pela Lei
nº 11.633, de 2007).
75
CAPITULO IV
DAS DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor,
após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento.
Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas
condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o
consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor,
assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os
riscos do procedimento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.083-32, de 2001)
§ 1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de
saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de
que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. (Incluído pela
Medida Provisória nº 2.083-32, de 2001)
§ 2o A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua
família direito subjetivo a indenização, se o transplante não se realizar em decorrência de
alteração no estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocada por
acidente ou incidente em seu transporte. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.083-32,
de 2001)
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor,
assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os
riscos do procedimento. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde
impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que
trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. (Incluído pela Lei
nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 2o A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua
família direito subjetivo a indenização, se o transplante não se realizar em decorrência de
alteração do estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocado por
acidente ou incidente em seu transporte. (Incluído pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
Art. 11. É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social de
anúncio que configure:
a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos,
relativa a estas atividades;
b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para
pessoa determinada identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo único;
c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou
enxerto em beneficio de particulares.
Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema único de
Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social,
76
campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência desta Lei
e de estímulo à doação de órgãos.
Art. 12. (VETADO)
Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde notificar, às centrais de
notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico
de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.
Parágrafo único. Após a notificação prevista no caput deste artigo, os estabelecimentos
de saúde não autorizados a retirar tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverão permitir a imediata remoção do paciente ou franquear suas
instalações e fornecer o apoio operacional necessário às equipes médico-cirúrgicas de
remoção e transplante, hipótese em que serão ressarcidos na forma da lei. (Incluído pela
Lei nº 11.521, de 2007)
CAPÍTULO V
DAS SANÇÕES PENAIS E ADMIMSTRATIVAS
SEÇÃO I
Dos Crimes
Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em
desacordo com as disposições desta Lei:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.
§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro
motivo torpe:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.
§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa
§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:
77
I - Incapacidade para o trabalho;
II - Enfermidade incurável ;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.
Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere
qualquer vantagem com a transação.
Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se
tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.
Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta
Lei e seu parágrafo único:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para
sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no art. 11:
Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa.
Seção II
Das Sanções Administrativas
78
Art. 21. No caso dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e 17, o estabelecimento de
saúde e as equipes médico-cirúrgicas envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou
permanentemente pelas autoridades competentes.
§ 1.º Se a instituição é particular, a autoridade competente poderá multá-la em 200 a 360
dias-multa e, em caso de reincidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou
definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou compensação por investimentos
realizados.
§ 2.º Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer contratos ou convênios com
entidades públicas, bem como se beneficiar de créditos oriundos de instituições
governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de cinco anos.
Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos transplantes
realizados, conforme o disposto no art. 3.º § 1.º, ou que não enviarem os relatórios
mencionados no art. 3.º, § 2.º ao órgão de gestão estadual do Sistema único de Saúde, estão
sujeitas a multa, de 100 a 200 dias-multa.
§ 1.º Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as
notificações previstas no art. 13.
§ 1o Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as
notificações previstas no art. 13 desta Lei ou proibir, dificultar ou atrasar as hipóteses
definidas em seu parágrafo único. (Redação dada pela Lei nº 11.521, de 2007)
§ 2.º Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de gestão estadual do Sistema
Único de Saúde poderá determinar a desautorização temporária ou permanente da instituição.
Art. 23. Sujeita-se às penas do art. 59 da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, a
empresa de comunicação social que veicular anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.
CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 24. (VETADO)
Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n.º 8.489, de 18
de novembro de 1992, e Decreto n.º 879, de 22 de julho de 1993.
Brasília,4 de fevereiro de 1997; 176.º da Independência e 109.º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson A. Jobim
Carlos César de Albuquerque
79
Este texto não substitui o publicado no DOU de 5.2.1997
80
ANEXO B - Declaração de Istambul sobre Tráfico de Órgãos e Turismo de Transplante
Declaração de Istambul
sobre Tráfico de Órgãos e Turismo de Transplante
O transplante de órgãos, um dos milagres da medicina do século XX, prolongou e
melhorou as vidas de centenas de milhares de doentes em todo o mundo. Os diversos avanços
científicos e clínicos fantásticos, realizados por profissionais de saúde dedicados, bem como
os inúmeros atos de generosidade por parte de doadores de órgãos e das respectivas famílias,
fizeram do transplante não só uma terapêutica que salva vidas, como também um símbolo
brilhante da solidariedade humana. Contudo, estes feitos têm sido denegridos por inúmeros
relatos de tráfico de seres humanos que são utilizados como fonte de órgãos e de turistas-
doentes de países ricos que viajam para o estrangeiro com o objetivo de comprarem órgãos de
pessoas pobres. Em 2004, a Organização Mundial da Saúde instou os Estados-Membros a
“tomarem medidas no sentido de proteger os grupos mais pobres e vulneráveis contra o
turismo de transplante e a venda de tecidos e órgãos, prestando atenção ao problema mais
vasto do tráfico internacional de tecidos e órgãos humanos” (1).
No sentido de abordar os problemas urgentes e crescentes da venda de órgãos, do
turismo de transplante e do tráfico de doadores de órgãos no contexto da falta global de
órgãos, reuniu-se em Istambul, entre 30 de Abril e 2 de Maio de 2008, uma Câmara de mais
de 150 representantes de organismos científicos e médicos de todo o mundo, membros do
governo, cientistas sociais e especialistas em questões éticas. Os trabalhos de preparação da
câmara foram realizados por um Comité Diretor convocado pela The Transplantation Society
(TTS) e pela International Society of Nephrology (ISN) em Dubai, em Dezembro de 2007. O
projeto de declaração do Comitê foi amplamente divulgado e, posteriormente, revisto à luz
das observações recebidas. No Comitê, o projeto revisto foi analisado por grupos de trabalho
e finalizado durante as deliberações plenárias.
A presente Declaração representa o consenso dos participantes. Todos os países
necessitam de um enquadramento jurídico e profissional para reger as atividades de doação e
de transplante de órgãos, bem como de um sistema de supervisão regulamentar transparente
81
que assegure a segurança de doadores e de receptores e a aplicação de normas e proibições de
práticas não éticas.
As práticas não éticas são, em parte, uma consequência indesejável da falta global de
órgãos para transplante. Assim sendo, cada país deverá esforçar-se tanto para assegurar que
sejam postos em prática programas para evitar a falência orgânica, como para proporcionar
órgãos que satisfaçam as necessidades de transplante dos respectivos residentes a partir de
doadores da sua própria população ou por intermédio de cooperação regional. O potencial
terapêutico da doação de órgãos de doadores falecidos deverá ser maximizado, não só no que
se refere a rins, mas também a outros órgãos adequados às necessidades de transplante de
cada país. Os esforços no sentido de iniciar ou melhorar os transplantes a partir de doadores
falecidos são essenciais para minimizar o ónus sobre os doadores vivos. Os programas
educativos são úteis para abordar os obstáculos, os equívocos e a desconfiança que atualmente
impedem o desenvolvimento suficiente dos transplantes a partir de doadores falecidos; o êxito
dos programas de transplante depende igualmente da existência da infra- estrutura relevante
no sistema de saúde.
O acesso a cuidados de saúde é um direito humano embora, com frequência, não seja
uma realidade. A prestação de cuidados a doadores vivos antes, durante e após a cirurgia – tal
como descrito nos relatórios dos fóruns internacionais organizados pela TTS em Amesterdan
e Vancouver (2-4) – não é menos essencial do que os cuidados prestados ao receptor do
transplante. Um resultado positivo para um receptor nunca pode justificar que se cause mal ou
prejudique um doador vivo; pelo contrário, para que um transplante com um dador vivo seja
considerado um êxito, é necessário que tanto o receptor como o doador tenham estado bem.
A presente Declaração assenta nos princípios da Declaração Universal dos Direitos do
Homem (5). A vasta representatividade dos participantes na Câmara de Istambul reflete a
importância da colaboração internacional e do consenso global no sentido de melhorar as
práticas de dádiva e de transplante. A Declaração será apresentada para análise a organizações
profissionais pertinentes e às autoridades de saúde de todos os países. O legado dos
transplantes não pode ser constituído pelas vítimas empobrecidas do tráfego de órgãos e do
turismo de transplante, mas antes por uma celebração da doação da saúde por uma pessoa a
outra.
82
Definições
O tráfico de órgãos consiste no recrutamento, transporte, transferência, refúgio ou
recepção de pessoas vivas ou mortas ou dos respectivos órgãos por intermédio de ameaça ou
utilização da força ou outra forma de coacção, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de
uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou recepção por terceiros de pagamentos ou
benefícios no sentido de conseguir a transferência de controlo sobre o potencial doador, para
fins de exploração através da remoção de órgãos para transplante.
O comercialismo dos transplantes é uma política ou prática segundo a qual um órgão é
tratado como uma mercadoria, nomeadamente sendo comprado, vendido ou utilizado para
obtenção de ganhos materiais.
As viagens para fins de transplante são a circulação de órgãos, doadores, receptores ou
profissionais do setor do transplante através de fronteiras jurisdicionais para fins de
transplante. As viagens para fins de transplante tornam-se turismo de transplante se
envolverem o tráfico de órgãos e/ou o comercialismo dos transplantes ou se os recursos
(órgãos, profissionais e centros de transplante) dedicados à realização de transplantes a
doentes oriundos de fora de um determinado país puserem em causa a capacidade desse país
de prestar serviços de transplante à respectiva população.
Princípios
1. Os governos nacionais, trabalhando em colaboração com organizações
internacionais e não governamentais, deverão desenvolver e implementar programas
abrangentes para a detecção, a prevenção e o tratamento da falência orgânica, o que
incluirá:
a. a promoção de investigação clínica e científica básica;
b. programas eficazes, com base em diretrizes internacionais, para tratar e cuidar
de doentes com doenças em fase terminal, tais como programas de diálise para doentes renais,
no sentido de minimizar a morbidade e a mortalidade, juntamente com programas de
transplante para tais doenças;
c. o transplante de órgãos como tratamento preferencial para a falência orgânica
no caso de receptores adequados do ponto de vista médico.
83
2. Cada país ou jurisdição deverá desenvolver e implementar legislação no
sentido de reger a proura de órgãos de doadores falecidos e vivos e a prática dos transplantes
em consonância com as normas internacionais.
a. Dever-se-ão desenvolver e implementar políticas e procedimentos com o
objetivo de maximizar o número de órgãos disponíveis para transplante, em consonância com
os presentes princípios;
b. A prática da doação e do transplante requer supervisão e responsabilização por
parte das autoridades de saúde de cada país, no sentido de assegurar a transparência e a
segurança;
c. A supervisão exige a existência de um registo nacional ou regional para
transplantes a partir de doadores falecidos e vivos;
d. Como componentes essenciais de programas eficazes contam-se a educação e a
sensibilização do público, a educação e a formação de profissionais de saúde e a definição de
responsabilidades para todos os integrantes do sistema nacional de doação e transplante de
órgãos.
