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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, CINCIAS E LETRAS DE RIBEIRO PRETO
Departamento de Psicologia
Programa de Ps-graduao em Psicologia
Organizao e dinmica psquica na
obesidade infantil
Carmem Gil Coury
Ribeiro Preto (SP)
- 2016 -
FACULDADE DE FILOSOFIA, CINCIAS E LETRAS DE RIBEIRO PRETO
Departamento de Psicologia
Programa de Ps-graduao em Psicologia
Organizao e dinmica psquica na
obesidade infantil
Carmem Gil Coury
Dissertao apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo, como parte das exigncias para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias, rea: Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Sonia Regina Pasian
Ribeiro Preto (SP)
- 2016 -
Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Apoio: Capes.
Coury, Carmem Gil
Organizao e dinmica psquica na obesidade infantil. Ribeiro Preto, 2016. 170p. : Il. ; 30cm. Dissertao de Mestrado, apresentada Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de Ribeiro Preto/USP. rea de concentrao : Psicologia.
1. Obesidade infantil. 2. Avaliao psicolgica. 3. Mtodos projetivos. 4. Rorschach. 5. Desenho da Figura Humana. 6. Personalidade.
FOLHA DE APROVAO
Carmem Gil Coury
Ttulo: Organizao e dinmica psquica na obesidade infantil
Dissertao apresentada a Faculdade de Filosofia, Cincias e
Letras de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para a
obteno do titulo de mestre em Cincias.
rea de Concentrao: Psicologia.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Profa. Dra.:
_________________________________________________________________
Instituio: ______________________________Assinatura:
________________________
Profa. Dra.:
_________________________________________________________________
Instituio: ______________________________Assinatura:
________________________
Profa. Dra.:
_________________________________________________________________
Instituio: ______________________________Assinatura:
________________________
s crianas e suas expresses. E aos adultos
que se dedicam a ouvi-las.
Agradecimentos
Ao Ivan, meu parceiro de vida, por acreditar em mim mesmo quando eu duvidava.
Obrigada por ser sempre minha fonte de conforto e inspirao e me ajudar a manter-me
firme em meu caminho. No h palavras para agradecer sua companhia e seu amor.
A meus pais Helenice e Jos, que tendo trilhado estes caminhos to belamente em suas
vidas, me encorajaram e estimularam a mim tambm me descobrir neles. Agradeo o
carinho e pacincia que me ofereceram sempre que por qualquer motivo eu lhes tenha
necessitado.
Ao Francisco, meu irmo, que com seu bom humor carinhoso me ajudou a deixar o
caminho mais leve. Obrigada por me mostrar outras formas de viver e trabalhar.
Profa. Dra. Sonia Regina Pasian, por mais que me orientar, me acolher na casa que
fez do CPP. E por ter pacincia com os tempos e ritmos desta orientanda. Agradeo o
zelo e cuidado persistentes em cada etapa desta construo e pelos inestimveis
conhecimentos que to generosamente pde partilhar comigo.
Dra. Beatriz TronconBusatto, que pde me ouvir e acolher em seu consultrio,
auxiliando de maneira inestimvel o meu desenvolvimento pessoal, ajudando-me a me
tornar uma pesquisadora mais flexvel e amorosa.
Stefani, minha amiga querida que partilhou as passadas desde o incio deste percurso.
Agradeo sua presena viva nos momentos de angstia e nas identificaes que
pudemos vivenciar nestes anos.
Andressa e Paula, amigas queridas, pela torcida e confiana, por me ouvirem
incansavelmente nos momentos de maior necessidade e por me receberem sempre com
amizade e carinho.
Fabiana, valioso presente deste Mestrado, pela bondade e generosidade sempre
presentes em suas palavras e por tornar o percurso acadmico to mais prazeroso.
ErikaTiemi Kato Okino, por sua pacincia e companhia e por dividir comigo seus
pensamentos e experincia to valiosos.
Ao Rodolfo, por seu companheirismo e energia, que tanto me auxiliaram a prosseguir e
por todo o seu auxlio durante a coleta dos dados.
Aos amigos Ana Luisa Guimares e Nichollas Martins Arecco, por seu importante
auxlio e amizade durante a construo deste trabalho.
Aos colegas do Centro de Pesquisas e Psicodiagnstico (CPP), pela convivncia e
pela troca de experincias e conhecimentos em vrios momentos da construo deste
trabalho e de minha formao pessoal, sobretudo ao Jorge por sua generosidade em
partilhar seus conhecimentos em estatstica.
Profa. Dra. Sonia Regina Loureiro e Profa. Dra. Deise Matos do Amparo por
suas cuidadosas contribuies construo deste trabalho oferecidas no Exame de
Qualificao.
s Instituies de Cuidado Sade e Educao das crianas que possibilitaram a
realizao do estudo.
Ao CAPES e ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da FFCLRP/USP, pelo
apoio e subsdios financeiros necessrios a concretizao e divulgao cientfica deste
trabalho.
s crianas e suas famlias, que puderam fornecer
sua valiosa ajuda realizao deste trabalho. Agradeo por
partilharem comigo suas vivncias e sentimentos, que me
enriquecerem enormemente.
Todos esto loucos, neste mundo? Porque a
cabea da gente uma s, e as coisas que h e que esto
para haver so demais de muitas, muito maiores
diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a
cabea, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o
sentir forte da gente o que produz os ventos. S se pode
viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo
de dio, se a gente tem amor.
(Joo Guimares Rosa)
RESUMO
Coury, C. G. (2016). Organizao e dinmica psquica na obesidade infantil. Dissertao de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto. Instrumentos de avaliao psicolgica constituem-se em mtodos sistemticos de investigao e de compreenso de componentes estruturais e funcionais do comportamento humano, com diversificados objetivos e estratgias tcnicas, respeitando-se especificidades das etapas do desenvolvimento. Em processos de avaliao psicolgica de caractersticas da personalidade, os mtodos projetivos, como o Mtodo de Rorschach e o Desenho da Figura Humana, so recursos amplamente utilizados, contribuindo para a compreenso e elaborao de intervenes teraputicas em variados campos de aplicao, como na rea da obesidade infantil. Nesse contexto, este trabalho teve por objetivo identificar e comparar caractersticas psicolgicas de crianas com obesidade em relao a eutrficas, a partir de mtodos projetivos de investigao da personalidade. Foram examinadas 60 crianas de sete a 11 anos de idade, sendo 30 crianas diagnosticadas como obesas e em tratamento especfico para o transtorno (Grupo 1 G1) e 30 crianas com peso normal (Grupo 2 G2), sem atraso acadmico, sem limites cognitivos e sem histrico de outras doenas fsicas. Os participantes de G1 foram recrutados em instituies de sade voltadas ao tratamento da obesidade infantil e G2 foi constitudo a partir de parceria estabelecida com instituio de ensino bem como a partir de contatos informais da pesquisadora e de seu grupo de pesquisa (tcnica da "bola de neve"), buscando-se balanceamento dos grupos por sexo e idade. Os seguintes instrumentos de avaliao psicolgica foram aplicados individualmente nas crianas: Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (critrio de seleo de participantes, incluindo-se na amostra apenas crianas com resultados intelectuais mdios ou superiores), o Desenho da Figura Humana e o Mtodo de Rorschach (Escola Francesa). Os pais das crianas participantes responderam ao Questionrio de Capacidades e Dificuldades (SDQ) para caracterizao da amostra. Os resultados foram examinados conforme padronizao especfica dos respectivos manuais tcnicos dos instrumentos, realizando-se anlises descritivas e inferenciais, a fim de examinar possveis associaes entre variveis clnicas e demogrficas e indicadores de caractersticas de personalidade das crianas. Foram efetuadas anlises correlacionais entre resultados no DFH e no Rorschach, considerando tambm a classificao nutricional da criana. Os achados permitem compreender caractersticas do funcionamento psquico envolvidas na obesidade infantil, de modo a favorecer estratgias futuras de interveno teraputica com crianas. (CAPES) Palavras-chave: Obesidade infantil; Avaliao psicolgica; Mtodos projetivos; Rorschach; Desenho da Figura Humana; Personalidade.
