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MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO
A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE
Trabalho de conclusao de curso, apresentado aUniversidade Tuiuti do Parana, como requisitoparcial para obten<;ao do grau de especialista.Orientador Professor Ooutor Henrique CunhaJunior.
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TERMO DE APROVAC;:AO
Marcolino Gomes de oliveira neto
A REPRESENTAC;:AO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE
Esla monografia foi julgada e aprovada para obten~ao do titulo de Especialisla em Hist6ria e CulturaAfricana e Afrobrasileira, Educa980 e Ayoes Afirmativas no Brasil. no Curso de Hist6ria e Cultura Africanae Afrobrasileira da Universidade Tuiuti do Parana e Instituto de Pesquisa da Afrodescend€mcia doParana.
Curitiba, 20 de fevereiro de 2008
CURSO: Historia e Cultura Africana e Afrobrasileira, Educavao e Ac;oes Afirmativas no
Brasil.
Universidade Tuiuti do Parana
Instituto de Pesquisa da Afrodescendencia do Parana
Orientador Prof. Dr. Henrique Cunha Junior
Universidade Federal do Ceara
Dedico esse trabalho aos nossos ancestrais pela fon;:a desafiadora de continuar
existindo numa sociedade que tentava, inutilmente, elimina-Ios ..
Para a mais forte e terna de todas as mulheres que conheyo ... Minha mae Ana, de
quem herdei a cor e a teimosia ... e para me us irmaos Maria, Mario, Maurindo, Luzia,
Mauricio e Marcio que tanto me apoiam, que tanto acreditam ..
Para minha sobrinha Kenia Adriana, dedicada e amorosa apesar da distancia ..
Para minha amiga de todas as horas e companheira de viagem Edimara Fagundes, por
tantos sorrisos, por tantos momentos felizes ...
Para Lena Garcia minha fada madrinha, doce e encantadora ..
Para Tania Lopes e Cristiane Brito por me ouvirem, par me chacoalharem, por me
ensinarem ..
Para Dona Neide, exemplo de sabedoria, amizade, determinayao, alegria ..
Para Cleusa, Fatima e Celso pelos momentos agradaveis na sala de aula, no bar, no
churrasco ..
Para Maria Evilma, pel a bondade, pel a alegria, pela amizade.. por isso sinto tanta
saudade ..
Para 0 IPAD pela iniciativa magistral de organizar este curso.
RESUMO
Este trabalho se prop6e a analisar como a negro e sua cultura sao representados na
arte paranaense, desde 0 inicio do seculo XIX ate a decada de 1950. Discute questoes
relacionadas a paUtica de embranquecimento e aD processo de invisibilizac;:ao do negro
na historia oficial do Parana. Esta pesquisa, total mente bibliografrca, exigiu tambem a
leitura e interpretaC;c30de algumas obras de arte. Concluimos que mesma diante de
uma sociedade racista, assentada em valores Gulturais e esteticos de matriz europeia, a
invisibilizac;ao, total, do negro nao ocorre de fato, estando sua imagem e sua cultura
presentes em obras de grande importancia para a arte paranaense.
Palavras-chave
Negro - embranquecimento - invisibiliza9ao - sociedade racista - arte paranaense.
SUMARIO
INTRODU9Ao ... . 9
1 - CURITIBA - A CAPITAL DA PRoviNCIA... . 10
2 - PANORAMA DAARTE PARANAENSE ATE A DECADA DE 1950 14
2.1 - Joao Pedro - 0 Mulato ..
2.2 - Mariano de Lima ..
2.3 - Alfredo Andersen ..
2.4 - 0 Paranismo ..
2.5 - Enfim 0 Expressionismo!..
3 - ERBO STENZEL..
4 - A PRA9A 19 DE DEZEMBRO ...
5 - 0 PAINEL DE DUAS FACES ..
5.1 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza ....
5.2 - Poty Lazzarotto ...
6 - 0 HOM EM - NEGRO - NU ..
7 - CONCLUsAo ..
8 - BIBLIOGRAFIA ..
. 14
.......17
. 19. .21
..... 23
. .25
. .28
. 29
....... 29. 35
. 38. .42
. .43
LlSTA DE FIGURAS
FIGURA 01 - Erbo Slenzel- Torso de Trabalhador. ...
FIGURA 02 - Erbo Stenzel - Agua Pro Morro ..
FIGURA 03 - Pra,a 19 de Dezembro - Vista parcial.
FIGURA 04 - Pra,a 19 de Dezembro - Vista parcial.
FIGURA 05 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- delalhe ..
FIGURA 06 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- detalhe ..
FIGURA 07 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- detalhe ..
FIGURA 08 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- detalhe ..
FIGURA 09 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- delalhe ..
FIGURA 10- Poly Lazzarotto - Painel- delalhe ..
FIGURA 11 - Poty Lazzarotto - Painel- detalhe ..
FIGURA 12 - Poty LazzaroUo - Painel- detalhe ..
FIGURA 13 - Poly LazzaroUo - Painel- detalhe ..
FIGURA 14 - Poty Lazzarotlo - Painel- detalhe ...
FIGURA 15 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - 0 Homem nu ..
.. .45
. .45
. .46.. .46
....47
. .47.....48
.. .48
.. 49
.. 49
...50
.. 50
.. 51
. 51
.. 52
FIGURA 16 - Miquerino e sua mulher- escultura egipcia 53
INTRODU<;:AO
Nessa intenC;:8o nesse texto e discutir como a populary8o negra se faz presente
na arte paranaense, desde 0 inicio do seculo XIX ate a decada de 1950, e como as
idea is de embranquecimento embutidas na politica de imigrac;:ao, subvencionada nurn
primeiro momento pelo Estado, contribuem para a promoC;:8o de sua invisibilizac;:ao.
Em primeiro lugar procuramos refJetir a respeite do processo de constrw;:ao de
uma imagem assemelhada a Europa e que procurava evidenciar indices de
desenvolvimento acima daqueles observados, de fato, na sociedade paranaense. Esse
desejo de modernizac;ao foi usado tambem para justificar a politica de imigraryao que
objetivava na verdade, sanear a trabalho e a populac;ao a partir da abertura de espa<;os
aos europeus e seus descendentes em detrimento de negros e mesti<;os.
Em segundo lugar analisamos os varios estagios da arte paranaense,
observando como ocorre a supervalorizagao de artistas estrangeiros ao mesmo tempo
em que se procura negar a existencia de artistas e personagens negros.
Finalmente nos atemos a obra do escultor Erbo Stenzel, que oscila entre a
reafirmagao de valores esteticos que contribuem para a invisibilizagao do negro e a sua
representagao positivada em obras de extrema importancia para a arte paranaense.
Entendemos par invisibilizagao a forma utilizada para "escamotear, invisibilizar, omitir
ou desqualificar as contribui<;oes cutturais, sociais e biol6gicas de povos que ajudaram
a construir a na9';0" (PEREIRA, 2001, p. 175) como acontece com a popula9';0 negra.
Essas discussoes servem de suporte para que possamos analisar de forma mais
adequada 0 monumento alusivo ao centenario de emancipagao politica do Parana onde
a arte ultrapassa os limites puramente esteticos e invade campos variados do
conhecimento humano, nos interessando em especial as narrativas s6cio-hist6ricas que
revelam as relag6es raciais estabelecidas em nossa sociedade desde 0 inicio da
coloniza<;ao.
Para que isso seja possivel e necessaria destacar que uma obra de arte pode
ser interpretada de diversas maneiras e usa-Ia para discutir rela<;oes racials nos parece
oportuno por conta do momenta politico em que esta inscrita, 0 que nao significa que
estejamos analisando a forma de pensar e agir do artista, ainda que isso ocorra em
algumas situagoes bern especificas.
10
Quando discutimos rela<;oes faciais utilizamos 0 conceito de raga "nao em
sentido bio16gico, mas 8im como urn indicador de origens e trajet6rias historicas
comuns" (BRANOAO, 2003, p. 19) que interferem na estrutura das rela90es sociais.
A metodologia utilizada envolve duas etapas. A primeira e a analise s6cio-
hist6rica que procura compreender como 58 constr6i a valorizac;ao da cultura e da
estetica de matriz europeia e como ela interfere na produyao artistica paranaense
promovendo a invisibilizac;ao do negro e/ou sua cultura. A segunda e a interpretat;c30 e
reinterpretayao de valores simb61icos contidos no monumento acima citado, por serem
capazes de revelar formas ideo16gicas de dominac;c3o e resistemcia.
1 - CURITIBA - A CAPITAL DA PRoviNCIA
A fundaltao da capital paranaense, Curitiba, atribuida a Ebano Pereira, data de
1654.
Elevada a capital da provincia em 1853 ganhou importancia que ate entao nao
tinha, sendo Paranagua a principal cidade. A inaugurac;:ao da estrada ferro, projeto
inicial de Antonio Rebouc;:as, em 1885 ligando Curitiba ao litoral, proporcionou um
aumento significativo da populac;:ao e alterou 0 ritmo da pacata cidade. Ja em 1900
possuia uma populac;:ao estimada em 35 mil habitantes, pelos calculos de Sebastiao
Parana. Romario Martins acreditava que havia um numero maior de moradores e
afirmava que a populac;:ao de Curitiba naquele momento era de exatos 49.755
habitantes. Apesar da diferenc;:a numerica ambos concordam que esse aumento
populacional estava associado a politica de imigrac;:ao do governo federal.
Nestor Vitor, escritor em atividade na capital paranaense no inicio do seculo XX
descreveu a chegada dos europeus com um encantamento exagerado. De acordo com
ele "a influencia foi toda benefica, os colonos criaram dentro em pouco a pequena
lavoura nos arredores de Curitiba, abastecendo fartamente 0 mercado de milho, batata,
frutas, avos eaves" (1996, p. 71).
A agricultura, praticada ha muito por indigenas e negros. africanos ou nascido
no Brasil, livres ou escravizados, tem sua criac;:ao atribuida ao imigrante europeu que
II
tambem teria a poder de alterar 0 comercio local. as produtos agricolas que cultivavam,
ainda que naD fossem novidades, sao assim apresentados.
o modelo civilizador europeu, bastante discutido naquele momento, ganhava as
paginas dos jornais e era vista como urn mecanismo necessaria para 0
desenvolvimento do pais.
Em 20 de oulubro de 1886, 0 jornal Echo Paranaense, publicado em portugues e
alemao, defendia a imi9ra~ao como soluc;ao de numerosos problemas que dependiam
da reorganizac;ao do trabalho. Atacava 0 sistema escravocrata imputando ao negro, ao
indigena e a seus descendentes a responsabilidade pelo atraso dominante na capital
da provincia afirmando ser fundamental a importar;ao de elementos ethinicos para
retemperar nossa raya. Qutros peri6dicos seguiam a mesma linha editorial. como a Oer
Pioner, publicado em portugues e alemao desde 1881 e engrossava 0 coro dos
desconlenles com 0 regime escravocrala (OLIVEIRA NT., 2001).
