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74 Inlroduçno ó lingüística I YONS, John. Lill~lI(/(~em) l' lill~üística. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. I >idonários cspccializados podem esclarecer dúvidas sobre conceitos e vocabulário espe- dfico da Lingüística. Dentre as várias publicações do gênero há uma em português: D"IIOIS,Jcan et a/ii. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, 1993. A comunicação humana Diana Luz Pesso(/ de /l1II"r/l,\ Quando um rio corta, corta '"l' dl' \'l' / o discurso-rio de água que ele lil/la, cortado, a {Igua se quehrn em Ill'tla\,o", em poços de água, em água pamlhlell Em situação de poço, a ngua l'q 111\'111<' a uma palavra em situação dieionRIIII. isolada, estanque no poço delll lHeHIHII. e porque assim estanque, eNlanl"llll1l e mais: porque assim estancada, IIIIUIIl, e muda porque com nenhuma conlllHll'a, porque cortou-se a sintaxe deNNe 110, o fio de água por que ele diseonill O curso de um rio, seu disenr"o. riO, chega raramente a se reatllr dl' \'l'/ um rio precisa de muito lio dl' II/oIUII para refazer o lio antigo que o k / Salvo a grandiloqüêneia de uma cllI'ill lhe impondo interina outra lingua!!l'lIl um rio precisa de muita água enl lio. para que todos os poços se enlraMl'lI1 se reatando, de um para oulro po\,o, em frases curtas, então Irasc e IrllM até a sentença-rio do discurso ilHll'O em que se tem voz a seca ele cOlHhatl "Rios sem discl/I",w .. João Cabral de Me/o NI'fIl j 1. Língua como instrumento de comunicação Todos nós nos acostumamos a considerar a comunicação muito importante ({h/t'''' não comunica se estrumbica), seja para o mundo globalizado de hoje, seja para o mundo d(' sempre, já que fundadora da sociedade, Nos estudos da linguagem reconhece-se que a comunicação teve e tem pupd essencial. No entanto, esse papel nem sempre foi julgado positivo para a lingu!lgell1l' 1111 línguas naturais do homem, nem sempre foi ponto pacífico que uma das funções du 1111 guagem,comofoivistoemcapítuloanterior,é a de comunicação.Noiníciodo sé(~lIlo '\. a afirmaçãode Saussurede quea línguaé fundamentalmenteuminstrumcntode ('011111 nicação constituiu uma das rupturas principais da lingüística saussureana, em rcluçl10fi" concepções anterioresdos comparatistase das gramáticasgerais do século XIX 1'11111 esses estudiosos, a língua era uma representação, ou scja, represcntava IImu estrlltlll'll til' pensamcnto, que existiria indepcndentcmcntc da fonnalização lingUisticu, e u eomunll'U~'n(ll'lI

02a a Comunicacao Humana

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74 Inlroduçno ó lingüística

I YONS,John. Lill~lI(/(~em) l' lill~üística. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

I>idonários cspccializados podem esclarecer dúvidas sobre conceitos e vocabulário espe-dfico da Lingüística. Dentre as várias publicações do gênero há uma em português:

D"IIOIS,Jcan et a/ii. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, 1993.

A comunicação humanaDiana Luz Pesso(/ de /l1II"r/l,\

Quando um rio corta, corta '"l' dl' \'l' /

o discurso-rio de água que ele lil/la,cortado, a {Igua se quehrn em Ill'tla\,o",em poços de água, em água pamlhlellEm situação de poço, a ngua l'q 111\'111<'

a uma palavra em situação dieionRIIII.isolada, estanque no poço delll lHeHIHII.

e porque assim estanque, eNlanl"llll1le mais: porque assim estancada, IIIIUIIl,

e muda porque com nenhuma conlllHll'a,porque cortou-se a sintaxe deNNe 110,

o fio de água por que ele diseonillO curso de um rio, seu disenr"o. riO,

chega raramente a se reatllr dl' \'l'/um rio precisa de muito lio dl' II/oIUIIpara refazer o lio antigo que o k /

Salvo a grandiloqüêneia de uma cllI'illlhe impondo interina outra lingua!!l'lIl

um rio precisa de muita água enl lio.para que todos os poços se enlraMl'lI1se reatando, de um para oulro po\,o,em frases curtas, então Irasc e IrllM

até a sentença-rio do discurso ilHll'O

em que se tem voz a seca ele cOlHhatl

"Rios sem discl/I",w ..

João Cabral de Me/o NI'fIl

j

1. Língua como instrumento de comunicação

Todos nós nos acostumamos a considerar a comunicação muito importante ({h/t''''não comunica se estrumbica), seja para o mundo globalizado de hoje, seja para o mundo d('sempre, já que fundadora da sociedade,

Nos estudos da linguagem reconhece-se que a comunicação teve e tem pupdessencial. No entanto, esse papel nem sempre foi julgado positivo para a lingu!lgell1l' 1111línguas naturais do homem, nem sempre foi ponto pacífico que uma das funções du 1111

guagem,comofoivistoemcapítuloanterior,é ade comunicação.Noiníciodo sé(~lIlo '\.a afirmaçãode Saussurede que a línguaé fundamentalmenteuminstrumcntode ('011111

nicação constituiu uma das rupturas principais da lingüística saussureana, em rcluçl10fi"concepçõesanterioresdos comparatistase das gramáticasgerais do século XIX 1'11111

esses estudiosos, a língua era uma representação, ou scja, represcntava IImu estrlltlll'll til'

pensamcnto, que existiria indepcndentcmcntc da fonnalização lingUisticu,e u eomunll'U~'n(ll'lI