3. Os órgãos para transplante devem ser equitativamente alocados a receptores
adequados, sem que o género, a etnia, a religião ou o estado social ou financeiro sejam tidos
em consideração.
a. As considerações financeiras ou os ganhos materiais de qualquer interveniente
não devem influenciar a aplicação das regras de atribuição pertinentes.
4. O objetivo principal das políticas e dos programas de transplante deverá ser a
existência de cuidados médicos de curto e longo prazo excelentes, no sentido de promover a
saúde tanto de dadores como de receptores.
a. As considerações financeiras ou os ganhos materiais de qualquer um dos
intervenientes não deverão sobrepor-se à consideração principal pela saúde e pelo bem-estar
de doadores e receptores.
5. As jurisdições, os países e as regiões deverão esforçar-se por alcançar a auto-
suficiência em matéria de doação de órgãos, proporcionando um número suficiente de órgãos
para os residentes que deles necessitem a partir do próprio país ou por intermédio da
cooperação regional.
84
a. A colaboração entre países não é incompatível com a auto-suficiência nacional,
desde que a colaboração proteja as pessoas vulneráveis, promova a igualdade entre
populações de doadores e de receptores e não viole os presentes princípios;
b. O tratamento de doentes de fora do país ou da jurisdição só é aceitável se não
puser em causa a capacidade do país de prestar serviços de transplante à respectiva população.
6. O tráfico de órgãos e o turismo de transplante violam os princípios da
equidade, da justiça e do respeito pela dignidade humana, pelo que devem ser proibidos. Uma
vez que o comercialismo dos transplantes tem como alvo doadores empobrecidos ou
vulneráveis por qualquer outro motivo, conduz inexoravelmente à iniquidade e à injustiça,
devendo ser proibido. Na sua Resolução 44.25, a Assembleia Mundial da Saúde instou os
países a prevenirem a compra e venda de órgãos humanos para fins de transplantação.
a. As proibições destas práticas deverão incluir uma proibição a todos os tipos de
publicidade (inclusive em suportes electrónicos e impressos), solicitação ou intermediação
para fins de comercialismo dos transplantes, tráfico de órgãos ou turismo de transplante.
b. Tais proibições deverão igualmente incluir penalizações para actos — como o rastreio
médico de dadores ou órgãos ou o transplante de órgãos — que auxiliem, incentivem ou
utilizem os produtos do tráfico de órgãos ou do turismo de transplante.
c. As práticas que induzem pessoas ou grupos vulneráveis (tais como pessoas analfabetas
ou pobres, imigrantes sem documentos, prisioneiros e refugiados políticos ou econômicos) a
tornar-se doadores em vida são incompatíveis com o objetivo de combater o tráfico de órgãos,
o turismo de transplante e o comercialismo dos transplantes.
Propostas
Em consonância com os presentes princípios, os participantes na Câmara de Istambul
sugerem as estratégias seguidamente indicadas para aumentar o conjunto de doadores e para
evitar o tráfico de órgãos, o comercialismo dos transplantes e o turismo de transplante, bem
como para incentivar programas de transplantes legítimos que salvem vidas:
Para responder à necessidade de aumentar as doações post mortem:
1. Os governos, em colaboração com as instituições de cuidados de saúde, os
profissionais do setor e as organizações não governamentais, deverão tomar medidas
85
adequadas no sentido de aumentar a doação de órgãos post mortem. Devem ser tomadas
medidas a eliminar os obstáculos e a falta de incentivos à doação de órgãos post mortem.
2. Nos países onde não haja um programa já estabelecido de doação ou transplante de
órgãos de falecidos, deverá ser aprovada por legislação nacional que dê início à doação de
órgãos de falecidos e que crie infra-estruturas de transplante, para que se concretize o
potencial dos doadores falecidos de cada país.
3. Em todos os países onde já tenha sido iniciada a doação de órgãos post mortem, o
potencial terapêutico da doação e do transplante de órgãos de falecidos deverá ser
maximizado.
4. Os países com programas de transplante de dadores falecidos bem
estabelecidos são incentivados a partilhar informações, conhecimentos e tecnologia com os
países que procurem aperfeiçoar os seus esforços de doação de órgãos.
Para assegurar a protecção e a segurança de dadores vivos e o reconhecimento
adequado da sua ação heróica, combatendo, em simultâneo, o turismo de transplante, o tráfico
de órgãos e o comércio dos transplantes:
1. O ato da dádiva deve ser considerado heróico e honrado como tal pelos
representantes do governo e das organizações da sociedade civil.
2. A determinação da adequação médica e psicossocial do doador vivo deve ser
guiada pelas recomendações dos Fórum de Amesterdan e Vancouver (2-4).
a. Os mecanismos de consentimento informado devem incluir disposições para
avaliar a compreensão por parte do doador, incluindo a avaliação do impacto psicológico do
processo;
b. Todos os doadores deverão ser submetidos a uma avaliação psicológica
realizada por profissionais de saúde mental durante a investigação.
3. A prestação de cuidados a doadores de órgãos, incluindo os que foram vítimas
de tráfico de órgãos, comercialismo dos transplantes e turismo de transplante, é uma
86
responsabilidade crítica de todas as jurisdições que condenaram a realização de transplantes
de órgãos mediante a utilização de tais práticas.
4. Os sistemas e estruturas deverão assegurar a normalização, a transparência e a
responsabilização pelo apoio à dádiva.
a. Deverão ser criados mecanismos que visem a transparência do processo e o seu
acompanhamento;
b. Dever-se-á obter o consentimento informado, tanto para o processo de dádiva
como para o processo de acompanhamento.
5. A prestação de cuidados inclui cuidados médicos e psicossociais na altura da
doação e para eventuais consequências a curto e longo prazo relacionadas com a doação de
órgãos.
a. Nas jurisdições e nos países que carecem de um seguro de saúde universal, o
fornecimento de um seguro de incapacidade, vida e saúde relacionado com a doação constitui
um requisito necessário à prestação de cuidados ao doador;
b. Nas jurisdições que dispõem de um seguro de saúde universal, os serviços
governamentais deverão assegurar que os doadores tenham acesso a cuidados médicos
adequados relativamente à doação;
c. A cobertura por seguros de saúde e/ou de vida e as oportunidades de emprego
das pessoas que doam órgãos não deverão ser comprometidas;
d. Dever-se-á proporcionar a todos os doadores a prestação de serviços
psicossociais como componente regular do acompanhamento;
e. Em caso de falência orgânica do doador, este deverá receber:
f. cuidados médicos de apoio, incluindo diálise para os doentes com insuficiência
renal; e prioridade no acesso a transplantes, sendo integrados nas regras de atribuição
existentes, na medida em que se apliquem à transplante de órgãos em vida ou post mortem.
6. O reembolso abrangente dos custos efetivos e documentados da doação de um
órgão não constitui um pagamento por esse órgão, fazendo antes parte dos custos legítimos do
tratamento do receptor.
a. Tal reembolso de custos seria normalmente feito pela parte responsável pelos
custos de tratamento do receptor do transplante (como, por exemplo, o ministério de saúde de
um determinado governo ou uma companhia responsável pelo seguro de saúde);
87
b. Os custos e as despesas relevantes deverão ser calculados e administrados
utilizando metodologias transparentes, em consonância com as normas nacionais;
c. O reembolso dos custos aprovados deverá ser feito diretamente à parte que
presta o serviço (como, por exemplo, o hospital que prestou os cuidados médicos ao doador);
d. O reembolso da perda de rendimentos e das despesas feitas pessoalmente pelo
doador deverá ser realizado pela agência que trata do transplante, em vez de ser pago
diretamente pelo receptor ao doador.
7. As despesas legítimas que podem ser reembolsadas sempre que sejam
documentadas são:
a. o custo de quaisquer avaliações médicas e psicológicas de potenciais dadores
vivos que sejam excluídos do processo de dádiva (por exemplo, por serem detectados
problemas médicos ou imunológicos durante o processo de avaliação);
b. os custos suportados durante a preparação e a realização das fases pré, peri e
pós- operatória do processo de doação (por exemplo, chamadas telefônicas de longa distância,
despesas de deslocamento, alojamento e subsistência);
c. as despesas médicas realizadas para os cuidados prestados ao doador após a
alta médica;
d. a perda de rendimentos em consequência da doação (em conformidade com as
normas nacional.
88
ANEXO C – Resolução do CFM 2.173/2017
RESOLUÇÃO Nº 2.173, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2017
Define os critérios do diagnóstico de morte
encefálica.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas
pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de
19 de julho de 1958 e,
CONSIDERANDO que a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe
sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Federal de Medicina
definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica (ME);
CONSIDERANDO o Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017, que
regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos,
tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento;
CONSIDERANDO que o artigo 13 da Lei nº 9.434/1997 determina ser
obrigatório para todos os estabelecimentos de saúde informar as centrais de notificação,
captação e distribuição de órgãos das unidades federadas onde ocorrer diagnóstico de
morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos;
CONSIDERANDO que a perda completa e irreversível das funções encefálicas,
definida pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico, caracteriza a morte
encefálica e, portanto, a morte da pessoa;
CONSIDERANDO que a Resolução CFM nº 1.826/2007 dispõe sobre a
legalidade e o caráter ético da suspensão dos procedimentos de suporte terapêutico
quando da determinação de morte encefálica de indivíduo não doador de órgãos;
CONSIDERANDO que a comprovação da ME deve ser realizada utilizando
critérios precisos, bem estabelecidos, padronizados e passíveis de ser executados por
médicos em todo território nacional;
CONSIDERANDO, finalmente o decidido na reunião plenária de 23 de novembro de 2017,
resolve:
Art. 1º - Os procedimentos para determinação de morte encefálica (ME) devem
ser iniciados em
todos os pacientes que apresentem coma não perceptivo, ausência de reatividade
supraespinhal e apneia persistente, e que atendam a todos os seguintes pré-requisitos:
a) presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar morte encefálica;
89
b) ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de morte
encefálica;
c) tratamento e observação em hospital pelo período mínimo de seis horas.
Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de
tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas;
d) temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C, saturação
arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg
ou pressão arterial média maior ou igual a 65mmHg para adultos, ou conforme a tabela a
seguir para menores de 16 anos:
Pressão Arterial
Idade Sistólica (mmHg) PAM (mmHg)
Até 5 meses incompletos 60 43
De 5 meses a 2 anos incompletos 80 60
De 2 anos a 7 anos incompletos 85 62
De 7 a 15 anos 90 65
Art. 2º - É obrigatória a realização mínima dos seguintes procedimentos para
determinação da morte encefálica:
a) dois exames clínicos que confirmem coma não perceptivo e ausência de função do tronco
encefálico;
b) teste de apneia que confirme ausência de movimentos respiratórios após
estimulação
máxima dos centros respiratórios;
c) exame complementar que comprove ausência de atividade encefálica.
