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Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de criação em grupos de música, maisespecificamente em bandas autorais. O conceito de banda autoral diz respeito às bandasque têm seu repertório e carreira centrados em composições próprias. Esse conceitocontrapõe ao de banda cover, bandas que se baseiam na (re)leitura de músicas de artistas jáconsagrados. Apoiado na psicologia histórico-cultural, principalmente a partir dascontribuições de L. S. Vigotski, pretende-se discutir as noções de autoria e criação artísticacomo atividades intrinsecamente coletivas. Entender a imaginação como base da atividadecriadora é entender um sujeito inserido em um contexto histórico e cultural, no qual seconstrói ao mesmo tempo que atua e modifica sua realidade. Os estudos sobre os processoscriadores na música têm se voltado à sua atuação e contribuição no processo dedesenvolvimento do sujeito, principalmente das crianças (Fogaça, 2011; Campos, 2011).Esses estudos ou partem já da experimentação estética musical (com a música já pronta),ou analisam o processo criador como um ato individual que se insere em relações culturaise históricas, mas não como um processo de composição coletiva. Visando contribuir com adiscussão, será realizada uma pesquisa etnográfica, acompanhando o processo decomposição e produção musical de uma banda autoral nos ensaios e em estúdio durante asgravações de um CD. A escolha da banda a ser acompanhada resultará de umaaproximação do campo fruto de entrevistas com bandas participantes do projeto Circula -Incubadora Distrital de Apoio ao Rock e Música Independente. Este trabalho de campo irásituar a pesquisa a partir de sujeitos concretos, suas relações, emoções, criações,entendendo seus contextos históricos, culturais e suas transformações.
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Universidade de Braslia Instituto de Psicologia
Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Humano e Sade
rea de Concentrao: Desenvolvimento Humano e Educao Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Humano e Cultura
IMAGINAO E ATIVIDADE CRIADORA NA COMPOSIO E PRODUO MUSICAL DE BANDAS
AUTORAIS
Fabio Sucupira Pedroza
Orientadora: Daniele Nunes Henrique Silva
Braslia, setembro/2014
1 Imaginao e Atividade Criadora na Composio e Produo Musical de Bandas
Autorais
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de criao em grupos de msica, mais
especificamente em bandas autorais. O conceito de banda autoral diz respeito s bandas
que tm seu repertrio e carreira centrados em composies prprias. Esse conceito
contrape ao de banda cover, bandas que se baseiam na (re)leitura de msicas de artistas j
consagrados. Apoiado na psicologia histrico-cultural, principalmente a partir das
contribuies de L. S. Vigotski, pretende-se discutir as noes de autoria e criao artstica
como atividades intrinsecamente coletivas. Entender a imaginao como base da atividade
criadora entender um sujeito inserido em um contexto histrico e cultural, no qual se
constri ao mesmo tempo que atua e modifica sua realidade. Os estudos sobre os processos
criadores na msica tm se voltado sua atuao e contribuio no processo de
desenvolvimento do sujeito, principalmente das crianas (Fogaa, 2011; Campos, 2011).
Esses estudos ou partem j da experimentao esttica musical (com a msica j pronta),
ou analisam o processo criador como um ato individual que se insere em relaes culturais
e histricas, mas no como um processo de composio coletiva. Visando contribuir com a
discusso, ser realizada uma pesquisa etnogrfica, acompanhando o processo de
composio e produo musical de uma banda autoral nos ensaios e em estdio durante as
gravaes de um CD. A escolha da banda a ser acompanhada resultar de uma
aproximao do campo fruto de entrevistas com bandas participantes do projeto Circula -
Incubadora Distrital de Apoio ao Rock e Msica Independente. Este trabalho de campo ir
situar a pesquisa a partir de sujeitos concretos, suas relaes, emoes, criaes,
entendendo seus contextos histricos, culturais e suas transformaes.
2
Palavras-chave: Processos de Criao, Psicologia Histrico-cultural, Msica.