ABSTRACT
Coury, C. G. (2016). Psychological organization and psychic dynamics in childhood obesity. Dissertation (Master Degree), Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto, University of So Paulo, Ribeiro Preto. Psychological assessment instruments consist in methods of systematic research and of understanding the structural and functional components of human behavior, with diverse goals and technical strategies, respecting the specificities of the development. Projective techniques such as the Rorschach Method and the Human Figure Drawing are widely used resources in psychological evaluation processes of personality characteristics, contributing to the understanding and development of therapeutic interventions in various application fields, such as in the childhood obesity area. In this context, this study aimed to identify and compare psychological characteristics of children with obesity compared with those of normal weight, using projective methods of personality assessment. In this study were examined 60 children aged seven to 11 years old, 30 children diagnosed as obese and under specific treatment for the disorder (Group 1 - G1) and 30 children with normal weight (Group 2 - G2), with no academic delay, without cognitive limitation and with no history of other physical ailments. G1 participants were recruited from health institutions devoted to treatment of childhood obesity and G2 was formed by a partnership established with a teaching institution and a research group, intending to balance some characteristics of the two groups (sex and age). The following psychological assessment instruments were applied individually in children: Ravens Coloured Progressive Matrices Test (constituted on selection criteria of participants, being included only the children sample with average intellectual results or higher), the Human Figure Drawing (DFH) and the Rorschach Method (French School). The parents of children answered the Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ) to characterize the sample. The results were examined according to specific standardization of the respective technical manuals of the instruments. Descriptive and inferential analyses were performed in order to examine possible associations between clinical and demographic variables and indicators of personality characteristics of the children. Correlation analyzes were made of the main results in DFH and Rorschach in accordance with the child's nutritional classification. The findings illuminate possible features of psychic functioning involved in childhood obesity process in order to facilitate future strategies for therapeutic intervention with children. (CAPES) Key words: Childhood obesity; Psychological Assessment; Projective Techniques; Rorschach; Human Figure Drawing; Personality.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuio (em frequncia simples) dos artigos excludos em funo dos critrios
utilizados no levantamento da literatura cientfica realizada em 2014....................................... 41
Tabela 2: Distribuio dos participantes do estudo em funo do sexo e idade. ....................... 71
Tabela 3: Distribuio (em frequncia simples e em porcentagem) do desempenho intelectual
das crianas em funo do grupo do estudo Grupo 1 (Clnico) e Grupo 2 (Comparao). ...... 72
Tabela 4: Distribuio (em frequncia simples e porcentagem) dos participantes do estudo em
funo do sexo e do ano escolar. ............................................................................................. 73
Tabela 5: Distribuio (em frequncia simples e porcentagem) dos participantes em funo da
classificao no SDQ (verso pais). ......................................................................................... 91
Tabela 6: Resultados mdios (pontos brutos e percentis) do DFH e comparao estatstica em
funo dos grupos de crianas. ................................................................................................ 93
Tabela 7: Distribuio dos casos e sua comparao estatstica em funo do nmero de
indicadores emocionais presentes no DFH dos dois grupos de crianas. ................................... 94
Tabela 8: Caracterizao e comparao estatstica de resultados mdios na produtividade e
ritmo no Rorschach em funo dos grupos de crianas. ........................................................... 95
Tabela 9: Caracterizao e comparao estatstica de resultados mdios (em porcentagem) nos
modos de apreenso no Rorschach em funo dos grupos de crianas. ..................................... 96
Tabela 10: Caracterizao e comparao estatstica de resultados mdios nos determinantes das
respostas no Rorschach em funo dos grupos de crianas. ...................................................... 97
Tabela 11 Caracterizao e comparao estatstica de resultados mdios nos contedos,
banalidades, reatividade cromtica e frmula de angstia do Rorschach, em funo dos grupos
de crianas. ............................................................................................................................. 99
Tabela 12: Distribuio e comparao estatstica das crianas de G1 e G2 de acordo com
variveis selecionadas do Mtodo de Rorschach. ................................................................... 101
Tabela 13: Distribuio e comparao estatstica das crianas de G1 e G2 de acordo com
funcionamento lgico pelo Mtodo de Rorschach, em funo do nmero de indicadores
emocionais no DFH. ............................................................................................................. 104
Tabela 14: Distribuio e comparao estatstica das crianas de G1 e G2 de acordo com
funcionamento afetivo pelo Mtodo de Rorschach, em funo do nmero de indicadores
emocionais no DFH. ............................................................................................................. 106
Tabela 15: Distribuio e comparao estatstica das crianas de G1 e G2 de acordo com os
relacionamentos interpessoais pelo Mtodo de Rorschach, em funo do nmero de indicadores
emocionais no DFH. ............................................................................................................. 108
Tabela 16: Resultados descritivos nos instrumentos na amostra total (n = 60) e sua comparao
estatstica segundo o sexo...................................................................................................... 110
Tabela 17: Resultados descritivos, comparao estatstica das principais variveis de cada
instrumento avaliativo, e correlaes com IMC no grupo masculino (15 com obesidade e 15
eutrficos)............................................................................................................................. 112
Tabela 18: Resultados descritivos, comparao estatstica das principais variveis de cada
instrumento avaliativo, e correlaes com IMC no grupo feminino (15 com obesidade e 15
eutrficas). ............................................................................................................................ 114
SUMRIO
1. INTRODUO ........................................................................................................................21
1.1. Avaliao Psicolgica e mtodos projetivos ............................................................. 23
1.1.1. O Mtodo de Rorschach ................................................................................... 25
1.1.2. O Desenho da Figura Humana ......................................................................... 27
1.2. Obesidade Infantil ................................................................................................... 30
1.3. Componentes psicolgicos da obesidade infantil ...................................................... 33
2. OBJETIVOS .............................................................................................................................59
2.1. Geral ....................................................................................................................... 61
2.2. Especficos .............................................................................................................. 61
3. MTODOS ...............................................................................................................................63
3.1. Participantes ............................................................................................................ 65
3.2. Materiais ................................................................................................................. 74
3.2.1. Carta de apresentao da pesquisa ........................................................................ 74
3.2.2. Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) ............................................... 74
3.2.3. Termo de Assentimento .......................................................................................... 74
3.2.4. Material para clculo do IMC ............................................................................... 75
3.2.5. Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven ............................................. 75
3.2.6. Questionrio de Capacidades e Dificuldades (SDQ) .............................................. 75
3.2.7. Desenho da Figura Humana (DFH) ....................................................................... 76
3.2.8. Mtodo de Rorschach ............................................................................................ 77
3.2.9. Histrico mdico ................................................................................................... 78
3.2.10. Recursos computacionais ..................................................................................... 78
3.3. Procedimentos ......................................................................................................... 78
3.3.1. Aspectos ticos ................................................................................................. 78
3.3.2. Coleta de dados ............................................................................................... 80
3.3.3. Anlise dos Resultados ..................................................................................... 83
4. RESULTADOS.........................................................................................................................89
4.1. Resultados descritivos e comparao de valores mdios ........................................... 91
4.1.1. Questionrio de Capacidades e Habilidades (SDQ) ......................................... 91
4.1.2. Desenho da Figura Humana (DFH) ................................................................. 92
4.1.3. Mtodo de Rorschach ....................................................................................... 94
4.2. Resultados relativos a variveis com significado clnico ................................................. 102
4.3. Resultados relativos a anlises correlacionais ................................................................. 108
4.4. Resultados em funo do sexo e da idade ....................................................................... 109
4.5. Anlise comparativa do Rorschach com grupo normativo ............................................... 121
5. DISCUSSO .......................................................................................................................... 127
6. CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................. 143
7. REFERNCIAS ...................................................................................................................... 147
ANEXOS........................................................................................................................................ 157
APNDICES .................................................................................................................................. 163
21
1. INTRODUO
22
23
1.1. Avaliao Psicolgica e mtodos projetivos
Avaliao psicolgica refere-se a uma rea do conhecimento psicolgico,
constituindo processo de investigao cientfica relativo a condies psicolgicas de
indivduo/grupo, a partir da utilizao de conjunto de procedimentos tcnico-cientficos,
teoricamente fundamentados, e que consideram condies clnicas pregressas e atuais
desse indivduo/grupo (Cruz, 2004). Segundo Urbina (2007), um dos recursos para
processos de avaliao psicolgica so os testes psicolgicos, que se constituem
enquanto procedimentos sistemticos para se obter amostras significativas de
comportamentos relevantes ao funcionamento cognitivo ou afetivo, e da avaliao
destas por meio de padres definidos. Desse modo, para que uma avaliao psicolgica
seja considerada vlida e til, deve ser baseada em testes ou procedimentos
meticulosamente programados de forma a serem uniformes, devendo seguir objetivos
claros e justos, bem como serem passveis de demonstrao emprica. Da mesma forma,
os padres para avaliao das amostras obtidas devem ser baseados em dados
empricos, buscando compor adequado referencial para as anlises interpretativas dos
indicadores obtidos.
A avaliao psicolgica objetiva, em ltima instncia, buscar um conjunto de
informaes necessrias tomada de decises sobre o indivduo/grupo avaliado. Tais
decises situam-se nos mais variados contextos, tais como organizacional, jurdico,
clnico/sade, entre outros (Fensterseifer & Werlang, 2008). No presente estudo,
enfocar-se- sua utilizao em contextos de sade e tratamento, concordando com
Capito, Scortegagna e Baptista (2005) ao afirmarem que a Psicologia atua como
importante fator para a compreenso do adoecimento e, da mesma forma, das maneiras
24
de se permanecer saudvel. Como argumentam Baum e Posluszny (1999), a unio entre
a Psicologia e as Cincias Mdicas propiciou notvel desenvolvimento de ambas as
reas, expandindo o conhecimento e a compreenso de transtornos em suas facetas
psicolgicas, fsicas e comportamentais, buscando sua integrao. Pensamentos,
sentimentos e comportamentos afetam o bem-estar e a sade, devendo ser considerados
em conjunto nos servios destinados ao cuidado de pessoas.
As consideraes de Capito, Scortegagna e Baptista (2005) enfatizam a
necessidade de abordagens multidisciplinares integradas no cuidado sade, sendo esta
considerada no como ausncia de doena, mas como um estado multidimensional que
engloba condies fsica, psicolgica e social do indivduo/grupo. Assim, do ponto de
vista psicolgico, as prticas de avaliao psicolgica (enquanto processos de
investigao e compreenso do funcionamento e organizao do psiquismo individual)
podem funcionar como importantes ferramentas de auxlio no trabalho interdisciplinar
em vrias frentes: tomadas de deciso referentes a diagnsticos, a tipos de interveno
necessria, bem como sobre prognsticos.
No contexto clnico, o processo de avaliao psicolgica com o objetivo de
psicodiagnstico parte de pressupostos semelhantes, ao priorizar um enfoque
compreensivo das mltiplas informaes geradas em um caso clnico, tomando aquilo
que relevante e significativo na personalidade a fim de facilitar a indicao de recursos
teraputicos e prever possveis respostas aos mesmos (Cunha, 2007). Nesse sentido,
Arajo (2007) ao descrever as diversas abordagens tericas utilizadas no diagnostico e
avaliao psicolgica aponta que uma enriquecedora concepo de personalidade seria a
que pressupe a existncia de aspectos conscientes e inconscientes em sua dinmica e
estrutura, cujo funcionamento encontra-se bem descrito pela teoria psicanaltica. O
objetivo do psicodiagnstico, frente a isso, seria descrever e compreender a
25
personalidade do indivduo, buscando-se identificar seus elementos constitutivos e,
principalmente, a explicao da dinmica dos elementos existentes, integrados em um
quadro global (Ocampo & Arzeno, 1994).