Art. 3º - O exame clínico deve demonstrar de forma inequívoca a existência das
seguintes
condições
:
a) coma não perceptivo;
b) ausência de reatividade supraespinhal manifestada pela ausência dos reflexos
fotomotor,
90
córneo-palpebral, oculocefálico, vestíbulo-calórico e de tosse.
§ 1º Serão realizados dois exames clínicos, cada um deles por um médico diferente,
especificamente capacitado a realizar esses procedimentos para a determinação de morte
encefálica.
§ 2º Serão considerados especificamente capacitados médicos com no mínimo um ano de
experiência no atendimento de pacientes em coma e que tenham acompanhado ou realizado pelo
menos dez determinações de ME ou curso de capacitação para determinação em ME, conforme
anexo III desta Resolução.
§ 3º Um dos médicos especificamente capacitados deverá ser especialista em uma das
seguintes especialidades: medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia
pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. Na indisponibilidade de qualquer um dos
especialistas anteriormente citados, o procedimento deverá ser concluído por outro médico
especificamente capacitado.
§ 4º Em crianças com menos de 2 (dois) anos o intervalo mínimo de tempo entre os
dois exames clínicos variará conforme a faixa etária: dos sete dias completos (recém-nato a
termo) até dois meses incompletos será de 24 horas; de dois a 24 meses incompletos será de
doze horas. Acima de 2 (dois) anos de idade o intervalo mínimo será de 1 (uma) hora.
Art. 4º - O teste de apneia deverá ser realizado uma única vez por um dos médicos
responsáveis pelo exame clínico e deverá comprovar ausência de movimentos respiratórios na
presença de hipercapnia (PaCO2 superior a 55mmHg).
Parágrafo único. Nas situações clínicas que cursam com ausência de movimentos
respiratórios de causas extracranianas ou farmacológicas é vedada a realização do teste de
apneia, até a reversão da situação.
Art. 5º - O exame complementar deve comprovar de forma inequívoca uma das condições:
a) ausência de perfusão sanguínea encefálica ou
b) ausência de atividade metabólica encefálica ou
c) ausência de atividade elétrica encefálica.
§ 1º A escolha do exame complementar levará em consideração situação clínica e
disponibilidades locais.
§ 2º Na realização do exame complementar escolhido deverá ser utilizada a metodologia
específica para determinação de morte encefálica.
§ 3º O laudo do exame complementar deverá ser elaborado e assinado por médico
especialista no método em situações de morte encefálica.
Art. 6º - Na presença de alterações morfológicas ou orgânicas, congênitas ou
adquiridas, que impossibilitam a avaliação bilateral dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral,
oculocefálico ou vestíbulo- calórico, sendo possível o exame em um dos lados e constatada
ausência de reflexos do lado sem alterações morfológicas, orgânicas, congênitas ou adquiridas,
dar-se-á prosseguimento às demais etapas para determinação de morte encefálica.
Parágrafo único. A causa dessa impossibilidade deverá ser fundamentada no
prontuário.
Art. 7º - As conclusões do exame clínico e o resultado do exame complementar deverão
ser registrados pelos médicos examinadores no Termo de Declaração de Morte Encefálica (Anexo II)
91
e no prontuário do paciente ao final de cada etapa.
Art. 8º - O médico assistente do paciente ou seu substituto deverá esclarecer aos
familiares do paciente sobre o processo de diagnóstico de ME e os resultados de cada etapa,
registrando no prontuário do paciente essas comunicações.
Art. 9º - Os médicos que determinaram o diagnóstico de ME ou médicos assistentes ou
seus substitutos deverão preencher a DECLARAÇÃO DE ÓBITO definindo como data e hora da
morte aquela que corresponde ao momento da conclusão do último procedimento para determinação
da ME.
Parágrafo único. Nos casos de morte por causas externas a DECLARAÇÃO DE
ÓBITO será de responsabilidade do médico legista, que deverá receber o relatório de
encaminhamento médico e uma cópia do TERMO DE DECLARAÇÃO DE MORTE
ENCEFÁLICA.
Art. 10. - A direção técnica do hospital onde ocorrerá a determinação de ME deverá
indicar os médicos especificamente capacitados para realização dos exames clínicos e
complementares.
§ 1º Nenhum desses médicos poderá participar de equipe de remoção e transplante, conforme
estabelecido no art. 3º da Lei nº 9.434/1997 e no Código de Ética Médica.
§ 2º Essas indicações e suas atualizações deverão ser encaminhadas para a Central Estadual
de Transplantes (CET).
Art. 11. - Na realização dos procedimentos para determinação de ME deverá ser utilizada
a metodologia e as orientações especificadas no ANEXO I (MANUAL DE PROCEDIMENTOS
PARA DETERMINAÇÃO DA MORTE ENCEFÁLICA), no ANEXO II (TERMO DE
DECLARAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA) e no ANEXO III (CAPACITAÇÃO PARA
DETERMINAÇÃO EM MORTE ENCEFÁLICA) elaborados
e atualizados quando necessários pelo Conselho Federal de Medicina.
Art. 12. - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação e revoga a Resolução
CFM nº 1.480, publicada no Diário Oficial da União, seção I, p. 18227-18228, em 21 de agosto de
1997.
ANEXO I
MANUAL DE PROCEDIMENTOS PARA DETERMINAÇÃO DE
MORTE ENCEFÁLICA METODOLOGIA
A morte encefálica (ME) é estabelecida pela perda definitiva e irreversível das funções do
encéfalo por causa conhecida, comprovada e capaz de provocar o quadro clínico.
O diagnóstico de ME é de certeza absoluta. A determinação da ME deverá ser
realizada de forma padronizada, com especificidade de 100% (nenhum falso diagnóstico de
ME). Qualquer dúvida na determinação de ME impossibilita esse diagnóstico.
Os procedimentos para determinação da ME deverão ser realizados em todos os pacientes
em coma não perceptivo e apneia, independentemente da condição de doador ou não de órgãos e
tecidos.
Para o diagnóstico de ME é essencial que todas as seguintes condições sejam observadas:
1) Pré-requisitos
a) Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar a ME;
92
b) Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de ME;
c) Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de seis horas.
Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento
e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas;
d) Temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35 °C, saturação arterial
de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial
média maior ou igual a 65 mmHg para adultos, ou conforme a tabela a seguir para menores de 16
anos:
Pressão Arterial
Idade Sistólica (mmHg) PAM (mmHg)
Até 5 meses incompletos 60 43
De 5 meses a 2 anos incompletos 80 60
De 2 anos a 7 anos incompletos 85 62
De 7 a 15 anos 90 65
2) Dois exames clínicos - para confirmar a presença do coma e a ausência de função do
tronco encefálico em todos os seus níveis, com intervalo mínimo de acordo com a Resolução.
3) Teste de apneia - para confirmar a ausência de movimentos respiratórios após
estimulação máxima dos centros respiratórios em presença de PaCO2 superior a 55 mmHg.
4) Exames complementares - para confirmar a ausência de atividade encefálica,
caracterizada pela falta de perfusão sanguínea encefálica, de atividade metabólica encefálica ou
de atividade elétrica encefálica.
clínico
.
PRÉ-REQUISITOS
A. Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar
quadro
O diagnóstico da lesão causadora do coma deve ser estabelecido pela avaliação clínica
e
93
confirmada por exames de neuroimagem ou por outros métodos diagnósticos. A incerteza da
presença de uma lesão irreversível, ou da sua causa, impossibilita a determinação de ME. Um
período mínimo de observação e tratamento intensivo em ambiente hospitalar de seis horas após o
estabelecimento do coma, deverá ser respeitado. Quando a encefalopatia hipóxico-isquêmica for a
causa primária do quadro, deverá ser aguardado um período mínimo de 24 horas após a parada
cardiorrespiratória ou reaquecimento na hipotermia terapêutica, antes de iniciar a determinação
de ME.
B. Ausência de fatores que possam confundir o quadro clínico.
Os fatores listados a seguir, quando graves e não corrigidos, podem agravar ou ocasionar
coma. A equipe deverá registrar no prontuário do paciente sua análise justificada da situação e tomar
medidas adequadas para correção das alterações antes de iniciar determinação de ME.
1) Distúrbio hidroeletrolítico, ácido-básico/endócrino e intoxicação exógena graves
Na presença ou suspeita de alguma dessas condições, caberá à equipe responsável
pela determinação da ME definir se essas anormalidades são capazes de causar ou agravar o
quadro clínico, a consequência da ME ou somática. A hipernatremia grave refratária ao
tratamento não inviabiliza determinação de ME, exceto quando é a única causa do coma.
2) Hipotermia (temperatura retal, vesical ou esofagiana inferior a 35°C)
A hipotermia grave é fator confundidor na determinação de ME, pois reflexos de tronco
encefálico podem desaparecer quando a temperatura corporal central é menor ou igual a 32°C.
É essencial que seja corrigida a hipotermia até alcançar temperatura corporal (esofagiana,
vesical ou retal) superior a 35°C antes de iniciar-se a determinação de ME.
3) Fármacos com ação depressora do Sistema Nervoso Central (FDSNC) e
bloqueadores neuromusculares (BNM)
Quando os FDSNC (fenobarbital, clonidina, dexmedetomidina, morfina e outros) e
BNM forem utilizados nas condições a seguir especificadas, deverão ser tomados os seguintes
cuidados antes de iniciar a determinação de ME:
a) Quando utilizados em doses terapêuticas usuais não provocam coma não
perceptivo, não interferindo nos procedimentos para determinação de ME;
b) Quando utilizados em infusão contínua em pacientes com função renal e hepática
normais e que não foram submetidos à hipotermia terapêutica, nas doses usuais para sedação e
analgesia, será necessário aguardar um intervalo mínimo de quatro a cinco meias-vidas após a
suspensão dos fármacos, antes de iniciar procedimentos para determinação de ME;
c) Quando os FDSNC e BNM forem utilizados na presença de insuficiência hepática, de
insuficiência renal, e utilização de hipotermia terapêutica, ou quando há suspeita de intoxicação por
uso em doses maiores que as terapêuticas usuais, ou por metabolização/eliminação comprometida,
deve-se aguardar tempo maior que cinco meias-vidas do fármaco. Esse tempo deverá ser definido
de acordo com a gravidade das disfunções hepáticas e renais, das doses utilizadas e do tempo de uso,
para que haja certeza que ocorreu a eliminação/metabolização dos fármacos ou pela constatação que
seu nível sérico se encontra na faixa terapêutica ou abaixo dela.
d) Nas condições anteriormente citadas deverá ser dada preferência a exames
complementares que avaliam o fluxo sanguíneo cerebral, pois o EEG sofre significativa
influência desses agentes nessas situações.