E necessario destacar que a conceito de ra~a defendido par esses jornais girava
em torno das ideias racistas difundidas pelo botanico sueco Carolus Linaeus - criador
do atual sistema de classifica~ao dos seres vivos - que deu 0 nome de Homo Sapiens
a humanidade e a dividiu em quatro subespecies: os vermelhos americanos, geniosos,
despreocupados e livres; os amarelos asiaticos, severos e ambiciosos; os negros
africanos, ardilosos e irrefletidos; os brancos europe us, evidentemente, ativos,
inleligenles e engenhosos (KENSKI, 2003, p, 44). Assim, 0 que prelendiam na verdade
era a implanta~ao de um sistema em que fossem garantidos maiores espa~os para 0
imigrante europeu e eliminasse a popula~ao negra que era vista como sin6nimo de
atraso.
Na medida em que nos aproximamos do final do regime escravocrata,
percebemos urn aumento substancial no numero de imigrantes, vindos de varias partes
da Europa. Ao contra rio da popula~ao negra conseguiam espa~os ern todos os setores
da sociedade, mesmo sem qualificagc30 profissional. Os alemaes, par exemplo,
dominaram 0 comercio e a industria e conseguiram impor um estilo arquitet6nico
praticado por antigos pedreiros, ja que nao havia entre eles arquitetos au engenheiros e
fundaram escolas e clubes, proibidos aos brasileiros. Outras col6nias (ucranianas,
polonesas e italianas) tambem exercitavam a xenofobia em nome da preservagao de
12
tradi90es de seus paises de origem, como a culinaria, 0 idioma e praticas religiosas.
Para Trindade e Andreazza uera uma forma de recriar a vida social que deixaram na
Europa" (2001. p. 57).
o racismo praticado par esses imigrantes, baseado na leoria que sustenta a
superioridade de certas rayas em relayao a outras (BERND, 1994, p. 11). foi
naturalizado e reproduzido pela maiaria de nOSSDS pesquisadores. Ao descrever a
com un ida de alema, Viter nos dc'l uma ideia de como as col6nias de origem europeia se
relacionavam com a sociedade paranaense:
"Era raro ver-se ale urn simples filho de alemaes, jil nascido no Brasil, aliar-5e a urna moya
brasileira. Eles 56 liam jernais impressos em tipos g6ticos: pUblicavam-se uns Quantosdesses em
Curitiba. As crianyas 56 frequenlavam colegios germanicos, onde nao havia 0 ensino de
portugues. Assim, bem comumente, velhos imigrantes, que ja estavam naquela terra havia
dezenas de anos, mal podiam expressar alguma coisa em nossa lingua, e ate rapazes e moryas
de sua prole falavam portugues com muila imperfeiC;ao e deficiencia" (1996, p. n).
Em 1920 Romario Martins, em seu livro "Curytiba de Outror'a e de Hoje", mais de
cern anos depois da chegada dos primeiros imigrantes, tam bern constatava que havia
uma grande resistemcia, por parte dos colon os europeus e seus descendentes, em
rela9ao a popula9ao brasileira, pOis recusavam 0 "cruzamento" com os tipos locais.
Como conseqCu§ncia, 0 fechamento dessas col6nias impediu 0 desenvolvimento
de elementos culturais caracteristicos, principalmente na capital paranaense e
adjacencias. Em contra partida as manifestac;6es culturais de origem africana, como 0
batuque, 0 jogo de capoeira e as congadas, weram dura mente reprimidas pel as
Camaras Municipais a medida que proporcionavam ajuntamento de escravos"
(TRINDADE; ANDREAZZA, 2001. p.45). Considerando que 0 ataque a toda e qualquer
manifestac;ao publica de cultura negra continuou no periodo que sucede a assinatura da
Lei Aurea, entendemos que essa repressao objetivava impedir a difusao de uma cultura
considerada inferior em relac;ao ao modelo europeu.
A ac;ao do estado para eliminar 0 negro da sociedade paranaense contou com a
ajuda de artistas e pesquisadores, que procuraram ao longo do seculo XX, reduzir sua
participa930 na historia oficial do estado a condi9ao de escravizado. Por outro lado, 0
13
merito da suposta modernizac;ao do estado do Parana e todo dos pobres imigrantes
europeus que Ucontribuiam de forma peculiar para a constrw;30 de uma nova forma de
viver urbano que iria caracterizar 0 cotidiano dos paranaenses na virada do seculoH
(TRINDADE; ANDREAZZA, p. 60).
o esfon;o em criar uma imagem positiva desses imigrantes procurava, entre
Qutras caisas, justificar as investimentos federais na pOlitica de imigraC;3o que tinha
como objetivo principal embranquecer 0 pais. Nadalin explica que havia uma "receita
para 0 progresso, via introduC;3o do imigrante branco, livre, pacifico e trabalhador,
capaz de ajudar a apurar e 'tonificar' - leia-s8 branquear - tanto a 'ral(a' brasileira como
o trabalho" (2001, p. 74). Esse embranquecimento, alem da popula~ao negra,
procurava eliminar trac;:os culturais relacionados a ela. Como afirma Reis, "para destruir
um povo, nao e necessaria matar cada uma das pessoas que a formam, e suficiente
desmoralizar sua cultura" (2002, p. 18).
o desenvolvimento pretend ida pel a cidade de Curitiba e pelo restante da
provincia contribuiu para que perdesse as ares de aldeia, de vila. Nestor Victor se
assusta em 1912 com "uma verdadeira multidao de gente que nao sabemos quem seja,
quando a quinze annes atraz eram poucos as transeuntes aqui que ao menos nao
conhecessemos de vista" (1995).
E evidente que a conceito de multidao apresentado pelo autor difere do conceito
atual, mas assim mesmo existe urn certo exagero ao descrever a populac;:ao que circula
pelas ruas de Curitiba. Para Angela Brandao a que acontece aqui e antecipac;:ao de
uma transformac;:ao que s6 aconteceria de fato anos mais tarde. Ou seja, a desejo de
modernizac;:ao faz com que a cidade exalte aquilo que tern ou acredita ter de moderno,
de urbano, de progresso (1994, p. 90-91).
Ainda que a processo de modernizac;:ao da capital paranaense apresente indices
rna is modestos de desenvolvimento do que aqueles pretendidos por Nestor Vitor, de
fato ele ocorre e incide na valorizac;:ao dos irn6veis e terrenos do peri metro urbano e "os
pobres e as sapos VaG indo cada vez mais para lange" (1996, p.91). Pobres e sapos
sao colocados num nivel extremo de inferioridade e por isso mesmo podiam ser
escorrac;:ados sem que ninguem Ihes acudissern. Se pensarmos que a populac;:ao negra
nao foi contemplada com nenhuma polftica publica que a inserisse na sociedade,
I;'~~""I§:~ %\f;; eHJ'''··r~:.; ::.;VC;'~7
14
especial mente no periodo seguinte a assinatura da Lei Aurea, certamente e ela que
comp6e 0 grupo de pobres de que fala Victor.
Bonde, luz eh~trica, ruas pavimentadas e algumas industrias, nao alterarn a
caracteristica agricola do Parana e nas decadas de 1930 e 1940 0 estado S9 esfor9<!
para se lornar 0 maior produtor de cafe e na decada de 1960 responde p~r 52% da
produtyc3o nadona!. Ainda que esse produto fosse cultivado na Etiopia hili seculos, sao
as irnigrantes italianos que recebem as creditos pela introdu93o de tecnicas de seu
cultivo que incidem na expansao da economia paranaense.
Ao assumir seu potencial agricola 0 Parana promove urn cresci menta
populacional de proport.;oes imensas e passa de 685.000 habitantes em 1920 para
2.115.000 em 1950.
No campo das artes plasticas as mudan9as ocorrem mais lentamente e nao
acompanham a ritmo de centros maio res, apesar de um numero razoavel de artistas se
deslocarem com certa regularidade para a Europa e Rio de Janeiro a fim de se
manterem "atualizados".
2 - PANORAMA DA ARTE PARANAENSE ATE A DEC ADA DE 1950
2.1 - JOAO PEDRO - 0 MULATO
A historia da arte paranaense come~a a ser escrita em 1807 em Curitiba par urn
artista negro: Joao Pedro - 0 mulato. Para Adalice Araujo, falando a Millarch (1986),
ele e a primeiro "artista paranaense que se tern noticia".
Essa afirma~ao, tambam e feita pelo professor Newton Carneiro em 1975 no livro
"0 Parana e a Caricatura" que ainda reivindicava para Joao Pedro a titulo de primeiro
caricaturista brasileiro. Apesar da importancia desse trabalho, pouca coisa mudou apos
a sua publica~ao e a silencio em torno da obra de Joao Pedro, tambem denunciado na
epoca, permaneceu. Assim, para discorrer a respeito dele vamos utilizar somente a
obra de Carneiro.
De acordo com 0 pesquisador, 0 artista seria natural de Curitiba, porem nada se
sa be a respeito de seu nascimento e de sua familia ou de como se deu seu
aprendizado. Como Curitiba era uma pequena vila naquele periodo, nao dispunha de
professores de desenho au pintura e nenhum estabelecimento que comercializasse
15
materials artisticos. Essa situac;ao nos leva a crer que Joao Pedro tivesse que se
deslocar para centros mais urbanizados para que pudesse desenvolver seu trabalho.
Algumas pinturas retratando cenas de Santa Catarina e do Rio de Janeiro,
inclusive urn baile na Corte de O. Joao VI, podem confirmar essa teoria. Nessa fase
Joao Pedro "abandona 0 sentido caricatural para conferir a sua produc;:ao intuito
unieamente ilustrativo" (1975, p. 25).
Essas obras fcram localizadas em Portugal em 1966 e fizeram parte do acervo
do Visconde de Vieiros. Provavelmente outras assinadas per Joao Pedro foram
encaminhadas a Europa, pois contava com 0 apoio do Conde da Barca, uma especie
de Ministro das Relac;6es Exteriores da epoca e que tambem organizou a Missao
Artistica Francesa em 1816. Essa aproxima9ao com personalidade tao ilustre atesta a
reconhecimento de seu talento por seus contemporaneos, porem a mesmo nao
aconteceu apos a sua morte uma vez que caiu no esquecimento.
Carneiro diz que "0 silt§ncio completo em torno do jovem artista" esta associado a
"acirrada disputa entre as artistas portugueses e os componentes da Missao Lebreton
que praticamente marginalizou as elementos nacionais" (1975, p.27) no periodo
posterior a proclama9ao da independencia do Brasil.
