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A Shadowlands Novel
Livro 3: Último livro da Trilogia Infinito
KATE BRIAN
SINOPSE
Rory Miller não apenas se apaixonou por Tristan Parrish. Ela se apaixonou pela
ideia do para sempre. Ele foi o único que disse a ela a verdade sobre sua existência
em Juniper Landing: que sua vida mortal acabou, e ela agora vai passar a
eternidade na ilha, ajudando os outros no limbo a seguir em frente. Mas, como
Juniper Landing, uma ilha brilhante com segredos obscuros, Tristan é bom
demais para ser verdade. O garoto misterioso e dolorosamente lindo que Rory
pensou que conhecia é responsável por um impensável mal — enviar as almas boas
para a Terra das Sombras, a fim de obter uma segunda chance de vida na Terra.
Ele já fez isso com o amigo de Rory, Aaron, e com seu próprio pai, mas quando
Tristan envia sua irmã, Darcy, à Terra das Sombras também, Rory decide fazer
justiça com as próprias mãos. Ela fará de tudo para salvar sua família, mesmo
que isso signifique ir ao inferno e voltar.
Só ela pode salvar a eternidade!
1 OS SINOS TOCAM
Traduzido por I&E BookStore
ory, pare!
Eu tentei congelar, mas o caminho lamacento e
rochoso debaixo do meu pé esquerdo começou a
escorregar, desintegrando-se no rio profundo na margem da estrada abaixo.
A chuva batia na minha capa de vinil inútil enquanto agarrava o ar com os
dedos frios e úmidos. Eu finalmente fui capaz de agarrar o tecido
escorregadio da manga de Joaquin Marquez, e ele me ergueu de volta para
terra firme, meu coração batendo na garganta a um ritmo alucinante. O
caminho lamacento que estávamos atravessando tinha sido, até
recentemente, grande o suficiente para pelo menos um carro, se não dois,
navegar com segurança. Mas agora estava com a metade da sua largura
antiga e erodindo a cada momento. A chuva tinha caído sem parar desde
sábado à noite. Agora era quarta-feira, e metade da ilha de Juniper Landing
parecia ter se transformado em mingau. A areia das praias tinha assumido a
consistência de farinha de aveia em alguns pontos, e as gramíneas, juncos e
flores tinham sido achatados no chão, abatidos em sua submissão ao tempo
implacável.
— Você está bem? — perguntou Joaquin.
Eu balancei a cabeça, segurando ambos os cotovelos para dar
estabilidade. Seus olhos castanhos estavam protegidos pela aba do seu
próprio capuz, e uma barba escura de alguns dias sem fazer cobria as maçãs
afiadas do seu rosto e seu queixo. Este tornou-se um hábito de Joaquin
recentemente — me salvar de lesões graves. Eu não tinha certeza de como
eu me sentia sobre o fato de que o garoto que a minha irmã costumava ficar
agora era o meu protetor, mas eu estava grata por ter alguém ao meu lado.
E era evidente que não ia ser o garoto com quem eu costumava ficar. Ele
não estava mais por perto.
—R
Era por isso que estávamos aqui em primeiro lugar — procurando
Tristan Parrish. O cara por quem eu tinha me apaixonado, até poucos dias
atrás. O cara que tinha traído todos nós. De acordo com Joaquim, havia uma
caverna debaixo da ponte onde Tristan costumava ir para ter suas “grandes
reflexões” — nos dias que ele só queria um pouco de espaço longe dos outros
Lifers. Infelizmente, ela era localizada em uma parte da ilha que Joaquin
sempre tinha evitado, a menos que ele estivesse conduzindo um visitante
para a ponte, por isso não tínhamos muita certeza para onde estávamos indo.
Isso, e mais a chuva implacável, não tornava a nossa missão mais fácil.
— Será que isso nunca vai parar? — eu perguntei.
Como que em resposta, um relâmpago iluminou acima e todo o mundo
tremeu com o trovão que o acompanhou. Sobre o ombro de Joaquin eu vi
uma sombra iluminada pelo flash — alguém de pé sobre a base de uma
rocha, a menos de cinquenta metros de distância, com sua capa esvoaçando
ao vento. Minhas unhas cravaram no braço de Joaquin.
— Aquele é...?
Joaquin virou, mas de repente, não havia ninguém lá. Um piscar de
olhos, e a sombra havia desaparecido. A tempestade estava brincando com
minha mente.
— O quê? — perguntou Joaquin.
— Nada. Deixa pra lá. — Eu não queria admitir que eu estava vendo
coisas. — Eu simplesmente não posso lidar com muito mais do que isso.
— Relaxe. Respire fundo — disse Joaquin. — Deixe-me descobrir onde
diabos nós estamos.
Quando ele se afastou para perscrutar o cinzento que nos rodeava,
tentei afastar a sensação de nervosismo que a sombra tinha deixado para
trás e olhei para o norte em direção à ponte. Estava tão envolta pelo
nevoeiro que eu não conseguia ver nada além das luzes de advertência
inúteis pulsando no topo de suas quatro torres. A ponte tinha se tornado —
para mim, pelo menos — o símbolo de tudo o que havia de errado nesta ilha.
Juniper Landing era um limbo — um lugar onde as almas vinham para
residir entre a morte e a vida após a morte, um lugar onde elas recebiam
uma chance para resolver quaisquer problemas que as possam ter
atormentado durante suas vidas antes de seguir em frente. Joaquin e eu
éramos ambos Lifers, um grupo de almas encarregados de ajudar os outros
a encontrar as suas resoluções e conduzi-los aos seus destinos finais. A ponte
era o meio de transporte. Quando uma alma está pronta para ir, nós levamos
a pessoa para a ponte e lhe entregamos uma moeda. Assim que ele ou ela
toca a moeda, ela simplesmente sabe se a alma está destinada à Luz ou à
Terra das Sombras, com base no quão boa ou má a pessoa tenha sido em
vida. Então conduzimos essa pessoa para o outro lado da ponte, onde um
portal é aberto, levando-lhe para o lugar apropriado. Este era um sistema
que estava em vigor desde o início dos tempos e sempre funcionou
perfeitamente, mantendo o equilíbrio do universo.
Até agora. Recentemente, a coisa toda tinha enlouquecido, com
consequências devastadoras. Tínhamos quase certeza de que as moedas
eram as culpadas, já que Tristan estava escondendo um saco cheio delas —
mais do que qualquer Lifer tinha visto em um lugar ao mesmo tempo — e
tinha fugido no momento que o resto de nós descobriu o seu esconderijo.
Ainda não estava claro para nós o que havia exatamente de errado com as
moedas, como tinham sido adulteradas, ou onde Tristan tinha conseguido
elas. Tudo o que sabíamos era que, na semana passada, algumas almas que
eram inegavelmente boas tinham ido para a Terra das Sombras. Almas
como o meu amigo Aaron e a encarregada de Joaquin, Jennifer. Almas como
meu pai. Eles eram boas pessoas, condenados ao inferno, e logo depois que
eles foram embora, pegamos Tristan com as moedas.
Algo se alojou na minha garganta com o simples pensamento de meu
pai na Terra das Sombras — sozinho, apavorado, possivelmente torturado
— e por um segundo, eu não consegui respirar.
— Eu acho que é por ali — disse Joaquin, apontando para a ponte. —
Vamos continuar andando.
Deixei-o liderar o caminho, permitindo-me olhar por cima do ombro
para o lugar onde a sombra tinha estado. O afloramento estava deserto. Eu
respirei deliberadamente, tentando acalmar as batidas frenéticas do meu
coração. À medida que nos aproximávamos da ponte, eu podia distinguir
duas figuras vestidas de capa de chuva preta, suas formas nebulosas
parecendo fantasmas escuros, entrando e saindo da minha visão cheia
d’água. Desde que eu tinha descoberto as moedas adulteradas, os Lifers
estavam se revezando para vigiar a ponte, para garantir que ninguém
pudesse atravessar. Eu não tinha ideia de quem estava programado para
estar lá agora, e desta distância através da chuva, eu não conseguia ver seus
rostos. Por alguma razão, a sua presença parecia sinistra em vez de
reconfortante.
Vai ficar tudo bem, eu disse a mim mesma. Você vai corrigir isso. Você só
tem que encontrar Tristan e Nadia e fazê-los dizer-lhe como corrigir.
Tristan. A imagem dele e de seu rosto sorridente e enganador torceu o
meu estômago em nós. Eu tinha acreditado nele. Eu tinha confiado nele mais
do que em ninguém. Eu o amava. E ele me traiu. Eu tinha sido suspeita de
conduzir as boas almas para a Terra das Sombras e, em seguida, foi
finalmente revelado que Tristan era o vilão. Tristan, que havia me dito que
as regras deste lugar não poderiam ser quebradas. Que eu tinha que confiar
no sistema. Que tudo ficaria bem.
Ele disse essas coisas para mim. Ele me beijou. Ele me fez sentir segura.
E então ele conduziu o meu pai direto para o inferno.
Joaquin e eu viramos para um caminho ainda mais estreito, mais
tortuoso, levando para o oceano, em direção à base da ponte. Enquanto um
filete de água fria descia sob a minha gola para as minhas costas, eu não pude
deixar de pensar, pela milionésima vez, Por quê? Por que Tristan fez isso
com Aaron, com Jennifer, com o meu pai... com todos nós? O que ele tinha
a ganhar? E, o mais egoisticamente, por que ele fez isso comigo? Por que
me ferrar e fazer eu me importar? Por que me fazer acreditar nele e em tudo
o que este lugar era, só para depois virar as costas, me trair e destruir a sua
casa?
Joaquin olhou para mim e estendeu a mão. Agarrei seus dedos, meio
esperando que eles deslizassem para longe de mim, mas seu aperto era
surpreendentemente sólido. Algumas semanas atrás eu nunca teria
acreditado que eu estaria um dia segurando de bom grado a mão de Joaquin.
Quando eu o conheci, eu o tinha odiado. Ele era aquele cara. Aquele cara que
sabia como ele era gostoso e usava esse fato para brincar com o coração de
qualquer garota que mostrava interesse nele. Neste caso, a garota tinha sido
a minha irmã, Darcy.
Mas quanto mais eu conhecia Joaquin, mais eu o respeitava. Ele
realmente se importava com seus encarregados, com seus amigos e com este
lugar. E quando as coisas começaram a ficar feias, ele basicamente se tornou
meu guarda-costas pessoal. E ao longo dos últimos dias, desde que eu tinha
descoberto que Tristan era o grande mau por aqui, nos unimos ainda mais.
Ninguém queria encontrar Tristan mais do que nós. Joaquin tinha sido o
seu melhor amigo. Eu tinha sido a namorada de Tristan. (Seria-ex-
namorada no segundo em que eu o visse novamente.) Precisávamos
encontrá-lo. Nós precisávamos lhe perguntar uma questão urgente: Por quê?
Isso era o que nos fazia continuar — a esperança de que um dia iríamos
conseguir as respostas que estávamos procurando: por que ele tinha feito o
que fez, como ele pôde trair todos que ele alegava se preocupar e, o mais
importante, como libertar o meu pai, Aaron, Jennifer e as outras pobres
almas. O que eu não sabia era o que iríamos fazer com Tristan e Nadia —
outro Lifer que tinha desaparecido com Tristan — quando os
encontrássemos. Meu cérebro não queria nem pensar nisso.
— Eu acho que é lá embaixo — disse Joaquin, olhando para baixo,
pequenas gotículas se aderindo nas extremidades de seus cílios grossos. —
Eu notei esse caminho no outro dia. É como uma série de degraus cortados
na rocha.
Eu não vi nada, mas eu dei de ombros. — Você lidera o caminho.
Juntos começamos a ir devagar e com cuidado para baixo. Meu pé
escorregou no primeiro degrau, e o aperto de Joaquin ficou mais forte. Nós
dois congelamos.
— Você está bem? — perguntou Joaquin.
Eu balancei a cabeça em silêncio.
— Ok. Fique atrás de mim e tenha cuidado.
Ele não tinha que me pedir duas vezes.
Descemos a escada íngreme em silêncio, e me concentrei no som da
minha própria respiração, o chape das gotas de chuva no meu capuz, o bater
das ondas lá embaixo, e o posicionamento cauteloso dos meus pés. Mas eu
não podia deixar de pensar na expressão no rosto de Tristan no dia que
tínhamos encontrado o saco de moedas adulteradas em seu quarto. A
compreensão em seus lindos olhos azuis de que ele tinha sido pego.
Eu não era estúpida. Eu sabia o que eu tinha visto. Tristan era culpado.
Eu só queria que meu coração concordasse com o meu cérebro e começasse
a acreditar nisso.
Depois do que pareceu uma vida inteira, Joaquin saltou o último par de
degraus para um trecho grande de conchas quebradas e areia que se estendia
ao longo da base das rochas. Eu saltei atrás dele, levantei a cabeça e vi a
boca escancarada de uma caverna.
— Conseguimos — disse Joaquin.
Cada centímetro da minha pele corou com o calor, fazendo eu ter
cócegas debaixo da minha jaqueta de vinil. Tristan estava lá dentro. Talvez
com Nadia, talvez não. De qualquer maneira, nós estávamos prestes a obter
algumas respostas.
E eu ia vê-lo novamente.
Apertei meus olhos e cerrei meus dentes. Coração estúpido.
Através do nevoeiro e da chuva, eu notei uma pilha de algo branco e
cinza perto da boca da caverna. À medida que nos aproximávamos, eu vi o
sangue. Os olhos vidrados, os pescoços torcidos, as penas arrancadas e
desfiadas. Gaivotas mortas. Dezenas delas. Quebradas, deformadas e
esbugalhadas. Moscas zumbiam ao redor de suas cabeças disformes, e
enquanto eu observava, uma delas pousou avidamente sobre a órbita de uns
olhos grandes e vidrados. Em poucos segundos, várias delas haviam
engolido o crânio da gaivota.
Em seguida, o vento moveu-se e o cheiro me atingiu como um tijolo no
rosto. Virei meu nariz e cobri minha boca com uma mão.
— Apenas continue andando — disse Joaquin, acelerando seus passos.
Passamos pelas carcaças e caminhamos para a cobertura da caverna. A
areia perto da abertura era grossa e enlameada, e meus tênis soltavam um
som de sucção cada vez que eu levantava um pé. Eu puxei meu capuz da
minha cabeça, aliviada por estar fora da chuva, mesmo quando minha
respiração acelerou. Eu já podia sentir o cheiro pungente de uma fogueira
recente.
Joaquin e eu fechamos os olhos. Ele puxou a lanterna do bolso da
jaqueta, mas não a ligou, e ele levantou um dedo à boca. Eu balancei a cabeça.
Movendo-se em sincronia, andamos na ponta dos pés para a frente. Joaquin
fez uma pausa em um canto e olhou ao seu redor. Ele visivelmente relaxou
e acendeu sua lanterna.
— Eles não estão aqui.
Decepcionada, caminhei para uma área aberta da caverna, o teto apenas
dez centímetros do alto da minha cabeça. Era um espaço amplo, e quando
Joaquin brilhou sua lanterna para lá e para cá, algo chamou minha atenção
contra a parede oposta.
— Aqui!
Eu agarrei seu ombro e apontei. Joaquin balançou o feixe de novo ao
redor, e ele capturou alguma coisa — um cobertor azul e branco. Corremos
para ele. Eu cheguei lá primeiro e caí de joelhos. A areia nesta parte da
caverna estava fria, mas seca. Eu afastei o cobertor de lado e parei de
respirar. Debaixo dele havia um pé de cabra, um kit de primeiros socorros,
e um martelo, com algumas bandagens embaraçadas e ensanguentadas
atiradas de lado. Havia também duas pequenas pilhas de roupas dobradas
— dele e dela — várias barras de granola ainda em suas embalagens, e três
garrafas cheias de água.
— Então, eles estavam aqui — eu sussurrei, irritada com o flash de
ciúmes que eu senti ao ver as roupas de Tristan dobradas ao lado das de
Nadia, como de um casal aconchegante. Lá fora, um trovão retumbou, mas
foi silenciado pelos quilômetros de rocha sobre as nossas cabeças.
— O que eles estavam fazendo com um pé de cabra? — perguntou
Joaquim, agachado. Ele timidamente pegou uma das ataduras pelo final
limpo. — E de quem é esse sangue?
Eu tremi. — Eu não quero saber.
Joaquin jogou o pedaço de volta na areia e se levantou, tirando a poeira
de suas mãos. Ele estava tenso. Eu agarrei a lanterna e brandi ao longo do
chão, encontrando os restos de sua fogueira. Ela ainda estava em chamas.
Joaquin xingou em voz baixa.
— Nós quase esbarramos neles — ele disse. — Eles estavam aqui.
— Bem, isso é bom, certo? Eles não podem ter ido longe. — Levantei-
me, a adrenalina me bombeando. — Nós podemos rastreá-los.
— Como? — Joaquin exigiu, girando para mim. — Não é como se eles
estivessem deixando pegadas lá fora! A chuva vai se certificar disso!
— Você não precisa gritar comigo — eu respondi. — O que você quer
fazer? Ficar aqui? Deixá-los ir embora?
Virei-me para a boca da caverna, e Joaquin me seguiu, seu feixe de luz
dançando à nossa frente.
— Você está prestes a sair em uma perseguição inútil e demorada —
Joaquin murmurou. — E vai começar a ficar escuro.
— Essa coisa toda é uma perseguição inútil e demorada! — eu gritei,
jogando meus braços para cima. — Mas esta é a melhor pista que tivemos
em três dias. Não podemos simplesmente ir para casa.
Joaquin agarrou meu braço, me virando para ele rudemente enquanto
eu tentava levantar meu capuz.
— Mas como é que você vai para...
Sua pergunta foi cortada pelo barulho distante de um sino. Parecia um
daqueles velhos sinos de igreja que usavam para tocar na capela perto da
minha casa em Princeton sempre que alguém se casava. Exceto que isso não
era uma música alegre de celebração. Era um apelo frenético e irregular.
Joaquin ficou branco.
— O que é isso? — perguntei.
— O sino. — Ele virou-se para o sul em direção à cidade, o que não era
visível a partir da base da falésia.
— Sim, eu sei que é um sino — eu disse. — O que isso significa?
— Isso significa que há uma emergência. — Ele subiu de volta para a
escada rochosa, passando pela pilha de carcaças de gaivota, e ao longo das
conchas quebradas.
— Que tipo de emergência? — eu perguntei, deslizando e
escorregando atrás dele.
Ele parou com um pé no terceiro degrau, esticando suas longas pernas,
tanto quanto elas iriam, e olhou por cima do ombro. Eu nunca o tinha visto
tão apavorado.
— Eu não sei — disse ele. — Esse sino não tem sido tocado desde que
Jessica fez aquelas pessoas inocentes serem condenadas à Terra das
Sombras, Rory. Não foi tocado em cem anos.
2 DESTRUIÇÃO
Traduzido por L. G.
chuva pinicou em meu rosto enquanto corríamos em direção à
cidade, os meus pés escorregando sobre as folhas caídas, meus
pulmões queimando com o esforço. Minhas narinas formigaram
com o cheiro sinistro de fumaça úmida e esvoaçante. Por cima do tamborilar
constante da chuva e do sibilar do vento, eu ouvi um grito errante, seguido
por mais uma dúzia. Os olhos de Joaquin estavam arregalados quando
encontraram os meus, e nós corremos ainda mais rápido.
Quando finalmente chegamos ao ponto em que era possível ver a praça
da cidade e as docas abaixo, eu estava tão chocada com o que vi que quase
derrapei para a direita sobre a borda rochosa. De alguma forma, eu consegui
me parar a tempo e me dobrar ao lado de Joaquin, arfando para respirar.
A balsa que costumava trazer novas almas a Juniper Landing estava
em chamas e afundando rapidamente. Toda a parte de trás da embarcação
tinha pegado fogo. O ar estava cheio de berros e gritos, e eu pude ver várias
figuras propensas alinhadas na margem escassa da baía. Outras dezenas
agarravam-se a fragmentos irregulares de madeira nas ondas turvas e
agitadas ou nadavam desesperadamente para a terra, enquanto Lifers
mergulhavam nas docas para ajudar.
— Puta merda — disse Joaquin entre arfadas.
Nós corremos morro abaixo, derrapando perto da biblioteca e ao longo
do lado oeste da cidade em direção às docas. O ar estava cheio de fumaça.
Passamos por alguns Lifers atordoados na área comercial, cada um deles
paralisados, confusão e medo atravessando seus olhos enquanto assistiam
ao desastre se desdobrar diante deles. Era um tipo estranho de calmaria para
atravessar antes de chegar ao caos das docas. A longa passarela tinha sido
flanqueada de cada lado por afloramentos de rochas íngremes e
escorregadias. Os corpos dos feridos foram colocados na costa, enquanto os
sobreviventes que podiam se mover caminhavam para a encosta rochosa ou
A
subiam as escadas até o cais. Qualquer lugar que eu olhasse, meus amigos e
colegas Lifers estavam ajudando tanto quanto podiam.
O atual namorado de Darcy, Fisher Morton, jogou uma pessoa sobre
seus ombros e a carregou até a areia antes de virar de volta e nadar de novo.
Bea McHenry estava rebocando três pessoas em direção à costa, que se
agarravam a um pedaço grande da proa do barco. Mais abaixo, na doca,
Krista Parrish e Lauren Caldwell ajudavam a curar arranhões, contusões e
queimaduras, enquanto alguns estranhos vagavam sem rumo, gritando
nomes ou pedindo ajuda. Eu arranquei meu casaco e corri para a água.
Joaquin estava logo atrás de mim.
— Parem já aí.
O som da voz autoritária da prefeita me fez congelar no caminho. Virei-
me para encontrá-la de pé nas rochas perto da borda d’água debaixo de um
enorme guarda-chuva preto, seu cabelo loiro penteado para trás em um rabo
de cavalo baixo, seu casaco de chuva preto apertando na cintura. Seu olhar
azul-gelo afiou-se em minha direção.
— Eles precisam de ajuda! — eu gritei.
— Deixe-os cuidarem disso — disse ela, acenando para os nadadores,
que incluía minha irmã. — Precisamos de mais mãos aqui, catalogando os
acidentados.
Catalogando os acidentados? Quem diabos falava assim? Mas quando
olhei ao redor para os visitantes feridos amontoados ou deitados no trecho
fino de areia, vi que ela estava certa. Essas pessoas não podiam morrer, é
claro, mas tínhamos que encontrar aqueles em estado crítico e separá-los
daqueles com colisões simples e hematomas.
— Joaquin! Rory! Preciso de ajuda por aqui.
Krista — a “irmã” de Tristan no mundo de Juniper Landing, e desde
as últimas semanas, minha amiga — acenou para nós de baixo. Ela estava
ao lado de um homem cujo braço pendia inerte, o osso se projetando em um
ângulo não natural. Ela usava uma capa de chuva branca sobre seu jeans,
mas seu cabelo loiro estava sem vida, e sua pele estava tão pálida como gelo.
Joaquin correu para o seu lado, assim que Kevin Calandro e o Policial Dorn
aceleraram em um caminhão carregado de caixas, parando no
estacionamento no topo da colina.
— Nós trouxemos os suprimentos! — Kevin gritou, descendo da
cabine. Seu cabelo preto normalmente desgrenhado estava penteado para
trás e ele usava uma blusa preta que deixava exposta a tatuagem colorida de
chamas que dançavam sobre seu braço. Seu queixo pontudo subiu com
determinação quando ele abriu a parte traseira do caminhão.
— Traga-nos uma tala! — Joaquin gritou para mim. — E uma tipoia!
Corri para Kevin e o ajudei a descarregar, rasgando caixas
aleatoriamente. Os recipientes estavam cheios de material de primeiros
socorros, de pomadas e cremes para curativos, tesouras e kits de costura. Na
terceira caixa eu encontrei uma dúzia de tipoias azuis-e-brancas e talas de
plástico planas. Peguei um conjunto e me levantei.
— Aqui. Você vai precisar disso. — Kevin me atirou um rolo de fita
adesiva médica, que eu peguei com a minha mão livre.
— Obrigada — eu disse, e então corri para Joaquin e Krista,
verificando o caos e tentando achar Darcy ao longo do caminho. Onde ela
estava? Ela estava bem?
— Eu preciso de ajuda. Eu preciso de ajuda — uma voz zombeteira
passou muito perto atrás de mim imitando as vítimas.
Meus músculos dos ombros enrolaram e meu sangue esfriou quando
Ray Wagner, um dos meus encarregados, apareceu de repente em seu casaco
marrom sujo, o cabelo fino de um lado apontando para cima, mesmo com a
chuva incessante. Eu o ignorei e pulei de volta para a praia, mas ele se
inclinou no parapeito do cais em cima da minha cabeça e riu, expondo seus
dentes amarelos e uma língua que tinha sido enegrecida pelo tabaco de
mascar. Com a chuva escorrendo livremente pelo rosto, ele cuspiu na areia
e sorriu, como se estivesse se ajeitando para assistir a um jogo de bola.
— O que devo fazer? — eu perguntei a Joaquin, que estava segurando
o braço do homem o mais suavemente possível. O rosto dele estava roxo
com a dor, e as rugas em sua testa se aprofundavam sempre que ele se mexia.
Krista tinha recuado, assistindo o processo com grandes olhos azuis. Ela
parecia como se estivesse pendurada por um fio.
— Coloque a tipoia sobre sua cabeça, gentilmente. E me dê a tala —
Joaquin ordenou.
— Você vai ficar bem — eu disse ao homem, colocando a faixa branca
sobre sua cabeça. — Não se preocupe. Nós te ajudaremos.
— Não se preocupe. Não se preocupe. Blá, blá, blá — Ray zombou de
mim, inclinando a cabeça de um lado para o outro.
Eu dei a ele um olhar mortal, mas ele simplesmente riu.
Ray Wagner tinha matado quatro pessoas em uma onda de
assassinatos em uma noite em Richmond, Virginia, antes de ser morto a
tiros no estacionamento de uma loja de conveniência ao tentar levar a sua
quinta vítima. Normalmente, eu teria conduzido ele o mais rapidamente
possível, mas desde que as coisas estavam fora de controle e a política de
não-ingressar estava regendo, ele ainda estava aqui. Como também estavam
algumas outras pessoas desagradáveis que meus amigos ainda tinham que
conduzir. Lauren tinha sido encarregada de um criminoso de colarinho
branco chamado Piper Molloy, que havia enganado dúzias de famílias,
tirando suas poupanças e os tornado sem-teto. Bea tinha uma mulher que
tinha vindo na balsa há dois dias que parecia como se ela tivesse vindo direto
da Idade da Pedra com o cabelo desgrenhado, unhas sujas e dentes
deformados. O nome dela era Tess Crowe e ela tinha assassinado seus
próprios pais e irmãos antes de ser relegada para um asilo de loucos. Bea a
tinha atualmente trancado no sótão da casa que dividia com dois Lifers mais
velhos. Supostamente, Tess gritando e tentando arranhar até conseguir sair
mantinha os hospedes acordados durante a noite.
Havia tido uma conversa sobre trancar os visitantes que iriam para a
Terra das Sombras na prisão na delegacia, mas ela era composta por apenas
duas pequenas celas e não estava equipada para abrigar a todos, então por
enquanto, nós estávamos encarregados de agir como suas babás da melhor
maneira que conseguíamos, para ter certeza de que eles não causariam
nenhum problema. Ray era o único, no entanto, cujo coração sádico havia
sido atraído para a devastação de hoje. Sorte a minha.
— Oh Deus! Isso dói! — O homem gritou quando Joaquin prendeu seu
braço na tala.
— Quase pronto — eu disse enquanto Joaquin usava os dentes para
rasgar a fita.
Assim que ele tinha prendido o braço com quatro pequenos círculos de
fita, nós delicadamente o colocamos na tipoia. Depois eu cuidadosamente
ajudei o homem a se sentar em um dos pilares da doca.
— Obrigado — disse ele, caindo ligeiramente.
— Só fique aqui enquanto nós descobrimos para onde levá-lo — disse
Joaquin.
— Obrigado, pessoal — disse Krista, pairando entre nós, com os
joelhos balançando. — Eu não tinha ideia do que fazer.
— Está tudo bem — disse Joaquin. — A questão é: e agora?
Nós fizemos uma varredura da água e da praia. Uma mulher por perto
chorava ao lado do marido sangrando. Um homem cambaleou por nós e caiu
na areia, com o peito arfando para respirar. Joaquin estava certo. Onde
iríamos começar? Então eu vi um flash com o canto do meu olho: o cabelo
escuro da minha irmã correndo para a água. Ela não estava usando nada
além de shorts e uma regata e estava encharcada até os ossos. Era evidente
que esta não era a sua primeira vez mergulhando na baía.
— Darcy — gritei. Mas ela não me ouviu. Ela mergulhou sob as ondas
agitadas, ressurgiu, e nadou em linha reta para uma menina cujos braços se
agitavam enquanto ela afundava, engasgando. Minhas mãos voaram para
cobrir minha boca quando Darcy mergulhou atrás dela. Eu olhava para a
onda onde elas tinham desaparecido, procurando por qualquer sinal delas.
Mas eu só podia ver o local onde a minha irmã e a garota tinham afundado.
Onde elas estão? Eu pensei, apertando meu queixo.
— Ali! — Joaquin gritou, assustando-me. Ele apontou uns bons dez
metros para a esquerda de onde eu estava olhando, e lá estava Darcy,
corajosamente nadando para a costa com um braço travado em torno do
peito da menina. — Ela está bem. — Ele deu um aperto rápido no ombro.
— As duas estão bem.
— Quem é aquele? — perguntou Krista.
Um cara musculoso, forte, da nossa idade estava nadando em direção à
praia, segurando uma mulher de meia-idade apertada ao redor do peito, o
queixo inclinado para cima em direção ao céu para que ela pudesse respirar.
Ele a colocou sobre a terra, e depois correu de volta para a balsa para pegar
um homem que ainda se agarrava ao parapeito da balsa condenada.
Rapidamente, ele arrancou os dedos do homem em pânico do parapeito e o
trouxe de volta para a segurança, em seguida, saiu novamente, cortando a
água como se não fosse nada para ele.
— De onde ele veio? — eu perguntei.
— Eu não tenho ideia — disse Joaquin.
Darcy tinha acabado de voltar para a margem e puxou a menina de
volta à segurança. Corri para o lado dela, deslizando sobre as rochas até
chegar na areia.
— Darcy! Vocês estão bem? — eu perguntei, caindo de joelhos ao seu
lado.
Darcy lançou seu cabelo escuro molhado por cima do ombro. Ela estava
sem fôlego, mas fora isso parecia bem. A menina, no entanto, chorava.
— Ela pode ter quebrado a perna, e olhe para a sua pele. Ela está tão
pálida. Acho que deveríamos levá-la ao hospital. Onde diabos estão os
paramédicos? Ou a guarda costeira?
Engoli em seco. Darcy não tinha ideia sobre a realidade de onde
estávamos. Até onde ela sabia, eles ainda estavam vivos, inscritos no
programa de proteção a testemunhas graças a Steven Nell, e prestes a
receber uma chamada qualquer dia dizendo que ele tinha sido preso e que
poderíamos voltar para Princeton, para a nossa casa e nossos amigos. Ela
não sabia que um lugar como Juniper Landing não precisava de pessoal
dedicado a salvar vidas, porque ninguém aqui tinha uma vida para salvar.
— Hum... talvez o tempo esteja complicando as coisas?
— Bem, nós temos que levá-la a um hospital — Darcy insistiu.
Joaquin, que agora estava cuidando de uma mulher por perto, olhou
para mim. — Nós não temos exatamente um hospital — disse ele
relutantemente.
— Não tem hospital? — Nós olhamos para cima para encontrar o
Super Garoto Nadador pairando sobre nós, arfando para respirar, seu cabelo
negro escorrendo água pelas suas maçãs do rosto quadradas. — O que você
quer dizer com não há nenhum hospital?
Sua pele tinha um bronzeado saudável, e ele tinha um olho azul e um
olho castanho. O pacote todo era tão bonito e surpreendente que eu me
encontrei encarando. Darcy ficou em pé ao meu lado, tão sem palavras e
paralisada quanto eu.
— Sim, são cores diferentes. Não, eu não sei como nem porquê — ele
afirmou, não divertido, mas também não com raiva. Em seguida, ele se
concentrou em Joaquin. — O que se faz, então? Vai para um no continente?
— Como poderíamos levar todos lá sem a balsa? — disse Darcy,
gesticulando loucamente.
Agora foi a vez de Joaquin ficar sem palavras. — Hum... nós...
Os segundos se passaram lentamente. Estranhos começaram a se
reunir, depois de ter escutado a nossa conversa, os feridos embalando os
braços ou segurando pedaços rasgados de tecido contra as feridas. Todos
pareciam esperar o que quer que fosse que Joaquin diria em seguida.
— Levem eles para a clínica.
Um arrepio desagradável correu pela minha espinha. Eu olhei para a
passarela de tábua que levava para a cidade e vi a prefeita Parrish olhando
para o resto de nós.
— A clínica? — perguntei.
— Claro — disse ela, revirando os olhos. — A clínica.
Em seguida, ela fez um gesto muito-elegante para o escarpado, onde
sua linda e enorme mansão colonial ficava com vista para a cidade.
— Vamos, todos — ela disse em voz alta. — Vamos ajudar aqueles que
não podem ajudar a si mesmos. Assim que estivermos estabelecidos dentro
e fora desta chuva, poderemos avaliar a situação.
Por um longo momento, ninguém se moveu. Não que qualquer um
pudesse ter nos culpado. Este não era um procedimento normal para um
desastre, seguir a prefeita mal-humorada colina acima sem paramédicos ou
enfermeiros, sem ambulâncias, sem nada.
Mas isso era Juniper Landing, e eu tinha aprendido há muito tempo
que nada por aqui era o procedimento normal. Não demoraria muito até que
todo mundo percebesse isso também.
3 INESPERADO
Traduzido por Matheus Martins
essoas gritam, choram e imploram ao meu redor, mas, no momento,
eu ainda assisto. Eu assisto a proa do barco afundar lentamente
abaixo da superfície da água, e então ele se vai. Completamente
desaparecido. Por essa eu não estava esperando. Sem a balsa, não haverá
novas almas. As opções vão começar a ficar insuficientes, e eu ainda nem
alcancei meu objetivo. Eu não terminei a minha missão. Eu ainda preciso de
mais cinco.
Mas está tudo bem. Eu vou ter que me focar. Eu tenho que ter a certeza
de que só os bons possam ser levados, e não os maus. Levar os maus é bom,
mas, para mim, não passa de uma perda de tempo. Devo cumprir o meu
destino antes de me encontrar, antes de me descobrir.
Eu me viro quando uma mão se estende para mim, e vejo Rory Miller
ajudar uma pobre mulher sangrando sobre os degraus para um caminhão à
espera. Logo, caberá a ela. Ela só não sabe disso ainda.
P
4 A CLÍNICA
Traduzido por Matheus Martins
ntão, qual é o seu nome?
O Super Garoto Nadador olhava para frente
enquanto caminhava, a menina que Darcy tinha salvado
agarrada a ele com seus pequenos braços em volta de seu pescoço. Darcy
tinha ido em frente com Krista para pegar algumas roupas secas lá dentro.
O cabelo louro da menina estava pendurado em uma trança molhada nas
costas, e ela fungava continuamente, seu rosto descansando em seu ombro.
A mulher idosa-mas-habilidosa que eu estava ajudando segurava firme na
minha cintura a cada passo que dávamos sobre a grama achatada pelo vento
lento, mas constante. Ela tinha um corte profundo na testa perto da linha
de seu cabelo e estava segurando um chumaço de gaze com a mão livre, mas
ela parecia de alguma forma ilesa. Na baía, a água engolia lentamente a proa
do barco. Eu não podia acreditar que ele tinha ido.
— Liam — disse ele. Seu tom era de alguma forma triste conforme ele
olhava fixamente à frente. — Liam Murtry.
— Eu sou Rory Thayer — eu anunciei.
Ele olhou para mim tão rapidamente que eu não tive certeza se não
tinha imaginado. — Prazer em conhecê-la.
— E eu sou Myra Schwartz — minha paciente anunciou, tocando o
peito. Gotas de chuva pontilhavam suas lentes dos óculos de armação
vermelha. — Qual o seu nome, querida? — ela perguntou, inclinando a
cabeça para ver melhor a menina, seu sorriso amável.
— Eu não deveria falar com estranhos — disse a garota com uma voz
mansa que partiu meu coração.
Myra assentiu. — Boa menina. — Então ela piscou para mim como se
dissesse: Estamos nisso juntas. Eu sorri agradecida em troca.
— Atrás de você, Rory! — alguém gritou.
—E
Liam estendeu a mão e puxou eu e Myra em direção a ele quando Kevin
e Fisher passaram, carregando uma maca velha de lona e madeira entre eles.
Nela, um homem corpulento com um terno gemia, com os braços abertos
sobre a sua cabeça para afastar a chuva. Eles correram enquanto Liam e eu
assistíamos, seus dedos fortes ainda segurando meu bíceps. Eu olhei para a
mão dele e esperei.
— Desculpe — disse ele, recuperando-se. Ele me soltou e fez uma
careta. — É só que... isso é uma cena e tanto.
Eu respirei, olhando realmente ao meu redor pela primeira vez desde
que eu tinha saído da casa da prefeita. O Oficial Dorn tinha montado um
posto de comando improvisado perto da parte inferior da colina,
distribuindo as macas que ele e Kevin tinham pego da delegacia de polícia,
juntamente com os suprimentos. Havia apenas algumas, então ele estava
ocupado avaliando os feridos para decidir quem precisava de uma e quem
não, seu cabelo loiro cortado coberto pelo capuz de um enorme poncho
verde-exército. Pete Sweeney e Cori Morrison passaram, apoiando um
homem manco entre eles. Pete estava inclinando-se para tentar equilibrar a
diferença de altura entre ele e Cori. Bea e Ursula, a Lifer mais velha com
quem Joaquin compartilhava uma casa como falsa avó e falso neto,
carregava uma mulher em uma maca, cuja pele parecia de cera e verde.
Haviam recém-chegados em todos os lugares, encolhendo-se, gemendo,
chorando, fazendo o melhor que podiam para chegar até a colina íngreme
enquanto Lifers corriam em volta tentando ajudar. A menina nos braços de
Liam virou a cabeça para olhar para mim.
— Onde está minha mãe?
Os olhos de Liam encontraram os meus.
— Nós vamos encontrá-la — ele garantiu a ela, passando a mão nas
costas de sua cabeça. — Não se preocupe. Vamos encontrá-la.
Minha garganta se contraiu enquanto nos mantínhamos em
movimento, os dedos de Myra segurando meu casaco. Eu sabia no fundo do
meu coração que provavelmente não iríamos encontrar sua mãe. A menos
que a menina tivesse morrido junto com sua mãe em um acidente ou algo
do tipo, ela estava aqui sozinha. A maioria das crianças se hospedava em
Juniper Landing por aproximadamente cinco segundos antes de eles serem
levados para a Luz, já que eram muitos jovens para terem problemas não
resolvidos ou ter feito qualquer coisa em vida que os mandasse para a Terra
das Sombras. Mas já que tínhamos parado de conduzir as pessoas, as poucas
crianças que tinham aparecido aqui nestes últimos dias de agonia ainda
estavam aqui. Um menino adorável chamado Oliver tinha chorado sem
parar por seus pais no momento da chegada, até que a prefeita o havia levado
para um canto e usou sua mágica em sua mente, basicamente fazendo-o
esquecer que ele algum dia tivera pais. Ele levantou-se e correu para as
outras crianças que sofreram lavagem cerebral para iniciar um jogo de pega-
pega. Foi a primeira vez que eu entendi o real benefício de seus poderes.
— Você foi muito impressionante lá fora — eu disse a Liam, tentando
mudar de assunto.
Ele levantou os ombros o melhor que pôde. — Eu sou um salva-vidas.
É o que eu faço.
Nós estávamos caminhando até a porta da frente da prefeita, o
pavimento revestido com malmequeres castanhos mortos e pilhas de folhas
molhadas e secas — coisas que não tínhamos visto em Juniper Landing
quando chegamos pela primeira vez aqui, quando até mesmo as plantas
nunca poderiam morrer. Uma espécie de congestionamento tinha ocorrido
perto da frente da casa, e as pessoas estavam na ponta de seus dedos dos pés,
dobrando-se para olhar para a frente da fila. A encarregada de Liam
começou a choramingar.
— Parece que isso vai levar um tempo — afirmou Myra, seus olhos
castanhos cheios de preocupação enquanto olhava para a menina.
— Venha comigo — eu sussurrei.
Liam ergueu as sobrancelhas de corvo, intrigado, e nosso pequeno
grupo se afastou da fila. Levei Liam e Myra em direção aos fundos da casa,
onde havia um pátio com uma porta para a cozinha e a sala grande. Nós
abrimos a porta de vidro e, finalmente, saímos da chuva.
A cena que nos cumprimentou no interior da casa era surpreendente.
Até no último ponto da enorme sala da casa de praia aconchegante os móveis
tinham sido removidos, e em seu lugar havia filas de camas, cada uma
coberta com um lençol branco liso. Krista e Lauren se moviam, arrumando
eficientemente as camas e organizando gazes, ataduras e frascos de
antisséptico nas mesas. Do outro lado da sala, os feridos entravam pela porta
da frente, onde foram verificados e avaliados pelo delegado Grantz e a
própria prefeita. Pete e Cori ajudavam seu paciente em uma cama próxima.
— Onde eu devo levá-la? — Liam me perguntou.
— Está vendo a mulher loira ao lado da porta? — eu disse, esfregando
as costas da menina. — Ela vai querer dar uma olhada nela.
— Entendi — disse ele, e levou a menina para a prefeita.
— Vamos lá, Myra. Vamos te levar para uma cama — eu disse.
— Eu não quero furar fila — disse ela um pouco insegura quando olhou
ao redor.
Eu sorri. — Eu não conto se você não contar.
Demos um passo, e Myra deslizou para o lado. Pânico tomou conta de
mim quando seus olhos giraram para cima, e eu desesperadamente apertei o
meu domínio sobre ela, mas era impossível manter sua forma de repente sem
vida. Pete percebeu e correu para ajudar, passando por baixo do braço
oposto de Myra.
— O que vamos fazer? — perguntei.
— Aqui. Leve-a para a cama. — Pete acenou para a cama mais próxima.
Juntos, cambaleamos em direção a ela e a viramos, sentando com Myra entre
nós.
Myra gemeu e sua cabeça pendeu para frente. Em seguida, o braço dela
vibrou em minhas costas e ela tocou a mão na cabeça.
— O que aconteceu? — ela perguntou.
— Você desmaiou. Eu acho.
— Você devia se deitar, mas mantenha a cabeça apoiada — disse Pete.
Eu atirei-lhe um olhar interrogativo. Seus olhos verdes estavam vermelhos
e seu nariz também. O suor escorria pelo seu rosto.
— Meu pai era médico — ele explicou-me em voz baixa. — Se você
fica fraco ou tonto, você deve descansar, mas mantenha a cabeça sobre o
coração.
— Ainda bem que temos esse jovem bonito — Myra brincou.
Sorri para Pete, que meio que atirou uma careta em troca. — Sim. Uma
coisa muito boa — eu disse. Pete e eu não éramos os melhores amigos do
mundo, considerando que não há muito tempo, ele e sua amiga Nadia tinham
me acusado de conduzir inocentes para a Terra das Sombras. Esta era a
primeira vez que eu tinha falado com ele desde que Tristan e Nadia tinham
fugido, exonerando-me simplesmente e os fazendo parecerem culpados.
Talvez fosse por isso que atualmente ele parecia incapaz de me olhar nos
olhos.
Uma vez que Myra estava encostada em alguns travesseiros, ela me
deu um aceno de cabeça e um tapinha no meu braço.
— Obrigada, Rory. Agora vá ver se alguém precisa da sua ajuda.
— Eu vou voltar — eu prometi a ela. — Obrigada, Pete — acrescentei.
Mas ele já tinha se virado para a próxima cama para ajudar Cori com
outro paciente.
Virei-me para fazer o mesmo e fui imediatamente esmagada pelo
frenesi de atividade. Darcy e Fisher estavam levando as pessoas para uma
cama, enquanto alguns dos Lifers mais velhos cuidavam de feridas e
reclamações. O fluxo de “sobreviventes” que vinham pela porta nunca
terminava, e eu me perguntava se nós ainda tínhamos espaço suficiente para
todos eles. Foi quando avistei um par de pessoas tão estranhas que eles
momentaneamente me tiraram o fôlego. Amontoados em alguns leitos de
onde eu estava havia um cara e uma garota, com cerca de vinte anos, com o
cabelo loiro-branco no mesmo estilo exato em um corte-tigela, suas franjas
molhadas e desgrenhadas sobre suas testas. Suas feições eram tão
amplamente semelhantes — narizes retos, queixos-angulares — que eu não
poderia ter adivinhado seus gêneros, exceto pelo fato de que a menina estava
usando um vestido preto liso, enquanto o menino usava calças escuras e uma
camisa branca. Ambos tinham olhos azuis e sua pele era de um tom verde-
oliva. Suas têmporas estavam pressionadas juntas quando eles sussurraram
um para o outro, mas seus olhares se lançavam ao redor da sala, absorvendo
tudo. Aquilo era esquisito — sua postura estranha, a forma como eles
estavam se comunicando de forma tão intensa, sem olhar um para o outro.
Uma espécie de medo assustador e arrepiante se moveu lentamente através
de mim, da mesma forma de quando a neblina havia engolido a praia na
minha primeira noite aqui. Algo não estava certo sobre eles. Eu podia sentir
isso.
— Rory!
Eu caminhei rapidamente até Krista, que estava acenando para mim.
Ela puxou o cabelo loiro em um rabo de cavalo baixo e estava parecendo
muito menos assustada do que ela tinha estado nas docas. De alguma forma,
ela conseguiu se trocar para um vestido branco seco de algodão e chinelos e
estava montando um tanque de oxigênio, movendo interruptores e rodando
os botões como se ela fizesse isso todos os dias de sua vida. Olhei por cima
do ombro para os gêmeos assustadores. Eles estavam me observando.
Obriguei-me a virar as costas para eles. Fingi que eles não estavam lá.
— Como você sabe como usar essa coisa? — eu perguntei a Krista.
Ela se virou para mim e encolheu os ombros.
— Eu não sei. Parecei que eu sei fazer? Legal.
Eu bufei uma risada nervosa.
— Aqui. Vamos desempacotar esta caixa de suprimentos — Krista
sugeriu, levantando uma caixa de papelão em cima da cama mais próxima.
— Isso eu sei como fazer.
— Vamos lá.
Nós rasgamos a caixa e tiramos alguns kits de primeiros socorros,
alguns travesseiros infláveis, e um monte de blocos de gelo que precisavam
ser refrigerados. Enquanto eu trabalhava, eu senti os olhares dos gêmeos
em mim, mas quando eu olhei de novo, eles tinham voltado a sua
comunicação com os olhos dardejando assustadoramente.
— Então, quem é o gostoso? Eu vi você entrar com ele. — Krista
apontou para Liam e a prefeita, que estavam conversando sobre a cabeça da
menina perto da porta. A prefeita fazia um gesto em direção a seu escritório
e gentilmente pegou a menina dos braços de Liam. Liam observou-as até
que a porta se fechou atrás delas, e eu dei um suspiro de alívio. Em cinco
minutos a menina estaria livre da saudade de sua mãe. Isso já era alguma
coisa, pelo menos. No momento, eu estava meio que com saudade da minha,
algo que eu sentia sempre que algo terrível ou confuso acontecia. Mas a
minha mãe morreu há quatro anos, bem antes do resto de nós nunca ter
ouvido falar de Juniper Landing. Pelo menos eu sabia que ela estava em
algum lugar seguro na Luz. Ela nunca faria parte dessa insanidade.
— Só você perguntaria isso em um momento como este — eu disse,
meio brincando.
Seus olhos azuis se arregalaram. — Como se você não tivesse
percebido? Por favor.
— O nome dele é Liam Murtry — eu disse a ela.
— Ele salvou, tipo, uma dúzia de pessoas — disse Krista, olhando-o
com apreciação através da sala. — É como o Super-homem chegando em
Juniper Landing.
— Sim, ele parece muito perfeito. O que provavelmente significa que
ele é um psicopata barra assassino. — Eu quis dizer isso para sair como uma
brincadeira leve, mas meu tom errou totalmente o alvo. Quem poderia me
culpar, no entanto? Eu estava me tornando uma séria má juíza de caráter.
Krista fixou um tipo de olhar, provavelmente me sondando.
— O quê? Primeiro meu professor de matemática favorito me mata —
eu disse baixinho. — E então eu me apaixono por um cara que está tentando
mudar todo o equilíbrio do universo? — Eu balancei a cabeça e peguei o
último rolo de gaze da caixa, em seguida, rasguei a parte inferior da caixa
aberta para aplaná-la. — De agora em diante, eu não vou confiar nos meus
instintos sobre ninguém.
Eu lancei um olhar cauteloso sobre os gêmeos novamente. Suas
têmporas ainda estavam franzidas, seus lábios ainda se movendo. Eles me
davam calafrios, o que significava que eles provavelmente eram as mais
encantadoras pessoas que eu poderia conhecer na minha vida. Bem, na
minha vida após a morte.
— Eu ainda não sei como todo mundo está tão convencido de que
Tristan nos traiu — Krista sussurrou. — Quero dizer, ele é Tristan. Ele não
pode ser o cara mau.
— Então onde ele está, Krista? — eu rebati. — Por que ele não voltou
e defendeu seu caso?
Como ele pôde ter feito isso com a gente? O que poderia ter feito ele se
virar contra pessoas inocentes? Contra o meu pai? Contra mim?
Krista estava abrindo a boca para responder quando sua mãe e o Oficial
Dorn se aproximaram por trás dela. Os lábios finos da prefeita estavam
definidos em uma linha sombria.
— Meninas — disse a prefeita. — Nós precisamos conversar.
5 POLÍTICOS
Traduzido por Matheus Martins
u não confiava na prefeita. O que era justo, porque eu tinha certeza
que ela não confiava em mim. Conforme Krista e eu seguíamos de
volta ao seu escritório em forma de octógono, Joaquin e Dorn
entraram atrás de nós. Ótimo. Eu me sentia mais segura com Joaquin nas
minhas costas. Olhei por cima do meu ombro para Darcy para me certificar
de que ela estava bem e a vi envolvendo o tornozelo de um homem idoso
com um curativo, conversando com ele e sorrindo. Uma vez que estávamos
todos dentro do escritório, Dorn fechou a porta atrás de nós, e o barulho
caótico da clínica suavizou a um maçante contínuo.
Dorn ficou na frente da porta, com os olhos afiados em mim, com as
mãos cruzadas diante dele como um agente do Serviço Secreto. Krista e eu
ficamos sem jeito no meio da sala, enquanto Joaquin caminhava até uma
cadeira de couro e se sentava nela casualmente, como se fosse dono do lugar,
o tornozelo apoiado no joelho. Do lado de fora das janelas, a tempestade
rugia sobre o oceano, as nuvens ficando mais e mais escuras. Um galho de
árvore quebrou, o seu interior dourado irregular exposto à chuva,
arranhando em um ritmo a vidraça atrás do ombro direito da prefeita.
— O que podemos fazer por você, Senhora Prefeita? — perguntou
Joaquim, cruzando os braços atrás da cabeça.
Ela lançou a ele um olhar cheio de veneno, para o qual ele simplesmente
levantou uma sobrancelha, então ela suspirou. — Isso já foi totalmente
longe demais.
— Nada como um bom desastre para mobilizar os políticos locais —
Joaquin brincou.
— Isto não é uma piada, Sr. Marquez! — ela cuspiu. — Chegou o
momento de encontrarmos Tristan e Nadia e descobrirmos o que diabos
está acontecendo aqui.