Apresentao
Caminhos entre a antropologia e a psicologia.
Ingressei na UnB no primeiro semestre 1999. Tinha um interesse muito especfico:
estudar etnomusicologia. Esse interesse levou escolha do curso de Cincias Sociais com
habilitao em Antropologia.
Durante os primeiros semestres, as disciplinas voltadas para esse tema de interesse
ocorriam paralelamente a outras que criavam novas inquietaes, questes, interesses e
vontades. Aprendi sobre o olhar antropolgico, sobre a pluralidade humana, os princpios
do relativismo e o respeito diversidade. Vi a importncia da relao entre o antroplogo e
os sujeitos estudados na construo de cada corrente terica, especialmente no que se
refere pesquisa etnogrfica.
Cursar disciplinas em outros departamentos, principalmente na psicologia e na
filosofia, tambm foi crucial na abertura para novos interesses, em especial trs momentos:
Esttica e Cultura de Massa, com o professor Denilson Lopes; Teoria do Conhecimento,
com o professor Hilan Bensusan; e Psicologia da Personalidade com Fernando Luis
Gonzlez Rey. Com o primeiro, entrei em contato com trabalhos sobre esttica, cultura de
massa, estudos queer, entre outros temas. Com o segundo, a discusso sobre realidade,
construo do conhecimento e construo do sujeito. O terceiro foi a porta de entrada em
questes sobre subjetividade, psicologia histrica-cultural e, a partir disso, na leitura de
Vigotski.
Mesmo aparentando estar distante da antropologia, essas incurses por outras reas
foram a base para um sempre-retorno antropologia. Nesse panorama, vale a pena citar as
3 discusso sobre reconhecimento dos sujeitos, como a pesquisa etnogrfica pode silenciar e
apagar a alteridade a partir do contato etnogrfico e a produo de seus textos.
Com a experincia concreta do trabalho do antroplogo, as partir de um estgio em
Analista Pericial em Antropologia na Procuradoria Geral da Repblica, associada s
discusses e inquietaes tericas - principalmente sobre o reconhecimento dos sujeitos no
contato etnogrfico - deparei-me com uma questo at ento no to problematizada nos
meus estudos na antropologia: como entendemos o ser humano e, principalmente, seu
desenvolvimento?
Falar dos processos culturais, das mais diversas formas de organizao sociais,
expresses artsticas, estruturas familiares, sem falar de como se desenvolvem e so
desenvolvidas nos processos de tornar-se humano gerava um sentimento de incompletude.
A psicologia Histrico-cultural de Vigotski parecia ser um caminho certo.
Caminhos musicais entre o hobby e a profisso.
Comecei minha iniciao musical por meio do estudo do piano. Aps aulas
particulares e o ingresso na Escola de Msica de Braslia, transitei por outros instrumentos
como a flauta doce e o obo. Aos 16 anos, comecei a tocar um novo instrumento, o baixo
eltrico. Dois anos depois, fui convidado a fazer parte do Mveis Coloniais de Acaju,
banda de amigos que acompanhava desde o primeiro show no dia 10 de outubro de 1998.
O Mveis, como mais conhecido, um grupo musical que trabalha
exclusivamente com msicas prprias e tem como principais caractersticas a
instrumentao no usual para a uma banda de rock (alm de baixo, bateria e guitarra,
somam-se aos vocais: flauta, gaita, sax bartono, trombone e sax tenor), a autoproduo e o
contato direto com o pblico nas suas performances que culminam em um show enrgico.
O que comeou como uma divertida brincadeira entre adolescente, foi crescendo e
necessitando de um trabalho mais profissional. Essa necessidade levou aos ensaios fixos
4 em um estdio prprio, autogesto empresarial, lanamento e produo dos prprios
fonogramas, criao de um festival, turns por todos os cantos do Brasil, entre outras
aes. A experincia com a msica comeou como um hobby, sempre uma atividade
paralela aos estudos, estgio, carreira de professor. O pedido de exonerao do cargo de
professor em 2007 marcou a mudana nessa estrutura. Tocar baixo numa banda passou a
ser minha profisso.
