Reminiscências

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Apresentação de sala de aula, de um dos textos maisclássicos da antropologia. Em Reminiscências E-P entrelaça conselhos bem humorados com suas experiências de pesquisa. A apresentação foi ilustrada com fotos do próprio Evans-Pritchard disponíveis no acervo do Museu Pitt-Rivers

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Algumas Reminiscências e Reflexões sobre o 

Trabalho de Campo. In: Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Zahar 

Editores, 1978.

Baseado em palestras proferidas nas Universidades de Cambridge e Cardiff  

Prof. Gabriel O. AlvarezMétodo Etnográfico

Conselhos recebidos quando eram um jovem estudante

“Não converse com um informante por mais de vinte minutos, pois se a esse momento você já não estiver chateado, ele certamente estará” (Westermarck)

Haddon disse que tudo era muito simples; bastava conduzir‐se como um cavalheiro.

Westermarck

Seligman mandou‐me tomar dez grãos de quinino à noite e me afastar das mulheres.

Sir Flinders Petrie disse‐me apenas para não me preocupar com ter de beber água suja, pois logo se fica imunizado contra ela.

Malinowski me disse para não ser um idiota completo, que tudo iria bem

• As vezes ouço dizer que qualquer pessoa pode escrever um livro sobre um povo primitivo. Tal vez qualquer uma possa, mas não vai estar necessariamente acrescentando algo à antropologia. Na ciência como na vida só se acha o que se procura.

• Primeira exigência  Treinamento rigoroso

• Cultura geral 

• Bruxaria Zande  livros de Levy‐Bruhl

• Nuers Robertson Smith, sistema análogo para os antigos árabes

• Shilluk e Anuak  Idade Média

• Sanusi  modelo da história de outros movimentos religiosos

• Todo saber é relevante para nossas pesquisas

• Desde que nosso objeto de estudo são seres humanos, este trabalho envolve toda a personalidade – cabeça e coração; e que, assim, tudo aquilo que moldou essa personalidade está envolvido, não só a formação acadêmica.

• O que se traz de um estudo de campo depende muito do que se leva para ele. 

• A observação do antropólogo são infletidas por seus intereses teóricos – o que simplesmente quer dizer que ele está ciente das várias hipóteses permitidas pelo conhecimento disponível e que, se seus dados permitirem, vai testar essa hipótese. Como poderia ser diferente? Não se pode estudar nada sem uma teoria.

• Por outro lado, o antropólogo deve seguir o que encontra na sociedade que escolheu estudar: a organização social, os valores e sentimentos do povo, e assim por diante.

• A bruxaria entre os Azande

• O gado era um valor central entre os Nuers

• É desejável que o antropólogo estude mais de uma sociedade, embora nem sempre seja possível. Se realiza apenas um estudo, é inevitável que perceba as instituições da sociedade estudada em contraste com as suas próprias, que contraste as idéias e valores desse povo com os de sua própria cultura, e isso apesar do esforço corretivo implícito no seu conhecimento da literatura antropológica

• Mas, quando for estudar uma segunda sociedade estrangeira, vai abordá‐la à luz da sua experiência coma primeira, e isso tende a fazer que seu estudo se torne mais objetivo.

• Contraste entre Zande e Nuers– Estrutura política

– Bruxaría/kwoth, espirito

O estudo de uma segunda sociedade possui também a vantagem de tornar o investigador mais experiente: ele já sabe que erros evitar, como iniciar mais rapidamente suas observações, como cortar caminho na investigação e como discernir o que é relevante.

• Desvantagem é que a publicação do material torna‐se muito extenso. “Eu só publiquei, até agora uma pequena porção do material Zande, colhido num estudo que se começou em 1927!”

Zande Witchdoctor

• É essa ênfase britânica na pesquisa de campo que certamente explica o desaparecimento do tão celebrado método comparativo. Todo o mundo está tão ocupado em organizar suas notas de campo que ninguém tem muito tempo para ler os livros escritos pelos outros. 