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26 IntroduçQo à Llngülstlca A comunicoção humana 27

I(mle de

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transmissor destino

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rações de codificação, com as quais se constrói a mensagem, e entre a recepção e o dl~sllno, as operações de decodificação, que permitem reconhecer e identificar os elclIll'lIlosconstitutivos da mensagem. Os ruídos intervêm durante todo o percurso da informaçno ('fazem diminuir a eficiência da comunicação. Ruídos são os diferentes elementos qUl' illterferem na comunicação. Podem ser físicos - barulhos, ruídos, problemas no callul d('comunicação etc. -, psicológicos - desatenção, desinteresse - ou culturais - prohk'lIlIlSde código ou de subcódigo, falta de conhecimentos ou de crenças em comum etc. Em outras palavras, nesse quadro teórico, a comunicação, se simplificarmos bastante, é elllemlida como transferência de mensagens, como a transmissão, de um emissor a um recl'plOl'.das mensagens organizadas segundo um código e transformadas em seqüências de SilllllS,Uma das preocupações desse modelo é, portanto, a de melhorar a transmissão dessa IIIl'IIsagem-sinal, dessa mensagem pensada principalmente no plano dos significantes (dl' suuexpressão sensorial).

Se pensarmos, porém, na comunicação entre seres humanos, mais especificanll'lIte na comunicação verbal, oral ou escrita, seremos obrigados a reconhecer que a comullicação tem também outros fins e que há algumas "dificuldades" nas propostas da teoria dllinformação.

Vamos tratar aqui de três dessas "dificuldades", sob a forma de objeções ou Crl!1cas e de possíveis soluções:

(a) simplificação excessiva da comunicação, ou seja, esses esquemas da comulIIcação simplificam muito a questão da comunicação verbal;

(b) modelo linear da comunicação, isto é, a comunicação, no âmbito da tcoria dflinformação, é concebida linearmente e diz respeito apenas, ou de prefcrêlll'III,ao plano da expressão ou dos significantes (mensagem como seqüência dl' SInais); e

(c) caráter mecanicista do modelo, ou seja, as propostas da teoria da informaçl\o

praticamente não levam em consideração questões "extralingüísticas" ou docontexto sócio-histórico e cultural.

"lei do menor esforço", que a caracterizam, seriam as causas da "desorganização" gramaticaldus línguas, do seu declínio e transformação em "ruínas lingüísticas". O português e oitaliano, por exemplo, seriam "restos" em decadência do latim.

Dessa forma, uma das conseqüências da lingüística saussureana, principalmenteentrc os funcionalistas como Malmberg ou Jakobson, foi a introdução do exame dacomunicação no quadro das preocupações lingüísticas.

2. O modelo de comunicação da teoria da informação

Para o exame da comunicação à luz da Lingüística, vamos tomar como ponto departida, tal como fizeram os lingüistas que inicialmente se preocuparam com a comunicação,alguns dados que não provêm dos estudos lingüísticos propriamente ditos, mas da teoriada informação e da comunicação, A teoria da informação exerceu, sobretudo nos anos1950, torte influência na Lingüística.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a teoria da informação, ao examinar acomunicação o faz de perspectiva muito diferente da dos estudos lingüísticos e comoutros objetivos, que, muito sumariamente, diremos serem os da medida da informação

(qual a quantidade de informação transmitida em uma dada informação) e os da economiada mensagem, tratando de questões como as de codificação eficiente, capacidade detransmissão do canal de comunicação ou de eliminação dos efeitos indesejáveis dosruídos. A teoria da informação tem por fim solucionar problemas também de outra ordem,tais como os concementes à telecomunicação, entre outros.

Uma das propostas mais conhecidas entre os lingüistas foi a de C. F. Shannon, quepropõe para a comunicação o esquema que segue, por nós traduzido:

mensagem sinal sinal recebido mensagem

Nosso próximo passo será, assim, o de verificar de que modo os estudos da lillguagem procuraram vencer as limitações apontadas dos esquemas e modelos da teoria da illformação. Dois caminhos têm sido seguidos: o de procurar, de alguma forma, compk,talou complementar as propostas excessivamente simplificadoras de comunicação; o (k n',ver, de um outro ponto de vista, a questão da comunicação, sobretudo em relação aos a~pectos criticados do caráter linear e mecanicista dos modelos anteriores propostos,

fonte de ruído

O esquema da comunicação comporta assim um emissor e um receptor, divididosl'm duas ou mais caixas (há propostas com subdivisão maior), que separam a codificaçãol' a dccodificação da emissão e da recepção propriamente ditas, um canal, isto é, umsuportc matcrial ou sensorial que serve para a transmissão da mensagem de um ponto aooulro, e uma mCllsagcm, rcsultante da codificação e entendida, no momcnto da trallsmis.NAo,('01110unlll seqnêllcia de sinais. Antcs da transmissão da mcnsagcm sitUUll1,Sl'11'1Opl'

3, Simplificação e "complementação":

as propostas de B, Malmberg e R.Jakobson

Bertil Malmberg (1969) e Roman Jakobson (1969), entre outros lingllistas ou h'\Iricos da informação, fazcm parle do primciro grupo. Suas propostas, dc algumll 1111'11111,procuraram "complelar" ou "ampliar", para que pudesse scr usado para a COllIUlIll'UÇI\OVl'rhal, o IlIodl'lo dl' l'OIlUlllil'uc,no1'X('('ssivunll'lIll'sill1plilkmlo dall'oria du illrofllw~'I\o,

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26 Introdu<,;óo a lInoülsllcu

dn teoria da comunicação ou da cibernética, ou dele aproveitar apenas os elementosnecessários ao exame da comunicação humana. "Caixas" são assim acrescentadas ou~'xeluldas.