E
— Ah, então agora você acredita? — eu perguntei. A prefeita se
recusou a ouvir uma palavra contra Tristan. Ela não queria que ele fosse
culpado, então ela não tinha escutado. Eu não queria que ele fosse culpado
também, mas eu sabia o que eu tinha visto. Eu tinha visto a culpa em seus
olhos quando encontramos seu estoque de moedas corrompidas, e eu assisti
ele fugir.
Os olhos da prefeita estreitaram para mim. — Eu não estou dizendo
que eu acho que Tristan é culpado, mas ele esteve aqui mais tempo do que
qualquer um do resto de nós. Ele sabe coisas sobre esta ilha que nenhum de
nós poderia saber. Se alguém tem as respostas, é ele. Ainda não há nenhum
sinal dele ou de Nadia?
Joaquin e eu compartilhamos um olhar hesitante. Ele sentou-se para
frente, esfregando as mãos contra as coxas.
— Conseguimos encontrar uma coisa — ele disse lentamente. — Em
uma caverna perto da ponte. Eles estiveram lá. Muito recentemente.
— O quê? — perguntou Krista, empalidecendo. A mão dela se agitou,
brincando com a pulseira de couro em torno de seu pulso — o mesmo que
cada Lifer usava. De repente, minha pele começou a coçar sob a minha.
— E você não foi atrás deles? — Dorn exigiu.
— Houve essa coisa toda, onde a balsa estava afundando — Joaquin
respondeu sarcasticamente, levantando-se. Ele era tão alto quanto Dorn e
quase tão largo. — Isso meio que parecia mais importante no momento.
— Bem, junte novamente outra equipe de busca. Dobre seus números
— a prefeita ordenou. — Assim que tivermos essa bagunça resolvida, você
tem que estar pronto para ir lá e encontrá-lo. Esta ilha não é tão grande.
Não é como se eles pudessem ficar escondidos para sempre.
— Falando nessa confusão... — disse Krista calmamente.
Esperamos que ela terminasse. Do lado de fora, algo caiu, e houve um
baque e um grito. A prefeita fechou os olhos e vi seus lábios se moverem
enquanto ela contava, lentamente, até dez. Por trás de sua cabeça, um
relâmpago dividiu o céu escuro e um barulho de trovão sacudiu a casa.
Segurei a parte de trás da cadeira mais próxima, conforme os burburinhos
residuais permaneciam.
— O que tem isso, Krista? — disse a prefeita finalmente,
impacientemente.
— Bem, o que isso significa? — perguntou Krista, virando as palmas
das mãos para cima. — Se não há balsa... as pessoas vão parar de vir aqui?
Joaquin, a prefeita e Dorn olharam uns para os outros, como se
estivessem esperando que alguém tivesse a resposta. Mas todos sabiam que
nenhuma resposta ia chegar. Nada como isso já tinha acontecido antes. A
prefeita e Joaquin tinham estado aqui mais tempo do que Dorn, mas mesmo
com a experiência de um século em Juniper Landing, não havia precedentes
para a bagunça que estavam no momento. Finalmente, a prefeita caminhou
ao redor de sua mesa e se sentou, descansando a cabeça contra a ponta dos
dedos, seus cotovelos empoleirados no topo de uma pasta de couro
perfeitamente limpa. Ela respirou fundo e, em seguida, ergueu o queixo.
— Eu não sei, mas se for assim, eu acredito que seja uma bênção —
disse ela.
— Uma bênção? — perguntou Joaquim, seu rosto contraído em
consternação. — Uma bênção que não conseguiremos servir com o nosso
propósito?
— Nós não conseguiríamos de qualquer forma — Dorn interviu. —
Nós não conduzimos ninguém há dias, e a cidade está em plena capacidade.
Estamos ficando sem camas e explicações para o tempo, o nevoeiro, as
condições de superlotação... Além disso, há criminosos perigosos andando
por aí entre os inocentes, então sim, eu concordo que a perda da balsa nesse
momento foi uma bênção.
— Mas isso não significa que podemos ser complacentes — disse a
prefeita, com firmeza. — Com as tempestades e a superlotação, está ficando
cada vez mais difícil manter o controle de todos. Você ao menos sabe
quantos encarregados você tem atualmente na ilha? — ela perguntou,
olhando diretamente para mim.
Eu pressionei meus lábios juntos, pensando nas moedas que foram
surgindo na minha cabeceira em uma base diária, que agora estavam
pousadas em uma pilha no fundo da gaveta. No começo eu tinha sido capaz
de manter um registro mental das almas que foram atribuídas aos meus
cuidados, mas depois de alguns dias de caos, os rostos tinham ficado
obscuros na minha mente.
— Não — eu admiti, olhando para os meus pés.
— Algum de vocês?
— Não — Joaquin e Krista disseram em coro.
A prefeita deu um suspiro.
— Temos que encontrar Tristan. Quero todos os Lifers disponíveis
para nisso. Precisamos corrigir essa situação, e nós precisamos corrigir
agora.
Houve uma batida repentina na porta. Dorn moveu-se para atendê-la,
mas ela foi aberta antes que ele pudesse chegar lá, e Darcy entrou. Sua
postura curvou-se em alívio quando ela me viu.
— Aí está você! Está tudo tão louco lá fora, e você desapareceu.
Ela caminhou até a sala, como se ela não tivesse interrompido nada, e
me abraçou. Olhei nervosamente para a prefeita, esperando a reprimenda,
mas nenhuma veio. Nem mesmo quando Liam atravessou a porta logo após
Darcy.
— Hum... você pode querer vir aqui — disse ele a prefeita, apontando
por cima do ombro. — As pessoas estão começando a ficar inquietas.
Ela assentiu com a cabeça e levantou-se, alisando o cabelo loiro
platinado sobre os ouvidos e ajeitando o terninho ajustado. Colando um
enorme sorriso no rosto, ela caminhou ao redor da mesa para mim e minha
irmã.
— Há uma boa notícia, no entanto.
— Há? — eu perguntei, incapaz de parar de ficar protetoramente na
frente de Darcy.
— Sim. Há. — A prefeita olhou debaixo do nariz para mim
imperiosamente, suas palavras cortadas. — Darcy, Liam, parabéns! A partir
de hoje, vocês dois são Lifers. Bem-vindos à família.
— O quê? — Krista desabafou.
Eu olhei para Darcy, meus olhos arregalados. Ela, é claro, não tinha
ideia do que estava acontecendo. Que ela iria ficar aqui em Juniper Landing
para sempre — que nós nunca ficaríamos separadas. Senti uma súbita onda
de emoção egoísta mesmo quando uma espécie de peso surpreendente
escorregou dentro do meu peito. Isso também significava que ela nunca teria
a chance de seguir em frente — e realmente estar em paz. Ela nunca iria
para a Luz e veria a minha mãe.
Como é que eu iria explicar a sua nova realidade?
— Lamento que a notícia teve que ser entregue desta maneira
precipitada. Há geralmente mais sutileza envolvida — disse a prefeita. —
Mas, dadas às circunstâncias, este parece ser o único jeito.
Eu pensei no jeito que eu descobri — Tristan me dizendo na praia que
eu estava morta, e então Fisher me acertando friamente quando eu quis
dizer a minha família, e acordei em um porão, enquanto todo o grupo dos
meus novos amigos explicavam o que eu era. Não inteiramente sutil, mas eu
não tinha vontade de discutir a questão.
A prefeita apertou a mão débil de Darcy, em seguida a forte de Liam, e
deu um passo para a porta.
— Vocês vão esclarecê-los, não é? — ela disse a mim, a Krista e a
Joaquin.
O Oficial Dorn parecia tão surpreso quanto o resto de nós quando ele
se virou lentamente e seguiu para fora da sala. A porta se fechou com um
estrondo atrás deles.
— Uh, do que ela estava falando? — perguntou Liam, seus olhos
desiguais alargados.
— O que diabos é um Lifer? — perguntou Darcy.
— Hum... eu... — Como é que eu ia responder essa pergunta,
exatamente?
— Olá? Rory? — Ela acenou com uma mão na frente do meu rosto. —
Importa-se de explicar?
Olhei em seus olhos verdes, assim como os meus e da minha mãe, e
respirei fundo.
— Darcy — eu disse, — eu tenho boas notícias e tenho más notícias.
Não havia realmente nenhuma outra maneira de começar.
6 IRMÃS PARA SEMPRE
Traduzido por Yasmin Mota
amos conseguir ver a mamãe? — Darcy me perguntou, em
lágrimas.
Senti um caroço na minha garganta, e balancei a
cabeça. Darcy e eu estávamos sentadas no banco da janela do quarto dela,
nossas mãos entrelaçadas entre nós, enquanto Krista e Liam estavam
empoleirados em cima da cama e Fisher perto do canto inferior. Ele insistiu
em estar aqui por Darcy, assim Joaquin ficou para trás na clínica para
substituí-lo, no trabalho de reestabelecimento. Nós tínhamos caminhado de
volta para nossa casa para dar a notícia longe da loucura, e Darcy tinha
corrido lá para cima, chorando, depois de ouvir o básico. Tanto ela como
Liam finalmente acalmaram-se — a reação dele foi tentar dar um soco na
cara de Fisher, o que não tinha dado certo. Agora Darcy tinha feito a
pergunta que eu temia mais do que qualquer uma, com exceção de outra.
— Mamãe seguiu em frente. Há muito tempo atrás — eu respirei
fundo, a dor me atingindo de novo, e sentei espantada porque parecia doer
cada vez mais em vez de melhorar. — Então, você acredita em mim?
Ela fungou e olhou para baixo. — Ele nos matou, não foi? — perguntou
ela, lentamente. — Foi assim que nós morremos — como chegamos até aqui.
Steven Nell nos matou.
Eu balancei a cabeça, lágrimas correndo pelo meu rosto.
— Oh meu Deus, Rory.
Darcy lançou os braços ao meu redor e entrou em colapso. Ela soluçou,
todo o seu corpo magro em convulsão enquanto as lágrimas molhavam meu
ombro. Eu chorei também, sentindo a devastação do que tinha acontecido
conosco como uma nova facada no peito. Eu não sei por quanto tempo
ficamos assim, com Liam, Krista, e Fisher em silêncio, respeitosamente
desviando os olhos, mas eu sei que no momento em que acabamos, eu estava
exausta. Ela me soltou, e eu me inclinei para o lado, contra a janela, exaurida.
—V
— Então... esperem... — disse Liam, falando pela primeira vez em
alguns minutos. — Vocês foram assassinadas?
Eu balancei a cabeça. — É uma longa história.
— Isso é intenso. — As sobrancelhas de Liam se uniram. — Como foi
que eu morri?
— Você se afogou, cara. Uma contracorrente pegou você. — Fisher
deu um tapinha desajeitado no ombro de Liam.
— Ah, por favor. Não tem como — disse Liam. — Eu nunca iria me
afogar.
— É a verdade — disse Fisher. — Se você não tivesse se tornado um
Lifer, eu teria sido o seu guia, então eu vi a coisa toda quando te dei um tapa
nas suas costas antes.
— Você viu a minha morte? — perguntou Liam, ficando branco.
— Apenas um dos muitos poderes especiais que os Lifers têm — disse
Krista, amargamente.
— Então, como você morreu? — Liam perguntou.
Krista se moveu em cima da colcha floral, puxando a bainha de seu
vestido branco ainda mais para baixo sobre suas coxas. — Eu fiz uma coisa
estúpida — disse ela, franzindo os lábios.
Liam olhou para o resto de nós. — Como se afogar? — disse ele
levemente, claramente tentando deixá-la à vontade.
— Não. — Ela olhou para ele. — Eu queria chamar a atenção do meu
ex-namorado, por isso tomei um monte de comprimidos, mas eu não queria
morrer. — Seus olhos desviaram para o lado como se ela não conseguisse
olhar nos olhos de ninguém. — Só que eu... tomei muitos.
— Uau — disse Darcy.
— E você? — Liam perguntou a Fisher. Darcy e eu nos viramos para
olhar para ele, curiosas.
— Foi um acidente no campo de futebol — disse ele. — Eu atingi um
cara, e bam! — Ele bateu o punho em uma mão espalmada. — Meu pescoço
estalou. Feito.
Liam assobiou, e eu olhei Darcy nos olhos. Ele apenas repassou a
notícia como se fosse sobre estatísticas aleatórias de um jogo. Darcy soltou
um suspiro.
— Então, o que aconteceu com ele? Com Nell? — Darcy me
perguntou.
— Você não se lembra?
— Lembro-me agora que ele estava aqui... mas como ele chegou aqui?
Limpei a garganta. — Bem... eu meio que o matei.
— O quê? — ela soltou.
— Você matou um cara? — perguntou Liam, deslizando para a beirada
da cama para que suas longas pernas balançassem para baixo. — Como?
Seus olhos estavam brilhantes — perturbadoramente brilhantes,
considerando o assunto. Mas ele tinha que ser uma boa pessoa para ser um
Lifer, certo?
Virei meu ombro para ele e me concentrei em Darcy enquanto contava
a história.
— Eu estava... bem, basicamente, eu estava morrendo. — Fiz uma
pausa e respirei fundo, odiando o ato de lembrar isso. — Mas eu tirei a faca
dele e eu...
Eu parei, incapaz de encontrar uma maneira de completar a frase para
que não soasse como algo de um filme de terror ruim. Enfiei a faca em seu
estômago? Não. Eu o estripei? Não. Em vez disso, olhei para fora da janela de
Darcy para a casa do outro lado da rua. A casa cinza com a qual eu estava
obcecada quando nos mudamos para cá, certa de que alguém estava nos
observando de suas janelas. E, é claro, eu tinha razão. Tristan estava me
observando. Mantendo o controle sobre a nova Lifer em potencial. Uma
horrível queimação azeda se expandiu através do meu estômago quando eu
me lembrei do dia em que ele me levou lá — me mostrou o local de onde ele
estava observando. O dia que eu tinha tentado beijá-lo pela primeira vez e
ele me rejeitou.
A casa estava quieta agora. Escura. Como tudo nesta ilha maldita.
— Uau. Rory, podemos apenas falar por um segundo sobre como você
foi destemida? — Darcy exclamou, com o rosto ainda brilhando das
lágrimas.
Eu me encolhi, minha pele pinicando. Tinha havido um tempo, não
muito tempo atrás, quando eu realmente me senti destemida. Quando me
senti orgulhosa de mim mesma por livrar a Terra do homem que matou
quatorze meninas e pegou a minha família como seu último ato. Mas agora,
eu já não me sentia assim.
— Eu não sei — eu disse.
— Você está brincando comigo? Basta pensar sobre o favor gigante
que você fez para o mundo — disse Darcy. — Neste momento, há uma
garota qualquer jogando futebol por aí, ou namorando ou fazendo compras
com sua mãe, e ela só está fazendo isso porque você impediu o idiota que
estava atrás dela.
— Ela está certa, sabe — disse Krista. — Você é uma heroína, Rory.
Eu tentei sorrir, mas percebi, quando Darcy me olhou com orgulho, o
porquê de me sentir tão conflituosa. Porque quando tirei a vida de Steven
Nell, eu não tinha pensado sobre as garotas aleatórias que eu estava
salvando ou mesmo nas meninas que ele já tinha assassinado. Eu estava
pensando em mim. Eu estava pensando na minha família e o que ele tinha
feito conosco. E eu estava irritada. Eu matei o homem por uma pura e
simples vingança. E não havia nada puro ou heroico nisso. Eu merecia
mesmo ser uma Lifer?
— E o papai? — perguntou Darcy, enxugando os olhos e sugando uma
respiração forte. — Onde ele está?
E lá estava a pergunta que eu mais temia. Ela se lembrou dele, agora
que era uma Lifer. Há alguns dias atrás, quando ele seguiu em frente, eu
tinha mencionado o nome dele e ela olhou para mim como se eu fosse louca.
Agora seus olhos estavam cheios de esperança guardada. Eu não queria
dizer a ela — ainda não precisava dizer a ela — sobre como as coisas
estavam erradas. Decidi manter minhas respostas curtas.
— Ele seguiu em frente.
— Então, mamãe e papai estão na Luz.
Ela não perguntou, apenas afirmou. E eu não a contradisse. Meus olhos
encontraram os de Fisher. Ele levantou uma sobrancelha. Eu lhe lancei um
olhar silencioso e esperei que Krista também tivesse entendido.
— Nós nunca os veremos novamente? — perguntou ela, com a voz
embargada.
Limpei a garganta. — Não.
Ela enxugou os olhos. — Ok. Isso é muita coisa.
— Eu sei — eu disse. — Mas a boa notícia é que nós vamos ficar juntas.
Lifers nunca seguem em frente. Nós nunca vamos ter que dizer adeus.
Os olhos de Darcy se iluminaram, e ela pegou minha mão. — Sério?
Eu sorri. — Sério.
Ficamos ali, apertando os dedos uma da outra e olhando para a chuva.
Em casa, antes de morrer, Darcy e eu estávamos afastadas por meses — um
impasse sobre um cara que eu mal conseguia me lembrar. Ela adorava andar
pela casa lembrando a mim e ao meu pai sobre como muito em breve ela se
formaria e como iria “dar o fora daqui” sem olhar para trás. Naquela época,
eu não poderia imaginar que estaria aqui sentada com ela assim, em um
silêncio pacífico e agradável. Era incrível a rapidez com que tudo tinha
mudado.
— Eu não sei — disse ela, finalmente. — Será que eu realmente quero
viver com você para sempre?
Fisher riu. Eu gargalhei e empurrei seu ombro. Era uma frase clássica
de Darcy, e eu estava contente de ver que ela ainda tinha isso. Eu sabia que
deveria dizer a ela o que estava acontecendo na ilha — que meu pai e os
outros estavam sofrendo desnecessariamente na Terra das Sombras e
precisávamos descobrir como levá-los para a Luz — mas eu não queria
estragar esse momento. A verdade de sua nova existência e a notícia de que
ela nunca iria ver nossos pais novamente eram o suficiente por um dia. Eu
não tinha motivo para assustá-la mais ainda.
Por agora, eu ia deixá-la processar o que aprendeu e me segurar de
forma egoísta a esse sentimento que estava brotando dentro de mim. Uma
esperança branca, esvoaçante e frágil, de que tudo ia ficar bem de alguma
forma.
Houve um súbito clarão no canto da minha visão — algo estava se
movendo na casa do outro lado da rua. Eu me encolhi. Então um trovão
ressoou ao longe, e eu relaxei. Tinha sido nada mais do que um remoto flash
de um raio. A tempestade estava mexendo com a minha cabeça novamente.
— O que eu não entendo é, por que você não me contou isso antes? —
perguntou Darcy. — Você sabe disso por... quanto tempo?
— Uma semana — eu admiti.
— Mas ela não podia te falar — disse Fisher. — E você não pode dizer
a nenhum dos visitantes. Se você fizer isso, você os condena à Terra das
Sombras — e você é enviada para Oblivion.
— Sério? Isso é um pouco duro — disse Darcy, olhando por cima do
ombro dele.
Ele deu de ombros. — Eu não faço as regras.
— Então, basicamente, se eu quiser mandar um idiota para o inferno,
eu só tenho que dizer a ele que ele está morto? — perguntou Liam.
Fisher bateu na parte de trás de sua cabeça com tanta força que seu
cabelo levantou.
— Ai! Foi só uma brincadeira! — Liam exclamou, seu rosto ficando
vermelho brilhante.
— Nós não brincamos com coisas assim — disse Krista, séria. —
Especialmente com Oblivion.
Liam se levantou e caminhou em direção ao armário. — Eu acabei de
descobrir que estou morto, tá bom? Me desculpe por tentar aliviar o clima.
— Olha, é só que há um pouco de história por aqui com essas coisas.
Histórias que ninguém quer ver se repetir — eu disse. — Houve uma Lifer
chamada Jessica que um tempo atrás decidiu que todos os visitantes
mereciam saber o que estava acontecendo, então ela contou a eles.
Simplesmente andando pela cidade, batendo nas portas e contando a
verdade.
— Então o que aconteceu? — perguntou Darcy.
— Ela deu para cada um deles um bilhete só de ida para a Terra das
Sombras — disse Fisher, severamente. — Todas aquelas pessoas inocentes
foram condenadas para sempre.
— Por não fazerem nada errado — eu acrescentei.
Relâmpagos ressoaram novamente, e Darcy e Liam pareceram pálidos.
Krista estava prestes a dizer algo quando ouvimos passos pesados subindo
as escadas, cortando-a. O assoalho no corredor gemeu, e houve uma batida
na porta.
— Entre — disse Darcy, fracamente.
Joaquin abriu a porta, mantendo uma mão na maçaneta e uma no
batente da porta. — Você está bem? — ele perguntou a ela.
— Eu vou viver — disse ela, e em seguida deu uma baixa risada irônica.
— Ótimo. — Os olhos de Joaquin se viraram para mim. — A prefeita
convocou uma reunião de Lifers na delegacia. Temos que ir.
Eu olhei para Darcy, e ela se esforçou para sorrir. — O dever chama?
— Sim — eu disse, meu estômago se curvando em nós. — Mas há mais
algumas coisas que eu vou ter que te dizer no caminho.
Tanto esforço para lhe dar um tempo.
7 O MAL ESPREITA
Traduzido por Lua Moreira
té nova ordem — a prefeita anunciou, — a ilha está em
alerta máximo.
Um murmúrio inquieto passou pela centena de Lifers
que reuniram-se na área aberta na frente do balcão de recepção da delegacia.
Assim como os edifícios municipais, ele era relativamente pequeno, e nós
estávamos lotados ombro a ombro, alguns sentados em cadeiras de plástico
ao longo das paredes, outros empoleirados em cima do balcão de mármore,
e outros ainda — o excesso — ao redor das mesas dos oficiais. Olhei para
os meus amigos — Bea, Lauren, Krista, Joaquin, Fisher e Kevin. Ninguém
disse isso, mas todos nós sentíamos a ausência de Tristan. Do outro lado da
sala, Pete e Cori estavam amontoados perto de um vaso de palmeira. Os
cachos escuros de Cori cobriam metade do rosto, e seu olhar se lançava
furtivamente aqui e ali, como se pensasse que estávamos aqui para acusá-la
de alguma coisa. Pete olhou para nós e fez um duplo aceno rápido, então
puxou o boné de beisebol em sua cabeça e focou seus olhos no chão. Todo
mundo estava concentrado na prefeita, que estava no centro da sala, com
um raio de um metro de espaço aberto ao redor dela.
— O que isso significa exatamente? — o homem que dirigia o carrinho
de supermercado perguntou.
Darcy se mexeu ao meu lado, seu braço roçando o meu. Ela tinha
colocado uma camiseta preta seca e calça jeans e estava reta e alta,
absorvendo tudo com uma expressão exigente, um pouco apreensiva. Ela
pegou o colar de borboleta que minha mãe tinha dado a ela em seu
aniversário de doze anos e apertou-o em torno de seu pescoço. Agora, ela
brincava com o pingente, deslizando-o para cima e para baixo no colar. Para
uma garota que tinha acabado de ter toda a sua vida virada de cabeça para
baixo, ela estava lidando com isso surpreendentemente bem.
—A
— Como vocês sabem, nós tivemos uma vigília postada na ponte
durante os últimos quatro dias. — A prefeita acenou para o Oficial Dorn e
Chefe Grantz, que começou a passar pilhas de papel ao redor. — A partir de
agora, vamos colocar vigias em vários pontos ao redor da ilha. Todo mundo
vai ter um turno ou dois a cada dia. Eu quero que você mantenha o controle
dos visitantes. Aonde eles vão, com quem estão e o que eles estão fazendo.
Precisamos de sua ajuda para manter o controle de quem está aqui e se eles
estão prontos para seguir em frente.
Dorn entregou a cada um de nós um horário. Darcy e Liam folhearam
os deles, fechando os olhos, em seguida, mutuamente sobrecarregados. Eu
estava feliz por Darcy não ser a única novata a lidar com esta situação. Era
bom ter alguém no mesmo barco com ela.
— Você vai ver que nós também colocamos alguns de vocês a cargo
das crianças — continuou a prefeita. — A partir da última contagem, temos
oito crianças com menos de doze anos de idade na ilha. Eles estão ficando
em minha casa no alto da colina, o melhor para mantê-los fora de perigo.
Krista conseguiu pegar alguns brinquedos e vídeo games da sala de relíquia,
e estamos planejando a criação de uma sala de jogos em uma de nossas salas
de estar. Precisamos manter essas jovens almas tão inocentes quanto eram
no dia em que chegaram aqui, então se você estiver na presença delas, por
favor, não mencione o dissabor que estamos enfrentando.
O chefe voltou para o lado dela e se inclinou para sussurrar em seu
ouvido. Sua mandíbula ficou imóvel, sua expressão obscura, e ela balançou
a cabeça.
— Chefe Grantz também gostaria de lembrá-los de nossos outros
visitantes especiais — continuou a prefeita. — Faz cinco dias desde que nós
não conduzimos ninguém para fora desta ilha. Nós estivemos preocupados
com os que estão destinados para a Luz que podem acabar na Terra das
Sombras, mas há também aquelas almas que pertencem à Terra das Sombras
— almas que cometeram crimes hediondos em suas vidas, que deveriam ter
sido transferidos imediatamente para os seus destinos finais. Essas almas
estão agora livres entre nós. Não podemos conduzi-los apressadamente
como normalmente faríamos, porque não podemos arriscar que eles
equivocadamente terminem na Luz.
Ela examinou o lugar lentamente, e o murmúrio se levantou
novamente, mais alto e mais urgente neste momento. Pensei em Ray
Wagner zombando dos sobreviventes esta manhã e estremeci.
— Temos de evitar que estas almas prejudiquem nossos inocentes e
nós mesmos — disse a prefeita sombriamente. — Para isso, gostaria que
todos ficassem após esta reunião e registrassem os nomes de qualquer alma
que vocês estejam certos que foi destinado para a Terra das Sombras, de
modo que o resto de nós pode manter uma estreita vigilância sobre eles.
Quando finalmente corrigir os problemas que tenham tido, eles vão ser os
primeiros a atravessarem.
— Por que não os trancamos na cadeia? — alguém gritou.
— Não temos espaço — Chefe Grantz respondeu. — Além disso, nós
não queremos levantar suspeitas ao arrancar as pessoas das ruas e prendê-
las. Esta é uma ilha pequena. As notícias correm.
— Nós podemos controlar a situação, se permanecermos vigilantes —
acrescentou a prefeita.
Darcy virou-se para mim, os olhos arregalados. — Nell? Ele se foi, não
é?
Agarrei-lhe o pulso. — Há muito tempo.
Ela soltou um suspiro, mas não parecia confortada. Eu não podia culpá-
la.
Do nada, Joaquin adiantou-se para compartilhar o círculo com a
prefeita.
— Há algumas notícias positivas hoje! — ele anunciou em voz alta,
com a voz ricocheteando ao redor da sala. — Duas novas almas provaram-
se dignas de ser Lifers. Todos nós gostaríamos que vocês conhecessem
Darcy Thayer e Liam Murtry!
Houve um punhado de aplausos, que, aos gestos animados de Joaquin,
cresciam em uma agitada aclamação enquanto Darcy e Liam acenavam sem
jeito.
— Nós estaremos iniciando-os hoje à noite, à meia-noite, na minha casa
— continuou Joaquin. — Eu percebo com o novo cronograma que será um
grupo menor do que o normal, mas se você puder, seria bom tê-los lá.
Ele deu um passo para trás ao meu lado novamente.
— Não vai ser na enseada? — eu sussurrei.
— Com este tempo? Pessoalmente, eu gostaria de ficar seco por mais
de 15 minutos — ele respondeu em voz baixa.
Eu balancei a cabeça. — Bom ponto. Onde exatamente é sua...?
A prefeita pigarreou, olhando-nos por baixo. Parei de sussurrar. —
Obrigada por essa interrupção, Sr. Marquez — disse ela amargamente. —
Agora, nossa última, mas certamente mais premente ordem do dia é
localizar Tristan e Nadia e trazê-los de volta aqui para interrogatório.
Toda a atmosfera da sala mudou, e pelos olhares cheios de dor nos
rostos das pessoas ao meu redor, todo mundo sentiu. Tristan era o Garoto
de Ouro desta ilha e foi por gerações, mas agora todo mundo sabia o que ele
tinha feito. O sentimento de traição era tão espesso que era sufocante.
— Por favor, verifique sua programação. Se você tiver sido atribuído a
um dos grupos de busca de hoje à noite, fale com o Chefe Grantz, que
gentilmente separou um mapa da ilha em quadrantes e irá atribuir um para
cada uma das partes. — Ela fez uma pausa, enquanto os papéis vibravam e
pessoas comparavam horários. — Se ficarmos juntos e fizermos isso de
forma ordenada, eles serão encontrados e nós vamos chegar ao fundo dessa
bagunça. — Ela respirou fundo. — Alguma pergunta?
As portas duplas se abriram de repente, e um vento uivante entrou pela
delegacia. Eram aqueles gêmeos assustadores da clínica. Cada um deles
usava ponchos de plástico transparentes e tinha alisado o cabelo loiro-
branco para baixo e para o lado, com partes opostas, de modo que pareciam
ser imagens de espelho enquanto eles andavam em direção à prefeita. Seus
olhos deslizaram da esquerda para a direita, olhando seus arredores. Eles
ficaram tão próximos um do outro que eu assumi que eles estavam de mãos
dadas, mas uma vez que eles estavam distintos da multidão eu vi que esse
não era o caso. As costas de seus dedos estavam apenas tocando entre eles.
— Posso ajudá-los? — a prefeita exigiu.
Seus olhos varreram e se direcionaram para frente ao mesmo tempo e
focaram nela. — Sim — disseram em uníssono. Eles levantaram suas mãos
para remover os capuzes com timing tão perfeito que parecia ensaiado.
Os Lifers ao redor da sala trocaram olhares perturbados. Ótimo. Eu
não era a única que estava completamente surpresa com estes dois.
— Eu sou Selma Tse e este é meu irmão, Sebastian — disse a garota
com uma voz esganiçada. — Não há Internet, e estamos sem serviço no
celular, mesmo que nossos telefones estejam protegidos dentro de nossas
mochilas.
— Nós apenas caminhamos pela cidade, e o lugar estava praticamente
deserto — acrescentou Sebastian. Eles viraram a cabeça em direções
opostas, deslizando seus olhos desconfiados ao redor da sala.
— Parece que todo mundo está... aqui — disse Selma. — Juntos. A
cidade inteira.
— Qual é o problema com este lugar? — acrescentou Sebastian. —
Não é normal.
Um trovão retumbou lá fora. As luzes penduradas piscaram em cima
das nossas cabeças e metade da sala ofegou. Eu instintivamente agarrei o
braço de Joaquin. Silêncio.
— Sinto muito, houve alguma pergunta em algum lugar? — a prefeita
perguntou impaciente.
— Sim — Sebastian começou, dando um passo à frente. — Quem são
vocês? Como chegamos aqui quando nenhum de nós se lembra de sequer
decidir sair de casa? E o que diabos é Juniper Landing?
Meus dedos se aprofundavam no braço de Joaquin. Normalmente, os
visitantes aqui eram programados para pensar que eles estavam de férias.
Eles eram meio que embalados em um sentimento de complacência feliz.
Mas não esses dois.
— Eu sabia — eu sussurrei. — Eu sabia que algo estava errado com
eles.
— Alguém vai nos responder? — perguntou Selma, sua voz soando até
o teto.
E pelo olhar em seus olhos claros esquisitos, eles não estavam
dispostos a aceitar um “não” como resposta.
8 O CATA-VENTO
Traduzido por Lua Moreira/I&E BookStore
u caminhei rápido pela cidade naquela noite no caminho até o
apartamento de Joaquin para a iniciação de Darcy e Liam, minha
cabeça inclinada para o chão, tentando ficar o mais seca possível. As
calçadas estavam atravessadas com rachaduras e fraturas profundas, uma
teia de aranha de perigos na escuridão. Perto da esquina em frente à loja de
departamentos, uma das calhas estava tão cheia de folhas que a água
borbulhava e se derramava em torno dela, e eu vi um rato morto subindo e
descendo sobre as saliências, com os olhos vazios.
Estremeci e apressei-me, desejando que Darcy estivesse comigo. Ela
tinha sido atribuída a uma mudança tardia no berçário e ia me encontrar no
apartamento de Joaquin. Era quase meia-noite, e a cidade que estava
tranquila ao meio-dia estava agora um cemitério silencioso, além da chuva
e do vento. Eu vi uma luz difusa iluminando uma das janelas superiores da
biblioteca. Quando eu estava prestes a mergulhar para baixo em direção ao
cais, algo na janela da biblioteca moveu. Parei, meu coração na garganta,
apertando meu capuz bem debaixo do meu queixo. Uma sombra passou pela
luz — uma pessoa, embora fosse impossível dizer se era homem ou mulher.
Talvez eu estivesse imaginando coisas. Talvez tenha sido um truque
da luz. Mas ainda assim, eu estava ali, sozinha e tremendo, olhando através
das gramíneas do parque achatadas pela chuva. Eu estava prestes a me
chamar de louca e desistir, quando a figura apareceu novamente. Desta vez,
em vez de seguir em frente, ele próprio se enquadrou na janela e ficou ali,
olhando para fora. Olhando para mim.
Então, do nada, um raio de luz me cegou, e uma explosão simultânea
de trovão vibrou dentro dos meus ossos. Quando eu olhei para a janela
novamente, a sombra se foi.
Eu me virei e corri.
E
Cercada de galhos caídos pela colina, eu podia sentir alguém — algo
— atrás de mim, me alcançando, correndo com uma rapidez sobrenatural
através da noite. Folhas atiradas pelo vento rolaram na minha frente, e meu
pé ficou preso em uma calçada um pouco levantada, mas eu me ajeitei e
continuei correndo. De repente, ouvi um som através da chuva. A música
distante do Thirsty Swan, a única empresa na cidade ainda crescendo. Se eu
pudesse chegar lá. Se eu pudesse encontrar alguém, alguém de verdade,
talvez eu ficasse bem.
Eu derrapei na beira da praia, na parte inferior da colina e me virei.
Não havia nada lá. Alguém me agarrou pelo braço.
— Rory?
Eu gritei com toda a força dos meus pulmões, mas era apenas Liam.
Ele estava com uma garota bronzeada com grandes olhos escuros e longos
e cabelos negros debaixo do capuz poncho. O garoto saindo pela porta do
Thirsty Swan e se juntando a eles tinha de ser seu irmão. Ele era menor e
mais bronzeado, mas tinha os mesmos olhos bonitos.
— Você está bem? — a garota me perguntou, seu rosto marcado com
preocupação real.
Eu só conseguia imaginar como eu parecia para ela, minha respiração
escalonada, meus olhos atravessados por medo. Devo ter parecido psicótica,
assombrada.
— Eu estou bem — eu disse. — Desculpe. Provavelmente não foi a
melhor ideia caminhar pelo parque sozinha tarde assim. — Eu estendi uma
mão tremula, fria e molhada. — Eu sou Rory.
— Lalani — disse ela com um sorriso, segurando minha mão. — Este
é o meu irmão, Nicholas.
— E aí? — o garoto atrás dela disse com um aceno de cabeça e um
sorriso.
— Lalani e Nick estavam na balsa, mas eles nadaram até a terra por
conta própria — disse Liam, olhando para Lalani com uma expressão
orgulhosa.
— Vocês não se machucaram? — eu perguntei.
Nicholas balançou a cabeça. — Nós somos do Havaí, originalmente.
Sabemos como lidar com águas agitadas.
— Havaí — Liam disse vertiginosamente. — Isso não é muito legal?
— Incrível — eu disse, percebendo de repente o que estava
acontecendo aqui. Liam tinha uma queda por ela. Uma grande queda. Por
uma visitante. — Você ainda vai para o apartamento de Joaquin, certo?
— Oh, sim. Eu estava a caminho. Esses caras estão descendo para o
hotel — disse Liam. Ele se virou para Lalani. — Então, eu te vejo amanhã
à tarde?
— Chova ou faça sol — ela respondeu, corando.
Chuva. Iria definitivamente ser chuva.
Liam parecia incerto por um segundo, como se ele quisesse beijá-la,
mas então ele olhou para mim e Nick e pensou melhor. Em vez disso, ele
levantou uma mão inábil. — Ok. Tchau.
Lalani riu. — Tchau.
Nick revirou os olhos, e eles caminharam juntos.
— Nós vamos surfar — disse Liam, olhando para Lalani até que a
escuridão engoliu ela e o irmão.
— Que legal — eu disse, quando viramos os nossos passos no beco
entre o Thirsty Swan e o Crab Shack. Eu tive que saltar por cima de uma
poça do tamanho de um pequeno lago e Liam me seguiu. — Então, uma
queda por uma visitante, hein?
— É tão óbvio? — ele perguntou.
— Mais ou menos. — Contornamos uma lixeira e encontramos o
conjunto de escadas que supostamente levavam ao apartamento de Joaquin.
— Apenas tenha cuidado.
— O que você quer dizer? — ele perguntou quando começamos a subir.
A escada era estreita e pequena, feita com tábuas brancas que pareciam que
tinham sido marteladas juntas há dois séculos.
— Eu só... eu não quero que você se machuque — eu disse, percebendo
no fundo da minha mente que — considerando os recentes acontecimentos
— eu posso não ser a melhor pessoa para dar conselhos românticos. Ou
instruções sobre como proteger o seu coração. — Ela vai embora logo.
Seguir em frente.
Esperemos que sim, de qualquer maneira, eu acrescentei silenciosamente.
— Oh. Certo. — Fizemos uma pausa no pequeno patamar de madeira
lisa no alto da escada, do lado de fora. Ele ficou em silêncio e pensativo por
uma fração de segundo antes de acrescentar brilhantemente, — Ou talvez
ela vá se tornar um Lifer!
Bati na porta, sorrindo, a despeito de mim mesma. Era bom ter alguém
por perto que estava otimista. Eu mal podia acreditar que hoje cedo eu
suspeitava que ele era um assassino. Joaquin abriu a porta, e suas
sobrancelhas estavam franzidas. Ele parecia confuso com a visão de mim e
Liam juntos, mas se recuperou rapidamente.
— Ei. Entrem.
— Como é que eu não sabia que você morava aqui? — eu perguntei
quando Liam entrou.
— Nos mudamos para cá quando saímos da casa no Sunset. Que você
também nunca visitou — Joaquin respondeu com um sorriso provocante.
Enquanto eu pisei na soleira da porta e fiquei agradavelmente surpresa.
A sala de estar era longa e ampla, espelhando o espaço exato tomado pelo
restaurante e bar abaixo. A moderna e clara cozinha e a sala de jantar foram
separadas por meias paredes e a sala de estar por colunas, onde sofás e
cadeiras estavam em um círculo de conversa em torno de uma mesa de café.
Velas tremulavam dentro de lampiões, e duas portas mais distantes estavam
abertas para revelar um banheiro cinza e branco e que parecia ser de um
grande quarto. Um corredor levava para o lado direito do apartamento em
direção à traseira.
Liam se juntou a Bea, Lauren e Fisher nos sofás da sala, onde eles
estavam conversando enquanto bebiam cerveja e refrigerante em copos de
cristal de aparência pesada. O cabelo encaracolado e vermelho de Bea estava
preso em um coque bagunçado, como tinha estado desde que a chuva
começou, e ela usava uma blusa preta e jeans cinza. O cabelo curto, brilhante
e negro de Lauren estava puxado para trás com uma faixa listrada, e sua
blusa azul de Juniper Landing era tão longa que permitia mostrar apenas
uma polegada de seus shorts cáqui por debaixo da barra inferior. Liam tinha
tirado seu casaco de chuva revelando uma camiseta vermelho escura com
algum tipo de logotipo apagado nela e jeans seriamente surrados. Um
menino na moda, definitivamente. Fisher estava em seu estilo habitual de
bermudas escuras e uma camiseta azul clara tão apertada que eu podia ver
cada um de seus músculos.
— Ei, pessoal — eu disse, entregando a Joaquin minha jaqueta
encharcada enquanto ele fechava a porta atrás de mim.
— Rory — Lauren e Bea aplaudiram.
— Onde está Darcy? — perguntou Fisher, endireitando-se para ver
melhor a porta, como se esperasse que ela aparecesse de repente.
— Ela teve uma troca na creche com Krista. Ela está vindo direto de
lá. — Eu olhei por cima do ombro para Joaquin. — Ursula está aqui?
Ele estava chegando próximo de um armário alto, mas virou-se para
acenar para o corredor. — Ela ainda não está se sentindo bem, então foi para
a cama cedo.
A grande tigela de metal que ele estava tirando bateu contra a parte
superior do armário e fez um som estridente. As cestas debaixo dela
começaram a cair.
Estendi a mão para pegar as cestas antes que pudessem espalhar por
toda parte, e ele colocou a tigela em cima da mesa, que estava cheia de sacos
de batatas fritas, recipientes de plástico com massas e alguns vegetais
aleatórios.
— Estamos tendo uma festa? — eu perguntei. — Eu pensei que isso
era uma iniciação.
— É estranho? — ele perguntou, mostrando um flash de incerteza
atípico. — Eu só pensei que, como eu estou sediando...
— Não — eu disse, e não pude deixar de rir. — Não é estranho.
— Ótimo. — Seus braços flexionaram sob as mangas curtas de sua
camiseta vermelha quando ele começou a cortar uma pimenta. Vi suas mãos
enquanto ele trabalhava, tão hábeis e precisas. Era fascinante.
— Onde você aprendeu a fazer isso? — eu perguntei.
Ele ergueu a mão e chupou um pouco de suco de pimenta de seu
polegar. — Quando você cozinha para si mesmo por cem anos, começa a
desenvolver algumas habilidades. — Ele acenou com a cabeça em direção à
sala de jantar. — Você poderia pegar a bandeja de madeira? Está no
aparador ali.
— Claro.
Por alguma razão, eu senti o meu ritmo cardíaco vibrando em meus
pulsos enquanto eu me movia pela sala, e eu me senti bem visível. Fisher
disse algo que fez Bea e Lauren rir e Liam corar. Ninguém estava prestando
atenção em mim. Quando eu me inclinei para pegar a bandeja de uma
prateleira de baixo, notei um álbum velho aberto em cima do aparador, suas
páginas douradas nas bordas. As fotos em preto e branco e tons de sépia
foram colocadas nas páginas com adesivos de canto pretos. O livro estava
iluminado por uma vela acesa em cada lado, mas ambos foram colocadas à
uma distância cuidadosa longe do livro. Olhei para a primeira foto — uma
foto granulada de um menino magro, sorridente e uma menina de rosto
redondo mais nova em roupas do século passado — e deixei cair a bandeja
pesada. Ela bateu no canto do aparador com um barulho alto, mas eu de
alguma forma consegui agarrá-la antes que ela caísse no chão.
— Deus, Rory! Dê-me um ataque cardíaco! — Lauren disse, com a mão
no peito.
— Você está bem? — perguntou Joaquim, vindo atrás de mim.
— É você! — eu soltei.
Joaquin assentiu. — Sim. Esse sou eu e minha irmã, Maria.
Sua irmã. A que tinha morrido num acidente de carro. Sua expressão
ficou distante por um momento enquanto ele olhava a fotografia — não
ficou triste, exatamente, apenas distante.
— Como você conseguiu isso? — eu perguntei. — Você tinha isso
quando você morreu?
Parecia improvável, considerando que ele cometeu suicídio sozinho no
seu sótão. Mas as únicas coisas que qualquer um de nós trouxe conosco para
Juniper Landing foram aquelas coisas que nós tínhamos quando morremos.
Ou no meu caso e no Darcy, em nossas malas, já que estávamos indo para a
proteção a testemunhas quando Steven Nell nos atacou.
— Não. Era da minha irmã. — Ele pegou a bandeja de mim, nossos
dedos se tocando. — Eu encontrei isso na sala de relíquias cerca de 50 anos
atrás.
Ele virou-se e dirigiu-se de volta para a cozinha, enquanto meus
joelhos quase cediam debaixo de mim. Eu coloquei uma mão na superfície
da mesa e o outra no aparador para me equilibrar.
— Você o encontrou?
— Loucura, hein? — Foi uma declaração clara, mas ele não disse isso
levianamente.
Lentamente eu tentei remendar as implicações disso. Se isso era da
irmã dele e ele tinha encontrado na sala de relíquias, então isso significava
que sua irmã tinha vindo para Juniper Landing quando ela morreu. Quando
ele acidentalmente a matou.
— Então ela... ela estava com isso quando ela morreu? — eu perguntei,
me juntando a ele na cozinha.
— Ela deve ter levado à igreja com ela para mostrar a suas amigas —
ele disse enquanto limpava a bandeja cheia de poeira com um pano molhado.
Os olhos dele viraram para o meu rosto. — Eu sei. É estranho. Eu tive 50
anos para contemplar o quão estranho é. Eu a matei, ela veio parar aqui,
alguém conduziu-a daqui e jogou suas coisas na sala de relíquias só para
mim tropeçar nisso décadas mais tarde, quando eu estava à procura de uma
agulha nova para a minha picape de DJ. Eu sei.
Suas mãos começaram a tremer enquanto ele limpava a bandeja
novamente. Eu estendi a mão e coloquei minha mão em seu pulso, firmando-
o. Ele parou de se mover.
— Alguém se lembra dela? Tristan...?
Fiz uma pausa, seu próprio nome na minha língua fazendo com que
minha boca secasse. Joaquin balançou a cabeça. — Ninguém se lembra dela
realmente. Eu gosto de pensar que é porque ela foi conduzida diretamente
para a luz. — Seus olhos brilharam quando ele olhou para mim e sorriu. —
Ela não tinha exatamente nenhum negócio inacabado para lidar. Isso era
apenas comigo.
Minha mão livre escorregou para o meu peito. — Joaquin, eu sinto...
— Não faça isso. — Ele se virou e colocou a bandeja para baixo. —
Sério, não faça. Está tudo bem. Quero dizer, não está tudo bem, mas é o que
é. — Ele olhou através da sala para o álbum e ergueu um ombro. — Estou
feliz por tê-lo. Ele está cheio de boas lembranças. E sem ele eu não teria
nenhuma imagem de qualquer pessoa da minha família, então...
— Uau.
Por um momento, eu não poderia imaginar a coisa certa a dizer.
Joaquin ficou parado, seus dedos pressionando na parte superior da ilha da
cozinha, as pontas ficando brancas.
— Vocês vão trazer a comida aqui? — Bea exigiu. — Estou morrendo
de fome.
Corri para pegar um saco de batatas fritas, em seguida, esvaziei-o em
uma vasilha. Joaquin adicionou os legumes picados na bandeja e seguiu atrás
de mim.
— O que vocês estavam falando aí? — perguntou Fisher. — Parecia
muito sério.
— Eu estava apenas dizendo a Rory sobre alguns dos mais estranhos
visitantes que vieram aqui — Joaquin respondeu rapidamente, atirando-me
um olhar de vá em frente quando ele colocou a bandeja em cima da mesa. Bea
se lançou para a frente e pegou um punhado de vegetais antes que alguém
pudesse se mover.
— Hum, sim — eu disse. — Como aqueles gêmeos da delegacia?
Totalmente estranho.
Lauren estremeceu, seu cabelo brilhando à luz das velas. — Não é?
Aqueles dois me dão arrepios. Espero que o Chefe Grantz seja capaz de
explicar tudo.
— Se ele não conseguir, a prefeita não pode apenas apagar as suas
memórias? — eu perguntei.
— Espera. A prefeita pode apagar as memórias das pessoas? — disse
Liam, inclinando para frente.
— Até certo ponto — respondeu Joaquin, sentando-se em um assento
de dois lugares vazio. — Ela só faz isso em situações extremas, quando o
comportamento de alguém ameaça a paz ou a nossa causa.
Não havia outro lugar para eu ir, além do chão, então eu sentei ao lado
dele, apoiando-me no braço oposto.
— Então, por que ela simplesmente não apaga a mente de todos que
vieram na barca hoje? — perguntou Liam. — Essa é uma situação extrema.
— Porque ela fica doente se fizer muito isso — explicou Bea, puxando
um dos seus cachos errantes e envolvendo-os firmemente em torno de seu
dedo. — Isso exige muito dela.
— Sério? Eu nunca soube disso. Como? — eu perguntei.
— Se ela apagasse a memória de toda a balsa, ela provavelmente ficaria
em estado de coma — disse Fisher, mastigando uma tira de cenoura. —
Assim, você pode ver como é melhor tentar lidar com as pessoas sem mexer
em suas mentes em primeiro lugar.
Eu soltei um suspiro. — Uau. Eu acho que cada superpoder tem seus
limites.
Ficamos em silêncio por um momento, até que Lauren inclinou-se para
a frente e pegou alguns legumes. — Lembra de Andy Warhol? — ela
perguntou, mudando de assunto abruptamente. — Aquele cara era louco.
— E Babe Ruth? — Joaquin rebateu. — Ele era um animal.
O queixo de Liam caiu. — Você conheceu Babe Ruth?
— E o conduzi — disse Joaquin com uma risada. — Mas só depois que
ele me deixou muito bêbado.
— E você? — perguntou Joaquim, colocando uma fatia de pepino em
sua boca. — Quem foi a pessoa mais estranha que você já conheceu?
Eu imediatamente pensei em Steven Nell, mas eu não iria falar sobre
isso. — Havia um garoto na minha escola que podia relacionar qualquer
situação da vida com Star Wars.
— Sério? — perguntou Fisher. — Como?
— Uma vez eu tive uma briga com meu pai e eu estava contando a um
amigo sobre isso, e esse garoto se aproximou de mim e disse “Pelo menos
ele não cortou sua mão com um sabre de luz”, em seguida, caminhou para
longe.
Todos riram. — Não acredito — disse Lauren.
— É. — Eu sorri e peguei outra batata chips. — E então havia uma
garota que jurou que ia ser uma supermodelo um dia, então ela entrou na
escola por três anos com uma pilha de livros equilibrados na cabeça.
— Ela era gostosa? — perguntou Joaquin.
— Não. Nem um pouco — eu respondi, rindo.
As sobrancelhas de Liam franziram. — Que tipo de escola maluca que
você frequentava?
Todos riram. Eu me inclinei para trás no sofá e me deixei sentir a
alegria daquele breve momento. Dentro desse apartamento aconchegante
com essas pessoas, não havia nada de errado no mundo. Nós éramos apenas
alguns amigos se divertindo.
— É bom rir — eu comentei.
— É. — Joaquin me olhou nos olhos. — Nós deveríamos fazer isso
mais vezes.
Minha pele arrepiou, e eu segurei seu olhar, me recusando a desviar o
olhar. Então Fisher pigarreou.
— Onde diabos está Darcy?
O feitiço foi quebrado. Olhei para o meu relógio. Eram doze e
dezessete.
— Ela pode ter se perdido? — perguntou Liam.
— Ela sabe onde o Thirsty Swan é — eu disse, imediatamente
lamentando meu tom sarcástico. Liam tinha estado aqui há menos de um
dia. Ele não precisava que eu o repreendesse por fazer suposições
perfeitamente aceitáveis. — Sinto muito.
Levantei-me e caminhei até a porta, olhando para fora da janela ao lado.
O que, naturalmente, não me mostrou nada além do lado do prédio próximo
à viela.
— Talvez ela teve que ficar até mais tarde — Joaquin sugeriu, vindo
atrás de mim.
— Ou talvez ela foi atacada por um dos nossos criminosos residentes.
— Peguei meu casaco.
— Aonde você vai? — ele perguntou.
— Eu vou até a casa da prefeita — eu disse, lançando o capuz ainda
molhado por cima do meu cabelo. — Espero que eu tope com ela no
caminho.
— Eu vou com você. — Ele pegou sua jaqueta também e passou os
braços nas mangas. Eu comecei a recusar, mas segurei minha língua. Não
havia nenhuma razão para ir lá sozinha.
— Você quer que a gente vá? — perguntou Fisher.
— Está tudo bem. Fiquem aqui no caso de ela aparecer — disse
Joaquin, fechando o zíper de sua jaqueta. — Você pode contar a Liam um
pouco mais sobre o que ele vai ter que fazer.