Concordamos com a autor no que refere a marginaliza9ao dos elementos
nacionais, porem acreditamos que ela esta associ ada a politica de embranquecimento
implantada no pais logo apos a proclama9ao da independencia em 1822, que tinha
como meta eliminar do territorio nacional a popula9ao negra e sua cultura atraves do
estimulo a imigra9ao europeia. Assim, Uo Brasil que se queria formar, livre e de
cidadaos brancos" (pessanha, 2007, p.21) procurava destacar os pontos positivos das
a90es relacionadas aos imigrantes, ocorrendo justamente 0 contrario com os negros
e/ou seus descendentes.
Por integrar justamente a popula9ao indesejada pela sociedade brasileira, Joao
Pedro - 0 Mulato, acabou esquecido par nossos pesquisadores que demonstram urn
interesse muito maior pelos artistas de origem europeia. Para muitos autares, a historia
da arte paranaense tem inicio com a chegada do pintar alemao Frederico Virmond, na
cidade da Lapa par volta de 1833. Eo que sugere Fernando Bini ao afirmar que
16
"afora as obras deixadas pelos Jesuitas das redU(;:6es. a arte indigena que mutto pauee
interessou ao colonizador. au entao a arquitetura e 0 urbanismo de Paranagua - nada mais se
conhece da prodw;;:ao artfstica do Parana antes do inrdo da imigrat;:a.o" (1986, p. 39).
A arte indigena e a arquitetura Parnanguara, esta associada ao trabalho de
escravizados negros, sao reconhecidas como manifestayoes artlsticas, mas naa
chamam a atenc;ao do autor que justifica seu ponto de vista atraves do pouco casa do
colonizador para com elas.
Seguindo essa mesma linha de raciocinio, Carlos Rubens entende que 0
conhecimento e a arte sao proprios dos brancos europeus, justamente 0 oposto dos
negros, africanos ou nascidos no Brasil, destituidos de qualquer bem cultural: "nos
tempos coloniais, foram alguns senhores que mandaram escravos ou crias buscar
canhecimentas na Reina" (1995, p. 10).
"Crian de acordo com 0 Novo Dicionario da Lingua Portuguesa e 0 animal que
ainda mama au pessoa, em geral pobre, criada em casa de outrem (Ferreira,
199411995, p. 186). Assim, pademas campreender qual a visaa da autar em relagaa apapulac;:ao negra e par isso mesmo precisavam da interferencia e da bondade do
branco para possibilitar 0 acessa ao conhecimento ariginario da Europa. Sem essas
ac;:6es, os negros nao teriam possibilidades de ascensao artistica e cultural e
continuariam num nivel de desenvalvimento proximo ao de um animal. Par outro lado 0
autar coloca a sociedade brasileira numa situac;:ao de inferioridade quando comparada
com a europeia e incapaz de civilizar artisticamente essa papulac;:ao negra.
Rubens e a bi6grafo "oficialn do pintor noruegues radicado no Parana Alfredo
Andersen e afirma que antes de sua chegada em 1893 0 Parana permanecia entre os
estados sem arte, e toda produc;:ao artistica conhecida ate entao era uma demonstrac;:ao
de hastilidade a inteligencia (1995, p. 12).
Outro autar que comec;a escrever a hist6ria da arte paranaense a partir da
chegada de Frederico Virmond e Teixeira Leite que data sua chegada em 1818 (1988,
p. 529), a que representa uma diferenga de 15 anas em relagao as afirmagoes de
Fernando Bini, embora concorde com a ideia de arte associada ao continente europeu.
Entre as decadas de 1840 e 1850 os registros que mostram a atividade artistica
paranaense se resumem a presenl'a dos pintores norte-americanos John Henri Elliot,
17
Jessica James e a sua filha Willie James e a pintora parnanguara Iria Correia.
Justamente no periodo que coincide com a emancipa9ao po1itica do Parana do estado
de Sao Paulo em 1853, hi! urn vacuo nos registros das atividades artisticas e somente
a partir de 1884 e que serao registradas as presenc;:as de artistas plasticos em atividade
no estado.
Como afirmamos anteriormente hi! urn interesse declarado de nassos
pesquisadores na arte enos artistas de origem europeia e podemos considerar a
possibilidade de nao registrarem determinados fatas propositadamente.
2.2 - MARIANO DE LIMA
A chegada do pintor e cenografo portugues Antonio Mariano de Lima a Curitiba
em 1886 foi decisiva para dar inicio a uma produyao artistica regular na entao capital da
provincia. 0 modo acolhedor como foi recebido pela sociedade local e a aceitac;ao de
seu trabalho, fez com que se decidisse a fixar residencia em Curitiba e a criar uma
Escola de Belas Artes e Industrias nos mesmos moldes da Academia Imperial de Belas
Artes do Rio de Janeiro.
A fundac;ao de sua escola aconteceu em 22 de julho de 1886 e contou com a
adesao de um numero surpreendente de interessados: 61 rapazes e 38 moc;as, num
total de 99 pessoas. Com tamanha aceitac;ao, a inaugurac;ao oficial em janeiro de 1887
reuniu as principais autoridades locais, inclusive a presidente da provincia Dr. Joaquim
de Almeida Faria Sobrinho.
Os interesses pela escola eram variados e muitos alunos tinham a oportunidade
real de uma qualificac;ao profissional atraves dos cursos de desenho aplicado, prendas
domesticas, mecanica, marcenaria, tipografia, litografia, fotografia, funilaria e
encadernac;ao. Para as autoridades locais a escola era sin6nimo de progresso, ja que
Curitiba era depois do Rio de Janeiro e de Salvador, a (lnica capital a adotar esse tipo
de ensino.
Apesar da destacada inaugurac;ao, a escola funcionou com grandes dificuldades,
pais a estado deixou de cumprir sua parte no acordo e nao repassava as verbas
prometidas.
18
Alem de dirigir a Escola de Belas Artes e Industrias, Mariano de Lima tambem
ocupava 0 cargo de professor e pintava retratos par encomenda. Sua atividade artistica
nao deve ter impressionado seus alunos, pois foi incapaz de formar seguidores. Sua
importancia para a arte paranaense reside exatamente na abertura dos caminhos Que
serao percorridos pelas gera,6es seguintes. Ate sua chegada nao havia pradu,aaartistica regular, sendo caracteristica da arte paranaense manifestayoes isoladas, e ate
mesma individuais, como foi 0 casa de Joao Pedro - 0 Mulato em Curitiba e Frederico
Virmond na Lapa.
Sem a influencia do rigor academico dos artistas ligados a Escola Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro, a arte paranaense desenvolveu-se mais livremente. Epassivel que essa liberdade tivesse origem nas deficiemcias tecnicas do professor
Mariano de Lima e a que seria um grande problema possibilitou aos nossos artistas
uma aproximayao mais rapida com as escolas modernistas. Ja no inicio da decada de
1920 muitos artistas dialogavam com a expressionismo.
Em 1900 a professor Mariano de Lima deixou Curitiba com destino a Manaus
cedendo as press6es que vinha sofrendo, inexplicavelmente, por parte do artista
plastico e crilico de arte Paulo Assun9ao que a partir de 1893 passou a investir contra a
escola e seus alunos. A campanha difamat6ria procurava atingir Mariano de Lima que
resistiu a quanta pode. Administrada par sua esposa Maria de Aguiar Lima, a Dona
Mariquinha, a Escola funcionou ate 1906 quando foi fechada definitivamente.
Nessa epoca a pintor noruegues Alfredo Andersen ja vi via e trabalhava em
Curitiba depois de passar 10 anos em Paranagua. Nao sabemos exatamente a data de
sua chegada, se em 1902 au 1903. Antes, em 1893 havia visitado Curitiba e a escola
do professor Mariano de Lima on de encontrou "as classes cheias de alunos, crian9as
m09as, rapazes e homens tad as trabalhando na melhor ordem. Esta breve visita fez de
mim um admirador do Parana progressistan (Parana, 1988, p. 29).
A ideia de arte como sin6nimo de civilidade, desde que associ ada a um ensino
formal e sistematizado, corrente no continente europeu, ganhava adeptos no Parana e
esse era a posicionamento de Andersen ao perceber na escola de Mariano de Lima
indicadores de um progresso que se anunciava com a auxilio de um estabelecimento
de ensino.
19
Nessa escola, provavelmente, 56 encontrou estudantes brancos, ja que as leis
em vigor naquele periodo dificultavam a acesso de negros, situa<;8o bern diferente
observada em diversos locais, ande a presenya do imigrante era tarnbam propulsora da
cria<;ao de escolas publicas (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001, p. 82) numa clara
demonstrayao do estado em promover sua politica de embranquecimento baseada nas
ideias de que ~os imigrantes simbolizavam a prosperidade econ6mica e social, pois
possuiam as virtudes necessarias ao regime de Irabalho livre" (PESSANHA, 2005, p.
21).
2.3 - ALFREDO ANDERSEN
Andersen nasceu na Noruega, mas come90u a escrever sua historia como artista
em Oslo, Suiya, quando passou a ter aulas com 0 pintor e decorador Wilhelm Krogh.
Aos 19 anos, em 1879 e aceito na Academia Real de Belas Artes de Copenhague,
Dinamarca. Inconformado com 0 metodo de ensino, abandona a escola e volta para
Oslo. Aos 29 anos ja tern uma carreira consolidada tanto como pintar quanta como
critico de arte. Aos 31, inicia uma longa viagem estando no Mexico, Barbados e pela
primeira vez no Brasil. De volta a Europa fixa residencia na Inglaterra onde estuda
tecnicas de desenho de retrato. Em 1893, quando tinha 33 anos desembarca
definitivamente em Paranagua, onde permanece par aproximadamente 10 anos.
A chegada de Alfredo Andersen a Curitiba coincide com 0 periodo em que a
capital paranaense se esforya em destacar suas semelhanyas com 0 continente
europeu. 0 clima, a paisagem, a arquitetura, a culinaria, a luz eh~trica, 0 bonde, a
fotografia, 0 fon6grafo e tudo 0 mais que pudesse ser associado a Europa era
evidenciado, contribuindo enormemente para a aceitay30 do artista e sua obra. A
imprensa, par exemplo, destacava com entusiasmo a presenya constante, desde as
primeiros anos do seculo XX, de cantores ifricos, danyarinos e magicos, vindos da
Alemanha, Italia, Franya, Turquia ~alem das apresentayoes de 6peras famosas e de
can<;6es de varios lugares do mundo" (BRANDAO, 1995, p. 63).