Malmberg (1969) faz uma descrição teórica geral do processo de comunicação em~Iue.li partir do modelo da teoria da informação:

(a) introduz a representação do código, como um conjunto de elementos discretos,os signos, guardados no cérebro (elementos discretos são aqueles que se definempela relação que mantêm com os demais, relação esta que permite que os elementossejam recortados de uma continuidade sem forma e delimitados uns em relação aosoutros);(b) representa a relação de atualização das unidades lingülsticas, situando-a entreo código e o emissor;(c) mostra a relação de estimulação que existe entre o universo dos fenômenosextralingüísticos, contínuos, e o emissor;(d) mostra que a representação da realidade formada pelo receptor não coincidecom a do emissor; e(e) aponta diferentes fases na codificação e na descodificação da mensagem.

o esquema da p. 29, por nós adaptado, representa as fases principais de um processod~'comunicação, tal como concebido por Melmberg, e em que a comunicação continua a"il'r entendida como a transferência de uma mensagem, lingüisticamente estruturada, de11msujeito emissor a um sujeito receptor.

Entre os lingüistas, porém, a mais conhecida das propostas de "ampliação" dosmodelos da teoria da informação é, sem dúvida, a de Roman Jakobson (1969). A propostateórica e os esquemas de Jakobson serão tomados como base das discussões sobrecomunicação, que serão feitas a seguir.

Para Jakobson, na esteira dos estudos sobre a informação, há na comunicação umremetente que envia uma mensagem a um destinatário, e essa mensagem, para ser eficaz,requer um contexto (ou um "referente") a que se refere, apreensível pelo remetente e pelodestinatário, um código, total ou parcialmente comum a ambos, e um contato, isto é, umcanal fisico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacitemfientrar e a permanecer em comunicação. O esquema que segue permite visualizar, mas semmuitos detalhes, a proposta de Jakobson (1969: 123).

CONTEXTOMENSAGEM

ImMbTENTE DESTINATÁRIOCONTACTO

CÓDIGO

Ignfteio Assis Silva (1972) propõe, por sua vez, uma representação mais detalhadado l~s~l"cmllde Jakobson (p, 30). retomando os elementos da teoria da informação nãol'xplicitndos por ele,

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30 Introduçõoà lingülsllca

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Na propostade Jakobsone naexplicitação deAssis Silva, asprincipais contribuiçlk!lforam, sem dúvida, a da relação com o contexto, com a experiência comunicada 0/1ti ,\'1'/comunicada, que,como vimos, foi tratada também napropostade Malmberg, c a qucstllodarepresentação do código e dos subcódigos, que examinaremos a seguir.

O código sedefine, nessequadro teórico, como o estoqueestruturado de elcmcnto!ldiscretos que seapresentamcomo um conjunto de alternativas de seleçãopara a produçl'oda mensagem.O termo código é utilizado em lugar de língua, tanto por causa da definiçnomais restrita acima apresentatla, quanto por sua maior extensão de aplicação a sislcmll!llingüísticos e não-lingüísticos, como o código de trânsito, por exemplo. Émile Benvcnisk(1976), ao comparar a comunicação das abelhas com a linguagem dos homens, conclui qu~ II!Iabelhas não têm linguagem, mas apenas um código de sinais, pois não há, entre as abclha!!.diálogo, retransmissão de informação, metalinguagem, outros dados, além dos de alimenlaç~o.articulação, que são características fundamentais da comunicação entre seres humanos.

Para que haja comunicação é preciso um código parcialmente ou totalmente comumao remetente e ao destinatário. Umberto Eco (1974) prevê uma caixa para o código. 1111comunicação entre máquinas, e aponta a necessidade de caixas diferentes para códigos ~.

subcódigos, tal como explicitado por Assis Silva, no modelo ?e Jakobson.Os subcódigos, dessa forma, introduzem no esquema da comunicação a qucslllo dll

variação lingüística, examinada, de diferentes perspectivas, pela sociolingüística, peladialetologia ou pela geografia lingüística.

Códigos diferentes impedem a comunicação (a não ser que ela se estabeleça poroutro código,que nãoo verbal,porexemplo,comoocorrena comunicaçãogestualcnlrl'falantes de línguas diferentes). Assim, não houve comunicação entre uma turista brasileirne o garçom de um restaurante, em Buenos Aires, pelo fato de não falarem a mesma IingulI.de não usarem o mesmo código. Ao perguntar ao garçom qual era a especialidade da cIIsa.a turista foi encaminhada ao banheiro, pois o garçom, que não falava ou entendia portuguê!l.interpretou a questão no quadro das perguntas mais usuais sobre a localização do banheirodo restaurante. Mas também a pouca intersecção de subcódigos dificulta bastanlc acomunicação. Duas histórias com portugueses ilustram a questão. Ao ouvir de professol'l1Runiversitários portugueses, em um congresso na Espanha, que tinham feito a viagem dI'Portugal à Espanha de caminhonete, um brasileiro surpreendeu-se muito, até saber qut',naquele subcódigo, caminhonete é o mesmo que ônibus. Outro "caso" é de uma estudllnt~.brasileira na Europa, com pouco dinheiro, como em geral acontece com estudantcs nocxterior, que, em um hotel em Lisboa, tendo sujado a pouca roupa que levara, n1'l0Il'V('outro jeito senão deixar um bilhete à camareira, pedindo-lhe que mandasse lavar, eomurgência, sua camisa branca, e que teve, ao voltar ao hotel, a triste surpresa de enconll'lusua velha camisola (camisa, no subcódigo de Portugal) bem lavada e passada,c a CIIII1I!1U

de que precisava, ainda suja e amassada. E ainda teve que pagar por isso. Em olltra!lpalavras, quanto maior for a intersecção entre os subcódigos do remetente e do destinlltóno.mais bem-sucedida será a comunicação.