— Ótimo — Liam disse com entusiasmo. — Porque eu tenho uma
tonelada de perguntas. Começando com Babe Ruth...
— Espero que voltemos logo — eu disse. Então eu levei Joaquin de
volta para a chuva. — Desculpe — eu disse enquanto ficávamos encharcados
instantaneamente. — Você não conseguiu ficar 15 minutos seco.
— Talvez mais tarde — ele respondeu.
Nós caminhamos para baixo dos degraus rangentes e balançando e
através do beco. O calçadão que corria ao longo da baía e ficava de frente
para vários restaurantes e comércios estava deserto, além do Swan, que
estava cheio de vozes, música e copos tilintando. Nós viramos a esquina e
começamos a subir a colina em direção à cidade, Joaquin andando atrás de
mim na estreita faixa da calçada. A cada segundo, eu ficava esperando Darcy
aparecer no topo da colina, e cada momento que ela não aparecia, meu pulso
começava a correr um pouco mais rápido. Finalmente, sem fôlego e com
medo, chegamos ao topo da colina.
Estávamos de pé no canto sudoeste da cidade, perto da doca da balsa.
O cheiro de madeira queimada ainda pairava no ar. O parque no centro da
cidade estava vazio, e meus olhos correram para a janela da biblioteca.
Estava escura.
— Ela não está aqui — eu disse.
Não houve nenhuma resposta além do tamborilar da chuva no meu
capuz. Era um som que eu estava ficando gravemente cansada de ouvir.
— Então, vamos caminhar até a clínica — disse Joaquin casualmente,
embora seus olhos estivessem lançando-se sobre a praça da cidade com
preocupação. — Tenho certeza que ela está lá.
Antes que as palavras tivessem desvanecido completamente no ar, algo
na atmosfera mudou. Meu coração bateu na minha garganta quando eu
percebi que a neblina estava se movendo acima. Como não havíamos
conduzido ninguém há dias, o nevoeiro tornou-se constante, mas em vez de
nos rodear em uma névoa sem fim, ele pairou como uma nuvem sinistra e
sólida alguns metros acima de nossas cabeças, dando à cidade a ilusão de
que ela tinha sido coberta por uma espessa camada de algodão doce cinza.
Mas agora a névoa rodopiou e retirou-se, afastando-se sobre a ilha como a
tampa de uma enorme cesta de piquenique sendo aberta para revelar as
maravilhas deliciosas dentro. A chuva ainda caía, mas as nuvens acima
estavam irregulares, e as estrelas brilhavam através do céu negro. Eu olhei
para toda a cidade e vi os telhados e torres que eu não tinha visto pelo que
pareceu uma eternidade, luzes nos topos dos edifícios e a ponte longe ao
noroeste.
— Uau — eu arfei. Depois de dias de escuridão assustadora, nada
jamais pareceu tão bonito.
Em seguida, a mão de Joaquin apertou meu braço, os dedos contraindo
em minha carne. — Rory.
O entendimento bateu em mim como um caminhão. Se o nevoeiro
estava rolando para fora, alguém tinha sido conduzido.
— AimeuDeus.
Corremos para a beira da calçada e olhamos para a escarpa no extremo
da ilha, onde estava a casa da prefeita com vista para a cidade. O cata-vento
no topo do pico mais alto girou descontroladamente em seu eixo, como se
lutando com os ventos com força de furacão. Então, de repente, ele parou, o
cisne dourado tremendo contra as nuvens.
O meu coração caiu em meus dedos. O cata-vento apontou para o sul.
Uma mão se estendeu até cobrir meus lábios. De novo não. Por favor, de
novo não.
— Não acabou — disse Joaquin.
O cata-vento tinha começado a girar mais uma vez, mas desta vez ele
parou muito mais rápido. Mais uma vez, ele apontou para o sul, reto e
preciso. Mais duas almas haviam sido enviadas para a Terra das Sombras.
Tristan e Nadia estavam de volta à ativa.
9 PRIMITIVO
Traduzido por AMR
ama espirrava ao longo da estrada enquanto a picape de Joaquin
passava sobre as protuberâncias e crateras criadas pela tempestade.
Agarrei-me na barra de proteção sobre a minha cabeça, meus dentes
trincando enquanto eu segurava minha respiração.
Como eles fizeram isso? Como haviam passado pelos grupos de busca
e os guardas e conseguiram agarrar dois visitantes inocentes e conduzi-los?
E por quê? Por que conduzir mais? Quando vai ser suficiente?
Juncos trançados e molhados batiam contra a porta do lado do
passageiro enquanto as gotas de chuva caíam sobre as janelas. Quando olhei
para as luzes brilhantes no centro da cidade, tudo parecia tão calmo, como
se tudo fosse exatamente como deveria ser. Só que não era. De modo
nenhum.
De repente, Joaquin pisou fortemente no freio. Eu voei para a frente, o
cinto de segurança me bloqueando no lugar um segundo mais tarde e quase
me sufocando.
— Merda.
Joaquin parou o carro e abriu a porta com um forte estalo. Com os
limpadores agitando como loucos, eu olhei através do para-brisa e
engasguei. Havia um corpo na estrada.
Eu desci da picape e corri para o lado de Joaquin. Ele estava agachado
sobre o corpo de bruços de um dos bibliotecários, um homem grande que eu
tinha visto andando pela cidade com todos os tipos de livros debaixo do
braço. Ele tinha um bigode espesso e pequenos óculos de armação prateada,
que haviam caído ao lado na lama.
— Willis? Willis, você está bem? — Joaquin balançou seu ombro.
Eu ouvi um gemido atrás de mim e vi outro homem deitado na estrada.
Ele era desconhecido, mas vestido com a mesma capa de chuva amarela que
Willis. Eu corri até ele enquanto ele levantava a cabeça e ajudei-o a sentar-
L
se. Seus dedos se levantaram para tocar-lhe o crânio, onde um galo enorme
projetava-se através de seu cabelo loiro desbastado.
— O que aconteceu? — eu perguntei, segurando-o.
— Eu não sei. Alguém nos atacou por trás. Eu não vi nada. — Ele
piscou e olhou para as nuvens se movendo em um ritmo rápido pelo céu
estrelado. — A neblina! Alguém foi conduzido?
— Parece que sim — Joaquin murmurou.
Olhei em volta, tentando encontrar pegadas, marcas de pneus,
qualquer coisa que pudesse nos ajudar a descobrir onde Tristan e Nadia
tinham ido depois de terem feito essa proeza. Foi quando eu vi um brilho na
extremidade do feixe de luz do farol. Afastei uma mecha encharcada de
cabelo do meu rosto e me arrastei até ele. Eu estava a centímetros de
distância, quando eu percebi o que era, e minha visão começou a embaçar.
Caí sentada, um ruído de asfixia escapando dos meus lábios.
Não, não podia ser. Não, não, não.
— Rory? O que é isso? — perguntou Joaquin.
Estendi a mão para a delicada corrente de ouro. Uma asa da pequena
borboleta foi danificada e a corrente foi quebrada.
— É de Darcy — eu disse sem rodeios quando Joaquin brilhou uma
lanterna sobre o colar. Me levantei, tremendo da cabeça aos pés, com minha
mão fechada em torno da corrente. — É de Darcy, Joaquin! — Virei-me para
Willis e seu parceiro, meus olhos quase saltando para fora das orbitas. —
Você a viu? Você viu minha irmã?
O bibliotecário balançou a cabeça, o queixo para baixo. Ele parecia em
estado de choque, como se mal entendesse o que eu estava dizendo.
— Joaquin, uma Lifer pode ser conduzida? — eu perguntei, com
lágrimas ardendo em meus olhos enquanto soluços trancavam em minha
garganta. — Eles não podem, podem? Diga-me que não podem.
— Ela... não é tecnicamente uma Lifer. Ainda não.
— O quê? — eu soltei.
— Você não se torna uma Lifer enquanto não escolher o nosso
caminho. Até ganhar a pulseira e ser iniciada. Darcy ainda é...
— Uma visitante — eu arfei.
— Rory. — A voz de Joaquin falhou e ele parou.
— Não — eu disse, minha visão borrada. — Não. Isso não pode estar
acontecendo. Não pode. — Eu dei um passo vacilante para trás em direção
à ponte, onde a neblina ainda girava, como sempre, em torno de sua entrada.
— Darcy! — eu gritei. — Darcy, você pode me ouvir?
A única resposta foi o silvo da névoa.
— Darcy, por favor! Por favor, me responda! Por favor!
Eu caí de joelhos, segurando o colar e chorando pela minha inutilidade.
Lá no fundo, eu sabia que era inútil. Eu sabia que não havia nada que eu
pudesse fazer. Ela já tinha ido embora. Meu coração rasgou com o
pensamento de Darcy com dor. Darcy com medo. Darcy na Terra das
Sombras. Tristan tinha pego meu pai e agora minha irmã. Por quê? Por que
ele estava fazendo isso conosco?
Ele provavelmente pensou que eu era fraca demais para lutar. Muito
nova. Muito impotente, confusa e assustada. Mas ele estava errado. Ele
tinha despertado algo dentro de mim. Algo primitivo, protetor e
determinado. Eu podia sentir algo se acumulando nas minhas entranhas,
enchendo meu coração de pura raiva, fazendo meus dedos coçarem por algo
para arranhar, algo para estrangular, algo para mutilar. Agarrei a borboleta
até que suas asas perfuraram minha carne e virei-me lentamente para
enfrentar Joaquin.
— Encontre-o — eu disse através dos meus dentes.
— Nós encontraremos — ele me prometeu. — Eu juro para você, nós
encontraremos.
— Ótimo. E quando o encontrarmos, ele é meu. — Enfiei o colar no
bolso e passei por eles em direção à caminhonete.
— O que você vai fazer com ele? — Willis perguntou, trêmulo.
— Eu vou dar a ele exatamente o que ele merece — eu disse,
escancarando a porta. — Eu vou mandá-lo direto para Oblivion.
10 SUCESSO
Traduzido por Lua Moreira
u me ajoelho na colina fora de vista e assisto. Eu assisto Rory cair
de joelhos. Vejo-a cuspir, gritar e praguejar. Vejo-a correr para a
caminhonete e bater a porta. A Pequena Rory Miller está chateada
como o inferno, e eu estou amando cada minuto disso. Quero dizer, pegar
Darcy foi um golpe de gênio. Justamente quando ela pensou que ela e sua
irmã poderiam fazer a vida após a morte ser perfeita para elas mesmas aqui,
eu a levei para longe. Se ela não investiu o suficiente antes, ela vai fazer isso
agora.
Ela está vindo perfeitamente para as minhas mãos.
E
11 UM BILHETE
Traduzido por Lua Moreira
a manhã seguinte, eu estava tremendo dentro da boca da caverna
sob a ponte, meu rosto cerrado e ressecado pela falta de sono,
sentindo o vazio do lugar em cada centímetro dos meus ossos.
Claramente Tristan e Nadia tinham abandonado este esconderijo particular.
É claro que eles nunca iriam voltar.
Joaquin e Fisher estavam ambos dos meus lados e acenderam as
lanternas, juntando os flashes de luz com o da minha. Bea, Lauren, Cori e
Pete estavam mais atrás. Cada um de nós usava uma capa de chuva da cabeça
aos pés, e a lama que já havia atingido as nossas pernas e coberto os nossos
sapatos nos fez parecer um grupo de trabalhadores na vala desorganizada à
beira da estrada. Bea tinha um boné encharcado dos Dodgers sobre seu
cabelo vermelho, enquanto Lauren usava um chapéu amarelo de chuva estilo
Urso Paddington brilhante que escondia o rosto até o nariz. O cabelo de
Pete estava tão molhado que os cachos normalmente vermelhos pareciam
pretos. Cori se inclinou contra ele com manchas cinzentas sob seus olhos e
seu cabelo sujo amarrado em duas tranças feitas de qualquer jeito.
— Por que estamos aqui, mais uma vez? — perguntou Pete. Notei
curativos em vários de seus dedos quando ele empurrou o capuz para trás,
e o pomo de Adão proeminente no centro de seu longo pescoço balançou
quando ele falou. — Eu sinceramente duvido que eles estejam aqui
esperando por nós.
— É o último lugar que temos certeza que Tristan e Nadia ficaram, e
eles deixaram algumas coisas para trás — disse Joaquin. — Pode ser um
tiro no escuro, mas nós temos que vasculhá-lo em busca de pistas.
— Então vamos fazer isso — disse Fisher, com a voz como um simples
coaxar. Mesmo que estivesse um breu aqui, ele usava óculos escuros que
escondiam o que eu tenho certeza que eram olhos avermelhados. Meu
coração se penalizou por ele. Eu imaginei que ele tinha passado a noite da
N
mesma forma que eu passei, agitado e rolando na cama, acordando de sonhos
horríveis de Darcy sendo torturada, Darcy apavorada, Darcy sozinha,
sozinha, sozinha.
Eu tinha pegado a cama extra no quarto de Krista, não querendo voltar
para a minha casa vazia sozinha, e hoje de manhã ela me disse que eu estava
gritando enquanto dormia. Assim, mesmo quando eu pensava que eu estava
descansando, eu claramente não estava.
— Lá atrás — Joaquin apontou, e nós seguimos Fisher para dentro,
formando uma fila única e longa.
Fisher teve que abaixar consideravelmente até nós caminharmos até a
câmara mais ampla, e mesmo assim o teto era tão baixo que ele teve de se
agachar. Acendi minha lanterna em direção ao fundo da caverna e congelei.
As ferramentas, comida e roupa que tinham estado lá ontem desapareceram.
— Eles voltaram pelas suas coisas! — eu gritei.
— O quê? — Joaquin moveu-se rapidamente para o local e olhou em
volta. O lugar estava vazio. — Droga, T. Você tem colhões, eu tenho que
confessar.
— Como você pode encarar isso tão facilmente? — eu exigi. — Eles
devem ter descoberto que tínhamos estado aqui, e eles ainda assim
voltaram?
— É como se eles estivessem nos provocando — Bea concordou.
— Cuspindo na nossa cara — disse Pete, seu fôlego curto.
— Gente! Eu encontrei alguma coisa.
Cori estava agachada no local onde o meu feixe de luz estava
apontando, e puxou algo para fora de uma rachadura na parede. Era um
pequeno pedaço de papel enrolado em um tubo apertado. Quando ela
desenrolou, Fisher foi para o seu lado, segurando sua luz sobre a página.
Eles trocaram um olhar rápido, e Fisher empalideceu. Os olhos de Cori se
lançaram incertos para mim, como se ela de repente me achasse muito
intimidante.
— O que é isso? — perguntou Lauren.
Cori limpou a garganta. — É para Rory — ela disse humildemente,
segurando o papel na minha direção, mas focando seus olhos nos meus
sapatos.
Meu pulso batia em meus dedos enquanto eu tomava a página frágil
dela. Instantaneamente, eu reconheci a letra de Tristan. Meus olhos
dispararam sobre as linhas rabiscadas, caindo nas palavras-chave, como
confiança, pai e amor.
— O que é que diz? — perguntou Lauren, se posicionando ao meu lado
para ler sobre o meu ombro.
— “Querida Rory. Eu não fiz isso.” — Minha voz já estava embargada.
Eu tossi e continuei a ler. — “Eu não fiz isso. Aquelas moedas foram
plantadas no meu quarto. Eu continuo vendo o olhar no seu rosto naquele
dia no meu quarto, e isso está me matando, sabendo que você não acredita
em mim.”
Minha voz falhou e eu percebi que não ia conseguir continuar.
Empurrei a página para Lauren e cobri o rosto com as mãos. Ele estava
mentindo. Ele tinha que estar. Primeiro, ele tinha levado meu pai, em
seguida, minha irmã, e agora ele estava tentando me reconquistar. Mas
porquê? Por que ele estava fazendo isso comigo?
— “Eu vou fazer de tudo para recuperar a sua confiança” — Lauren leu
devagar, baixinho. — “Eu vou encontrar um caminho para a Terra das
Sombras. Eu vou trazer seu pai, Aaron e os outros de volta mesmo que isso
me mate.”
Ela fez uma pausa e eu baixei as minhas mãos trêmulas, olhando para
ela quando ela terminou.
— “Eu te amo” — ele leu. — “Tristan”.
A página vibrou quando Lauren a devolveu para mim. Eu a coloquei
no bolso rapidamente, me abraçando tão forte quanto eu podia para parar o
tremor, e olhei para Joaquin. Ele parecia como se tivesse visto um fantasma.
— Ele não correu risco de vir aqui para pegar suas coisas — disse Bea,
sua voz quase um sussurro. — Ele arriscou vir aqui para que pudesse deixar
isso para você.
— Ele está dizendo a verdade — disse Lauren com firmeza. — Ele está
tentando consertar as coisas.
— Você não sabe disso. — Eu não quis soar agressiva, mas foi o que
fiz. Um subproduto da tensão que estava implorando por qualquer tipo de
escape. — Você só quer acreditar nisso.
— Olhe para o bilhete de novo — disse Lauren, apontando para o meu
bolso. — Ele não mencionou sua irmã.
— E?
— E, se ele estivesse fazendo isso, ele saberia que sua irmã tinha ido,
também. Ele a teria incluído — afirmou Lauren.
— Não se ele estivesse sendo inteligente — Fisher apontou. — Não se
ele tivesse percebido que uma pessoa que tinha fugido há cinco dias não
saberia sobre Darcy.
— Eu não aguento mais isso — eu chorei, segurando minha cabeça
com as mãos, sentindo como se ela estivesse prestes a se dividir em duas. —
Eu não aguento.
— Nós temos que encontrá-los — disse Fisher.
Bea suspirou. — Mas nós procuramos por toda parte. Temos
procurado cada centímetro da ilha. Não é como se ele tivesse voltado para o
continente — ele acrescentou sarcasticamente. — Então, a menos que ele
esteja se escondendo debaixo d’água em algum lugar...
Eu senti algo capturar o fundo da minha mente. Nós tínhamos
procurado em cada centímetro da ilha, porque a ilha era o mundo inteiro
neste limbo. Exceto, é claro, que não era. Havia a água. E coisas que
viajavam sobre a água. Como a balsa, os jet skis, pranchas, caiaques e canoas.
E havia também uma estrutura particularmente sinistra que estava em cima
da água. Um lugar onde nenhum Lifer jamais pensaria em procurar, porque
nenhum Lifer nunca tinha pisado nele por mais de dez segundos.
Havia a ponte.
12 NA PONTE
Traduzido por Yasmin Mota
ocê está louca, sabia. — Joaquin me chamou enquanto eu
caminhava através de buracos e poças em direção à ponte.
Eu tinha subido o penhasco em tempo recorde, minha
adrenalina me estimulando a proezas desumanas de força e ousadia, mas
Joaquin tinha ficado logo atrás de mim. Se qualquer um dos outros tinha
decidido nos seguir, ainda não tinham conseguido chegar ao topo. — O que,
exatamente, você acha que isso vai ajudar?
Eu o ignorei e continuei andando. Mais à frente, vi que o Oficial Dorn
estava parado na ponte com Liam. Eles se espantaram quando me viram
chegando e se moveram para me interceptar.
— Ei — Liam disse, levantando a mão. Sua nova pulseira Lifer estava
presa no final de sua manga, o couro duro e intocado. Ontem à noite, depois
de Darcy desaparecer, Joaquin, Lauren e Bea tinham feito o que eu ouvi que
foi a iniciação mais rápida de todos os tempos.
— Onde diabos você pensa que vai? — perguntou Dorn, dando um
passo na minha frente.
Eu levantei meu rosto, deixando a chuva cair para baixo e ao longo do
meu pescoço. — Eu vou encontrar a entrada para a Terra das Sombras.
Dorn riu. Naquele momento, Joaquin me alcançou.
— Você está brincando comigo? — ele perguntou, seus olhos escuros
desesperados. — Você não pode fazer isso!
— Por que não? — eu exigi. — Alguém já tentou?
Joaquin cruzou os braços sobre o peito, os riachos de água formando
novos padrões para baixo de suas mangas. — Não que eu saiba. Quer dizer,
eu já dei alguns passos para dentro da névoa quando um visitante estava me
dando problemas, mas isso é tudo.
— Então? Como é que você sabe que eu não posso fazer isso? — Cerrei
os dentes e respirei fundo, tentando manter a calma. Se eu ficar histérica
—V
agora, eles nunca me deixarão passar. — Nós já procuramos Tristan e Nadia
por toda a ilha, certo?
— Sim. — respondeu Dorn. — Duas ou três vezes já.
— Então, e se eles estão na ponte? — eu perguntei, meu coração
pulando de forma irregular. — É o único lugar aonde nenhum Lifer nunca
vai, e eu aposto que Tristan está contando com isso — contando com o
nosso medo do desconhecido para mantê-lo seguro. Que melhor lugar para
se esconder do que o lugar que ninguém em sã consciência jamais
procuraria?
Liam levantou a mão como se estivesse esperando ser chamado na
classe. — Eu sei que sou novo nessas coisas, mas isso parece fazer sentido.
Toda a expressão de Joaquin mudou. Ele olhou para mim como se
estivesse aturdido e impressionado ao mesmo tempo. O que era muito bom.
— Rory — disse ele lentamente. — Você é um gênio.
— Espere um minuto, agora — Dorn começou.
— Vamos fazer isso — disse Joaquin, com uma inconstância em seu
tom que eu não tinha ouvido antes.
Dorn levantou ambas as mãos carnudas. — Uh-uh. De jeito nenhum.
— Você vem comigo? — eu perguntei a Joaquin, ignorando Dorn. Meu
terror derreteu e virou um nervosismo latente. Eu sabia que tinha que fazer
isso, mas ter companhia parecia uma boa ideia.
— Como se eu fosse realmente deixá-la ter toda a glória — ele sorriu,
trêmulo.
— Eu odeio ser estraga-prazeres, mas vocês não vão a lugar algum —
Dorn gritou.
Houve um estrondo de trovão ao longe, e olhamos para o céu. Uma
gota de chuva caiu como um dardo em meu olho direito. Doeu como ácido.
Apertei minha mão nele e fiquei piscando.
— Pense nisso, Dorn — disse Joaquin, ficando bem na frente do rosto
dele. — Quão idiota você se sentiria se descobrisse que Tristan estava
sentado a três metros de distância e você não sabia disso?
— Eu sei que eu me sentiria um enorme idiota — Liam falou, para
ajudar.
Houve uma batida quando Dorn estreitou os olhos. Ele ia dizer não e
nos escoltar de volta para a cidade ou algo assim. Eu não podia deixar isso
acontecer. Não quando eu tinha tanta certeza de que estávamos tão perto.
Perto de encontrar Tristan, de trazer meu pai de volta, de salvar Darcy.
— Se nós o encontrarmos, vamos deixar você ganhar o crédito — eu
ofereci.
Dorn virou a cabeça. Eu podia ver o brilho em seus olhos quando ele
imaginou entregar a notícia à prefeita de que ele tinha apreendido Tristan.
— Sério?
— Claro. Por que não? — confirmou Joaquin.
Ele franziu a testa, considerando, e a chuva voltou, pingando em seus
ombros largos.
— Ok, tudo bem. Vocês podem ir.
— Pode apostar que nós podemos ir — disse Joaquin, passando por
ele.
— Obrigada! — eu complementei.
Naquele exato momento, o resto do nosso grupo apareceu, ofegantes
da subida e molhados da cabeça aos pés. Fisher tinha tirado os óculos
escuros e parecia muito irritado. Pete deu uma olhada em nossas posturas
beligerantes e desviou seus olhos para o chão, com o capuz cobrindo o rosto.
Os outros recuaram um pouco quando Fisher e Bea aceleraram em nossa
direção.
— O que vocês estão fazendo? — perguntou Bea, com as mãos nos
quadris.
— Procurando Tristan e Nadia na ponte — disse Joaquin, erguendo as
sobrancelhas. — Quer vir?
Todos pareceram protestar de uma vez, mas Joaquin e eu os ignoramos
e caminhamos propositadamente em direção à ponte, Cori, Pete e Lauren
logo atrás de nós. Nós pisamos na mesma borda, onde a superfície de metal
encontrava a sujeira da estrada, e eu parei de respirar.
A entrada estava totalmente encoberta por uma névoa giratória. O
silvo sinistro da névoa enviou um calafrio através de mim. Apertei os
punhos na minha frente para tentar me impedir de tremer visivelmente.
Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Eu não podia sequer
imaginar como a ponte pareceu para o meu pai e Darcy. Pelo menos eu tive
escolha. Eles haviam sido arrastados contra a vontade, apavorados,
provavelmente gritando por socorro.
Joaquin e eu olhamos um para o outro. Ele ia me proteger. Eu podia
ver isso em seus olhos. Meus dedos coçaram de repente com vontade de
segurar sua mão.
— Gente! Não façam isso! — disse Bea, correndo na nossa direção. Ela
empurrou o capuz para baixo para nos olhar nos olhos. — Vocês não têm
ideia do que pode acontecer com vocês. Boas pessoas estão sendo enviadas
para a Terra das Sombras. Como vocês sabem que não vão serem sugados
para lá, também?
— Nós não sabemos — disse Joaquin.
Lauren choramingou e se abraçou do lado de Fisher. Ele cobriu a boca
com uma mão, e até mesmo de alguns metros de distância eu podia ver que
ele estava tremendo. Cori balançava para frente e para trás, mordendo o
lábio inferior.
— Eu não posso estar aqui para isso — disse Pete, puxando o capuz
sobre ele enquanto andava para trás e para longe do grupo. — Eu não posso
olhar.
Com a cabeça baixa, ele andou para longe, com Liam vendo suas costas
enquanto ele andava. Liam era a única pessoa que não parecia
completamente perturbado com o que estávamos fazendo. O que fazia
sentido, já que ele não poderia ter compreendido a real gravidade da
situação. Ele nunca tinha visto alguém passar pela ponte, nunca conduziu
alguém sozinho, nunca experimentou o horror que senti quando Aaron
tinha ido para a Terra das Sombras depois de eu o ter enviado de uma
maneira alegre. Para ele, esta era apenas uma ponte assustadora. Ele nunca
tinha visto em primeira mão o que poderia acontecer.
— Eu tenho que fazer isso, Bea — eu disse calmamente. — Se há uma
chance de ele estar na ponte, eu tenho que encontrá-lo. Tenho que ajudar a
minha família.
Os olhos de Bea subitamente inundaram com lágrimas. — Não. Rory,
você não...
Estendi a mão e apertei a mão dela. — Vai ficar tudo bem — eu lhe
disse, mal acreditando em mim mesma.
Ela olhou desesperada para Joaquin, mas Fisher foi o único que falou.
— Jay, você não vai realmente fazer isso. Você não pode estar falando sério
quando diz que acha que isso é uma boa ideia.
— Pode não ser uma boa ideia, mas é a única que temos — ele disse.
Ele estendeu a mão para pegar a minha e me deu um aperto. Meu
coração inundou e um leve rubor subiu nas minhas bochechas. — Você está
pronta? — ele perguntou.
Eu concordei, embora, é claro, eu não estava. — Vamos.
— Não — Lauren gritou. — Gente! Não! Não façam isso! Não...
Nós demos nosso primeiro passo na parede de nevoeiro, e seus apelos
frenéticos foram cortados. Era como se alguém tivesse apertado um botão
cósmico de mudo e o mundo ficou em silêncio, exceto a névoa. Eu respirei.
O nevoeiro ondulava à medida que eu exalava. O braço de Joaquin era
quente e firme. Ele me deu um olhar de reforço.
— Tudo bem? — ele perguntou.
— Tudo bem.
Demos outro lento e hesitante passo. Em seguida, um terceiro, um
quarto, um quinto. O ar ficou acentuadamente mais frio a cada respiração.
Joaquin ajustou seu aperto em minha mão, e eu podia sentir o suor liso que
tinha juntado entre nossas palmas das mãos.
— Tristan? — ele chamou em voz alta, claramente.
Não havia nada. Nada, exceto o assobio da névoa. Andamos mais um
pouco, e de repente eu percebi que não estava nem chovendo aqui no
cinzento escuro. A ponte era imune ao tempo. Exceto pela neblina.
— Tristan? — eu disse, então engoli em seco. — Nadia?
Valeu a pena a tentativa, mas não houve resposta. Minha coluna
encolheu, e eu me endureci, segurando apertado a mão de Joaquin. Mesmo
se eles estivessem aqui, não seriam capazes de nos ver melhor do que nós
poderíamos vê-los. Certo?
Nós demos mais um passo hesitante. Outro. E então ouvimos o riso e
os cochichos. Joaquin e eu congelamos.
— ...olhe para eles...
— ...ela pensa que ela é...
— ...não posso nem...
— ...morta...
Um pavor frio se estabeleceu em meus ossos. Eu estava de pé,
segurando a minha respiração e ouvindo.
— Quem está aí? — disse Joaquin em voz alta.
A resposta foi só uma risada sarcástica. Masculina, feminina — eu não
sabia dizer. Tudo o que eu sabia era que estava rindo de mim. Em seguida,
um único dedo gelado passou muito lentamente para baixo pela parte de
trás do meu pescoço. Engoli em seco e então percebi que não estava mais
segurando a mão de Joaquin. Era como se alguém o tivesse agarrado por
trás e o arrastou para longe tão rápido que ele não teve tempo nem de gritar.
— Joaquin! — gritei. — Joaquin!
A névoa se reuniu em torno do local onde ele estava de pé, formando
uma parede perfeita, como se ele nunca tivesse estado lá. Lágrimas quentes
de terror corriam pelo meu rosto.
— Joaquin! Onde você está? — Eu ainda podia sentir o calor de seus
dedos contra os meus. — Onde você está?
Silêncio, tão completo e total como a morte. Minhas unhas perfuraram
minhas mãos. Eu estava sozinha.
Alguém soprou no meu pescoço. Eu soltei um grito e me virei. Nada
além da neblina.
— Pare com isso. Por favor — choraminguei. — Por favor. Por favor,
não o machuque. Eu só quero encontrar a minha irmã. O meu pai. Por favor,
nos deixe em paz.
— Rory! — uma voz cantou, provocando. — Rooooreeee!
E, em seguida, o assobio. “The Long and Winding Road.” Estava sendo
assobiado diretamente em meu ouvido.
Corri pela minha vida, esquecendo tudo o que não fosse a minha
própria sobrevivência. Eu corri para frente — para longe da voz —
passando pelo nevoeiro, certa a cada momento que eu iria direto para os
braços do meu algoz, Steven Nell. Olhei por cima do ombro, para a esquerda,
para a direita. Não havia nada além da neblina. A imperdoável e implacável
neblina.
Enquanto eu continuava correndo, um pensamento terrível começou a
passar pela parte de trás da minha mente. E se eu corri direto para a Terra
das Sombras? Mas não. Isso não era possível. Eu precisava de uma moeda
para abrir o portal. Minha única esperança era ficar na ponte. Seguir em
frente. Se eu continuasse em frente, talvez eu achasse Joaquin, Tristan ou
Nadia — alguém. Alguém que poderia me dizer como encontrar meu
caminho de volta.
Eu estava ofegante. Prestes a desmaiar. Há quanto tempo eu estava
correndo? O quão longe eu tenho que ir antes de...
— Rory, querida, pare.
— Mãe?
Eu tropecei. Meus joelhos bateram na estrada de metal com um
barulho estridente. Eu engasguei com alívio. Eu tinha ouvido a voz da
minha mãe. Eu a tinha ouvido. Respirei algumas vezes, meus pulmões em
chamas, e tentei me concentrar, pressionando as palmas das mãos no chão
de metal entalhado. Me confortei com sua própria existência. Pelo menos
era familiar. Era algo real.
— Mãe? — eu me levantei novamente, virando em círculos. — Mãe?
— ...para que lado ela...
— ...não sei...
— ...tão ingênua ela é, tão...
— ...em frente, querida. Vá em frente.
Algo se moveu na névoa, e eu corri em direção a ela. — Joaquin? —
Fiz uma pausa e me endireitei, apertando os olhos. De repente, eu senti um
cheiro familiar. O aroma picante do shampoo de Tristan. Senti sua presença
tão claramente como se ele estivesse ao meu lado, segurando minha mão.
Era como se eu pudesse ouvir seu batimento cardíaco.
— Tristan? — eu disse, minha voz embargada. — Tristan, é você?
Havia uma clareira à frente. Eu quase podia ver. Seria o portal para a
Luz? Para a Terra das Sombras? Era Joaquin? Tristan? Minha mãe
realmente esteve aqui? Corri o mais rápido que pude, me segurando na
esperança, tentando apagar o medo. Mas enquanto eu corria, algo puxou
meu cabelo. Não era o nevoeiro nem a chuva, mas uma coisa viva. Dedos
longos e famintos se estenderam para mim, agarrando meu cabelo, tentando
me arrastar de volta. Quanto mais eu corria, mais longe eles chegavam,
agora arranhando meus ouvidos, agora batendo contra as minhas
bochechas.
— ...não vá, não vá, não podemos deixá-la ir... não vá, não vá, não
podemos deixar você ir...
— Socorro! — eu gritei. — Alguém me ajude!
Eu tropecei para frente, meus pulmões queimando. Tudo o que eu
podia sentir eram meus pés batendo no chão e o medo correndo em minhas
veias. Eu corri, corri e corri até que a chuva de repente golpeou meu rosto
e eu colidi com Joaquin.
— Rory? — ele disse, segurando meus cotovelos. — Meu Deus. Eu
pensei que tinha perdido você.
— Você está aqui! — Joguei meus braços ao redor dele e o abracei. —
Você está bem!
Joaquin segurou a parte de trás do meu pescoço com uma mão e
inclinou a cabeça em meu cabelo. — Está tudo bem. Você está bem.
Quando eu finalmente consegui ter controle de mim mesma, olhei para
cima, sobre os ombros. Os outros ainda estavam ali, exatamente nas mesmas
poses que tinham estado quando saímos. Olhei por cima do ombro para a
ponte, desorientada. Eu tinha corrido em linha reta, não tinha? Como eu
poderia ter voltado para o lugar exato que tinha saído?
— Eu não entendo — eu disse, segurando a jaqueta de Joaquin
enquanto eu tentava acalmar meus pensamentos de corrida. — Por quanto
tempo ficamos sumidos? Por quanto tempo nós ficamos lá dentro?
— Três segundos — Bea respondeu. — O que diabos você viu?
Joaquin e eu nos olhamos. Eu balancei minha cabeça. Eu tinha corrido
por pelo menos cinco minutos. Talvez dez. Após três anos de corridas de
cross-country, eu sabia como julgar o tempo da minha corrida.
— Ele não estava lá — eu disse, incapaz de imaginar eu tentando
explicar o que havia acontecido dentro da névoa. — Ele não estava... ele não
estava lá.
Joaquin me segurou nele, seus braços se fechando firmemente em torno
de mim enquanto a chuva nos consumia. Então, através dos meus cílios
molhados, eu vi um flash de rosa, e de repente Krista estava correndo
através da lama em nossa direção.
— Krista? O que há de errado? — Bea gritou.
— A prefeita me enviou para buscar vocês. Ela está enlouquecendo,
galera — disse Krista, ofegante, enquanto ela apoiava as mãos sobre os
joelhos. — É melhor vocês voltarem. Tipo, agora.
13 A POLÍTICA
Traduzido por Manoel Alves
e pé sob a mesma tenda branca que Krista tinha usado para a sua
festa de aniversário quase uma semana atrás, que tinha sido erigida
sobre o pátio de laje atrás da casa da prefeita, podíamos ouvir os
pacientes dentro se preparando para sair. Entre os divisores de painel das
portas francesas, vi a prefeita pairar sobre um mapa da cidade com alguns
visitantes, explicando para onde ir enquanto um grupo ia para a porta da
frente. A clínica estava sendo esvaziada.
— Cara, o seu garoto está espreitando — disse Fisher, inclinando a
cabeça para o lado da casa.
Joaquin caminhou ao redor para ver melhor, e eu automaticamente fui
com ele. Jack Lancet, uma dos encarregados mais malignos de Joaquin,
estava passeando do lado de fora de uma das janelas virada para o leste,
olhando através dos vidros com um sorriso assustador. O homem havia sido
executado depois de matar três crianças indefesas.
— Filhoda...
Joaquin jogou-se direito sobre ele, o agarrando pela parte de trás do
casaco, e atirando-o para longe. Lancet bateu os joelhos, sujando a frente de
suas calças, e olhou para Joaquin enrubescido.
Por uma fração de segundo, senti pena dele. Ele parecia triste, quase
com nojo de si mesmo, enquanto encolhia-se na chuva. Parte de mim queria
ir ajudá-lo, oferecer-lhe uma palavra amável. Mas, então, o meu lado lógico
entrou em ação.
O cara é doente, Rory. Doente. Ele machucou — matou — criancinhas.
Essa era a palavra que tinha ficado cravada dentro do meu peito, no
entanto, e presa, como algo irregular e cru. Doente. Quem podia dizer o que
fazia as pessoas cometerem as coisas que eles fizeram? Era a natureza? A
educação? Sua própria lógica? Suas necessidades e seus anseios? O que me
D
fez matar Steven Nell naquele dia? Por que o meu instinto era atacar e tirar
sua vida, em vez de dar a outra face?
Com essa dor horrível estabelecida dentro de mim, eu ansiei por minha
mãe e pelo conforto de suas palavras de uma forma que eu não tinha ansiado
há muito tempo. No mesmo momento, desejei que Tristan tivesse cumprido
sua promessa de estar comigo, de ser confiável, de me ensinar tudo o que eu
precisava saber. Ele vinha fazendo isso há tanto tempo que eu tinha certeza
que ele possuía as respostas para minhas perguntas profundas e sombrias.
E se ele tivesse dito a verdade naquele bilhete? E se ainda houvesse
uma chance...?
De repente, Jack Lancet me olhou nos olhos e riu. Senti meu rosto
endurecer, meu queixo apertar. Era como se ele tivesse lido minha mente e
estava rindo de minha esperança ingênua.
Tristan era mau. Eu não iria dar-lhe a chance de me enganar
novamente.
— Dá o fora daqui — Joaquin rosnou para Lancet. — Nós não
queremos nenhum problema com você
Lancet puxou as lapelas em torno de seu queixo e saiu correndo em
ziguezague, sua risada sendo levada de volta para nós com o vento. Olhei
pela janela e vi dois meninos jogando, algumas meninas — incluindo a
encarregada de Darcy — ocupando-se com um chá, e um punhado de outros
livros de leitura empilhados em blocos. A brinquedoteca improvisada de
Krista. De repente, eu fiquei tonta.
— Eu acho que vou ficar doente — eu disse, tocando a mão na minha
cabeça.
Joaquin tomou delicadamente a minha mão. — Está tudo bem. Eles
estão seguros. Por enquanto, pelo menos.
Ainda assim, eu fiz questão de assistir Jack Lancet ir, até que ele
finalmente estava descendo a colina e fora da vista. Quando nossos amigos
voltaram do pátio, Krista estava levantando uma caixa de papelão em cima
da mesa.
— Antes de todos irem, peguem uma dessas. — Ela estava muito
autoritária, de repente, muito no comando, e me lembrei de minha mãe uma
vez dizendo que em tempos de crise, descobrimos do que realmente somos
feitos.
Minha mãe. Estremeci quando ouvi sua voz de novo, me avisando para
parar na ponte. Eu realmente tinha imaginado isso? Ou será que ela de
alguma forma esteve lá?
— Rory? Aqui.
Eu pisquei. Krista estendeu o walkie-talkie preto compacto para mim.
Tinha botões vermelhos na lateral, e uma antena pequena revestida de
borracha. Bips e estática soaram enquanto os meus amigos brincavam com
seus novos brinquedos.
— Todos se certifiquem que está definido no canal um — Krista nos
disse, levantando seu walkie e pressionando um dos botões laterais para nos
mostrar como mudar. — Estes têm uma boa extensão, por isso, devem ser
capazes de manter o contato, não importa onde estivermos na ilha.
— E a tecnologia moderna finalmente consegue dominar Juniper
Landing — disse Kevin com um sorriso.
Eu nem ia tocar na ironia disso.
De repente, a porta se abriu e alguns dos nossos novos visitantes
fluíram para fora, incluindo Myra Schwartz, que me ofereceu um aceno e
um sorriso, que eu felizmente respondi. Ela estava parecendo mais forte, o
corte em sua testa coberto por uma atadura de gaze.
— Alerta de furacão! — disse ela. — Vocês podem acreditar nisso?
Eu não tinha ideia do que ela estava falando, então dei de ombros em
resposta. Felizmente, ela continuou andando e atravessou a escarpa,
descendo a colina com os outros.
— Alerta de furacão? — disse Fisher em voz baixa.
— Isso foi o que a prefeita disse para explicar a falta de serviço de
celular. Grandes tempestades se movendo até a costa, cortando linhas de
energia e torres de celular. — Krista revirou os olhos.
— Nada mal — disse Bea com uma expressão pensativa. — Explica o
tempo, também.
— Vamos lá para dentro — disse Krista, olhando por cima do ombro
quando a prefeita entrou em seu escritório. — Ela me mandou trazer vocês
mais de meia hora atrás.
Formamos uma única fila, indo pelo lado da sala em direção ao
escritório. Pessoas vestiam jaquetas e recolhiam bolsas e sacolas, algumas
verificando corajosamente seus telefones. Senti um arrepio quando meus
olhos encontraram os de Selma Tse. Ela e seu irmão passaram por nós em
seu caminho para fora da porta.
— Tempo do ano estranho para um furacão, não é? — disse Selma para
o irmão.
— Sim. Muito estranho — ele respondeu.
Eles estreitaram seus olhos para nós, mas moveram-se lenta e
seguramente para a chuva.
— Eu realmente não gosto desses dois — Lauren resmungou atrás de
mim.
— Junte-se ao clube.
Krista abriu a porta para o gabinete da prefeita e ficou para trás, nos
deixando entrar. Joaquin e eu fomos os primeiros a entrar. A prefeita estava
ocupada empurrando papéis em um saco de lona. Ela olhou para cima
quando entramos, assustada, e deixou cair o saco no chão a seus pés.
— Se incomodam de bater? — ela retrucou, ficando vermelha em volta
da gola.
— Desculpe — Joaquin disse sarcasticamente, levantando as mãos. —
Krista disse que você estava enlouquecendo, por isso viemos.
— Ela disse? — A prefeita olhou Krista astutamente.
— Joaquin! — Krista sussurrou.
Eu olhei para o saco de lona, enquanto os outros entravam na sala atrás
de mim. A prefeita chutou mais sob sua mesa de carvalho pesada até que ele
estivesse fora de vista. Com um puxão em seu terninho, ela se recompôs. Ela
olhou para cada um de nós enquanto estávamos em uma longa fila em frente
a ela. Finalmente, Krista fechou a porta e se juntou a nós, cruzando na frente
de todo mundo para ficar na frente com Joaquin e eu.
— Onde nós estamos com a busca de Tristan e Nadia? — perguntou a
prefeita.
O vento açoitava as ervas altas fora da janela no momento em que três
corvos negros voaram em direção às rochas grasnando e cacarejando
descontroladamente. Todos que estavam na ponte com a gente viraram a
cara para mim e Joaquin. Meu coração pulsou dentro de minhas têmporas
quando senti aquele dedo frio escorrer pelo meu pescoço mais uma vez.
Joaquin pigarreou. — Acho que podemos dizer com segurança que nós
procuramos por toda parte.
Uma respiração coletiva pareceu dominar a sala. Aparentemente,
ninguém quis admitir o que eles tinham feito. De repente, um dos corvos
pousou no parapeito da varanda atrás da prefeita. Ele virou a cabeça de uma
maneira horrível, robótica e pareceu concentrar seu olhar cintilante de olhos
negros em mim.
— E vocês não os encontraram? Como isso é possível? — a prefeita
exigiu, batendo a mão na mesa dela.
Todo mundo se encolheu. Outro corvo pousou ao lado do primeiro,
suas asas batendo ruidosamente.
— Eles devem estar em movimento, senhora — disse Fisher em sua
voz profunda e autoritária. — Um passo à frente de nós.
— Se alguém pode fazer isso, é Tristan — Kevin completou, roendo
suas unhas.
— Eu só queria que ela tivesse dito algo para mim — disse Cori
baixinho, olhando para o chão, as tranças caindo para frente sobre suas
bochechas. O terceiro corvo grasnou e pousou ao lado de seus amigos. —
Eu gostaria de saber o que ela estava tramando.
— É uma boa pergunta — disse a prefeita, fechando um livro de couro
pesado em cima de sua mesa. O som assustou os pássaros, e eles foram para
longe, balindo com raiva enquanto desapareciam nas nuvens. — O que
Tristan estava tramando? Qual é o fim do jogo?
Olhei para o livro sob seus dedos magros. De repente, meu corpo
inteiro estava em chamas com clareza. — Eu sei como podemos descobrir o
que ele está tramando — eu disse. — Ou, pelo menos, o que ele estava
tramando antes de fugir.
O rosto da prefeita fechou em consternação. — Como?
— Os diários dele.
14 NO MEIO SELVAGEM
Traduzido por Manoel Alves
u assisto a fila interminável de visitantes enquanto eles caminham,
com olhos turvos e sem noção, descendo a colina em direção à
cidade. Os cativos tinham sido libertados, o que significava que cada
um desses frescos e novos visitantes agora estavam livres para percorrer a
ilha — vagar direto para minhas garras à espera. Como, oh, como eu vou
decidir quem minhas próximas vítimas serão? É uma sensação boa, ter a
liberdade de escolher. Não vai demorar muito antes da ação ser feita e de eu
poder colher meus frutos.
Não é como se os cães de guarda pudessem me parar. Sem chance. Eu
sou imparável. Eu tenho a pura maldade ao meu lado.
E
15 CULPA
Traduzido por Manoel Alves
gora que eu a toquei, eu sei tudo sobre ela, e ainda não consigo ficar longe.
Os sentimentos que eu tenho quando estou com ela me aterrorizam.
Prometi a mim mesmo que eu não iria deixar isso acontecer novamente.
Não com um visitante ou um Lifer. Mas Rory é diferente de qualquer um que já
cruzou o meu caminho em cem anos. Eu sei que é ruim para mim, ruim para ela,
ruim para todos, mas eu não consigo ficar longe. Eu continuo indo para a casa na
Magnolia para vigiar, para apenas sentar e olhar com a mera esperança de
vislumbrá-la. A dor, quando não estou perto dela, a antecipação de vê-la
novamente, de ouvir sua voz, de ver seu sorriso... é insuportável.
Fechei o diário e tentei conter as lágrimas antes que transbordassem.
A última coisa que eu queria fazer era chorar por ele, por nós, pelo que eu
pensava que ia ser. Virei o rosto para a janela de seu quarto, apertando os
olhos tão firmemente quanto pude e mordi com força meu lábio. Eu o odiava.
Eu o odiava por fazer isso comigo, com minha família, a todos que ele
conhecia, amava e se preocupava por séculos.
Bateram na porta aberta. Eu rapidamente enxuguei a umidade debaixo
dos meus olhos e me virei. Joaquin ficou enquadrado pela porta. Espalhados
ao redor de mim havia dezenas de diários, alguns abertos, alguns
empilhados. A colcha da cama de Tristan estava torcida das muitas vezes
que eu tinha mudado de posição ao longo das últimas horas enquanto os
outros Lifers tinham lentamente colocado seus diários de lado e saíram,
cansados de ler, com fome para o jantar, ou simplesmente convencidos de
que este meu plano iria dar em nada. Eu tinha estado sozinha e pensativa
durante a maior parte da tarde.
E agora Joaquin estava olhando para mim com piedade em seus olhos.
— Eu acho que é hora de fazer uma pausa.
Empurrei-me contra os travesseiros, fungando. — Eu não posso — eu
disse com a voz trêmula, pegando outro diário. — Há algo aqui. Eu sei disso.
A
E eu não posso parar enquanto não encontrar uma maneira de salvar Darcy
e meu pai.
— Rory — ele disse.
— Joaquin — eu respondi, olhando para ele.
Ele respirou fundo e cruzou os braços sobre o peito. — Há algo que eu
quero te mostrar. Algo que eu nunca mostrei a ninguém antes.
Fechei o diário mais recente. — Você não vai desistir, não é?
— Eu já desisti? — ele perguntou, erguendo uma sobrancelha. —
Vamos lá, eu sei que você está pelo menos um pouco curiosa.
Eu não disse nada. Apenas encarei.
— Vamos lá. — Ele deixou suas mãos para baixo contra as pernas dele.
— Seus olhos estão praticamente cruzados. Você não comeu desde esta
manhã. Você não vai ajudar o seu pai e Darcy de qualquer jeito, se você não
puder pensar direito. Dê uma pequena pausa.
Dei um suspiro. Ele estava certo, é claro. Meu cérebro estava nebuloso,
meus olhos estavam secos, e meu estômago estava como um grande nó
vazio. Em casa, eu era sempre a que tomava cuidado com os carboidratos
antes de uma grande corrida, descansava muito à noite antes de um exame.
Eu sabia o que meu corpo podia e não podia aguentar, e se eu fosse honesta
comigo mesma, ele não poderia lidar com muito mais do que isso sem se
esgotar.
E de uma forma estranha, era bom saber que ele se preocupava comigo.
Joaquin nunca me decepcionou. Ele se preocupava comigo. E isso significava
alguma coisa. Significava muito, na verdade.
— Tudo bem — eu disse enquanto balançava minhas pernas para o
lado da cama. — Mas, depois, nós vamos voltar para cá. Eu estou perto de
algo. Eu posso sentir isso.
— Não se preocupe — ele disse com um sorriso lento, a mão pastando
na parte inferior das minhas costas enquanto eu passava por ele. — Isso não
vai demorar muito.
16 FUGA
Traduzido por Yasmin Mota
e você está me trazendo até aqui para me matar, eu vou ficar
muito chateada — eu disse, apertando a mão na parede frágil
ao meu lado enquanto a torre acima da biblioteca balançava
ao vento. Eu xinguei baixinho enquanto toda a coisa se inclinava para a
esquerda. Acima, o enorme sino de duas toneladas rangeu ameaçadoramente
sobre suas dobradiças.
— Rory, você continua esquecendo — disse Joaquin das escadas em
caracol, logo abaixo de mim.
— Eu sei, eu sei. Não podemos morrer — eu disse, através dos meus
dentes. — Mas você poderia pensar que esse fato negaria a séria necessidade
que eu tenho de matá-lo agora.
Joaquin riu, e mesmo com toda a vertigem, o som aqueceu meu coração.
— Basta continuar indo. Você está quase lá.
Prendi a respiração e subi os últimos cinco degraus até o topo da torre
do sino. Altas janelas em arco estavam direcionadas para fora em todas as
direções ao longo da ilha, e uma passarela com uma largura de um metro
circulava a abertura sob o sino, que se estendia dos dez andares até o térreo
do prédio lá embaixo. Meu coração batia forte da subida, pela altura e pelo
vento assobiando que parecia ecoar de cada uma dessas janelas ao mesmo
tempo. Agarrei a estrutura de tijolos na abertura mais próxima e me abracei,
tentando liberar o medo.
— O que estamos fazendo aqui? — eu perguntei por fim. Eu olhei para
o sino de bronze enquanto ele balançava, pensando na última vez em que ele
tocou.
Uma flutuação rápida de culpa brilhou nos olhos de Joaquin, mas
depois desapareceu. Ele caminhou até uma janela virada para o leste e se
sentou. — Nós estamos fazendo uma pausa — ele afirmou com naturalidade.
—S
— Este é o lugar onde eu venho quando quero ficar longe de tudo. Olha.
Você pode ver todos os pedacinhos da ilha daqui de cima.
Eu respirei fundo e olhei para fora da janela voltada para o norte ao
meu lado. De fato, eu vi a ponte ao longe, os penhascos de onde meus amigos
Lifers tinham saltado na noite em que queriam provar que não podíamos
morrer, e vários feixes de luz ao redor balançando na costa nordeste. Uma
equipe de busca. Eles ainda estavam procurando. Sempre procurando.