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EXAME CLÍNICO
A. Coma não perceptivo.
Estado de inconsciência permanente com ausência de resposta motora supraespinhal a
qualquer estimulação, particularmente dolorosa intensa em região supraorbitária, trapézio e leito
ungueal dos quatro membros. A presença de atitude de descebração ou decorticação invalida o
diagnóstico de ME. Poderão ser observados reflexos tendinosos profundos, movimentos de
membros, atitude em opistótono ou flexão do tronco, adução/elevação de ombros, sudorese,
rubor ou taquicardia, ocorrendo espontaneamente ou durante a estimulação. A presença desses
sinais clínicos significa apenas a persistência de atividade medular e não invalida a determinação
de ME.
B. Ausência de reflexos de tronco cerebral.
1) Ausência do reflexo fotomotor - as pupilas deverão estar fixas e sem resposta à
estimulação luminosa intensa (lanterna), podendo ter contorno irregular, diâmetros variáveis ou
assimétricos.
2) Ausência de reflexo córneo-palpebral - ausência de resposta de piscamento à
estimulação direta do canto lateral inferior da córnea com gotejamento de soro fisiológico gelado ou
algodão embebido em soro fisiológico ou água destilada.
3) Ausência do reflexo oculocefálico - ausência de desvio do(s) olho(s) durante a
movimentação rápida da cabeça no sentido lateral e vertical. Não realizar em pacientes com lesão de
coluna cervical suspeitada ou confirmada.
4) Ausência do reflexo vestíbulo-calórico - ausência de desvio do(s) olho(s) durante um
minuto de observação, após irrigação do conduto auditivo externo com 50 a 100 ml de água fria (± 5
°C), com a cabeça colocada em posição supina e a 30°. O intervalo mínimo do exame entre ambos os
lados deve ser de três minutos. Realizar otoscopia prévia para constatar a ausência de perfuração
timpânica ou oclusão do conduto auditivo externo por cerume.
5) Ausência do reflexo de tosse - ausência de tosse ou bradicardia reflexa à
estimulação traqueal com uma cânula de aspiração.
Na presença de alterações morfológicas ou orgânicas, congênitas ou adquiridas, que
impossibilitam a avaliação bilateral dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico ou
vestíbulo- calórico, sendo possível exame em um dos lados, e constatada ausência de reflexos do
lado sem alterações morfológicas, orgânicas, congênitas ou adquiridas, dar-se-á prosseguimento
às demais etapas para determinação de ME. A causa dessa impossibilidade deverá ser
fundamentada no prontuário.
TESTE DE APNEIA
A realização do teste de apneia é obrigatória na determinação da ME. A apneia é
definida pela ausência de movimentos respiratórios espontâneos, após a estimulação máxima do
centro respiratório pela hipercapnia (PaCO2 superior a 55 mmHg). A metodologia proposta
permite a obtenção dessa estimulação máxima, prevenindo a ocorrência de hipóxia
concomitante e minimizando o risco de intercorrências.
Na realização dos procedimentos de determinação de ME os pacientes devem
apresentar temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C, saturação arterial de
oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial
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média maior ou igual a 65 mmHg para adultos, ou conforme a tabela a seguir para menores de 16
anos:
Pressão Arterial
Idade Sistólica (mmHg) PAM (mmHg)
Até 5 meses incompletos 60 43
De 5 meses a 2 anos incompletos 80 60
De 2 anos a 7 anos incompletos 85 62
De 7 a 15 anos 90 65
A. Técnica.
1) Ventilação com FiO2 de 100% por, no mínimo, 10 minutos para atingir PaO2 igual ou
maior a 200 mmHg e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg.
2) Instalar oxímetro digital e colher gasometria arterial inicial (idealmente por cateterismo
arterial).
3) Desconectar ventilação mecânica.
4) Estabelecer fluxo contínuo de O2 por um cateter intratraqueal ao nível da carina (6
L/min), ou
96
tubo T (12 L/min) ou CPAP (até 12 L/min + até 10 cm H2O).
5) Observar a presença de qualquer movimento respiratório por oito a dez minutos.
Prever elevação da PaCO2 de 3 mmHg/min em adultos e de 5 mmHg/min em crianças para
estimar o tempo de desconexão necessário.
6) Colher gasometria arterial final.
7) Reconectar ventilação mecânica.
B. Interrupção do teste.
Caso ocorra hipotensão (PA sistólica < 100 mmHg ou PA média < que 65 mmHg),
hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, deverá ser colhida uma gasometria arterial e
reconectado o respirador, interrompendo-se o teste. Se o PaCO2 final for inferior a 56 mmHg, após a
melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o teste.
C. Interpretação dos resultados.
1) Teste positivo (presença de apneia) - PaCO2 final superior a 55 mmHg, sem
movimentos respiratórios, mesmo que o teste tenha sido interrompido antes dos dez minutos
previstos.
2) Teste inconclusivo - PaCO2 final menor que 56 mmHg, sem movimentos respiratórios.
3) Teste negativo (ausência de apneia) - presença de movimentos respiratórios, mesmo
débeis, com qualquer valor de PaCO2. Atentar para o fato de que em pacientes magros ou crianças
os batimentos cardíacos podem mimetizar movimentos respiratórios débeis.
D. Formas alternativas de realização do teste de apneia.
Em alguns pacientes as condições respiratórias não permitem a obtenção de uma
persistente elevação da PaCO2, sem hipóxia concomitante. Nessas situações, pode-se realizar teste
de apneia utilizando a seguinte metodologia, que considera as alternativas para pacientes que não
toleraram a desconexão do ventilador:
1) Conectar ao tubo orotraqueal uma "peça em T" acoplada a uma válvula de pressão
positiva contínua em vias aéreas (CPAP - continuous positive airway pressure) com 10 cm H2O e
fluxo de oxigênio a 12 L/minuto.
2) Realizar teste de apneia em equipamento específico para ventilação não invasiva, que
permita conexão com fluxo de oxigênio suplementar, colocar em modo CPAP a 10 cm H2O e fluxo
de oxigênio entre 10-12 L/minuto. O teste de apneia não deve ser realizado em ventiladores que não
garantam fluxo de oxigênio no modo CPAP, o que resulta em hipoxemia.
EXAMES COMPLEMENTARES
O diagnóstico de ME é fundamentado na ausência de função do tronco encefálico
confirmado pela falta de seus reflexos ao exame clínico e de movimentos respiratórios ao teste de
apneia. É obrigatória a realização de exames complementares para demonstrar, de forma
inequívoca, a ausência de perfusão sanguínea ou de atividade elétrica ou metabólica encefálica e
obtenção de confirmação documental dessa situação. A escolha do exame complementar levará
em consideração a situação clínica e as disponibilidades locais, devendo ser justificada no
prontuário.
Os principais exames a ser executados em nosso meio são os seguintes:
1) Angiografia cerebral - após cumpridos os critérios clínicos de ME, a angiografia
cerebral deverá demonstrar ausência de fluxo intracraniano. Na angiografia com estudo das
artérias carótidas internas e vertebrais, essa ausência de fluxo é definida por ausência de
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opacificação das artérias carótidas internas, no mínimo, acima da artéria oftálmica e da artéria
basilar, conforme as normas técnicas do Colégio Brasileiro de Radiologia.
2) Eletroencefalograma - constatar a presença de inatividade elétrica ou silêncio elétrico
cerebral (ausência de atividade elétrica cerebral com potencial superior a 2 µV) conforme as normas
técnicas da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica.
3) Doppler Transcraniano - constatar a ausência de fluxo sanguíneo intracraniano pela
presença de fluxo diástólico reverberante e pequenos picos sistólicos na fase inicial da sístole,
conforme estabelecido pelo Departamento Científico de Neurossonologia da Academia Brasileira
de Neurologia.
4) Cintilografia, SPECT Cerebral - ausência de perfusão ou metabolismo encefálico,
conforme as normas técnicas da Sociedade Brasileira Medicina Nuclear.
A metodologia a ser utilizada na realização do exame deverá ser específica para
determinação de ME e o laudo deverá ser elaborado por escrito e assinado por profissional com
comprovada experiência e capacitado no exame nessa situação clínica.
Em geral, exames que detectam a presença de perfusão cerebral, como angiografia
cerebral e doppler transcraniano, não são afetados pelo uso de drogas depressoras do sistema nervoso
central ou distúrbios metabólicos, sendo os mais indicados quando essas situações estão presentes. A
presença de perfusão sanguínea ou atividade elétrica cerebral significa a existência de atividade
cerebral focal residual. Em situações de ME, a repetição desses exames após horas ou dias constatará
inexoravelmente o desaparecimento dessa atividade residual. Em crianças lactentes, especialmente
com fontanelas abertas e/ou suturas patentes, na encefalopatia hipóxico-isquêmica ou após
craniotomias descompressivas, pode ocorrer persistência de fluxo sanguíneo intracraniano, mesmo
na presença de ME, sendo eletroencefalograma o exame mais adequado para determinação de ME.
Um exame complementar compatível com ME realizado na presença de coma não
perceptivo, previamente ao exame clínico e teste de apneia para determinação da ME, poderá ser
utilizado como único exame complementar para essa determinação.
Outras metodologias além das citadas não têm ainda comprovação científica da sua
efetividade na determinação de ME.
REPETIÇÃO DO EXAME CLÍNICO (2º EXAME)
Na repetição do exame clínico (segundo exame) por outro médico será utilizada a mesma
técnica do primeiro exame. Não é necessário repetir o teste de apneia quando o resultado do primeiro
teste for positivo (ausência de movimentos respiratórios na vigência de hipercapnia documentada).
O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre 1º e 2º exame clínico é de uma
hora nos pacientes com idade igual ou maior a dois anos de idade.
Nas demais faixas etárias, esse intervalo é variável, devendo ser observada a seguinte tabela:
Faixa Etária Intervalo Mínimo (horas)
7 dias (recém-nato à termo) até 2 meses incompletos 24
De 2 a 24 meses incompletos 12
Mais de 24 meses 1
A EQUIPE MÉDICA
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Nenhum médico responsável por realizar procedimentos de determinação da ME
poderá participar de equipe de retirada e transplante, conforme estabelecido no artigo 3º da Lei nº
9.434/1997 e no Código de Ética Médica.
A Direção Técnica de cada hospital deverá indicar os médicos capacitados a realizar e
interpretar os procedimentos e exames complementares para determinação de ME em seu
hospital, conforme estabelecido no art. 3º da Resolução. Essas indicações e suas atualizações
deverão ser encaminhadas para a CET.
São considerados capacitados médicos com no mínimo um ano de experiência no
atendimento de pacientes em coma, que tenham acompanhado ou realizado pelo menos dez
determinações de ME e realizado treinamento específico para esse fim em programa que atenda
as normas determinadas pelo Conselho Federal de Medicina.