Uma segunda questão, nem sempre bem explicitada no exame da comunicllçl\o ('relacionadacom a questãodo código, é a da valoraçãodos diferentescódigos c subcódigost'

du visllo quc o usuário lem da sua lingua c das variantes que usa. Bons cxcmplos, cm rclt",.noI\Sdiferl'nçlls de código e às vislks qUl' dele lêm seus usuários, podcm ser cnconlrudo!ll\ll!l

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32 Inlroduc;oo (I Lln\Jül~lIuJA ( on 11JI1h :nc,:O() IInUII',II. <I :n

comunicações entre brasileiros e argentinos, ou dos franceses com falantes de outras

línguas. É fato conhecido que os brasileiros entendem melhor os argentinos do que osargentinos os brasileiros, e se há razões lingüísticas para isso (O sistema vocálico doportuguês e do espanhol, por exemplo), há também motivos de outra ordem: os argentinosconsideram a sua língua melhor, mais importante e difundida do que o português, e não fazemnenhum esforço para entender os brasileiros. Da mesma forma, os fumceses julgam que oprestígio de sua língua de cultura justifica o esforço dos demais em comunicar-se em ftancês.

Em relação aos subcódigos, a questão é muito próxima da acima apontada, pois hávariantes consideradas mais ou menos prestigiosas pelos usuários. Além disso, porém,deve-se observar que, nesses casos, de grande diferença de reconhecimento, nem semprea proximidade dos subcódigos, que dissemos ser necessária à comunicação, é garantia decomunicação eficiente. Observem-se dois casos de "Iinguistização" da política no Brasil.Um é o de Jânio Quadros que usava sempre o registro tenso e formal do subcódigo padrãoou culto em sua comunicação com eleitores, falantes de outro subcódigo, mais popular edesprestigiado. No entanto, mesmo havendo pouca intersecção entre os subcódigos doremetente e do destinatário, a comunicação era eficiente, porque o subcódigo de JânioQuadros era considerado pelos próprios falantes do outro subcódigo, mais prestigioso e,portanto, apropriado a um prefeito, governador ou presidente competente, culto e capaz.Ao contrário, mesmo havendo grande intersecção entre o subcódigo usado por Lula e ode seus destinatários, a comunicação não é bem-sucedida, pois o subcódigo de Lula éjulgado por aqueles que usam o mesmo subcódigo que ele, mas que incorporam fragmentosda ideologia dominante, como sem prestígio e inadequado a um homem público.

Se as propostas de Jakobson ampliam o modelo da teoria da informação, sobretudono que diz respeito aos códigos e subcódigos e à variação lingüística, sua contribuiçãomais conhecida e igualmente relevante para o estudo da comunicação está relacionadacom a questão da variedade defunções da linguagem. Jakobson mostrou que a linguagemdeve ser examinada em toda a variedade de suas funções, e não apenas em relação àfunção informativa (ou referencial ou denotativa ou cognitiva), que, por ser a funçãodominante em um certo tipo de mensagem e por ser a que interessa ao teórico da informação,foi, muitas vezes, no século XX principalmente, considerada a única ou a mais importante.

Jakobson retoma o esquema triádico de Bühler para as funções da linguagem - funçãoexpressiva, função apelativa e função representativa - e acrescenta-lhe mais três funções -função fática, função metalingüística e função poética. As funções estariam, segundo oautor, centradas em um dos elementos do processo de comunicação por ele proposto, ouseja, enfatizariam um desses elementos na comunicação, conforme o esquema que segue:

Antes de cxaminar cada uma das funções, e mais particularmclltc as run~'Ot11'1metalingilísticae poética, que fizeram escola, duas observações devem ser feitas:.as mensagens (os textos) não têm apenas uma função, mas várias ou mesmo todml,hierarquizadas, ou seja, há em eada texto uma função dominante;

.os textos-mensagens empregam procedimentos lingüísticos e discursivos <1m'produzem efeitos de sentido relacionados com as diferentes funções e que nos permitl'lIIidentificá-Ias.

Dessa forma, os textos com função referencial, informativa ou representativa, el11pregalllprincipalmente os procedimentos que seguem: uso da 33pessoa, apresentação de qUlllidlldl'~"objetivas" ou "concretas" (não são quase empregados, por exemplo, adjetivos subjl,tivOlIcomo lindo ou horroroso, ou modalizadores como eu acho, eu quero e outros), emprego dl'nomes próprios e de estratégias argumentativas "lógicas" (provas, demonstrações, ete), ()"procedimentos usados produzem sobretudo dois efeitos de sentido, o de objetividadl' ( ,"pessoa) e o de realidade ou referente (nomes próprios, qualidades "objetivas" ou "concreta!'!"),isto é, de apagamento ou distanciamento do sujeito e de verdade dos fatos. Os textos l'OIll