Dentre as tcnicas de avaliao de personalidade, destacam-se os mtodos
projetivos que, sob o referencial de base psicodinmica, possibilitam o reconhecimento
de fenmenos projetivos ao considerar que a percepo externa que um indivduo tem
de certo estmulo determinada e influenciada por seu mundo interno. Assim, este se
torna passvel de ser conhecido a partir de suas expresses em produes incitadas por
estmulos pr-estabelecidos, em geral pouco estruturados (Anzieu, 1986; Fensterseifer
& Werlang, 2008). Apesar da diversidade de instrumentos existentes, figuram entre
mtodos projetivos muito utilizados, no Brasil e no mundo, o Mtodo de Rorschach e o
Desenho da Figura Humana (DFH) (Herzberg & Mattar, 2008), sendo ambos aplicveis
a diferentes grupos etrios, tnicos e socioeconmicos. Esses instrumentais sero
brevemente abordados a seguir.
1.1.1. O Mtodo de Rorschach
O Mtodo de Rorschach, desenvolvido pelo psiquiatra suo Herman Rorschach
e publicado em 1921, constitui-se por pranchas contendo borres de tinta imprecisos,
cuja interpretao proposta ao respondente. As respostas resultantes dessa tarefa
devem ser consideradas como indicadores da personalidade do indivduo, acessada a
partir de suas projees. Dessa forma, os estmulos pouco estruturados dificultam que o
indivduo se utilize de respostas estereotipadas, geradas por estmulos ambientais
comuns, facilitando a expresso livre da individualidade de sua personalidade (Yazigi,
2010). Essa liberdade de respostas geradas permite que o indivduo expresse aspectos
mais primitivos de seu psiquismo, pouco acessveis, reprimidos e inconscientes, alm
26
dos aspectos da personalidade conscientes e observveis no comportamento (Jardim-
Maran, Pasian & Okino, 2015).
O Mtodo de Rorschach baseado na percepo e comunicao verbal
elementar, mostrando-se sensvel e eficiente na captao de elementos do psiquismo
humano (Rausch de Traubenberg, 1998). Pelo tipo de material e atividade pode ser
aplicado a diferentes faixas etrias, sendo que reflexes tericas envolvidas no processo
interpretativo permitem situar o indivduo em seu contexto de desenvolvimento,
relativizando suas respostas em relao a seus pares e s caractersticas de cada etapa do
crescimento.
Enquanto um dos mtodos mais utilizados no mundo para avaliao da
personalidade (Azoulay et al., 2007), o Rorschach foi um dos primeiros mtodos com
esta finalidade a receber anlises e procedimentos tcnicos que visassem estabelecer sua
cientificidade, expandindo sua credibilidade no cenrio internacional (Fenstersifer &
Werlang, 2008). A literatura contempornea, como descrevem Pasian e Loureiro (2010),
apresenta evidncias claras de validade e da preciso tcnica do Mtodo de Rorschach.
Entretanto, para ser possvel descrever a personalidade individual, preciso poder
contextualizar seus traos especficos dentro do grupo ao qual pertence, bem como a
poca e o contexto scio cultural que os circunscrevem, o que tende a ser retratado nos
estudos normativos (Jardim-Maran, Pasian & Okino, 2015).
Este cuidado tcnico relativo a padres normativos baseados em dados
estatsticos cuida para que, alm da teoria de personalidade que embasa as
interpretaes do Rorschach, possa tambm existir cuidado com o significado destes
resultados em termos adaptativos no ambiente cultural do indivduo (Weiner, 2000).
Assim, suas respostas ao mtodo ficam contextualizadas na distribuio de um grupo
considerado como de referncia (Pasian & Loureiro, 2010). A possibilidade de
27
aprofundada compreenso do dinamismo e estruturao psquica do indivduo, bem
como sua adaptao no contexto scio cultural, permitem que se possa realizar, com
maior preciso e validade, inferncias sobre o comportamento e encaminhamentos para
intervenes mais adequadas s demandas.
1.1.2. O Desenho da Figura Humana
Da mesma forma, outro importante recurso de acesso a processos psicolgicos
latentes intervenientes no funcionamento global da personalidade, incluindo os modos
de pensar sentir ou agir (Villemor-Amaral & Pasqualini-Casado, 2006), so as tcnicas
grficas de avaliao psicolgica. Destaque se faz ao Desenho da Figura Humana
(DFH), que se aproveita de uma forma de comunicao humana primordial
(grafismo/desenho) para levantar elementos para a anlise e avaliao da personalidade
(Weschler, 2003).
Hutz e Bandeira (1995) descrevem que desde 1926 o DFH utilizado para
acessar o desenvolvimento da inteligncia, por meio dos critrios de Goodenough
(1951), posteriormente revisados por Harris em 1963. Como coloca Arteche (2006), a
compreenso do desenho enquanto expresso de aspectos desenvolvimentais pressupe
um ciclo infantil tpico, observvel tambm a partir da produo grfica. Ainda que
existam controvrsias quanto linearidade, bem como s fases do desenvolvimento, a
maioria dos autores reconhece estgios tpicos deste processo. No Brasil, o DFH
utilizado para a avaliao de aspectos cognitivos pelos sistemas avaliativos de
Weschsler (2003) e Sisto (2006), aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia (uso
restrito a psiclogos).
Outra linha de investigao dos desenhos infantis foi iniciada por Machover em
1949, recorrendo ao DFH para avaliar a personalidade (Rosa & Alves, 2014). Neste
28
sentido, como aponta Hammer (1991), o desenho entendido como mtodo projetivo de
avaliao psicolgica na medida em que aspectos do inconsciente so expressos no
grafismo, indicando aquilo que a criana sente, em lugar do que a criana v. Assim, as
produes pictricas permitiriam criana colocar no papel suas preocupaes,
angstias, desejos, problemas e satisfaes, bem como apontar s estruturas bsicas que
delineiam sua personalidade.
Em 1968, uma terceira linha investigativa sobre desenhos de crianas,
integrando o DFH como tcnica projetiva na investigao da personalidade e tambm
como avaliao cognitiva, foi desenvolvida por Elisabeth Koppitz a partir de sua
experincia clnica. Para esta pesquisadora (Koppitz, 1966), o desenho infantil refletiria
uma espcie de fotografia do estgio maturacional, bem como do estado emocional da
criana em um dado momento. Koppitz desenvolveu um sistema avaliativo do DFH
constitudo por itens evolutivos baseados nas propostas de Goodenough-Harris, cuja
presena aumenta na medida em que a criana envelhece e se desenvolve; e indicadores
emocionais, embasados no pensamento de Machover e Hammer, que teriam sua
ocorrncia independentemente da idade da criana, e seriam indicadores de dificuldades
e preocupaes emocionais destas (Kobayashi, 2015). Segundo Koppitz (1966), a
presena de dois ou mais indicadores emocionais seria altamente sugestiva da presena
de problemas emocionais e relaes interpessoais problemticas.
Segundo Saur, Pasian e Loureiro, (2010) a abordagem de Koppitz tem se
mostrado vlida e til para processos de avaliao psicolgica, permitindo informaes
referentes imagem corporal do indivduo, entre outros componentes da personalidade.
Desta forma, vrias possibilidades interpretativas dos indicadores do DFH foram
desenvolvidas ao longo de dcadas de estudos, cabendo ao avaliador optar pelo sistema
avaliativo que atenda aos seus objetivos em cada situao (Saur, Pasian & Loureiro,
29
2010). Como apontam Lilienfeld, Wood e Garb (2000), os mtodos avaliativos
envolvendo DFH tm a vantagem de apresentarem aplicaes rpidas e pouco
dispendiosas, adotando, de forma geral, um sistema de classificao e anlise especfico
para as produes dos indivduos.
Apesar da grande utilizao do DFH pelos profissionais em sua prtica clnica,
Hutz e Bandeira (1995) apontam para o baixo nmero de estudos que se ocuparam
sistematicamente da validao do uso deste teste com crianas brasileiras. Ainda, mais
recentemente, Arteche (2006) complementa que as instrumentaes projetivas quando
avaliadas em suas propriedades psicomtricas no apontam resultados satisfatrios,
sobretudo em sua validade e fidedignidade. No Brasil, essa pesquisadora se apoia nas
consideraes de Safran (1996) para afirmar que estudos que visam avaliar a validade
do DFH devem empreg-lo em conjunto a um instrumento controle ou a um mtodo
projetivo com maiores evidncias de validade, como o Mtodo de Rorschach, proposta
implementada no presente trabalho.
Dentro da imensa variabilidade de contextos de aplicao dos mtodos
projetivos de avaliao psicolgica, relevante apontar sua grande contribuio para as
prticas em Sade, sobretudo Sade Mental. Ao circunscrever esse amplo tema nas
discusses da Sade Pblica, em mbito mundial, focalizaremos as possibilidades de
contribuio dos processos projetivos de avaliao psicolgica para compreender e
pensar sobre intervenes junto crescente incidncia da obesidade e do sobrepeso.
Destaca-se, em especial, o aumento dos ndices de obesidade infantil (World Health
Organization - WHO, 2012), a seguir explorada em seus aspectos mais gerais e, em
seguida, em algumas particularidades psicolgicas.
30
1.2. Obesidade Infantil
Obesidade e sobrepeso so definidos pela WHO (2012), como acmulo de
gordura anormal ou excessivo que pode prejudicar a sade. Estudos tm mostrado alta
correlao entre obesidade na infncia e sua ocorrncia na idade adulta, bem como o
desenvolvimento de sndromes metablicas nesta fase (Sun, Liang, Huang, Daniels,
Arslanian, Liu, Grave & Siervogel, 2008; Guo, Wu, Chumlea & Roche, 2001). Nesse
sentido, diversos trabalhos apontam para a importncia do tratamento e preveno da
obesidade ainda na infncia, favorecendo a manuteno de hbitos e cuidados saudveis
durante toda a vida (Hesketh & Campbell, 2010).