Embora seja possivel encontrar autores que Ihe conferem atribuiyoes
academicas, Andersen esta muito distante dessa escola. Por mais que suas
composiyoes obedeyam a certas regras de organizay3o, algumas vezes bastante
20
classicas, a desenho pareee nao preocupa-Io realmente. Suas pinceladas geralmente
sao saltas, muito a vontade, tendendo para as escolas modernistas. Pintou retratos,
paisagens, cenas de genera.. No entanto, era como professor de pintura que
conseguia as rendimentos necessarios para sustentar a si e a sua familia.
Classificado como urn pintar ech~tico par Justina (1986, p. 70) par tatear diversas
linguagens, acabou nao se impondo par nenhuma. Procurava estar atento ao que
acontecia na Europa e insistia para que seus alunos viajassem par Iii a fim de terem urn
desenvolvimento maior.
Esse apego a estetica europeia naD era consenso entre as artistas e muitos
consideravam uma forma de subserviencia e propunham urn rom pimento as influencias
externas. Os primeiros a se rebelarem contra a insistente valorizac;:ao do modelo
europeu pregada par Andersen foram dois de seus discipulos: Lange de Morretes e
Joao Ghelfi que, ao lado de Joao Turin, par volta de 1926, Criaram um movimento
chamado Paranismo.
2.2 - 0 PARANISMO
o Parana existia geograficamente, porem procurava caminhos para estruturar~se
enquanto povo. Brasil Pinheiro Machado dizia que poderia afirmar sem medo de errar
por muito que a paranaense nao existe. 0 paranaense nao existe no complexo
brasileiro. Assim a Paranismo, alem de construir um movimento artistico procurava criar
a identidade de uma populac;:c3o que ate entao se esforc;:ava para evitar uma possivel
"miscigenac;:ao~ racial e cultural observada em outras partes do pais (OLIVEIRA NT.,
2001).
Por acreditar que 0 Parana nao possuia elementos culturais caracteristicos -
culinaria, artesanato, danc;:as, folguedos, etc. - levou as paranistas a utilizar elementos
da fauna e da flora para criar icones que as representassem. A Araucaria, arvore
simbolo do estado, ha tempos reinando absoluta na preferencia dos paisagistas,
tornou-se a elemento mais representativo desse movimento. Explorada exaustivamente,
par pintores e escultores, foi transformada tambem em col una, sendo a capitel
decorado por suas folhas e frulos.
21
o Movimento Paranista nao significou de fato 0 rom pimento com a estetica
europeia. Oesconsiderando-se a tematica - que nao era novidade - continuava-se com
a mesma arte subordinada e andersista. Alem do rnais a que aconteceu de fato foi a
reuniao de urn pequeno grupo de artistas radicados em Curitiba que nao conhecia,
profundamente, 0 estado do Parana. Alexandre Krasinski, citado par Oliveira Neto,
afirma que ~tivemos na verdade urn Curitibanismo. Tomaram pinha-pinhao-pinheiro
como simbolo, legitimando-o como paranaense" (2001).
o que Krasinski diz e que a eleiyao do pinheiro como simbolo contradiz 0 proprio
ideal defend ida pelos paranistas que era a regionaliza~ao de suas produ~oes. Ou seja,
ao advogar par sua aceitay80, pregavam urn certo estrangeirismo as regioes do estado
onde esla especie nao existia.
A adoc;ao do pinheiro como simbolo, objetivava tam bern contrapor a ideia de que
o norte do estado, com sua economia cafeeira, era urn prolongamento do estado de
Sao Paulo. Em 1927 Romario Martins tentava organizar a Paranismo numa especie de
associaC;ao e explicava que ~Paranista" era a termo utilizado pelos migrantes paulistas
para se referir aos nascidos no Parana. De acordo com Martins a primeiro registro
escrito desse vocabulo data de 1906 e fol definldo como "natural e amigo do Parana,
esfor~ado pelo progresso, prestigio e integridade paranjsta" (MARTINS, 1927).
o desejo de constituir uma soeiedade moderna tam bern era observado entre os
paranistas e passou a ser tratado como uma especie de pre-requisito para juntar-se ao
movimento. 0 crilieo de arte Jurandyr Manfredini, provavelmente movido par esse
desejo, escreveu uma especie de Manifesto Paranista:
"Matemos 0 espirito academical Apedrejemos esse lIerme que anda apedrejando a nossa
inleleclualidade em sua necr6pole de mumias!1... Sejamos nOllos! Oxigenemos a nossa arte!
Injetemos-Ihe 0 segredo da jUllenta! lmponhamos a estetica brasileira 0 postulado da liberdade.
Liberdade absoluta ... ".
( ... ) Cada um erie a sua propria arte, uma arte que nao seja escralla dos moldes, que nao se
atapete as conllenyOes, que nao se enquadre as peias da tradiy80 "(PARANA, 1980, p.34)".
Assim como a Paranismo, seu manifesto tambern carece de maturidade. Eapaixonado, porem ingenuo porque acredita na possibilidade de transformac;ao
22
imediata da arte paranaense. E como se as artistas fassem dotados de poderes
especiais e capazes de abandonar urna linguagem e adotar outra de forma espontanea,
sem passar par um processo de transig8o. Em alguns momentos 0 autar utiliza termos
proprios de urna guerra como "matemos" e "apedrejemos" e assume a postura de um
comandante ao ordenar a Criay800de uma arte pr6pria, livre de qualquer convenc;ao.
Menos inflamado, Joao Turin fevela ao jarnal Gazeta do pavo em 19 de outubro
de 1926 a "necessidade de deixarmos de copiar servilmente 0 que ficou para tras, ista
e, 0 passado, a Europa portanto .. Somas um pavo novo, em formac;ao e devemos
cantar eoisas nassas, do nossa pave, da nossa historia, dos nassas costumes, da
nossa natureza .. Nao esquelfamos que para renovar e precise cultura, muita cultura~
(OLIVEIRA NT. 2001).
A devolf80 a Europa e a fidelidade aos modelos antigos eram apontados como
os responsaveis pela estagnalf80 da recem-nascida arte paranaense. A ruptura
proposta par Turin era uma tentativa de aproximalfao com a modern ida de e mais uma
vez nos deparamos com uma situalfao bastante contraditoria.
o proprio Turin afirrnava que 0 paranaense era um povo em farmalfao, logo sem
tradilfoes. Mesmo assim defendia a ideia de que era preciso cantar seus costumes e
sua historia, dando a impressao que 0 modelo civilizador adotado nao era 0 europeu.
o esforlfo em romper com a estetica europeia esbarrava na falta de outros
modelos, uma vez que a sociedade paranaense, principalmente na regiao de Curitiba
havia se esforyado em apagar tralfos da cultura indigena e africana por considera-Ias
de segunda classe.
Apesar do Movimento Paranista ter tido uma existencia bastante curta serviu
para suscitar discussoes a respeito do destino da arte paranaense e sua submissao ao
continente europeu, embera nao apontasse para lade nenhum. Mesmo assim
possibilitou uma aproximay8o real com linguagens mais avanlfadas e artistas rna is
ousados como Guido Viaro puderam trabalhar mais livremente.
2.3 - ENFIM 0 EXPRESSIONISMO!
o italiano Viaro chegou a Curitiba em 1928 e e 0 primeiro pintar a retratar de
forma regular personagens negros, ainda que numa proporlfao bern menar em relalfao
23
aos persona gens brancos. Bastante consciente da pintura que fazia, em 1930 procurou
o jarnal Gazeta do Povo para explicar que participava do movimento de arte moderna
italiana.
Qutros artistas foram se rendendo a estetica expressionista enos an os quarenta
e5sa linguagem suscitava acaloradas dlscuss6es, mas ja era realidade na obra de
muitos, como Theodora de Bona, Poty Lazzaratto, Lange de Morretes, Miguel Bakun e
Violeta Franco.
Apesar do interesse desses artistas pela estetica expressionista, a problematica
social ficava a margem e sao POUCDS as exemplos daqueles que procuraram discutir
essas quest6es, havendo uma predile~ao par paisagens, naturezas mortas e retratos.
De acordo com Justina, seria porque nao vivemos as horrores da guerra, como as
alemaes, e dai um expressionismo ate alegre (1986).
A consolida~ao do expressionismo coincide com a cria~ao do Sa lao Paranaense
de Belas Artes em 1944, com a funda9ao da revista Joaquim - dedicada a discutir arte
e cultura - em 1945 e com a inaugura~ao da Escola de Musica e Belas Artes do Parana
em 1948, primeira institui~ao de nivel superior vonada exclusivamente para 0 ensino da
arte. 0 interessante e que todas essas a~6es acabam convergindo para uma unica
dire~ao, favorecendo a manuten~ao dos mesmos valores elitistas e preconceituosos
observados ate entao.
Enquanto artistas ligados as escolas modernistas no Rio de Janeiro e Sao Paulo
dialogam de forma constante com a cultura popular - porque percebem que este e 0
caminho para a emancipa~ao da arte brasileira - Curitiba se mantem it margem dessas
discussoes e se contenta com uma produ9ao que revela caracteristicas expressionistas
e abstratas, ainda sem cortar, verdadeiramente, 0 cordao umbilical que a ligava a
Europa.
A cultura popular era, para os modernistas, onde a tao desejada brasilidade se
apresentava de forma plena. Nas festas populares, na culinaria enos ritos religiosos
era possivel identificar elementos culturais de origens variadas. Essa tambem foi a
porta de entrada para a estetica afro-brasileira nas artes plasticas. Artistas como
Ojanira, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti nao se acanharam em utiliza-Ia,
24
ainda que em algumas situac;:6es repetissem visoes estereotipadas a respeito da
populagao negra.
Esses fatas ainda permanecem a margem da historia da arie brasileira, pois, de
fato, sao poucos os autores que se preocupam em analisar uma obra de arte a partir
das varias matrizes culturais que formam 0 pais. Muitas das analises a respeito da arte
moderna, par exempla, destaca sua estreita relac;:ao com a cultura popular, mas comete
o equivoco de tratar essas manifestac;6es de forma homogenea, 0 que para nos e uma
das muitas estrategias para silenciar 0 negro e sua cultura.
No Parana a realidade e muito parecida, e caracteristicas que apontam para urn
dialogo entre arie e cultura afro-brasileira simplesmente sao ignoradas. E 0 que
acontece com a obra de Erbo Stenzel, urn escultor curitibano que introduziu ern seu
trabalho, de forma recorrente, varios personagens negros.