O desenvolvimento deste trabalho de mestrado parte desse lugar de fala: sou
baixista do Mveis Coloniais de Acaju, uma banda autoral. Autoral no sentido do termo
usado para distinguir o trabalho de bandas que tm como foco msicas prprias, sejam
compostas por um compositor ou pelo grupo de msicos, mas em contraposio ao uso do
termo banda cover, bandas que se dedicam (re)leituras de bandas famosas/consagradas e
que tm nessas msicas o foco de suas apresentaes (Wheeler, 2007).
Introduo
Os estudos sobre a atividade criadora musical a partir da abordagem histrico-cultural,
apesar de ser um campo promissor, so ainda incipientes tendo em vista a sua importncia
para o entendimento do desenvolvimento humano. A maioria dos trabalhos tem como
objetivo o estudo das contribuies da msica, da educao musical, dos processos
criadores musicais vinculados ao desenvolvimento principalmente das crianas (Campos,
2011; Fogaa, 2011). O nmero de trabalhos diminui consideravelmente ao buscar estudos
que trabalhem com a noo de composio e criao musical ou que foquem nos sentidos e
significados da msica (Wazlawick, 2007).
Dentro desse contexto, podemos destacar os trabalhos de Oliveira (2002), Azevedo
(2003), Weinreb (2003), Mendes (2001) e, principalmente, os de Maheirie (2003, 2008)
quem, alm das suas prprias contribuies, congrega vrios pesquisadores sob sua
5 orientao, criando de certa maneira um dos principais polos de produo de pesquisas
sobre sujeitos e processos criadores, sentidos e significados da msica a partir das
contribuies da psicologia de Vigotski.
Fruto desse polo, o trabalho de Cavagnoli (2012) aparece como um possvel
interlocutor direto com a proposta desta pesquisa. O objetivo de seu trabalho investigar
os processos de criao e as relaes estticas entre os sujeitos que experienciam a
improvisao musical coletiva; responder de que modo a prtica da improvisao em
grupos de jazz atua como produtora de sentidos nas relaes entre os sujeitos. "A
improvisao musical nos aparece como contexto expressivo para a anlise da atividade
criadora, tal como se d na relao entre os sujeitos" (p. 15).
A msica pode ser entendida aqui como um objeto esttico que, no encontro com o
sujeito concreto, produz significados e sentidos (Maheirie, 2003). Enquanto resultado da
ao criadora, do processo criativo humano, no meio social, histrico e cultural, a msica
deve ser compreendida em todas as instncias deste prprio mundo (Wazlawick, 2007).
Dentro dessa perspectiva, podemos dizer que a msica, uma vez resultado da ao e,
portanto, da experincia humana, est permeada de memrias. No s "a memria do
passado, mas tambm a memria do futuro; dois tipos de memrias que se retroalimentam,
compondo dimenses do ato criador" (Nunes, 2012). Essa dimenso, ser desenvolvida a
partir dos pressupostos tericos da psicologia histrico-cultural que tem na figura de
Vigotski seu principal representante.
Fundamentao Terica
Imaginao e atividade criadora na perspectiva histrico-cultural.
A imaginao a base de toda atividade criadora. Assim, o processo criativo, deve
ser compreendido como um movimento integrado, onde emoo, elementos da cultura,
6 imaginao, afeto e reflexo, geram as snteses complexas que se formam nesta relao e
produzem o novo (Vigotski, 2003). a atividade criadora que faz o ser humano "um ser
que se volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente" (Vigotski, 2009, p.
14).