Usualmente, a classificao nutricional para adultos realizada pelo ndice de
Massa Corporal (IMC), calculado a partir da diviso do valor do peso do indivduo, em
quilogramas, pelo valor de sua altura, em metros, ao quadrado. O resultado ento
classificado, segundo WHO (2012) nas categorias: baixo peso (IMC < 18,5kg/m),
eutrofia (18,5kg/m IMC < 25 kg/m), sobrepeso (25kg/m IMC < 30kg/m) e
obesidade (IMC 30kg/m). Existem, entretanto, diversos outros ndices e mtodos
para avaliao e acesso da gordura corporal e classificao nutricional, com variaes
de acordo com idade e finalidade avaliativa, como medidas de pregas cutneas e de
circunferncia abdominal. Na infncia, a avaliao nutricional com base em faixas pr-
estabelecidas de IMC, como feito para a idade adulta, inadequada devido aos
problemas gerados pela comparao da altura da criana com aquela esperada para sua
idade, o que altamente varivel (Melo, 2011).
Alternativamente, outras formas de classificao nutricional existentes permitem
melhor compreenso e avaliao do estado nutricional em crianas. O Ministrio da
Sade adota as recomendaes da Organizao Mundial da Sade (OMS) em relao
31
utilizao de curvas de referncia para essa avaliao, segundo as quais crianas
menores de cinco anos devem seguir a referncia internacional da OMS de 2006. J em
relao a crianas com cinco anos ou mais, bem como adolescentes, recomendado o
uso da referncia internacional da OMS lanada em 2007 (Sociedade Brasileira de
Pediatria - Avaliao nutricional da criana e do adolescente: Manual de Orientao,
2009). Nestes referenciais, a classificao do IMC varivel segundo a faixa de
crescimento especfica a idade e sexo da criana, diferentemente da classificao
nutricional de adultos que se baseia em faixas de IMC pr-estabelecidas.
De acordo com dados da WHO (2012), a obesidade classifica-se em quinto lugar
entre os maiores riscos para mortes globais, sendo que 2,8 milhes de adultos morrem a
cada ano por problemas decorrentes desse fenmeno. Alm disso, a obesidade predispe
o indivduo a inmeras comorbidades (diabetes, problemas cardacos, certos tipos de
cncer, entre outros), afetando todas as etnias e camadas socioeconmicas. Da mesma
forma, a obesidade infantil tambm apontada como um dos mais srios desafios
sade, sendo que, em 2010, o nmero de crianas obesas ou com sobrepeso superava a
faixa de 42 milhes, mundialmente.
No Brasil, apesar do histrico envolvendo a desnutrio, principalmente na
regio nordeste do pas, a tendncia tem sido a mesma observada em termos
internacionais, no sentido da inverso nutricional a favor da prevalncia da obesidade
(Ferreira & Magalhes, 2006). Avaliaes antropomtricas realizadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) em famlias selecionadas de todo o Brasil,
em regies urbanas e rurais no perodo entre 2008 e 2009, mostraram excesso de peso
em 33,5% das crianas entre cinco a nove anos, sendo que 16,6% dos meninos tambm
eram obesos; entre as meninas, a obesidade apareceu em 11,8%. A prevalncia de
excesso de peso variou entre 25% a 30% nas Regies Norte e Nordeste (correspondendo
32
a um valor mais que cinco vezes superior ao dficit de peso) e de 32% a 40% nas
Regies Sudeste, Sul e Centro-Oeste (mais do que 10 vezes a prevalncia do dficit de
peso). O excesso de peso tendeu a ser mais frequente em reas urbanas, em particular
nas Regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. A prevalncia da obesidade
mostrou distribuio geogrfica semelhante observada para o excesso de peso, em
menores magnitudes.
Frente ao preocupante contexto descrito, inmeros estudos buscam compreender
a obesidade infantil em suas mltiplas facetas, de forma a desenvolver estratgias
interventivas mais eficientes para cuidar desse fenmeno e suas consequncias. Os
resultados tm mostrado a complexidade do quadro, acompanhado de diversas variveis
de difcil identificao, acarretando achados contraditrios na literatura cientfica.
Entretanto, como aponta a reviso de literatura de De Niet & Naiman, (2011), parece
haver concordncia no tocante a multideterminao da obesidade, pautada por fatores
inerentes ao indivduo (como herana gentica e aspectos psicolgicos), bem como
aspectos ambientais (externos ao indivduo). So, assim, mltiplos os determinantes do
quadro de obesidade, destacando-se a forte associao a comportamentos alimentares e
estilos de vida.
Os fatores externos, tais como a influncia dos pares e do comportamento
alimentar parental, especialmente o materno, bem como transtornos psicopatolgicos
maternos e estresse prolongado na infncia, parecem estar associados ao sobrepeso da
criana (Puder & Munsch, 2010). Ainda que tais fatores assumam grande importncia
na determinao da obesidade infantil, ainda no so suficientes para explic-la de
modo global.
Em relao s caractersticas psicolgicas estudadas, na literatura cientfica
ganham destaque os fatores referentes expresso internalizada e externalizada de
33
dificuldades emocionais (Puder & Munsch, 2010). Em relao ao primeiro grupo, so
descritos problemas relacionados depresso, ansiedade, somatizaes, baixa
autoestima, insatisfao com o corpo e dificuldades de socializao. Quanto a
expresses de externalizao de vivncias psquicas, so referenciadas dificuldades em
funo do controle da impulsividade, geralmente relacionadas a comportamentos
alimentares compulsivos em crianas, bem como hiperatividade e at mesmo
agressividade, apesar de tais resultados no se mostrarem conclusivos em revises de
literatura sobre o tema (Braet, 2005; De Niet & Naiman, 2011; Incledon, Wake & Hay,
2011; Puder & Munsch, 2010).
Evidenciam-se importantes avanos na compreenso da obesidade infantil, ainda
que existam controvrsias entre achados. Grande parte dos estudos nesse tema
focalizou, at o momento, questes psicopatolgicas e suas possveis relaes causais,
como pode ser visto em detalhes no prximo tpico. Assim, muito ainda precisa ser
feito no sentido de explorar e descrever a organizao e funcionamento psquico desses
indivduos. Tais investigaes possuem importante potencial na compreenso desse
quadro clnico, possibilitando o desenvolvimento de intervenes baseadas em recursos
psquicos desses indivduos, otimizando seu desenvolvimento.
1.3. Componentes psicolgicos da obesidade infantil
Com objetivo de organizar e sistematizar informaes referentes aos elementos
psicolgicos associados obesidade infantil, foram realizados dois levantamentos da
literatura cientfica dessa rea, em momentos distintos durante desenvolvimento do
presente estudo, respectivamente em maro de 2013 e aps um ano (abril de 2014). O
primeiro levantamento objetivou analisar os principais achados que relacionassem a
34
obesidade a fatores psicolgicos, enfocando-se estudos que utilizaram o Mtodo de
Rorschach. Decidiu-se incluir nas buscas a terminologia Imagem Corporal visando
auxiliar na compreenso dos aspectos da percepo do corpo, visto que se trata de um
transtorno que afeta largamente esta dimenso individual. Para tanto, optou-se pela
utilizao das palavras-chave: Childhood obesity; Body image; Psychological
Assessment e Rorschach, em combinaes pareadas. Foram selecionadas para a
realizao da busca trs importantes bases de dados bibliogrficos, a saber: PsycINFO,
Biblioteca Virtual em Sade (BVS) e PubMed, acessadas em 20/02/2013, com
preferncia por trabalhos publicados nos ltimos 10 anos (2003-2013). Dessa forma,
realizaram-se um total de 21 consultas cujos resultados mostraram um total de 1.573
artigos, sendo 942 publicados entre 2003-2013. Deste montante, foram selecionados
para anlise os trabalhos que tratassem de caractersticas psicolgicas de crianas com
obesidade, ou revises de literatura que fornecessem informaes mais gerais sobre o
tema, porm tambm envolvendo algum instrumento de avaliao psicolgica.
Aplicados esses critrios de seleo de trabalhos foram identificados 107 estudos
publicados. Esse total de pesquisas foi examinado em seus respectivos resumos, de
modo a admitir no levantamento da literatura cientfica os trabalhos que tratassem
efetivamente de obesidade infantil e mtodos projetivos de avaliao psicolgica.
A partir desses procedimentos iniciais, 19 artigos foram considerados pertinentes
para a proposta do atual trabalho, sendo apenas um deles anterior a 2003, selecionado
por sua vinculao ao tema em estudo. A anlise pormenorizada desses 19 artigos
cientficos revelou a seguinte distribuio: nove trabalhos realizaram reviso
(sistematizada ou no) da literatura cientfica referente s temticas abordadas; um
estudo de coorte; oito estudos transversais quantitativos; e um estudo transversal
qualitativo.
35
Antes de seguir com a descrio de seus principais achados a partir de sua data
de publicao, um primeiro destaque se faz para a diversidade de hipteses e evidncias
empricas relativas aos indicadores psicolgicos vinculados obesidade em crianas.
Assim, as revises bibliogrficas que discutem a depresso (Braet, 2005; De Niet &
Naiman, 2011; Fabricatore & Wadden, 2004; Harriger & Thompson, 2012; Incledon,
Wake & Hay, 2011; Puder & Munsch, 2010; Wardle & Cooke, 2005) e autoestima
(Cornette, 2008; De Niet & Naiman, 2011; Incledon, Wake & Hay, 2011; Harriger &
Thompson, 2012; Wardle & Cooke, 2005) apontam para hipteses divergentes no
tocante a fatores psquicos associados obesidade infantil. Alguns estudos apontam a
depresso como o problema psicopatolgico mais prevalente em crianas obesas
(Harriger & Thompson, 2012), enquanto outros no apontam existncia de qualquer
associao entre as variveis (De Niet & Naiman, 2011; Incledon, Wake & Hay, 2011).
Por sua vez, Incledon, Wake e Hay (2011), alm de Wardle e Cooke (2005), sinalizam,
em suas revises, associao um pouco diferente, no sentido de que a presena de
sintomas depressivos sinaliza possvel aumento do IMC, hiptese sustentada
empiricamente.