— Legal, não é? — disse Joaquin.
— É.
Sentei-me ao lado dele e nossos joelhos se tocaram. Eu não me afastei,
como teria feito uma semana atrás. Havia algo de reconfortante sobre estar
tão perto de Joaquin. E, ao mesmo tempo, algo ousado. Eu olhei em seus
olhos, e ele olhou de volta para os meus até que eu corei. Em seguida, ambos
sorrimos e olhamos pela janela mais próxima. Meu joelho estava em chamas.
Nunca na minha vida pensei que estaria tão focada no meu joelho.
— É o ponto mais alto de Juniper Landing. — Joaquin se inclinou para
mim, apoiando uma mão ao lado de meu quadril e apontando além de meu
ombro. Senti seu braço raspar pelo meu pescoço, e sua respiração fez cócegas
na minha pele. — Olha.
Eu virei minha cabeça, meu coração batendo loucamente, e vi a casa da
prefeita. De fato nós estávamos acima do seu ponto mais alto — o cata-
vento, que ainda estava apontado para o Sul.
— Eu sei que é difícil de acreditar, mas esse geralmente é um bom lugar
para viver — disse Joaquin calmamente. — É sempre sol, surfe e natação
durante o dia, e música, festa e diversão à noite. É pacífico, normalmente.
Zen.
Eu olhei para ele, querendo acreditar. Disposta, naquele momento, a
acreditar em qualquer coisa que ele dissesse.
— Só que... não é assim desde que você chegou aqui — ele disse.
Eu bufei uma risada. — Obrigada.
— Não me entenda mal. Não é como se eu quisesse voltar e não ter
você aqui. — Ele se mexeu e colocou o braço sobre os meus ombros
levemente. De repente, senti algumas coisas intensamente. A brisa
balançando uma mecha de cabelo no meu rosto. O calor de sua pele contra
a minha. As ranhuras das tábuas de madeira sob as pontas dos meus dedos.
— Então você está feliz que eu estou morta? — eu brinquei, tentando
aliviar o momento.
Ele pegou minha mão. Ele não ia me deixar fazer um jogo disso. —
Sim — ele disse. — Eu meio que estou.
Meu coração deu um baque quando ele se inclinou para mim. Sirenes
de alarme dispararam na minha cabeça e em todo o meu corpo. Este era
Joaquin. O melhor amigo de Tristan. A ex-paixão de Darcy. Ele não estava
realmente fazendo...
E então ele estava. Seus lábios tocaram os meus, e ele deslizou a mão
pelas minhas costas, me puxando para mais perto dele. Eu não pude fazer
nada além de corresponder ao seu beijo. De repente, eu não queria fazer
nada além de corresponder ao seu beijo. E por um minuto de felicidade, um
minuto interminável, foi exatamente o que eu fiz.
Até que finalmente, infelizmente, ele se afastou.
Joaquin olhou nos meus olhos. Eu procurei os seus, tentando encontrar
um nome para o que eu estava sentindo. Tentando entender o que era aquilo,
o que significava. O que diabos estávamos fazendo?
Então, muito lentamente, ele sorriu, e eu percebi que não me
importava. O que importava era que parecia certo. Era bom estar com
Joaquin, seu braço agora nas minhas costas, seu aroma almiscarado
reconfortante, me envolvendo. Debrucei-me contente na curva de seu
ombro.
— Olha — ele sussurrou, beijando o topo da minha cabeça. — Você
pode até mesmo ver a sua casa daqui.
Inclinei a cabeça um centímetro. No meio do oceano, três surfistas em
lycra preta boiavam nas espumas agitadas. Eu me perguntava se eram Liam,
Lalani e Nick fazendo um bom encontro com as ondas.
— Não. Lá.
Joaquin virou delicadamente meu queixo, e de fato lá estava ela. Após
as pitorescas lojas manchadas de chuva da parte baixa da cidade e o conjunto
colorido de casas vitorianas na Rua Freesia, estava a pequena e bonita casa
amarela na rua Magnolia. Era tão brilhante e alegre contra as milhas de
cinza, parecia que nada de ruim poderia acontecer sob seu teto. Lá estavam
as telhas que ficavam em cima do meu quarto grande, a janela de Darcy, e
lá estava a casa do outro lado da rua, onde Tristan costumava se sentar e
ficar de olho na menina cujo coração ele estava planejando quebrar. A garota
que ele simplesmente não podia ficar longe.
Meu pulso parou de acelerar. Eu senti como se tivesse acabado de
tropeçar e cair em uma das poças mais profundas que estragavam o parque.
A menina que ele não podia ficar longe.
De repente, eu estava de pé. O diário. Ele disse que era muito doloroso
sair do meu lado por um minuto. E no outro dia, eu pensei que tinha visto
uma luz, mas desconsiderei rápido — como um relâmpago distante no céu.
Poderia ser tão simples?
— O que foi? — perguntou Joaquim, olhando para mim.
— Quando foi a última vez que alguém procurou na rua Magnolia? —
eu perguntei.
Ele levantou os ombros, a luz morrendo nos seus olhos. Ele não queria
deixar este lugar ainda. Ele queria ficar comigo. E ele poderia dizer que eu
estava prestes a ir embora. — Eu não sei. Ontem à noite? Dois dias atrás?
Por quê?
— Eu tenho uma ideia — eu disse, tentando ignorar a pontada no meu
coração. Tentando focar no positivo. — Eu acho que sei onde Tristan está.
17 A CASA CINZA
Traduzido por Yasmin Mota
stacione aqui — eu disse, enquanto Joaquin virava o Range
Rover de Tristan na Rua Magnolia. Nós tínhamos pegado
o carro emprestado da casa da prefeita, porque
precisaríamos do banco de trás, caso encontrássemos Tristan e Nadia, e a
picape de Joaquin tinha apenas a cabine. Eu não sabia se era poético ou
simplesmente cruel que Tristan seria levado à justiça em seu próprio carro.
Joaquin pisou no freio, e chiou. — Nós não queremos que eles nos vejam
chegando.
— Bem lembrado. — Joaquin empurrou a marcha no modo estacionar.
Seus dedos estavam enrolados em punhos fechados em cima de suas coxas.
Eu conhecia esse sentimento. A tensão no ar era tão forte que senti que se
eu me movesse, o mundo inteiro iria desmoronar. Se eu estava certa,
estávamos prestes a encontrar Tristan. Eu tinha que acreditar. Esperança
era a única coisa que me restava.
Bea parou seu jipe atrás de nós, e seus faróis encheram o SUV
momentaneamente antes que ela os apagasse. Estava começando a
escurecer, mas sem nenhum sinal do sol, a noite não parecia muito diferente
do dia. Tudo era apenas uma sombra mais escura e mais sombria de cinza.
Olhei pelo espelho lateral quando as portas do jipe abriram em silêncio.
Cinco figuras encapuzadas desceram e ladearam nosso carro.
Abaixei minha janela enquanto Joaquin fazia o mesmo. Gotas de chuva
deslizaram ao longo do interior da porta do carro. Fisher, Kevin e Cori
estavam do meu lado, Bea e Lauren do lado de Joaquin.
— Você realmente acha que ele está lá? — perguntou Fisher, olhando
na direção da casa em questão.
— Eu me recuso a acreditar nisso — disse Lauren, os lábios apertados.
— As procuras têm sido tão organizadas. Não há nenhuma maneira de ele
estar escondido debaixo do nosso nariz esse tempo todo.
—E
— Não esse tempo todo, mas talvez no último dia — eu disse. — Pelo
menos, é isso que eu estou esperando.
— Vamos acabar com isso — Kevin estalou cada um de seus dedos, um
por um.
— Exatamente o que pensei.
Abri minha porta, forçando Fisher, Kevin e Cori a darem um passo para
trás. Quando coloquei meus pés na calçada, vi uma figura alta se
aproximando de nós a partir da parte inferior da colina. Por um segundo, eu
pensei que poderia ser Liam, mas então ele olhou para cima e a pele pálida
de Pete praticamente brilhou debaixo de seu capuz.
— O que vocês estão fazendo? — ele perguntou.
— Estamos verificando a casa cinza atrás de Tristan — disse Kevin,
colocando o braço em volta dele. — Vamos.
— Quanto mais, melhor — disse Joaquin categoricamente.
Nós nos movemos juntos pela calçada. Eu mantive um olho na porta
da frente enquanto nos aproximávamos, no caso de alguém tentar fugir por
ali. Passamos pela casa de Bea — uma casa branca alta e colonial há cerca
de cinco portas do nosso destino — e podíamos ouvir a encarregada insana
de Bea, Tess, gritando da janela do quarto andar. O som envolveu meus
ombros, e eu olhei para Bea. Seu rosto era uma máscara sardenta debaixo de
seu chapéu de chuva preto, com a área sob os olhos inchada e escura.
— Nem fala nada. — Ela suspirou e colocou as mãos em seus bolsos
profundamente, se curvando para longe da janela de Tess. Nós realmente
temos que tirar as almas sombrias da ilha. Mais um motivo para terminar
esta coisa.
De repente, a porta da casa ao lado da cinza abriu e dela saíram
Sebastian e Selma. Todo mundo na calçada congelou. Enquanto
caminhavam para o caminho da frente na nossa direção, seus olhos passaram
sobre nós como scanners, o movimento tão em sintonia e antinatural que
poderiam ter sido gêmeos robóticos. Era estranho.
— O que vocês estavam fazendo lá dentro? — perguntou Joaquin.
— Esta é a casa em que fomos colocados — disse Selma com sua voz
fina e estridente.
— Eles colocaram vocês aqui? — eu soltei. — Eu não sabia que havia
algumas pensões nesta rua.
— Há agora — disse Lauren, baixinho. Agora significava agora que
estamos tão superlotados.
Os dois olharam para mim com seus olhos azuis claros. — Há pessoas
aqui que não confiam em vocês, sabia — disse Selma. — Em nenhum de
vocês.
— Pessoas que vão querer saber o que está realmente acontecendo —
acrescentou Sebastian.
Em seguida, eles se viraram como um só e se afastaram, lado a lado, os
passos perfeitamente sincronizados.
— Eu aposto que eles estão indo encontrar essas pessoas agora — disse
Kevin, acerbamente. — Fazendo com que comecem a questionar.
A teoria enviou um calafrio através de mim. Lembrei-me muito
vividamente o que Tristan tinha me dito sobre a última multidão enfurecida
que havia se formado em Juniper Landing. Não era algo que eu queria
experimentar de perto.
— Por que a prefeita ainda não apagou as memórias deles? —
perguntou Fisher.
— Ela tentou — Joaquin nos informou. — Eles se recusaram a ficar
sozinhos em uma sala com ela, e ela não poderia pedir para Dorn rendê-los,
porque havia outros visitantes esperando para falar com ela.
— Deus, eu não aguento mais as multidões pirando — disse Pete
através de seus dentes.
— Eu sei — eu disse, apertando o braço dele quando os gêmeos
viraram a esquina no final do quarteirão. — Especialmente pessoas como
eles.
Bea balançou para trás e para frente de seus saltos para os dedos dos
pés. — Eu só quero que uma coisa volte ao normal por aqui. Só uma coisa.
O vento assobiou em resposta, pulverizando-nos de lado com uma
corrente de chuva. Limpei meu rosto com as costas da minha manga
molhada.
— Olha, se pudermos apenas encontrar Tristan e Nadia, poderemos
ter tudo de volta ao normal até o final da noite — eu disse, olhando
esperançosamente as calhas pingando na casa cinza. — Uma vez que
começarmos a conduzir as pessoas novamente e o sol sair, todo mundo vai
relaxar. Até mesmo os gêmeos.
Joaquin soltou um suspiro, abrindo as narinas. — Vamos acabar com
isso.
Ele se apressou para frente da casa cinza e tentou abrir a porta, o resto
de nós seguindo de perto. Estava destrancada, como a maioria das casas em
Juniper Landing. Lentamente, ele abriu a porta e espreitou para dentro. Não
havia luzes acesas na sala de estar ou na sala de jantar, mas eu podia ver um
brilho suave bruxuleante de um dos quartos na parte superior da escada.
Meu coração pulou. Joaquin levantou um dedo nos lábios, em seguida,
muito cuidadosamente, entrou. Eu fui na ponta dos pés atrás dele, seguida
por Fisher, e então Bea, Lauren, Kevin, Cori e Pete, que estavam na
retaguarda. Notei que ele tinha deixado a porta aberta, o que era um
pensamento rápido. O clique da trava podia alertar quem estava no andar
de cima.
Tristan. Por favor, por favor, que seja Tristan.
Joaquin colocou sua bota no primeiro degrau. Rangeu tão alto que eu
quase gritei de frustração.
— Vai para o lado! — Lauren assobiou. — Degraus são mais
resistentes dos lados.
Joaquin assentiu, parecendo verde, e apertou-se contra o papel de
parede descascado ao longo da escada. Eu segurei minha respiração
enquanto rastejava logo atrás dele, cada passo uma eternidade torturante.
Meus olhos estavam grudados na porta do quarto da frente. A porta do
quarto onde Tristan tinha me espionado durante aqueles dias depois que
tínhamos chegado — o quarto onde ele tinha me levado na minha primeira
turnê de Lifer, quando eu tinha tentado beijá-lo e ele tinha partido meu
coração.
Temporariamente. Porque ele achava que tinha que fazer. Agora eu
gostaria que ele tivesse deixado partido naquela época. Já estaria começando
a curar agora.
Nós tínhamos chegado ao topo das escadas. Joaquin e eu nos olhamos
e vi a determinação em seus olhos. De repente, me senti fraca, infantil e
estúpida. Isso não era sobre como Tristan tinha me traído. Tratava-se de
Darcy, papai, Aaron, Jennifer e as outras almas inocentes que estão sofrendo
desnecessariamente na Terra das Sombras. Era hora de trazê-los de volta.
— Dane-se isso — eu disse baixinho.
Então eu me virei e abri a porta, com os outros logo atrás de mim. As
cortinas estavam fechadas. A sala estava iluminada por duas lanternas de
querosene e uma pequena vela. A primeira coisa que vi através da luz incerta
foi Tristan, desmaiado na diagonal de dois sacos de dormir no chão. Eu perdi
o fôlego ao vê-lo. Ele estava de costas com uma camiseta preta, um braço
estendido a seu lado, o outro torto sem jeito sobre seu peito com um curativo
enrolado na mão. Suas pernas estavam espalhadas em jeans molhados e
sujos. Uma mecha de seu cabelo loiro caía sobre a testa como uma lua
crescente.
Ele estava aqui. Ele estava realmente aqui.
E eu não sabia o que fazer. Rir? Chorar? Gritar?
Fisher passou por mim no quarto. — Tristan! — ele trovejou,
chutando sua bota.
Tristan gemeu e rolou para o lado dele. Foi quando vimos o sangue.
Estava em toda parte. Uma poça de sangue grosso, escuro como óleo,
espalhando-se por trás de sua cabeça. Minhas mãos voaram para cobrir
minha boca. Cori, por sua vez, se arrastou ao longo da frente do quarto,
como se estivesse procurando algo, mantendo as costas na parede.
— Tristan? — Bea suspirou, caindo de joelhos.
Ela timidamente tocou sua cabeça, e a cor desapareceu de seu rosto. —
É ruim, pessoal. Todo o seu crânio...
Ela se virou, engolindo em seco, então se levantou e cambaleou até a
janela, abrindo as cortinas louca para respirar.
— Quem faria isso? Quem poderia vir aqui e atacá-lo? — eu perguntei.
Então, de repente, Cori gritou.
— O que...
— Nadia! É Nadia! — Cori estava apontando para o chão, perto do
fundo do quarto, tremendo. — Ela não está respirando, gente! Eu acho que
ela não está respirando.
Peguei uma lanterna e corri para o lado de Cori. A primeira coisa que
vi foram os tênis Converses pretos de Nadia torcidos um sobre o outro.
Meus olhos viajaram de suas pernas magras, seu tronco liso, seu pescoço
para o rosto dela. Engoli em seco e dei um passo atrás. Seus olhos estavam
abertos e fixos. Sem piscar. Não havia vida neles.
— Não, não, não — disse Joaquin, se juntando a nós. — Isso não é
possível. Ela deve estar brincando com a gente.
Ele se agachou ao lado do corpo de Nadia e colocou os dedos em seu
pescoço. Suas sobrancelhas franziram e ele moveu os dedos. Em seguida,
moveu-os novamente. Sua mão tremia. Quando seu olhar encontrou o meu,
eu poderia dizer que ele não queria falar.
— O quê? — Bea resmungou do canto, abraçando-se. — O que foi,
Joaquin?
— Não há pulsação. — Joaquin disse surpreso. — Cori está certa.
Nadia está morta.
Cori chorou e escondeu o rosto no ombro de Fisher. Lauren se dobrou
para trás, cambaleando até que colidiu com a parede, onde ela caiu no chão,
fios desalinhados de seu cabelo molhado presos em lágrimas no antigo papel
de parede.
— Eu não entendo — eu disse. Nós deveríamos ser imortais. Esse era
o acordo. — Se um Lifer morre, para onde a sua alma vai?
Ninguém respondeu, porque não havia resposta. Isso nunca tinha
acontecido antes. Não na memória de ninguém. Um medo gelado permeou
o quarto, tremendo o ar que nos rodeava, fazendo os olhos se arregalarem e
as mandíbulas afrouxarem. Para onde Nadia tinha ido? Para onde qualquer
um de nós iria?
— Por favor...
Tristan. Seus olhos ainda estavam fechados, mas as pontas dos seus
dedos estavam como garras no chão empoeirado, curvando em direção à
palma da mão. Ele gemeu e meus joelhos se dobraram. Atirei-me sobre o
tapete usado ao lado dele, meu coração dentro da minha garganta.
— Tristan?
Eu coloquei minha mão em seu ombro. Ele estava frio, incrivelmente
frio e eu podia sentir os músculos tremendo debaixo de sua pele.
— Ajude... — ele murmurou, as palavras meio chiadas. — Nos ajude.
E, em seguida, seu corpo ficou frouxo.
— Nós temos que tirá-lo daqui! — exclamei, olhando para os rostos
assustados ao meu redor. — Nós temos que levá-lo para a prefeita ou... ou
um médico. Alguma coisa.
— E quanto a Nadia? — gritou Cori. — Nós não podemos deixá-la
aqui.
— Eu posso levar Nadia por cima do meu ombro — disse Fisher, seus
olhos verdes rasos.
— Você pode? — perguntou Cori.
— Pegada de bombeiro. Ela pesa, tipo, nada. — Então, para provar seu
ponto, Fisher se aproximou e levantou o corpo inerte de Nadia, dobrando-a
sobre seu ombro. Cori engasgou e começou a soluçar. A pulseira de Lifer de
Nadia pendia de seu braço magro como se quisesse cair.
— Eu vou ajudá-lo com Tristan — Bea ofereceu, afastando-se da janela
e se aproximando de Joaquin.
Tristan soltou um fraco gemido.
— Temos que andar logo — disse Joaquin. — Nós não podemos deixar
ele...
— Morrer — Lauren falou pela primeira vez em cinco minutos. Ela
estava tão quieta que eu tinha esquecido que ela estava lá, mas agora ela
virou seus olhos escuros para mim e encarou, com os braços moles iguais a
de uma boneca de pano ao seu lado. — Morrer é a palavra que você está
procurando.
Ninguém falou. Ninguém respirou. Isso não era algo que deveríamos
enfrentar. Agachei-me ao lado de Lauren e peguei sua mão. — Vai dar tudo
certo.
— Como? — sua voz ficou infantil enquanto o lábio inferior tremeu.
— Como vai?
Engoli em seco e olhei para os outros à procura de ajuda. Seus rostos
estavam em branco. Um branco apavorado. — Eu não sei, mas quanto mais
cedo nós os levarmos de volta para a prefeita, mais cedo poderemos
descobrir. Vamos.
Segurei o braço de Lauren e a ajudei a levantar do chão. Então Joaquin
deslizou as mãos sob os braços de Tristan e o levantou, deixando a cabeça
de Tristan estendida contra seu peito, onde ele deixou uma mancha de
sangue. Bea pegou embaixo de suas panturrilhas, e Lauren, Cori e eu
abrimos o caminho para fora da porta, descendo as escadas, de volta para a
noite. A chuva estava forte e direcionada, como pequenas alfinetadas contra
a minha pele.
Isso não era o que eu tinha imaginado quando entramos nesta missão.
Eu tinha me visto indignada, cuspindo perguntas em Tristan, ele com a
cabeça baixa de vergonha. Eu tinha nos visto reunidos na ponte para libertar
os inocentes da Terra das Sombras. Quando estávamos dirigindo até aqui,
eu pensei que sabia exatamente o que estava fazendo. Mas agora eu estava
mais confusa do que nunca.
Quando chegamos ao carro de Tristan, eu abri as portas de trás. Bea e
Joaquin cuidadosamente colocaram Tristan sobre o assento, posicionando
sua cabeça para baixo com cuidado.
— Vamos levar Nadia no jipe — Fisher sugeriu.
— Não há espaço suficiente — disse Bea.
— Eu vou com vocês. — Kevin subiu na frente do SUV.
Olhei em volta, para Kevin, Joaquin e Tristan. Não havia mais nada a
fazer senão subir na parte de trás com ele. O cara que tinha me traído. O
cara que tinha enviado a minha família para o inferno. Pensei em colocar a
cabeça dele no meu colo, mas parecia muito íntimo. Então, ao invés, eu bati
a porta, caminhei para o outro lado e coloquei seus pés para cima sem jeito
no meu colo, cada centímetro do meu corpo tenso o suficiente para estalar.
— Você está bem? — Joaquin perguntou enquanto todos os outros
lotavam o jipe.
Eu cerrei os dentes. — Vamos embora.
Joaquin entrou e o motor rugiu à vida. Ele virou numa rápida meia-
volta e começou a subir a colina em direção à cidade, os limpadores de para-
brisa batendo freneticamente de lado a lado. Eu não podia suportar olhar
para o rosto de Tristan, então, ao invés, olhei a chuva pela janela.
— Isso não faz nenhum sentido. Quem faria isso? — eu disse enquanto
nós dirigíamos para a praça da cidade, os pneus jogando paredes de água
para cima de cada lado do carro. — Quem iria atacá-los e deixá-los para
morrer? Todos nós já estávamos à procura dele. Todos nós queríamos
respostas.
— Eu não sei — disse Joaquin, olhando por cima do ombro para
Tristan. — Eu só espero que ele viva tempo suficiente para explicar o que
diabos está acontecendo.
O pneu dianteiro bateu sobre um enorme buraco, e Tristan gemeu.
— Pete — ele murmurou.
— O quê? — eu disse.
Kevin virou em seu assento, seus olhos escuros alarmados. — O que
ele acabou de dizer?
— Pete... matou Nadia — Tristan sussurrou com a voz rouca.
Joaquin quase passou por cima do meio-fio no extremo norte da cidade,
mas ele virou o volante no último segundo, me fazendo bater na porta.
Tristan começou a rolar para fora do banco, mas eu agarrei a camisa dele e
firmei-o antes que ele pudesse cair.
— Onde diabos está Pete? — Kevin exigiu.
— Ele está no outro carro! — eu disse.
— Ligue para eles — Joaquin exigiu, pisando com força em seus freios
na frente da delegacia. — Faça isso agora!
Kevin se atrapalhou com seu walkie-talkie. — Lauren! Fale! Pete está
com vocês? Câmbio.
Joaquin estava fora do carro e correndo em direção ao jipe quando a
resposta veio.
— Não. Por quê? Nós pensamos que ele estava com vocês. Câmbio.
Pelo espelho, eu vi Joaquin colocando as mãos no topo do jipe de Bea e
abaixando a cabeça. Olhei para Kevin, meu coração afundando em meus
dedos. — Você se lembra de vê-lo no quarto da casa?
Ele balançou a cabeça. — Não. E você?
Fechei os olhos e respirei fundo, amaldiçoando minha própria
estupidez. Mas como eu poderia saber? Não havia nenhuma maneira de eu
saber o que iríamos encontrar, e muito menos que um dos nossos amigos
era o autor do crime. — Ele deixou a porta aberta atrás de si. Pensei que ele
tinha feito isso para não fazer barulho.
— Eu não entendo — disse Kevin. — O que diabos está acontecendo?
Tristan gemeu novamente e virou de lado. A parte de trás de sua
cabeça era uma cratera de sangue, cabelo e pedaços de ossos. Eu engoli uma
respiração ofegante.
— Pete sabia o que iríamos encontrar naquele quarto — eu disse
severamente. — Ele deixou a porta aberta para que pudesse fugir.
18 MORTE
Traduzido por I&E BookStore
u não entendi. Se Pete já os tinha encontrado, por que ele
não nos disse quando cruzamos com ele na rua Magnolia?
— Lauren se perguntou quando nós marchamos pela
grama encharcada em direção à casa da prefeita. Ela tinha acabado de
contatar pelo rádio todos os Lifers, dizendo-lhes para procurar Pete. — Por
que ele nos deixou entrar lá sem ter noção de nada?
— Porque é evidente que ele tinha algo a esconder — disse Kevin. —
Ele tinha o seu walkie-talkie. Se ele quisesse, ele poderia ter relatado
imediatamente. Mas em vez disso, ele os atacou e os deixou para morrer.
Morrer. Meu cérebro ainda não podia envolver-se em torno do fato de
que estávamos usando essa palavra. Nadia estava morta. E Tristan...
Olhei para frente para Joaquin e Bea. O corpo de Tristan estava
pendurado frouxamente entre eles enquanto caminhavam pela porta dos
fundos da casa. Cori, Kevin, Lauren e eu ficamos para trás, enquanto Fisher
passava com Nadia pendurada no ombro. A cabeça de Cori estava abaixada
e seus ombros balançavam. Eu mal a conhecia, mas eu coloquei meu braço
ao redor dela enquanto nós seguíamos os outros para dentro. Ela havia
perdido sua melhor amiga. Eu conhecia aquele vazio horrível que se abria
dentro de você — eu estava experimentando agora com Darcy ter ido
embora — e eu gostaria que houvesse algo mais que eu pudesse fazer.
Cada luz estava acesa na cozinha e toda a grande sala aberta além dela,
fazendo um contraste deslumbrante com a noite escura da qual viemos. A
clínica tinha oficialmente encerrado agora que o último paciente tinha ido
embora, e as camas foram substituídas pelos sofás e cadeiras originais. A
prefeita estava sentada na sala de estar em conferência com Dorn e Grantz,
enquanto Krista estava na cozinha usando um vestido amarelo, fazendo uma
espécie de batida com um liquidificador muito barulhento. Ela empalideceu
quando Joaquin e Bea passaram por ela, e o barulho morreu.
—E
— Tristan?
Seus olhos se fecharam e ela se inclinou para frente, seus quadris
pressionando contra a ilha da cozinha enquanto suas mãos se achatavam
contra a sua superfície, como se estivesse se agarrando a este lugar,
forçando-se para não desmaiar.
Fisher se arrastou pelo chão de madeira, suas enormes botas deixando
pegadas de lama, e gentilmente depositou Nadia sobre o sofá vazio. Joaquin
e Bea se arrastaram em direção a um oposto, que estava ocupado pela
prefeita e Dorn, que se levantaram para fora do caminho, em um rápido
movimento. Nenhum conseguiu tirar os olhos de Tristan quando Joaquin e
Bea o deitaram. Sua pele estava visivelmente mais pálida do que tinha estado
na casa cinza. Quando sua cabeça caiu para o lado, expondo a ferida, a boca
da prefeita ficou definida em uma linha sombria.
— O que aconteceu? — perguntou Dorn.
— Nadia está morta — disse Fisher abruptamente. Ele deu um passo
para o lado do sofá e tomou uma posição ereta, como um soldado se
apresentando. Eu estava começando a perceber que quando as coisas
ficavam cabeludas, ele usava esta postura firme e eficiente, o seu próprio
mecanismo de defesa pessoal.
— O quê? — Grantz estalou.
— E Tristan está quase morto — acrescentou Joaquin. Ele enfiou as
mãos pelo seu cabelo molhado e jogou sua jaqueta manchada de sangue no
chão. Ele deslizou nas tábuas de madeira e se reuniu em um amontoado
perto da parede. Joaquin apoiou as mãos em cima da lareira e se inclinou
para ele, soprando um suspiro alto. Então, de repente, ele se virou contra a
prefeita, com os olhos tão ferozes como um cão raivoso. — Você quer nos
dizer o que diabos está acontecendo?
As palavras pairaram no ar, enquanto cada um de nós lutava para
respirar. Ao longe, um trovão retumbou. O único outro som na sala era o
incessante tique-taque do relógio de pêndulo elegante.
A prefeita se afastou de nós e ficou imóvel como granito.
O Chefe Grantz foi o primeiro a falar, levantando lentamente de seu
assento pela primeira vez. — Ela está morta? Ela não pode estar morta.
— Eu temia por isso — a prefeita falou. Joaquin e eu olhamos um para
o outro.
— O que você está falando? — perguntou Lauren trêmula. Ela e Kevin
ainda pairavam perto da porta da frente, as gotas de chuva de suas jaquetas
formando uma poça ao redor de seus pés. — Você sabia que isso ia
acontecer?
A prefeita se virou. — Eu não tinha certeza. Eu estava esperando que
seria capaz de descobrir o que estava acontecendo, de quem era a culpa, e
corrigi-lo antes que isso fosse tão longe.
— Ok, chega de enrolação — Joaquin estalou. — É melhor você
começar a explicar agora.
A prefeita deu um suspiro profundo e sonoro e ficou na frente da lareira
ao lado de Joaquin.
— Aqui está o que eu sei. Uma vez que inocentes começaram a ser
relegados para a Terra das Sombras, o equilíbrio do universo começou a
mudar, e é por isso que vimos a ilha tornar-se infestada de insetos, morte e
tempestades. Quando não conseguimos encontrar o culpado, a nossa única
resposta era parar de conduzir por completo. Era a única maneira de
garantir que não inclinaríamos a balança ainda mais fora de seu eixo.
— É claro. Nós sabemos disso — disse Fisher, com as mãos atrás das
costas. — O que isso tem a ver com Nadia?
Os olhos da prefeita endureceram. — Bem, o que vocês não sabem é
que sua imortalidade, por assim dizer, é subordinada a vocês continuarem a
cumprir o seu propósito. Ou seja, continuar a ajudar as almas a encontrarem
sua redenção e seguir em frente. Então, quando nós paramos de conduzir as
almas...
— Nós nos tornamos vulneráveis — eu disse, minha boca seca. Eu me
inclinei para a parte de trás de uma das cadeiras mais altas, agarrando seu
tecido brocado desesperadamente.
— Sim, senhorita Thayer — disse a prefeita. — Quanto mais tempo
vocês deixarem de cumprir o seu dever, mais... descartáveis vocês são para
o universo.
— Então agora podemos morrer? — Krista perguntou
estridentemente, sua voz enchendo a sala ampla e comprida. — Qualquer
um de nós?
A prefeita virou um olhar irônico para sua pseudo-filha. — Vamos
apenas dizer que eu não pularia de um penhasco tão cedo.
Krista sentou-se pesadamente em um banquinho da cozinha. Bea
inclinou-se para a ilha, com a cabeça entre as mãos. Ninguém mais se moveu.
— Por que você não nos contou? — Bea perguntou em voz baixa, com
os olhos arregalados e grudados sobre a ferida de Tristan. — Por que você
não nos avisou?
A prefeita ergueu o queixo e limpou a garganta. — Foi uma decisão —
ela disse. — Eu já tinha uma centena de visitantes extras em pânico em
minhas mãos. Eu não precisava que vocês entrassem em pânico também.
— Isso não era uma decisão sua — Joaquin gritou.
— Como é? — perguntou a prefeita, indignada.
Joaquin deu um passo e foi direto para a cara dela. A prefeita ficou tão
assustada que ela cambaleou para trás, os ombros colidindo com a lareira.
As fotos emolduradas e colocadas em ângulos cuidadosos ao longo da
extensão da prateleira se agitaram.
— Você nos colocou em risco! Isso? Isso é culpa sua — disse Joaquin,
estendendo a mão para os sofás onde Nadia e Tristan estavam. — Se eles
soubessem, eles poderiam ter sido mais cuidadosos. Ou eles poderiam ter
voltado para nós mais cedo. Nadia ainda poderia estar viva!
— Se afaste dela, Marquez — disse Dorn.
— Vamos parar de nos concentrar no que não podemos mudar e focar
nos problemas em mãos — a prefeita rebateu.
— Nós sabemos quem fez isso?
— Tristan disse que foi Pete — Bea respondeu. — Ele disse que Pete
matou Nadia.
— Pete? — Krista exigiu. — Você está falando sério?
— O que Pete tem a ganhar com isso? — perguntou o Chefe Grantz.
— Isso não faz nenhum sentido.
— A menos que seja ele quem tem estado conduzindo pessoas e eles
descobriram sobre isso — disse Lauren.
Eu senti como se algo dentro de mim tivesse estalado, como uma corda
de violão sendo arrancada duramente, as reverberações vibrando por todo
meu corpo. — Então você acha... você acha que Tristan é inocente?
Joaquin me olhou nos olhos e minha garganta se fechou. Se Tristan era
inocente, tudo mudou. Se Tristan era inocente...
— Não — eu disse em voz alta. — Não pode ser. Ele tinha as moedas.
A foto da minha família. Ele... ele fugiu.
No dia que Tristan havia fugido, os caras tinham revirado seu quarto
e encontraram a única foto que eu tinha da minha família no fundo do seu
baú. Ela tinha sido levada da minha casa na noite em que meu pai tinha sido
levado para a Terra das Sombras.
— Pense nisso. Em seu bilhete, ele disse que estava tentando descobrir
como entrar na Terra das Sombras para resgatar essas pessoas. Para isso
ele teria que passar um tempo próximo ou sobre a ponte, como você disse
— Lauren teorizou, aproximando-nos do lugar onde ela tinha tomado
contra a parede a leste. — Talvez Tristan e Nadia viram Pete levar Darcy
e Asha para a ponte na noite passada. Talvez eles estavam indo nos dizer,
então ele os rastreou e...
— Encontrou uma maneira de detê-los — concluiu Joaquin, olhando
para Tristan.
Eu deflacionei, afundando em uma das poltronas. Nos últimos dias eu
estava focando muito minha energia em odiar Tristan, sobre o que eu faria
e diria a ele se eu o visse, em me obrigar a não amá-lo mais. A ideia de que
ele era inocente... eu não conseguia processá-la. Eu me inclinei para a frente,
com os cotovelos nos joelhos, e engasguei por ar, tentando me firmar.
— Temos que trazer Pete — disse a prefeita. — Precisamos saber por
que ele fez isso. Precisamos saber como corrigir as coisas.
— Você acha que ele vai morrer? — Lauren perguntou trêmula,
segurando a parte de trás da minha cadeira.
Minha cabeça se levantou. A prefeita foi até Tristan — o menino que
atuava como seu filho — e se ajoelhou ao lado dele. Ela verificou o ferimento
e agarrou seu pulso entre o polegar e os dedos. Com um toque suave, ela
alisou seu cabelo loiro para longe de sua testa, onde a chuva e o suor o
tinham emplastado para baixo. Foi um gesto perfeitamente maternal, e até
aquele momento, eu não teria acreditado que ela isso tinha dentro dela.
Por favor, deixe ele ficar bem, eu pensei. Por favor, por favor, por favor.
Mesmo enquanto eu pensava isso, eu pude sentir Joaquin me
observando, e usei cada grama de autocontrole para não olhá-lo nos olhos.
Eu não sabia o que ele veria lá, mas eu tinha certeza que ele não iria gostar.
— O pulso está forte. Precisamos movê-lo para a cama, esterilizar a
ferida. Dar a ele algum líquido. — A prefeita levantou-se e apertou os lábios.
Tudo o que ela estava sentindo, ela estava mantendo engarrafado tão
firmemente quanto possível. — Com alguma sorte, ele vai ficar bem.
De repente, os nossos walkie-talkies crepitaram. — Bea? Bea? — a voz
de Ursula estalou através dos alto-falantes. — Pete foi flagrado na praça da
cidade agora. Nós tentamos pará-lo, mas ele fugiu. Ele estava indo para as
docas. Câmbio.
Eu levantei do meu assento e me dirigi para a porta antes que o último
sinal de estática houvesse desaparecido.
— Rory, espera... — Joaquin começou, mas eu o interrompi.
— Não vou mais esperar — eu disse, já me movendo em direção à
porta. — Eu estou indo encontrar Pete, e eu vou acabar com isso antes que
alguém se machuque.
Joaquin e Fisher trocaram um olhar. — Vamos com você — disse
Joaquin.
— Não — eu disse, abrindo a porta. Fui atingida por uma rajada de ar
frio no rosto. — Eu quero fazer isso por conta própria.
— De jeito nenhum. — Bea veio atrás de Fisher e Kevin, tirando o
chapéu de cima de seu cabelo. — A partir de agora, ninguém vai a lugar
algum sozinho.
Engoli em seco. A menina tinha um ponto. Afinal de contas, nós
podíamos morrer agora.
— Tudo bem. Mas quando o encontrarmos, eu começo a interrogá-lo
— eu disse através dos meus dentes.
Joaquin colocou o capuz. — Então, onde é que vamos começar? Na casa
dele? No Swan?
— Gente? — Cori pigarreou humildemente. Seu rosto ainda estava
manchado de lágrimas, mas seu queixo estava imóvel em firme
determinação. Eu só podia imaginar o que ela estava passando, perdendo
um de seus melhores amigos e descobrindo que o outro era o responsável.
O próprio fato de que ela era capaz de se pôr de pé agora a tornou digna de
admiração. — Eu acho que sei onde ele está indo.
Olhei em volta para os outros e vi que eles estavam tão impressionados
quanto eu. Peguei a mão de Cori.
— Mostre-nos o caminho.
19 TARDE DEMAIS
Traduzido por I&E BookStore
Bait & Tackle? — Bea perguntou quando nós cinco nos
reunimos sob um toldo surrado e rasgado no extremo
norte das docas. Estávamos de pé em frente ao calçadão
da loja em questão. — Você acha que ele está lá?
— Eu não posso imaginar alguém se atrevendo a ir para lá — eu disse
com um arrepio.
A Bait & Tackle era um prédio quadrado e com telhas cinza embutido
no centro de uma doca de tábuas largas que se estendia ao longo da baía. O
telhado era côncavo de um lado, e a coisa toda estava tão inclinada à
esquerda que eu fiquei surpresa que ele ainda não tinha tombado. A placa
BAIT & TACKLE pintada à mão estava rachada no meio, bem em cima do
&, e pendurada em forma de V sobre a porta da frente.
— Ele começou a passar um tempo aí à noite há um tempo atrás —
disse Cori com uma fungada, um fluxo incessante de água escorrendo da
calha para o ombro de seu casaco de chuva preto. — Tommy disse que ele
não poderia mais fazer barulho pela casa, então ele trouxe um monte de
equipamento para cá para continuar praticando. Nadia e eu somos as únicas
pessoas para quem ele contou.
— Ele escondeu um toca-discos de DJ dentro da loja bait-&-tackle
porque seu pai falso não o deixa mantê-lo em casa? — eu perguntei em
dúvida.
Fisher suspirou. — Tommy gerencia este lugar. Ele não mantém
realmente o controle de nada. Aposto que ele nem sequer percebeu isso.
— Pete mantém seu material coberto com uma lona na parte de trás
da sala de estoque — disse Cori, seus dentes batendo. — Então, vamos pegá-
lo ou não?
Joaquin assentiu e saiu de debaixo do toldo. — Fish, você, Bea e Cori
vão pela porta da frente. Rory e eu iremos dar a volta para os fundos. Se ele
—A
está lá, vamos pegá-lo. Ele pode tentar fugir, então mantenham os olhos
abertos.
— Soa como um plano.
Nós nos movemos para longe da parede com telhas, os pés passando
através das poças rasas que se reuniram em tábuas desgastadas do calçadão.
Havia uma lâmpada chiando pendurada de um poste de metal curvado em
frente à porta da frente da Bait & Tackle. Ela balançou como um metrônomo
no vento, iluminando as palavras na placa sobre a porta, uma por uma.
BAIT. TACKLE. BAIT. TACKLE. BAIT. TACKLE.
Chegamos à porta da frente. Fisher e Cori foram para um lado, Bea
para outro. Joaquin me deu um aceno de cabeça, e se arrastou em torno da
parede virada a sul do prédio, esquivando-se debaixo de uma janela que
tinha uma cortina e parando nos fundos. A doca se estendia tanto sobre a
água que eu mal conseguia distinguir o fim de tudo na tempestade. Suportes
de varas foram pregados em cada pilar para que os pescadores pudessem
deixar suas varas de pesca enquanto eles passavam o dia fora e esperando
para a pesca. À distância, eu vi um quebra-mar rochoso na baía paralelo à
doca, as águas agitadas da superfície normalmente plácida quebrando-se
contra as pedras.
Joaquin adiantou-se e bateu na porta dos fundos. — Pete — ele gritou.
— Nós sabemos que você está aí. Saia e nós prometemos que você não vai...
De repente, a porta se abriu, balançando para fora e batendo bem na
cara de Joaquin. Pete saiu correndo passando direto por mim, saltando sobre
a mureta da doca e caindo na areia abaixo. Joaquin caiu para trás, batendo a
cabeça contra as tábuas de madeira. Ele estava frio. Eu hesitei uma fração
de segundo, dividida entre perseguir Pete e me certificar que Joaquin estava
bem.
— Filho da puta! — eu gritei em frustração.
Então eu corri o mais rápido que pude ao longo da lateral do prédio,
passando direito por Fisher, Bea e Cori.
— O que diabos aconteceu? — Bea gritou.
— Chequem Joaquin! — eu gritei de volta. Eu corri ao virar da esquina
até o calçadão. As escadas para a praia estavam há metros de distância, e
Pete tinha uma vantagem sobre mim enquanto corria pela areia, mas em
questão de segundos, ele atingiria o quebra-mar. Com alguma sorte, ele iria
tentar passar sobre ele, o que seria quase impossível com as rochas lisas pela
chuva e algas. Ela esperava que isso a ajudasse a ganhar tempo.
Com o coração bombeando, eu corri o mais rápido que pude, tentando
não pensar em Joaquin e se ele estava bem. Tentando não pensar em
Tristan, Nadia, Darcy ou meu pai. Eu tinha que correr a corrida da minha
vida. A existência de todos dependia disso.
Mais abaixo na areia, Pete foi para o lado do quebra-mar rochoso. Ele
olhou para mim, seus olhos selvagens e começou a subir. Finalmente desci
as escadas até a praia. Dei a volta em uma rápida corrida, e os meus pés
quase saíram de debaixo de mim, então eu pulei para a areia, saltando oito
ou dez passos. Eu pousei em um agachamento, mas graças ao chão macio e
úmido o impacto foi pouco chocante. Com o canto do meu olho, eu vi Fisher
correndo em nossa direção.
Pete estava subindo a encosta rochosa. Seu pé escorregou e seu joelho
bateu duro. Subi atrás dele, rangendo os dentes, enquanto meu tênis chiava
contra as rochas pontiagudas. Suor arrepiou as minhas costas, misturando
com a chuva incessante.
— Fisher! Veja se você pode ir pelo outro lado! — eu gritei. —
Encurrale ele!
— Ok!
Fisher correu à frente, em seguida, desapareceu de vista. Em segundos
eu estava tão perto de Pete que eu podia ver a forma da pegada na parte
inferior de seus sapatos. Então ele se levantou e começou cuidadosamente a
atravessar a extensão do quebra-mar. De repente, ele parou em seu caminho.
— Não há para onde ir, cara! — Ouvi Fisher gritar. — Desista.
— Sim — eu disse baixinho. Tínhamos encurralado Pete. Eu levantei.
Ele se virou, olhou para mim e começou a correr em direção ao oceano.
— O que...
Corri atrás dele. O terreno era irregular, molhado e cheio de poças.
Águas-vivas mortas se agarravam a uma pedra angular, seus corpos
bulbosos despedaçados e moles. Eu escorreguei uma vez e minhas mãos
desceram em cima de uma pilha de cascos quebrados de caranguejo, tenazes
e pernas. Eu cerrei os dentes e me empurrei para cima de novo. De alguma
forma, eu ainda estava ganhando de Pete, mas já não importava. Ele tinha
chegado ao fim do quebra-mar. Estava de costas para mim, e seus ombros
subiam e desciam enquanto ele puxava respiração após respiração.
— Não há nenhum lugar para ir! — eu gritei. — Você não pode se
esconder de nós para sempre.
Ele se virou, seus joelhos como geleia, e me olhou nos olhos. — Eu
consegui me esconder de você por tempo suficiente.
Eu pisquei. — Tempo suficiente para quê?
— Para mim conseguir o que eu quero — ele disse, virando as palmas
das mãos para fora. Os olhos dele passaram através de mim, e eu virei a
cabeça apenas o suficiente para ver Fisher escalando as rochas nas
proximidades. — Escute, Rory. Em caso de algo acontecer, eu quero que
você saiba que não foi ideia minha.
— O quê? — eu perguntei, meu coração batendo forte de novo. — O
que não foi ideia sua?
— Levar a sua família — disse ele calmamente. — Ou colocar a culpa
em você. Eu era apenas o músculo.
Meu cérebro parecia tão firme como as ondas agitadas atrás dele. —
Eu não entendi. Você está dizendo que você estava envolvido? Com Tristan
e Nadia? Com as conduções?
Ele balançou a cabeça. — Não foram eles. Nunca foram eles.
Minha cabeça ficou leve, tudo o que eu tinha acreditado, foi obliterado
em um só fôlego. Se não foi Tristan e Nadia, então quem diabos foi? Como
eles fizeram isso? De onde tinham vindo as moedas adulteradas, e por que
eles fizeram Tristan levar a culpa?
— Quem? — eu exigi enquanto Fisher se aproximava de mim por trás.
— Com quem você está trabalhando?
— Não faça nada estúpido, Pete — ele disse, sua voz retumbante como
um trovão. — Você sabe melhor do que ninguém que não somos imortais.
Não mais.
Pete riu. — Essa é uma chance que eu vou ter que tomar.
Em seguida, ele deu um passo para trás e se virou.
— Não! — eu gritei.
Mas já era tarde demais. Pete lançou-se do quebra-mar e desapareceu
sob as ondas pretas como carvão.
20 AQUI E AGORA
Traduzido por I&E BookStore
peito de Tristan levantou e abaixou sob os lençóis azul-claro sobre
seu corpo. Depois que nós tínhamos saído na noite anterior, a
prefeita chamou Teresa Malone, uma Lifer que tinha sido uma
enfermeira no outro mundo, e parecia como se ela tivesse cuidado dele. Sua
cabeça estava agora envolta em uma gaze branca e posicionada plana contra
um travesseiro fino, com os braços para baixo contra os seus lados. Eu
estava ao lado de sua cama enquanto o vento soprava lá fora, golpeando as
vidraças com pingos de chuva gordos e implacáveis.
Era sexta-feira de manhã. Trinta e seis horas desde que a minha irmã
tinha sido levada e quase oito horas desde que Fisher mergulhou na água
atrás de Pete e voltou de mãos vazias. Pete tinha desaparecido. Ou ele tinha
se afogado ou de alguma forma conseguiu fugir. Eu esperava que ele ainda
estivesse lá fora em algum lugar, porque se ele estivesse morto, nós nunca
teríamos nossas respostas. Se ele estivesse morto, tudo estava perdido.
Dorn deveria contatar todos pelo rádio se e quando Pete fosse
encontrado, e eu estive esperando inquieta durante toda a noite. Até que eu
finalmente desmaiei de exaustão total na cama ao lado de Krista. Quando eu
tinha acordado esta manhã, encontramos duas moedas de ouro brilhantes e
novíssimas em sua mesa de cabeceira. Com Pete fugindo, isso significava
que elas estavam limpas? Era seguro começar a conduzir pessoas
novamente?
A única coisa que eu sabia com certeza era que precisávamos encontrar
Pete. Ele era o único que poderia saber como salvar minha família. Eu
chequei meu walkie-talkie para me certificar de que estava ligado, e é claro
que estava. O silêncio do rádio tornou-se meu inimigo.
Virei o volume, apenas por precaução, e sentei para a frente, olhando
para o couro bem-gasto da pulseira Lifer agarrada ao pulso grosso de
Tristan. Olhei para o seu perfil, suas bochechas normalmente bronzeadas
O
parecendo afundadas e cerosas. Ele gemia baixinho, e eu me perguntei se ele
estava sonhando quando Pete o tinha atacado. Ele teria visto quem estava
trabalhando com ele?
Puxei uma cadeira e sentei ao lado da cama de Tristan. Minha mão se
estendeu para tomar a sua, mas eu hesitei, de repente confusa. Tristan era
inocente, não era? Ele era apenas uma vítima. Como Darcy, como o papai,
como Aaron. E se isso pudesse de alguma forma ajudar... trazê-lo para o aqui
e agora... Eu tinha que tentar.
Colocando a mão sobre a dele, eu olhei para o rosto dele. Sua pele
estava quente. Isso tinha que ser um bom sinal. Especialmente depois do
quão frio ele estava ontem. Ele estava melhorando. Lágrimas brotaram nos
meus olhos.
— Tristan? — eu disse calmamente. — Sou eu, Rory. Eu não sei se
você pode me ouvir, mas se você puder... estamos aqui. Estamos aqui por
você, e nós queremos que você fique melhor.
Minha voz falhou e eu respirei. — Eu sinto muito por eu ter pensado
que você fosse culpado. Eu deveria saber. Eu deveria ter acreditado... Eu
estava tão chateada com o meu pai e agora com Darcy... — eu parei, me
ouvindo, e limpei minha garganta. Eu estava realmente sentada aqui
tentando dar desculpas para um cara em coma? — Sinto muito — eu disse.
— Eu estou tão arrependida.
— Desculpa pelo quê?
Minha cabeça se ergueu. Joaquin estava de pé perfeitamente
enquadrado pela porta do quarto, vestindo uma camiseta de beisebol azul e
cinza e jeans. Mesmo com a mancha roxa no centro da sua testa de quando
ele foi golpeado mais cedo, ele parecia, em uma palavra, lindo. E também
preocupado.
— Nada.
Soltei minha mão da de Tristan, através do lençol, e coloquei no meu
colo. Ergui os olhos para encontrar os de Joaquin. — Só por eu ter pensado
que ele era culpado.
— Todo mundo pensou, em algum ponto ou outro — disse Joaquin.
Ele entrou no quarto e ficou do outro lado da cama. — Como ele está?
— Na mesma. Teresa da loja de moto ficou com ele durante a noite, e
ele não acordou.
Dei de ombros debilmente quando mais pingos de chuva atiraram-se
para a janela atrás de mim. O vento assobiava através das calhas e beirais.
Enquanto o silêncio entre nós continuava, eu comecei a suar. Ontem eu
tinha beijado esse cara. Eu queria nada mais do que estar com ele. Deixá-lo
me ajudar a esquecer que o resto do universo estúpido existia.
— Rory... — disse Joaquin.
Olhei-o nos olhos. — O que vamos fazer, Joaquin? — eu disse
simplesmente, sem pensar.
Seus ombros caíram um centímetro. Poderia ter sido imperceptível se
não fosse totalmente em sintonia com todos os seus movimentos.
— Eu não faço ideia.
De repente, os nossos walkie-talkies crepitaram. — Rory? Atenda,
Rory. É Dorn. Câmbio.
Minha respiração ficou presa, e eu me atrapalhei com o rádio da minha
cintura, pressionando com firmeza o botão para falar. — O que foi? Você o
achou?
Houve um momento de silêncio. Um momento muito longo. — Eu...
bem, nós ainda não temos certeza. Câmbio.
Eu olhei para Joaquin, e eu podia sentir o nosso pânico crescendo
juntos. Ele ergueu o walkie-talkie para seus lábios, seus olhos nunca
deixando os meus. — O que diabos isso significa?
Dorn suspirou. — Um corpo acabou de aparecer na praia.