No cotidiano, entendemos a criao como o resultado da ao de alguns poucos
indivduos dotados de genialidade, talentos dos quais criam grandes obras artsticas,
descobertas cientficas ou outras invenes na rea tcnica. Entretanto, a criao est
presente por toda parte em que o ser humano "imagina, combina, modifica e cria algo
novo, mesmo que esse novo se parea a um grozinho, se comparado s criaes dos
gnios" (Vigotski, 2009, pp. 15-16).
Para compreender os processos da imaginao e da atividade criadora, temos de
entender como a imaginao se relaciona com a realidade. Vigotski (2009) aponta para
quatro formas principais de relao entre a realidade e a atividade de imaginao.
A primeira relao consiste no entendimento de que a atividade criadora da
imaginao depende diretamente da riqueza e da diversidade da experincia anterior do
sujeito. Esta experincia constitui o material com que se criam as construes da fantasia.
a partir da base material da realidade, presentes em experincias anteriores, o ato de
imaginar parte e produz suas construes.
Porm, no apenas na reproduo que a imaginao se relaciona com a realidade.
A segunda forma aquela que permite imaginar algo jamais visto. a capacidade de
produzir novas combinaes, relacionando elementos j conhecidos da experincias
histricas sociais alheias.
A terceira forma de relao entre a atividade de imaginao e a realidade de
carter emocional e manifesta-se de dois modos: a manifestao dos sentimentos e da
emoo tende a se relacionar com certas imagens conhecidas correspondentes a esses
7 sentimentos. De outro lado, h uma relao inversa entre imaginao e emoo. Ribot,
segundo Vigotski, formula essa relao da seguinte forma: "Todas as formas de
imaginao criativa contm em si elementos afetivos" (Vigotski, 2009, p. 28).
Por fim, Vigostki define a quarta forma de relao como a capacidade da
construo da fantasia pode ser algo completamente novo, que nunca aconteceu na
experincia da pessoa. A imaginao torna-se realidade e, ao se inserir no mundo real, ela
se cristaliza em novidade modificando a prpria realidade.
a partir dessas relaes entre imaginao, atividade criadora, emoo e ao
humana que se prope a conduo da pesquisa. Para tanto, necessrio o estudo e a
compreenso dos contextos em que se produz a msica, em que se inserem as bandas
autorais. Visando um possvel desdobramento da pesquisa, ser utilizado o conceito de
Economia Criativa. Conceito esse que vem pautando todas as polticas pblicas voltadas
para as bandas-objeto-sujeitos do estudo, tanto na esfera federal como distrital.
Economia Criativa e as condies materiais da produo musical de bandas
autorais.
Para analisar o contexto poltico-cultural em que se inserem as bandas autorais,
entender o conceito de Economia Criativa se faz necessrio. Esse conceito diz respeito s
dinmicas culturais, sociais e econmicas construdas a partir do ciclo de criao,
produo, distribuio, circulao, difuso, consumo e fruio de bens e servios oriundos
dos setores criativos e em que as atividades produtivas tm como processo principal um ato
criativo gerador de um produto cuja dimenso simblica determinante do seu valor
(Leito, C. S., Guilherme, L. L., Oliveira, L. A., & Gondim, R. V., 2010)
Ultimamente um dos principais conceitos norteadores das polticas culturais do
Ministrio da Cultura - MinC, por meio das aes da Secretaria de Economia Criativa
(MinC, 2011). Para alm de entender o contexto poltico, o campo da economia criativa
8 nos traz tambm o conceito de Arranjo Produtivo Local.
Um Arranjo Produtivo Local corresponde a um conjunto de atores necessrios para
o desenvolvimento de um determinado setor, considerando-se todas as suas etapas da
criao ao consumo (Prestes Filho, L. C, 2005). O exerccio de identificao e anlise dos
arranjos produtivos das etapas e processos presentes na cadeia produtiva do setor musical
serve, nesta pesquisa, para identificar tanto os sujeitos que agem no processo de produo
musical, como tambm as condies materiais e dinmicas sociais presentes na atividade
criadora, que vai desde a construo do primeiro acorde, produo final do fonograma.