3 - ERBO STENZEL
Erbo Stenzel nasceu em Curitiba em 1911. Ainda menino demonstrava grande
interesse pela arte e aos 12 anos ja freqOentava a atelier de Lange de Morretes onde se
exercitava no desenho. Na decada de 1930 recebeu as primeiras li.y6es de escultura
com a mestre e amigo Joao Turin. Aprendeu como trabalhar a arglla e 0 gesso e a usar
a buri!. Como nao havia em Curitiba uma escola onde pudesse desenvolver seu grande
talento de escultor, em 1939 transferiu-se para a Rio de Janeiro para estudar na Escola
Nacional de Belas Artes. Sua viagem de estudo come.you a ser articulada em 1938 com
a ajuda de alguns admiradores e amigos - Theodoro de Bona, Lange de Morretes,
Oswaldo Lopes, Kurt Freyesleben. Artur Nisio e Otavio de Sa Barreto - que
endossaram seu requerimento solicitando amparo oficial para que pudesse manter-se
no Rio de Janeiro enquanto estudava. Assim, gra9as a subven98.0 oficial do estado
Erbo Stenzel pode concluir 0 curso de escultura em 1943.Durante sua permanencia no Rio de Janeiro dedicou-se ao estudo de anatomia e
modelagem. encantado com a possibilidade de particlpar de sal6es e exposi96es dentro
e fora da entao capital federal.
Uma de suas obras mais importantes, Torso de Trabalhador ou Estudo de
Homem (FIGURA 01), foi executada em 1941 quando ainda era aluno da Escola
25
Nacional de Belas Artes. De estilo academico a obra em gesso retrata a figura de urn
homem negro segurando, 0 que nos parece, urn cajado au urn rudimentar instrumento
de trabalho. "0 personagem e solido: t6rax ereto, pesco90 grosso e rljo, musculos
salientes, !ronte ampla e vigorosa" (CURITIBA, 1995).
Essa leitura poderia ser feita a partir do trabalho de varios artistas que inseriam 0
negro como tema em suas obras a partir da decada de 1940 em Sao Paulo e Rio de
Janeiro. No entanto, Stenzel naD reproduz 0 pensamento corrente naquele momento
quando 0 negro, na maiaria das v€zes, era associ ado ao trabalho brayal, a mise ria e a
violencia.
Mesma diante de urn homem forte e de feic;oes simples, naD e passivel afirmar
que se trata de urn open3rio da constrUl;;:a.o civil ou um trabalhador rural. A postura e de
altivez e revela, na maneira de segurar 0 cajado, uma certa imponemcia que se
aproxima da nobreza.
Tres anos depois, em 1944, Stenzel produziu uma obra ainda mais inquietante:
Agua Pro Morro (FIGURA 02) e usou a pr6pria namorada, Anita, como modelo.
A escultura em gesso mostra uma jovem negra carregando uma lata d'agua na
cabec;a, sugerindo 0 movimento de quem caminha em direc;ao a um plano mais
eleva do. De uma sensualidade extrema, pernas amostras e seios colados ao vestido,
dao a ideia de que se trata de um tecido molhado, quase transparente.
Mesmo que tenha recorrido a uma cena do dia-a-dia e reforc;ado a ideia do negro
como forc;a de trabalho, Stenzel coloca em discussao algumas quest6es, como per
exemplo a beleza e a sensualidade da mulher negra e as politicas publicas que
negavam ao negro 0 direito a cidadania.
A ideia do negro como forc;a de trabalho e uma heranc;a do periedo escravocrata
e inspirou artistas em praticamente todos os perfodos da arte brasileira contribuindo
para uma construc;ao equivocada de sua imagem.
No mom en to em que Stenzel produziu Agua Pro Morro, a arte brasileira passava
por um processo de consolidac;ao das lingua gens modernistas e um sentimento de
brasilidade acalorava as discussoes em torno da estetica mais adequada para a pais.
No entanto, por mais que artistas importantes no cenario nacional como Candido
Portinari, Tarsila do Amaral, Lasar Segal, etc. se esforc;assem para criar uma arte
26
genuinamente nacional, em relac;ao ao negro, repetiam a mesma visao preconceituDsa
e estereotipada do periodo escravQcrata, cnde eram constantemente representados em
situac;oes degradantes.
Agua Pro Morro mostra uma mulher negra executando urn trabalho pesado. No
entanto, essa mulher nao e reduzida a simples fonya de trabalho. Diferente de Qutros
artistas, Stenzel conseguiu atribuir dignidade ao personagem e a tarefa que executa.
Naa se trata de uma pessoa fragil ou submissa. E uma mulher plena, altiva, de olhar
firme, parecendo desafiar a observador.
Ao batizar essa obra de Agua Pro Morro, 0 artista questionava tambem as
condic;6es de vida do negro na cidade do Rio de Janeiro. Pedro Moreira, diretor da
Casa Erbo Stenzel em Curitiba, afirma que a obra nos lembra que "apos a aboliyao da
escravatura, as negros nao ganharam cidadania, nao conseguiam emprego e
acabavam se alojando nos morros, onde nao havia nada" (KUNZEL, 2001).
Assim, tambem podemos identificar nessa obra elementos que discutem as
mecanismos de sobrevivencia desenvolvidos pel a populayao negra, diante de politicas
publicas que tencionavam sua eliminayao.
Apesar de seu conteudo extremamente critico, Agua Pro Morro foi apresentada
no Salao Nacional de Belas Artes em 1944 e Erbo Stenzel considerado Hors Concours
pela comissao julgadora. 0 artista ficou insatisfeito com a decisao do juri pais acabou
impedido de disputar 0 premia de viagem ao exterior.
Em 1950, residindo novamente em Curitiba, a peya foi apresentada, em tamanho
natural, no III Salao de Belas Artes do Clube Concordia onde recebeu a medalha de
ouro.
Durante anos essa obra ficou na varanda de Erbo Stenzel fazende as henras da
casa. Apos sua morie em 1980 foi abandonada no parae dessa mesma casa sendo
restaurada e fund ida em bronze, par iniciativa do poder publico municipal, em 1995.
Erbo Stenzel conseguiu a respeito da comunidade artistica do Rio de Janeiro e
se firmava como um grande escultor quando foi cenvidado, em 1949, pelo entao
governador do estado do Parana, Moyses Lupion, para retornar a Curitiba. "0 convite
vinha acompanhado de algumas vantagens: um atelier proprio, diversas encomendas
27
oficiais e a cadeira de modelagem e eSGultura na Escola de Musica e Belas Artes do
Parana" (CURITIBA, 1995).
Parte do acordo foi cumprida pelo estado mas Stenzel nunca chegou a assumir a
cadeira de modelagem e escultura, pois 0 curso de eSGultura ternau-se inviavel naquele
momenta par falta de urn espago adequado 0 obrigando a lecionar anatomia e
fisiologia. No inicio da decada de 1950 projetou sua obra mais conhecida, 0 monumento
comemorativQ do centenario de emancipac;;c3o politica do Parana.
4 - A PRACA 19 DE DEZEMBRO
Em 1951 Bento Munhoz da Rocha assume 0 governo do estado com a intenC;;80
de incentivar a cultura. Nos seus pianos constava a construC;:8o de urn grande
monumento para comemorar a primeiro centenario de emancipac;;ao politica do Parana.
A ideia inicial era um conjunto com 21 personagens representando os estados
brasileiros e "a figura de um adolescente que, ao mesmo tempo em que rompia as
correntes que Ihe prendiam os pulsos, dava um passo a frente em rela\=ao aos demais"
(CURITIBA, 1995). Esse adolescente seria 0 Parana, forte, livre, caminhando rumo ao
futuro.
o governo entao abriu concurso publico para escolher um projeto que se
adequasse as ideias de Munhoz da Rocha. Como nenhurn agradou ao governador Erbo
Stenzel foi convocado para tal missao. A falta de recursos e tempo habil para sua
execu\=ao, impediu que a ideia inicial fosse levada adiante e Stenzel teve que elaborar
urn projeto mais modesto, composto de um personagem em gran ito representando os
paranaenses, urn obelisco, urn painel com duas faces e um pequeno lago (FIGURAS 03
e 04).
Alem da falta de recursos e 0 pouco tempo para executar 0 projeto, havia ainda a
falta de rnao-de-obra especializada. Para ajudar na confec\=ao de uma das faces do
painel e do personagem principal, um homem nu de oito metros de altura, Stenzel
recorreu ao amigo e escultor carioca Humberto Cozzo e contou com uma equipe de 13
profissionais italianos especializados em esculturas de grande porte. Uma das faces do
painel foi confiada ao desenhista curitibano Poty lazzaroUo que deveria, a exemplo de
28
Stenzel e Cozzo, criar uma obra narrando 0 processo de ocupac;ao do estado
destacando seus varios ciclos econ6micos.
Durante 0 processD de execw;:ao 0 projeto sofreu varias alterac;6es a que
desagradou bastante seu autor.
A ideia de Stenzel de colocar 0 obelisco e 0 Homem nu exatamente na frente do
Palacio Iguac;u, ainda em construc;ao, roi rejeitada pelo governador. Uma segunda
OP9aO, que tambem foi descartada, seria coleca-Ios no meio da avenida Candido de
Abreu com 0 homem se dirigindo para a centro da capital paranaense. Par tim todo a
conjunto foi reunido na praya que hoje se chama 19 de Oezembro.
5 - 0 PAINEL DE DUAS FACES
5.1 - ERBO STENZEL E HUMBERTO cozzaErbo Stenzel era escultor, assim como Humberto Cozza que 0 ajudou a executar,
em granito, a face que Ihe cabia para moslrar aspectos do desenvolvimenlo econ6mico
do eslado.
A escullura e uma das mais anligas expressoes artisticas que conhecemos,
anterior inclusive ao desenho e a pintura. E na escultura tambem que vamos encontrar
as primeiras representa((oes plasticas do corpo humano, sendo que as mais antigas
datam de vinle e cinco mil anos antes de Cristo. Inicialmente foi produzida com a
inten((ao de garantir a sobrevivencia do homem pre-hist6rico, por isso esculpiam
mulheres gravidas, com seios e quadris enormes, simbolizando fartura, progresso, uma
forma de arte "preocupada com 0 efeilo magico e nao esletico" (HAUSER, 1995, p.7).
o surgimento das primeiras civiliza((oes altera 0 modo de relacionamento do
homem com a arte e a escultura passa a ser utilizada como um mecanismo importante
para registrar detalhes da vida religiosa, social e politica.
o uso da escultura, em especial 0 baixo relevo, foi largamente utilizado no Egito
e na Grecia, em wmonumentos de fava,nhas regias~ como winstrumentos de propaganda
destinados a servir a fama dos imortais au a fama p6stuma de seus representantes na
terra" (HAUSER, 1995, p. 29), sendo observado em outras epocas, tanto a servil'O da
igreja cat6lica, quanto de governantes, aparentemente, preocupados com a salva((ao de
suas almas e a perpetua((ao de seus feitos.
29
No inicio 0 escultor, desprestigiado socialmente - a trabalho manual era
desonroso - permanecia como urn artifice an6nimo a servic;o da vaidade do contratante.