• Quando o pesquisador volta do campo, e tem que escrever um livro sobre a sociedade que estudou, é que a importância de uma fundamentação teórica geral sólida começa a se revelar. 

Eu tenho muita –demasiada- experiência de campo, e descobri há muito tempo que a batalha decisiva não se trava no campo, mas depois que se volta.

Ingessana

• Qualquer um pode trazer um fato novo; o problema é trazer uma idéia nova. Tenho a triste experiência de ver muitos estudantes voltarem para casa para escreverem apenas mais um livro sobre apenas mais uma sociedade, sem ter a menor idéia sobre o que fazer com o grão que tão penosamente colheram.

Ingessana

• Nunca é demais repetir que, em ciência, para que a observação empírica tenha validade, é preciso que ela seja guiada e inspirada por alguma visão geral sobre a natureza dos fenômenos estudados. Só assim as conclusões teóricas aparecerão como implicitamente contidas numa descrição exata e exaustiva.

Ingessana

II. Observação participante• Percebi  que se eu queria saber 

como e por que os africanos faziam certas coisas, o melhor era fazê‐las eu mesmo: possui uma cabana e um estábulo, como eles; cacei com eles, com lança, arco e flecha; consultei oráculos, e assim por diante. Mas devemos reconhecer que há um certo fingimento em tais esforços de participação, e as pessoas nem sempre os acolhem bem. Na verdade entra‐se em uma outra cultura, mas ao mesmo tempo se sai dela.

Zande servants

• Não é possível tornar‐se verdadeiramente um Zande, Nuer ou Beduino – diante deles, a atitude mais digna talvez seja a de não ser como eles no essencial. Mas sempre somos nos mesmos –membros de nossa própria sociedade, visitantes numa terra estranha. Talvez seja melhor dizer que o antropólogo vive simultaneamente em dois mundos mentais diferentes, que se constroem segundo categorias e valores muitas vezes de difícil conciliação. Tornamo‐nos, ao menos temporariamente, uma espécie de duplo marginal, alienado de dois mundos. (p.303)

• “Não se pode ter uma conversa útil ou inteligente com as pessoas sobre algo que elas tomam por auto‐evidente, se se dá a impressão de considerar as creenças delas uma ilusão ou delírio. Se fizésemosisso, logo cessaria qualquer entendimento mútuo, e junto com ele a empatia”

• Ao longo do seu trabalho de campo os antropólogos também são transformados pelas sociedades que estudam. De uma forma sutil e inconsciente eles “viraram nativos”.

Tenda de E-P em Nuerlândia

Aprendi com os africanos muito mais do que eles comigo; muita cosa que não me ensinaram na escola: uma coragem, resistência, paciência, resignação, tolerância que eu não conhecia antes.

• Questionário, amostragem, entrevista, estatística, etc tem pouca utilidade com sociedades não letradas. 

• Conversas informais vs entrevista fechada• Conversas privadas com informantes (uma palavra infeliz) –assistente –.

• Explicações que não pode ser fornecidas na hora, conversas que não se podem ter em público. Trabalho regular com assistentes. Eles tornam‐se nossos amigos. 

Mecana, criado Zande

Entre os Zande trabalhei com dois criados pessoais e com dois informantes pagos

Entre os Nuers, Anuak, e Beduinos, nunca encontrei alguem que pudesse ou quisesse trabalhar como informante

• Porque alguém lhe iria a mentir, se há confiança recíproca? Se não a houver, é melhor voltar para casa.

• Contrastar  informações

• Mentira pode ser mais reveladora que a verdade

Status da mulher nas diferentes sociedades.

• Alto Egito, (Quft), eu jamais consegui flar com uma mulher; alias, só uma vez consegui ver uma, e rapidamente. As mulheres dos beduinos da Cirenaica não véu, e podem ser abordadas, se não com intimidade, pelo menos sem grandes embaraços. 

• As mulheres Zande eram quase uma casta inferior e, exceto velhas matronas, eram tímidas e caladas.

• Na terra dos Nuers, onde as mulheres tem um status elevado e afirmam sua independência, elas vinham a falar comigo sempre que queriam –em geral nas horas mais inconvenientes; parecia um flerte interminável.