Da mesma forma, estudos aqui analisados, referentes relao entre autoestima
e obesidade infantil, tambm no relataram resultados consensuais entre si. A reviso
bibliogrfica de Harriger e Thompson (2012) relata estudos que afirmam ser o nvel de
gordura corporal preditivo de baixa autoestima em anos posteriores. J, segundo as
revises de Incledon, Wake e Hay (2011) e Cornette (2008), baixa autoestima parece
predizer a incidncia de obesidade em crianas e adolescentes. De forma interessante,
Wardle e Cooke (2005) concluem, com base em seu levantamento da literatura
cientfica, que nveis de insatisfao corporal tendem a ser mais altos em amostras de
36
crianas e adolescentes obesos (em relao aos indivduos eutrficos), sendo
insignificante a diferena entre eles para ndices de depresso e baixa autoestima.
Embora realizado na dcada de 1990, o estudo de Dreyfus (1993) foi
incorporado no presente levantamento de literatura cientfica, visto seu carter
integrador e impacto para a rea. O trabalho parte da concepo da obesidade enquanto
sndrome multifatorial, exigindo abordagem multidisciplinar e vrios instrumentos
avaliativos para sua adequada compreenso. Utilizou entrevistas, tcnicas grficas e o
Mtodo de Rorschach enquanto instrumentos de coleta de dados, apontando a
necessidade de ampla investigao de caractersticas de personalidade, em construo
nessa etapa do desenvolvimento. Seus resultados apontam que a obesidade infantil seria
uma forma de expresso da organizao psicolgica, exigindo intervenes especficas
para o adequado cuidado desses casos clnicos.
Com objetivo de examinar variveis envolvidas no desajustamento psicolgico
de crianas e adolescentes com obesidade, Zeller, Saelens, Roehrig, Kirk e Daniels
(2004) avaliaram 121 voluntrios clnicos (45 meninos e 75 meninas), de 11 a 17 anos,
bem como o grau em que fatores maternos, demogrficos e da juventude estavam
correlacionados ao ajustamento psicolgico dos participantes do estudo, avaliados pelo
instrumento Behavior Assessment System for Children (BASC), que inclui medidas de
autorrelato e escala respondida por pais. Os resultados apontam maior percepo de
desajustamento psicolgico proveniente das descries maternas do que dos prprios
jovens. Os autores discutem que as correlaes do estudo reafirmam a associao entre
o autorrelato do jovem sobre ajustamento psicolgico com o nvel de sofrimento
psicolgico materno, destacando essa varivel para a compreenso do desenvolvimento
infanto-juvenil.
37
Hilbert, Winfried, Tuschen-Caffier, Zwaan e Czaja (2009) enfocaram a
alimentao compulsiva em 59 crianas de oito a treze anos, recorrendo metodologia
de entrevistas, a fim de investigar pensamentos e sentimentos vivenciados por crianas
com obesidade antes e depois de eventos de alimentao com caractersticas de
descontrole. Apontam que episdios de alimentao descontrolada, com ingesto
calrica significativamente elevada em relao a alimentaes cotidianas, tendem a ser
precedidos e sucedidos por cognies a respeito de comida/alimentao e relacionados
imagem corporal, com mnimas evidncias de estados de humor negativos antecedendo
a perda de controle. Concluem afirmando a necessidade de investigao aprofundada
entre dificuldades de regulao do afeto e comportamento alimentar em crianas.
Com base em estudo qualitativo, Mriaux, Berg e Hellstrm (2010) descreveram
experincias cotidianas de vida, corpo e bem-estar de crianas com sobrepeso,
entrevistando 16 voluntrios de 10 a 12 anos. Seus dados apontam adequada imagem
corporal nas crianas, embora preocupadas com o corpo e conscientes de estilos de vida
saudveis, ainda que no planejassem coloc-los em prtica.
Certos trabalhos indicam ainda relao entre sobrepeso e problemas de
socializao, como atitudes agressivas e antissociais, alm de maior ndice de
apresentao de Transtorno do Dficit de Ateno e Hiperatividade (TDAH) (Puder &
Munsch, 2010). A reviso de estudos qualitativos com crianas inglesas, realizada por
Rees, Oliver, Woodman e Thomas (2011), apresenta contedos de falas de crianas com
sobrepeso. Evidenciam autopercepes de mudanas negativas no prprio
comportamento, com relatos de experincias de bullying como estopim para atitudes de
retaliao e agressividade repentina, levando muitas vezes a punies na escola. Nesse
sentido, ao discutir a incidncia de baixa autoestima, Harriger e Thompson (2012)
retomam discusses que indicam no ser a condio de peso, em si, que influenciaria a
38
autoestima, mas sim fatores sociais, relacionados ao peso, que poderiam estabelecer
essas possveis associaes.
Apesar da grande disparidade de resultados entre possvel associao da
obesidade e componentes psicolgicos, importantes variveis intervenientes foram
identificadas. Trabalhos que enfocaram diferenas entre gnero/sexo (Cornette, 2008;
De Niet & Naiman, 2011; Fabricatore & Wadden, 2004; Incledon, Wake & Hay, 2011;
Harriger & Thompson, 2012; Wardle & Cooke, 2005) apontam existncia de maior
suscetibilidade de meninas baixa autoestima, bem como a sintomas depressivos e
insatisfao corporal. A reviso de Rees, Oliver, Woodman e Thomas (2011),
enfocando as prprias percepes de crianas, aponta para presses da mdia e dos
ideais sociais de beleza feminina como fontes das prprias percepes infantis,
sugerindo que as crianas tendem a formar forte ligao entre magreza e feminilidade, o
que precisa ser examinado em novas investigaes.
Em relao idade, a autoestima, mas no a depresso, estabeleceria maior
associao com a obesidade na adolescncia. Segundo Incledon, Wake e Hay (2011), a
obesidade no seria preditora de baixa autoestima na infncia, podendo, contudo, existir
mudanas em anos posteriores. A autoimagem e autoestima sofreriam, segundo os
autores, maior impacto de variaes de peso corporal durante a adolescncia.
Em termos de evidncias empricas com delineamento de coorte, White,
Nicholls, Christie, Cole e Viner (2012) buscaram estudar aspectos da hiperatividade e
capacidade de ateno na infncia e o risco para obesidade ao longo da vida (coorte
britnico de 1970). Os 16.567 participantes do estudo foram acompanhados em
diferentes momentos da vida: com cinco anos, 10 anos, 16 anos, 26 anos, 29-30 anos e
34 anos (n = 9.316), utilizando-se escalas adaptadas e respondidas por pais e professores
sobre os aspectos estudados, e as mes tiveram seu bem-estar psicolgico avaliado. Os
39
resultados indicam consistente relao entre crianas com problemas psicolgicos em
geral, particularmente hiperatividade e problemas de ateno, com a obesidade na vida
adulta. Os autores discutem seus resultados com base na associao j estabelecida na
literatura cientfica entre impulsividade e comportamento alimentar compulsivo,
acarretando aumento do IMC.
A partir do levantamento aqui realizado h que se comentar que o delineamento
transversal e quantitativo foi mais frequente na literatura cientfica da rea. Esses
estudos utilizaram prioritariamente faixas de IMC para sobrepeso ou obesidade como
critrio de incluso nas amostras, bem como escalas de figuras de silhuetas humanas
para o acesso imagem corporal ou o uso de inventrios para exame dos quadros
clnicos estudados.
Notou-se, da mesma forma, a priorizao de instrumentos objetivos para
avaliao de sintomatologia depressiva, em especial o Inventrio de Depresso Infantil
(CDI), utilizado nos trabalhos de Caldern, Forns e Varea (2010), com 281 adolescentes
clnicos entre 11 e 17 anos; Li, Ma, Schouten, Hu, Cui, Wang e Kok (2007), com 3.886
crianas chinesas de nove e dez anos; Shin e Shin (2008), contando com 413 crianas
do quinto e sexto ano escolar; e tambm em Young-Hyman, Tanofsky-Kraff, Keil,
Cohen, Peyrot e Yanovski (2006). Outra varivel enfocada nesses estudos foi o nvel de
ansiedade infantil, avaliado tambm por instrumentos objetivos, como o Inventrio de
Ansiedade Estado-Trao (STAI) e sua forma infantil, Inventrio de Ansiedade Estado-
Trao para Crianas (STAIC), utilizado nos trabalhos de Caldern, Forns e Varea
(2010) e Young-Hyman, Tanofsky-Kraff, Keil, Cohen, Peyrot e Yanovski (2006),
respectivamente. Ainda, o trabalho de McCullough, Muldoon e Dempster (2009), com
211 crianas escolares, examinou a possvel associao entre autoestima e obesidade
infantil a partir da Escala de Autopercepo de Harter.
40
Como apontado nas citadas revises da literatura cientfica, os resultados
empricos confirmaram fatores intervenientes na relao entre obesidade e
sintomatologia depressiva/ansiedade e autoestima, porm com variadas nfases nos
pesos dessas variveis. Foram destacados como relevantes para tendncia obesidade
infantil: indicadores de comportamentos alimentares compulsivos, presena de
insatisfao corporal, bullying e provocaes sociais referentes ao peso corporal, alm
de claras diferenas em funo do sexo.
Cerca de um ano mais tarde (abril de 2014), realizou-se novo levantamento da
literatura cientfica sobre o tema da obesidade infantil, de modo a acompanhar os
estudos dessa rea. Efetuou-se a opo pelas seguintes bases de dados: LILACS (visando
representar de maneira mais direta publicaes nacionais, literatura Latino-Americana e
do Caribe em Cincias da Sade,); PubMed e PsycInfo (base de dados da Associao
Psicolgica Americana - APA, escolhida por representar de maneira mais contundente a
produo internacional de estudos da rea da Psicologia). Optou-se, neste levantamento,
pelas seguintes palavras-chave, consideradas apropriadas ao objetivo da busca:
"childhood obesity" (obesidade infantil); personality (personalidade); "psychological
assessment" (avaliao psicolgica) body image (imagem corporal); "psychological
aspects" (aspectos psicolgicos); e "projective techniques" (tcnicas projetivas). A
busca em cada base determinou que alteraes especficas fossem efetuadas nas
combinaes entre as palavras, visando acessar de modo mais apropriado cada base de
dados.