21 O CORPO
Traduzido por Yasmin Mota
ão é Pete — disse Krista, lágrimas rolando pelo seu rosto
enquanto ela interceptava Joaquin e eu no calçadão fora
do Thirsty Swan. Dezenas de visitantes se reuniram na
grade de proteção, enquanto Dorn, Grantz e a prefeita ficaram em torno do
corpo perto da costa, impedindo-o de ser visto. Os gêmeos Tse estavam bem
no centro da multidão, seus misteriosos olhos azuis voltados para a praia,
seus lábios finos apertados em carrancas. Liam e Lalani estavam do lado
mais afastado, segurando copos de café de papel que pareciam ter esquecido
na tragédia. Ray Wagner inclinou-se para a grade, os dedos de suas botas
rangendo contra as tábuas enquanto ele esticava o pescoço para ver melhor.
— É... é Cori, pessoal — Krista fungou. — Ela está morta.
— O quê? — eu gritei.
— Não — disse Joaquin, a cor drenando do seu rosto. — Não. Não
pode ser.
Fisher e Kevin correram por nós, descendo as escadas com uma maca,
com os pés afundando na areia molhada da praia da baía a cada passo. Dorn
se afastou para deixá-los passar, e pela primeira vez eu realmente a vi. Cori
estava de bruços na areia, seu cabelo encaracolado emaranhado por causa da
chuva, seu moletom e jeans amontoados em torno dela em dobras molhadas.
Alguém na multidão suspirou quando Fisher e Dorn a rolaram de costas.
Seu rosto estava completamente destruído de um lado, a pele arrancada para
expor o osso. Estava faltando um de seus olhos. Virei-me no ombro de
Joaquin, apertando os olhos fechados, e ele me segurou com força.
Cori sempre foi legal comigo. Ou tentou ser, com Nadia respirando no
seu pescoço, me odiando tão ferozmente como podia e tentando fazer com
que sua melhor amiga fizesse o mesmo. Ela era tão doce, tão meiga, tão
inocente. Por que isso aconteceu com ela? Por que tudo isso está
acontecendo? Eu tinha acabado de estar com ela na noite passada. Eu tinha
—N
acabado de começar a respeitá-la e a conhecê-la um pouquinho. E agora ela
se foi.
— Eu acho que vou vomitar — disse Krista. — Por que Pete fez isso
com ela? Eles eram melhores amigos. Eles e Nadia... Não faz sentido.
— Eles pensam que foi definitivamente Pete? — eu perguntei.
— Eu não sei. Eu só ouvi algumas coisas — disse Krista, limpando o
nariz com as costas da mão. — Eu não quero ir para lá.
— Eu vou — disse Joaquin. Sua voz falhou, e ele limpou a garganta.
— Devemos descobrir o que eles sabem.
— Eu vou com ele. — Eu dei um passo trêmulo para fora do alcance
dele, enfiando as mãos nos bolsos do meu casaco. — Você vai ficar bem? —
eu perguntei a Krista.
Ela olhou fixamente para além de mim. — Você acha que ele a matou?
Você acha que ele fez isso porque ela disse a vocês onde ele estava?
Joaquin e eu trocamos um olhar. — Eu espero que não. Mas se ele fez
isso, significa que ele ainda está lá fora — disse Joaquin. — Isso significa
que podemos capturá-lo.
— Certo. E isso é uma coisa boa — disse Krista, incerta.
— É uma coisa muito boa — eu disse, apertando-lhe o braço.
Significava que ainda podíamos obter as respostas que precisávamos. Isso
significava que poderíamos fazê-lo pagar pelo que tinha feito. À minha
família, à Aaron, Jennifer, Nadia, e agora, possivelmente, à Cori.
— Eu acho que eu vou voltar a trabalhar — disse Krista calmamente.
— Me avisem caso vocês descubram qualquer coisa.
— Pode deixar — disse Joaquin.
Alguém tinha colocado um lençol branco sobre o corpo de Cori, e ela
tinha sido levantada na maca. Joaquin e eu descemos os degraus para a praia,
e Liam se separou de Lalani para nos seguir. Fisher nos deu um aceno com
o rosto impassível enquanto ele e Kevin erguiam a maca até as escadas. Nós
nos juntamos à prefeita, ao chefe Grantz e à Dorn na areia. A impressão
deixada pelo corpo de Cori já tinha enchido com água e desaparecido. Era
como se nunca tivesse estado lá.
— O que diabos aconteceu? — perguntou Joaquin baixinho.
Eu lancei um olhar cauteloso para os espectadores. Alguns deles
estavam começando a se dispersar agora que o corpo não estava lá,
serpenteando em direção ao Swan ou para a cidade. Os gêmeos mantiveram
suas posições, no entanto, cada um segurando a grade com a mão direita.
Ray Wagner, para meu desgosto, estava ansiosamente seguindo Fisher e
Kevin enquanto carregavam Cori até a colina.
— Nós não sabemos — disse Dorn, colocando as mãos nos quadris. —
Ela não foi atacada como Tristan.
— Mas seu rosto... — eu disse.
— Pode ter sido de uma queda na água ou as ondas podem tê-la levado
contra as rochas. — Dorn balançou a cabeça. — Ela nunca foi uma nadadora
muito boa. Pode ser um simples afogamento.
— Exceto pelo fato de que ela é a segunda Lifer a morrer — disse a
prefeita, fervendo.
— Vocês podem checar os pulmões dela? — perguntou Liam.
— O quê? — a prefeita rebateu.
Imperturbável, Liam levantou um ombro. — Se houver uma grande
quantidade de água em seus pulmões, significa que ela inalou e se afogou. Se
não houver, significa que ela já estava morta antes de ir para a água. O que
quer dizer... vocês sabem...
Assassinato, eu terminei em silêncio.
Dorn e Grantz trocaram um olhar impressionado. — Vamos ver o que
podemos fazer.
— Isso é um pesadelo. Por que isso ainda está acontecendo? — a
prefeita discursou. Ela não estava usando um pingo de maquiagem, e pela
primeira vez desde que nos conhecemos, seu cabelo não estava
perfeitamente arrumado. Algumas mechas molhadas se agarraram a sua
bochecha.
— Controle-se, prefeita. Nós vamos descobrir isso — disse Dorn.
Havia uma incerteza em sua voz que me gelou. A prefeita era a constante
sólida que tínhamos nesta cidade. Se ela se descontrolasse, então qualquer
confiança ou esperança que o resto de nós tivesse, seria anulada.
— Será que vamos? — ela estalou com os olhos arregalados. — Porque
não conseguimos até agora. Nadia e Cori estão mortas. Tristan está em
coma, e agora temos outro fugitivo em nossas mãos. E caso você não tenha
notado, a ilha está prestes a afundar no maldito oceano. — Ela bateu o pé, o
que só respingou ainda mais a lama espessa sob nossos pés.
Joaquin se voltou para a prefeita. — Nós vamos encontrar Pete. Ele
não conhece a ilha do jeito que Tristan conhece.
A mandíbula da prefeita estava tensa. Ela parecia ter parado de
respirar. — É melhor que encontrem mesmo — ela disse. — Porque eu não
tenho certeza de quanto tempo podemos continuar assim.
— O que você quer dizer? — perguntou Grantz, seu rosto afrouxando.
Ela virou-se lentamente para olhar para ele. — Eu estou dizendo que
se não encontrarmos uma maneira de reverter tudo o que está acontecendo
por aqui, podemos esperar o fim da Juniper Landing que conhecemos.
Ninguém falou. A chuva começou a cair com mais força, as gotículas
afiadas ricocheteando em nossos ombros e picando meu rosto. Minha mão
automaticamente encontrou a de Joaquin, e ele a segurou firmemente entre
nós.
— Peguem seus grupos de busca lá fora e encontrem Pete — a prefeita
rosnou.
Enquanto ela acelerava em direção à praia, Joaquin chamou por ela. —
E quanto ao funeral? Para Nadia? Está previsto para ser hoje.
A prefeita suspirou e xingou baixinho. — O funeral continua como
planejado — ela disse. — Mas você e seus amigos vão precisar cavar outra
cova.
Ela lançou um último olhar para o local onde o corpo de Cori tinha
ficado, em seguida, fez o seu caminho com determinação pela praia. Os
gêmeos a observaram ir, seguindo o seu progresso com os olhos misteriosos.
— O fim do mundo, hã? — disse Liam. — Isso é algo que eu nunca
pensei que veria. — Então ele saiu para se juntar a Lalani, pegando sua mão
enquanto caminhavam lentamente até o calçadão.
Grantz já estava em seu walkie-talkie, ordenando os grupos de busca
para irem à delegacia. Uma vez que a prefeita havia desaparecido ao virar a
esquina, os gêmeos se viraram novamente, me olharam bem nos olhos e
sorriram. Meu aperto na mão de Joaquin apertou.
— O que foi isso? — ele perguntou.
— Por que parece que eles estão gostando disso? — eu disse,
apontando meu queixo para os gêmeos.
Joaquin se virou para olhar para eles. Nenhum deles se encolheu. Na
verdade, os seus sorrisos se abriram.
— Alguém sabe de quem eles são encarregados? — ele perguntou, em
voz baixa.
— Ninguém mencionou isso — eu disse. — Mas ficou difícil manter o
controle recentemente.
— Veja o que você pode descobrir. — Juntos, viramo-nos para as
escadas. — Há algo estranho com esses dois. A última coisa que precisamos
aqui é outro inimigo.
— Ok. Eu vou perguntar por aí — eu prometi.
Quando chegamos à beira da praia, os gêmeos ainda estavam
assistindo. Eles eram os únicos visitantes restantes de pé na grade e na
chuva.
— Eu te vejo na casa da prefeita às dez — disse Joaquin, liberando
minha mão.
Por um segundo, eu pensei que ele ia se inclinar e me dar um beijo de
adeus. Parte de mim esperava que ele fizesse isso, e outra parte não tinha
certeza de como eu reagiria se ele fizesse mesmo. Mas Joaquin simplesmente
deu um passo para trás e seguiu pelo beco em direção ao seu apartamento.
Minhas mãos tremiam. Eu tinha que descobrir como eu ia lidar com a
volta de Tristan. Se ele acordar — quando ele acordar — eu terei que tomar
uma decisão. Será que eu o perdoei por fugir sem explicação? Será que
podemos superar isso? Ou devo ficar com Joaquin, a única pessoa que, até
agora, nunca me deixou na mão?
Eu não tinha dado dois passos quando os gêmeos apareceram em
ambos os meus lados. Meu sangue borbulhou e eu abracei meus braços com
força. Estar rodeada pelos gêmeos Tse não era o que eu precisava agora.
— Perdeu mais um dos seus, hein? — perguntou Sebastian.
— O que você quer dizer com isso? — eu retruquei.
— Um habitante local — Selma respondeu. — Um dos seus.
— Oh. — Eu pisquei, me perguntando como eles sabiam sobre Nadia.
Mas eu supus que aqui era uma cidade pequena. Notícias se espalham. —
Sim. Nós perdemos. Mas ela não era apenas uma habitante local. Ela era
uma... uma amiga. — Ou, pelo menos, uma amiga em potencial. — Ela
merece um pouco de respeito.
Apressei meus passos, mas eles combinaram o ritmo com o meu. O
olhar entediado de Selma fixou no meu rosto e eu abaixei minha cabeça,
desejando que eu pudesse me enfiar no casaco e desaparecer.
— Você provavelmente deve estar acostumada com isso — disse
Sebastian, com uma pequena provocação na voz.
Eu parei no meu caminho e me voltei para ele. — O quê? Por quê? O
que você sabe?
Ele ergueu as mãos em um gesto de rendição. — Nada. Só que com
esta tempestade que se aproxima e estar em uma ilha... há geralmente uma
grande quantidade de vítimas.
Apertei os olhos para ele enquanto sua irmã escapulia atrás de mim até
que ela estava de pé ao seu lado.
— Você obviamente fica na defensiva — ela disse. — Há alguma coisa
que você quer nos dizer?
— Sim — eu disse através dos meus dentes. — Fiquem longe de mim.
Eu virei para ir para longe, mas meu pé ficou preso no encontro entre
o calçadão e o asfalto e eu tropecei. A mão de Sebastian se estendeu para me
pegar, e no segundo que seus dedos tocaram meu braço, minha cabeça se
encheu com visões de sua vida. Sua morte.
Sebastian em um berço deitado ao lado da irmã. Sebastian como um
menino em um uniforme escolar preto e branco, atormentando uma criança
menor. Sebastian marcando o gol da vitória em um jogo de futebol, em
seguida, cuspindo nos pés de seu oponente. Sebastian enrolado no chão na
parte de trás de um armário escuro, enquanto seus pais gritavam um com o
outro. Sebastian e sua irmã gritando em uma passeata, levantando cartazes
sobre suas cabeças. Sebastian e Selma sendo assaltados em uma rua escura.
Sebastian lutando contra eles. Um tiro sendo disparado. Sebastian
observando sua irmã morrer antes de ele mesmo ser baleado.
Eu tirei meu braço de seu aperto e me afastei deles, meus olhos se
enchendo de lágrimas. Ele teve uma morte horrível, observando sua irmã
ter seus últimos suspiros. Mas igualmente esmagadoras foram as imagens
de sua vida. A dor que ele sentiu, a dor que ele causou. Tinha sido uma curta
existência, mas cheia de dor e confusão, raiva e medo.
— Uau. Que jeito de dizer obrigado — ele cuspiu.
Eu me virei para olhar para ele, a água escorrendo por nossos rostos.
Minha mandíbula se apertou. — Obrigada.
Então eu me virei e comecei a subir a colina tão rápido quanto podia.
Pelo menos agora eu tinha metade da resposta à pergunta de Joaquin.
Sebastian era o meu encarregado, e uma coisa era certa — assim que
acertarmos as coisas por aqui, ele será a primeira pessoa que eu conduzirei
para fora desta ilha.
22 O FUNERAL
Traduzido por Sophia Martins
u mantive minha cabeça baixa enquanto caminhávamos de dois em
dois, seguindo os caixões iguais colina a baixo. A cerimônia fúnebre
havia sido breve e fria, como se cada um aqui tivesse esquecido o
que o velório e a missa realmente significavam — compartilhar boas
lembranças dos falecidos e honrar suas vidas. A prefeita disse algumas
palavras em sua sala de estar, onde toscamente os caixões estavam reunidos
fechados no chão, cercado por flores falsas, já que cada flor de verdade na
ilha há algum tempo havia murchado, mofado e morrido. Ninguém se
ofereceu para dizer uma palavra. Mas conforme os caixões foram erguidos
e a multidão dividiu-se para formar um corredor improvisado para o centro
da sala, eu repentinamente comecei a chorar e eu não fui capaz de parar
nenhuma vez.
Chorei por Cori. Chorei por Nadia. Eu chorei com o fato de que ambas
haviam caminhado pela ilha com a mesma confiança que cada uma tinha —
que nada realmente ruim poderia acontecer a elas novamente — até que
aconteceu. Chorei por meu pai, Darcy e Aaron. E eu chorei pela minha mãe,
cujo funeral foi o último que eu havia participado na Terra. No momento
que eu me deixei abrir essa porta, as memórias caíram sobre mim como as
ondas na maré alta. A dor era tão fresca como se ela tivesse tomado seu
último suspiro ontem.
Pensei na maneira como Darcy havia lidado com isso tão
perfeitamente, sua postura como a de uma primeira bailarina, seu sorriso tão
gracioso e educado enquanto ela recebia os convidados, até que ela se
aproximou do caixão aberto da minha mãe e soltou um gemido horrível.
Pensei em como meu pai havia se levantado da cadeira dele para dizer seu
discurso fúnebre, mas ele tombou de joelhos, onde ele permaneceu por pelo
menos cinco minutos até que meu tio Morris finalmente o ajudou a se
levantar. Pensei em como eu estendi a mão para segurar a dela dentro do
E
seu caixão e olhei para seu rosto excessivamente maquiado, apenas
desejando que ela acordasse e sorrisse. Acorde e me diga que isso era apenas
um sonho.
Acorde, acorde, acorde, eu tinha repetido em silêncio, desesperadamente.
Por favor, mamãe. Por favor, acorde.
Essa era a memória que realmente me tomou agora, fechou minha
garganta e me fez prender o ar.
Por favor, mamãe. Por favor, acorde.
Desejei pela milésima vez que eu pudesse falar com ela, mesmo que
apenas por um segundo. Agora eu precisava dela mais do que nunca. Eu
precisava que ela me dissesse o que fazer. Eu precisava que ela me dissesse
que tudo ia ficar bem. E eu precisava de Darcy, também. E do meu pai. Não
era justo que eu estivesse sozinha aqui. Simplesmente não era justo.
— Rory?
Eu olhei nos olhos de Joaquin. Eu nem tinha notado que havíamos
parado.
— Você está bem? — ele me perguntou.
Eu balancei a cabeça, olhando além das outras capas e guarda-chuvas
para os caixões, que agora estavam na grama ao lado das sepulturas abertas.
Os caixões eram feitos de bétula crua, o grão amarelo vivo era o único ponto
quente no mundo que nos rodeada. Não havia cemitério em Juniper
Landing, é claro, e tínhamos decidido enterrá-los perto das árvores na parte
inferior dos dois penhascos no extremo sul da ilha. Este era um dos pedaços
mais planos do terreno, e um belo local com vista para a cidade a leste, para
o oceano ao sul. Pelo que eu tinha ouvido, Fisher, Dorn e Kevin levaram
mais de uma hora para escavar cada buraco, porque a terra estava tão
saturada que desabou sobre si mesma. Agora todo mundo esperava que os
caixões fossem baixados. Afim de que todo este triste episódio tivesse
acabado.
— Eu estou bem — eu disse, empurrando minha mão abaixo do meu
nariz. — Você não deveria estar... lá?
Como um dos dezesseis carregadores dos caixões, Joaquin deveria
estar ajudando a colocá-los no solo.
— É. — Uma expressão de dor passou por seu rosto, e ele segurou
firme o meu cotovelo. — Eu só queria dar uma olhada em você.
— Obrigada — eu disse, e era verdade.
Olhei em volta, enquanto eu tentava recuperar o fôlego. Ao redor dos
caixões e sepulturas havia dezenas de Lifers vestidos de preto, passando
lenços, de cabeça baixa. Mas além deles, uma pequena multidão começou a
se reunir. Visitantes curiosos. E eu senti uma pontada de ressentimento com
a presença deles.
Este era um momento privado, não uma atração turística. Até Ray
Wagner e Jack Lancet estavam lá. Eles sussurraram um para o outro, as
cabeças inclinadas perto. Quando Wagner me flagrou olhando, ele levantou
a mão e acenou alegremente. Ele estava gostando disso.
— Acho que devemos acabar com isso — falei resumidamente.
Joaquin balançou a cabeça e voltou ao trabalho em mãos. Ele e os
outros carregadores — Liam, Kevin e Fisher dentre eles — levantaram o
caixão de Nadia por suas alças de prata pura e cuidadosamente o abaixaram
no chão, caindo de joelhos enquanto rangiam seus dentes sob a tensão.
Quando a madeira, finalmente, caiu no chão de terra da vala, Lauren deixou
escapar um soluço sufocado e enterrou o rosto no casaco de Bea. Em
seguida, eles baixaram o caixão de Cori no solo, e a prefeita caminhou ao
topo das sepulturas.
— Hoje nós colocamos para descansar duas boas amigas. Nunca nos
esqueçamos o que a vida significa para nós. O que a morte significa para nós.
Ela se agachou, pegou uma bola de terra lamacenta, e jogou-a em cima
do caixão de Nadia, em seguida, fez o mesmo para Cori. O resto dos Lifers
formaram uma fila sinuosa e irregular, e cada um deles seguiu o exemplo,
enchendo a madeira com lama. Enquanto eu dava um passinho à frente, olhei
para todos os visitantes e me assustei com alguns olhares hostis, alguns
olhares desconfiados, alguns murmúrios furtivos. Eles estavam falando
sobre nós. Falando como se suspeitassem de alguma coisa. Mas o quê?
Estávamos simplesmente colocando duas pessoas para descansar.
Quando finalmente chegou a minha vez, eu reservei a minha
inquietação e peguei um pequeno pedaço de barro. Olhei para um nó
marrom escuro na tampa do caixão de Nadia e deixei cair a sujeira
estatelando dos meus dedos para cobri-lo.
— Adeus, Nadia.
Eu dei um passo para o próximo caixão.
— Eu sinto muito, Cori. Eu queria que eu o tivesse parado. Eu sinto
muito mesmo.
Larguei a lama em seu caixão, as lágrimas correndo silenciosamente
pelo meu rosto. Então não havia mais nada a fazer senão seguir em frente.
Joaquin estava esperando por mim a alguns metros de distância, com
um guarda-chuva preto em cima. — Você quer comer alguma coisa?
— Não — eu respondi, chutando uma pedra branca. — Eu só quero ir
para casa. — Embora o que eu achava que estava me esperando lá, que não
fosse a solidão e o silêncio, eu não fazia ideia.
Ele colocou a mão suavemente na parte inferior das minhas costas, e
nos afastamos da multidão. Mal tínhamos dado cinco passos quando os
olhos frios dos gêmeos pararam em mim. Enquanto a maioria dos visitantes
foram mantendo uma distância respeitosa do processo, ficando perto do
ponto onde a colina declinava em direção à cidade, os gêmeos Tse estavam
muito mais perto. Eles escolheram um lugar no meio do campo, poucos
metros atrás dos enlutados, de pé sob a cobertura de um grande guarda-
chuva preto. Seus olhos claros olharam diretamente para mim, diretamente
através de mim, fazendo meu interior congelar. Sebastian estava rolando
uma moeda em toda a volta da mão de dedo em dedo, um truque que eu
nunca tinha sido capaz de tirar os olhos.
— Eu ainda não consigo acreditar que ele é seu encarregado — disse
Joaquin baixinho. — Como você não sabia?
— Eu estou tão confusa quanto você — eu disse. Normalmente nós
sabíamos quais nossos encarregados eram no momento em que chegavam à
ilha — sabíamos tudo sobre eles assim que os vimos. Então, quando eles
eram os próximos na fila para serem conduzidos, nós descobríamos sobre
suas mortes, o melhor jeito para ajudá-los a resolver seus problemas. —
Talvez tenha sido porque eles chegaram na balsa? Tudo estava uma
bagunça naquele dia.
— Talvez — Joaquin pensou, estreitando os olhos para eles. — Sou só
eu ou parece que quando se trata dos Tse, nada é bem o que deve ser?
— Não é só você — eu respondi.
Justo então, Sebastian virou um pouco, e eu vi que a moeda com a qual
ele estava brincando não era de prata, mas de ouro — uma das moedas de
condução dos Lifers.
— Joaquin! — exclamei, agarrando seu braço.
Seu rosto empalideceu quando viu a moeda. Antes que ele pudesse me
parar, eu voei para cima dos gêmeos, agarrando o braço de Sebastian.
— Fique longe de mim! — Sebastian retrucou, se afastando da minha
mão.
Meus dentes cerraram. — Onde você conseguiu isso?
— Isso não é da sua conta, não é? — ele respondeu, rapidamente
embolsando a moeda. — A menos que você queira tentar explicar o que é.
Ele e sua irmã olharam para mim e Joaquin astutamente, seus olhos
claros brilhando de malícia. Eu apertei os lábios com força.
— Nós achamos que não — disse Selma.
Em seguida, eles se viraram como um e se afastaram, seus passos
perfeitamente compatíveis.
— O que diabos está acontecendo? — Joaquin perguntou quando um
vento forte do oceano soprou meu cabelo em meus olhos.
— Pete disse que estava trabalhando com alguém. Nós só assumimos
que era um Lifer, mas e se não for? — Eu me virei para encará-lo. — E se
um dos visitantes tem algo a ver com isso?
— Mas, Rory, não pode ser eles — disse Joaquin. — Eles só chegaram
aqui quando a balsa afundou. Aaron, Jennifer, seu pai... eles já tinham sido
conduzidos.
— A não ser que eles não tenham chegado aqui aquele dia — eu
respondi, o meu pulso acelerado. — E se eles estiveram aqui o tempo todo?
Joaquin balançou a cabeça. — O quê?
— Pense nisso — eu disse, tudo vindo em um embalo. — Steven Nell
conseguiu esgueirar-se por baixo do radar de todos. E se os gêmeos
chegaram aqui mais cedo e estavam se escondendo até que a balsa afundou?
Talvez eles usaram a confusão daquele dia para sair da toca e começar a
agitar as coisas com os moradores. Causar uma distração para que Pete
pudesse continuar conduzindo as almas.
Joaquin olhou para a fila de visitantes ao longo do cume. Alguns deles
se separaram para permitir que Sebastian e Selma atravessassem, em
seguida, seguiram os gêmeos em direção à cidade, lançando olhares
suspeitos sobre seus ombros para nós. Era como se os Tses estivessem
reunindo forças. Como se alguns dos visitantes tivessem se tornado servos
dispostos.
— Por que mais eles teriam uma moeda, Joaquin? — eu perguntei. —
Por que mais eles poderiam estar nos fazendo estas perguntas loucas, como
se eles já soubessem as respostas?
Pouco antes de descer colina a baixo, Sebastian fez uma pausa e olhou
para o cata-vento no topo da casa da prefeita. Muito lentamente, seus olhos
semicerrados deslizaram em nossa direção, enviando um arrepio pela minha
espinha. Ele sorriu e foi embora. A mandíbula de Joaquin apertou.
— Devemos contar isso para a prefeita — ele disse. — Eu acho que é
hora dela ter uma conversinha com os Tses.
23 MORTO E ENTERRADO
Traduzido por Yasmin Mota
u fico e continuo olhando para os túmulos muito tempo depois que
todo mundo foi embora. Ninguém os cobriu ainda e os montes de
lama nas superfícies uma vez limpas parece errado. Tudo sobre isso
parece errado. Elas não precisavam ter morrido, mas não foi culpa minha.
Foi delas. Se Nadia tivesse ficado escondida como um bom bode expiatório,
se Cori não tivesse interferido, esses túmulos nunca teriam sido cavados.
Eu poderia ter terminado isso sem matar ninguém, mas o que está feito
está feito. Não há como voltar atrás. Em breve, terei tudo o que eu quero. E
essa é a única coisa que importa.
E
24 PERTURBANDO A PAZ
Traduzido por Yasmin Mota
u esperei no saguão da pensão dos gêmeos na Rua Magnolia
naquela tarde com Krista, Liam e Bea, enquanto Joaquin, Fisher,
Kevin e Dorn seguiram e passaram pela escada que dava para a
porta da sala do primeiro andar, onde os gêmeos estavam ficando. Eu ainda
não podia acreditar que eles tinham sido colocados tão perto da minha casa.
A própria ideia da proximidade deles me deu arrepios. Mas, pelo menos, eu
tenho ficado com Krista nos últimos dias de qualquer maneira, e esperava
que, quando e se eu me sentir confortável na minha casa de novo, os dois
estejam muito longe.
Olhei nervosamente para a porta da frente e o tempo furioso lá fora, e
esperava que pudéssemos passar por isso sem uma cena. Depois do funeral
mais cedo, havia uma espécie de mal-estar entre os Lifers e os visitantes.
Fisher bateu na porta. Pareceu um trovão. Liam se assustou e até eu
mesma me encolhi. Aparentemente, ele não estava tão preocupado quanto
eu em ser discreto. Não que isso me surpreendesse. Todos os meus amigos
estavam no limite com outro membro do nosso grupo ter morrido —
alguém com quem tínhamos dado risadas, ficávamos juntos na enseada e
compartilhávamos segredos. Eles queriam respostas, eles queriam justiça e
eles queriam que as mortes parassem.
— Selma? Sebastian? Precisamos falar com vocês — disse Joaquin. —
Por favor, abram a porta.
Não houve resposta. Uma porta no andar de cima se abriu, e eu podia
sentir quem quer que fosse ouvindo atrás. Joaquin olhou para Dorn, que
estava usando seu uniforme da polícia de Juniper Landing para a ocasião.
Seu carro de polícia — o único da cidade — estava parado na rua.
— Selma e Sebastian Tse? — disse Dorn, com um suspiro. — Aqui é a
polícia de Juniper Landing. Abram.
E
Várias portas se abriram mais em cima. Um homem saiu e foi para o
topo da escada, com um roupão amarrotado completamente aberto sobre
sua camiseta e shorts. — O que está acontecendo aí embaixo? — ele
perguntou à Bea, que estava mais próximo a ele.
— Nada. — Ela deu de ombros casualmente. — A polícia só tem
algumas perguntas para alguém. Não é grande coisa.
— Selma e Sebastian Tse, nós sabemos que vocês estão aí — disse
Dorn, baixando a voz. — Abram a porta ou serei obrigado a arrombá-la.
— Isso não soa como nada — disse o homem, descendo alguns degraus,
mas mantendo uma distância segura.
Eu cerrei os dentes e olhei para Krista, que parecia pálida contra o pano
de fundo de papel de parede florido amarelado. Isso não era bom.
Finalmente, a porta no final do corredor abriu uma fresta, e Sebastian ou
Selma — era impossível dizer qual — espreitou para fora.
— O que você quer?
— Sr. Tse? — Dorn começou.
— Na verdade seria Senhorita Tse — Selma corrigiu-o com um sorriso
de escárnio.
— Minhas desculpas — disse Dorn, não soando nem um pouco
arrependido. — Você poderia sair para o corredor?
Ela não se mexeu. A porta não se mexeu. — Por quê?
— O seu irmão está aí dentro, senhorita? — ele perguntou, puxando
seu cinto de utilidades.
Os olhos de Selma focaram em sua arma no coldre. — Por quê? —
disse ela novamente.
— Porque nós vamos precisar que vocês dois venham com a gente.
A porta se abriu tão rápido que os meninos pularam para trás, e Krista
agarrou meu braço. Sebastian estava ali, com os punhos cerrados ao lado do
corpo. Ele estava fervendo.
— Irmos com vocês aonde? — perguntou ele. Seu olhar correu para o
rosto de Joaquin, então para Fisher, depois para Kevin, como se ele estivesse
cuidadosamente memorizando cada detalhe. — Estamos sendo presos? Nós
não fizemos nada de errado.
— Nós apenas queremos lhes fazer algumas perguntas — disse Dorn
com firmeza.
— Então, pergunte — disse Selma.
Dorn olhou para nós, e para o homem de roupão, em seguida, em
direção à escada que levava para cima, onde sei lá quantas pessoas estariam
ouvindo.
— Preferimos fazer isso na delegacia. — Dorn alcançou Sebastian, e
em um piscar de olhos, Sebastian investiu contra ele, batendo em Dorn que
era muito maior contra a parede da escada atrás dele. Eu vacilei e Selma
gritou. Quase instantaneamente, Dorn prendeu Sebastian com uma chave
de pescoço e lutou com ele de cara para o chão. Liam esticou o pescoço para
obter uma melhor visão da ação.
— Isso foi uma má ideia — disse Dorn no ouvido de Sebastian. —
Agora você está preso por agredir um policial. — Eu ouvi o clique das
algemas em torno de seus pulsos sem nem ver Dorn tirá-las de seu cinto. O
cara era bom.
— Sebastian! — gritou Selma. — Você está bem?
— Pegue a garota — Dorn rosnou para Joaquin enquanto arrastava
Sebastian a seus pés. Seu rosto estava vermelho e as bochechas tremiam. Ele
estava com raiva, talvez até mesmo envergonhado, que Sebastian tinha
conseguido a melhor sobre ele, até mesmo por um segundo.
Mais portas se abriram e uma multidão começou a se formar. Joaquin
fez um movimento em direção a Selma, mas ela se encolheu. Eu agarrei o
braço dele.
— Deixe-me tentar — eu disse.
Ele ergueu as mãos. — Toda sua.
Eu respirei fundo e me aproximei de Selma. Sem seu irmão ao seu lado,
ela parecia assustada. Irritada, mas também com medo. Ela me olhou com
cautela, e eu virei minhas palmas para fora de forma apologética.
— Olha, se você vir com a gente de boa vontade, tudo vai ficar bem —
eu disse. Contanto que você não seja quem arrastou a minha família para o inferno,
eu adicionei silenciosamente.
— Sim, certo. Seu policial primata simplesmente atacou o meu irmão
— ela retrucou.
— Seu irmão atacou um policial — eu respondi, a frustração
esmiuçando em meus nervos. — Mas se você concordar em responder as
nossas perguntas, tenho certeza que eles vão liberá-lo só com um aviso.
Selma inclinou-se para fora do apartamento quando ouviu a porta do
carro da polícia bater. Sua mão cobriu a boca. Eu podia ver o quanto ela
queria estar com ele, e me lembrei dos flashes que vi da vida de Sebastian e
a profundidade da emoção que sentiam em relação ao outro.
— Você quer ir com o seu irmão, ou você quer ficar aqui? — perguntei.
— Sozinha.
— Eu vou — ela retrucou, pegando sua bolsa de dentro do
apartamento. — Vocês têm algum advogado nesta cidade?
Eu atirei um olhar para Bea, Liam e Krista enquanto Selma saía pela
porta. Os gêmeos não estavam dispostos a tornar nada fácil.
— Vocês estão bem? — Joaquin perguntou quando Dorn colocou
Selma no banco de trás de seu carro ao lado de seu irmão. Bea, Krista, Liam
e eu deveríamos ficar para trás para procurar mais moedas no quarto dos
gêmeos Tse, ou qualquer outra coisa suspeita.
Olhei de volta para o apartamento. — Vamos fazê-lo o mais rápido
possí...
De repente, um estalo de estática me cortou. A voz de Grantz surgiu
através dos alto-falantes em nossos walkie-talkies.
— Estejam avisados que Pete Sweeney foi localizado. Estamos
transportando-o para a delegacia agora. Câmbio.
Meus olhos se arregalaram quando eu olhei para Joaquin. — Ele está
vivo.
— Isso é uma coisa boa, certo? — disse Liam.
Eu fechei a minha jaqueta. — Eu estou indo para lá.
— Eu vou com você — Joaquin ofereceu.
— Não. De jeito nenhum. — Dorn parou na porta agora, praticamente
preenchendo o espaço. — Eu preciso de você e Fisher aqui comigo.
— Está tudo bem. Eu posso ir sozinha — eu disse.
— Não. Você não pode. Ninguém vai a lugar nenhum sozinho, lembra?
— Joaquin disse, colocando brevemente o meu rosto nas mãos. Eu senti
todo mundo olhando para nós, naquele breve momento de intimidade, e
minha pele queimou.
— Eu vou! — Krista e Liam ofereceram de uma vez.
— Você — disse Joaquin, apontando para Liam. — Você vai com Rory.
Bea e Krista, procurem no quarto.
Os olhos de Krista se encheram de preocupação. Era bom ter alguém
por perto que se preocupava comigo tanto assim. Meus amigos de casa eram
muito mais conhecidos casuais — pessoas com quem estudei ou corri. Mas
Krista tinha se tornado mais do que isso. Ela tinha se tornado como uma
segunda irmã. Infelizmente, agora tudo que eu conseguia pensar era em
conseguir minha irmã de verdade de volta.
Krista olhou para Joaquin. — Mas Rory pode precisar...
— Apenas faça isso, Krista — Joaquin ordenou.
Seus ombros caíram. — Tudo bem.
— Vamos — eu disse a Liam. — Estamos perdendo tempo.
No meu caminho para fora da porta, Joaquin agarrou meu pulso e me
virou para ele. Eu podia sentir a emoção e a ansiedade vindo dele em ondas.
— Você me chama no rádio no segundo que você descobrir o que está
acontecendo. — disse ele, olhando para os gêmeos, que estavam
sussurrando na parte de trás do carro. — Até o final da noite, uma dessas
pessoas vai falar. Vamos trazê-los de volta, Rory.
Sua energia era contagiante, e pela primeira vez em dias, a esperança
encheu meu coração. Eu balancei a cabeça. — Nós vamos trazê-los de volta.
25 TEMPO DEMAIS
Traduzido por L. G.
le está inconsciente? — eu disse, de pé no sufocante
corredor quente e úmido fora da área de prisão no porão
da delegacia de polícia. O Chefe Grantz estava encharcado
de chuva e cheirava a suor. Olheiras se estabeleciam sob seus olhos como
balões de água. Seu casaco vinil azul-escuro do DPJL tinha um longo rasgo
em um braço e lama cobria suas botas pretas, encharcando também a bainha
da calça do uniforme da polícia.
— Sim — disse ele, enxugando o rosto com um pano. — Nós o
encontramos no pé do muro da enseada. Parece que ele escorregou e se
jogou para fora.
— Talvez você devesse ter dito isso pelo walkie-talkie — disse Liam.
Grantz lhe lançou um olhar afiado. O homem parecia estar à uma
observação sarcástica de colapsar. — Teresa está lá com ele agora,
analisando-o. Você pode ir se quiser.
Eu concordei e ele abriu a porta para nós. Havia duas celas muito
pequenas com barras englobando suas paredes frontais e as paredes entre
elas. Arrepios apareceram em meus braços e eu tremi quando movi de lado
para deixar Liam passar.
Pete estava estirado na cama na primeira cela, cobertores empilhados
em cima dele. Seu rosto estava virado para o lado, longe de nós, mas eu podia
ver a maior parte de seu rosto, queixo e uma orelha. Ele parecia bem, apenas
um pouco pálido. Pelo menos seu crânio estava intacto.
Por que não poderíamos apenas encontrar alguém que estava
consciente para variar?
Teresa, uma mulher de cerca de quarenta anos, com cabelo curto
grisalho, ajoelhou-se ao lado da cama, segurando o pulso de Pete entre os
dedos. Ela olhou para cima quando chegamos e abaixou suavemente o braço
—E
dele na cama. Meus dentes cerraram enquanto eu tentava lutar contra o meu
lado vingativo que sentia que Pete não merecia esse cuidado quando tinha
sido ele que tinha tirado a vida de Nadia e Cori, que tinha deixado Tristan
inconsciente.
— Como ele está? — eu perguntei.
Teresa levantou-se e suspirou. — Os sinais vitais estão bons, mas ele
está frio. Só o tempo dirá.
— Você tem alguma ideia de quando ele vai acordar? — perguntou
Liam, levando as mãos para os bolsos.
Teresa abriu a porta da cela com um tinido e saiu. — Infelizmente, não.
Mas não foi tão ruim quanto o que Tristan passou. Eu diria que algumas
horas, talvez? Mais um dia ou dois.
Um ou dois dias. Pensei no meu pai e Darcy e fechei os olhos apertados
enquanto uma onda de desespero caía sobre mim. Cada hora, cada minuto
que eles estavam na Terra das Sombras era tempo demais.
— Você é Liam, certo? — disse Teresa, levantando o queixo. — A
prefeita me disse que foi sua ideia verificar os pulmões de Cori. Boa ideia.
Eu fiz uma autópsia rudimentar e eles estavam cheios de água salgada.
Descobri que ela se afogou.
Liam olhou para mim. — Eu acho que é uma... boa notícia?
— Aumentam as chances de ter sido um acidente — respondeu Teresa.
— Talvez, mas isso não prova nada — eu disse. — Dorn deu a entender
que todos sabiam que Cori não era uma grande nadadora. Se ele a empurrou
para dentro do mar, pela forma como tem estado violento ultimamente...
Liam ficou verde e eu parei. Eu também não queria pensar sobre isso
muito detalhadamente — a insensibilidade que seria necessário para fazer
algo assim, o terror que Cori teria sentido quando ela fugiu.
— Você pode entrar e tentar acordá-lo, se quiser — Teresa sugeriu,
inclinando a cabeça na direção da cama de Pete.
Eu me ericei com o pensamento. Nada do que eu tinha a dizer para Pete
iria fazê-lo querer acordar. Eu estava prestes a dizer-lhe isso quando Pete
de repente suspirou e virou a cabeça. Seus olhos ainda estavam fechados,
mas eu congelei, agarrando o braço de Liam. Sob o meu controle, todo o seu
corpo ficou tenso.
— Ai meu... — Liam disse, mordendo o lábio.
— Pete? — eu perguntei. — Pete? Você está acordado?
Teresa tirou uma pequena lanterna do bolso e moveu-se para a cama.
Ela forçou um dos olhos de Pete a abrir e direcionou a luz brilhante nele.
Ele não vacilou.
— Ele ainda está inconsciente — ela concluiu, dando de ombros para
nós.
A pele de Liam tinha ficado pálida como cera. — Eu acho que devemos
ir. — Ele correu para a porta, como se a sala estivesse em chamas.
— Nós não devemos ficar no caso de ele acordar? — eu disse.
Liam parou com uma mão na maçaneta. — Por quê? Ela disse que
poderia levar dias. Eu acho que devemos ir até a prefeita e descobrir se os
irmãos Tse estão falando.
Era tentador. Pelo menos eu sabia que os gêmeos estavam conscientes.
Voltei a olhar para Pete, cujos olhos permaneceram teimosamente fechados,
seu peito subindo e descendo a um ritmo calmo e normal.
— Eu posso avisar por rádio quando ele acordar — disse Teresa,
colocando uma mão reconfortante no meu braço. — Vão em frente. Nenhum
de vocês deve ir a qualquer lugar sozinho.
— Ok — eu disse, relutante. — Obrigada.
Liam empurrou a porta. Escutei quando seus passos soaram pelo longo
corredor, mas eu não o segui. Em vez disso, eu esperei até que Teresa
deixasse a cela e fechasse a porta atrás dela. Pete tinha levado o meu pai e
minha irmã, Aaron e Jennifer e todas as outras pessoas inocentes para a
Terra das Sombras. Eu não iria a lugar nenhum até que eu soubesse com
certeza que ele estava bem trancado.
Teresa tirou uma chave grande e antiga e a colocou dentro da
fechadura. Quando ela a virou e o trinco foi parar no seu lugar, ele soltou
um baque alto, satisfeito.
— Para onde isso vai agora? — eu perguntei, olhando para a chave.
— De volta para o Chefe Grantz — ela disse. — A única chave é dele.
— Ela sorriu de uma forma amigável, compreensível. — Você pode vir
comigo se quiser.
— Não é que eu não confie em você. Eu só...
— Querida, se eu fosse você agora, não confiaria que lado é para cima
— ela disse, dando um aperto de mão rápido. — Por aqui.
— Obrigada — eu disse, e era verdade. Foi a primeira vez que alguém
me fez sentir como se minhas emoções insanas fossem compreensíveis em
termos tão simples.
Eu a segui pelo longo corredor, que levava para a parte de trás da
delegacia. Juntas, caminhamos até o escritório de Grantz, e a vi entregar a
chave, que ele amarrou a uma corrente que estava presa ao cinto. Liam
estava me esperando perto da porta da frente.
— Tudo bem? — perguntou Teresa, virando-se para mim com um
sorriso.
— Tudo — eu disse. — Você vai me chamar quando ele estiver
acordado?
— Assim que ele começar a falar — ela me assegurou. — Não se
preocupe, querida. De uma forma ou de outra, isso vai acabar logo.
Eu balancei a cabeça e me juntei a Liam na porta, sentindo-me pesada
e vazia ao mesmo tempo. De uma forma ou de outra. Não inspirava muita
confiança.
26 AGITADORES
Traduzido por Sophia Martins
lgo muito estranho aconteceu comigo hoje — disse Liam.
Estávamos subindo a colina para a casa da prefeita
através do vento e da chuva. Nós dois estávamos
inclinados contra ela, como dois navios tempestuosos que tentam cortar
através das ondas.
— Mais estranho do que o normal? — eu perguntei.
Ele acenou com a cabeça quando chegamos ao topo do penhasco. — Eu
estava ajudando Nick depois que ele foi batido por uma onda, e eu tive esse
flash... eu vi como ele e Lalani morreram.
Houve um estalo de relâmpago diretamente acima. Corremos para a
cobertura do telhado da varanda na casa da prefeita. Arfando para respirar,
eu retirei o meu capuz dos meus cabelos e olhei para Liam. Seu rosto estava
meio iluminado pelas luzes aéreas, e ele parecia, compreensivelmente,
assustado.
— Isso significa que é seu primeiro encarregado — eu disse a ele. —
Ele é a primeira pessoa que você vai conduzir. Assim que resolvermos essa
bagunça.
Liam olhou para os seus pés. Seus Converse estavam encharcados. —
Foi isso que eu imaginei.
— Você está bem? — Estendi a mão para tocar seu braço, e ele se
encolheu, se distanciando violentamente. Eu puxei minha mão de volta, meu
coração martelando. — Liam?
Ele olhou para o chão. — Desculpe. Eu só... foi um dia estranho.
Então ele se virou e abriu a porta, tirando sua jaqueta enquanto ele
entrava. Eu respirei fundo, sacudindo o constrangimento, e o seguindo.
Joaquin afastou-se da parede onde estava encostado, e Krista correu em
minha direção de seu posto junto à porta do escritório, onde ela claramente
tinha tentado espionar.
—A
— Bem? Como foi? — perguntou Joaquin.
— O que ele disse? — acrescentou Krista.
— Ele está inconsciente — eu disse sem rodeios, tirando minha capa
de chuva e pendurando-a no gancho mais próximo.
— O quê? — Fisher gritou. Ele estava sentado na escada com Bea, que
apoiava o lado da cabeça dela contra a parede, parecendo exausta.
— Teresa acha que vai ser apenas algumas horas — eu disse, tentando
manter o pensamento positivo. — Como vão as coisas aqui?
Liam tinha deitado em um dos sofás da sala de estar e estava esfregando
o rosto com as duas mãos. Kevin estava no outro sofá, do lado oposto da
mesa de café, com o braço atirado sobre os olhos. Eu podia ouvi-lo roncando
levemente. Era um momento estranho para tirar um cochilo — com o nosso
número de suspeitos um após o outro sendo interrogados na sala ao lado,
mas eu não poderia culpá-los. Cada um de nós poderia ter dormido durante
semanas neste momento.
— Ela ainda está lá com eles — disse Joaquin, acenando para o
escritório. Eu podia ouvir vozes falando em tons suaves lá dentro. — Você
deveria ter visto o modo como eles se apavoraram quando nós os trouxemos
aqui, em vez de ir à delegacia. Esses dois não são nada introvertidos.
— Achou alguma coisa no quarto deles? — eu perguntei a Bea.
Bea suspirou e empurrou o cabelo encaracolado do rosto com as duas
mãos. — Nada. Nem mesmo a moeda que vocês viram. Ele deve tê-la com
ele.
— Como diabos ele pode ter posse de uma moeda? — perguntou
Krista, passando as mãos para cima e para baixo dos braços nus.
— Talvez ele acordou com uma ao lado de sua cama — Fisher
ponderou. — Há um monte de porcaria aleatória acontecendo por aqui
ultimamente. Nunca se sabe.
Ficamos em silêncio. Eu não gostava da ideia de que a moeda era
simplesmente um erro ou uma coincidência. Eu queria que os gêmeos
fossem parte disso. Eu precisava de alguém — qualquer um — para culpar.
Alguém para me dizer o que diabos estava acontecendo e como consertá-lo.
Eu queria que a minha irmã e meu pai voltassem tão desesperadamente que
estava causando uma dor constante no meu peito.
— Eu vou lá em cima verificar Lauren e Tristan. — Bea ergueu-se
lentamente.
Lauren ficou com o turno do dia olhando Tristan ao lado da cama, caso
ele acordasse. Ela aceitou as mortes de Nadia e Cori — o fato de que agora
podíamos morrer — mais duramente do que qualquer um, e estava
claramente com medo de perder Tristan também. De alguma forma, estar
com ele a consolou, como se simplesmente observar seu peito subir e descer
lhe desse esperança.
Bea tinha subido dois ou três degraus, quando a porta do escritório se
abriu de repente. Fisher se levantou. Joaquin deu impulso para longe da
parede novamente. Até mesmo Kevin capotou no sofá, piscando para nós
com olhos turvos.
— Muito obrigada por terem vindo. Espero que vocês aproveitem sua
estadia — disse a prefeita agradavelmente, segurando a porta para os
gêmeos percorrerem. Meu coração parou e eu olhei para Joaquin enquanto
os dois passavam por nós, sorrindo como turistas satisfeitos.
— Você está deixando-os ir? — perguntou Joaquin.
— Shh! — a prefeita respondeu secamente.
Ela abriu a porta para eles, também, e esperou com um sorriso duro
enquanto eles levantavam suas mãos e desapareciam na noite. A porta se
fechou com um estrondo e a prefeita pressionou as palmas das mãos.
— Os gêmeos Tse são tão inocentes como torta — disse ela, franzindo
os lábios com amargura em torno das palavras. — Eles são pessoas
incrivelmente suspeitas e tinham carreira de ativistas no outro mundo. A
atual situação de Juniper Landing compreensivelmente despertou seus
agitadores internos, mas eles não têm nada a ver com o que está acontecendo
aqui.
— Oh, fala sério! — Joaquin desabafou. — Então de onde eles tiraram
a moeda?
— Ele alegou que achou do lado de fora da loja de departamentos —
disse a prefeita, lançando um olhar acusador ao redor da sala. Ela moveu-se
para a janela ao lado da porta da frente para olhar para o mar tempestuoso.
— Felizmente eu fui capaz de apagar o acidente da balsa de suas memórias
e alterar suas percepções sobre as atividades de hoje à noite, para quando
eles voltarem para a pensão, eles terem a história de um erro bobo para
contar, mas é isso. — Ela respirou forte e soprou. — Eles devem estar
perfeitamente felizes aqui para a duração da sua estadia. O que precisamos
fazer é descobrir quanto tempo que vai ser.
Trovão retumbou à distância.
— Você quer que a gente comece a conduzir mais uma vez, não é? —
Bea perguntou em voz baixa.
— Se Pete era, de fato, responsável por essa confusão, eu não vejo
nenhuma razão para não continuar com o nosso negócio, agora que ele está
preso. — Os olhos da prefeita dispararam de rosto em rosto, à espera de
alguém para contradizê-la. — Algum de vocês recebeu novas moedas hoje?
— Eu recebi — eu disse.
— Eu também — Kevin disse da sala de estar.
— Todos nós recebemos — disse Joaquin, empurrando as mãos nos
bolsos da calça jeans e olhando para os seus pés.
— Então essas moedas serão usadas pela primeira vez, pois não há
nenhuma maneira de Pete ter mexido com elas — disse a prefeita. —
Precisamos começar conduzindo as almas sombrias e os criminosos para
fora desta ilha. Neste momento, estamos trabalhando contra o tempo.
Vamos começar hoje à noite.
— Hoje à noite? — Krista desabafou, olhando para o céu.
— Quanto mais cedo melhor — a prefeita respondeu.
— Mas e quanto às outras almas? — eu interrompi. — As que sabemos
que devem ir para a Luz? E as crianças? Como é que vamos nos sentir
confortáveis conduzindo-os?
— Nós só vamos ter que confiar que tudo vai endireitar-se — disse a
prefeita. — E então veremos.
Veremos. Desesperança estabeleceu-se em meus ombros, espessa e
lodosa como a terra lamacenta que tínhamos deixado cair nas sepulturas de
Cori e Nadia.
— Eu gostaria que Tristan acordasse — Bea disse. — Talvez quem
estava trabalhando com Pete estava com ele naquela noite na casa cinza.
Nós olhamos para as escadas onde, além do ritmo habitual da chuva
contra as janelas, tudo estava parado. Não havia nada além de sombras, a
lasca de luz debaixo da porta de Tristan, o cristal opaco no lustre de vidro.
Mas eu ainda podia vê-lo ali, sua pele bronzeada iluminada por um brilho
interno, enquanto ele sorria para mim. Enquanto ele me fazia sentir como
se eu fosse a única garota que ele poderia amar.
— Eu vou lá em cima — eu decidi, contornando Fisher.
— Por quê? — perguntou Krista.
— Eu vou falar com ele — eu disse, levantando minhas mãos. — Eles
dizem que ele pode ouvir, certo? Talvez se ele ouvir a minha voz... Eu não
sei. Eu só vou falar com ele.
— Eu vou com você — Joaquin ofereceu, o pé batendo no degrau de
baixo.