E no antigo Egito que essa situac;:ao comec;;ou, lentamente, a ser modificada e alguns
escultores foram tratados como altos funcionarios da corte. 0 prestigio social do
escultor egipcia aumentava no rilmo das conquistas politicas e econ6micas do reino,
situac;ao semelhante ados artistas europeus que a partir da idade media passaram per
urn intenso processo de valorizac;:ao, periodo em que paises como a Franc;;a, Portugal e
Espanha, expandiam seus dominies sabre as continentes americanos e africanos, "para
tirar suas elites da emergencia de sua propria falencla economica" (SALUM, 2006).
No entanto, Quiros estados tradicionais africanos, como Benin, Kongo e Kuba,
sempre estimularam a produc;ao artistica e os escultores ocupavam lugar de destaque,
mesmo porque "uma estatua nao representa, normalmente, um Homem, mas um Ser
Humano integral, que tern uma parte fisica e espiritual - do passado e do futuro"
(SALUM, 2006). Essa aproxima9ao entre arte e religiao, fazia do escultor uma especie
de sacerdote e os segredos da arte de esculpir era responsabilidade de algumas
familias, preservados e repassados de geray:ao em gerac;ao.
A valorizac;ao do artista no ocidente fez com que muitos saissem do anonimato e
adquirissem alem da admirac;ao, fama e fortuna, sendo lembrados ainda hoje. A
intenc;ao da maioria dos artistas ao assinar suas obras e a de conquistar 0
reconhecimento publico et ainda que de forma simb6lica, a imortalidade. E evidente que
fatores alheios a sua vontade contribuem para que isso acontec;a ou nao. De concreto
temos 0 fato de que a obra de arte nao garante que seu autor nem seu contratante
sejam lembrados, mesmo aquelas expostas em espac;:os publicos. Em todo 0 caso a
func;ao da obra publica nao e a de eternizar 0 artista, embora seja dificil, diante dela,
ignorar 0 desejo de conhecer sua autoria.
Talvez isso acontec;a com 0 monumento assinado por Stenzel e Cozzo. Mesmo
que a maio ria da papulac;ao de Curitiba que transita diariamente pela Prac;:a 19 de
Oezembra descanhec;:a seus autares, estes sabrevivem na memoria coletiva mesma
que escondidos atras de sua obra.
Stenzel e Cazza optaram par uma lingua gem expressionista, permitindo a
simplificaC;ao da forma, mas mantiveram elementos importantes da escola naturalista
30
como a perspectiva e a propon;;ao. Embora tenham trabalhado com 0 baixo revelo,
conseguiram sugerir a ideia de profundidade, criando varios pianos.
As figuras levemente arredondadas parecem contidas em seus movimentos, 0
que naD quer dizer que sejam estaticas. Alias, as persona gens em diversas posic;oes e
situac;6es refon;:am, no conjunto, a ideia de movimento e a dinamica da sucessao dos
varies ciclos econ6micos nos lembra a linguagem do cinema.
Hi! uma ordem cronol6gica bastante explicita e par isso urn grupo de mulheres
indigenas aparece logo no inicio trabalhando no preparo da mandioca sob a
observa9ao de um homem, ladeadas por alguns animais selvagens (FIGURA 05).
Reconhecer 0 indio como 0 primeiro habitante do estado do Parana e urn ponto
bastante positive, perem a visae romanceada des artistas nao 0 associa ao processo de
escravizayao a que esteve sujeito no inicio da colonizat;:ao. De acordo com Santos,
desde a final do sEkula XVI a caya ao indio era uma pratica comum no processo de
povoamento e ocupa9ao territorial (2001, p.13).
A ideia do indio destituido de bens culturais, portanto, selvagem, justificava que
fosse cayado como um animal, aprisionado e escravizado para que, finalmente,
pudesse ser conduzido a um processo civilizador que seguia 0 modelo europeu, 0 que
tambem significava sua eliminayao.
Ao ver a indio como um selvagem, 0 colonizador nao 0 reconhecia como
proprietario legitimo do territ6rio que ocupava e difundiam a ideia de que 0 Parana,
assim como 0 restante do pais, era um espat;:o desabitado.
Essa opiniao, compartllhada par muitos pesquisadores, esta presente na obra de
Stenzel e Cozzo quando destacam a importtmcia dos bandeirantes na tarefa de
povoamento das terras paranaenses.
As bandeiras, que tin ham como destino a sertao da provincia, a tim de extrair
metais preciosos como a ouro e a prata, eram, de fato, pouco rentaveis e a captura de
indios tornou-se uma de suas principais atividades, incentivadas, inclusive, pelas
autoridades coloniais portuguesas (SANTOS, 2001, p. 20).
Essa situayao, no entanto, nao fol lev ada em conla e a imagem construida do
bandeirante e a de um heroi (FIGURA 06), exaltado em sua coragem de embrenhar-se
31
por caminhos ainda 'inexplorados' e por ter contribuido para 0 surgimento de povoados
que, futuramente, dariam origem a algumas cidades.
o tropeirismo (FIGURA 06), na visao dos artistas, se desenvolve juntamente com
as bandeiras, porem, sem 0 mesma destaque ja que ocupa apenas urn espac;:o
reduzido nos (undos do painel. 0 tropeiro e negro e esta associ ado a pecuaria que "se
desenvolveu no primeiro e segundo planaltos durante 0 seculo XIX e encerrou urn
sistema econ6mico-social fundamentado na mao-de-obra escrava" (SANTOS, 2001, p.
60). 0 garimpeiro solitario, urn pouco mais a frente, porem sem muito destaque,
tambem e negro e representa a curto e pouco rentavel cicio do curo em terras
paranaenses.
No cicio da erva-mate (FIGURA 07) Stenzel e Cozzo comentem um grande
equivoco ao substituir negros e indios par imigrantes europeus nesse que e 0 primeiro
grande cicio econ6mico paranaense. E unanime entre os pesquisadores paranaenses
que "0 trabalho escravo foi utilizado nos engenhos para as tarefas rnais arduas"
(SANTOS, 2001, p. 42), desde a extral'ao, beneficiamento e transporte da erva mate.
Cronologicamente, seria multo dificil inserir 0 irnigrante europeu nesse processo que
tern inieio nas primeiras decadas do seculo XVIII e a chegada dos primeiros imigrantes
datam da primeira metade do seculo XIX, epoca em que a economia do mate estava
totalmente estruturada.
Essa inversao de papais esta associ ada a visao que se tinha de progressD e "as
africanos nao sao vistos colonizadores dos espayos geognificos anteriores aos
imigrantes europeus" (CUNHA Jr. 2006). Reconhecer a importancia de negros e indios
nesse momento seria 0 mesmo que contrariar os ideais de sociedade branca e ardeira
que se queria consolidar naquele momento.
Ap6s a abolil'ao do regime escravocrata a populac;ao negra passou por um longo
e dolorosa processa de marginalizac;ao, sendo considerada mao-de-obra nao
aproveitavel, estereotipada como indolente, cachaceira e nao persistente no trabalho
(MOURA, p.111). Esse posicionamento, em muitas ocasioes, foi aficializado pela
estado, e em 1945, peri ado proximo a inaugurac;:ao da Prac;a 19 de Dezembro, 0
decreto de Getulio Vargas sobre a politica de imigraC;80 do governo brasileiro ressaltava
32
a necessidade de "desenvolver na composi~ao etnica do pais as caracteristicas mais
convenientes de sua ascend€mcia europeian (MOURA, p.110).
o sonho de uma sociedade branca e enfatizado num detalhe que ocupa a centro
do painel, e de suma importancia para 0 sucesso da politica do embranquecimento: a
familia (FIGURA 07).
A familia retratada e totalmente branca e reproduz 0 modele de organizac;:ao
ideal, ande 0 homem e representado numa evidente condiryao de superioridade e a
muther, par sua vez, pareee conformada com 0 espac;:o social que ocupa. 0 sucesso do
embranquecimento do pais esta presente na figura do bebe que a mulher traz nos
brac;:os, aconchegado, protegido dos perigos de uma sociedade que ainda convivia com
elementos naD brancos.
o desenvolvimento economicQ do Parana s6 seria possivel com 0 dominio de
certas tecnologias e nova mente Stenzel destaca a participagc30 do imigrante europeu
nesse processo (FIGURA 08). E uma alegoria que procura evidenciar 0 processo de
industrializagc30 observado em algumas cidades paranaenses e a cena imaginada pelo
artista, mostra urn grupo de trabalhadores fabricando e utilizando ferramentas de metal.
Ainda que 0 processo apresentado nos parega rudimentar, serve para ilustrar a ideia de
que a imigrante europeu estava apto a exercer qualquer atividade de forma eficiente,
ViSc30multo distante da realidade uma vez que fazia parte das ~popula.;5es pobres de
baixa cultura e expulsas economicamente da Europa" (CUNHA Jr., 2006).
Nessa cena a trabalhador negro e inserido e divide 0 mesmo espa.;o com a
imigrante. Talvez mera coincidencia, talvez os artistas soubessem que 0 dominio da
fundig2lo de metais era realidade em varias partes do continente africano e
"praticamente cad a aldeia possuia seu ferreira" (SILVA, 2006, pA8) alem de que, aqui
no Brasil, as negros, livres ou escravizados, durante a regime escravocrata, exerciam
fungoes variadas como ourives e ferreiros.
o ultimo cicio (FIGURA 09) e justamente a mais importante ainda hoje: a
agricultura, porem 0 trabalhador negro e deixado de fora. CI6vis Moura nos explica que
a eleig2l0 do trabalhador branco como modelo ideal fez com que a Brasil estimulasse a
imigrag2l0 acreditando poder suprir as necessidades de nossa economia em expans2lo
com uma mao-de-obra supostamente superior (p.111).
33
No Parana essa crenc;a foi levada a nlveis extremos impedindo a associac;ao da
imagem do negro com 0 trabalho livre assalariado.
Outra imagem deturpada em relac;ao ao negro e a de que sempre necessitou da
orientac;ao de capatazes brancos para trabalhar na agricultura, nos fazendo acreditar
que 0 continente africano desconhecia tecnicas eficazes de cultivo. Na verdade, 0 que
aconteceu, foi a construc;ao de uma historia marcada par omiss6es e mentiras, ja que
pavos africanos
"desenvolveram uma agricultura intensiva e cuidadosa, em estreilos e diminutos tratos de terra, a
descer da montanha em incontilveis degraus ...
Em certas regi6es desenvolveram·se lecnicas bastante complexas de aproveitamento da terra.