• Em geral eu diria que o antropólogo do sexo masculino, por não se ajustar às categorias nativas de home e mulher, e portanto por não poder‐se comportar como homem em certas circunstancias, não está submetido às suspeitas, julgamentos e códigos que definem os sexos. (....) é uma pessoa até certo ponto sem sexo.

• Outros europeus.– Permitem ganhar tempo. O antropologo debe ser prudente. Ele afinal é uma especie de intrusso no territorio deles, no qual se consideram a única autoridade. 

Ele deve lembrar também que, se não consegue se dar bem com seu próprio povo, é dificil que o consiga com outro. Alem do mais, eles são parte do seu objeto de estudo.

• Problemas com equipes de pesquisa. Levam à perda de tempo e irritação.

• Tudo o que os nativos tinham que fazer, ao tratar com os europeus, nos países governados pelos ingleses, era ter tato e ser humildes. (...) Em tais países, o antropólogo é considerado um espião, cujos conhecimentos serão usados pelo Serviço Secreto do seu país; e também é considerado um abelhudo.

• A antropologia lhes cheira a colonialismo cultural, a uma afirmação arrogante da superioridade europeia – o branco estudando o negro inferior. E alguns dos seus resentimentos e suspeitas são justificados, pois, no passado os antropólogos venderam‐se com muita facilidade aos interesses colonialistas.   

• Extensão do trabalho de campo: dois anos. 

• Campo discusão de resultados parciais campo  monografia (mais um ano para ordenar e escrever seu material). 

• Língua. Importância de aprender a língua do povo com que se trabalha. E‐P. falava Zande, Nuer, Anuak, Beduino, Árabe, algo de Luo e Galla, alem das línguas clássicas grego e latim.

• Não havia gravadores –um instrumento nem sempre útil. 

• Inicio da pesquisa.

• Ajudou ter realizado as pesquisas no Sudão, governado pelos ingleses, simpáticos às pesquisas antropológicas.

O que ajudou mais ainda foi que os ingleses eram poucos e estavam longe – em outras palavras, eu poderia ser aceito ou rejeitado como indivíduo e não como membro de uma classe.

Foto de WilfredPatrick Thesiger

• Eu sempre foi acolhido de braços abertos –exceto entre os Nuers, mas estes estavam sendo, na época duramente perseguidos pelo Governo.

• Não há receitas.

• Sempre se encontra um assistente, ou melhor dito, ele nos encontra. 

Mekana na entrada da vivenda de E-P entre os Zande

A melhor maneira de superar minha timidez e as suspeitas de meu anfitrião era através das crianças, que não mostram a mesma reserva diante dos estranhos. Quando as crianças me aceitavam, os adultos também me aceitavam.

• A mudez inicial tem que ser combatida por um aprendizado tanto auditivo como visual.

• Aprenderem algumas palavras todo dia, e a registrarem coisas materiais.

• Afastem‐se do criado e informantes para ver como você fala a língua deles.

• Quanto desse registro deve ser publicado. Cadernos de campo deve ir para publicação? Idealmente acho que tudo, pois o que não é publicado está perdido para sempre –a descrição do modo de vida de um povo num certo momento da história, que desaparece nas sombras do tempo. E ninguém pode saber quão valioso será (...) aquilo que para nos parecia banal.

• Fica‐se carregando o resto da vida o que se publicou, aprisionado na cela que se construiu –mas devemos algo à posteridade.

Busto de E-P na Biblioteca Tylor, Oxford

• Acho os relatórios comuns de pesquisa de campo tão chatos que chegam a ser ilegíveis –sistemas de parentesco, sistemas políticos, sistemas rituais, todo tipo de sistemas, estrutura e função, mas pouca carne e sangue. 

• Raramente se tem a impressão de que o antropólogo alguma vez sentiu‐se em comunhão com o povo sobre o qual está escrevendo. Se isto é romantismo e sentimentalismo, aceito a pecha.

E-P, Mekana e Kamanga

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