— Não.
Ele congelou, e o resto do mundo pareceu congelar junto com ele. —
Não?
Eu não conseguia olhar nos olhos dele. Não naquele momento. — Eu
quero fazer isso sozinha. Eu tenho que fazer.
— Mas eu...
— Jay — disse Bea. — Deixe ela ir. Quem sabe? Talvez dê certo.
Eu atirei-lhe um sorriso agradecido e não esperei que ele respondesse.
Em vez disso, eu corri até a escada de dois em dois e, encontrando-me na
frente da porta fechada de Tristan, respirei fundo.
Você pode fazer isso, eu disse a mim mesma. Ele ama você. Ele mesmo disse
isso em seu bilhete. Ele nunca deixou de te amar. Se há alguém para quem ele vai
voltar, é você.
Com estes votos tocando dentro da minha mente, eu abri a porta.
Lauren olhou para cima. Ela estava lendo um livro em voz alta para ele,
sentada na cadeira ao lado da cama, mas calou-se quando me viu. Seu cabelo
curto e escuro estava puxado para trás com uma faixa, e ela usava uma
camisa polo rosa, um canto do colarinho começando a se desgastar.
— Tiveram alguma sorte? — ela perguntou.
Eu balancei minha cabeça. — Os Tses não sabem de nada, e Pete está
inconsciente.
Ela caiu para trás na cadeira, o livro caindo no colo. — Isto é muito
ruim.
— Se importa se eu falar com Tristan sozinha? — eu perguntei.
Ela olhou para o rosto dele, que ainda parecia uma pintura, depois
suspirou. — Claro. — Quando ela se levantou, ela estendeu a mão para
apertar a mão dele, depois saiu, fechando a porta atrás dela. Peguei o assento
que ela tinha acabado de desocupar. Ainda estava quente.
— Oi, Tristan — eu comecei, e minha voz falhou.
Eu respirei vacilante, piscando para uma nova onda de lágrimas. Vê-lo
nesse estado, imóvel e vulnerável, era muito errado. O Tristan que eu
conhecia era mais forte do que qualquer um de nós, de corpo e alma.
Lembrei-me, de repente, da firmeza de seus braços quando ele me beijou
pela primeira vez. O calor de sua mão enquanto ele segurava com força os
meus dedos, balançando os braços entre nós enquanto caminhávamos pela
ponte para a cidade. Houve um tempo, não muito tempo atrás, quando havia
uma luz tão surpreendente, esperançosa e amorosa em seus olhos, e eu
trouxe isso para fora dele. Nós éramos felizes.
De nenhuma maneira eu iria deixar isso de lado.
Estendi a mão para pegar a mão dele e segurei-a com as minhas.
— Tristan — eu disse com firmeza, — eu quero que você saiba que eu
sinto muito por não ter acreditado em você. Eu sei que eu já disse isso
ontem, mas eu sinto. Sinto muito, muito mesmo. Espero que você me
perdoe. Não, eu sei que você vai me perdoar quando você acordar. Eu sei que
você vai entender.
Lágrimas caíram dos meus olhos, e me inclinei para frente,
descansando minha testa em cima da parte de trás da minha própria mão. O
topo da minha cabeça bateu a seu lado, e eu me inclinei para ele, saboreando
qualquer contato, desejando que eu pudesse estar do lado dele e abraçá-lo.
O pensamento de que eu nunca mais poderia ver seus olhos novamente.
Que eu nunca mais poderia sentir ele me abraçar novamente. Que eu nunca
mais poderia tocar seus lábios novamente...
Eu tive que me esforçar para respirar.
— Tristan, por favor — eu sussurrei, levantando a cabeça e olhando
para seu rosto plácido. — Por favor, não morra. Por favor, não faça isso
comigo. Eu sei que o que eu estou dizendo é egoísta. Eu sei disso. Eu sei.
Mas eu não aguento mais isso. Eu não posso lidar com perder você acima
de todos os outros. Há tantas pessoas neste mundo que eu amo, Tristan, e
todos elas se foram. Cada uma delas. Exceto você.
Eu me inclinei para trás, desejando que ele piscasse, respirasse, fizesse
qualquer coisa. Qualquer coisa para me mostrar que ele ainda estava lá
dentro, que ele podia me ouvir, que ele entendeu.
Mas não houve nada além da constante subida e descida de sua
respiração, e o tique-taque do relógio de pêndulo lá embaixo.
27 O RETORNO
Traduzido por Yasmin Mota
ntão, vamos recapitular — disse Kevin, sentando em um
cobertor na areia ao lado de uma fogueira crepitante,
confortavelmente quente e seca. A chuva tinha parado às
três horas. Parou de repente depois de dias e dias de água implacável. Ainda
estava monótono, cinza e frio, com uma sólida camada de névoa em cima,
mas estava seco, por isso decidimos nos reunir na enseada para um jantar
de sanduíches e batatas fritas — o que era ótimo, já que eu não lembrava
mais a última vez que tinha comido — e decidir o nosso próximo passo.
Kevin abriu uma lata de cerveja e tomou um gole, lambendo a espuma dos
lábios. A pele de seus dedos estava seca e rachada, flocos brancos minúsculos
agarrados aos seus dedos magros. — Pete é o cara mau. Ele matou Nadia, e
ele pode ter matado Cori.
— Sim — eu disse, jogando um pedaço de madeira na fogueira
flamejante e crepitante.
— E ele tem um cúmplice, mas não temos ideia de quem seja, e ele não
pode nos dizer quem é, porque está inconsciente — Kevin continuou.
— Sim.
— Bem, isso tudo é uma merda.
Kevin bebeu o resto da cerveja, esmagou a lata e se esticou para pegar
outra. Eu derramei café da garrafa térmica xadrez de Krista em um copo de
isopor, em seguida, me arrastei pela areia fria e úmida e sentei em uma toalha
entre Krista e Bea.
— Eu ainda não posso acreditar que pensamos que tinha sido Tristan.
— disse Lauren, tremendo debaixo do cobertor de lã cinza que ela tinha
ajeitado sobre as pernas.
— Nenhum de nós pode acreditar que pensamos que tinha sido
Tristan. — Kevin puxou o boné de beisebol preto mais para baixo sobre os
—E
olhos castanhos. — Mas não vamos pensar nisso agora. Eu quero falar sobre
Pete. Aquele pequeno traidor filho da mãe, Pete.
— Não faz nenhum sentido — disse Bea quando ela alcançou um saco
de papel marrom amassado para pegar um sanduíche. — Nadia era uma de
suas melhores amigas e ele simplesmente a matou? Por quê?
— Ele disse que se ele esperasse tempo suficiente, ia conseguir o que
queria — eu disse a eles, provavelmente pela décima segunda vez. — Então,
o que ele quer?
— Pete? Além de um suprimento vitalício de charque e um contrato
de gravação, eu não tenho ideia. Ele é um cara muito simples — disse Fisher.
— Deus, eu gostaria que ele acordasse — eu murmurei, checando meu
walkie-talkie. A luz vermelha brilhava intensamente como se estivesse rindo
de mim. Eu deixei cair a barra da minha jaqueta sobre ela, irritada. Bea
dividiu seu sanduíche ao meio e entregou uma metade para mim.
— Eu digo para quando ele acordar, quebrarmos cada um de seus
dedos, um por um, até que ele fale — disse Kevin, encolhendo os ombros na
direção das orelhas quando ele tomou outro gole de cerveja. — Isso vai fazê-
lo falar.
— Você não faria isso realmente, não é? — perguntou Liam, alarme
iluminando seu rosto bonito.
— Não! — o resto de nós respondeu em uníssono. Para pontuar a
mensagem, Fisher arremessou um pedaço de casca de árvore na cabeça de
Kevin. Ele bateu de leve no boné.
— Essa não é a forma como fazemos as coisas — Krista estalou,
esfregando um pouco de cinzas para fora da manga do moletom branco.
— Como você sabe? — perguntou Kevin, sentando-se em linha reta e
empurrando o boné para cima para nos ver melhor. — Como qualquer um
de nós sabe? Não é como se tudo estivesse normal por aqui. Quem vai dizer
como nós fazemos ou não as coisas?
Bea respirou fundo e suspirou. Pela primeira vez em muitos dias, seus
cachos ruivos estavam soltos ao redor de seus ombros, e eles dançavam e
balançavam com a brisa fria do oceano. — Ele tem um objetivo. É uma
totalmente nova e não muito agradável Juniper Landing.
— Mas nós não vamos torturar ninguém — disse Joaquin com firmeza.
— Fim da discussão.
De repente, os nossos walkie-talkies zumbiam em uníssono, e houve
um enorme e perfurante som de feedback, tão alto que eu não teria ficado
surpresa se nossos ouvidos começassem a sangrar. Eu agarrei o meu rádio
enquanto Krista abaixava a cabeça em suas mãos de forma dramática.
— Desculpa — a voz do Chefe Grantz soou através dos rádios. —
Minhas desculpas por isso. Que todos os condutores sejam alertados de que
a prefeita decidiu que as conduções começarão hoje à noite, ao pôr do sol.
Não houve nenhum movimento a não ser a dança selvagem sem fim
das chamas e as ondas mansas da maré baixa, lambendo a costa atrás de
mim. Olhei para Joaquin. Sua mandíbula se apertou quando ele lançou outro
galho, depois outro, depois outro para o fogo.
— As almas na lista de observação serão as primeiras a serem
conduzidas, conforme previsto anteriormente. Por favor, traga a sua
primeira alma para a ponte uma vez que esteja escuro. Câmbio.
Lauren abraçou os joelhos até o queixo. — Bem. Então é isso.
— Me desculpe, mas eu mal posso esperar para me livrar de Tess —
disse Bea, mastigando seu sanduíche. — Eu conduziria sua bunda agora, se
eles me deixassem.
— Sim, eu também não me importo de me livrar de Lancet — disse
Joaquin.
— E se eu ouvir Piper pedir wi-fi mais uma vez...
Todo mundo riu, mas foi uma risada curta. Eu olhei para as chamas,
pensando nas provocações ridículas de Ray Wagner, a língua enegrecida, os
dentes podres. Tivemos sorte que ele não tenha tentado nada ainda. Chutá-
lo para fora da ilha seria um alívio.
Mas uma vez que ele tenha sido conduzido, ele estará na Terra das
Sombras. Com Darcy, meu pai e Aaron. Como era a experiência deles lá?
Será que eles teriam que lidar com ele, ou sequer saberiam onde eles
estavam, e quem mais estava lá com eles? Eles estavam em terror constante
ou apenas em uma grande solidão?
Eu tremi violentamente, e os meus dedos se fecharam em punhos ao
meu lado. Eu tinha que salvá-los. Como eu iria salvá-los?
— Vamos esperar que nenhum deles vá para a Luz — disse Krista com
um estremecimento. — Isso não seria bom.
Olhei para Joaquin. Seu pomo de Adão se movimentou enquanto ele
arrancava os pequenos galhos de um ramo. As palavras de Krista ficaram
no ar entre nós.
— Isso é uma festa ou um funeral?
— Tristan?
Eu me levantei, jogando areia no fogo e por cima das pernas de Bea.
Tristan caminhou em nossa direção lentamente, os ombros um pouco
encurvados, com o queixo em uma altura menor do que o normal com um
curativo quadrado branco colado na parte de trás de sua cabeça. Seu cabelo
loiro estava oleoso e dois tons mais escuros após ficar sujo por dias. Mas ele
estava vivo. Ele estava acordado. E ele estava aqui. Depois de um segundo
de choque catatônico, Krista correu para frente e se jogou em seus braços.
— Você está bem! — ela gritou.
Tristan abraçou de volta, primeiro com um braço, depois o outro. Eu o
ouvi rir, o que trouxe lágrimas aos meus olhos.
— Aparentemente eu vou viver — ele disse. Krista ainda tinha os
braços ao redor dele, mas seus olhos encontraram os meus por cima do
ombro dela. Um choque intenso de alegria atravessou o meu peito e me
levantei em meus dedos. — Tudo vai ficar bem.
Eram as palavras que todos estávamos esperando e precisando ouvir
da pessoa que as disse, e o clima na praia explodiu. Fisher pegou um
aparelho de som velho das profundezas de sua tenda e colocou algumas
músicas com umas batidas dançantes. Krista pegou uma caixa de donuts de
seu saco de lona, e Kevin passou os próximos dez minutos tentando nos
convencer de que os Cremes Boston combinavam perfeitamente com uma
cerveja Budweiser morna.
Mas eu não tinha ideia do que fazer comigo mesma. Todo mundo tinha
cercado Tristan, rindo, abraçando e aplaudindo, enquanto eu ficava sem
jeito na areia, esperando. A única coisa que eu tinha certeza absoluta era que
eu não iria abordar Tristan. Ele viria para mim. Ou não. De qualquer forma,
eu não estava prestes a dar o primeiro passo.
Em pouco tempo, a multidão ao redor de Tristan começou a se dissipar,
e Joaquin estava apresentando Liam para Tristan. Em seguida, os dois
estavam sozinhos.
Tristan e Joaquin. Melhores amigos. Irmãos. A conversa mudou de
intensa a risadas e a intensa de novo. A visão dos dois juntos me fez suar
debaixo do meu moletom com capuz azul escuro. Será que Joaquin ia contar
para ele sobre o beijo? E isso realmente importava quando tudo estava tão
errado?
— Você vai ficar bem, Matadora? — Bea me perguntou baixinho,
entregando-me um donut de chocolate.
— Eu estou bem — eu disse. — Por que eu não estaria bem?
Ela inclinou a cabeça com ar de dúvida, como se ela não tivesse certeza
de que eu sabia o significado da palavra. — Se você diz. — Então ela se
aproximou de Krista e Lauren, que estavam dançando juntas perto da água,
tentando arrastar Liam para o centro do seu círculo giratório.
— Oi.
Quando ele falou, tão perto atrás de mim, foi como se eu não tivesse
ouvido o som de sua voz há um ano. Virei-me lentamente, e eu estava
olhando para os olhos azuis profundos de Tristan.
— Eu soube de Darcy — ele disse, com o rosto cheio de rugas de
preocupação. — Eu sinto muito, Rory. Você está bem?
Eu foquei meus olhos na areia, sobre os dedos de seus tênis. Tinha um
pouco de algas presas na parte superior, se contorcendo na brisa.
— Não — eu disse, minha voz embargada. — Eu realmente não estou.
Ele estendeu a mão para mim, e eu dei um passo instintivo para trás.
Não me atrevi a olhar ao redor. Eu não queria saber quem podia estar
olhando.
— Eu sinto muito, Tristan.
— Pelo quê? — ele perguntou.
— Por Nadia e Cori — eu disse. — E eu sinto muito por não ter
acreditado em você. Eu sinto muito mesmo.
— Ei. — Eu senti ele se mover para me tocar de novo, e vacilei. As
mãos de Tristan caíram para os lados.
— Mas eu não posso... Eu não posso sentar aqui e fingir que tudo vai
ficar bem — eu disse, tentando encontrar as palavras para expressar o que
estava sentindo. — Como se apenas começarmos a conduzir as pessoas, tudo
vai voltar ao normal. Porque não vai. Não pode. Não para mim e não para
as pessoas presas na Terra das Sombras. Não podemos esquecê-los, Tristan.
Não podemos fingir que isso nunca aconteceu.
— Não vamos — ele disse. — Eu prometo. Nós não vamos esquecê-
los. Vamos pegar o seu pai e Darcy de volta.
Olhei em volta para Fisher e Kevin rindo perto do aparelho de som.
Para Bea, Krista, Lauren e Liam dançando perto das ondas. Uma gaivota
grasnou e mergulhou em direção à água. Foi a primeira ave viva que eu vi
em dias. Minha mandíbula se apertou.
— Parece que já esquecemos — eu disse.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e eu rapidamente, com raiva, a
limpei.
— Rory...
— Sinto muito — eu disse. — Estou feliz que você está melhor, eu só...
Agora eu preciso ficar sozinha. Eu preciso de algum tempo para pensar.
E então fiz algo que eu nunca teria pensado ser possível tão
recentemente como uma hora atrás. Eu virei de costas para Tristan e me
afastei.
28 É IMPORTANTE
Traduzido por Sophia Martins
u estava olhando para as ondas quando eu vi um flash de cor com o
canto do meu olho. Joaquin estava caminhando rapidamente em
direção à parede de pedra, tirando o paletó enquanto ia. Eu não
podia deixá-lo sair sem dizer algo para ele. O que seria, eu não tinha ideia,
mas eu não podia deixá-lo ir.
Ele já estava ao pé da colina, as pedras escorregadias pela chuva,
quando eu o alcancei. — Joaquin! Espere!
Ele fez uma pausa com uma mão sobre uma saliência de pedra cinzenta
e soltou um suspiro. Eu praticamente podia vê-lo preparando-se para falar
comigo — a tensão em seu rosto e suas costas.
— Nós temos que conversar — eu disse, plantando meus pés na areia
em frente a ele.
— Eu não vejo por que — ele disse, levantando um ombro. — Eu vi o
jeito que você olhou para Tristan, quando ele apareceu. Eu entendo. Estou
feliz por você.
Essas palavras nunca haviam sido ditas em um tom menos
entusiasmado. Parecia que ele estava pedindo algo por telefone.
— Joaquin...
Ele riu com sarcasmo.
— Rory, olha. Eu não quero que você tenha a ideia errada — disse
Joaquin. — Não é como se eu fosse ficar aqui e dizer que não importa para
mim. Porque importa. É claro que importa. Se fosse qualquer outra pessoa...
Ele olhou para o outro lado da praia, para Tristan, que estava
balançando a cabeça, pensativo sobre o que Kevin falava.
— Mas é Tristan — eu disse, minha voz cheia.
Quando ele olhou para mim de novo, seus olhos castanhos estavam
cheios de tristeza e saudade. — É Tristan.
E
Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu podia senti-lo se esforçando
para não se aproximar. Nunca senti meu coração tão confuso, doente e em
guerra consigo mesmo. Eu tinha passado dias odiando Tristan, e agora,
mesmo sabendo que Tristan não merecia esse ódio, mesmo sabendo que eu
o amava, eu não podia me imaginar deixando Joaquin partir. Eu não queria
perdê-lo.
Finalmente Joaquin voltou-se para a parede de pedra, e o encanto foi
quebrado. Uma lágrima escorreu dos meus olhos, e eu tomei uma distância.
Joaquin estendeu a mão para segurar a minha.
— Escute, Tristan disse que Pete era o único na casa cinza naquela
noite. Ninguém mais estava com ele. Se isso for verdade, então espero que
a prefeita esteja certa. Com Pete na prisão, nós estaremos bem.
— Tudo bem... — eu disse lentamente, confusa com sua súbita
mudança para acalmar, esfriar e controlar. Todo profissional. — Mas então
sobre o que ele estava falando, quando ele disse que não era ideia dele?
Quando ele disse que iria obter o que ele queria?
— Eu não sei. Talvez ele só estava tentando se livrar de você —
Joaquin teorizou. — De qualquer forma, eu vou trazer Lancet até a ponte
por volta das nove. Se você e qualquer um dos outros quiserem me
encontrar lá... pode ser bom fazermos isso juntos. Apoio moral e esse tipo
de porcaria
Eu consegui dar um sorriso, mesmo que meu peito estivesse
machucado. Eu não podia acreditar que Joaquin estava apenas caminhando
para longe de nós depois de tudo que havia acontecido. — Ok. Vou dizer a
eles.
Ele balançou a cabeça e começou a subir. Ele estava de costas para mim
e tinha apenas um pé firmemente plantado no chão quando eu falei de novo.
— Joaquin?
Ele virou o rosto ligeiramente, para que eu pudesse ver sua orelha e o
canto do seu olho. — Sim?
— Eu só quero que você saiba que... é importante para mim também
— eu disse. — Você, eu quero dizer. Você é importante.
Ele ficou lá por um segundo, apenas absorvendo aquilo, e então ele
subiu para longe. Eu dei um passo para trás e prendi a respiração por um
bom tempo, desejando que não doesse tanto vê-lo partir.
29 A LISTA DE BANDIDOS
Traduzido por AMR
que estamos fazendo aqui, loirinha?
— Apenas continue andando — eu respondi.
Olhei de Ray Wagner para Bea, que estava ocupada
arrastando o assassino Tess Crowe para fora de seu Jeep sob a luz dos faróis
de meia dúzia de carros. Todos os nossos amigos, exceto Kevin, que estava
vigiando o cata-vento na cidade, e Tristan, que estava descansando, estavam
presentes. Nós decidimos que Bea deveria ir primeiro, já que ela alegou que
ela ia ficar louca se tivesse que gastar mais um minuto na presença de Tess.
Paramos e observamos que a mulher rangia os dentes e girava a cabeça
enquanto Bea puxava-a pela corda com que amarrou seus pulsos. Jack
Lancet se escorava na grade da caminhonete de Joaquin, seus olhos
arregalados, enquanto Piper Malloy andava de um lado para outro na frente
de Lauren e Fisher, seus saltos de verniz reluzindo.
Ao pé da ponte, Bea bateu uma moeda na mão de Tess.
— Boa viagem! — ela disse em voz alta.
Então ela empurrou Tess na parede de névoa que cercava a ponte. Eu
senti um arrepio quando ela foi engolida, lembrando vividamente os
horrores que estavam guardados dentro daquela parede de nevoeiro. Eu
meio que esperava que ela viesse correndo de volta para fora de lá, mas como
era normal no caso de encarregados que estão sendo conduzidos, ela foi na
direção correta. Depois de alguns segundos, ouvimos o sinal, mais alto do
que um megafone, indicando que quem estava na ponte havia sido conduzido
ao seu destino final. O silêncio que se seguiu parecia antinatural, como se
uma mão invisível tivesse atingido um botão gigante, parando-nos onde
estávamos.
— Aqui vamos nós — disse Joaquin, erguendo o walkie-talkie. —
Kevin, o primeiro já foi. Qual é a situação? Câmbio.
— Nada ainda. Câmbio.
—O
Os segundos se arrastavam enquanto o vento soprava e o nevoeiro ao
alto ondulava e rodava. A teoria atual é que o frio estava agora mantendo o
nevoeiro no alto, mas, mesmo se fosse possível, eu não gostava disso. Eu
nunca tinha pensado que eu desejaria que o nevoeiro misterioso me
envolvesse em seu abraço gelado, mas tê-lo pendurado acima de nós era
quase pior. Ameaçador. Como se nos últimos dias estivesse aguardando lá
em cima, planejando seu ataque final.
— O cata-vento está apontando para o sul. Câmbio — Kevin anunciou.
Deixei escapar um suspiro de alívio. Pelo menos as moedas estavam
certas.
— Rory, quer ser a próxima? — Joaquin perguntou.
— Com prazer.
Eu só queria acabar logo com isso para que eu pudesse voltar para a
cadeia e verificar o status de Pete. Cada segundo que Darcy e meu pai ainda
estavam na Terra das Sombras era um segundo longo demais. Agarrei Ray
Wagner firmemente pelo braço.
— Ah, então agora você está sendo doce comigo? É disso que se trata?
Você tem uma quedinha por mim?
Eu senti o gosto de bile no fundo da minha garganta enquanto
encaminhava-o para a ponte. Então eu peguei sua mão, virei a palma para
cima, e pressionei sua moeda nela.
— Este é o lugar onde nós dizemos adeus — eu disse a ele.
— Adeus? O que você quer dizer com adeus?
Virei-o pelos ombros, dei-lhe um pequeno empurrão, e enviei-o em seu
caminho. O vazio o engoliu todo, e esperamos pelo veredito.
— Apontando para o sul novamente. Câmbio — Kevin anunciou.
Outro suspiro de alívio. Joaquin rapidamente tratou de Jack, e depois
Piper foi o último a ir embora. Suas palavras finais a Fisher, com um grande
sorriso, foram, — Me liga!
Quando acabamos, e os únicos sons no mundo eram o vento assobiando
e o ruído em marcha lenta de nossos motores de carros, ficamos parados,
esperando. Eu pairava em algum lugar entre aliviada e desesperadamente
com medo, porque a parte mais difícil ainda estava por vir. E pelos olhares
tensos nos rostos dos meus amigos, todos concordaram com isso.
— Então, quando é que vamos conduzir uma alma boa? — eu disse
finalmente, expressando o que todos estavam pensando.
— Estejam avisados — a voz do Chefe Grantz zumbiu através dos
walkie-talkies. — A prefeita está enviando um dos encarregados de Krista
com o Policial Dorn. O tempo de chegada estimado é dois minutos.
Krista empalideceu. — Ela o quê?
— Que encarregado? — eu perguntei.
— Eu não sei — disse Krista, com a voz trêmula. — Eu não tenho
ninguém na lista de bandidos. O que é que ela...
Faróis brilharam no alto da colina e nos viramos para assistir,
instintivamente nos colocando em uma linha reta enquanto o carro patrulha
surgia pela estrada esburacada. Os freios guincharam quando Dorn virou o
carro para ficar paralelo aos nossos, e então ele desligou o motor. Ele saiu,
caminhou ao redor da frente do carro, e abriu a porta de trás. Myra Schwartz
saiu do carro, o corte na cabeça curando bem. Ela agarrou sua bolsa contra
o peito e olhou em volta, não exatamente com medo, mas intrigada.
— Onde estamos?
Krista se adiantou. — Sra. Schwartz! O que você está fazendo aqui?
— Eu não faço ideia, querida. Eu estava esperando que você pudesse
me dizer — disse Myra, levantando a alça da bolsa no ombro. Então ela me
viu. — Oh, olá, Rory!
— Oi, Myra — eu respondi, com um leve sorriso tenso.
— Se você puder esperar um segundo, eu espero ter uma resposta para
você — disse Krista. — Rory? Será que você viria comigo para falar com o
Policial Dorn, por favor? — Sua voz aguda subiu até três oitavas com o
pedido.
— Claro.
Nós contornamos Myra e puxamos Dorn em direção ao seu carro. —
O que está acontecendo? — Krista sibilou. — Ela não está na lista de
bandidos.
— A prefeita quer tentar conduzir um dos bons — disse Dorn com
uma fungada, mastigando um pedaço de goma como uma vaca.
— O quê? Já? — eu exigi. — Ela realmente acha...
— O que ela acha é que precisamos fazer as coisas voltarem ao normal.
Tirar essa névoa daqui. Limpar as praias e descobrir o que diabos fazer sobre
a balsa — disse Dorn laconicamente, olhando Krista nos olhos com um
olhar prático. — Se isso funcionar, significa que Pete estava trabalhando
sozinho e podemos voltar aos negócios como de costume.
— Sim, exceto que minha irmã, meu pai e pelo menos dez outras
pessoas ainda vão estar presas na Terra das Sombras — eu sibilei.
— Bem, se as coisas voltarem ao normal, podemos concentrar nossa
energia em outras coisas — ele disse incisivamente. — Como tirá-los de lá.
Krista se abraçou, processando isso. Ela olhou por cima do ombro para
a nova encarregada, um vento forte soprando seu cabelo do rosto.
— Então, o quê? A senhora Schwartz é a nossa cobaia? — Krista
exigiu. Ao lado da caminhonete de Joaquin, Myra tinha tirado sua carteira
e estava mostrando a Bea e Lauren fotos de seus netos.
— Ela ganhou na loteria, sim — disse Dorn, puxando suas calças até
sua cintura.
— Mas e se não funcionar? E se ela acabar na Terra das Sombras? —
eu perguntei, meu coração batendo forte.
— Nós vamos atravessar essa ponte quando chegarmos nela. Sem
trocadilhos. — Dorn sorriu. Krista e eu trocamos um olhar horrorizado. —
Pense nisso desta maneira: Nós vamos ter que fazer isso mais cedo ou mais
tarde — Dorn nos disse. — E pelo menos se ela for para a Terra das
Sombras, saberemos que ainda tem alguém trabalhando contra nós por aí.
Eu gemi e balancei a cabeça. — Eu acho que você decide, Krista. Ela é
sua encarregada.
Krista respirou fundo. — Se a prefeita acha que é uma boa ideia, eu não
vou contradizê-la. — Ela sacudiu os cabelos para trás dos ombros. — Eu só
espero que isso dê certo.
— Boa sorte.
Krista sorriu fracamente e se aproximou de Myra. Eu a vi segurar a
mão da mulher e deslizar uma moeda nela. Quando me aproximei, ouvi
Myra agradecer Krista. Eu estava ao lado de Joaquin, buscando o
sentimento de confiança que sua presença geralmente me trazia, mas ele deu
um leve passo para longe, colocando uma distância respeitosa entre nós.
Meu coração doeu e eu olhei para os meus dedos.
— Nós apenas estamos indo dar um passeio, certo? — disse Krista
educadamente. — Por aqui.
Myra sorriu enquanto Krista a levava lentamente em direção à ponte,
mas parou a poucos centímetros da parede de névoa.
— Para onde vou? — ela perguntou a Krista.
Meu coração quase quebrou. Algumas semanas atrás, a resposta a essa
pergunta teria sido clara, mas agora... Os joelhos de Krista realmente
vacilaram, e por um segundo eu pensei que ela iria cair, mas ela se segurou
de alguma forma.
— Um lugar lindo — Krista disse a ela com um sorriso. — Eu prometo.
O sorriso de Myra aumentou. Então ela se virou em direção à névoa e
desapareceu. Eu instintivamente fui em direção à mão de Joaquin, mas
peguei o ar. Ele olhava para a frente, sem perceber, ou tentando parecer que
ele não tinha percebido. Eu prendi meus pulsos juntos nas minhas costas,
tentando ignorar a terrível tristeza jorrando dentro da minha garganta. Em
questão de segundos, ouvimos o som de sucção. A névoa ondulou e rodou, e
então tudo ficou quieto.
Joaquin ergueu o walkie. — Kevin? O que aconteceu? Câmbio.
Ele me olhou nos olhos.
— Nada ainda — disse Kevin. — Câmbio.
— Eu não aguento isso — Krista sussurrou, suas mãos sobre sua boca.
— Eu não aguento.
Meu coração parecia bater mais forte a cada segundo.
— Kevin? — disse Joaquin.
Fechei os olhos e abaixei a cabeça. Meus joelhos tremiam embaixo de
mim. Finalmente, os nossos walkies fizeram um som estridente.
— Está apontando para o norte — disse Kevin alegremente. — O cata-
vento está apontando para o norte!
30 SEMPRE HÁ ESPERANÇA
Traduzido por Vivian N.
sso é estranho. Sinto muito, mas é muito estranho — Liam
disse, andando para lá e para cá na minha frente, perto do fim
da ponte na manhã de sábado. Esfreguei meus olhos e tentei o
meu melhor para me concentrar. Eu não tinha sido capaz de dormir na
minha casa estranhamente quieta, então eu passei metade da noite
congelando a bunda na cabeceira de Pete, esperando ele acordar. Eu reprimi
um bocejo. Foi a primeira condução de Liam, e ele precisava de alguém para
guiá-lo.
Ele olhou por cima do ombro para Nick, que estava tagarelando com
Fisher sobre a sua mais recente obsessão de videogame enquanto Fisher
tentava acompanhá-lo. Ao longo da ponte, Kevin esperou enquanto o seu
mais recente encarregado caminhava através da névoa.
O amanhecer tinha vindo hoje ainda sem nenhum sinal do sol, mas o
ar estava visivelmente mais quente. Em vez de usar jeans e moletons, todo
mundo estava usando shorts e camisetas de mangas compridas enquanto
nos reunimos novamente na ponte, empenhados em conseguir o maior
número de pessoas a chegar aos seus destinos finais quanto conseguirmos.
De manhã cedo, Krista tinha conduzido as crianças, e cada uma delas tinha
ido para a Luz. Desde então, a área na base da ponte havia assumido uma
sensação quase festiva, com uma dúzia de carros estacionados em um círculo
irregular, e grupos de pessoas conversando em torno dos refrigeradores e
sacos de lanches. O rádio de alguém tocava cinquenta músicas através de
uma janela de carro, e uma biruta tinha sido amarrada a uma antena do Jeep
de Bea, suas listras coloridas sendo chicotadas pela brisa.
— Eu sei. A primeira vez é difícil — eu disse, tocando o braço de Liam.
Ele estava vestindo uma camiseta vermelha brilhante com uma cruz branca
na frente e a palavra Salva-Vidas estampada acima dela. — Mas você está
enviando-o para um bom lugar. Ele levou uma vida boa. Ele deve estar lá.
—I
Liam assentiu, mas eu não tinha certeza que ele estava me ouvindo.
Seus olhos estavam desfocados enquanto ele olhava para o chão úmido sob
os nossos pés. Eu só podia imaginar o que ele estava pensando. Ele tinha
estado aqui apenas alguns dias, e tantas coisas tinham sido jogadas nele, a
maior parte negativa, aterrorizante, incerta. Lá no fundo, ele provavelmente
ainda estava se perguntando se nós éramos loucos. Se isso era algum tipo
de piada maciça. Meu coração se apertou por ele. Há pouco tempo eu me
sentia da mesma maneira.
— Mas e Lalani? Ela não vai perceber que ele se foi? Ela não vai se
preocupar com ele? — ele perguntou.
Eu balancei minha cabeça. — Ela não vai se lembrar dele. É parte da
magia de Juniper Landing. Até que ela vá para a Luz também, ela não vai
nem se lembrar de ter tido um irmão.
Liam bufou uma risada. — Isso é loucura. É simplesmente insano.
— Liam, ouça — eu disse, pegando sua mão. Ele olhou para os meus
dedos, como se ele nunca tinha visto dedos antes. — O que fazemos aqui, é
importante. É um chamado. Uma missão. Quando enviamos essas almas
para os seus destinos finais, estamos ajudando a manter o equilíbrio do
universo.
Eu podia ouvir a voz de Tristan na minha cabeça, me dizendo a mesma
coisa apenas um par de semanas atrás, tentando me convencer.
— Eu sei que as coisas estão fora de sintonia desde que você chegou
aqui — eu disse, então me inclinei mais perto. — Elas realmente estão fora
de sintonia desde que eu cheguei aqui, então eu entendo que você não pode
exatamente confiar neste lugar. Mas eu já vi o sistema quando ele está dando
certo, e eu sei que tem dado certo por um longo tempo. Cabe a nós colocá-
lo de volta no caminho certo.
Liam respirou fundo no mesmo momento em que um ruído alto dividia
o ar, e a névoa em torno da ponte rodou. Ele riu com a coincidência. Nossos
walkies apitaram. Dessa vez era a voz de Joaquin do outro lado.
— Está apontando para o norte. Câmbio.
Sorri um pouco. Toda vez que eu ouvia essas palavras, era como se um
pequeno pedaço do meu coração despedaçado estivesse procurando o seu
caminho de volta no lugar. Frustrantemente, Pete ainda estava
inconsciente, mas parecia mais e mais que ele estava trabalhando sozinho.
Com ele preso com segurança na cadeia, o problema estaria resolvido. Pelo
menos este problema em particular, de qualquer maneira. Mas
esperançosamente Dorn estava certo. Agora que sabíamos que o processo
estava de volta ao normal, todo mundo podia se concentrar em tirar o meu
pai, Darcy e os outros da Terra das Sombras.
— Novato! Sua vez! — Fisher gritou, batendo as mãos enormes juntas.
— Você pode fazer isso — eu disse para Liam. — Você é uma boa
pessoa. Eu sei que você consegue.
Liam assentiu. — Obrigado, Rory. Eu vou... Eu vou tentar.
Ele empurrou as mãos no bolso de sua bermuda xadrez enquanto
caminhava para se juntar a Nick. Seu encarregado se virou para ele com um
sorriso confiante, os dentes brancos e perfeitos praticamente radiantes
contra o céu cinza em torno de nós e do nevoeiro como um teto. Ele inclinou
a cabeça para Liam enquanto o seguia até a ponte. O que quer que Liam
estava dizendo a ele, ele não estava lhe causando qualquer tipo de alarme. E
depois de Liam entregar-lhe a moeda, Nick estendeu a mão para apertar sua
mão.
Eu senti um nó na parte traseira da minha garganta quando Nick
cruzou o limiar da ponte e Liam acenou um adeus, pensando na noite em
que eu disse adeus a Aaron, o quão feliz eu tinha estado, como Tristan e eu
tínhamos compartilhado o nosso primeiro beijo de verdade.
E então tudo tinha virado uma porcaria.
Cascalho triturou na estrada, e eu me virei para ver o SUV de Tristan
saltar no caminho até a colina. Meu coração começou a bater forte com a
visão dele, e eu comecei automaticamente a alisar meu cabelo atrás das
orelhas. O barulho encheu o ar novamente e a voz de Joaquin soou.
— Está apontando para o norte! Uhul! — Houve uma pausa e depois
um estalo. — Desculpe. Câmbio.
Todos riram. Liam veio até mim assim que Tristan parou o carro e
bateu a porta atrás de si. Ele tinha tomado banho, finalmente, e seu cabelo
loiro pairava como uma cortina brilhante e saudável sobre seus olhos azuis.
Ele sorriu timidamente para mim quando ele parou para conversar com
Fisher. Eu desviei meus olhos dos dele tempo suficiente para abraçar Liam.
— Bom trabalho. Viu? Eu sabia que você ia ficar bem.
— Obrigado — disse Liam, corando. — Contanto que ele tenha ido
para o caminho certo, eu estou bem.
— Ei, pessoal.
Tristan correu até nós, esfregando as mãos. As mangas de sua camisa
azul clara estavam soltas em seus braços, e eu percebi que ele tinha perdido
um pouco de peso durante o seu exílio. Seus jeans estavam mais caídos do
que o habitual, e havia um recuo acentuado em suas bochechas.
— Oi — eu respondi, estranhamente tímida.
— Pessoal, nós temos um problema — Lauren anunciou, caminhando
rápido para se juntar a nós.
— Por que eu não estou surpresa? — eu disse baixinho.
— Sinto muito. — Lauren mordeu o lábio. — A coisa é, estamos
ficando sem moedas imaculadas. Se não pudermos usar nenhuma das que
recebemos enquanto Pete ainda estava à solta, nós estamos ferrados.
— Quanto nos resta? — perguntou Tristan.
— Eu tenho duas. Fisher tem uma. Kevin tem uma, e, tanto quanto eu
sei, é isso — disse Lauren. — Krista usou a maioria delas para enviar as
crianças esta manhã.
Eu suspirei. — Bem, então nós vamos ter que ir devagar. E vai ter que
ficar lotado por aqui mais um tempo.
— Que merda — disse Lauren, prendendo seu cabelo preto brilhante
por trás das orelhas enquanto ela olhava para a ponte. — Bem quando as
coisas estavam voltando ao normal.
Eu cerrei os dentes. Eu estava ficando cansada das pessoas dizendo isso
enquanto minha irmã, meu pai, Aaron e os outros ainda estavam presos na
Terra das Sombras, mas eu não disse nada. Eu sabia que ela só queria se
sentir segura novamente.
— Nós vamos dar um jeito. Nós sempre damos — Tristan assegurou.
Ele olhou para Liam. — Era o seu primeiro?
— É. Estranho — disse Liam. — Mas Rory foi uma boa treinadora.
O rosto de Tristan iluminou e todo o meu corpo respondeu. Não havia
nada como um sorriso orgulhoso de Tristan. — É? Por que eu não estou
surpreso?
Eu sorri em resposta.
— Eu te disse — disse Tristan. — Tudo vai ficar bem.
— O que diabos vocês estão fazendo aqui?
Um arrepio correu pela minha espinha e meus olhos se encontraram
com os de Tristan. Virei-me lentamente para encontrar Sebastian Tse
caminhando até nós, sua irmã vindo em seus calcanhares.
— Eu pensei que a prefeita tinha dado um jeito nesses caras — disse
Lauren através de seus dentes.
— Aparentemente não bem o suficiente — Tristan respondeu, dando
um passo à frente de nós.
— Para onde aquele garoto foi? — Sebastian perguntou, apontando
em direção à ponte enquanto confrontava Liam. — Por que você o mandou
sozinho para a ponte?
Liam estava da cor de lagosta cozida. — Eu... hum... nós...
— Não — disse Tristan secamente. Meu coração estava na minha
garganta.
— Não adianta tentar mentir para nós — disse Selma, ao lado de seu
irmão, seus olhos azuis claros encarando nossos rostos. — Nós conversamos
com as pessoas em nossa pensão. Eles continuam nos dizendo sobre as coisas
que aconteceram — coisas que devíamos nos lembrar — como uma balsa
afundando? Eles dizem que estávamos lá, mas nenhum de nós se lembra.
— Como isso é possível? — disse Sebastian, fervendo, suas narinas
alargando enquanto ele avançava em Tristan, claramente indicando-o como
o líder. — O que vocês fizeram conosco?
— Por que você não vem conosco em uma carona de volta à cidade? —
Tristan sugeriu enquanto Fisher e Kevin foram ficar atrás dele.
— Por que você não começar a explicar? — Sebastian rebateu.
Tristan estendeu a mão e agarrou o ombro de Sebastian, olhando-o nos
olhos.
— Está tudo bem — ele disse em um tom suave que eu conhecia tão
bem. — Não há nada sinistro acontecendo aqui. Eu prometo.
Eu assisti os ombros de Sebastian começarem a relaxar enquanto ele
olhava profundamente nos olhos de Tristan. Lentamente, Tristan trabalhou
sua magia sobre Sebastian até que cada grama de sua tensão e dúvida tinham
sido sanadas. Lembrei-me vividamente o que eu tinha sentido a primeira vez
que Tristan tinha usado seu poder calmante sobre mim, como o mundo
inteiro tornou-se pacífico, e eu quase senti inveja de Sebastian.
Supostamente cada Lifer tinha esse poder, mas Tristan era a única
pessoa que eu já vi usá-lo.
— Vocês tiveram alguns dias ruins — disse Tristan. — Por que vocês
não deixam Fisher levá-los de volta? É uma longa caminhada, especialmente
com a lama e as árvores derrubadas.
— De jeito nenhum — disse Selma, cruzando os braços sobre o peito
magro. — Nós não vamos sair daqui até...
— É apenas um passeio, Selma — disse Sebastian, levantando um
ombro. — Qual é o problema?
O queixo dela caiu, mas quando Sebastian sorriu para ela, sua
indignação desvaneceu-se rapidamente.
— Tudo bem — ela disse, finalmente. — Se você está dizendo.
Tristan deu um tapinha em Sebastian na parte de trás, enquanto ele e
Fisher se dirigiam para a van, Selma se arrastando atrás.
— Rádio Joaquin — Tristan disse a Kevin, deslizando as mãos nos
bolsos. — Diga a ele que estamos enviando os Tses para baixo para ver a
prefeita de novo.
— Já estou avisando — disse Kevin, afastando-se.
Eu respirei fundo e suspirei. Crise evitada. Por enquanto, pelo menos.
— Hum, gente? Ele não deveria ter se esquecido de Nick? — Lauren
apontou. — Assim que ele passou pela ponte, ele deveria ter sido esquecido
pelos visitantes.
Um lampejo de incerteza atravessou o rosto de Tristan. — Talvez
tenha sido porque ele o viu passar pela ponte? Isso não aconteceu antes.
— Ou talvez seja apenas mais uma brecha no sistema, graças ao
desequilíbrio do universo — disse Lauren.
— Nós vamos descobrir isso — disse Tristan, esfregando as costas
dela. — Esperamos que seja apenas um bug.
— Uh, isso acontece muito? — Liam perguntou com a voz trêmula. —
Pessoas surtando assim?
— Não muito, mas quando isso acontece, nós cuidamos delas. —
Tristan deu um sorriso irônico, então virou-se para mim. — Escute, Rory,
podemos... ir dar uma volta ou algo assim? Quero dizer, se você não se
importar de eu roubá-la — ele disse a Liam.
— Não, tudo bem. — Liam empurrou as mãos nos bolsos de trás de
sua bermuda. — Eu acho que eu vou a pé para a cidade e esquecer isso.
Talvez encontrar Lalani.
— Você devia ir com Fisher — disse Tristan. — Eu ainda não gosto
da ideia de ninguém indo a algum lugar sozinho.
— Me avise se houver algo sobre o qual você queira conversar — eu
disse a Liam. — Você sabe onde eu moro, e sempre há os walkies.
— Obrigado, Rory — disse Liam. Ele ergueu a mão para os outros e
correu para encontrar com Fisher. Segundos depois, a van de Fisher rugiu
fora da nossa área de estacionamento improvisada.
— Então. Você está pronta? — perguntou Tristan, estendendo sua
mão para mim.
Olhei incerto para Lauren.
— Não se preocupe comigo. Eu tenho mais algumas pessoas para
conduzir — ela disse, dispensando-os.
Era bom apenas ouvir alguém dizer isso. Sem estar carregado com
terror. O nevoeiro ainda estava entupindo o céu, mas a cada hora o ar ficava
mais quente, e eu praticamente podia sentir o sol tentar aparecer de novo.
As coisas estavam realmente voltando ao normal. E talvez, com a ajuda
de Tristan, eu encontraria uma maneira de trazer a minha família de volta.
Peguei a mão de Tristan e o deixei me levar embora.
31 AMIGO OU INIMIGO?
Traduzido por Yasmin Mota
ntão, os gêmeos assustadores estão indo ver a prefeita novamente.
Eu gostaria de ser uma mosca na parede para ouvir esta conversa
em particular. Eu não consigo decidir se os dois são meus amigos
ou inimigos. Eles fazem muitas perguntas — isso é certo — e perguntas são
geralmente uma coisa ruim para uma pessoa na minha posição. Mas, no
entanto, se eles fizerem muitas perguntas para a pessoa errada, talvez essa
pessoa ceda e lhes diga a verdade. Isso os condenaria para a Terra das
Sombras, e se eu pudesse trazê-los para o meu lado, eu estaria muito mais
perto do meu objetivo.
Fico imaginando se algum dos meus supostos amigos será estúpido o
suficiente para falar. Existem alguns que podem ser desse tipo. Talvez eu
devesse embebedá-los para ver se soltam a língua um pouco. Então eu
poderia terminar essa missão até o final do dia. Contanto que não seja Rory.
Ela tem outro propósito nessa missão. Um propósito muito maior.
E
32 O UNIVERSO SABE
Traduzido por Yasmin Mota
ristan colocou a marcha no “estacionar” e desligou o motor. As
janelas estavam abaixadas, e agora que tínhamos parado de nos
mover, o ar quente e abafado encheu o espaço entre nós. Ele parou
com a frente de seu SUV perto do penhasco onde eu tinha visto Joaquin,
Fisher e meia dúzia de outros Lifers saltando sobre a borda, para me provar
que não podiam morrer. Foi na mesma noite em que eu tinha enfrentado
Nadia pela primeira vez. Naquela época, eu pensava que ela me odiava
porque Tristan gostava de mim. Eu pensava que ela estava com raiva,
ciúmes e maldade.
Agora eu percebi que ela estava apavorada, pulsando com medo do
mundo que ela conhecia e amava desmoronando ao seu redor. Ela tinha
razão para ter medo, e agora ela se foi.
— Eu não consigo me acostumar com isso — disse Tristan, inclinando-
se para olhar para o céu através do para-brisa. — Esse manto de nevoeiro?
Pela primeira vez desde que cheguei aqui, realmente parece outro mundo.
— Isso nunca aconteceu antes? — eu perguntei, brincando com o zíper
do meu moletom azul.
— Não. Isso é novo.
Suas mãos deslizaram para baixo dos lados do volante e foi parar
desajeitadamente em seu colo. Ele me pegou observando-as e riu baixinho.
— Você não tem ideia do quanto eu quero tocar você — ele disse.
Meu coração deu cambalhotas. — Por que não toca?
Ele se virou para mim, seu olhar azul-claro em busca de algo dentro
dos meus olhos. — Porque eu não sei se você quer.
Engoli em seco. — Tristan...
— Espere um segundo — ele disse. — Apenas me deixe falar.
Eu balancei a cabeça, abrindo meu moletom e tirando-o, deixando meus
braços livres. O mundo de repente pareceu sufocante.
T
— Quando eu estava fugindo... escondido por aí... sabendo que todos
que eu gostava estavam me caçando... Eu nunca pensei sobre mim mesmo
— disse Tristan. — Eu nunca pensei sobre o que poderia acontecer comigo.
O que eles fariam comigo se me encontrassem. Tudo o que eu pensava era
em você.
Uma bolha brotou de dentro da minha garganta, e eu a engoli de volta,
determinada a não interrompê-lo.
— Tudo o que mais importa para mim é o que você pensa de mim —
disse Tristan. — E que você esteja feliz. Que você esteja bem. Em todas as
noites que passei naquela ponte, fiquei pensando em tentar descobrir como
chegar na maldita porta ou portal, ou o que quer que leve à Terra das
Sombras e abrir. Toda noite. Eu queria trazer o seu pai de volta para você.
Trazer Aaron de volta. Eu nem me importaria se você descobrisse que eu
era a pessoa que os havia salvado. Eu só queria fazer isso. Por você.
Eu respirei. Uma única lágrima escorreu pelo meu rosto. Ele estendeu
a mão e a tocou com a palma da mão.
— Eu sinto muito por ter falhado com você — ele disse.
Deixei escapar um barulho estranho. Foi alguma coisa entre uma
risada — porque como ele poderia estar se desculpando para mim? — e um
soluço — porque havia tanta emoção dentro de mim que eu não poderia
deixar de soltá-lo. Eu estendi a mão e segurei o braço dele como se eu
estivesse agarrando a vida.
— Você achou alguma coisa? — eu perguntei a ele desesperadamente.
— Qualquer coisa que possa nos ajudar?
Sua mão caiu do meu rosto e ele segurou meus dedos levemente entre
nós, olhando para baixo, tocando cada um dos meus dedos com a ponta do
polegar. Ele balançou a cabeça.
— É assustador naquela ponte. Há algumas vozes...
— Você ouviu, também? — eu perguntei.
Ele piscou e parou sua inquietação com os dedos. — Espere. Você foi à
ponte?
Eu balancei a cabeça, concordando. — Em outro dia. Eu estava
tentando te encontrar. Ou encontrar uma entrada. Eu não sei. Mas eu pensei
ter ouvido... — eu parei, com vergonha de continuar.
— O quê? Quem? — ele perguntou, sem fôlego. — Quem você ouviu?
Engoli em seco. — Minha mãe. E Steven Nell. — Eu tremi agora,
lembrando, e me ajeitei no banco, olhando para fora para o oceano grande e
azul. — Eu pensei que estava ficando louca.
— Você não estava. Quero dizer, você não está. Eu ouvi, também.
Pessoas que eu conheci na vida, almas que passaram por aqui há cem anos
que eu quase tinha esquecido. Era como se eles estivessem tentando falar
comigo, ou sobre mim. Quase como se estivessem rindo de mim.
— Exatamente. — Eu apertei os lábios e estremeci. — Se é tão ruim
assim na ponte, Tristan... então como será na Terra das Sombras?
Sua expressão escureceu, e eu sabia que ele estava sentindo a mesma
dor que eu. Esta ilha e o propósito que ele tinha significavam mais para ele
do que qualquer coisa. Deve estar matando ele saber que tudo tinha dado
errado, que pessoas inocentes estavam sofrendo.
— Nós vamos trazê-los de volta, Rory. Eu juro. Nem que seja a última
coisa que eu faça, eu vou trazê-los de volta para você.
— Mas como? — eu perguntei.
— Eu não sei. Não ainda. Mas eu sei que há uma resposta.
Ele se mexeu no banco, olhando para fora no manto de nevoeiro. Havia
algo mais brilhante na cor do céu. Era mais roxo do que cinza, contrastando
fortemente com a névoa rodopiante sobre nossas cabeças. Eu respirei
profundamente.
— Você sempre disse que não há nenhuma maneira de entrar na Terra
das Sombras. Não para nós — eu arrisquei.
— E? — ele disse.
— Mas e se tivesse? — eu perguntei. — Se eu tivesse uma moeda
adulterada...
— O quê? Não. De maneira nenhuma.
— Você não sabe se eu não posso — eu respondi. — Eu não posso
saber se não tentar.