Plantava-se em degraus, para evitar a erosao. Construiam-se enormes plataformas sobre terreno
alagadic;;o, para nelas proceder ao cultivo. Nas areas secas, procurava-se aproveitar ao maximo a
agua e eslabelecer sistemas de irrigaC;;f3o" (SILVA, 2006, p. 34)
A invisibiliza~ao do negro nessa obra que marca 0 centenario da emancipa~ao
politica do estado do Parana nao se da por completo, mas e possivel identificar 0
pensamento da epoca e os ideais de sociedade que foram introduzidos no imaginario
popular a partir de uma visao eurocentrica de mundo.
Temos que considerar ainda que se trata de uma obra por encomenda e 0 seu
conteudo nao expressar as ideias do artista. Hauser observa que "ate na mais liberal
das democracias 0 artista nao se move com perfeita liberdade e desenvoltura; mesmo
ai ve-se restringido por inumeras considera~6es estranhas a sua arte" (1995, p. 28).
Embora Stenzel fosse de ascendencia europeia - austriaca e alema - nao havia
indicios em sua produc;ao de que compactuasse com pensamentos racistas, pois em
diversas situa~6es retratou personagens negros de forma positivada. A reduC;ao da
participa~ao do negro para 0 desenvolvimento econ6mico do estado presente nesse
painel, pode ter sid a proposital, ja que no conjunto da obra, como veremos mais
adiante, 0 negro tern uma participac;ao bastante destacada.
5.2 - POTY lAZZAROTTO
34
a desenhista Poty Lazzarotto produziu uma obra bidimensional monocromatica
em tons de azuis, contrastando com 0 fundo branco, para mostrar como a economia
paranaense S8 desenvolveu. Ligado a escolas modernistas, Poty optou par uma
linguagem expressionista, com poucos detalhes, se atendo apenas aos pontcs mais
importantes, similar a uma hist6ria em quadrinhos cnde a linha de contorno e bastante
valorizada. Ainda assim e passivel encontrar elementos tradicionais como a luz e
sam bra, a perspectiva, a divisao em pianos e a construc;ao de alguns personagens
muito pr6ximos da linguagem realista.
A leitura que fazemos e a de que Poty entende que 0 Parana, enquanto estado,
56 passa a existir a partir da chegada do colonizador e por isso inicia sua narrativa com
o cicio da minera9ao (FIGURA 10), periodo em que a populac;ao indigena era ca9ada e
escravizada, para que pudesse ser aproveitada como mao-de-obra no processo de
extrag30 de meta is preciosos. A participag30 da igreja cat61ica e mostrada de forma a
minimizar a violencia com que atacava a cultura indigena e como procurava elimina-Ia
para que as agoes catequizantes tivessem 0 exito desejado. As relagoes de poder entre
dominados e dominadores sao reveladas na figura submissa de um indio ajoelhado aos
pes de um padre que Ihe segura a cabe9a, parecendo confirmar a vil6ria da igreja sobre
a popula9ao de "selvagens".
Assim como Stenzel e Cozzo, reproduz a ideia de que 0 indio nao possuia
nenhum bem cultural e/ou material, "salvo sua pr6pria for9a de trabalho que, como
sabemos, foi aproveitada e 'consumida' ate quase sua extingao pelo colonizador"
(NADALlN, 2001, p. 13).
Embora menos contundenle, Poly destaca a importimcia dos bandeirantes para
a explora9ao e ocupa9ao dos ser\oes paranaenses (FIGURA 11). Mais uma vez
estamos diante da ideia de um Parana desabitado por IS50 mesmo podia ser invadido e
explorado da maneira mais conveniente ao colonizador.
o cicio da madeira (FIGURA 12), perfodo em que grandes extensoes de florestas
de araucaria foram destruidas, e mostrado, ao que nos parece, para justificar a
necessidade da abertura de espagos para a instala930 de novas cidades. Nesse
mesmo quadro Poty procura revelar como a sociedade paranaense estava organizada.
Enquanto trabalhadores aparecem ao fundo, sem rosto ou qualquer sinal que os
35
individualize, em primeiro plano, portanto em lugar de destaque, urn grupo de hom ens
desenhados com mais detalhes, elegantemente vestidos, representam a elite
econ6mica e politica de nossa estado desfrutando as prazeres do 6cio proporcionados
pelo podeL De costas para 0 observador, urn indio totalmente nu, olha para 0 grupo, de
longe sem fazer parte do mesma. E como se representasse a dificuldade de insentao
dos naD brancos na sociedade paranaense.
o tropeirismo, associ ado ao surgimento de algumas cidades, lembra urn periodo
em que a comercio de gado e muares era a base da economia de muitos fazendeiros
no Parana, Rio Grande do Sui e Sao Paulo. Alem disso Poty destaca como as animais
de carga eram importantes no transporte de pessoas e generos de primeira
necessidade. Urn outro ponto destacado e a ausencia de estradas e por isso mesmo
muitos rios acabaram sendo utilizados como urn meio importante de acesso a reg iDes
mais distantes da capital e do litoral (FIGURA 13). Nesse periodo 0 indio era uma
presenrya con stante para guiar aqueles que se aventuravam pelo interior paranaense.
Apesar da irnportancia da agricultura para a economia paranaense, Poty a
utilizou para revelar a rela~o de poder entre patroes e empregados (FIGURA 14). Os
trabalhadores rurais sao mostrados numa condir;ao de clara subalternidade em relaryao
ao fazendeiro que simboliza tambem 0 poder politico dos grandes latifundiitrios. Ainda
podemos perceber a forma como as relaryoes raciais se dao em nossa sociedade, ja
que os trabalhadores sao negros e 0 fazendeiro e branco.
A visao de Poty e mais simples, mais humanizada, propria do expressionismo 0
que 0 impede de construir imagens idealizadas, embora as idea is invisibilizadores do
negro na sociedade paranaense sejam observados..
E percepttvel a intenr;ao do artista em discutir os problemas sociais do Parana
desde os primeiros tempos da colonizar;ao, mas ainda assim reafirma como Stenzel e
Cozzo a visao oficializada pelo poder publico de que 0 Parana fora construido grar;as
ao esforr;o e dedicar;80 do imigrante e seus descendentes e por isso mesmo se trata de
uma terra de brancos. A ideia de progresso e a mesma nas duas faces do painel e 56
poderia ser alcanr;ado com a ~introdur;ao do imigrante branco, livre, pacifico e
trabalhador" (NADAlIN, 2001, p.74).
36
Tais pensamentos, totalmente racistas, ordenavam ac;:6es que procuravam atingir
o tao desejado progresso pela via racial, jil que as maculas do atraso que se percebia
na economia paranaense em relac;:ao a Qutras prov[ncias estavam associadas a
escravidao e a populac;:ao negra e mestic;:a.
o saneamento que S8 pretendia na sociedade foi realizado na hist6ria oficial com
a ajuda das artes plasticas.
No painel a participac;:ao de negros foi reduzida a niveis insignlficantes enos
chama a atenc;ao a ausencia de dais fates que incidem diretamente sabre a economia
do estado e na consolidac;:ao de Curitiba como capital da provincia e que estao
associ ados a presenc;:a de negros em espac;:os privilegiados da sociedade paranaense.
o primeiro e a construc;;ao da Estrada da Graciosa e 0 segundo a construc;;ao da estrada
de ferro ligando Paranagui:l a Curitiba. Ambas as obras estao ligadas aos engenheiros
negros Andre e Antonio Rebouc;;as.
E claro que compreendemos que esse painel nao homenageia especificamente
essa ou aquela personalidade, mas entendemos tambem que e muito dificil ignorar
essas obras quando discutimos a economia do estado do Parana, uma vez que
desencadearam ciclos economicos irnportantes como a do mate, da madeira e mais
recentemente do cafe.
Em muitas ocasioes nos deparamos com autores como Romario Martins e Ruy
Wachowicz, icones da historiografia paranaense discorrendo a respeito da hist6ria do
Parana sem fazer qualquer referemcia a figura dos irmaos Rebouc;;as. Quando versam a
respeito da importfmcia da abertura de estradas para a economia local, na maioria das
vezes ignoram por completo a construc;;ao da estrada de ferro - maior obra de
engenharia do sEkula XIX no estado do Parana. Wachowicz, quando se refere a
Estrada da Graciosa a trata como se tivesse, por obra da natureza, brotado
espontaneamente da terra.
A estrategia de eliminar 0 negro da sociedade paranaense via a introduc,;:ao do
imigrante europeu se mostrou ineficaz e e provavel que a sua presenC;;a em espac;;os
reservados ao branco causasse grande desconforto e nada mais natural que suas
ayoes fossem ignoradas para que nao servissem de combustivel a auto-estima de seu
grupo racial. Assim, 0 silencio em torno da obra de Andre e Antonio Rebouyas e de
37
Qutros negros que construiram a historia do Parana e estrategico, ja que a popula((ao
negra de urn modo geral estava associada a urn "sistema que deveria ser extirpado"
(NADAlIN, 2001, P. 74).
6·0 HOMEM - NEGRO· NU
A polemica que envolveu 0 processo de execu9ao do monumento comemorativQ
do centeniuio da emancipatyao politica do Parana continuou ap6s sua inaugurac;ao em
1953.
Na verdade 0 que chocou a sociedade curitibana foi a figura do homem nu
(FIGURA 15), taxada por muitos de obscena e deformada esteticamente. 0 jornal 0
Dia, compondo 0 cora dos descontentes, propunha a retirada da obra e se referia a ela
como "monstro", "tarado" e "Frankstein", alegando que ela nao representava 0 homem
do Parana do saculo XX (ABAIXO 0 taradilo, 1955).
As criticas exageradas a nudez e a virilidade da escultura, procuravam em certa
medida, disfarc;:ar 0 descontentamento com seus trac;os negros "que na~ representava a
imagem biotipica predominante do paranaense" (CURITIBA, 1995).
A imagem que 0 Parana construia de si mesmo estava assentada na falsa ideia
de que as elementos culturais europeus eram superiores aos demais e por isso mesmo
se esforc;:ava em adota~los. Para tanto, utilizou recursos diversos, inclusive as artes
plasticas para promover a invisibilizac;:ao do negro e sua cultura.
Essa invisibilizac;:ao foi quebrada de forma violenta num momenta de grande
importancia historica e a sociedade paranaense, acostumada a associar valores
positivos, como progresso por exemplo, a populac;:ao branca, provavelmente nao se
reconheceu no homem negro e nu, criado por Stenzel e esculpido par Humberto Cozzo,
colocado em posic;:ao de destaque a frente do painel que eonta a historia econ6miea do
Parana, onde 0 imigrante europeu aparece como forc;:ade trabalho, numa clara inversao
de papeis. Numa sociedade onde 0 mito da demacracia racial ja estava enraizada e "as
manifestac;:6es de preconceito e discriminac;aa em geral se apresentam de forma velada
ou implicita" (SILVA, 2007), atacar a nudez da escultura parecia uma estratagia
bastante eficaz para eliminar 0 que de fata incomadava.