Optou-se por incluir apenas artigos cientficos, que representam a produo
cientfica divulgada nos peridicos indexados s bases bibliogrficas pesquisadas. Estes
artigos deveriam referir-se primordialmente temtica psquica da obesidade infantil,
ou seja, estudar aspectos do psiquismo da criana de zero a 12 anos de idade e com
41
obesidade, alm de estar disponvel nos idiomas portugus, ingls, espanhol e francs.
Foram excludos os trabalhos repetidos entre as bases bibliogrficas; estudos que
envolvessem validaes/avaliaes de instrumentos ou programas especficos de
interveno; e trabalhos que enfocassem exclusivamente a percepo ou peso parentais.
O resultado deste segundo levantamento de literatura cientfica, realizado em
abril de 2014, totalizou 805 trabalhos. Entretanto, vrios textos foram excludos por
encontrarem-se repetidos entre as bases ou de acordo com os critrios de
excluso/incluso estabelecidos, como pode ser visto na Tabela 1.
Tabela 1: Distribuio (em frequncia simples) dos artigos excludos em funo dos
critrios utilizados no levantamento da literatura cientfica realizada em 2014.
Critrio de excluso Nmero excludos
Repetidos 96
Abordar transtornos alimentares (e no a obesidade) 22
No abordar a temtica psquica 222
Estudos com casos de comorbidades fsicas e mentais na criana 22
Estudos com grupos especficos (traumas, diferenas raciais) 18
No ser artigo cientfico 35
Avaliaes/validaes de instrumentos especficos 22
Avaliaes de programas interventivos para perda de peso 78
No estarem publicados em ingls/portugus/espanhol/francs 17
Fatores relacionados exclusivamente a percepes/peso parentais 26
No abordar obesidade/obesidade infantil 46
No descrever faixa-etria infantil (0-12 anos) 139
42
Total 743
O total de artigos efetivamente excludos nesse segundo levantamento
corresponde a 726 manuscritos, visto que alguns trabalhos preencheram mais de um
fator de excluso. Com relao aos estudos excludos devido lngua de publicao,
encontraram-se seis trabalhos em italiano, quatro estudos em alemo, dois em polaco,
um trabalho em noruegus, um em chins, um trabalho em rabe, um em hngaro e um
estudo em russo.
Assim, foram selecionados para anlise 79 trabalhos considerados pertinentes
aos objetivos dessa reviso da literatura cientfica, optando-se por descrev-los em
funo de algumas variveis a fim de facilitar sua compreenso e posterior discusso.
Para tanto, foi necessrio realizar a busca do trabalho na ntegra, o que resultou em 60
trabalhos disponveis. Para os 19 estudos no resgatados de modo integral, as
informaes presentes no resumo disponibilizado pelos autores foram consideradas, de
modo a caracterizar o conjunto de artigos cientficos identificados nesse segundo
momento.
Em termos de distribuio das publicaes cientficas realizadas por ano,
observou-se que no perodo de 1973 a 1994 houve um ou dois artigos anuais, taxa que
se elevou nos anos de 1995 a 2000 (trs a quatro trabalhos anuais), decrescendo depois
ao patamar inicial (anos 2001 a 2004). Em 2005 foram identificados nove artigos sobre
o tema em foco, taxa que sofreu alguma variao desde ento, porm desde 2009 h oito
a dez trabalhos publicados por ano, at 2013. Ou seja, h tendncia a maior divulgao
cientfica sobre o tema da obesidade infantil nos ltimos anos.
O acesso ao pas de origem da publicao foi disponibilizado somente nos
trabalhos resgatados de modo integral, totalizando 60 artigos. Os EUA figuram na
43
primeira posio com 22 trabalhos, seguido pelo Brasil (com nove artigos publicados),
Reino Unido (seis estudos), Canad (quatro trabalhos) e Austrlia (trs artigos). A partir
da figuram (com dois artigos publicados sobre o tema) os seguintes pases: Noruega,
Espanha, Portugal, Alemanha, Coria do Sul e Blgica. Seguem, por fim, os pases com
um trabalho publicado no perodo examinado: Frana, Sua, Sucia e Itlia.
Ainda, com relao aos delineamentos das pesquisas, optou-se por classific-los
em: a) estudos descritivos (trabalhos empricos de observao de uma amostra e sua
caracterizao, 26%); b) estudos descritivos comparativos (trabalhos empricos com
grupos distintos pr-determinados cujos resultados foram comparados, 45%); c) estudos
tericos ou de reviso sistemtica da literatura (22%); d) estudos longitudinais (7%).
Optou-se tambm pela anlise do construto psicolgico abordado nos estudos,
destacando que um mesmo trabalho poderia abordar vrios elementos. Dessa forma, os
construtos foram pontuados de forma independente (nmero de vezes que cada aspecto
psicolgico foi abordado), e no referentes ao nmero total de manuscritos pesquisados.
A Figura 1 descreve os dados de 76 artigos, sendo que trs artigos (no resgatados de
forma integral) no disponibilizaram informaes suficientes para a categorizao dos
construtos em estudo.
44
Figura 1: Distribuio (frequncia simples) dos construtos psicolgicos abordados em
76 artigos da reviso da literatura cientfica.
Observa-se que, alm do construto imagem corporal e personalidade, que
foram propositadamente inseridos na busca bibliogrfica, os elementos autoestima,
depresso, ansiedade, qualidade de vida, autoconceito,
comportamento/conduta e atitudes/habilidades para atividades fsicas,
temperamento, lcus de controle, dficit de ateno/hiperatividade e
vitimizao/bullying tambm aparecem como aspectos avaliados nas crianas e seus
pais. Foi possvel notar, ao longo do perodo pesquisado, que o tema da Imagem
Corporal constante nos estudos, bem como caractersticas de personalidade. Ao longo
dos anos, houve interesse mais especfico em alguns construtos, a saber: autoestima,
ansiedade e depresso, menos frequentes at a dcada de 1980.
Outro elemento de interesse para o presente trabalho voltou-se aos instrumentos
de avaliao psicolgica utilizados nesses estudos. O resultado desta anlise baseou-se
em 60 trabalhos, visto que 14 estudos no utilizaram instrumentos especficos de
avaliao, bem como outros cinco estudos no disponibilizaram esta informao em
45
seus resumos. Um mesmo estudo pode utilizar mais de um instrumento avaliativo, de
forma que os dados se referem frequncia com que estes foram utilizados,
independentemente no nmero total de manuscritos examinados. Os principais
instrumentos de avaliao identificados nos estudos foram: escalas de autorrelato
(28%); escalas de silhuetas (19%); questionrios (19%); inventrios (18%);
instrumentos projetivos (8%); checklists (5%); entrevistas (2%) e observaes (1%).
Optou-se por separar escalas de autorrelato diversas de escalas de imagem corporal
(compostas de figuras de silhuetas humanas com diferentes ndices de massa corporal)
para possibilitar maior discernimento na anlise.
Finalmente, para o mbito do presente estudo, julgou-se pertinente especificar o
mtodo projetivo utilizado nos 10 estudos que fizeram uso desse recurso tcnico. Em
ordem de maior utilizao encontrou-se o Desenho de Figura Humana (DFH) em sete
estudos, o Mtodo de Rorschach em dois trabalhos, o Holtzman Inkblot Technique (um
estudo) e o Teste de Apercepo Infantil (CAT, um estudo). Em um desses trabalhos o
Desenho da Figura Humana (DFH) e o CAT foram utilizados conjuntamente.
A partir das anlises descritivas dos dados encontrados nessa reviso da
literatura cientfica, pode-se apontar o gradual aumento das pesquisas na rea, cujo
primeiro trabalho selecionado foi publicado em 1973. A elevao do nmero de
investigaes cientficas sobre o tema da obesidade infantil pode estar relacionada
crescente preocupao dos rgos de Sade Pblica com esse quadro clnico e suas
implicaes, segundo a Organizao Mundial da Sade (WHO, 2014). Tambm cada
vez mais aceita a multidisciplinaridade e multidimensionalidade envolvida na
compreenso da obesidade infantil e de processos interventivos eficazes (Carvalho,
Cataneo, Galindo & Malfar, 2005; Gonalves, Silva & Antunes, 2012). Esta
46
perspectiva permite o investimento em outros aspectos da sade da criana alm do
clnico-nutricional, como o mbito psicolgico.
Com relao origem das publicaes, percebe-se que a grande maioria dos
trabalhos foi realizado na Amrica do Norte, sobretudo nos Estados Unidos. Em
seguida, destaca-se o Brasil, mas preciso considerar que a escolha das bases de dados
relativiza tal resultado. Com menor destaque, porm alta qualidade metodolgica,
aparecem a Austrlia, pases europeus e a Coria do Sul. O alto ndice de trabalhos
concentrados nos Estados Unidos pode refletir a preocupao particular deste pas com
a elevada incidncia da obesidade. Segundo Ogden, Carroll, Kit e Flegal (2014), desde a
dcada de 1970 o ndice de obesidade mais que dobrou nos Estados Unidos, sendo que
hoje 68,5% dos adultos com mais de 20 anos apresentam peso elevado, dos quais 34,9%
esto obesos. O mesmo estudo encontrou que, dentre as crianas americanas (dois a 19
anos), 31,8% esto acima do peso, sendo que destas 16,9% preenchem critrios para
obesidade.
importante ressaltar, no entanto, que existem dados contrastantes com relao
aos ndices de obesidade e sobrepeso de diferentes pases, como apontado em pesquisa
realizada pelo rgo de Sade Pblica do Reino Unido (2012), englobando achados de
diversas instituies internacionais, comparando a prevalncia da obesidade em adultos.
Os extremos da comparao mostram que, no ano de 2010, os Estados Unidos
apresentavam ndice de 35,9% de obesidade, enquanto o Japo apresentava 3,5% de
prevalncia desse quadro clnico e, a Coria do Sul, 4,1%. Este apontamento
indicativo da importncia das ressalvas culturais inerentes ao pas onde se realiza o
estudo sobre a obesidade.