Na ausência de médico indicado pela Direção Técnica do Hospital, caberá à CET de sua
Unidade Federativa indicar esse profissional e à Direção Técnica do Hospital, disponibilizar as
condições necessárias para sua atuação.
COMUNICAÇÃO AOS FAMILIARES OU RESPONSÁVEL LEGAL
Os familiares do paciente ou seu responsável legal deverão ser adequadamente
esclarecidos, de forma clara e inequívoca, sobre a situação crítica do paciente, o significado da
ME, o modo de determiná-la e também sobre os resultados de cada uma das etapas de sua
determinação. Esse esclarecimento é de responsabilidade da equipe médica assistente do paciente
ou, na sua impossibilidade, da equipe de determinação da ME.
Será admitida a presença de médico de confiança da família do paciente para
acompanhar os procedimentos de determinação de ME, desde que a demora no comparecimento
desse profissional não inviabilize o diagnóstico. Os contatos com o médico escolhido serão de
responsabilidade dos familiares ou do responsável legal. O profissional indicado deverá
comparecer nos horários estabelecidos pela equipe de determinação da ME.
A decisão quanto à doação de órgãos somente deverá ser solicitada aos familiares ou
responsáveis legais do paciente após o diagnóstico da ME e a comunicação da situação a eles.
FUNDAMENTOS LEGAIS
A metodologia de determinação de morte encefálica é fundamentada nas normas
legais discriminadas a seguir:
1) Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
2) Lei nº 11.521, de 18 de setembro de 2007.
3) Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017.
4) Resolução do CFM nº 1.826, de 6 de dezembro de
2007. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lucas FJC, Braga NIO, Silvado CES. Recomendações técnicas para o registro do
eletrencefalograma na suspeita da morte encefálica. Arq Neuropsiquiatr. 1998;56(3b):697-702.
doi: 10.1590/S0004-282X1998000400030.
2. Lange MC, Zétola VHF, Miranda-Alves M, Moro CHC, Silvado CE, Rodrigues
DLG, et al. Diretrizes brasileiras para o uso do ultrassom transcraniano como teste diagnóstico
de confirmação de morte cerebral. Arq Neuropsiquiatr. 2012 May;70(5):373-80. doi:
10.1590/S0004-282X2012000500012.
99
3. Lang CJ, Heckmann JG. Apnea testing for the diagnosis of brain death. Acta Neurol
Scand. 2005 Dec;112(6):358-69. doi: 10.1111/j.1600-0404.2005.00527.x.
TERMO DE DECLARAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA
A equipe médica que determinou a morte encefálica (ME) deverá registrar as
conclusões dos exames clínicos e os resultados dos exames complementares no Termo de
Declaração de Morte Encefálica (DME) ao término de cada etapa e comunicá-la ao médico
assistente do paciente ou a seu substituto.
Esse termo deverá ser preenchido em duas vias.
A 1ª via deverá ser arquivada no prontuário do paciente, junto com o(s) laudo(s) de
exame(s) complementar(es) utilizados na sua determinação.
A 2ª via ou cópia deverá ser encaminhada à Central Estadual de Transplantes (CET),
complementarmente à notificação da ME, nos termos da Lei nº 9434/1997, art. 13.
Nos casos de morte por causa externa, uma cópia da declaração será necessariamente
encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML).
A Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes (CIHDOTT), a Organização de Procura de
Órgãos (OPO) ou a CET deverão ser obrigatoriamente comunicadas nas seguintes situações:
a) possível morte encefálica (início do procedimento de determinação de ME);
b) após constatação da provável ME (1º exame clínico e teste de apneia compatíveis) e;
c) após confirmação da ME (término da determinação com o 2º exame clínico e exame
complementar confirmatórios).
A Declaração de Óbito (DO) deverá ser preenchida pelo médico legista nos casos de
morte por causas externas (acidente, suicídio ou homicídio), confirmada ou suspeita. Nas demais
situações caberá aos médicos que determinaram o diagnóstico de ME ou aos médicos assistentes
ou seus substitutos preenchê-la. A data e a hora da morte a serem registradas na DO deverão ser as
do último procedimento de determinação da ME, registradas no Termo de Declaração de Morte
Encefálica (DME).
Constatada a ME, o médico tem autoridade ética e legal para suspender
procedimentos de suporte terapêutico em uso e assim deverá proceder, exceto se doador de
órgãos, tecidos ou partes do corpo humano para transplante, quando deverá aguardar a retirada
dos mesmos ou a recusa à doação (Resolução CFM nº 1.826/2007). Essa decisão deverá ser
precedida de comunicação e esclarecimento sobre a ME aos familiares do paciente ou seu
representante legal, fundamentada e registrada no prontuário.
CAPACITAÇÃO PARA DETERMINAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA
A.Pré-requisitos médicos para ser capacitado, atendendo ao art. 3º § 2º desta Resolução:
1.Mínimo de um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma.
B. Programação mínima do curso de capacitação: 1.Conceito de morte encefálica.
2. Fundamentos éticos e legais da determinação da morte encefálica: a.Lei nº 9.434/1997;
b.Decreto nº 9.175/2017; c.Resolução CFM nº 2.173/2017 d.Resolução CFM nº
1.826/2007. 3.Metodologia da determinação: a.Pré-requisitos:
i. lesão encefálica; ii. causas reversíveis de coma; iii.diagnóstico diferencial. b.Exame clínico:
i. metodologia para realização e interpretação; ii.conduta nas exceções.
100
c. Teste de apneia: i.preparo para o teste;
ii. metodologia para realização e interpretação; iii.métodos alternativos.
d. Exame complementar: i.escolha do método mais adequado; ii.Doppler transcraniano; iii.eletroencefalografia;
iv.arteriografia cerebral.
e. Conclusão da determinação: i.Declaração de morte encefálica; ii.Declaração de óbito.
4. Conduta pós-determinação: a. Comunicação da morte encefálica aos familiares:
i.como informar aos familiares da situação de ME, dos resultados de cada etapa e da
confirmação.
b. Retirada do suporte vital: i. como informar aos familiares sobre a possibilidade de doação de órgãos e de retirada
do suporte vital;
ii. como proceder na retirada do suporte vital aos não doadores de órgãos. C. Metodologia de ensino: 1.Teórico-prático.
2.Duração mínima de oito horas, sendo quatro de discussão de casos
clínicos. 3.Mínimo de um instrutor para cada oito alunos nas aulas
práticas.
4.Suporte remoto para esclarecimentos de dúvidas por, no mínimo, três
meses. D.Instrutores:
1.Capacitação comprovada em determinação de morte encefálica há pelo menos dois
anos. 2.Residência médica ou título de especialista em neurologia, neurologia
pediátrica, medicina
intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência.
E.Coordenador:
1.Capacitação comprovada em determinação de morte encefálica há pelo menos cinco anos.
3.Residência médica ou título de especialista em neurologia, neurologia pediátrica,
medicina
intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência.
F. Responsáveis pelo curso:
1.Gestores públicos.
2.Hospitais.
MAURO LUIZ DE BRITTO RIBEIRO
Presidente do ConselhoEm
exercício HENRIQUE
BATISTA E SILVA
Secretário-geral
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ANEXO D - DECRETO 9.175/2017
DECRETO Nº 9.175, DE 18 DE OUTUBRO DE 2017
Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos,
células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso
IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997,
DECRETA:
Art. 1º A disposição gratuita e anônima de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para
utilização em transplantes, enxertos ou outra finalidade terapêutica, nos termos da Lei nº 9.434, de 4 de
fevereiro de 1997, observará o disposto neste Decreto.
Parágrafo único. O sangue, o esperma e o óvulo não estão compreendidos entre os tecidos e as
células a que se refere este Decreto.
CAPÍTULO I
DO SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES
Seção I
Da Estrutura
Art. 2º Fica instituído o Sistema Nacional de Transplantes - SNT, no qual se desenvolverá o
processo de doação, retirada, distribuição e transplante de órgãos, tecidos, células e partes do corpo
humano, para finalidades terapêuticas.
Art. 3º Integram o SNT:
I - o Ministério da Saúde;
II - as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal;
III - as Secretarias de Saúde dos Municípios;
IV - as Centrais Estaduais de Transplantes - CET;
V - a Central Nacional de Transplantes - CNT;
VI - as estruturas especializadas integrantes da rede de procura e doação de órgãos, tecidos, células
e partes do corpo humano para transplantes;
VII - as estruturas especializadas no processamento para preservação ex situ de órgãos, tecidos,
células e partes do corpo humano para transplantes;
VIII - os estabelecimentos de saúde transplantadores e as equipes especializadas; e
102
IX - a rede de serviços auxiliares específicos para a realização de transplantes.
Seção II
Das Atribuições
Art. 4º O SNT tem como âmbito de intervenção:
I - as atividades de doação e transplante de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano, a
partir de doadores vivos ou falecidos;
II - o conhecimento dos casos de morte encefálica; e
III - a determinação do destino de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano retirados para
transplante em qualquer ponto do território nacional.
Art. 5º O Ministério da Saúde, por intermédio de unidade própria prevista em sua estrutura
regimental, exercerá as funções de órgão central do SNT, e lhe caberá:
I - coordenar as atividades de que trata este Decreto;
II - expedir normas e regulamentos técnicos para disciplinar os procedimentos estabelecidos neste
Decreto, o funcionamento ordenado e harmônico do SNT e o controle, inclusive social, das atividades
desenvolvidas pelo Sistema;
III - autorizar o funcionamento de CET;
IV - autorizar estabelecimentos de saúde, bancos de tecidos ou células, laboratórios de
histocompatibilidade e equipes especializadas a promover retiradas, transplantes, enxertos,
processamento ou armazenamento de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano, nos termos
estabelecidos no Capítulo II;
V - cancelar ou suspender a autorização de estabelecimentos de saúde ou de equipes e profissionais
que não respeitem as regras estabelecidas neste Decreto, sem prejuízo das sanções penais e
administrativas previstas no Capítulo V da Lei nº 9.434, de 1997, mediante decisão fundamentada e
observados os princípios do contraditório e da ampla defesa;
VI - articular-se com os integrantes do SNT para viabilizar seu funcionamento;
VII - prover e manter o funcionamento da CNT;
VIII - gerenciar a lista única de espera de receptores, de forma a garantir a disponibilidade das
informações necessárias à busca de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para transplantes;
e
IX - avaliar o desempenho do SNT, mediante planejamento e análise de metas e relatórios do
Ministério da Saúde e dos órgãos estaduais, distrital e municipais que o integram.
§ 1º Somente poderão exercer atividades de transplantes os entes federativos que dispuserem da
CET de que trata a Seção IV deste Capítulo, implantada e em funcionamento.
§ 2º Para fins do disposto no inciso VIII do caput, a lista única de espera de receptores será
constituída pelo conjunto das seguintes listas:
103
I - lista regional, nos casos que se aplique;
II - lista estadual;
III - lista macrorregional; e
IV - lista nacional.