— Sim, talvez. Mas como diabos você vai sair de lá? — Tristan exigiu.
— Eu encontraria um caminho — eu disse, virando-me em meu banco
de frente para ele, minha pulsação vibrando em meus punhos. — Tem que
haver uma maneira.
— De jeito nenhum. Não há nenhuma chance — disse Tristan. — Eu
não vou deixar você arriscar sua alma eterna.
— Mas e se talvez...
— Não. Rory. Não, eu não posso te perder — disse Tristan, agarrando
o meu braço. — Eu acho que não posso existir aqui sem você. Não mais.
Você é tudo para mim — você entende isso? Tudo.
Eu me inclinei para frente, pressionando minha testa na dele. —
Tristan...
— Não me deixe, Rory — ele sussurrou, seu hálito quente e doce no
meu rosto. Seus dedos estenderam e seguraram meu queixo, se enredando
no meu cabelo. — Promete que você nunca vai me deixar.
Eu não conseguia falar. Mas eu olhei em seus olhos, tão perto dos meus,
e eu assenti. Eu assenti a promessa até que seus lábios encontraram os meus.
Eu não sabia exatamente como reagiria ao beijo de Tristan até este
momento, mas agora, de repente, eu sabia que tinha que beijá-lo de volta
com tudo o que eu tinha. Seus lábios estavam secos e tinham gosto de sal,
algo rico e quente. Me senti começar a se inclinar para ele, todo o meu corpo
suspirando de alívio. Eu estava em casa. Eu estava em casa. Eu estava em
casa. Este era o lugar onde eu pertencia. Eu sabia disso. Ele sabia disso. Eu
tinha certeza que o universo inteiro sabia disso. Então, desta vez, não me
afastei. Eu não pensava em mais ninguém além dele. Eu apenas deixei ele
me beijar, me beijar e me beijar, até que ele finalmente parou para respirar.
— Meu Deus, eu te amo — ele disse.
— Eu também te amo.
Ele estava segurando meu pescoço com ambas as mãos, e eu tinha de
alguma forma segurado o tecido de sua camiseta em meus punhos até que a
maioria do seu perfeito abdômen tanquinho estava exposto. Olhando nos
meus olhos, Tristan sorriu satisfeito.
— Olha só.
— O quê? — eu perguntei.
Ele virou meu rosto para olhar para fora do para-brisas e eu vi. Cinco
vigas perfeitas de luz rebentando através do nevoeiro, lançando um incrível
brilho etéreo sobre as ondas do mar abaixo. Era lindo.
— O sol! — eu arfei.
Tristan riu. — O sol.
33 FAREMOS UMA FESTA
Traduzido por Yasmin Mota
ristan ligou o rádio em alguma música antiga sobre o verão na
cidade, e voltamos para a cidade com as janelas abertas. Com uma
mão no volante e a outra entrelaçada na minha, Tristan estava
parecido com ele mesmo de novo — como o belo menino de praia por quem
eu me apaixonei — apenas um pouco menos bronzeado. De repente, os
quebra-molas e buracos na estrada não pareciam muito ameaçadores e sim
um entretenimento saltitante.
Com a mão de Tristan na minha, eu sabia que tudo realmente ia ficar
bem. Ele nunca iria desistir até que meu pai e Darcy fossem libertados. Nós
descobriremos juntos, chegaremos a um plano e os salvaremos. Não havia
mais nenhuma dúvida em minha mente. Quando Tristan diz que vai fazer
alguma coisa, ele realmente faz.
Ele estacionou o SUV perto da praça da cidade e já podíamos ver que
todos os outros em Juniper Landing tiveram a mesma ideia. As pessoas
caminhavam pelas calçadas, parando para conversar com outras sobre a
mudança abrupta no clima, ou simplesmente inclinando o rosto para o sol.
Dois rapazes já tinham pegado um frisbee e estavam ocupados correndo e
pulando pela grama molhada, rindo quando um deles derrapou em seu
ombro como se o mundo fosse o seu próprio escorrega pessoal. Liam e
Lalani estavam na beira do toldo listrado da loja de departamentos,
apoiando-se em lados opostos de uma coluna, sem se tocar, mas sorrindo
secretamente. Havia ciclistas e skatistas, corredores e fofoqueiros. Um cara
que eu nunca vi antes saltou em um pula-pula, dando-nos um tchau estiloso.
A melhor parte era que não havia visitantes parados ao redor nos
olhando com reprovação. Sem olhares desconfiados ou sussurros por trás
das mãos. O sol estava jogando sua magia sobre a psique de todos.
— Ok, isso é como um circo — Tristan disse, ainda segurando minha
mão.
T
— Mas de um jeito legal — eu respondi. — Pelo menos não há
palhaços de verdade.
Um grupo de Lifers saiu da loja de departamentos, incluindo Fisher e
Kevin, e eu sorri enquanto eles olhavam dramaticamente contra o sol.
Fisher nos viu e caminhamos para nos encontrar no centro do parque. Não
foi até que estávamos no meio do caminho que Joaquin abriu a porta e
colocou seus óculos escuros. No espaço de três segundos, eu o vi me ver,
notar minha mão entrelaçada com a de Tristan, e seu rosto ficar frio. Eu
pensei em tirar a mão do aperto de Tristan, mas decidi que não faria isso.
Era o que eu e meu coração tínhamos escolhido, e Joaquin já havia dado sua
bênção, tanto quanto ele podia dar.
Ele olhou para os dois lados antes de atravessar a rua, em seguida,
correu para nos alcançar.
— Como vai, cara? — perguntou Joaquim, batendo no ombro de
Tristan. Tristan se encolheu com a força dele, mas se recuperou bem. Tentei
olhar nos olhos de Joaquin, mas era impossível com ele usando óculos
escuros espelhados. Só o meu próprio reflexo distorcido que olhava para
mim.
— Tudo bem — disse Tristan. — Melhor agora que o sol saiu.
— Sem dúvida — disse Fisher, esfregando as mãos. — Você está de
volta, o sol está de volta... Eu acho que isso merece uma comemoração.
— Festa na praia da baía? — Joaquin sugeriu, levantando as
sobrancelhas. — Jogar um pouco de vôlei de praia, talvez usar algum dos
caiaques? Pegar umas comidas no Swan e convidar os visitantes?
— Não é como se pudéssemos conduzir alguém, de qualquer maneira
— disse Kevin, levantando as mãos. — Estamos sem boas moedas.
— Eu vejo aonde você quer chegar com isso, mas temos certeza de que
estamos prontos para comemorar? — perguntou Tristan. — A família de
Rory ainda está presa na Terra das Sombras. Sem mencionar um monte de
outras pessoas inocentes.
Fisher pareceu desinflar. O sorriso caiu dos lábios de Joaquin. — O
quê, você acha que eu não me importo com a família dela? — Joaquin exigiu,
inclinando-se na frente de Tristan.
Meu coração caiu. Essa era a posição de um lutador, mesmo que eu
nunca tenha visto um. Tristan, sem surpresa, parecia confuso.
— Eu não disse isso.
— Bom, porque eu me importo — Joaquin respondeu. — Então, o que
devemos fazer? Você é o único com as respostas, certo? Todos estavam
morrendo de vontade de ter o grande Tristan de volta para nos dar as
respostas. Então, o que vamos fazer?
Tristan soltou minha mão. Sua mandíbula se apertou e ele cruzou os
braços sobre o peito. — Se eu soubesse, você não acha que eu já teria feito?
— Então por que você está tentando nos desanimar, cara? Nós não
vemos o sol há duas semanas. Eu não acho que sair e deixar todos
queimarem algumas calorias por algumas horas é necessariamente uma má
ideia, considerando que todo mundo tem estado tenso. Mas se você não
concordar, então, obviamente, nós vamos fazer o que você diz. Não é assim
que funciona por aqui?
— Vamos nos acalmar. — Eu me coloquei entre Tristan e Joaquin,
minhas mãos levantadas ao meu lado. — Eu, por exemplo, acho que a festa
é uma ideia fantástica. Vamos relaxar por algumas horas, e quem sabe?
Talvez Pete finalmente acorde, e poderemos ter às nossas respostas.
Joaquin simplesmente olhou para mim, então eu me virei para
enfrentar Tristan.
— Eu amo que você pense nos meus sentimentos, mas está tudo bem
— eu lhe disse em voz baixa. — Eu acho que este lugar poderia ter um
pouco de alegria.
Tristan engoliu em seco. Eu podia sentir seu corpo se soltar, deixando
de lado a adrenalina trazida pela raiva óbvia de Joaquin.
— Ok, então — ele disse ao grupo. — Faremos uma festa.
* * *
Meia hora depois, a dita festa estava em pleno andamento. Eu estava
perto da margem, enquanto Bea saltava para cravar uma bola de vôlei
surrada na areia, seu torso exposto em seu biquíni vermelho esportivo, com
o cabelo de fogo solto ao redor de seus ombros. O olhar em seu rosto era
pura “matança”. Liam e Lauren, que estavam jogando contra ela e um dos
meninos visitantes mais alto, realmente se abaixaram para se proteger.
Jogada inteligente. A bola bateu no chão com a força de um foguete,
ricocheteando com um salpico de areia e caindo no calçadão. Quase bateu
em um idoso que estava correndo, e ele nos xingou enquanto jogava a bola
de volta. Liam ajudou Lauren a se levantar do chão pelos braços e ela revirou
os olhos para ele.
— Eu pensei que você disse que era bom nisso — ela reclamou.
Liam jogou os braços musculosos para o lado. Com shorts vermelhos
e uma camiseta branca, ele parecia com o salva-vidas que tinha sido na
Terra. — Você poderia ter me avisado que tinha uma atleta olímpica do
outro lado.
Lauren inclinou-se para espanar a areia de suas pernas. — Ela era uma
mergulhadora! Não uma jogadora de vôlei!
Bea e seu parceiro gargalharam e bateram as mãos, comemorando, em
seguida, começaram a sussurrar por trás das mãos, planejando sua próxima
jogada.
— Precisamos de mais nachos e molho! — Kevin gritou. — Alguém
quer ir comigo?
— Eu vou! — Liam se ofereceu de imediato, movimentando-se para
fora da quadra.
— Ei! — Lauren protestou.
Mas Liam a ignorou. Ele disse algumas palavras para Fisher, que
estava no lado oposto. Fisher tirou sua camisa, jogou-a na areia e foi tomar
o seu lugar ao lado de Lauren. Liam e Kevin partiram para as escadas e
desapareceram até o calçadão.
— Ah, sim! Você está ferrado, Fish! — Bea gritou, movendo a cabeça
de um lado para o outro, provocando.
— Falando em queimar calorias, hein — disse Joaquin, abaixando e
pegando uma cerveja long neck do isopor atrás de mim.
Olhei automaticamente por cima do ombro para a água. Tristan estava
lá, flutuando em um caiaque ao lado de Teresa, os remos descansando em
seus colos enquanto conversavam com as cabeças inclinadas tão próximas
quanto eles podiam em barcos separados. Eu tinha certeza que Tristan
estava falando com ela sobre sua recuperação e as condições de Pete. Eu
esperava que ela tivesse apenas boas notícias para ambos.
— Bea é muita boa, não é? — disse Joaquin, apontando para ela com a
garrafa antes de abri-la no abridor do isopor.
Minha pele aqueceu com a sua proximidade, e bebi minha água. — Ela
é boa — eu concordei.
— Você deveria ver Krista jogar. Ela acaba com todo mundo. —
Joaquin estava ao meu lado com uma casualidade forçada, os pés descalços
plantados na areia ainda úmida, com uma mão no bolso de sua calça jeans.
Eu senti uma pequena atração e foquei meu olhar na rede de vôlei.
— Krista? Sério?
Ele acenou com a cabeça enquanto tomava um gole de cerveja. — Ela
jogava na escola. Podia ter jogado na faculdade se ela tivesse chegado tão
longe.
Hum. Acho que você nunca pode dizer tudo sobre uma pessoa apenas
olhando para ela.
— Onde está Krista, de qualquer maneira? — perguntou Joaquim,
olhando ao redor. — Ela vive para essa porcaria.
— Ela está limpando a sala de jogos e depois vai descer — eu disse a
ele. — Aparentemente, a prefeita está em cima dela para ter a sua casa de
volta ao normal agora que as crianças se foram.
Bea sacou a bola, e Fisher a cruzou para Lauren, que mal conseguiu
colocá-la por cima da rede. O menino visitante do lado de Bea ajeitou para
ela, e ela estava indo fazer outro ponto, quando Fisher se endireitou, seus
olhos focados na água.
— De novo não.
A bola bateu na areia. Todo mundo se virou. À beira da água, Tristan
e Teresa estavam puxando seus caiaques coloridos e brilhantes na areia
quando a névoa se formou por trás deles, densa e rápida. Engoli em seco, e
os olhos de Tristan encontraram os meus, focando-se em mim para ter
certeza que ele seria capaz de me encontrar uma vez que a névoa cinzenta o
engolisse.
— Quem deveria ser conduzido? — Bea sussurrou assim que fomos
surpreendidos pela nuvem esvoaçante.
Eu me virei, desorientada. A neblina era tão espessa que eu não podia
ver mais do que uns centímetros em qualquer direção. Sua voz tinha vindo
do lado do meu ombro direito, quando eu tinha pensado que ela estava de
pé do meu lado esquerdo.
— Bea?
— Sim? — respondeu ela. Eu pulei. Agora parecia que ela estava bem
atrás de mim.
— Ok, ninguém se mexe. Só por um segundo — eu arfei, meu pulso
latejando. Eu tinha esquecido o quão aterrorizante a névoa podia ser.
Alguém passou por perto, o turbilhão de névoa à minha esquerda. Mas não
havia sombras, nem formas, nem tons de luz. Só o nevoeiro.
Eu não tinha ideia de quanto tempo eu fiquei ali em silêncio. O nevoeiro
tinha um jeito de apagar o tempo, torná-lo acelerado ou fazê-lo parar.
Dentro dele, tudo estava suspenso. Tudo, menos o meu medo.
De repente, alguém agarrou a minha mão. Deixei escapar um suspiro
estrangulado.
— Tristan? — eu esperei, me virando.
Joaquin apareceu fora da névoa, puxando meus quadris contra o dele e
me segurando lá.
— Não. Sou eu — ele disse com a voz rouca, estudando meu rosto. —
Imaginei que podia ser a minha última chance de fazer isso.
Ele se inclinou e me beijou, abrindo meus lábios com a língua, me
segurando contra ele com seus braços fortes. Meu pulso saltou de forma
irregular com alegria e felicidade, culpa e medo. Eu sabia no fundo da minha
mente que eu deveria parar, mas o meu coração, meu estúpido e sádico
coração, exigiu o contrário. Fechei os olhos e segurei a parte de trás de sua
camisa com tudo o que tinha em mim. Sendo um adeus ou apenas um apelo
desesperado para a compreensão, eu o beijei de volta.
— Puta. Merda — disse Fisher.
Eu abri meus olhos, meu estômago torcendo, sabendo já o que eu veria.
O nevoeiro tinha passado e Fisher estava uns cinco centímetros à minha
direita, ainda sem camisa, lentamente tirando os óculos espelhados. Joaquin
me soltou e eu tropecei para trás um passo, olhando ao redor. Tristan tinha
parado no meio do caminho, apenas três metros de distância, seu rosto com
uma expressão devastadora. Eu abri minha boca para dizer alguma coisa,
para me explicar, mas eu não tive a chance. Nossos walkie-talkies
crepitaram, e a voz de Dorn cresceu através dos alto-falantes.
— Estejam avisados: Pete acordou.
Olhei para Joaquin.
— Vá — ele disse, com uma clara mensagem subliminar. Ele iria lidar
com Tristan. Seja lá o que isso quisesse dizer, eu descobriria mais tarde.
Agora, eu tinha uma família para salvar.
Eu estava no meio do caminho nos degraus da escada quando Krista
correu até o corrimão, seus olhos azuis arregalados, metade de seu cabelo
caído para fora de seu rabo de cavalo. Seu rosto estava tão cinzento quanto
as cinzas.
— Pessoal, está acontecendo de novo — ela engasgou bem na frente
dos visitantes, dos Lifers, de todos. — Três almas acabaram de ser
conduzidas para a Terra das Sombras.
34 OUTRO SUSPEITO
Traduzido por L. G.
um... o que é a Terra das Sombras? — um dos visitantes
perguntou finalmente.
Todos o ignoraram, mas a questão pareceu acender
algo dentro de Tristan, que começou a subir a praia em seus pés descalços,
bermuda florida e camisa de surf.
— Tristan? Onde você vai?
O olhar em seu rosto enquanto ele subia os degraus ao meu lado não
era como nada que eu já tivesse visto antes. Pelo menos não vindo dele. A
raiva, a determinação parecia irradiar de algum lugar dentro dele, deixando
cada passo rígido e inspirando todos em seu caminho a apressarem-se para
liberar a passagem.
— Não, sério. O que é a Terra das Sombras? — o mesmo garoto
repetiu. Mordi o lábio quando o silêncio reinou. Explicar isso a ele
significaria condená-lo à Terra das Sombras, e condenarmos a nós mesmos
também. Nós apenas podíamos esperar que ele esquecesse ou então o
levaríamos para a prefeita apagar sua memória. Enquanto ninguém o
respondesse, estaríamos bem.
Estendi a mão até tocar o braço de Tristan. Ele se virou para mim, seus
olhos azuis brilhantes de raiva.
— Você quer falar com Pete, então vamos falar com Pete — ele estalou,
lançando um raio mortal sobre a minha cabeça na direção de Joaquin. —
Vamos colocar um fim nisso de uma vez por todas.
Ele subiu as escadas e passou pela ainda-aflita Krista sem sequer olhá-
la. O resto de nós ficou ao redor incertamente, uma brisa feroz rasgando
nossas roupas e chicoteando meu cabelo em meus olhos. Nós deveríamos
segui-lo? Será que ele ao menos queria que fizéssemos isso?
Olhei para Joaquin, o meu coração uma bagunça destruída e esmagada.
Seus olhos endureceram, e eu senti algo dentro de mim se esvair.
—H
— Então vamos lá — disse ele.
Joaquin subiu as escadas e o resto de nós o seguiu. Talvez Tristan
estivesse certo antes, no parque. Talvez essa festa tinha sido uma má ideia.
Nós baixamos nossa guarda. Tínhamos esquecido de sermos vigilantes. E
agora nós fomos responsáveis por mais devastação.
— Tem mais uma coisa — disse Krista para Joaquin quando ela o
alcançou. Eu fiquei bem atrás deles em nosso caminho até a colina,
deslizando pelas antigas casas vitorianas e esquivando-me sob os ramos
curvados de árvores nuas e esguias. — Os gêmeos fugiram da prefeita antes
que ela pudesse apagar suas memórias novamente.
— O quê? — eu exigi.
— Então eles estão lá fora agora, dizendo às pessoas que um grupo de
moradores locais estão fazendo as pessoas desaparecem na ponte? — disse
Joaquin ferozmente. — Ótimo. Essa é a melhor notícia que ouvi hoje.
Krista estava verde. — Ela colocou o Chefe Grantz à procura deles,
por isso espero que eles sejam presos em breve, também.
Joaquin aumentou seu ritmo, e eu fixei meus olhos nas costas de
Tristan até finalmente chegarmos à praça da cidade. Tristan caminhou
através do parque e foi em direção à delegacia. Quando ele abriu a porta da
frente, parei para olhar para trás para a casa da prefeita. O que antes parecia
um hotel exclusivo para mim agora parecia o castelo escuro e ameaçador da
bruxa, outro símbolo de tudo o que havia de errado com este mundo. O cata-
vento, como previsto, apontava para o sul, obstinadamente ignorando o
vento que girava em torno dele.
— O que Tristan vai fazer? — eu perguntei a Bea quando ela me
alcançou. Abracei meus braços contra o frio.
— Eu não sei, mas vai ser interessante.
Nós corremos pelo parque para alcançá-lo, deslizando por Joaquin
enquanto ele subia os degraus de mármore. Através do lobby e descendo as
escadas, podíamos ouvir Tristan gritando. Durante todo o tempo que eu o
conheci eu só o ouvi levantar a voz uma vez, durante uma discussão com
Joaquin. Os olhos de Bea se arregalaram com os meus enquanto nós
corríamos para a porta na extremidade. Pete estava sentado de frente para
o canto da cela, os joelhos encolhidos sob o queixo. Tristan gritava para as
costas de Pete, agachado no chão o mais perto que ele podia chegar das
barras. Dorn estava no canto mais distante, com os braços cruzados sobre o
peito, enquanto olhava todos os outros descerem como se ele fosse o guarda-
costas pessoal de Tristan.
— Você a matou, Pete! — Tristan deixou escapar, agarrando as grades
de aço. — Você matou Nadia! Você ao menos percebe o que isso significa?
Sabe o que vai acontecer com você quando finalmente decidirmos te
conduzir? Você já pensou sobre como vai ser em Oblivion?
— Tristan — Bea disse suavemente.
O espaço de um metro entre as barras exteriores das duas celas e a
parede exterior da sala agora estava cheia de Lifers. Bea e eu estávamos mais
perto de Tristan do que todos, tendo chegado em primeiro lugar, mas
estávamos dando-lhe um amplo espaço. Seus músculos estavam tão tensos,
seus dentes tão cerrados, que eu estava quase com medo de tocá-lo. Parecia
um animal feroz. Pete, muito lentamente, começou a balançar para a frente
e para trás, para frente e para trás. Sua testa mergulhou em direção a seus
joelhos.
— Sua única esperança é nos ajudar, Pete — Tristan continuou,
inclinando-se para as barras. — Essa é a sua única esperança. Porque eu juro
por Deus, se você não abrir a boca e começar a falar agora, eu vou te arrancar
dessa cela e te enviar pela ponte diretamente para Oblivion. Vou fazer isso
alegremente.
Pete deixou escapar um soluço estrangulado. Eu não sabia o que eu
tinha planejado dizer para Pete convencê-lo a nos ajudar, mas não era isso.
Engoli meus medos e coloquei minha mão sobre o ombro de Tristan. Ele
vacilou, mas depois relaxou quando viu que era eu.
— Tristan, por favor. Ouça a si mesmo — eu sussurrei. Ele não se
moveu. Agachei-me ao lado dele, movendo minha mão suavemente pelas
costas. A curva de sua coluna, as linhas dos músculos em seus ombros eram
visíveis através de sua camisa. — Esse não é você.
Seus olhos fitaram os meus. Por um segundo eu pensei que ele fosse
me contradizer, mas em vez disso, ele suspirou. Lentamente, ele se levantou,
puxando minha mão para me levar com ele.
Só então, Liam deslizou lateralmente na sala. Seus olhos encontraram
os meus enquanto ele se esgueirava ao longo da parede de trás, tentando
desaparecer atrás da multidão de Lifers na frente dele. Mas ele não foi rápido
o suficiente para esconder o fato de que ele estava sem ar, que sua blusa
branca estava manchada de suor em volta da gola.
— Liam. — A palavra estava fora da minha boca antes que eu sequer
tivesse formado um pensamento totalmente coerente. Ele parou, seu boné
de beisebol vermelho curvando-se entre o ombro de Fisher e Kevin, mas ele
não disse nada.
Ele esteve na praia até poucos minutos antes do nevoeiro rolar, e então
ele tinha saído com Kevin. Kevin, que era o único dos nossos amigos que
não estava presente.
— Onde você estava? — eu perguntei. — Onde está Kevin?
— Eu não sei — disse ele. — Eu o perdi no meio do nevoeiro.
Pete parou de balançar ao som de sua voz. Olhei para trás e para frente
entre os dois, a minha pele formigando com suspeita súbita. Alguma coisa
estava acontecendo entre eles. Lembrei-me de alguma coisa, mas tudo
pairava à beira de ser conhecido.
— Aonde você foi quando deixou a praia? — eu perguntei.
Liam riu, um som agudo, balindo. — Fomos para o Thirsty Swan
procurar por batatas fritas e salsa, o que encontramos, mas quando saímos
eu o perdi no meio do nevoeiro. Algum problema?
Os olhos de Dorn deslizaram de um lado para o outro, de mim para
Liam. Ele chupou os dentes e estreitou os olhos.
— Então, onde está Kevin agora? — eu perguntei, meus joelhos
tremendo. — Por que ele não está aqui?
— Eu não sei. — Liam bufou. — Caramba, Rory. O que é esse
interrogatório?
O tempo todo que ele estava falando, ele estava se movendo em direção
à porta. As pessoas se separaram para deixá-lo passar, claramente não
compreendendo o que eu achava que era óbvio. Liam estava com medo. Eu
podia ver isso em seus olhos. Ele estava tentando agir casualmente
indignado, mas ele estava vibrando com medo. Dorn finalmente entrou na
frente dele, bloqueando sua fuga.
— Rory, onde você quer chegar? — perguntou Tristan. — O que ele
fez?
— Há algo de estranho acontecendo com ele e Pete — eu disse, e então
eu compreendi. Olhei por cima do ombro para Joaquin. — Ontem, quando
Liam e eu viemos aqui, ele se apavorou quando pensou que Pete estava
prestes a acordar. E no outro dia, na ponte, Pete virou e saiu assim que ele
viu Liam. Eles estão escondendo alguma coisa.
— É um pouco fraco, Rory — disse Bea.
— Mas ele correu quando teve a chance de deixar a praia quando Kevin
ofereceu, e onde diabos está Kevin agora? — Joaquin colocou.
O rosto de Tristan ficou duro. — Onde está Kevin, Liam?
— Eu te disse, eu não sei! Por que vocês não ligam para ele e
descobrem? — disse ele, apontando para o rádio de Tristan.
— Eu acho que vou ligar. — Joaquin levantou o walkie-talkie para os
lábios e apertou para falar. — Kevin? Você está aí, amigo? Câmbio.
Ele soltou o botão. Nada além de um zumbido baixo e distante da
estática. Todo mundo olhou para Liam, que estava rapidamente ficando
pálido.
— Alguém viu Kevin? Câmbio — perguntou Joaquin.
Silêncio.
— Dorn — disse Tristan. — Prenda-o.
Liam fez um movimento como se fosse fugir, mas não havia como se
desprender de Dorn, cujas mãos enormes caíram sobre seus ombros e o
arrastaram para trás.
— Não. Você não pode fazer isso! — Liam gritou. — Eu tenho direitos.
— Ele olhou em volta desesperadamente. — Não tenho? Eu não tenho
direitos?
Com um movimento rápido, Fisher abriu a porta da segunda cela. Ele
segurou-a enquanto Dorn jogava Liam dentro e depois a fechava com um
estrondo. Liam praticamente se jogou nas barras. Bea olhou em volta para
a multidão. Todo mundo estava parecendo perturbado, inseguro, homicida
ou uma combinação dos três.
— Talvez eu devesse esvaziar a sala? — ela sugeriu.
— Boa ideia — disse Tristan.
Bea conseguiu reunir todos de volta através da porta e para o corredor,
pastoreando-os como um gado. Quando a porta se fechou atrás dela, só
Tristan, Dorn, Krista, Joaquin e eu fomos deixados. Os apelos de Liam
silenciaram. Ele se sentou na cama. A cama rangeu sob seu peso, e ele
inclinou a cabeça contra as grades, franzindo o cenho em frente a Pete.
— Eu não posso acreditar que isso está acontecendo — disse ele.
Pete estava tão imóvel como uma pedra.
— Basta dizer-nos onde você foi depois que saiu do Thirsty Swan —
eu disse, levantando os ombros. — Quão difícil é isso?
— Eu saí para encontrar Lalani — ele retrucou, os olhos faiscando. —
Satisfeita agora? Posso ir?
— Como? — perguntou Joaquin.
— Como? — Liam repetiu.
— Sim, como? — perguntou Krista, colocando o cabelo atrás das
orelhas. — Ninguém consegue ver nem um palmo em meio à neblina. Como
você iria encontrá-la?
— Cuidadosamente? — Liam atirou de volta em um tom
estranhamente sarcástico.
— Você a achou? — eu perguntei.
— Sim — ele respondeu. — E você estava errada, por sinal. Ela se
lembra de seu irmão, e ela está se perguntando onde diabos ele está.
Tristan e eu fechamos os olhos. Então os Tses não eram apenas um
ligeiro desvio.
Liam me lançou um olhar de nojo e se virou. — Eu não vou dizer mais
nada para você.
— Liam... — eu comecei.
— Não! — ele retrucou, empurrando-se de pé. — Eu confiei em você.
Você me fez confiar em você! E você mentiu para mim! E agora você me
joga aqui? Quem diabos você pensa que é?
Sua mão disparou através das grades e eu pulei para trás. Joaquin
agarrou seu pulso e torceu até os joelhos de Liam bater no chão, com o rosto
contorcido de dor. Apertei-me contra a parede, ofegando por ar quando
Joaquin inclinou-se em direção ao topo da cabeça curvada de Liam.
— Tente tocá-la novamente e você vai se arrepender.
Krista e eu olhamos uma para a outra, atordoadas.
— Cara — disse Tristan. — Solta ele.
Joaquin rangeu os dentes, mas soltou o braço de Liam. Quando ele se
levantou, Liam passou a mão em seu peito e manteve lá, enrolando em si
mesmo como um caracol assustado puxado para trás em sua concha.
— Talvez... talvez devêssemos ir tomar um ar — Tristan sugeriu,
olhando para o resto de nós. — Vamos lá fora conversar sobre isso?
— Estratégias — Dorn disse, seus olhos como fendas. — Eu gosto
disso.
— Não podemos simplesmente deixar os dois aqui juntos — Joaquin
apontou.
— Eu vou ficar — Krista ofereceu, erguendo o queixo com bravura.
Mesmo pálida e suada, ela ainda conseguia parecer como uma supermodelo.
Dorn bateu no lado de seu braço, e ela cambaleou para o lado nas barras
da cela de Pete. — Se você precisar de nós, você tem o seu walkie.
Krista assentiu, puxando-o para fora do bolso do vestido e inclinando-
o para ele como uma arma. — Deixa comigo.
Enquanto eu seguia os caras para fora da sala, olhei para trás por cima
do meu ombro para Liam uma última vez quando ele agarrou as barras e
olhou para Pete, com fúria em seu rosto.
35 MÃOS EM...
Traduzido por AMR
á fora o vento estava chicoteando furiosamente. Duas mulheres
saindo da loja de produtos de beleza gritaram quando um pedaço de
telhado de madeira veio voando em direção a elas. Elas se abraçaram
e se abaixaram, por pouco conseguindo evitar algumas lesões graves na
cabeça e a sucata bateu na janela em frente. Alguns visitantes se
posicionaram junto a janela do armazém, olhando para o horizonte, as
pontas brancas dos dedos de um dos homens pressionando contra o vidro.
Quando me virei para olhar, vi nuvens cinzentas de tempestade se juntando
sobre a baía.
Nós não tínhamos tido um dia inteiro de sol. Nem mesmo um dia.
— Isso não é bom — disse Tristan, parando ao lado da fonte de cisne
no centro do parque. Até mesmo as suas águas ondulavam ao vento. Bea,
Fisher, Lauren e uma multidão de outros Lifers estavam amontoados sob o
toldo da loja de bicicletas, nos observando, à espera de direção. — Está
começando a parecer como na época que Jessica estava aqui.
— Cara, por favor. Isso não é nada como aquilo — Joaquin rebateu.
— Você está brincando comigo? — Tristan perguntou, sua longa
franja loira voando para fora de seu rosto. — Você acabou de quase quebrar
o braço de um garoto quando temos zero provas de que ele fez alguma coisa
errada.
— Ah, então você preferia ter deixado ele colocar as mãos em Rory?
— Joaquin respondeu.
— Bem, se você quer que eu chute o traseiro de todo cara que coloca
suas mãos em Rory... — disse Tristan, ficando cara a cara com Joaquin.
— Se afaste, Tristan — disse Joaquin, empurrando Tristan para trás.
— Não. Eu não vou me afastar — Tristan empurrou Joaquin com as
duas mãos.
— Rapazes. Não!
L
Mas já era tarde demais. Joaquin deu um soco no rosto de Tristan. Eu
gritei quando escutei o ruído de uma rachadura na mandíbula de Tristan,
fazendo-o cambalear e cair sobre o peito de Dorn. Dorn pegou-o, e eu
esperava que ele segurasse Tristan ou pelo menos ficasse entre os dois, mas
ele simplesmente virou Tristan e deu-lhe um pequeno empurrão,
mandando-o de volta para mais luta.
— Dorn! — eu gritei.
Ele deu de ombros enquanto Tristan se jogava contra o tronco de
Joaquin. Joaquin perdeu o equilíbrio e caiu de costas na calçada. Por um
segundo ele ficou imóvel, com os olhos bem abertos, com falta de ar. Tristan
quase o tinha nocauteado.
— Tristan! Pare! — eu gritei quando Tristan montou Joaquin e
levantou seu punho direito. Ele congelou, e eu passei meus braços ao redor
de seus ombros, puxando-o para longe de Joaquin. — Saia de cima dele! Ele
não consegue respirar!
O vento jogou meu cabelo em meus olhos e em minha boca enquanto
eu arrastava Tristan para longe. Dorn ajoelhou-se e ajudou Joaquin a
sentar-se, e ele finalmente cuspiu e tossiu, puxou uma longa e áspera
respiração, com a mão no peito. As nuvens haviam chegado rapidamente,
bloqueando o sol e deixando tudo sob uma sombra cinza fosco. Um círculo
de corvos gralhou alegremente como se dando boas-vindas a tempestade a
caminho.
Joaquin tomou algumas respirações profundas, olhando para mim
enquanto ele lutava para obter o controle. Ele agarrou o braço de Dorn e
cambaleou. — Eu vou ver se consigo rastrear Kevin — ele disse, em seguida
virou-se para Dorn. — Você, não deixe o novo garoto sair de sua cela.
Dorn assentiu. — Entendi.
— Por que vocês não vão descansar um pouco? — Joaquin acrescentou,
olhando para Tristan e eu. — Podemos nos encontrar na casa da prefeita na
parte da manhã e discutir nossas opções.
— Opções? — disse Tristan, seu peito ainda arfante.
Joaquin riu, balançando a cabeça. — Você sabe do que eu estou falando,
Tristan. Você viu o jeito como Pete estava agindo. Ele não vai dizer nada, e
este lugar logo vai se transformar num inferno. Temos de discutir nossas
opções.
Tristan cerrou a mandíbula, os olhos sombrios. — Nós não podemos...
— Cara, o cara lhe bateu na cabeça com um taco de beisebol. Ele quase
te matou. Ele matou Nadia e, possivelmente, Cori, também. Ele nos traiu.
Tudo o que você acredita. E a única maneira de repará-lo é fazê-lo falar. —
Joaquin fez uma pausa. Ele deu um passo para Tristan, cujas mãos
automaticamente se enrolaram em punhos. Joaquin levantou as palmas das
mãos.
— Basta pensar nisso — ele disse. — Isso é tudo que estou pedindo.
Tire a noite para pensar sobre isso. — Então, ele olhou para o céu
escurecendo. — Se nós tivermos mesmo todo esse tempo.
Ele se virou e saiu correndo em direção aos outros na calçada para dar
ordens. Tristan tomou algumas respirações e em seguida olhou para Dorn.
— Se ele encontrar Kevin, me avise — ele disse.
— Aviso — Dorn respondeu. — Mas eu tenho certeza que ele vai
entrar em contato pelo rádio.
Tristan olhou para onde estava Joaquin. — Eu não estou tão certo
sobre isso.
Ele deu um passo na direção da sua casa, mas eu o parei, agarrando seu
pulso com as duas mãos. Ele olhou para os meus dedos, em seguida, muito
lentamente, arrastou seu olhar pelo meu braço, até os meus ombros, e,
finalmente, encontrou meus olhos.
— Você não vai para casa — eu disse, tensa com o medo da rejeição,
não importa o quão determinadas minhas palavras eram.
— Não? — ele perguntou. — Para onde eu vou?
Soltei-lhe o pulso e arrastei uma mão para entrelaçar meus dedos com
os dele. — Você vem comigo.
36 DOIS CORAÇÕES
Traduzido por AMR
nquanto voltávamos para a minha casa, o vento estava tão intenso
que tivemos que agarrar-nos uns aos outros ao virarmos na
Magnolia e cambalearmos em direção ao portão. Folhas e pétalas de
flores mortas raspavam em nossos rostos, e um pedaço de papel bateu em
minha perna, envolvendo-se em torno de minha panturrilha, grudando lá
quando alcancei a tranca do portão. Assim que larguei-a, o portão se abriu
e bateu forte contra o muro e rachando suas dobradiças. Tristan tentou
segurá-lo, mas não havia mais nada que se pudesse fazer. Ele caiu e foi
batendo e girando pela rua até que colidiu com a lateral de uma casa vizinha.
— Vamos entrar — ele disse.
Eu concordei balançando a cabeça e, juntos, nos curvamos para a
frente, correndo até a porta da frente. Minhas mãos tremiam enquanto eu
abria a porta, e Tristan agarrou-se a ela para que não tivéssemos o mesmo
destino que o portão. Ele fechou-a atrás de nós e trancou-a. Lá dentro, eu
acendi as três primeiras luzes que encontrei. Tristan me seguiu e nos
encontramos no centro da sala, um de frente para o outro por sobre a mesa
de centro de madeira de meio metro de largura.
Senti-me enjoada e nervosa. Uma hora atrás, Tristan tinha pego eu
beijando outro cara — o seu melhor amigo. E agora aqui estamos nós, a sós.
Não importava o que eu dissesse, nunca seria suficiente. Mas eu tinha que
tentar.
— Tristan — eu comecei. — Sobre Joaquin.
Ele fechou os olhos, como se o próprio som do nome lhe causasse dor,
e levantou uma mão. — Não.
— Não, eu quero explicar — eu insisti.
Uma rajada de vento atingiu a casa com tanta força que soltou uma
série de estalos altos e crepitações como se antigas vigas e tábuas estivessem
E
se reassentando. Dei um passo em torno da mesa e me senti estimulada
quando Tristan não se mexeu.
— Eu não vou ficar aqui e dizer que eu não me importo com ele, porque
eu me importo. — Engoli em seco, segurando meus dedos na minha frente.
— Eu não teria sobrevivido a essa última semana sem ele.
Tristan olhou para mim, seu rosto completamente em branco.
— Mas no segundo que eu vi você de novo, no segundo em que eu te
toquei, eu soube... é você. Sempre foi você. Com Joaquin, é...
— Pare — disse Tristan.
Eu congelei no meu caminho. Eu estava avançando em direção a ele o
tempo todo enquanto falava, e agora me encontrava a apenas alguns
centímetros de distância, tão perto que eu podia ver o brilho da barba loira
despontando em sua mandíbula. Meu olhar foi para suas mãos.
Venha para mim, eu desejei. Por favor, apenas...
— Então, você não quer ele. Você não quer ficar com ele?
— Não — eu disse, fechando a distância entre nós. — Eu quero você.
Sua mandíbula trincou e os dedos cerraram. Eu podia ver, podia sentir
o quão difícil era para ele se segurar. — Você tem certeza? É melhor você
ter certeza sobre isso, Rory, porque nós vamos estar aqui para sempre, nós
três. Se você mudar de ideia... isso iria torturá-la — torturar a todos nós —
para sempre.
Olhei em seus olhos azuis, meu coração vibrando dentro do meu peito.
Devagar, com cuidado e delicadamente, eu estendi a mão para tocar meus
dedos em seu peito. — Eu quero isso. Eu quero você. Para sempre.
Tristan soltou um trêmulo suspiro aliviado. Ele correu as duas mãos
pela minha cabeça e para baixo sobre a longa e confusa trança do meu cabelo.
— Eu estou apaixonado por você, Rory Miller — ele disse, usando meu
nome real, o que me emocionou. — Tudo que eu quero é estar com você.
Eu sorri e percebi que eu estava chorando. — Tudo que eu quero é
estar com você — eu respondi.
— Então tente se livrar de mim — disse Tristan com um sorriso.
Em seguida, ele se inclinou para tocar seus lábios nos meus, e eu senti
a urgência por seu beijo passando através de mim, enchendo cada
centímetro de mim, aquecendo meu corpo da cabeça aos pés, com um calor
latejante e insistente. Eu me pressionei contra ele, despejando cada gota de
medo e frustração, da incompreensão e saudade que senti ao longo das
últimas duas semanas em meu beijo. Eu tinha sentido tanta falta dele. Eu
queria tanto acreditar nele. E agora ele estava aqui, e ele era genuíno, e ele
era meu.
Por um segundo infinitesimal eu não me importei com Pete, Liam, o
universo, a Terra das Sombras ou qualquer coisa que não fosse nós dois.
Então nossos walkie-talkies de repente soltaram um grunhido bizarro, e a
voz em pânico de Krista encheu o nosso pequeno casulo.
— Socorro! Socorro! Emergência! Ou o que quer que seja! Câmbio!
Nós dois nos viramos quando uma batida errática soou na porta da
frente. Tristan correu para ela. Eu me atrapalhei para pegar meu rádio,
preso na minha cintura e pressionei o botão vermelho.
— O que é, Krista? Câmbio.
— São os visitantes! Câmbio!
A porta da frente se abriu, e Krista tropeçou para dentro, molhada até
os ossos.
— Os visitantes o quê? — eu disse, deixando cair o walkie-talkie no
chão. — O que tem eles?
Krista engoliu em seco, apoiando uma mão sobre a mesa de entrada. —
Temos um problema — ela disse. — Os visitantes tomaram o comando da
praça da cidade.
37 MALEÁVEL
Traduzido por Vivian N.
esmo sabendo quão superlotada a ilha tornou-se, nada poderia
ter me preparado para a multidão que nos cumprimentou
quando chegamos à praça da cidade. Os visitantes cobriam cada
centímetro do parque, alguns de pé em bancos, outros agregados em torno
dos postes de luz. Pessoas fluíam para fora da loja de departamentos para se
juntar à multidão, de pé em seus dedos e esticando o pescoço, mesmo na
chuva, tentando ver o que estava acontecendo.
Na frente, é claro, estavam os Tses, em pé perto da borda de pedra ao
redor da fonte de cisne, segurando um grupo voluntário de visitantes. A
partir desta distância, eu não podia ouvi-los, mas Sebastian fez um gesto
furioso com as mãos, e alguns membros da plateia balançaram a cabeça,
concordando com o que quer que seja que ele estava dizendo.
— Droga. Isso não parece bom. — Tristan parou na esquina da Freesia
Lane e da praça, com o rosto pálido.
Joaquin, Fisher e Kevin contornaram a borda da multidão, pegando
olhares furiosos de um grupo de jovens em ponchos enquanto corriam para
se juntar a nós. Ursula e o Chefe Grantz saíram da mercearia para se
colocarem atrás de nós também.
— Kevin — exclamou Krista. — Você está vivo!
— Sim, eu estou bem. Quando o nevoeiro chegou e eu perdi Liam, eu
percebi que deveria ir para casa e esperar — ele disse. — Eu devo ter
adormecido. Desculpe. Joaquin me disse que vocês estavam preocupados
comigo.
— Estamos felizes que você está bem — disse Tristan, batendo-lhe no
ombro.
Alguns outros Lifers contornaram o parque, permanecendo nas
calçadas externas e se juntando a nós, todos atraídos a Tristan como
mariposas para uma chama. Lauren e Bea corriam na direção das docas.
M
— Falando em Liam — disse Fisher, — nós temos um problema. —
Ele respirou e segurou a respiração por um segundo antes de entregar a
notícia. — Ele sumiu.
— Sumiu? — eu exclamei. — Como?
— O Policial Dorn estava com a minha chave. Ele deixou seu posto
por cinco segundos quando alguns visitantes entraram na delegacia,
exigindo fazer chamadas de longa distância — disse Grantz. — Quando ele
voltou para lá, Liam tinha ido embora, e foi só então que notou que a chave
sumiu, também. Alguém o deixou sair. Mas é claro que Pete não está
falando, então...
Tristan tomou alguma distância de nós, com os punhos balançando em
seus lados. Seu cabelo estava penteado para baixo na testa, e a camiseta que
ele estava desde que tinha deixado a praia se agarrava ao seu peito na chuva.
— Quem está fazendo isso? — ele perguntou.
— Eu diria que, neste momento, é apenas um dos nossos problemas —
disse Fisher, olhando para a multidão.
— Por que não podemos apenas começar a conduzi-los? — Ursula
sugeriu, levantando um lenço para o nariz para cobrir um espirro. — Alguns
deles estão prontos para cruzar, e se pudéssemos diminuir a multidão...
— Nós não podemos — Joaquin disse a ela. — Ficamos sem moedas.
Ninguém vai sair daqui tão cedo.
— Tudo bem — disse Tristan, reunindo-se. — Primeiro as
prioridades. Temos que encontrar Liam. Bea, Rory e você juntem mais ou
menos vinte pessoas e se separem para fazer uma busca pela ilha. Ele não a
conhece tanto quanto nós, por isso não devemos demorar muito para
encontrá-lo. Fisher e Kevin consigam uma dúzia dos nossos maiores
homens e vão até a ponte. Aconteça o que acontecer, ele não levará mais
nenhuma alma inocente para a Terra das Sombras.
— Você não me quer aqui para controlar a multidão? — perguntou
Fisher, empurrando o punho na palma da mão aberta.
— Dorn, Grantz, Joaquin e eu vamos lidar com isso — disse Tristan.
Ele olhou para a multidão crescente, que soltou um elogio para algo que
Sebastian tinha acabado de dizer. — Eu vou falar com eles.
— O que você vai dizer? — perguntou Joaquin.
— Eu vou descobrir. E se não der certo, podemos sempre tentar usar
o poder calmante sobre eles. Nós quatro devemos ser capazes de subjugar o
pior deles. Nós vamos nos infiltrar no parque e começar a trabalhar na
multidão. — Tristan olhou para Fisher e Bea. — Estamos perdendo tempo.
Vão!
— Estamos indo, T — disse Fisher. Ele levantou a capa escura sobre
a cabeça e levou os outros ao longo de uma fila de caminhões e carros
estacionados em uma das ruas laterais, os faróis brilhando através da chuva
enquanto os limpadores de para-brisas se agitavam freneticamente.
— Isso é minha culpa — disse Krista, mudando de um pé para o outro
debaixo do toldo alagado. — Eu deveria ter ficado na delegacia para aliviar
Dorn se ele precisasse de mim. Eu estava tão cansada, e ele me disse para ir
para casa...
— Krista, está tudo bem. — Tristan agarrou seu ombro, e ela parou de
vacilar. — Não se preocupe. Nós vamos encontrá-lo.
Ele olhou para mim, um pingo de chuva descendo para baixo de sua
bochecha como uma lágrima. — Você não quer ir com Bea?
— Eu preferia ficar perto de você — eu disse, olhando em volta com
cautela enquanto um par de visitantes caminhava lentamente, nos
encarando.
Tristan estendeu a mão e apertou a minha. — Deseje-me sorte.
— Boa sorte — Krista e eu dissemos.
Ele deu um aceno para os homens, e Grantz e Joaquin apertaram o
passo atrás dele quando ele atravessou a rua em direção ao parque. Joaquin
ergueu o rádio e disse a Dorn para se juntar a eles. Krista agarrou a minha
mão para me puxar em direção à delegacia. Suas colunas de mármore
ficavam na parte posterior da fonte de cisne, e enquanto subíamos os
degraus eu percebi como seu plano era brilhante. A partir daqui, estaríamos
secas sob a pedra da delegacia e ainda veríamos tudo, incluindo Tristan
enquanto ele andava ao lado de Sebastian.
— Rory? — disse Krista, tremendo ao meu lado enquanto Tristan
colocava a mão nas costas de Sebastian. — Estou com medo.
Eu balancei a cabeça, meus dentes batendo. — Eu também.
Ela apertou minha mão enquanto Tristan pulava para cima da borda
da fonte de modo que ele ficou uma cabeça acima da multidão. Ele levantou
ambas as mãos, tentando acalmá-los. De repente, as portas atrás de nós se
abriram, e Dorn saiu, apressando-se a descer as escadas para se juntar a
Grantz e Joaquin na fonte.
— Por favor, pessoal! — Tristan chamou. — Por favor, acalmem-se.
— Quem diabos é você? — O grande homem barbudo da pensão dos
gêmeos gritou.
— Meu nome é Tristan Parrish — ele respondeu. — Eu sou o filho da
prefeita. E eu ficaria feliz em responder suas perguntas e ouvir as suas
preocupações.
A multidão gritou, todos tentando falar ao mesmo tempo. Sebastian e
Selma trocaram um olhar por trás das costas de Tristan.
— Vocês sabem que eu não consigo entender nenhum de vocês se todo
mundo falar ao mesmo tempo — disse Tristan com um casual sorriso
indulgente. — Se vocês não se importarem de levantar as mãos, eu posso
repetir a pergunta para todo mundo ouvir e fazer o meu melhor para
respondê-la.
Três dúzias de mãos dispararam para o ar.
— Ele é bom — eu disse baixinho.
— Sim, mas quão bom? — perguntou Krista, os joelhos batendo juntos
debaixo de sua capa de chuva branca. Ela olhou por cima do ombro para as
portas duplas da delegacia. — Hum... Rory? Tem alguém com Pete agora?
O meu coração caiu em meus dedos. Alguém tinha a chave de Grantz.
Quem quer que fosse poderia estar lá usando ela agora para deixar Pete sair,
também.
— Vamos.
Krista agarrou a minha mão enquanto corríamos para dentro da
delegacia, nossos tênis guinchando e respingando todo o caminho através
do átrio no mármore. Juntas, corremos pelo corredor, e eu abri a porta.
Meus pulmões soltaram um suspiro aliviado quando vi que Pete ainda
estava lá, ainda sentado no chão, com os braços ao redor de suas pernas.
Uma faixa de sujeira atravessava seu rosto, e seus olhos pareciam
vermelhos. Ele olhou para nós assim que entramos, seguindo Krista com os
olhos enquanto ela passava por mim para pousar em um banquinho no canto
mais distante.
— Que bom. Você ainda está aqui — eu disse.
— Para onde eu iria?
Eu gelei ao ouvir o som de sua voz, baixa e seca. Esta era a primeira
vez que alguém tinha ouvido ele falar desde quinta-feira. Meu pulso latejava
dentro de cada centímetro da minha pele. Esta era a minha chance. A chance
que eu estava esperando. Eu caí de joelhos e agarrei as barras na minha
frente. Elas eram tão frias que meus dedos doíam.
— Pete, como é que Liam saiu? — eu exigi. — Alguém o ajudou? Ele
te disse para onde ia?
Pete muito lentamente tirou os olhos de Krista e deslizou seu olhar
para os meus pés.
— Não.
— Pete, vamos lá. Já é o suficiente — eu disse. — Você não quer
conversar? Não quer dizer a alguém o que está acontecendo? Você não quer
dar o fora daqui?
Ele mordeu o lábio e encarou. Havia algo tão vulnerável nele, tão
maleável, e eu percebi de repente, que era exatamente o que Pete era. Ele
tinha sido o último jovem Lifer a chegar aqui antes de Krista, que foi a última
a chegar antes de mim, Darcy e Liam. Ele ainda era apenas um garoto como
eu. Alguém que tinha sido prometido algo que ele queria dolorosamente. De
repente, meu coração se penalizou por ele. Mesmo com tudo o que ele tinha
feito, ele ainda era um de nós. Ele ainda era humano.
— Darcy era sempre boa para você, não era Pete? — eu disse
calmamente. — Ela ria das suas piadas, ela achava você divertido, e ela
amava sua música.
Os olhos de Pete se encontraram com os meus, e eu pude ver algo
mudando dentro deles. Ele estava começando a ceder. Agarrei as barras e
prendi a respiração.
— Ela não merece o que está sofrendo agora, Pete. Você sabe disso. Eu
sei isso. Mas só você sabe como recuperá-la. Por favor, diga-me como salvar
minha irmã.
Pete apertou os lábios. Seu aperto em seus braços se apertaram. Lá
fora, silenciado pelas paredes grossas, uma vaia comum subiu da multidão.