38
Qutros detalhes da escultura fcram utilizados para ridiculariza-Ia. Anos mais
tarde, em 1972, a Revista Veja voltava a questionar 0 monumento e afirmava que a
populayao de Curitiba considerava a escultura "feia", justificando, que ao inves de
arrancar para 0 futuro estava parada jogando palito (p. 22).
o conceito de beleza e bastante ample e subjetivo e nao nos cabe discorrer a
seu respeito nesse momento. Nos basta entender que e construido e reformulado
socialmente ternando a rac;:a branca como modele.
Francisco Weffert analisou algumas obras da literatura brasileira a partir dos
valores esteticos atribuidos aDs personagens principais e constatou que existe urn
fascinio pela brancura, havendo uma relayao muito estreita entre rac;:a e beleza. Os
personagens brancos sao os mais belos, os mais elegantes, os mais talentosos e os
mais educados, enquanto que os negros representam justa mente 0 oposto. Para 0
autor aquilo que muitos afirmam ser apenas "preferencia estetica", para ele e "um outro
nome para 0 preconceito" (2005). Essa analise pode ser estendida as artes plasticas e
e 0 suficiente para compreendermos a classifica9aO de "feia" atribufda a escultura de
Erbo Stenzel.
Nos artigos que analisamos e lugar comum a afirmayao de que a escultura nao
apresenta os trac;:os fision6micos do paranaense, afirmac;:oes que revelam a crenc;:a que
o Parana e um estado "com populac;:clo predominantemente branca e com majoritaria
infiuencia europeia" como defendia 0 historiador Ruy Wachowicz (2001" p. 159) e as
tra90s negros do personagem nao foram acentuados de prop6sito sendo um "deslize"
do escultor Humberto Cozzo, que nao estava familiarizado com 0 tipo "eslavo"
paranaense. Porem, se analisarmos as depoimentos de Stenzel a varios jornais da
capital paranaense criticando 0 resultado do monumento, em nenhum momenta ele
questiona 0 bi6tipo do persona gem. Sua analise e bastante teknica, passando it
margem de discuss6es raciais:
·0 plano original previa 0 homem nu para 0 Centro Civico. Ele teria outra proporyaa la, mas
acabou sendo feita as carridas e perdeu muito de sua forya. a executor foi 0 Humberto Cozza,
apenas 0 projeto era meu. Na maquete 0 homem era facelado, acabou saindo roliyo. 0 baixo
relevo permaneceu mais ou menos como ideamos it principio· (CANTAR1M, 1976)
39
Urn outro detalhe que nos faz acreditar que naD houve falha na execuc;8.o do
projeto e a semelhanc;a com a escultura egipcia do Media Imperio. 0 Homem nu
"conserva a monumentalidade e a mesma pureza artistica tipica do Sheik-el-Obeid,
obra-prima da estatuaria egipcia" (PARANA, 1976, p. 69).
A regra principal a orientar 0 escultor egipcio era a frontatidade (FIGURA 16). De
acordo com ela a figura deveria estar sempre olhando para frente e naD era
confeccionada para ser vista ou analisada de qualquer angulo, mas somente de frente.
Par esse motivD as eSGulturas apresentavam 50lu90e5 plasticas Hrnitadas, concebidas a
partir wde um eixo vertical, que passando pelo nariz e entre as duas pernas divide 0
corpo em duas metades identicas ou quase iguais" (BOZAL, 1995, p. 41),
independentemente de as figuras estarem sentadas. de joelhos ou em p€!. Os brayos
estao sempre coladas ao corpo, estendidos au cruzados sobre a peito. Quando
representam pessoas em pe, mesmo quando um dos pes se adianta simulando uma
marcha, 0 efeita ainda e essencialmente estatico.
Some-se a issa a exigencia de se produzir uma obra utilitaria e resistente, sem
riscos de deteriorar-se com 0 tempo. As formas sao antiindividualistas, Uparque
expressam uma concepc;ao de vida para a qual a descendencia, a classe ou 0 vinculo a
um cia ou grupo representa um grau de realidade mais elevado da que a carater
pessoal de um individuo" (HAUSER, 1995, p. 36).
A estilizac;ao da estatuaria egipcia conduziu a uma forma de representac;aa onde
os homens sao jovens, musculosos, em atitudes tranqOilas, numa imobilidade suprema
(1976, p. 60).
Esteticamente, as caracteristicas da arte egipcia sao facilmente observaveis no
Homem nu, como a frontalidade e a estiliza~o. 0 carater utilitario e antiindividualista
tambem estao presentes, guardando diferenc;as relacionadas ao tempo e a sociedade
onde estao inscritos.
A utilizaC;ao da arte pelos egipcios estava associada, na maioria dos casas, a
religiao e nao era concebida para 0 deleite dos vivos, mas sim para possibilitar que os
mortos alcanc;assem a salvac;ao pretendida. Os ritos funerarios exigiam a confecc;ao de
esculturas representando 0 marta a tim de que este fosse reconhecido pelos de uses e
as baixos-relevos e pinturas murais, no interior dos tumulos, narravam seus feitos mais
40
importantes. Ainda que houvesse uma preocupac;ao em garantir 0 reconhecimento do
defunto, a preferencia par uma arte estilizada impedia que fosse retratado tal como era,
havendo uma generalizac;ao na maneira de representar homens e mulheres.
o Homem nu foi concebido com 0 objetivo declarado de homenagear 0 pavo
paranaense e nao poderia de maneira alguma trazer trac;os que a assemethasse a
alguem ou privilegiasse um grupo em especial. Talvez a preocupac;ao do artista em nao
evidenciar qualquer trac;o dessa ou daquela etnia explique a completa nudez de um
persona gem que tinha ainda a dificil tarefa de ser uma especie de espelho a tada
populac;ao paranaense.
Temas ainda que considerar 0 fata que essa era a primeira obra de proporc;oes
monumentais a ser realizada par Stenzel e certamente teria que buscar informac;oes em
culturas acostumadas com esse tipo de produC;ao. Ah~m de familiarizados com
esculturas de grandes proporc;6es, os egipcios tambem dominavam as tecnicas de
escultura em materiais resistentes, como 0 granito.
Se isso aconteceu de fato, nao podemos afirmar. De concreto temos a certeza
que utilizou outras rnatrizes culturais, alem da europeia no processo de elaborac;ao de
sua obra mais conhecida e, no centro da capital Curitiba, 0 monumento que
homenageia 0 centeniuio de emancipac;ao polftica do estado e urn exemplo concreto da
estetica africana representada pela arte egipcia.
7 - CONCLUSAO
Ao longo de nossa trajetoria, escolar e social, aprendemos diariamente, que 0
Parana e uma terra de brancos, abenc;oada pelo milagre da imigrac;ao e responsavel
por eliminar os resquicios indesejaveis do regime escravocrata. Os mecanismos de
convencimento utilizados, sao os rnais variados e podemos encontrar na arte, na
literatura, na midia, nos livros didaticos, nos monumentos publicos, etc., elementos que
procuram reforc;ar que par aqui nao existem negros ou tracos identificilveis de sua
cultura.
Por mais que essas informacoes sejam respaldadas e, algumas vezes
patrocinadas, pelo poder publico, a realidade que se descortina diante de n6s e bern
diferente e nao e necessario a olhar de um especialista para reconhecer os trac;os da
41
Gultura de matriz africana na feijoada de todo sabado, nos grafittis que decoram muros
e fachadas, nos terreiros de candombh3 e nas casas de umbanda, no ritmo frenetico do
samba e do pagode, no e5tilo abusado do hip-hop, na multidao que invade as ruas para
brincar 0 carnaval todo fevereiro, no usc diario de voci:lbulos originarios de linguas
africanas, em manifesta90es folcl6ricas como a congada e 0 boi-de-mamao, nas festas
religiosas do catolicismo papular pra Sao Gon.yalo e Sao Benedito, 56 para citar alguns
exemples. Nas artes plasticas essa presen.ya e mais modesta porque houve uma
supervaloriza9ao da estetica de matriz europeia, mas ainda assim nao impediu que
artistas como Jeterson Cesar, Quincaju, Expedito Rocha, Claudio Kamba, Erbo Stenzel
e oulros que precisamos investigar, dialogassem com uma estetica afro-brasileira, em
diversos periodos, suscitando discussoes a respeito das matrizes culturais que
interferem na produc;ao artistica paranaense.
o que percebemos ao nos propormos a discutir relac;oes raciais na arte
paranaense e que alem da falta de interesse par parte de nossos pesquisadores,
observamos uma ignorilncia bastante acentuada em relac;ao a estatica de matriz
africana. Oiante de obras que fogem a estatica europeia, a classificac;ao e feita de
forma superficial, quase sempre reafirmando a divisao entre arte popular e arte erudita.
Essa afirmac;ao a possivel diante das anillises tendenciosas que continuam
sendo leitas da obra de Erbo Stenzel. As tres obras aqui citadas Torso de Trabalhador,
Agua pro Morro e 0 Homem Nu, trazem consigo informac;oes preciosas que poderiam
servir de base para discussoes mais aprofundadas a respeito da contribuiyao da
populaC;ao negra para a estetica da arte paranaense e no entanto sao totalmente
ignoradas. 0 Homem Nu com todos os elementos, evidentes, que 0 aproximam da arte
egipcia ainda nao e tratado como uma obra representativa da estetica de matriz
africana no Parana. Se isso ocorre com uma escultura de oito metros de altura, exposta
em prac;a publica, a de se esperar que em trabalhos menores, a cegueira de nossos
pesquisadores seja muito maior.
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9-FIGURAS
01 - Erbo Stenzel- Torso de Trabalhador (1941)
45
02 - Erbo Stenzel- Agua Pro Morro (1944)
03 - Praya 19 de Dezembro - Curitiba -vista parcial
04 - Praya 19 de Dezembro - Curitiba - Vista parcial
46
05 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - Painel (1953) - detalhe
06 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - Painel (1953) - Detalhe
47
07 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - Painel (1953) - detalhe
08 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel (1953) - detalhe
48
09 - Erbo Stenzal a Humbarto Cozza - Painel (1953) - detalhe
10 - Poly Lazzarolo - Painel (1953) - delalhe
49
11 - Poty Lazzarotto - Painel (1953) • detalhe
12 - Poty Lazzarotto - Paine! (1953) - detalhe
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13 - Poty Lazzaroto - Painel (1953) - detalhe
14 - Poty Lazzaroto - Painel (1953) - detalhe
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15 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - 0 Homem nu - granito (1953)
16 - Miquerinos e sua esposa - basallo -IV Dinaslia
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