§ 3º A composição das listas de que trata o § 2º ocorrerá a partir do cadastro técnico dos candidatos
a receptores, de acordo com os critérios a serem definidos em ato do Ministro de Estado da Saúde.
Seção III
Dos Órgãos Estaduais
Art. 6º Para integrar o SNT, as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal deverão
instituir, em suas estruturas organizacionais, unidade com o perfil e as funções indicadas na Seção IV
deste Capítulo.
§ 1º Instituída a unidade referida no caput, a Secretaria de Saúde estadual solicitará ao órgão central
a autorização para integrar o SNT que, uma vez concedida, implicará a assunção dos encargos que lhe
são próprios.
§ 2º A autorização a que se refere o § 1º estará sujeita a cancelamento na hipótese de
descumprimento das regras definidas pelo órgão central do SNT.
§ 3º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer mecanismos de cooperação
para o desenvolvimento das atividades de que trata este Decreto.
§ 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios realizarão a difusão de informações e iniciativas
relacionadas ao processo de doações e transplantes.
Seção IV
Das Centrais Estaduais de Transplantes
Art. 7º As Centrais Estaduais de Transplantes - CET serão as unidades executivas das atividades do
SNT nos Estados e no Distrito Federal, de natureza pública, conforme estabelecido neste Decreto.
Art. 8º Compete às CET:
I - organizar, coordenar e regular as atividades de doação e transplante em seu âmbito de atuação;
II - gerenciar os cadastros técnicos dos candidatos a receptores de tecidos, células, órgãos e partes
do corpo humano, inscritos pelas equipes médicas locais, para compor a lista única de espera nos casos
em que se aplique;
III - receber as notificações de morte que enseje a retirada de órgãos, tecidos, células e partes do
corpo humano para transplantes, ocorridas em seu âmbito de atuação;
IV - gerenciar as informações referentes aos doadores e mantê-las atualizadas;
V - determinar o encaminhamento e providenciar o transporte de órgãos, tecidos, células e partes do
104
corpo humano ao estabelecimento de saúde autorizado para o transplante ou o enxerto onde se
encontrar o receptor, observadas as instruções ou as normas complementares expedidas na forma do
art. 46;
VI - notificar a CNT quanto a não utilização de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano
pelos receptores inscritos em seus registros, para fins de disponibilização para o receptor subsequente,
entre aqueles relacionados na lista única de espera;
VII - encaminhar relatórios anuais ao órgão central do SNT sobre o desenvolvimento das atividades
de transplante em seu âmbito de atuação;
VIII - controlar, avaliar e fiscalizar as atividades de que trata este Decreto em seu âmbito de
atuação;
IX - definir, em conjunto com o órgão central do SNT, parâmetros e indicadores de qualidade para
avaliação dos serviços transplantadores, laboratórios de histocompatibilidade, bancos de tecidos e
organismos integrantes da rede de procura e doação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo
humano;
X - elaborar o Plano Estadual de Doação e Transplantes, de que trata o Capítulo VII;
XI - aplicar as penalidades administrativas nas hipóteses de infração às disposições da Lei nº 9.434,
de 1997, observado o devido processo legal e assegurado ao infrator o direito de ampla defesa;
XII - suspender cautelarmente, pelo prazo máximo de sessenta dias, o estabelecimento e/ou a equipe
especializada para apurar infração administrativa ou ato ilícito praticado no processo de doação,
alocação ou transplante de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano;
XIII - comunicar a aplicação de penalidade ao órgão central do SNT, que a registrará para consulta
quanto às restrições estabelecidas no § 2º do art. 21 da Lei nº 9.434, de 1997, e, caso necessário,
procederá ao cancelamento da autorização concedida;
XIV - requerer ao órgão central do SNT a suspensão ou o cancelamento da autorização da equipe ou
do profissional que desrespeitar a ordem da lista única de espera de receptores; e
XV - acionar o Ministério Público e outras instituições públicas competentes para informar a prática
de ilícitos cuja apuração não esteja compreendida no âmbito de sua competência.
§ 1º O gerenciamento dos cadastros técnicos dos candidatos a receptores de que trata o inciso II
do caput será realizado mediante o fornecimento e a manutenção dos dados necessários à localização
do candidato a receptor, a indicação do procedimento, os consentimentos necessários e as
características do receptor determinantes para a verificação da compatibilidade do seu organismo com
o enxerto ofertado, de modo a permitir a sua rápida alocação.
§ 2º O Município considerado polo de região administrativa poderá solicitar à CET a instituição de
Central de Transplante Regional, que ficará vinculada e subordinada à referida CET, nos termos
definidos em ato do Ministério da Saúde.
Seção V
Da Central Nacional de Transplantes
Art. 9º Para a execução das atividades de coordenação logística e distribuição de tecidos, células e
partes do corpo humano no processo de doação e transplante em âmbito nacional, o órgão central do
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SNT manterá a Central Nacional de Transplantes - CNT, a qual terá as seguintes atribuições:
I - receber as notificações de não utilização de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano
pelos receptores inscritos no âmbito dos Estados ou do Distrito Federal, de forma a disponibilizá-los
aos receptores subsequentes entre aqueles relacionados na lista única de espera de receptores;
II - apoiar o gerenciamento da retirada de órgãos e tecidos, prestando suporte técnico e logístico à
sua busca, no território nacional, nas hipóteses em que as condições clínicas do doador, o tempo
decorrido desde a cirurgia de retirada do órgão e as condições de acessibilidade o permitam;
III - alocar os órgãos e os tecidos retirados em conformidade com a lista única de espera de
receptores, de forma a otimizar as condições técnicas de preservação, transporte e distribuição,
considerados os critérios estabelecidos nas normas em vigor e com vistas a garantir o seu melhor
aproveitamento e a equidade na sua destinação;
IV - articular a relação entre as CET durante o processo de alocação dos órgãos entre as unidades da
federação;
V - manter registros de suas atividades;
VI - receber e difundir as notificações de eventos inesperados pertinentes à segurança dos
receptores, nos transplantes de órgãos e outros enxertos por ela alocados;
VII - apoiar a atividade de regulação do acesso dos pacientes com indicação de transplante;
VIII - articular, regular e operacionalizar as inscrições interestaduais para modalidades de
transplantes não existentes nos Estados ou no Distrito Federal; e
IX - providenciar, em caráter complementar, a logística de transportes dos órgãos, tecidos, células e
partes do corpo humano disponibilizados para a lista única de espera de receptores.
Seção VI
Da Procura e da Doação de Órgãos, Tecidos, Células
e Partes do Corpo Humano para Transplantes
Art. 10. A CET organizará o funcionamento de estruturas especializadas para a procura e a doação
de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para transplante que, juntamente com as equipes
assistenciais dos hospitais, constituirão a rede de procura e doação de órgãos, tecidos, células e partes
do corpo humano, responsável por assegurar a notificação de morte, a avaliação e o acompanhamento
de doadores e de suas famílias.
Parágrafo único. A CET deverá organizar a sua rede de procura e doação de acordo com as
características de sua rede assistencial e em conformidade com as normas complementares expedidas
pelo órgão central do SNT.
CAPÍTULO II
DA AUTORIZAÇÃO
Seção I
Da Autorização de Estabelecimentos de Saúde
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e Equipes Especializadas
Art. 11. O transplante, o enxerto ou a retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano
somente poderão ser realizados em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, por equipes
especializadas, prévia e expressamente autorizados pelo órgão central do SNT.
§ 1º O pedido de autorização formalmente apresentado pela CET poderá ser formulado para cada
atividade de que trata este Decreto.
§ 2º A autorização para fins de transplantes, enxerto ou retirada de órgãos, tecidos, células e partes
do corpo humano deverá ser concedida conjunta ou separadamente para estabelecimentos de saúde e
para equipes especializadas de transplante, enxerto ou retirada.
§ 3º A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano poderá ocorrer em quaisquer
estabelecimentos de saúde, desde que realizada por equipes especializadas autorizadas e com a
anuência formal da CET.
§ 4º Em qualquer caso, no pedido de autorização, os estabelecimentos de saúde e as equipes
especializadas firmarão compromisso no qual se sujeitarão à fiscalização e ao controle do Poder
Público, facilitando o acesso às instalações, aos equipamentos e aos prontuários, observada sempre a
habilitação dos agentes credenciados para tal, tendo em vista o caráter sigiloso desses documentos.
§ 5º As autorizações serão válidas pelo prazo de até quatro anos, renováveis por períodos iguais e
sucessivos, verificada a observância dos requisitos estabelecidos neste Decreto e em normas
complementares do Ministério da Saúde.
§ 6º A renovação a que se refere o § 5º deverá ser requerida pelas equipes especializadas e pelos
estabelecimentos de saúde ao órgão central do SNT no prazo de até noventa dias antes do término da
vigência da autorização anterior.
§ 7º Os pedidos de renovação apresentados após o prazo estabelecido no § 6º serão considerados
como pedidos de nova autorização, situação que implica a cessação dos efeitos da autorização anterior
após o término de sua vigência.
Art. 12. Os estabelecimentos de saúde deverão contar com os serviços e as instalações adequados à
execução de retirada, transplante ou enxerto de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano,
atendidas as exigências contidas em normas complementares do Ministério da Saúde e comprovadas no
requerimento de autorização.
§ 1º A transferência da propriedade, a modificação da razão social e a alteração das equipes
especializadas pela incorporação de outros profissionais, igualmente autorizados, quando comunicadas
no prazo de até noventa dias da sua ocorrência, não prejudicarão a validade da autorização concedida.
§ 2º O estabelecimento de saúde autorizado na forma deste artigo somente poderá realizar
transplante se observar, em caráter permanente, ao disposto no § 2º do art. 13.
Art. 13. A composição das equipes especializadas será determinada em função da modalidade de
transplante, enxerto ou retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para a qual
solicitou autorização, mediante integração de profissionais também autorizados na forma desta Seção.
§ 1º Os critérios técnicos para concessão de autorização e de renovação da autorização de equipes
especializadas e de estabelecimentos de saúde serão definidos em normas complementares do órgão
central do SNT.
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§ 2º Será exigível, no caso de transplante, a definição, em número e habilitação, de profissionais
necessários à realização do procedimento.
§ 3º A autorização será concedida para cada modalidade de transplante, enxerto ou retirada de
órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano e o pedido deverá ser formalizado para o conjunto
dos seus membros, indicando o estabelecimento ou os estabelecimentos de saúde de atuação.
Art. 14. Além da habilitação profissional, as equipes especializadas deverão instruir o pedido de
autorização ou de renovação de autorização de acordo com as normas expedidas pelo órgão central do
SNT.