Eu lancei um olhar para Krista, que parecia tão preocupada quanto eu. O
tempo estava escapando para longe de nós, cada vez mais e mais rápido. Se
não corrigirmos isso em breve, as pessoas lá fora iam fazer o que aconteceu
com Jessica parecer uma moleza.
— Você só está muito envolvido com isso — eu disse a Pete, tentando
controlar o desespero da minha voz. — Você acreditou em uma promessa
que alguém fez a você, e isso te forçou a fazer coisas ruins. Mas se você me
ajudar, você vai se redimir aos olhos de todos. — Eu tomei uma respiração
instável. — Se você me ajudar, eu vou te ajudar. Eu vou falar por você com
os outros.
Pete engoliu seco. Ele apoiou o queixo em cima de seu braço e olhou
para frente. Não para mim, não para Krista. Para o nada.
— Dezoito passos — ele disse calmamente.
Krista se levantou, o banquinho caindo contra o chão e batendo contra
a parede. — O quê?
Pete ainda estava como pedra. — Você tem que andar exatamente
dezoito passos para a ponte — ele disse. — Em seguida, vire à esquerda e
sussurre o pior pecado que você cometeu na vida. É assim que você abre a
porta para a Terra das Sombras.
Levantei-me, cada célula do meu corpo em chamas. — É isso?
— Contanto que você diga a verdade, a porta será aberta — disse Pete,
arriscando um olhar para mim. Ele fungou e esfregou o nariz.
A surpresa dentro de mim se manifestou em uma grande e sufocada
risada.
— E depois? Como podemos tirar os inocentes de lá? — eu perguntei.
— Se um Lifer abre a porta de propósito, por intenções puras ou algo
assim, quem não pertence à Terra das Sombras vai ser libertado.
— Você tem certeza que é tudo o que tenho que fazer? — eu perguntei,
minha pele em chamas com antecipação. — Não há nenhum preço?
— Não. Eu acho que as forças superiores ou sei lá o que não pensaram
que um Lifer seria louco o suficiente para experimentar isso.
— Bem, eu sou. — Eu caí de joelhos novamente para ficar ao nível dos
olhos dele. — Obrigada, Pete. Honestamente. Você não tem ideia do que
isso significa para mim. — Eu estendi a mão e apertei seu antebraço. —
Obrigada.
Então eu pulei e agarrei a maçaneta da porta. — Vamos!
— O quê? De jeito nenhum — respondeu Krista. — Você está
totalmente maluca. Quem disse que ele está dizendo a verdade? Quem disse
que você não vai apenas ser sugada para a Terra das Sombras, também?
— Krista...
— Não. De nenhuma maneira eu vou deixar você fazer isso sem apoio
— ela disse, balançando a cabeça enquanto ela puxava para fora seu walkie-
talkie. Ela apertou o botão para falar, mas eu fechei a distância entre nós
com um longo passo e agarrei seu braço.
— Não.
— Rory.
— Krista, eles vão tentar me parar, e eu não vou deixar. — Peguei o
walkie-talkie da mão dela e desliguei. — Eu vou para a ponte, e eu vou trazer
a minha família de volta.
Olhei-a diretamente nos olhos. — Agora, você vem comigo ou não?
38 ESCURA COMO BREU
Traduzido por Yasmin Mota
or favor, não faça isso, Rory. Por favor. Você é minha
melhor amiga nessa ilha estúpida. Eu não quero que você
fique presa na Terra das Sombras.
— Eu não vou, Krista — eu disse a ela, apesar de, tecnicamente, não
ter ideia do que estava para acontecer.
Seus dedos frios se fecharam ao redor do meu punho quando saímos
pela porta dos fundos da delegacia. O carro da prefeita estava estacionado a
poucos metros de distância. — Como você sabe disso?
Meu estômago se apertou e eu me abracei, tentando não parecer tão
apavorada como me sentia. — Eu apenas sei — eu menti.
Outro estrondo de raiva subiu da multidão na frente. Krista e eu
congelamos, e meus joelhos ficaram fracos. Tristan os tinha perdido, no final
das contas. Meus olhos dispararam na direção da frente do prédio, e eu
hesitei.
— Tristan? — Krista arfou.
Eu apertei minha mandíbula. Este não era o momento para ir correndo
para o lado do meu namorado. Eu finalmente tinha a informação que
precisava para salvar meu pai e Darcy. Cada um de nós tinha um papel a
desempenhar, e o meu não era aqui na cidade. Era na ponte. Se eu pudesse
só chegar lá, se eu pudesse só libertar a minha família e as outras almas
inocentes, tudo voltaria ao normal. Poderíamos conduzir os visitantes e
acertar as coisas.
— Nós não podemos ajudá-lo — eu disse. Alguém gritou com raiva e
uma aclamação se elevou. — Se alguma coisa der errado, eles vão levá-lo
para algum lugar seguro. Não se preocupe. Agora, me dê as chaves.
Os olhos de Krista estavam arregalados e marejados. — Por favor,
Rory. Não insista. Se algo acontecer com você...
— Me dê as chaves! — eu gritei, frustrada.
—P
Krista se encolheu, e uma única grande lágrima rolou pelo seu rosto.
Ela fungou e tirou as chaves do bolso. A culpa me consumia, mas eu ainda
peguei-as para longe dela.
— Me desculpe, mas eu tenho que ir — eu disse, me dirigindo para o
carro. — Quanto mais cedo eu chegar lá em cima, mais cedo isso acaba.
Krista hesitou, olhando para trás e para frente entre mim e a frente do
prédio, como se ela pudesse ver o que estava acontecendo com Tristan. Eu
tinha a sensação de que, no fundo de sua mente, ela queria saber se poderia
passar pela praça da cidade e chegar até a casa dela viva para que pudesse se
esconder debaixo das cobertas, até que alguém viesse lhe dizer que estava
tudo bem. Em seguida, outro rugido de ira levantou-se, e ela saiu correndo
em direção ao carro. Quando ela subiu ao meu lado, estava toda molhada e
chorando.
Mordi minha língua, liguei o motor e fui em direção às colinas.
* * *
— De jeito nenhum, Rory. Sem chance.
Fisher revelou-se ser uma tarefa difícil na ideia de abrir a porta para a
Terra das Sombras. Ele ficou entre mim e a ponte como a minha própria
Grande Muralha da China, com as pernas abertas firmemente plantadas,
seus enormes braços cruzados sobre o peito, enquanto a chuva caía
livremente sobre a sua cabeça bem raspada, pelo seu rosto e por dentro da
gola da camiseta. O cara tinha perdido o casaco em algum momento, e agora
estava ali com nada além da camiseta cinzenta grudada em todos os seus
músculos, e calças cargo encharcadas formando um tom escuro de verde.
Em outra vida, esse cara poderia ter sido um ótimo lutador profissional. Só
precisava ter algumas tatuagens bem colocadas e um apelido estúpido, e ele
era ouro.
— Fisher, você não quer que eu traga Darcy de volta? — eu perguntei,
tentando reprimir a frustração latente dentro de mim. — Ela está sendo
torturada nesse momento. Enquanto você está apenas aí, em pé.
Kevin e os outros caras estavam alinhados ao lado de Fisher como uma
barricada, mas nenhum deles era tão intimidante. Sem Tristan ou Joaquin
aqui, Fisher era o líder de fato, e eu sabia que se pudesse convencê-lo, os
outros não iam me contrariar. Olhei de soslaio para Krista. Sua capa de
chuva branca estava até o queixo, o capuz formando um O perfeito ao redor
do rosto com os cadarços esticados. Parecia que ela preferia estar em
qualquer lugar do que aqui.
— Olha, as minhas ordens foram para não deixar ninguém atravessar
a ponte, então eu não vou deixar ninguém atravessar a ponte — Fisher me
disse.
— Bem, então é isso! — disse Krista, pegando minha mão. — Vamos
voltar para a minha casa.
Afastei meus dedos do alcance dela. Um impressionante relâmpago
iluminou o céu atrás de Fisher, e um trovão se seguiu rapidamente, fazendo
com que Krista gritasse.
— Mas eu não sou qualquer um — eu respondi, cerrando os punhos, a
pele em minhas mãos tão crua pelo aperto que quase se rachou. — Eu sou a
pessoa com quem Pete finalmente falou.
Fisher estreitou os olhos e redefiniu sua posição, olhando pelo nariz
para mim como se ele fosse o comandante e eu alguma menina irritante
desafiando sua autoridade.
— Certo. E como vou saber isso ao certo, exatamente? — ele
perguntou. — Como eu sei que você não está apenas inventando isso?
Agora eu olhei para Krista. Já passou da hora de ela falar. Mas ela só
olhou para mim, os olhos azuis arregalados como um coelho assustado.
— Diga a ele, Krista! — eu exigi. — Diga a ele o que você ouviu.
Krista olhou para o chão. — Ele disse que se abrisse a porta, os
inocentes seriam liberados — ela murmurou. — Mas eu não entendo por
que tem que ser você, Rory! — ela gemeu, de repente cheia de vida. — Não
podemos enviar um dos Lifers mais antigos? Alguém que não tenha amigos,
uma família ou...
— Não temos tempo para começar a procurar uma cobaia disposta! —
eu interrompi. — Você não entende? É a minha família lá. Minha melhor
amiga. Temos que fazer isso agora.
Alguns dos outros caras ouviram isso e começaram a sussurrar,
olhando para nós com um novo tipo de respeito. Possivelmente admiração.
De repente, o rosto de Krista endureceu em uma espécie de máscara
resoluta de medo. — Bem. Então eu vou com você.
— O quê? — Fisher, Kevin e eu dissemos como um só.
Krista limpou a garganta e falou. — De nenhuma maneira eu vou ficar
aqui e explicar para Tristan como eu a deixei ir sozinha — ela disse. —
Lidar com as consequências disso seria muito pior do que qualquer coisa que
a Terra das Sombras tem para oferecer.
— Uau, Krista. Estou impressionado — disse Fisher, a olhando de
cima a baixo.
Krista levantou os ombros. — Ela é minha melhor amiga. Como se
fosse minha irmã. Se ela for, eu acho que tenho que ir também.
Kevin virou as costas para nós e murmurou algo no ouvido de Fisher.
Então Fisher virou as costas para nós, e os dois começaram a sussurrar
ferozmente até Fisher finalmente gritar, — Tudo bem!
Eu senti Krista tensa. — Tudo bem o quê? — eu perguntei.
— Tudo bem, vocês podem ir. Mas eu vou com vocês. Quanto mais
gente mais seguro, certo?
Ele deu um passo para o lado, formando um buraco na linha entre ele
e Kevin. A ponte apareceu diante de nós, com as vigas de aço parecendo
enormes no pé da ponte antes que afilassem e desaparecessem dentro da
roda de névoa cinzenta. Minha garganta ficou seca, e a mistura de medo e
adrenalina correndo através de mim fez a minha cabeça rodar. Mas me forcei
a caminhar em direção à linha onde a estrada enlameada encontrava a rampa
de aço, e eu não olhei para trás, mas eu podia ouvir Krista e Fisher atrás de
mim.
Parei em frente à parede de névoa. Dezoito passos e eu veria Darcy
novamente. Dezoito passos e eu teria meu pai de volta. E Aaron, Jennifer e
todo mundo que estava sofrendo desnecessariamente. Fisher apareceu à
minha esquerda, Krista à minha direita.
— Devo avisar a vocês, não é agradável lá — eu disse. — Há vozes.
Sussurros. E algo continuava tentando me agarrar. Eu não sei quem ou o
que, mas... não foi divertido.
— Eu acho que vou vomitar — disse Krista.
— Não se preocupe — Fisher disse a ela, apertando-lhe o ombro. —
Eu te protejo.
Eu tomei uma respiração profunda. — Prontos?
Fisher olhou por cima do ombro e deu um aceno a Kevin. Kevin
levantou o walkie-talkie aos lábios e falou. — Joaquin. Ouça, Joaquin. Rory,
Krista e Fisher estão atravessando a ponte. Eles dizem que sabem como
abrir o portal para a Terra das Sombras. Você pode querer vir para cá.
— Fisher! — Krista e eu repreendemos.
Fisher deu de ombros. — Vocês não vão para a batalha sem reforços.
Agora, vamos resgatar a minha namorada.
E então ele deu o primeiro passo na neblina. Eu cerrei os dentes e o
segui, sabendo que Joaquin e, possivelmente Tristan — se conseguisse
escapar — estavam a caminho daqui, mas isso não importava mais. Isso não
ia demorar muito. No momento em que ele chegasse aqui, tudo estaria
acabado.
No segundo em que a neblina me envolveu, eu estava sozinha. Fisher
deveria estar bem à frente, Krista à minha direita, mas eu não podia ver
nenhum deles. Então, de repente, uma mão se fechou em torno da minha e
Krista reapareceu. Ela sorriu fracamente e eu sorri de volta.
— Aqui vai.
Juntas, começamos a contar os nossos passos.
— Um... dois... três...
Os sussurros começaram.
— ...ela trouxe uma amiga...
— ...bonita, bonita...
— ...morder os dedos, um por um...
O aperto de Krista na minha mão ficou mais forte. O medo corria
através de mim, pulsando em minhas veias, minhas têmporas, meus pulsos,
meu coração, mas eu sabia que não podia parar. Darcy dependia de mim.
Meu pai e Aaron precisavam de mim. Imaginei seus rostos, seus sorrisos,
seus olhos e continuei andando. Eu tinha sobrevivido a isso antes. Eu
poderia sobreviver novamente. Por eles.
— Quatro... cinco...
Um dedo frio arrastou-se pela minha bochecha. Krista gritou e deu um
tapa na parte de trás de seu pescoço.
— O que foi isso? — ela lamentou.
— Não é nada. Está apenas brincando com a gente — eu disse a ela,
desejando que o terror da minha voz sumisse.
— O que está brincando com a gente? — seu aperto na minha mão era
como um vício.
— A ponte — eu disse através dos meus dentes. — Basta continuarmos
indo. Estamos quase lá.
— Seis... sete... oito... — eu contei sozinha neste momento.
— ...ainda tão ignorante...
— ...não sabe o que ela...
— ...escura como breu, aquela ali...
— Rory? — Krista choramingou, olhando por cima do ombro para o
nada. — Isso foi uma má ideia. Eu quero ir embora. Vamos lá, ok? Por favor?
Em seguida, ela gritou novamente, e eu vi seu cabelo levantar por trás
dela, uma coisa invisível na névoa puxando seus fios emaranhados.
— Oh meu Deus — ela gemeu, sua respiração entrecortada. — Oh meu
Deus, oh meu Deus, oh meu...
— Não há nada aí — eu prometi a ela. — Continue se movendo.
— Nove... dez...
A névoa à minha esquerda rodou, em seguida, começou a pulsar.
Dentro e fora. Dentro e fora. Como se alguém estivesse a apenas alguns
centímetros de distância, respirando. Assistindo. Krista segurou minha mão
com as dela agora, me puxando desajeitadamente contra seu lado.
— Fisher? — eu sussurrei.
A resposta foi uma risada tão escura e má que não poderia ser de um
ser humano. Pelo menos não um vivo. Meu cérebro ficou momentaneamente
confuso, e eu tinha certeza que estava prestes a desmaiar de medo. Mas
Krista agarrou-se ao meu lado, me firmando com seu terror e obrigando-me
a ser a única corajosa. Eu sabia que não poderia desistir. Se eu desistisse,
tudo estava perdido.
— Você não precisa deles. Sua família. Você não precisa — Krista
sussurrou furtivamente, olhando fixamente para a névoa pulsante. — Você
tem a mim agora. Tristan e Joaquin. Darcy e seu pai iam seguir em frente
de qualquer maneira, certo? Por que não os deixamos ir? Basta deixá-los ir,
para que possamos dar o fora daqui?
Eu cerrei os dentes e ignorei. Eu precisei. Se eu escutasse o que ela
estava dizendo, ia dar um soco na cara dela. Eu me virei e continuei andando,
agora arrastando Krista comigo.
— Treze... quatorze... quinze... dezesseis.
— Nãonãonãonãonãonãonão — Krista balbuciava, sacudindo a cabeça.
— Não, por favor. Não.
— ...sai, sai, onde quer que esteja!
— ...nunca pensei que iria acabar assim...
— ...mais perto, querida, um pouco mais perto...
Um dedo ossudo roçou minha orelha de cima a baixo, prendendo os
cabelos dispersos por trás dela. Eu senti um arrepio nas minhas costas e
quase gritei. Krista plantou seus pés e inclinou-se para trás, fazendo o seu
melhor para me fixar no local. Felizmente, eu era mais forte. Fechei os olhos
e passei pelos dois últimos degraus, puxando seu braço.
— Dezessete — eu disse. — Dezoito.
Paramos. Krista tremia da cabeça aos pés. Eu podia ouvir seus dentes
batendo. Juntei cada pedaço de coragem que eu tinha deixado dentro de
mim, o meu coração batendo tão forte que eu podia sentir como se tivesse
outro, e me virei para a esquerda. Não havia nenhum sinal de Fisher. O que
quer que ele achasse que iria fazer para nos salvar, não ia acontecer. Nós
estávamos sozinhas. Tomara que ele continuasse andando e acabasse no
mesmo lugar onde começou, como eu fiz há dois dias.
— Roreeeee... — Krista chamou. Suor tinha juntado entre as palmas
das mãos e se transformou em gelo.
— Não se preocupe. Tudo vai ficar bem.
Isso foi para a minha família. Isso foi para o meu pai, Darcy e Aaron.
Por mais que eu odiasse pensar nele, naquele momento, eu fechei os olhos e
conjurei uma imagem de Steven Nell, ofegante e cuspindo enquanto tomava
suas últimas respirações. Eu segurei minha respiração e sussurrei: — Eu
tirei a vida de outra pessoa.
Houve um grande estrondo, como o som de um caminhão de lixo
baixando a sua caçamba de metal no chão negligentemente. A ponte abaixo
de nós tremeu. Krista de alguma forma aumentou seu aperto em mim,
apertando meus dedos como se minha mão fosse quebrar. A névoa na nossa
frente começou a se mover a esmo num primeiro momento, como a fumaça
sendo dispersa de um incêndio, mas rapidamente se organizou em um
vórtice, girando diante de nós como um furacão de lado abrindo a boca.
Ficamos ali, mas não sentimos nenhum vento.
Eu estava olhando para uma profundidade infinita de escuridão, mais
escura do que qualquer coisa que eu tinha visto na Terra, e tive certeza de
que tinha sido enganada. Eu tinha certeza de que a qualquer momento, algo
frio, cinzento e viscoso ia nos alcançar, nos agarrar e nos arrastar para o
inferno.
Ela ia passar a eternidade sofrendo na Terra das Sombras, e era minha
culpa.
— Krista — eu disse através dos meus dentes. — Corre.
— O quê? — ela lamentou.
Eu estava prestes a virar e empurrá-la tão forte quanto eu poderia de
volta para a névoa, mas em seguida — logo em seguida — eu a ouvi. Sua
voz estava tão perto que ela não poderia estar a mais de meio metro de
distância.
— Rory! Você veio!
— Darcy!
Fui em direção à escuridão — em direção à voz — e meus dedos
alcançaram um tecido. Uma manga. Eu cravei minhas unhas nela tão forte
quanto eu podia e puxei. Eu a peguei. Eu peguei Darcy. Em seguida, a pessoa
que eu estava agarrando apareceu, e não era Darcy.
Era Steven Nell.
Ele parecia exatamente o mesmo desde a última vez que o vi. O cabelo
escuro e pegajoso caindo sobre a testa. Os óculos de lentes grossas
empoleirados em seu nariz. O sorriso cruel em seus lábios finos e pálidos.
De repente, o tempo parou. Senti a lâmina da faca no meu estômago,
como se tivesse acabado de acontecer. Vi o sangue no cabelo da minha irmã.
O corpo do meu pai desmoronando no chão. Era como se todos os pesadelos
que eu tinha tido no mês passado estivessem de repente voltando à vida em
detalhes vivos, horripilantes e excruciantes.
— Rory Miller — ele disse alegremente. — Você voltou para casa.
De repente, eu sabia. Ele queria fazê-lo novamente. Ele ia fazê-lo
novamente. Ele ia nos matar, nos abater, várias e várias vezes enquanto
existisse o universo. Até o fim dos tempos. Ele estava desejando isso.
Eu me livrei dele e corri. Direto para Krista.
Ela olhou para mim, seus olhos azuis escuros de raiva.
— Krista? — eu sussurrei.
— Bem-vinda à Terra das Sombras, Rory.
Então ela me empurrou com uma força que eu nunca teria imaginado
que tinha dentro dela, direto para os braços de Steven Nell.
39 DE BOM GRADO
Traduzido por Vivian N.
lhei para Krista, sentindo a respiração terrível de Steven Nell
aquecendo a parte de trás do meu pescoço. Ela era a cúmplice? Não
é possível. Ela era minha amiga. Minha melhor amiga. Eu a tratava
como uma irmã, e ela fazia o mesmo por mim. Como ela poderia ter feito
isso? Como ela poderia ter tentado colocar a culpa em mim, arrastar a minha
família para a Terra das Sombras, tramar pelas nossas costas e mentir nas
nossas caras?
Krista alisou o cabelo molhado do rosto e ergueu o queixo enquanto
me olhava. Mas ela ainda era Krista. Ainda uma menina doce, bonita que
queria nada mais do que ser amiga de todos.
Não era?
— Eu não posso simplesmente levá-la. Você sabe disso — disse Steven
Nell, com os olhos lacrimejantes sacudindo sobre Krista como se ele
estivesse sob aviso prévio. — Rory Miller deve vir de bom grado.
Ele segurou seu braço direito em volta de mim como um torno, minhas
costas contra seu torso, e chegou até a correr os dedos secos e gélidos no
meu rosto. Eu podia sentir o seu queixo comprimindo meu crânio pelo meu
cabelo enquanto minha cabeça se esfregava contra a dele. Bile se levantou
no fundo da minha garganta. Eu me contorci, tentando ir para longe dele,
mas ele era forte. Muito mais forte do que ele tinha sido em vida.
— Krista? — eu disse, meu pulso batendo furiosamente nas minhas
veias. Cada centímetro do meu corpo tremia, o que me deixou brava. Eu
odiava demonstrar medo na frente de Nell. — O que diabos está
acontecendo?
Com o canto do meu olho, eu vi algo mover na escuridão. Um sussurro
de uma figura. Meu pai? Darcy? Eu ainda poderia salvá-los?
— Eu só quero ir para casa — disse Krista simplesmente. — Eu não
pertenço a este lugar.
O
— É disso que se trata? — eu exigi. — Você ter a chance de ir para o
seu baile maldito?
— Você não entende, Rory? Eu não deveria morrer — Krista estalou,
curvando sua cintura. — Você sabe disso. Eu sei disso. E naquela noite que
eu trouxe Steven Nell até aqui, ele me disse que o universo também sabia
disso. Que perturbava o equilíbrio quando alguém tomava a sua vida por
engano. Então ele me fez uma oferta. Ele queria você como seu animal de
estimação eterno, mas a Terra das Sombras não aceita tomar uma Lifer
boazinha como você, a menos que você venha de boa vontade. E ele sabia
como fazer isso acontecer.
— E quanto a Darcy? Ela não veio de bom grado — eu disse.
Krista sorriu. — Você se esqueceu: Ela não era uma Lifer ainda. Não
oficialmente.
— Você é louca — eu disse, balançando a cabeça, tentando me afastar
quando Nell acariciou meus cabelos. — Não há nada que me faça me
voluntariar para uma eternidade com ele.
— Ah, eu acho que você vai — disse Nell levemente.
Ele levantou uma mecha do meu cabelo e lentamente colocou-a sob o
nariz, cheirando-a. Um tremor nojento de puro prazer abalou todo o seu
corpo antes que ele reverentemente o tocasse nos lábios. Meu lábio inferior
tremeu e eu fechei os olhos, tentando não dar a Nell a satisfação de ouvir-
me soluçar.
— Ele me deu as moedas adulteradas. Ele me disse que se eu entregasse
dezoito almas para a Terra das Sombras, incluindo sua pequena família —
Krista cuspiu a palavra como se tivesse chamuscado sua língua. — Eu
poderia ter o que eu queria. Eu poderia ter minha vida de volta. Eu pedi a
Pete para me ajudar, porque eu sabia que não podia dominar essas pessoas
sozinha. Eu disse a ele que a Terra das Sombras iria recompensá-lo por seu
trabalho duro, também.
— O que você prometeu a ele? — eu cuspi.
— Ele queria ver seu irmão novamente. O garoto morreu quando Pete
tinha apenas oito anos de idade. Então eu disse que ele poderia ir para a Luz
e vê-lo. — Krista deu de ombros.
— E eu suponho que você nunca teve a intenção de cumprir essa
promessa.
Krista sorriu. — Como eu poderia? Estou sou inferior a isso. Foi uma
pena que Cori me seguiu quando eu fui me encontrar com Pete naquela noite
depois que ele “desapareceu” e nos ouviu. Foi realmente horrível eu ter que
empurrá-la daquele penhasco.
Minha garganta ardia, e lágrimas brotaram dos meus olhos. Eu não
podia acreditar no que estava ouvindo. Não podia acreditar que isso estava
vindo da boca de Krista Parrish.
— Por que dezoito almas? — eu perguntei. — Por que levar a minha
família?
— Porque ele sabia que se eu fizesse isso, ele seria capaz de criar outro
acordo. Com você.
Engoli em seco. Meu couro cabeludo formigava cada vez que as unhas
de Nell passavam pelo meu cabelo. — O quê? — eu perguntei. — Que
acordo?
Krista deu um passo adiante. Seus olhos pareciam mortos quando ela
ergueu o queixo e ficou bem em frente ao meu rosto. — Sua alma eterna
pelas deles.
Meu coração caiu no meu estômago. Nell começou a rir. Senti a
respiração dele contra a minha orelha. Seu corpo magro sacudiu com a força,
rangendo contra o meu aos trancos e barrancos. Virei a cabeça para olhar
para a escuridão sem fim. Minha família estava lá em algum lugar, e eu era
a única que poderia salvá-los.
Contanto que eu me sacrificasse.
Não que fosse mesmo uma escolha. Haveria realmente alguma maneira
que de eu escolher a mim em vez deles? Eles nem sequer estariam mortos
se não fosse por mim. Se eu não tivesse me afastado de Nell naquele dia na
floresta, Darcy e meu pai ainda estariam vivos. Eles ficariam triste sem mim,
claro, mas eles estariam vivos e eles seguiriam em frente. Em vez disso, suas
vidas tinham acabado e eles tinham ganhado alguns dias no inferno, graças
à velha eu.
A escolha era clara. Se fosse para eu sofrer para sempre na Terra das
Sombras, ou eles, eu me escolho.
Eu olhei para os meus pés, uma determinação de aço frio vindo sobre
mim. Eu sabia que eles não mereciam estar aqui, mas no final das contas, na
verdade, eu merecia? Nell podia ter sido um diabólico portador da morte,
mas ele ainda era um ser humano vivo, e eu o tinha matado. Eu tinha feito
isso de propósito. Eu tinha feito isso com malícia em meu coração. Eu tinha
saboreado o ato. Nesse momento, assassiná-lo parecia uma coisa boa.
Parecia certo.
Meu pai e Darcy não pertenciam à Terra das Sombras. Mas talvez eu
pertencia.
Fechei os olhos e imaginei o meu pai, Darcy e minha mãe. Na minha
mente, eu olhei para cada um deles, solidificando suas imagens em minha
mente, e disse adeus.
— Não, Rory! — ouvi Darcy gritar, embora não soubesse se era real
ou minha imaginação, eu não tinha ideia. — Não! Não faça isso! Por favor!
Eu bloqueei seus apelos, o que tornou o que eu estava prestes a fazer
muito mais fácil.
Eu abri minha boca para dizer isso. Para dizer sim, eu estaria disposta
a ir para a Terra das Sombras se os inocentes fossem libertados. Eu olhei
para Nell. Seu terrível sorriso se alargou, aprofundando as rugas no seu
rosto.
— Eu...
— Rory, não! — a voz de Tristan gritou. — Não faça isso! É uma
armadilha!
40 UMA CHANCE
Traduzido por Vivian Nantes
ristan e Joaquin saíram para fora da névoa. Krista cambaleou ao
redor, gritando e bateu em Joaquin. Seus olhos se arregalaram de
surpresa, mas ele reagiu rapidamente. Ele a agarrou pelo braço, a
prendeu em seu lado, e chutou suas pernas, empurrando-a de cara no chão.
— O que diabos está acontecendo? — Joaquin me perguntou.
— É ela quem tem enviado as pessoas para a Terra das Sombras — eu
disse. — Era Krista o tempo todo.
Tristan e Joaquin trocaram um olhar, como se isso não os
surpreendesse completamente.
— Então Liam estava dizendo a verdade — disse Tristan.
Joaquin ajoelhou ao lado de Krista, os lábios a um milímetro de sua
orelha. — Se eu fosse você, eu ficaria bem quieta.
Então ele se levantou e colocou o pé nas costas dela.
— Rory. — Tristan estendeu a mão para mim, mas Nell me puxou de
volta, um pouco mais perto do abismo. Olhei para Tristan
desesperadamente, desejando que houvesse alguma maneira que ele pudesse
me salvar dessa, como ele me salvou de tantos outros momentos terríveis.
Mas nem mesmo Tristan poderia resolver isso.
— Rory, me escute. Era uma armadilha — ele disse rapidamente. —
Bea encontrou Liam. Acontece que ele e Pete se conheciam no outro mundo,
e era por isso que eles sempre agiam de modo estranho um com o outro.
Liam não nos disse porque ele pensou que sua conexão com Pete poderia
nos fazer suspeitar dele, e Pete não queria envolver Liam. Mas na noite
passada Krista o soltou, esperando nos distrair com outra caçada. Ele estava
com Lalani em seu quarto nas docas, e ele está bem.
— Ok. Ok, que bom — eu disse, tentando o máximo que pude agarrar-
me a algo positivo. Pelo menos Liam estaria bem. Eventualmente. Pelo
menos os meus primeiros instintos sobre ele estavam corretos.
T
— A “confissão” de Pete era uma armadilha — continuou Tristan. —
Eles queriam que você estivesse sozinha — ou quase sozinha — quando
você ouvisse. Pete disse que Krista ajudou os gêmeos Tse a escapar da
prefeita mais cedo e os deixou irritados novamente. A multidão era apenas
uma distração para o resto de nós, com isso ela poderia levá-la para a prisão
sozinha, então ele poderia deixar escapar para você e fazer você vir até aqui.
Nada disso é real.
— E a minha família? — eu disse, olhando por cima do meu ombro
para o abismo. — Eles são reais. E eu posso salvá-los, Tristan.
— Você não sabe disso. — Sua voz era um grasnido agudo, seus olhos
estavam avermelhados. — Nós estamos falando sobre o mal puro aqui,
Rory. Você realmente acha que pode confiar em algo do que ele diz? Algo
do que eles dizem? — ele acrescentou, olhando de Nell para Krista. — Como
você sabe que não ficará presa aqui para sempre?
A realidade pesada dessa possibilidade se estabeleceu em cima dos
meus ombros.
— Você está me chamando de mentiroso? — perguntou Steven Nell,
apertando a mão sobre mim. Raiva brilhou nos olhos de Tristan, e eu
poderia dizer que ele estava se contendo para não atacá-lo, para manter o
controle. Ele não olhou para Nell, mas olhou diretamente para mim.
— Não faça isso, Rory. Por favor — ele implorou, avançando em
direção à mim. — Você não merece passar a eternidade na Terra das
Sombras.
— Talvez sim. Talvez não — eu disse a ele. — E talvez isso vá
funcionar ou talvez não. Mas, Tristan, eu tenho que tentar. Se há uma
chance de que eu possa salvar a minha família, eu tenho que tentar. — Eu
olhei para Nell, engolindo minha revolta com a visão de seu rosto, tão perto
do meu. — Eu gostaria de dizer adeus.
Os olhos azuis lacrimejantes de Nell suavizaram quando ele olhou para
mim, e de alguma forma, aquela expressão de carinho era mais assustadora
do que qualquer outra coisa que ele já tinha feito para mim. Era como se ele
estivesse me chamando de “sua” com aquele olhar.
— Você tem um minuto — ele disse, me soltando.
Eu cambaleei para longe dele e me joguei em Tristan. Ele me segurou
tão perto de seu peito que eu não poderia separar seu batimento cardíaco do
meu. Eu enterrei meu rosto em sua camiseta molhada, com falta de ar.
— Não — ele disse no meu ouvido, seus dentes cerrados. — Você não
pode me deixar. Nós vamos ficar juntos para sempre. Por favor, Rory. Não
faça isso. Não.
Inclinei a cabeça para cima, e as lágrimas correram livremente pelo
meu rosto. — Eu sinto muito, Tristan. Eu sinto muito. Eu te amo. Eu nunca
vou deixar de te amar, eu juro.
Ele se inclinou e pressionou seus lábios nos meus firmemente,
desesperadamente, com saudade, e eu o beijei de volta o mais forte que pude,
tentando me estampar em sua memória, como se uma parte de mim
realmente pudesse permanecer lá para sempre.
— Eu também te amo — ele disse.
— Eu sei.
De alguma forma, eu o soltei. Eu me virei e olhei para Joaquin. Seu
peito arfava, seus olhos cheios de lágrimas não derramadas. Fui até ele,
fiquei na ponta dos pés, toquei sua bochecha e a beijei.
— Adeus.
Ele não disse nada. Ele não precisava. Eu sabia como ele se sentia. Eu
sabia o que eu estava fazendo para ambos. Mas eu também sabia que eu
estava fazendo a coisa certa. Eu passei por Krista, que estava sorrindo sob a
bota de Joaquin, e fiquei na frente de Nell.
— Não — Tristan implorou, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
— Não, não, não.
Eu levantei meu queixo, não me deixando pensar no que deveria ser.
— Sim — eu disse a Steven Nell, para o meu pior pesadelo que se
tornou real. — Eu vou com você.
— Não! — Tristan gritou.
Steven Nell sorriu. Meus ouvidos, minha cabeça, meu coração, meus
pulmões encheram com o som de sucção terrível que significava que tinha
acabado. Significava que eu estava sendo engolida inteira. Devorada. Eu
nunca mais veria a minha família, a minha casa, o meu amor novamente.
— Rory, não! Por favor, não!
Tristan estendeu a mão para mim, seu braço, mão e dedos se
estenderam em desespero puro, e então ele se foi.
41 A ESCOLHA
Traduzido por AMR
ory. Rooreee! Hora de acordar, querida. É um novo dia.
Eu respirei fundo, tentando continuar a dormir,
sabendo que se eu abrisse meus olhos, a voz de minha mãe
deixaria de existir, assim como ela tinha deixado de existir. Ela estava
chamando meu nome, e eu não queria que isso acabasse.
— E eu pensei que tinha o sono pesado — disse Darcy sarcasticamente.
— Dê um tempo a ela. — Esse era meu pai falando. — Ela passou por
muita coisa.
— Vamos, querida. — Minha mãe balançou meu ombro suavemente.
— Eu quero olhar em seus olhos.
Pisquei meus olhos, acordando. Eu estava sobre um tapete de algodão
macio no chão de um grande quarto branco, e eu estava olhando para o rosto
de minha mãe. Ela não se parecia em nada com ela no dia em que ela morreu,
com aquelas bochechas fundas e olhos esbranquiçados. Ela parecia saudável.
Perfeita. Como se ela nunca tivesse tido câncer.
— Olhem só. É o meu bebê — disse ela, com a voz forte.
Sentei-me e ela me envolveu em um abraço com aroma de lilás. Seu
cabelo loiro roçou meu rosto. Eu tinha esquecido seu cabelo, o quão longo e
suave era.
— Mãe? Onde nós estamos? — Olhei para cima e vi meu pai e Darcy
em pé atrás dela, usando as mesmas roupas que usavam na noite em que eles
desapareceram. Darcy em uma camiseta azul justa e jeans. Papai em sua
camisa pólo e calça cáqui. — Eu estou sonhando, certo? Isso é um sonho.
Minha mãe estendeu a mão e colocou meu cabelo atrás das orelhas. —
Não é um sonho — disse ela, com um sorriso orgulhoso iluminando seu
rosto. — Nós estamos aqui por sua causa. Estamos juntos por sua causa.
— Minha?
—R
— Você cometeu um ato puramente altruísta — minha mãe disse, com
a mão descansando em cima de mim. Estava tão bronzeada e perfeita, seu
anel de casamento brilhando em seu dedo anelar. — Você deu-se de bom
grado para a Terra das Sombras para salvar as almas, e por causa disso, você
foi enviada para a Luz.
Meu coração deu um pulo, e eu olhei para o meu pai. — Esta é a Luz?
E quanto aos outros?
— Eles estão aqui — disse Darcy com um sorriso. — Aaron está fora
de si.
Eu ri e lágrimas transbordaram, banhando meu rosto. — E Nadia?
Cori?
— Elas estão aqui desde que atravessaram — minha mãe me disse. —
Elas tiveram a opção de voltar a Juniper Landing, mas preferiram ficar.
Um alívio me bateu no peito. — Então eu não tenho que ir para a Terra
das Sombras? Eu não tenho que ir com...
— Não diga o nome dele — minha mãe disse, tocando as pontas dos
dedos em meus lábios. — Você nunca mais precisa dizer o nome dele.
Eu desmoronei contra ela e chorei, liberando toneladas de terror,
confusão e incerteza que eu tinha reprimido por tanto tempo. Minha mãe
me abraçou forte, sua força radiando através de mim. Só estar com ela, poder
ser abraçada por ela novamente, era o maior presente que eu já recebi.
— Estou tão orgulhosa de você, querida — disse ela em meu cabelo,
beijando o topo da minha cabeça. — Tudo o que você passou e tudo que
você fez, e você ainda é a minha menina forte.
— Você esteve me observando? — perguntei através das minhas
lágrimas.
— Claro. Você está brincando? Estive observando você desde o
momento em que eu morri — disse ela. Ela inclinou a cabeça para trás e
segurou meu rosto entre as mãos. — Eu nunca te deixei.
Então ela olhou para o meu pai e Darcy. — Eu nunca deixei qualquer
um de vocês. — Ela olhou nos meus olhos novamente. — E o que você
decidir fazer, eu sempre estarei ao seu lado.
Senti uma pontada de um mau pressentimento. — O que eu decidir
fazer a seguir?
Minha mãe assentiu. Ela se levantou, me puxando pelas mãos para ficar
com ela. Nós saímos do tapete de algodão e pisamos no chão branco e
quente. Com uma mão ainda segurando a minha, minha mãe levantou a
outra e, com a palma para fora, limpou o ar na frente de nós, como se
estivesse limpando uma janela. No mesmo instante, uma imagem apareceu.
Nós estávamos olhando para o pé da ponte, para Tristan, que estava de
joelhos, e Joaquin, que estava de pé ao lado dele. Tristan estava chorando,
seus ombros curvados, as mãos caídas inutilmente sobre os joelhos.
— O que aconteceu? — eu perguntei. — Onde está Krista?
— O acordo de Krista era que ela retornaria para a Terra. Uma vez
que seu ato altruísta salvou aquelas almas inocentes, a Terra das Sombras a
atraiu para si, em vez disso — minha mãe explicou, séria. — Tanto quanto
Tristan e Joaquin sabem, vocês duas estão na Terra das Sombras, e ninguém
foi solto.
Minha boca estava seca como areia. — Então eles acham que eu falhei.
— Eles acham que vocês foram enganadas — minha mãe corrigiu. Ela
respirou fundo e me virei para encará-la. — Agora você precisa decidir se
você quer ficar aqui, na Luz, com a gente, ou voltar para Juniper Landing e
continuar a sua missão.
Meu coração disparou. Olhei para o meu pai e Darcy. — E você? — eu
perguntei a minha irmã. — Você teve a chance da mesma escolha?
— Sim, mas eu já escolhi — disse ela. — Eu vou ficar aqui.
— Oh.
— Quando eu pensei sobre isso, percebi que eu não iria ficar com Fisher
para sempre, e quando terminássemos, iria ser tanto drama — disse Darcy,
revirando os olhos. — Eu meio que me cansei de tudo isso, sabe?
— Mas e quanto a ser uma Lifer? E a nossa missão? — eu perguntei.
Ela levantou os ombros. — Eu nunca fui tecnicamente uma Lifer. Eu
nunca realmente soube o que isso significava. Sinceramente... Eu acho que
eu prefiro ficar aqui e só... existir.
— Rory, nós queremos que você saiba que o que você decidir, estamos
aqui por você e estamos felizes por você — disse meu pai. — Se você quiser
voltar, nós vamos entender. E nós estaremos sempre com você.
Eu balancei a cabeça, olhando para a minha mãe. A única coisa que eu
queria nos últimos quatro anos era vê-la novamente. Ouvir a voz dela. Ter
seu abraço e ouvi-la dizer-me que tudo ia ficar bem. E lá estava ela. Bem ali.
Eu realmente poderia imaginar deixá-la ir de novo?
— Eu quero ficar com você — eu disse claramente. — É a única coisa
que eu queria desde o segundo em que você me disse que estava doente.
— Eu sei, querida.
— Como é aqui? — eu perguntei. — Você está feliz?
— Eu estou em paz — disse ela suavemente. — Há uma certeza sobre
estar aqui. Saber que nada pode te machucar novamente. Não há nenhuma
confusão, nenhum desejo, nenhuma culpa. Você só... existe.
Parecia a perfeição, nunca ter que se preocupar. Nunca sentir dor ou
incerteza. Mas havia algo em seu tom de voz. Ela estava tentando me dizer
algo. Olhei-a nos olhos e me encolhi em entendimento.
— Mas também não há Tristan — eu disse. — Sem confusão, desejo,
dor, incerteza, ou culpa significa que não há paixão, também. Não há... amor?
— Oh, há amor — disse ela. — É tudo que nos rodeia. Mas não é a
mesma coisa. Não é o que você tem com ele.
Ela inclinou a cabeça e sorriu. — Vem cá — disse ela, estendendo uma
mão.
Eu a peguei e ela me puxou para o lado dela, envolvendo um braço em
volta de mim e me segurando perto de uma forma que me agradou o
suficiente para me fazer rir.
— Você o ama, não é? — disse ela. — Com todo o seu coração?
— Sim — eu resmunguei.
— E a sua missão lá... está cumprida? — ela perguntou. — Isso fez
você se sentir bem, útil, realizada?
Eu me endireitei, afastando-me dela, e acenei com a cabeça, mas meus
dedos ainda ficaram em sua mão, não querendo quebrar o contato por
nenhum segundo. — Sim.
— Eu esperei tanto por isso quando eu estava viva — disse ela, olhando
de mim para Darcy. — Por aquele dia em que vocês meninas viriam até mim
dizer que tinham encontrado a pessoa certa. E então, depois de tudo o que
aconteceu... — Ela olhou para o lado, então de volta para mim, sorrindo. —
O ponto é, eu nunca pensei que eu ia poder fazê-lo, mas aqui estamos nós.
— Ela apertou a minha mão, com os olhos brilhando, e eu sabia que ela
pensava que eu deveria voltar. Que eu deveria ser feliz. Que eu deveria ter
uma vida, mesmo que estranha e não convencional, como mortos-vivos que
éramos. — É incrível como o universo funciona, não é?
Eu balancei a cabeça, meio soluçando, meio rindo. — Sim. É.
— Está tudo bem — minha mãe me disse. Ela me puxou em seu peito
e me segurou apertado, com o queixo no meu ombro. — Está tudo bem,
bebê. Vá. Fique com ele. Você merece ser feliz.
— Mãe — eu exclamei. — Mamãe. Eu gostaria que você pudesse vir
comigo.
— Eu sei — disse ela. — Eu sei. Mas nós já passamos por isto antes.
Nós podemos fazê-lo novamente. — Ela se afastou e tocou meu rosto. — E
quem sabe? A eternidade é muito tempo. Podemos talvez encontrar uma
maneira de nos encontrarmos no futuro. Nós garotas Miller parecemos ter
uma forma de contornar as regras.
Eu bufei e ri, lágrimas e secreção correndo espontaneamente pelo meu
rosto, como se eu me importasse. Virei-me e abracei meu pai, me
despedindo. Ele ficou forte por uns bons cinco segundos antes de finalmente
soltar um gemido alto, e eu quase desmoronei. Então eu me virei para
Darcy, e ela agarrou-me com força com seus braços em meus ombros
enquanto eu agarrava a sua cintura magra. Ela passou a mão no meu cabelo
e beijou minha testa.
— Diga a Fisher que eu disse adeus — ela me disse. — E para aquele
outro idiota também.
Eu sorri. — Vou dizer.
Então, finalmente, voltei para a minha mãe para um último abraço
reforçado. Ela beijou uma bochecha, depois a outra, e então a minha testa, e
colocou as mãos sobre meus ombros.
— Nunca se esqueça quem você é — disse ela.
— Quem eu sou mesmo? — eu perguntei entre lágrimas.
— Você é Rory Miller — disse ela. — Você é forte, inteligente, feroz,
desafiadora, compassiva, carinhosa e verdadeira. Você é minha filha, e eu
estou olhando por você.
Eu sorri do melhor jeito que pude e tentei não gaguejar quando eu
disse, — Obrigada, mãe. Por tudo.
— De nada, querida.
Por um longo momento, ficamos ali, olhando uma para a outra, e
mesmo eu sabendo que isso era um adeus, e mesmo que minhas pernas
estivessem pesadas com a tristeza, isso era muito diferente do momento que
eu disse adeus a ela na Terra. Havia tanta incerteza então, tanto finito, tanto
nunca, nunca mais. Agora eu sabia onde ela iria estar, eu sabia que ela estaria
segura, e eu sabia que ela estaria me observando. E a realidade disso fez meu
coração se sentir leve.
Minha mãe balançou a cabeça, em seguida, me virou lentamente. Aos
poucos, silenciosamente, um vórtice abriu-se diante de nós, branco e longo
e muito menos intimidador que o outro. Minha mãe se inclinou para frente
e sussurrou em meu ouvido. — Eu te amo.
— Eu também te amo — eu disse.
Uma bolsa de veludo apareceu em suas mãos, e ela me entregou. Era
pesada, e eu tinha a sensação de que eu sabia o que havia dentro. — Aqui —
ela disse. — Você vai precisar disso.
— Obrigada, mãe — eu disse levemente. — Você sempre soube me dar
os melhores presentes.
Ela deu de ombros e beijou minha testa. — Sua mãe sabe melhor do
que ninguém o que você precisa.
Eu sorri, me virei e atravessei.
42 EM CASA NOVAMENTE
Traduzido por Vivian Nantes
uando voltei para a Juniper Landing, eu estava de pé na ponte, bem
atrás de Joaquin, que estava logo atrás de Tristan. Era como se não
tivesse passado o tempo entre a imagem que minha mãe havia me
mostrado na Luz e este momento. Acima, as nuvens estavam começando a
romper e dispersar, dando lugar a pequenos pedaços irregulares de céu azul.
— Ei — eu disse. — Quem morreu?
Joaquin girou, tão assustado que quase perdeu o equilíbrio. — Rory?
Tristan se levantou. Ele se manteve de costas para mim pelo que
pareceu uma eternidade, antes de finalmente se virar. Seu rosto parecia
abatido, como se ele não tivesse dormido há dias. Havia sombras roxas sob
seus olhos e uma lágrima se agarrava na parte inferior do seu queixo.
— Cedo demais? — eu perguntei, mordendo meu lábio inferior.
— Meu Deus.
Em dois passos largos, ele fechou a distância entre nós e me puxou para
um beijo profundo e apaixonado, com os braços em torno de mim me
prendendo e me dobrando para trás. Enquanto eu o segurava, o saco de
veludo pesado que minha mãe havia me dado descansou contra suas costas.
Eu senti o sol quente de encontro ao lado do meu rosto e ri mesmo que eu
estivesse beijando-o.
Finalmente, Tristan se afastou e olhou nos meus olhos com admiração,
afastando meu cabelo para trás do meu rosto. — Eu pensei que tinha perdido
você — ele disse. — Eu pensei que você tinha ido embora para sempre.
— Eu sei — eu disse enquanto as nuvens continuavam a se separar. —
Eu também. — Eu olhei para a área deserta em torno da ponte, as dezenas
de pegadas de lama salpicando o chão. — Onde estão todos?
— Eu os enviei para lidar com a multidão — Tristan me disse,
segurando a minha mão. — Esperamos que eles estejam mantendo as coisas
sob controle.
Q
— O que diabos aconteceu aqui? — perguntou Joaquim, pairando à
minha esquerda. — Darcy e seu pai saíram?
— Sim. Eles estão bem. Todo mundo está bem — eu disse a eles. —
Eles foram liberados para a Luz. Eu, meu pai, Darcy, Aaron, Jennifer...
todos. Acabamos indo para lá. — Eu limpei minha garganta. — Todos,
exceto Krista.
Houve um pulso rápido de tristeza, de temor. Até hoje, Krista tinha
sido um dos nossos, alguém digno de proteger, de amar. Ia demorar um
pouco para qualquer um de nós aceitar o que ela tinha tentado fazer.
Um estalo quebrou o silêncio. A voz de Bea ecoou através de nossos
walkie-talkies. — Tristan? Você está aí? Câmbio.
Ele puxou o rádio de seu cinto e apertou o botão para falar. — Estou
aqui. Tudo bem? Câmbio.
— Não exatamente — respondeu ela. — Conseguimos dominar parte
da multidão, mas os gêmeos estão a caminho de vocês com cerca de uma
dúzia de outros, e eles não estão felizes. Câmbio.
— Maldição — disse Joaquin. — O que vamos fazer?
Eu senti o saco de veludo pendurado fortemente do meu pulso. — Nós
vamos usar isso.
Segurei o saco para cima, e os olhos de Tristan se arregalaram. Joaquin
inclinou-se e abriu o nó apertando do topo. Dezenas de moedas de ouro
brilhavam à luz do sol. Joaquin pegou o saco e segurou-o com as duas mãos.
— Onde você conseguiu isso? — ele perguntou.
Eu sorri, os olhos brilhando com lágrimas. — Com a minha mãe.
— Você viu a sua mãe? — Tristan estava atordoado.
Eu tomei uma respiração profunda. — Sim. Ela me deu uma escolha:
Ficar na Luz, ou voltar aqui e ficar com vocês.
Ao longe, um motor de caminhão rugiu. Os visitantes estavam
chegando. Meu coração bateu com ansiedade, mas eu sabia que ia ficar tudo
bem. Eles poderiam estar um pouco confusos, mas nós iríamos acalmá-los,
iríamos conduzi-los, e eles iriam para a Luz. Tudo ia ficar bem. Pela primeira
vez, eu realmente acreditava nisso.
Tristan segurou nossas mãos e beijou as costas dos meus dedos
enquanto olhava nos meus olhos.
— Você poderia ter ficado com a sua família — ele disse enquanto
processava lentamente a gravidade do que eu tinha feito. — Mas você
escolheu ficar aqui.
— Eu escolhi ficar aqui — eu respondi, — porque você é minha família
agora. E é aqui que eu pertenço.
O sol apareceu em seu rosto bonito quando ele sorriu e me puxou para
ele, me segurando contra seu peito para que eu pudesse sentir a solidez dele,
deleitar-se com a perfeição do momento.
Estávamos juntos agora — juntos no nosso mundo, juntos em nossa
missão, juntos com nosso amor — e nada ia nos separar de novo.
Rory e Tristan.
Para sempre.
O primeiro carro apareceu sobre o cume, e Joaquin se prontificou ao
meu lado, como se preparando para uma luta. Eu estava entre ele e Tristan
e arranquei uma moeda da bolsa de veludo com um pequeno sorriso
determinado.
— Rapazes. — Eu joguei a moeda para o alto e a peguei enquanto as
duas portas do carro batiam e os gêmeos marchavam em nossa direção. —
Nós temos trabalho a fazer.
FIM!
TRILOGIA SHADOWLANDS
Shadowlands
Hereafter
Endless
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