função referencial ou informativa são, portanto, aqueles que têm por fim, na comuniclIl(i1o, atransmissão objetiva de informação sobre o contexto ou referente de Jakobson ou, cm OUtl"llHpalavras, sobre os fenômenos extralingüísticos de Malmberg ou as experiências comunieadaNde Assis Silva. Não se pode, porém, esquecer-se de que objetividade e realidade s1l0efl'iloltde sentido decorrentes dos procedimentos já mencionados. Os textos abaixo transcrito!!,reconhecidos facilmente como discursos científico ejornalístico, podem bem ilustrar a flln<,~noreferencial, assim como uma charge de jornal:

a) Todo ato depende de uma realidade desprovida de manifestação lingüística. Assim, () nlu d,'linguagem só é manifestado nos seus resultados e através deles, na qualidade de enunciado, en<]ullnlll11"/I/I/ldação, que o produz, só possui o estatuto de pressuposição lógica. O ato em geral só receh,' 11t{)rmulação lingüística de duas diferentes maneiras: ou quando é descrito, de maneira aproximlldll ,.vllriávcl, nos limites do próprio discurso, ou quando é objeto de uma reconstrução lógico-semilntiell, 4u,'utiliza os pressupostos extraídos da análise do enunciado, no quadro de uma meta-linguagem scmiótlclI«ireimas, 1976: 57)

No discurso científico são usadas marcas de afastamento do sujeito 3" pessoa,presentedo indicativo- que produzem o efeitode objetividadeda ciênciae que caracterii'anlem texto com funçãoreferenciale informativa.

REFERENCIAL

(centrada no contexto ou referente)

b) Já houve 209 seqüestros no Estado de São Paulo neste ano, número que supcra a s()mll <Ir 1<..1...IIS casos registrados nos cinco anos anteriores.

Em média, a cada 35 horas alguém é levado para um cativeiro. No ano passado, 11propurçnu em d,

umll ueurrência desse crime a cada seis dias. (Folha de São Paulo, 11/11/01, p. A 41).

EMOTIVA

(centrada no remetente)POÉTICA

(centrada na mensagem)CONATIVA

(centrada no destinatário)

Observe-se, da mesma forma, no texto jornalístico o uso da 33pessoa (com recurso!!de verbos impessoais, como haver, de passiva, em é levado) e de dados "objetivos" (nlIllIl'I"OS)09 seqiiestros, 35 horas, cinco anos, seis dias; individualização do lugar c do tempo: 1111

/istado de São Paulo, neste ano, no ano passado) que produzem os efeitos de objetividtldt',isto é, de n1l0 interferência subjetiva do jornal, c de realidadc, ou seja, de coisnncol1lcl'idn,que nos permitem reconhecer um texto com prcdomillllncia de funl(lIo rcli:rl'I1l'ul! 1111infimlll\tivlI.

FÁTICA(centrada no contato)

METALINGüíSTICA

(centrada no código)

Page 6: 02a a Comunicacao Humana

34 Introdução à LingülsticaA cornunlnl<,:oo hurn<lnu Ih

Roca,

OAA.CNlO~A.'JUIO~~ PIZ5M~OMA\.lF"""",,~ NPPA

MA/SPOGP I'IJNT~!

.... b o .... 0

O~~I!IIMOUl.MNíQJI;I..~ pAA/\O

~ Q.bWTOMA15~~~s...

é 11Cllru

é 11clllru du vovô.Mlls fiqueibluqueadac agurade noilesó sonho

gemada (Chico Buarque, "A galinha")

o texto acima tem, como função predominante, a função poética, mas também apreSl'lItllfunção emotiva, graças aos procedimentos de Ia pessoa (que eu choco) e à apresentaçll0 dl'sentimentos e emoções (me toco, fiquei bloqueada), que produzem os efeitos de SUhjl'llVIdade, de emotividade ou de aproximação do sujeito, próprios da função emotiva.

b) L2e:: e:: e Ponteio é uma música maravilhosa aliás uma coisa

[

( ) música maravilhosa...linda ... ( ) mesmo tempo que foram[pois é mas aí não há...premiadas as duas não é?

aí a Marília então... ahn... eh cantou lindamente... e

mais do que cantar eu acho que a Marília tem uma forçadramática muito grande o que faz (com) que se suponha

nela... uma atriz dramática que não foi aproveitada... (Castilho e Prcti, 19H7:24H)

LIL2

LIL2LI

A charge mostra o uso da 3a. pessoa, em lugar da Ia., para produzir efeito de objeti-vidade das informações prestadas pela personagem. A função referencial não é a predomi-nante na fala da personagem (predomina a função conativa), mas aparece bem marcada,sobretudo graças ao procedimento mencionado de emprego da 3a. pessoa em vez da Ia.

Os textos com função emotiva ou expressiva, por sua vez, usam, de preferência, osseguintes procedimentos: emprego da I~pessoa, apresentação de qualidades "subjetivas",por meio de adjetivos como fantástico, encantadOl; medonho e outros, ou de advérbios demodo, utilização de modalizadores relacionados com o saber, como eu acho. eu conside-ro etc., uso de recursos prosódicos de prolongamento de vogal, pausas, acentos enfáticos,hesitações, interjeições, exclamações. Os procedimentos empregados criam principal-mente os efeitos de subjetividade e de emotividade ou de presença ou proximidade do su-jeito que relata não propriamente os fatos, mas o seu ponto de vista sobre eles, os seussentimentos e emoções sobre os acontecimentos. São, voltamos a insistir, efeitos de senti-do das estratégias apontadas. Os textos que seguem ilustram a função emotiva:

Observem-se no texto o uso de adjetivos (maravilhosa, linda. dramática. ml/lt/lgrande) e de advérbio de modo (lindamente), o emprego de Ia pessoa, modalizadores (101/IIcho que) e de estratégias prosódicas (prolongamento de vogais, representado por::. l'pausas, assinaladaspor...), que levam ao reconhecimentode umtexto com predominâncilltil-fimçãoemotiva

c) Dignidade

Não sei de choro ou dou risada. Sou professora da rede pública do Paraná e amargo sete anos M,'UI

nenhuma reposição salarial. Meu marido é um pequeno empresário do setor de informáticlI, eum(l,'h'uh

Icenieamente e com boas idéías, mas parece que só isso não basta. Para termos uma vidll. digllmus, dijlllll,IIchu que vamos precisar abrir em banco, pois, pelo que vejo, só eles estão conseguindo se mlllller ncsl,' (1111." muito bem por sinal. Por que será? (Viviane Bordin Luiz, Cascavel, PR)

a) Todo ovo

que eu chocome toco

de novo,

Todu ovu

No texto citado, um trecho de carta de uma leitora de jornal, há marcas de filll~'noemotiva: Ia pessoa e verbos de "sentimento" (choro, dou risada. amargo),

Os textos com predominância defimção conaliva ou apelativa, por sua vez, conslr'ol'lI1se sobretudo com os procedimentos que seguem: uso da 2" pessoa, do imperativo, dovocativo, de modalização deôntica (dever), de estruturas de perguntas e respostas, 1'~SSl'"textos produzem os efeitos de sentido de interação com o destinatário, a que se pro{'UIIIconvencer ou persuadir, e de que esperam, como resposta, atitudes e comporlnllll'nlos.sejam eles lingÜísticos ou não. São, voltamos a afirmar, efeitos de sentido de procedillll'lIloNdo tipo dos apontados, Os textos publicitários citados ilustram a fimção cOllntivn:

11)Vo,'C' .lá (cm u mcu cllrlno'l

I :u(nu dl'VC1'11I11 PunlUl' o 'iullt'l ('lIlIfto é

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36 Introdução à lingüística A comunicação humnna 37

o texto usa a 2! pessoa (você), os procedimentos de pergunta e resposta (Você játem o meu cartão?) e a modalização deôntica (deveria ter) para construir um texto com

função conativa ou de persuasão do destinatário dominante.

b) O Itaú tem tudo. Só falta você. Abrajá a sua conta

Procura-se um cliente mais ou menos com o seu perfil, com a sua idade e que more mais ou menoslá na sua casa.

b) Doe - o que precisa uma peça pra ela realmente atingir o público'!... (preli e Urhuno, I<)HH:'II)

Doe - no seu entender o que é o imprescindível pruma:: peça de teatro ohter sucesso'! (l'll'ti,' (libano, 1988:45)

Doe - conta uma coisa... que tipo de peça assim... o estilo da peça... que você achu que é 1111115'U"'(

to pelo público;... quer dizer o:: o que o que precisa existir numa peça de tealro pra ela:: utin!(1Irealmente a massa'!... (Preti e Urbano, 1988:49)

c) Quando não puder passar no banco, é só usar o Real Internet Banking e o Real Internet Empresa,viu seu Luís'! Pode ser do sítio mesmo.

A mesma pergunta,já respondida, é reiterada, esvaziada, como um recurso f:'1licode manutenção do diálogo.

Um último exemplo pode ser encontrado na foto publicada nos jornais brasill'iro!'lpor ocasião da viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso aos Estados Ullidos I'de seu encontro com o presidente George W. Bush. Trata-se de texto com função fíílica,expressa na foto gestualmente (mãos, expressão facial, sorriso), mas provavehm'lItl'acompanhada das fórmulas de cumprimento de início de comunicação. A foto chama, plIrém, a atenção pelo fato de, ao contrário do usual, o cumprimento inicial da comunil'w,;110ocorrer com os dois presidentes sentados. Tudo indica que se trata de foto posada L' nnorealmente de estabelecimento do contato. De qualquer forma, ela apresenta alguns dI'mentos da gestualidade que estabelece o contato necessário ao prosseguimento da COIIIIInicação: o sorriso de interesse e satisfação pelo encontro, o gesto ritual do aperto dI'mãos, a inclinação corporal de um em direção ao outro, os olhares trocados.

Os textos comfunção metalingüística usam os procedimentos que seguem: wl'l)()!'Ide existência (ser,parecer) ou de existência da significação (significar, ter o sentido de), 1'111

O texto emprega a 2". pessoa (você) e o imperativo (abra) para produzir o efeito depersuasão. A resposta esperada é a abertura de conta no Itaú.

São usados a 2". pessoa, o vocativo (viu seu Luís), a estrutura de pergunta e respos-ta, para construir um texto com função conativa.

Se as três funções já examinadas são comumente apontadas, as três outras devema lakobson seu exame no quadro dos estudos lingüísticos.

Os textos com função fática usam principalmente procedimentos prosódicos depontuação da fala para manter o contato físico e/ou psicológico entre os interlocutores(uhn, hã), fórmulas prontas para iniciar ou interromper o contato (olá, tudo bem, como

vai?, tchau, até logo, bom dia etc.) e para verificar se há ou não contato (você está escu-tando?). Os efeitos de sentido são os de aproximação e interesse entre remetente e desti-natário, de presença de ambos na comunicação, de estabelecimento ou manutenção da in-teração. lakobson diz que é a primeira função da linguagem que os homens usam, nas"conversas" do bebê com a mãe (gu gu gá gá...), e que é a única que temos em comumcom as aves falantes, como as maritacas e os papagaios. Pesquisas com a fala de idososdementes (Mansur, 1996) têm mostrado que é também a função preponderante na comu-nicação dessas pessoas, que buscam, a todo custo, mais do que informar, manter o conta-to com o destinatário.