Seção II
Das Disposições Complementares
Art. 15. O pedido de autorização de estabelecimentos de saúde, de equipes especializadas, de
laboratórios de histocompatibilidade e de bancos de tecidos será apresentado às Secretarias de Saúde
do Estado ou do Distrito Federal pelo gestor local do Sistema Único de Saúde - SUS, que o instruirá
com relatório circunstanciado e conclusivo quanto à necessidade do novo serviço e à satisfação das
exigências estabelecidas neste Decreto e em normas complementares, no âmbito de sua área de
competência, definida pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.
§ 1º Os estabelecimentos de saúde e as demais instâncias cujo funcionamento esteja condicionado à
autorização pelo órgão central do SNT deverão respeitar o Plano Estadual de Doação e Transplantes
estabelecido no Capítulo VII, no âmbito da gestão local de saúde, inclusive quanto à necessidade de
sua criação e implementação.
§ 2º A Secretaria de Saúde do Estado ou do Distrito Federal diligenciará junto ao requerente para
verificar o cumprimento das exigências a seu cargo.
§ 3º A Secretaria de Saúde do Estado ou do Distrito Federal remeterá o pedido de autorização ao
órgão central do SNT para expedição da autorização caso haja manifestação favorável quanto à
presença de todos os requisitos estabelecidos neste Decreto e em normas complementares.
Art. 16. O Ministério da Saúde poderá estabelecer outras exigências que se tornem indispensáveis à
prevenção de irregularidades nas atividades de que trata este Decreto.
CAPÍTULO III
DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM
Seção I
Da Disposição Post mortem de Órgãos, Tecidos, Células
e Partes do Corpo Humano para Fins de Transplante
ou Enxerto
Art. 17. A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano poderá ser efetuada após a
morte encefálica, com o consentimento expresso da família, conforme estabelecido na Seção II deste
Capítulo.
§ 1º O diagnóstico de morte encefálica será confirmado com base nos critérios neurológicos
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definidos em resolução específica do Conselho Federal de Medicina - CFM.
§ 2º São dispensáveis os procedimentos previstos para o diagnóstico de morte encefálica quando ela
decorrer de parada cardíaca irreversível, diagnosticada por critérios circulatórios.
§ 3º Os médicos participantes do processo de diagnóstico da morte encefálica deverão estar
especificamente capacitados e não poderão ser integrantes das equipes de retirada e transplante.
§ 4º Os familiares que estiverem em companhia do paciente ou que tenham oferecido meios de
contato serão obrigatoriamente informados do início do procedimento para diagnóstico da morte
encefálica.
§ 5º Caso a família do paciente solicite, será admitida a presença de médico de sua confiança no ato
de diagnóstico da morte encefálica.
Art. 18. Os hospitais deverão notificar a morte encefálica diagnosticada em suas dependências à
CET da unidade federativa a que estiver vinculada, em caráter urgente e obrigatório.
Parágrafo único. Por ocasião da investigação da morte encefálica, na hipótese de o hospital
necessitar de apoio para o diagnóstico, a CET deverá prover os profissionais ou os serviços necessários
para efetuar os procedimentos, observado o disposto no art. 13.
Art. 19. Após a declaração da morte encefálica, a família do falecido deverá ser consultada sobre a
possibilidade de doação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para transplante, atendido
o disposto na Seção II do Capítulo III.
Parágrafo único. Nos casos em que a doação não for viável, por quaisquer motivos, o suporte
terapêutico artificial ao funcionamento dos órgãos será descontinuado, hipótese em que o corpo será
entregue aos familiares ou à instituição responsável pela necropsia, nos casos em que se aplique.
Seção II
Do Consentimento Familiar
Art. 20. A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano, após a morte, somente
poderá ser realizada com o consentimento livre e esclarecido da família do falecido, consignado de
forma expressa em termo específico de autorização.
§ 1º A autorização deverá ser do cônjuge, do companheiro ou de parente consanguíneo, de maior
idade e juridicamente capaz, na linha reta ou colateral, até o segundo grau, e firmada em documento
subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.
§ 2º Caso seja utilizada autorização de parente de segundo grau, deverão estar circunstanciadas, no
termo de autorização, as razões de impedimento dos familiares de primeiro grau.
§ 3º A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano de falecidos incapazes, nos
termos da lei civil, dependerá de autorização expressa de ambos os pais, se vivos, ou de quem lhes
detinha, ao tempo da morte, o poder familiar exclusivo, a tutela ou a curatela.
§ 4º Os casos que não se enquadrem nas hipóteses previstas no § 1º ao § 3º dependerão de prévia
autorização judicial.
Art. 21. Fica proibida a doação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano em casos de
não identificação do potencial doador falecido.
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Parágrafo único. Não supre as exigências do caput o simples reconhecimento de familiares se
nenhum dos documentos de identificação do falecido for encontrado, exceto nas hipóteses em que
autoridade oficial que detenha fé pública certifique a identidade.
Seção III
Da Preservação de Órgãos, Tecidos, Células
e Partes do Corpo Humano
Art. 22. Constatada a morte e a ausência de contraindicações clínicas conhecidas, caberá às equipes
assistenciais do hospital onde se encontra o falecido prover o suporte terapêutico artificial, de forma a
oferecer a melhor preservação in situ possível dos órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano até
que a família decida sobre sua doação.
Parágrafo único. As CET e a sua rede de procura e doação de órgãos, tecidos, células e partes do
corpo humano para transplante, no âmbito de suas competências, deverão acompanhar o trabalho das
equipes assistenciais dos hospitais, subsidiando-as técnica e logisticamente na avaliação e na
manutenção homeostática do potencial doador.
Art. 23. Cabe à rede de procura e doação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para
transplante, sob a coordenação da CET, e em consonância com as equipes assistenciais e
transplantadoras, proceder ao planejamento, ao contingenciamento e à provisão dos recursos físicos e
humanos, do transporte e dos demais insumos necessários à realização da cirurgia de retirada dos
órgãos e dos demais enxertos.
Parágrafo único. A CNT participará da coordenação das atividades a que se refere o caput sempre
que houver intercâmbio de órgãos, enxertos ou equipes cirúrgicas entre as unidades federativas.
Art. 24. Quando indicada a preservação ex situ de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano,
esses serão processados obrigatoriamente em estabelecimentos previamente autorizados pelo órgão
central do SNT, em conformidade com o disposto neste Decreto e nas normas complementares.
§ 1º A preservação de tecidos ou células deverá ser realizada em bancos de tecidos humanos.
§ 2º A preservação de órgãos deverá ser realizada em centros específicos para essa finalidade.
Seção IV
Da Necropsia
Art. 25. A necropsia será realizada obrigatoriamente no caso de morte por causas externas ou em
outras situações nas quais houver indicação de verificação médica da causa da morte.
§ 1º A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano poderá ser efetuada desde que
não prejudique a análise e a identificação das circunstâncias da morte.
§ 2º A retirada de que trata o § 1º será realizada com o conhecimento prévio do serviço médico-
legal ou do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação, e os dados pertinentes serão
circunstanciados no relatório de encaminhamento do corpo para necropsia.
§ 3º O corpo será acompanhado do relatório com a descrição da cirurgia de retirada e dos eventuais
procedimentos realizados e a documentação será anexada ao prontuário legal do doador, com cópia
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destinada à instituição responsável pela realização da necropsia.
§ 4º Ao doador de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano será dada a precedência para a
realização da necropsia, imediatamente após a cirurgia de retirada, sem prejuízo aos procedimentos
descritos nos § 2º e § 3º.
Seção V
Da Recomposição do Cadáver
Art. 26. Efetuada a retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano e a necropsia, na
hipótese em que seja necessária, o cadáver será condignamente recomposto, de modo a recuperar tanto
quanto possível a sua aparência anterior.
CAPÍTULO IV
DA DOAÇÃO EM VIDA
Seção I
Da Disposição do Corpo Vivo
Art. 27. Qualquer pessoa capaz, nos termos da lei civil, poderá dispor de órgãos, tecidos, células e
partes de seu corpo para serem retirados, em vida, para fins de transplantes ou enxerto em receptores
cônjuges, companheiros ou parentes até o quarto grau, na linha reta ou colateral.
Art. 28. As doações entre indivíduos vivos não relacionados dependerão de autorização judicial, que
será dispensada no caso de medula óssea.
Parágrafo único. É considerada como doação de medula óssea a doação de outros progenitores
hematopoiéticos.
Art. 29. Somente será permitida a doação referida nesta Seção quando se tratar de órgãos duplos, de
partes de órgãos, tecidos, células e partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de
continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas
aptidões vitais e de sua saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável.
§ 1º A retirada nas condições estabelecidas neste artigo somente será permitida se corresponder a
uma necessidade terapêutica, comprovadamente indispensável para a pessoa receptora.
§ 2º O doador vivo será prévia e obrigatoriamente esclarecido sobre as consequências e os riscos
decorrentes da retirada do órgão, tecido, células ou parte do seu corpo para a doação.
§ 3º Os esclarecimentos de que trata o § 2º serão consignados em documento lavrado e lido na
presença do doador e de duas testemunhas.
§ 4º O doador especificará, em documento escrito, firmado por duas testemunhas:
I - o tecido, o órgão, a célula ou a parte do seu corpo que doará para transplante ou enxerto;
II - o nome da pessoa beneficiada; e
111
III - a qualificação e o endereço dos envolvidos.
§ 5º O Comitê de Bioética ou a Comissão de Ética do hospital onde se realizará a retirada e o
transplante ou o enxerto emitirá parecer sobre os casos de doação entre não consanguíneos, exceto
cônjuges e companheiros, reconhecidos nos termos da lei civil.
§ 6º A doação de medula óssea de pessoa juridicamente incapaz somente poderá ocorrer entre
consanguíneos, desde que observadas as seguintes condições:
I - se houver autorização expressa de ambos os pais ou de seus representantes legais, após serem
esclarecidos sobre os riscos do ato;
II - se houver autorização judicial; e
III - se o transplante não oferecer risco para a saúde do doador.
§ 7º Antes de iniciado o procedimento, a doação poderá ser revogada pelo doador a qualquer
momento.
§ 8º A gestante não poderá doar órgãos, tecidos e partes de seu corpo, exceto medula óssea, desde
que não haja risco para a sua saúde e a do embrião ou do feto.
§ 9º A gestante será a responsável pela autorização, previamente ao parto, de doação de células
progenitoras do sangue do cordão umbilical e placentário do nascituro.
Art. 30. O autotransplante dependerá somente da autorização do próprio receptor ou de seus
representantes legais.
Art. 31. Os doadores voluntários de medula óssea serão cadastrados pelo órgão central do SNT, que
manterá as informações sobre a identidade civil e imunológica desses doadores em registro próprio,
cuja consulta estará disponível sempre que não houver doador compatível disponível na família.