Outro aspecto que se destaca a partir do presente levantamento da literatura
cientfica relativo ao delineamento das pesquisas. Devido ao carter clnico do objeto
47
de estudo, grande parte dos trabalhos emprico-descritiva ou descritivo-comparativa,
ou seja, visa descrever caractersticas psicolgicas de um grupo de indivduos e
compar-las a posteriori. Exemplo desse tipo de pesquisa o trabalho de Li, Ma,
Schouten, Hu, Cui, Wang e Kok (2007), onde um grupo representativo de crianas
chinesas foi caracterizado em funo do peso corporal e de componentes psicolgicos.
Outro exemplo de estudo realizado com frequncia na rea o delineamento de
comparao de caractersticas de dois grupos pr-selecionados (por exemplo, um grupo
de obesos e outro de no obesos, como realizado no estudo de Luiz, Gorayeb &
Liberatore Jnior, 2010). Apesar de tais metodologias mostrarem-se adequadas ao
contexto, no se pode deixar de apontar limitaes nesses trabalhos, uma vez que, ao
descreverem covariaes, no conseguem determinar relaes de causa e efeito entre os
aspectos estudados e a obesidade. Esta peculiaridade propicia alguns vieses
interpretativos a serem devidamente ponderados a respeito desse tipo de achados, antes
de concluses sobre o tema em foco. Estudos longitudinais, por sua vez, evitariam este
tipo de problema, mas tendem a ser pouco utilizados, possivelmente por seu alto custo
financeiro e temporal.
Alm do aumento das publicaes ao longo das ltimas dcadas, pode-se
observar tambm diversificao e flexibilizao dos construtos enfocados, alargando o
leque das hipteses de variveis envolvidas no processo da obesidade. Esta mudana
possibilita investigar mltiplos fatores que determinam, influenciam ou alteram o curso
da obesidade.
Em relao aos construtos psicolgicos focalizados, a imagem corporal se
apresenta como objeto de pesquisa constante desde o incio da produo cientfica do
campo, o que pode explicar a grande variedade de instrumentos e escalas destinados a
esta investigao. A preocupao com a autoestima das crianas e sua relao com o
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transtorno aparece um pouco depois, mas assume tambm significativo espao nos
trabalhos realizados. Como aponta Cobreros (2008), a obesidade constitui-se em doena
crnica visvel e, por isso, alvo de estigmas que estariam de alguma forma associados
elevada autoexigncia e baixa autoestima em crianas portadoras dessa sndrome.
Alm disso, observa-se o surgimento e rpido crescimento de estudos enfocando
aspectos psicopatolgicos associados obesidade, que se apresentam em publicaes
mais recentes (a partir dos anos 2000), sendo estes representados prioritariamente pelos
sintomas depressivos e de ansiedade, e que, da mesma maneira que a autoestima, j
conquistaram considervel nmero de estudos. Entretanto, os resultados das associaes
entre tais sintomas e a obesidade mostram-se complexos e muitas vezes contraditrios.
Tais discordncias puderam ser constatadas tanto dentro dos resultados das prprias
revises, como tambm entre diferentes trabalhos aqui analisados (Cornette, 2008;
Incledon, Wake & Hay Me, 2011; Puder & Munsch, 2010), o que tambm foi detectado
no primeiro levantamento da literatura cientfica realizado nesse trabalho. Nesse
sentido, tem-se hipotetizado que a relao destes aspectos psicopatolgicos com a
obesidade pode estar sendo mediada por outras variveis, tais como baixa autoestima,
bullying, insatisfao com o corpo, gnero, entre outros (Cornette, 2008; De Niet &
Naiman, 2011; Incledon, Wake & Hay, 2011; Harriger & Thompson, 2012; Wardle &
Cooke, 2005).
Considerou-se importante aos propsitos deste trabalho analisar os tipos de
instrumentos mais utilizados para acessar os construtos psicolgicos, uma vez que cada
instrumental permite informaes peculiares. Notou-se uso prioritrio de escalas e
questionrios, possivelmente pela objetividade e clareza dos resultados oferecidos por
estes instrumentos. J a metodologia projetiva, entrevistas e observaes, que fornecem
dados de natureza descritiva e a partir de princpios psicodinmicos, tiveram uso menos
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frequente entre os trabalhos identificados no levantamento da literatura cientfica.
Dentre estes ltimos, o Desenho da Figura Humana (DFH) foi o mtodo projetivo com
maior uso, seguido pelo mtodo de Rorschach, o teste de manchas de Holtzman e o
Teste de Apercepo Temtica Infantil (verso animal - CAT-A). Ou seja, envolvem
poucos instrumentos projetivos, configurando-se como campo relativamente pouco
explorado quando comparado com os demais mtodos de avaliao ao psiquismo
infantil.
Ao focalizar a anlise em artigos voltados ao tema da obesidade e possveis
associaes com caractersticas de personalidade, identificam-se nove trabalhos
integralmente recuperados, com distintas linhas tericas e delineamentos. Destes, sete
so estudos empricos e dois so trabalhos tericos, sinteticamente explorados a seguir,
conforme sua cronologia.
Dentre os trabalhos empricos, os estudos de Carvalho (2001) e Cardoso e
Carvalho (2007) realizaram ampla avaliao psicolgica, no s de caractersticas de
personalidade, mas tambm construtos como ansiedade, autoconceito, ndices
emocionais e cognitivos (a partir do Desenho de Figura Humana). Em Carvalho (2001),
a ansiedade e lcus de controle foram acessados por meio de escalas, alm de avaliao
quantitativa e qualitativa do DFH visando averiguar problemas emocionais. Comparou
seus resultados a um grupo controle, no encontrando diferenas significativas. J
Cardoso e Carvalho (2007) utilizaram instrumento avaliativo da ansiedade-trao e da
ansiedade-estado, escala para lcus de controle e DFH. Identificaram em seus
participantes produo compatvel com os parmetros mdios do grupo de referncia,
sem particularidades nas crianas com obesidade.
Ao adotar abordagem psicanaltica para sua pesquisa, Cobreros (2008) utilizou o
Questionario de Personalidad para Nios como instrumento de coleta de dados,
50
permitindo classificao pautada em extremos: reservado/aberto; baixa inteligncia/alta
inteligncia; afetado por sentimentos/emocionalmente estvel; calmo/excitvel;
submisso/dominante; sbrio/entusiasta; despreocupado/consciente;
coibido/empreendedor; sensibilidade dura/sensibilidade branda; seguro/irresoluto;
simples/astuto; sereno/apreensivo; pouco/muito integrado; relaxado/tenso. Alm disso,
possibilita identificao dos seguintes fatores de segunda ordem: ansiedade alta/baixa;
introverso/extroverso; calma/excitabilidade-dureza. Foram includos na amostra desse
estudo, trs grupos de crianas: com obesidade, eutrficas e com diabetes. Consegue,
ento, comparar traos de personalidade comuns em ambos os quadros clnicos crnicos
em relao ao grupo eutrfico saudvel, identificando algumas especificidades. No
grupo obeso os pesquisadores encontraram sinais de adaptao pessoal, porm com
maior insatisfao consigo e menor autoestima. No foram observados traos
especficos de personalidade no grupo com obesidade. As diferenas encontradas
distanciam os grupos de crianas com patologias crnicas (diabticos e obesos) do
grupo de crianas saudveis eutrficas. Neste sentido, o grupo com quadros clnicos
apresentava plo mais negativo na varivel inteligncia, indicando intelectualidade
deficitria e pensamento concreto, com aprendizagem e compreenso lentas. Os fatores
de sensibilidade, integrao e excitabilidade tambm demonstraram diferena
significativa, sendo que as crianas com obesidade ou com diabetes sinalizaram carter
mais dependente, impressionvel, submisso, prudente, sentimental, autodisciplinado,
socialmente escrupuloso, pouco expressivo e elevado controle emocional. J o grupo
saudvel eutrfico mostrou-se mais independente, autoconfiante, entusiasta, vital,
obstinado, perspicaz, calculista e descuidado das regras sociais. Frente aos achados, os
autores refletem sobre a possibilidade de padres de personalidade prprios de crianas
com enfermidades crnicas em lugar de padres especficos de cada patologia.
51
O trabalho de Mishima e Barbieri (2009) aborda a personalidade, assim como o
estudo de Cobreros (2008), a partir do referencial psicanaltico. Entretanto, utilizam-se
dos mtodos projetivos CAT-A e DFH para acessar a dinmica psquica, aqui entendida
sob o referencial de Winnicot como o processo de interao entre o mundo interno do
indivduo e o mundo externo. Por se tratar de estudo de caso, os resultados trazem dados
minuciosos e hipotticos a respeito da organizao psquica especfica da criana
examinada, elementos de difcil generalizao e comparao com os demais achados da
atual reviso da literatura cientfica.
O estudo de Hartmann, Czaja, Rief e Hilbert (2010) trabalha com o modelo de
personalidade biossocial de Cloninger, segundo a qual temperamento e carter so
distintos. Temperamento envolve aspectos estveis da personalidade, biologicamente
determinados, enquanto o carter, por sua vez, seria desenvolvido a partir da interao
entre o temperamento e o ambiente. O instrumento utilizado nesse estudo foi um
inventrio respondido pelos pais das crianas participantes, visando acessar quatro
dimenses do temperamento (busca pelo novo; evitao de danos; dependncia de
recompensa e persistncia) e trs dimenses do carter (auto direcionamento;
cooperativismo; auto transcendncia). Alm disso, as crianas responderam a um
inventrio sobre impulsividade, comportamentos de risco e empatia, considerados pelos
autores como complementares ao estudo da personalidade. Os resultados sugerem
padro especfico de traos de personalidade para crianas com episdios de
alimentao compulsiva (LOC Lost Of Control over eating). O grupo com LOC
apresentou menor auto direcionamento e cooperativismo do que o grupo de
comparao. Da mesma forma, crianas com LOC foram significativamente mais
impulsivas. As dimenses da personalidade foram significativamente correlacionadas
com maior ndice de psicopatologias em geral, mas no a transtornos alimentares ou a
52
presena de LOC. Os pesquisadores hipotetizam a existncia de um padro distinto de
comportamento alimentar em crianas com LOC, vinculado a seus traos de
personalidade, porm sugerem estudos longitudinais para examinar se certos padres de
personalidade nesta populao contribuem para diferenas em possveis manifestaes
psicopatolgicas em momentos posteriores da vida da criana.