Nos inquéritos do Projeto NURC(projeto de estudo da norma urbana culta), porexemplo, o entrevistador não está preocupado com as informações que o entrevistado pos-sa dar sobre o tema (função referencial), mas apenas em fazê-Io falar, para obter mais in-formações sobre os usos da linguagem. O importante, assim, é sustentar o diálogo, ao con-trário de outros tipos de entrevista, em que o entrevistador está interessado em obter certasinformações. Dois procedimentos são usados para a manutenção do diálogo com preocu-pações apenas lingüísticas: elementos prosódicos como "uhn uhn" e perguntas sobre ques-tões já respondidas ou perguntas repetidas. Esses procedimentos constroem textos comfunção predominantemente fática. No inquérito 250 (Preti e Urbano, 1988: 133-147), porexemplo, o entrevistador (Doc), depois das perguntas iniciais, participa do diálogo mais 36vezes: em dezenove faz apenas "uhn uhn", em uma diz "isso..." e em outra, "certo". Ostextos abaixo exemplificam as perguntas repetidas, mesmo quando já respondidas:

a) Doc - e o que você costuma comer em cada uma dessas refeições'! (Preti e Urbano, ]988: 120)Doc - come em casa... e no café da manhã o que você come'! (Preti e Urbano, 1988: 121)

,'.'1;,',1'""

A primcira perguntajá foi feita apóso entrevistado tcr explicado () 1111\' ('(ullia L'm

L'ada rL'fL'içl1o. Essas pL'rgUt1(as têm assim a ftllH,'ão dL' manlL'r o L'ntn'vi!'lllltlol'llulldo

I

o.. pro81dllnlflll lornlH1do I-IflnrlqulI Cnrdo!lo 11GflorljO W, BUilh 80 cumprlmflnlAm no 8111110OVAl dI!

(;'UIII Brnll<:ll, no!! [!lIndo!! Unldofl

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38 Introdução 6 Llngülstlca A cornur,I" I<JU) t1lJrI1!1I1<I ~w

geral no presente do indicativo, em orações predicativas de definição (x é y). O efeito desentido é o de linguagem que fala de linguagem, ou seja, de circularidade da definição e dacomunicação. Não se deve confundir a função metalingüística de Jakobson com a metalin-guagem científica. Metalinguagem científica e função metalingüística ordinária caracteri-zam-se ambas como uma linguagem definidora de outra linguagem, ou seja, como uma lin-guagem que fala de outra linguagem. Diferenciam-se, porém, pelo fato de a metalinguagemcientífica ser, por sua vez, definida por outra, uma terceira linguagem, a metalinguagemmetodológica, o que não acontece com a função metalingüística ordinária. Assim, a funçãometalingüística produz o efeito de circularidade (de uma linguagem que define outra lin-guagem) e a metalinguagem científica produz a ilusão de superposição de níveis (de umalinguagem que define outra linguagem e é, por sua vez, definida por uma terceira). Os tex-tos que seguem ilustram a função metalingüística e a metalinguagem científica.

particularmenh: o alo dI' /ingllag<'/II com a condiçfto de quc n sujeiln IIltlllali~.adnl ~,'jasulicicnlemcnte determinado, é o lugar do surgimcnto das modalidades" (Oreimns, 1976: ~7)

d) Compõe-se a palavra de syllabas, como V.g. a palavra Livro, que sc compõe de duas syllahaN, 1)111'sftn li. e vro.

A syllaba é a eomprehensão de um som perfcito, que sc pronuncia com um só espfritn. nu a"l'l'lIln,cnmn na sobredita palavra livro, tanto li, como vro é syllaba. porque eada um dclles lil~ UIII ~nlll

perfeito, que se profere com um só espírito, ou accento. (Lobato, 1837).

(a) ... Agora, o senhor chega e pergunta: "Ciço, o que que é educação?" Tá certo. Tá bom. O que

que eu penso, eu digo. Então veja, o senhor fala: "Educação"; daí eu falo: "educação". A palavra é

a mesma, não é? A pronúncia, eu quero dizer. É uma só: "Educação". Mas enlão eu pergunto pro

senhor: "É a mesma coisa? é o do mesmo que a gente fala quando diz essa palavra?" aí eu digo:"Não". Eu digo pro senhor desse jeito: "Não, não é". Eu penso que não.Educação... quando o senhor chega e diz "educação", vem do seu mundo, o mesmo, um outro.

Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar, de um outro mundo. Vem dum fundo de oco

que é o lugar da vida dum pobre, como tem gente que diz. Comparação, no seu cssa palavra

vem junto com quê? Com escola, não vem? Com aquele professor fino, de roupa boa, estuda-

do; livro novo, bom, caderno, caneta, tudo muito separado, cada coisa do seujeito, como deveser. Um estudo que cresce e que vai muito longe de um saberLinho só de alfabeto, uma conta

aqui e outra ali. Do seu mundo vem um estudo de escola que muda gente em doutor. É fato?

Penso que é, mas eu penso de longe, porque eu nunca vi isso por aqui.

Então, quando o senhor vem e fala a pronúncia "educação", na sua educação tem disso. Quando o

senhor Falaa palavm conforme eu sei pronunciar também, ela vem misturada no pensamento com

isso tudo; recursos que no seu mundo tem. Uma coisa assim como aquilo que a gente conversavaoutro dia, lembra? Dos evangelhos: "Semente que cai na terra boa e deu fruto' bom". (...)