Parágrafo único. O órgão central do SNT poderá delegar a competência prevista no caput para
outro órgão do Ministério da Saúde ou para entidade pública vinculada a esse Ministério.
CAPITULO V
DO TRANSPLANTE OU DO ENXERTO
Seção I
Do Consentimento do Receptor
Art. 32. O transplante ou o enxerto somente será feito com o consentimento expresso do receptor,
após devidamente aconselhado sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento, por meio da
autorização a que se refere o § 2º.
§ 1º Na hipótese de o receptor ser juridicamente incapaz ou estar privado de meio de comunicação
oral ou escrita, o consentimento para a realização do transplante será dado pelo cônjuge, pelo
companheiro ou por parente consanguíneo ou afim, de maior idade e juridicamente capaz, na linha reta
ou colateral, até o quarto grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas
presentes na assinatura do termo.
§ 2º A autorização será aposta em documento que conterá as informações sobre o procedimento e as
perspectivas de êxito, insucesso e as possíveis sequelas e que serão transmitidas ao receptor ou, se for o
caso, às pessoas indicadas no § 1º.
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§ 3º Os riscos considerados aceitáveis pela equipe de transplante ou enxerto, em razão dos testes
aplicados ao doador, serão esclarecidos ao receptor ou às pessoas indicadas no § 1º, que poderão
assumi-los, mediante expressa concordância, aposta no documento referido no § 2º.
Seção II
Do Procedimento de Transplante ou Enxerto
Art. 33. Os transplantes somente poderão ser realizados em pacientes com doença progressiva ou
incapacitante e irreversível por outras técnicas terapêuticas.
Art. 34. A realização de transplantes ou enxertos de órgãos, tecidos, células e partes do corpo
humano somente será autorizada após a realização, no doador, dos testes estabelecidos pelas normas do
SNT, com vistas à segurança do receptor, especialmente quanto às infecções, às afecções
transmissíveis e às condições funcionais, segundo as normas complementares do Ministério da Saúde.
§ 1º As equipes de transplantes ou enxertos somente poderão realizá-los na hipótese de os exames
previstos neste artigo apresentarem resultados que indiquem relação de risco e benefício favorável ao
receptor, de acordo com o previsto na Seção I deste Capítulo.
§ 2º Não serão transplantados nem enxertados órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano de
portadores de doenças indicadas como critérios de exclusão absolutos em normas complementares do
SNT.
§ 3º Nos casos em que se aplique, o transplante dependerá, ainda, dos exames necessários à
verificação de compatibilidades sanguínea, imunogenética ou antropométrica com o organismo de
receptor inscrito na lista única de espera ou de outras situações definidas pelo SNT.
§ 4º A CET, ou a CNT nos casos em que se aplique, diante das informações relativas ao doador,
indicará a destinação dos órgãos, dos tecidos, das células e das partes do corpo humano removidos, em
estrita observância aos critérios de alocação estabelecidos em normas complementares do Ministério da
Saúde.
Art. 35. A alocação de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano prevista no § 4º do art. 34
observará os critérios de gravidade, compatibilidade, ordem de inscrição, distância, condições de
transporte, tempo estimado de deslocamento das equipes de retirada e do receptor selecionado e as
situações de urgência máxima.
Parágrafo único. Antes de iniciado o procedimento de transplante ou de enxerto, será exigido termo
de declaração, subscrito pelo médico responsável e pelo receptor ou por seu representante legal, em
que conste, de forma expressa, a inexistência de ônus financeiro para o receptor referente à doação do
órgão, do tecido, das células ou da parte do corpo humano, exceto aqueles referentes ao processamento,
nos casos em que se aplique.
Art. 36. Os pacientes que necessitarem de alotransplante de medula óssea e que não tenham doador
identificado na família serão mantidos em cadastro próprio, no qual os dados imunológicos serão
periodicamente comparados com o cadastro de doadores, em busca de doador compatível.
Art. 37. A seleção de um receptor em lista de espera não confere a ele ou a sua família direito
subjetivo à indenização caso o transplante não se realize devido a prejuízo nas condições dos órgãos,
dos tecidos, das células ou das partes que lhe seriam destinados provocado por acidente ou incidente
em seu transporte.
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Seção III
Dos Prontuários
Art. 38. Além das informações usuais e sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 3º da Lei nº 9.434,
de 1997, os prontuários conterão:
I - quando relacionados ao doador falecido, os laudos dos exames utilizados para a comprovação da
morte encefálica e para a verificação da viabilidade da utilização dos órgãos, dos tecidos, das células
ou das partes do corpo humano e o original ou a cópia autenticada dos documentos utilizados para a
sua identificação;
II - quando relacionados ao doador vivo, o resultado dos exames realizados para avaliar as
possibilidades de retirada e transplante de órgãos, tecidos, células ou partes do corpo humano e a
autorização do Poder Judiciário para a doação, quando for o caso, de acordo com o disposto no art. 28;
e
III - quando relacionados ao receptor, a prova de seu consentimento, na forma do art. 32, e a cópia
dos laudos dos exames previstos nos incisos I e II do caput.
Art. 39. Os prontuários com os dados especificados no art. 38 serão mantidos conforme previsão
legal.
CAPITULO VI
DOS DOADORES E DOS RECEPTORES ESTRANGEIROS
Art. 40. Os estrangeiros que vierem a falecer em solo brasileiro poderão ser doadores de órgãos,
tecidos, células e partes do corpo humano.
Parágrafo único. Aos potenciais doadores estrangeiros falecidos aplicam-se as mesmas exigências
referentes aos potenciais doadores brasileiros, especificadas no Capítulo III.
Art. 41. O estrangeiro poderá dispor de órgãos, tecidos, células e partes de seu corpo para serem
retirados em vida, para fins de transplantes ou enxerto em receptores cônjuges, companheiros ou
parentes até o quarto grau, na linha reta ou colateral, sejam estes brasileiros ou estrangeiros.
Parágrafo único. Aos potenciais doadores vivos estrangeiros aplicam-se as mesmas exigências
referentes aos potenciais doadores brasileiros, especificadas no Capítulo IV.
Art. 42. É vedada a realização de procedimento de transplante ou enxerto em potencial receptor
estrangeiro não residente no País, exceto nos casos de doação entre indivíduos vivos em que o doador
seja comprovadamente cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo do receptor até o quarto grau,
em linha reta ou colateral.
§ 1º É vedada a inclusão de potenciais receptores estrangeiros não residentes no País na lista de
espera para transplante ou enxerto de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano a seu favor,
provenientes de doadores falecidos, exceto se houver tratado internacional com promessa de
reciprocidade.
§ 2º Na hipótese de indicação aguda de transplante com risco de morte iminente em um potencial
receptor estrangeiro em que se verifique que a remoção para o seu país seja comprovadamente
impossível, o SNT poderá autorizar, em caráter excepcional, a sua inscrição em lista de espera para
transplante ou enxerto.
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§ 3º Fica vedado o financiamento do procedimento de transplante em estrangeiros não residentes
com recursos do SUS, exceto se houver tratado internacional com promessa de reciprocidade ou na
hipótese a que se refere o § 2º, sob autorização do órgão central do SNT.
CAPÍTULO VII
DO PLANO ESTADUAL DE DOAÇÃO E TRANSPLANTES
Art. 43. A CET deverá elaborar e aprovar o Plano Estadual de Doação e Transplantes, que será
submetido à homologação da Comissão Intergestores Bipartite - CIB.
Parágrafo único. O órgão central do SNT indicará, em normas complementares, os critérios para
elaboração do Plano referido no caput.
Art. 44. O Plano Estadual de Doação e Transplantes, após a homologação da CIB, será submetido à
aprovação do Ministério da Saúde, que emitirá parecer técnico conclusivo.
Art. 45. As alterações no Plano Estadual de Doação e Transplantes deverão ser submetidas à mesma
sistemática de homologação e aprovação previstas nos art. 43 e art. 44.
CAPITULO VIII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 46. O Ministério da Saúde fica autorizado a expedir instruções e regulamentos necessários à
aplicação do disposto neste Decreto.
Art. 47. É vedado o transplante de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano em receptor
não inscrito nos cadastros técnicos das CET.
Art. 48. É vedada a inscrição de receptor de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano em
mais de uma CET para o mesmo órgão, tecido, célula ou parte do corpo humano.
Art. 49. Caberá aos estabelecimentos de saúde e às equipes especializadas autorizados a execução
dos procedimentos médicos previstos neste Decreto que, no âmbito do SUS, serão remunerados
segundo os valores fixados em tabela aprovada pelo Ministério da Saúde.
Art. 50. É vedada a cobrança à família do potencial doador e ao receptor e sua família de quaisquer
dos procedimentos referentes à doação, observado o disposto no parágrafo único do art. 35.
Art. 51. É vedada a remuneração de serviços prestados, no âmbito do SUS, de procedimentos
relacionados a transplantes de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano doados, manipulados
ou não, cuja comprovação de eficácia clínica não seja reconhecida pelo Ministério da Saúde.
Art. 52. Na hipótese de doação post mortem, será resguardada a identidade dos doadores em relação
aos seus receptores e dos receptores em relação à família dos doadores.
Art. 53. É vedada a realização e a veiculação de publicidade nas seguintes situações:
I - para obter doador ou doadores de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano, vivos ou
falecidos, com vistas ao benefício de um receptor específico;
II - para divulgar estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos; e
III - para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em benefício de
particulares.
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Art. 54. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do SUS deverão adotar estratégias de
comunicação social, esclarecimento público e educação permanentes da população destinadas ao
estímulo à doação de órgãos.
Art. 55. O Ministério da Saúde poderá requisitar, em forma complementar ao estabelecido no inciso
V do caput do art. 8º, apoio à Força Aérea Brasileira para o transporte de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano até o local em que será feito o transplante.
§ 1º Para atender às requisições do Ministério da Saúde previstas no caput, a Força Aérea Brasileira
manterá permanentemente disponível, no mínimo, uma aeronave que servirá exclusivamente a esse
propósito.
§ 2º Em caso de necessidade, o Ministério da Saúde poderá requisitar aeronaves adicionais para fins
do disposto no caput e o atendimento a essas requisições fica condicionado à possibilidade operacional
da Força Aérea Brasileira.
§ 3º O disposto no caput não se aplica às situações passíveis de serem atendidas nos termos do
inciso V do caput do art. 8º ou da cooperação que as empresas de aviação civil, de forma voluntária e
gratuita, mantenham com o SNT para o transporte de órgãos, tecidos, células e partes do corpo
humano.
Art. 56. Fica revogado o Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997.
Art. 57. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de outubro de 2017; 196º da Independência e 129º da República.
MICHEL TEMER
Antonio Carlos Figueiredo Nardis
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de 19/10/2017
Publicação:
Diário Oficial da União - Seção 1 - 19/10/2017, Página 2 (Publicação Original)
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