Delimitao do Campo: Braslia e o Rock Autoral
Existem vrios mitos sobre Braslia no que diz respeito ao rock. Do celeiro de bandas
alcunha de capital do rock (Wheeler, 2007) a cidade sempre referenciada como um
lugar propcio ao surgimento e formao de novas bandas. Para alm do boom do rock
nacional e o posicionamento de Braslia por meio de bandas como Legio Urbana, Capital
Inicial, Plebe Rude entre outras na dcada de 80; ou a retomada da ateno nacional nos
anos 90 com o despojado som dos Raimundos, minha vivncia do rock brasiliense comea
por volta de 1996, quando todas essas bandas j no habitavam a cidade e o cenrio era
composto por uma extrema variedade de bandas.
Em espaos como o lendrio Teatro Garagem e o projeto Feira de Msica, bandas de
diversos estilos e sonoridades dividiam o mesmo palco, o mesmo pblico. As bandas se
conheciam no apenas como artistas, mas como expectadores. Uma troca constante de
papis entre msicos e pblico era a principal caracterstica da dinmica interna cena rock
brasiliense.
Apesar de ainda almejarem um crescimento, de terem o sonho de serem contratadas
por uma gravadora (sinnimo at ento de garantia de sucesso), as bandas focavam boa
9 parte de suas atividades e energia na conquista de pblico e mdia na cidade. Um pouco
pela dificuldade crescente em conseguir espaos de destaque em circuitos consolidados e
fechados como o rock gacho ou o hardcore do interior paulista; um pouco pela
percepo, tambm crescente, de que existia a possibilidade de manter a residncia em
Braslia sem que significasse o fim da carreira, as bandas construam uma cena forte e
slida.
No final dos anos noventa, a realidade da cidade comeo a mudar. Espaos foram
fechados, bandas em destaque terminaram, produtores dos eventos de rock mudaram de
negcio ou rea musical.
Entretanto, o nmero de bandas continuava a crescer. Novos espaos eram
descobertos ou improvisados e assim os shows aconteciam. Se antes as bandas tinham um
papel mais reativo, resqucio do imaginrio de glamour dos anos 80, agora a realidade era
mais local, com os agentes mais interconectados.
O caso do Mveis, no poderia ser diferente: "em Braslia, por no ter praia, ser uma
cidade nova, no tem muito o que fazer, ento as pessoas formam bandas. Se balanar uma
rvore cai uma banda" (Gonzales, 2003). A maneira como o Mveis comeou tambm
muito comum a outras bandas: um ncleo - formado por no mnimo dois amigos, em que
ao menos um toca algum instrumento - comea a procurar e agregar outras pessoas para a
formao de uma banda. Se a proposta musical no estiver completamente definida1, o
formato do grupo pode ser mais diversificado, dependendo ento, do crculo de amizades e
contatos do ncleo inicial e sua expanso com a entrada de novos membros. A busca por
pessoas fora desse crculo, geralmente comea aps ter-se esgotado os contatos prximos 1 No caso, por exemplo, de uma banda de reggae tende-se a buscar uma formao com percusso, guitarra base e uma para riffs; no caso de uma banda de ska, nota-se a preocupao com um naipe de sopros. O mesmo acontece para vrios estilos e gneros musicais. Acredito que muito da diversidade musical surge a partir a dificuldade de adaptao de certos formatos ou a estruturao no usual em certos estilos (bandas de hardcore com instrumentos de sopro e influncia de ska: skacore).
10 para a formao mnima desejada.
Comeam, ento, os ensaios. Primeiro na casa de algum integrante (muitas vezes do
baterista, por uma questo de logstica) e depois indo para estdios musicais. nesse
momento que a dinmica dos processos criativos vo ganhando forma, atuam na
transformao no s dos sujeitos, mas do prprio som da banda. Independente de ter um
msico que componha a cano, ou se todos fazem essa construo coletivamente nos
ensaios, a autoria geralmente no uma questo presente na vida dessas bandas, o interesse
em tocar, fazer um som.