Os instrumentos usados nos estudos desenvolvidos por Romo, Coffec e
Guilmin-Crepon (2012) e Vollrath, Hampson e Juliusson (2012) tm por base a teoria
dos cinco grandes fatores da personalidade (modelo Big Five), sendo eles neuroticismo
ou instabilidade emocional, extroverso, amabilidade ou benevolncia, escrupulosidade
ou conscienciosidade, e abertura para a experincia ou imaginao. Tal modelo permite
aos autores discutir seus objetivos em funo das vantagens e desvantagens que os
traos de personalidade apresentados pelos participantes facilitam ou dificultam a
motivao mudana de hbitos (Romo, Coffec & Guilmin-Crepon, 2012) ou uma
propenso ao tipo de consumo alimentar (Vollrath, Hampson & Juliusson, 2012).
interessante apontar que, em ambos os trabalhos, estes inventrios so preenchidos
pelos pais das crianas, ainda que em Romo, Coffec e Guilmin-Crepon (2012) tenha
sido aplicado um instrumento avaliativo tambm nas crianas. Os resultados do estudo
supracitado no encontraram relao entre traos de personalidade dos pais e sobrepeso
dos filhos. J a avaliao de personalidade das crianas discutida com cautela, com
indicadores de aumento do neuroticismo podendo testemunhar aumento da sensibilidade
a afetos negativos em crianas com obesidade. Da mesma forma, a elevao da
extroverso, abertura, e conscienciosidade seriam fatores positivos interveno
teraputica em quadros de obesidade infantil.
A pesquisa desenvolvida por Vollrath, Hampson e Juliusson (2012) comparou
ndices dos cinco grandes fatores de personalidade com hbitos alimentares de crianas,
53
controlando idade e escolaridade materna. Descrevem que crianas menos benevolentes
consumiam mais bebidas doces, e meninas menos conscienciosas e mais neurticas
ingeriam menos bebidas adocicadas. Meninos e meninas mais benevolentes e
imaginativos consumiam mais frutas e vegetais, assim como meninos mais
extrovertidos, conscienciosos e menos neurticos. Ao controlar a educao materna, os
autores encontraram que meninos e meninas menos extrovertidos e meninas menos
benevolentes e conscienciosas e mais neurticas tinham maior propenso a estarem com
sobrepeso ou com obesidade. Os autores concluem que os traos de personalidade das
crianas exercem importante e ainda pouco compreendido papel nas dietas alimentares e
sugerem novos estudos para auxiliar esta compreenso.
Finalmente, os estudos desenvolvidos por Braet (2005) e De Niet e Naiman
(2011) constituem-se como trabalhos tericos, descrevendo aspectos psicolgicos gerais
concernentes obesidade infantil, apresentando subtpicos que abordam brevemente a
personalidade. De Niet e Naiman (2011) descrevem a personalidade em traos,
enfocando, sobretudo, os achados referentes a impulsividade e busca por diverso em
casos de obesidade. Na mesma linha, Braet (2005) descreve a personalidade como fator
que desempenha forte papel no desenvolvimento ou manuteno da obesidade. Destaca
tambm escores mais altos em questionrios para impulsividade e fatores de
externalizao (descrito como maior responsividade a estmulos externos, como
cheiros e imagens, em detrimento de sensaes internas como saciedade) como traos
de personalidade em casos de obesidade em crianas, ainda que aponte a inexistncia de
consenso terico e emprico sobre o tema.
A partir dos estudos identificados no levantamento da literatura cientfica sobre a
obesidade infantil foi possvel notar uma definio polissmica para o construto
54
personalidade, influenciada pela perspectiva terica de cada investigador. Depreendeu-
se estudos que consideraram aspectos isolados da personalidade, como trao de
ansiedade, lcus de controle (Carvalho, 2001; Cardoso & Carvalho, 2007), ao lado de
trabalhos que buscaram descrio global do indivduo a partir de traos principais de
sua personalidade (Cobreros, 2008; Hartmann, Czaja, Rief & Hilbert, 2010; Romo,
Coffec & Guilmin-Crepon, 2012; Vollrath, Hampson & Juliusson, 2012) e um trabalho
cuja caracterizao do psiquismo foi descrito pela dinmica de suas relaes, no se
caracterizando por traos especficos (Mishima & Barbieri, 2009).
Aps esse trabalho, buscou-se identificar pesquisas com o tema da obesidade
infantil e que tivessem trabalhado com tcnicas grficas de investigao psicolgica,
sobretudo o Desenho de Figura Humana (DFH). Desse modo, foram detectados trs
estudos adicionais que utilizaram o DFH como ferramenta para acessar a personalidade
de crianas com obesidade e sero apresentados em ordem cronolgica.
Azevedo (2003) props-se a investigar, a partir da abordagem psicossomtica
(que considera a obesidade como sintoma e expresso inconsciente de transtornos
emocionais), a personalidade de 30 crianas com obesidade e 30 crianas de peso
normal, de sete a 13 anos de idade. Sistematizou a presena dos Indicadores Emocionais
(IE) de Koppitz (1966) na produo dos DFH desses participantes. A autora encontrou
significativo maior nmero de IEs e escores mais altos nas crianas com obesidade,
corroborando a viso de Koppitz de que o aumento desses indicadores est associado ao
comprometimento emocional da criana. Os IEs evidenciariam sinais de conflito no
psiquismo e, como tal, revelaram evidncias de ansiedade. Nesse sentido, as crianas
com obesidade apresentaram mais indicadores de dificuldades emocionais do que as de
peso normal.
55
Os indicadores Figura Inclinada, Omisso do Nariz e Braos Curtos
apareceram com maior frequncia no grupo com obesidade. Tais indicadores, segundo
Koppitz (1966), seriam mais frequentes em desenhos de crianas com transtornos
psicossomticos. A omisso do nariz est associada conduta tmida e retrada, com
ausncia de agressividade manifesta e reduzido interesse social. J a presena de braos
curtos relacionada tendncia ao retraimento, ao fechamento sobre si e inibio de
impulsos; enquanto o desenho inclinado associado a insegurana, instabilidade. As
pesquisadoras comentam que, segundo Koppitz (1966), crianas menos impulsivas ou
reprimidas poderiam redirecionar sua agressividade para si prprias, tendendo a
desenvolver sintomas psicossomticos quando frustradas e ressentidas, diferentemente
de crianas agressivas, as quais revelariam menor controle de impulsos, voltando-os
para fora.
Uma investigao mais recente nessa rea foi desenvolvida com objetivo de
investigar a relao entre a sintomatologia depressiva e a obesidade em crianas
(Kitamura, Delvan, Schlsser & Lanoni-Jr., 2013). Para tanto oito crianas entre sete e
11 anos, diagnosticadas com obesidade, responderam ao Inventrio de Depresso
Infantil (CDI) e realizaram o DFH, avaliado pelos Itens Evolutivos e Indicadores
Emocionais de Koppitz, enquanto os pais responderam a um questionrio e a anamnese.
Como resultados os pesquisadores encontraram ausncia de sintomatologia depressiva
nas crianas avaliadas. Entretanto, sete das oito crianas avaliadas apresentaram mais
que dois IEs, sugerindo problemtica emocional. Os indicadores mais presentes entre as
crianas foram braos curtos e assimetria grosseira dos membros. Este ltimo
indicador, como descrevem os autores, estaria possivelmente associado falta de
coordenao e pobreza de controle muscular fino, mas tambm poderia refletir o
sentimento da criana de no estar bem coordenada e sem adequado equilbrio interno.
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Ainda pautado na produo infantil a partir do DFH, o estudo de Haldelzalts e
Ben-Artzy-Cohen (2014) objetivou estudar as caractersticas altura, largura e
incluses/omisses de detalhes dos desenhos e sua relao com a imagem corporal
medida por escala de autorrelato (Escala de Imagem Corporal de Gray) e
comportamentos de dieta e IMC. Avaliaram 54 estudantes de Psicologia do sexo
feminino, de 20 a 27 anos de idade, subdivididas de acordo com seu relato sobre dietas
alimentares (27 mulheres relataram nunca terem feito dieta alimentar, 27 mulheres com
relato de dieta alguma vez na vida, das quais 13 reportaram terem estado em dietas tanto
no passado como no presente, e 14 mulheres reportaram estar em dieta no presente). Os
resultados apontam que os desenhos das mulheres em dieta para perda de peso foram
menores que as demais, porm no de maneira significativa. Entretanto, as dimenses
mensuradas do DFH mostraram significativa e positiva correlao com os resultados da
escala de autorrelato, na medida em que figuras maiores estavam associadas a melhor
imagem corporal. No foram encontradas diferenas estatisticamente significativas
entre os grupos de mulheres no tocante a incluses / omisses no DFH.
Pode-se notar que o DFH foi e ainda se constitui como relevante instrumento
avaliativo para captao de caractersticas relativas ao psiquismo, quer em crianas ou
em adultos, atravessando dcadas e diferentes perspectivas tericas. Como atesta a
literatura cientfica, pode ser bastante til e econmico para se compreender
caractersticas internas dos indivduos, sobretudo em quadros clnicos, como no caso da
obesidade.
Frente aos achados de reviso da literatura cientfica a respeito da obesidade em
crianas e seus componentes psicolgicos realizadas neste trabalho, detectam-se poucos
estudos com viso integradora do psiquismo, que o entenda como multifacetado e que
busque relacionar diversos construtos, com predomnio de pesquisas que recorreram a
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instrumentos de acesso objetivo a variveis especficas, tais como ansiedade e
depresso. Entretanto, como bem apontam Villemor-Amaral e Pasqualini-Casado
(2006), tais tipos de instrumento de avaliao psicolgica possuem alcance delimitado,
dif
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