Quando eu falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode até ser vizinho do seu, vi-zinho assim, de confrontante, mas não é o mesmo. A escolinha cai-não-cai ali num canto da

roça, a professorinha dali mesmo, os recursos tudo como é o resto da regra de pobre. Estudo?

Um ano, dois, nem três. Comigo não foi nem três. Então eu digo "educação" e penso "enxa-da", o que foi pra mim. (Sousa, 1984)

Os textos a e b apresentam função metalingüística. No texto, discute-se uma dclil\l~~n(ldc educação dada principalmente pela definição de dois campos semânticos para a puluvl'lleducação, um de escola, livro novo, caderno, caneta, professor fino, recursos, outro di'l'scolinha cai-não-cai, professorinha, enxada, saberzinho. A linguagem está discutindo uIlI1guagem e os sentidos das palavras que variam, conforme varia a inserção sociul do~talantes, questão de que trataremos mais à frente. No texto (b), usa-se também a linguRgl~111pura làlar da linguagem, tanto do plano do conteúdo (carbúnulo, etc), quanto do da cxprcssnl I(l'Omz, com x, com th). Os dois casos são de função metalingüística, mas não de metalinguugl~111l'lcntífica (embora no exemplo b possa haver alguma dúvida).

Já os textos c e d ilustram uma metalinguagem científica, a da Semiótica ou u dllI.ingüística. No texto c define-se, metalingüisticamente, modalidade e ato de linguage",.Icrmos que, por sua vez, já pertencem a uma metalinguagem, pois podemos dizer qUI' OMIl'rmos dever e querer, da língua portuguesa (l0 nível de linguagem) são modalidadcs (.'''nível de linguagem) e modalidade, por sua vez, deve ser entendida tal como no texto citlldo( \" nível de linguagem). É essa superposição de níveis que caracteriza a metalinguugl'tlll'lcntífica.

No texto d, como se observa, ao dizer que li e vro são sílabas faz-se metalinguugl'lII.ou seja, explica-se a língua portuguesa (Ii-vro) com uma metalíngua (sílaba), e ao dizcr qUI'.l'ílaha é a compreensão de um som perfeito, faz-se metametalinguagem, isto é, explieu ,!IrtiIIIctalíngua (sílaba) com uma metametalíngua (compreensão de um som perfeito). TcnloSl'ul,portanto, uma metalinguagem científica.

Finalmente, os textos com função poética empregam procedimentos no pluno dul~xprcssão, sobretudo as diferentes formas de reiteração de sons (traços dos fonemas, sflahuN..1'11mos, entoações, etc). Jakobson diz que afunção poética projeta oprincípio de eqlliva/c'm'/tIdo eixo de seleção sobre o eixo de combinação. (1969: 130). Em outras palavras, a flll1~'l1opoética resulta de duas rupturas, de duas subversões: a primeira, em relação ao plano dllexpressão, que, em lugar de apenas expressar, "transparentemente", o conteúdo, Chl1llllt11ulenção enquanto expressão "opaca", como sonoridade, ritmo, entoação; a segundll. 1'111rl'lação aos dois eixos de organização da linguagem, o paradigmático e o sintagmático, dclinido~,respectivamente, como eixo das similaridades, em que se faz a seleção, e como eixo dll"l'ontigllidades, em que se opera a combinação, pois o texto com função poética vai eomhinllr.no sintagma, elementos similares, próprios do paradigma. Os efeitos de sentido sí'lo,porllll1l0.li de eoisa extraordinária, de novidade, graças à ruptura ou subversão da "normalidatk o 11('cslcsia ou de perfeição, decorrente da superposição dos dois eixos de funcionlll1lcl1to dllIlIIguugem c da aproximação entre expressão e eonteÚdo; o de continuidade ou de npngunll'nlodus dil~rcnçns, tnnlo entre sintagmll c puradigmu, quanto entre expressí'lo e eonteÚdo,

Jukohson insiste, ('om rnzllo, 1'111qUI' runç/lo poélku n/lo 0('01'1'1'npl'nllS nu plll'~ill.

(b) O Professor Sampaio ensina ao ministro da Saúde que "em português, antraz é a denomina-

ção para um aglomerado de furúnculos, infecção estafilocócica relativamente freqüente. Eminglês, "anthrax" designa uma infecção em animais, mas que atinge o homem, grave e even-

tualmente fatal, cuja tradução para o português é carbúncu!o. Em espanhol, "carbunco", em

francês, "charbon", em alemão, "milzbrandkarbunkel". Quanto a Rey, Sampaio sugere que

consulte obras especializadas, como o Dicionário de Termos Técnicos de Da/amare, "cujo pre-

fácio é de Carlos Chagas, glória da medicina brasileira e da Fiocruz, para saber a diferença en-tre antraz e carbúnculo".

O que o professor Sampaio está dizendo, para tranqüilizar pessoas que já foram vítimas do an-

traz no Brasil, é que essa doença, mais amena e Freqüente, não pode ser confundida com car-

búnculo (anthrax, em inglês), "uma infecção em animais que atinge o homem de forma gravee eventualmente fatal". Sampaio demonstra que tanto o clássico Candido de Figueiredo, como

outros dicionários (Aurélio e Houaiss) se equivocaram e uns teriam reproduzido o erro de ou-tros (Ulisses Capozoli, Nós e os outros na guerra bacteriológica. Texto recebido pela inlerr1l'I),

(c) Se se toma como ponto de partida a definição provisória da modalização, seglllldo u I(lIul"NIIIseria "uma modificação do predicado pelo sujeiln (I), pode-se cOllsidernr 11""(\ "'" ,. 111111-