Esse deslocamento da preocupao com a autoria para um campo secundrio mostra
que o atividade criadora no est baseada no indivduo, mas necessariamente na relao
entre os sujeitos, suas escolhas e estticas sonoras que so afetadas pelo contexto em que
se inserem. No incio de uma banda, a construo da identidade sonora depende muito das
referncias externas, das influncias dessas ou aquelas bandas famosas.
Assim como o desenvolvimento humano proposto por Vigotski concebido pela
pelos processos de internalizao, o desenvolvimento da identidade sonora de uma banda
tambm ocorre pela mediao das influncias externas - ora conscientes e intencionais, ora
camufladas e despercebidas. Os sujeitos-msicos-criadores so constitudos
individualmente e coletivamente tanto pelas referncias externas como tambm pela
interpretao que cada msico d ao tocar suas linhas, ao interagir com a linhas de seus
colegas.
Analisar esses crculos e movimentos interpostos entre sujeito-sujeito, sujeito-
contexto cultural, contexto cultural-sujeito-sujeito do processo criador nas bandas autorais
o objetivo deste trabalho.
Objetivos
11 1) Analisar o processo de criao musical em bandas autorais a partir de pesquisa
etnogrfica;
2) Estudar a relao entre imaginao e atividade criadora;
3) Problematizar as noes de autoria e criao artstica como atividades individuais
Metodologia
Pressupostos metodolgicos.
Por basear-se na viso histrico-cultural do desenvolvimento humano e na concepo
de um envolvimento de mtua construo entre os sujeitos envolvidos no processo de
construo de conhecimento, este estudo ter carter qualitativo.
Para Gonzlez Rey (2002), o pesquisador compromete-se ativamente com a
produo do conhecimento ao produzir ideias e posicionar-se terico-metodologicamente,
constituindo-se como um sujeito interativo, motivado e intencional. Ao desenvolver-se por
meio de um dilogo e um jogo de reconhecimento da alteridade entre pesquisador e
pesquisado, a pesquisa qualitativa assume diferentes possibilidades, caminhos a serem
percorridos. Caminhos que antes no sabamos existir, mas que nos lembram do porqu de
estar ali (S, 2006).
O trabalho parte da noo de uma produo etnogrfica que busca - no encantamento
no/do mundo, no exerccio de ser afetado e de "deixar-se levar"2 - uma fala plural, um
contato com a alteridade; uma troca e transformao que supere dicotomias estabelecidas
pelo saber moderno (S, 2006; Favret-Saada, 2005).
Alm do estudo bibliogrfico, da pesquisa e anlise da produo do conhecimento
existente sobre o tema, pretende-se acompanhar uma banda durante o processo de 2 "Durante as horas de perdio tive a coragem de no compor nem organizar. E de sobretudo no prever. At ento eu no tivera a coragem de me deixar guiar pelo que no conheo e em direo ao que no conheo: minhas previses condicionavam de antemo o que eu veria" (Lispector, 1998, p.17).
12 produo musical que contempla desde a primeira etapa do processo de criao com seus
acordes iniciais, passando pelos ensaios, pr produo, gravao e finalizao do
fonograma. Para tal, ser realizado uma pesquisa etnogrfica com essa banda.
Contexto e participantes.
A pesquisa desse projeto se insere no contexto de aes do projeto CIRCULA -
Incubadora Distrital de Apoio ao Rock e Msica Independente. A CIRCULA resultado
de um convnio entre a Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal (SeCult) e a
OCIP Educao em Foco.
O projeto prev a realizao de aes nas reas de agenciamento, produo,
capacitao, pesquisa, projetos culturais e comunicao para um universo de 100 bandas de
rock e msica independente do Distrito Federal. Essas aes tm como objetivo principal a
capacitao e a ajuda direta na construo de carreiras para esses grupos. O casting da
agncia CIRCULA formado por 44 bandas em trabalho de um ano. Essas bandas foram
selecionadas por um edital (35 bandas e artistas) e convidadas pela coordenao do projeto
(9 grupos). Outras 75 bandas sero selecionadas para aes pontuais que podem variar
desde o agenciamento de um show um sesso de fotos para divulgao e aperfeioamento
do release da banda.
Dentro do universo das bandas participantes, existem grupos j experientes e/ou em
consolidao de carreira nacionalmente, como Scalene, The Neves, Ateque Beliz, Alf entre
outros. Um segundo bloco tambm pode ser identificado, como bandas e artistas que
apresentam um crescimento local como Trampa, Kelton, Bejo Meja, Super Stereo Surf.
H tambm um grupo de bandas iniciantes que tem como foco o trabalho da agncia em
aes mais pontuais como gravao de um EP, montagem de release, mapa de palco e
outros arquivos importantes para a divulgao da banda.
Procedimentos e anlise de dados.
13 A pesquisa de campo ser estruturada em duas etapas: a) aproximao do campo, e
b) trabalho etnogrfico.
A aproximao do campo ocorrer por meio de realizao de entrevistas sobre o
processo de composio e produo fonogrfica com cinco bandas/artistas que fazem parte
co casting da CIRCULA e tenham lanado algum material fonogrfico (CD, EP, Single3).
O objetivo dessa etapa comear a mapear os agentes e processos envolvidos, em que
locais costumam acontecer, qual o perodo, em que condies materiais eles ocorrem, entre
outras questo importantes para a realizao do trabalho etnogrfico.
A partir do material levantado por meio da aproximao do campo, ser selecionada
uma banda para um acompanhamento mais detalhado e aprofundado tanto em termos
qualitativos como em questo de tempo. A escolha da banda ser feita pela disponibilidade
dos artistas que estiverem comeando um processo de produo musical para a gravao
de um fonograma.
O trabalho etnogrfico ser feito por meio do acompanhamento dos ensaios de
composio e pr produo; ensaios com produtor (no caso da existncia desse agente);
gravao, mixagem e masterizao (no caso de acontecer em Braslia). Alm desses
momentos, pretende-se acompanhar os msicos em atividades paralelas que estejam
interligadas ao processo de produo musical ou atividades da banda, como shows,
entrevistas, trabalhos de produo executiva e administrativa, entre outros.
Com o mapeamento do Arranjo Produtivo Local envolvido na gravao do
fonograma, espera-se identificar outros agentes que atuem de forma menos direta, mas no
menos importante, influenciando o processo criativo e a imaginao da banda, tanto em
termos individuais, mas, principalmente, enquanto grupo. 3 O uso de diferentes nomenclaturas para caracterizar o tipo de fonograma lanado diz respeito quantidade de msicas lanadas. De modo geral, um Single caracterizado por um ou duas msicas, um EP por volta de cinco e um CD a partir de oito, dez msicas.
14
Cronograma
Meses/Anos
Atividades
9
2014
10
2014
11
2014
12
2014
1
2015
2
2015
Disciplinas
do curso X X X X - -
Delineamento
da pesquisa X
Fundamentao
terica e
levantamento
bibliogrfico
pertinente
X
X
X
X
X
X
Estruturao da
pesquisa de campo
e submisso ao
Conselho de tica
X X
Realizao da
pesquisa de
campo
X X X X X X
Transcrio,
organizao e
anlise dos dados
X X
Meses/Anos
Atividades
3
2015
4
2015
5
2015
6
2015
7
2015
8
2015
9
2015
10
2015
11
2015
12
2015
1
2016
2
2016
Disciplinas
do curso
(Estgio Docente)
X X X X X
15 Fundamentao
terica e
levantamento
bibliogrfico
pertinente
X X X
Transcrio,
organizao e
anlise dos dados
X
Redao
da dissertao X X X X X X
Reviso
final da dissertao X X
Defesa
da dissertao X
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