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    tica no Servio Pblico A Opo Certa Para a Sua Realizao 1

    1 tica e moral. 2 tica, princpios e valores. 3 tica e democracia: exerccio da cidadania.

    4 tica e funo pblica.

    tica

    A finalidade dos cdigos morais reger a conduta dos membros de uma comunidade, de acordo com princpios de convenincia geral, para garantir a integridade do grupo e o bem-estar dos indivduos que o consti-tuem. Assim, o conceito de pessoa moral se aplica apenas ao sujeito en-quanto parte de uma coletividade.

    tica a disciplina crtico-normativa que estuda as normas do compor-tamento humano, mediante as quais o homem tende a realizar na prtica atos identificados com o bem.

    Interiorizao do dever. A observao da conduta moral da humanida-de ao longo do tempo revela um processo de progressiva interiorizao: existe uma clara evoluo, que vai da aprovao ou reprovao de aes externas e suas consequncias aprovao ou reprovao das intenes que servem de base para essas aes. O que Hans Reiner designou como "tica da inteno" j se encontra em alguns preceitos do antigo Egito (cerca de trs mil anos antes da era crist), como, por exemplo, na mxima "no zombars dos cegos nem dos anes", e do Antigo Testamento, em que dois dos dez mandamentos probem que se deseje a propriedade ou a mulher do prximo.

    Todas as culturas elaboraram mitos para justificar as condutas morais. Na cultura do Ocidente, so familiares a figura de Moiss ao receber, no monte Sinai, a tbua dos dez mandamentos divinos e o mito narrado por Plato no dilogo Protgoras, segundo o qual Zeus, para compensar as deficincias biolgicas dos humanos, conferiu-lhes senso tico e capacida-de de compreender e aplicar o direito e a justia. O sacerdote, ao atribuir moral origem divina, torna-se seu intrprete e guardio. O vnculo entre moralidade e religio consolidou-se de tal forma que muitos acreditam que no pode haver moral sem religio. Segundo esse ponto de vista, a tica se confunde com a teologia moral.

    Histria. Coube a um sofista da antiguidade grega, Protgoras, romper o vnculo entre moralidade e religio. A ele se atribui a frase "O homem a medida de todas as coisas, das reais enquanto so e das no reais en-quanto no so." Para Protgoras, os fundamentos de um sistema tico dispensam os deuses e qualquer fora metafsica, estranha ao mundo percebido pelos sentidos. Teria sido outro sofista, Trasmaco de Calced-nia, o primeiro a entender o egosmo como base do comportamento tico.

    Scrates, que alguns consideram fundador da tica, defendeu uma mo-ralidade autnoma, independente da religio e exclusivamente fundada na razo, ou no logos. Atribuiu ao estado um papel fundamental na manuten-o dos valores morais, a ponto de subordinar a ele at mesmo a autorida-de do pai e da me. Plato, apoiado na teoria das ideias transcendentes e imutveis, deu continuidade tica socrtica: a verdadeira virtude provm do verdadeiro saber, mas o verdadeiro saber s o saber das ideias. Para Aristteles, a causa final de todas as aes era a felicidade (eudaimona). Em sua tica, os fundamentos da moralidade no se deduzem de um princpio metafsico, mas daquilo que mais peculiar ao homem: razo (logos) e atuao (enrgeia), os dois pontos de apoio da tica aristotlica. Portanto, s ser feliz o homem cujas aes sejam sempre pautadas pela virtude, que pode ser adquirida pela educao.

    A diversidade dos sistemas ticos propostos ao longo dos sculos se compara diversidade dos ideais. Assim, a tica de Epicuro inaugurou o hedonismo, pelo qual a felicidade encontra-se no prazer moderado, no equilbrio racional entre as paixes e sua satisfao. A tica dos esticos viu na virtude o nico bem da vida e pregou a necessidade de viver de acordo com ela, o que significa viver conforme a natureza, que se identifica com razo. As ticas crists situam os bens e os fins em Deus e identificam

    moral com religio. Jeremy Bentham, seguido por John Stuart Mill, pregou o princpio do eudemonismo clssico para a coletividade inteira. Nietzsche criou uma tica dos valores que inverteu o pensamento tico tradicional e Bergson estabeleceu a distino entre moral fechada e moral aberta: a primeira conservadora, baseada no hbito e na repetio, enquanto que a outra se funda na emoo, no instinto e no entusiasmo prprios dos profe-tas, santos e inovadores.

    At o sculo XVIII, com Kant, todos os filsofos, salvo, at certo ponto, Plato, aceitavam que o objetivo da tica era ditar leis de conduta. Kant viu o problema sob novo ngulo e afirmou que a realidade do conhecimento prtico (comportamento moral) est na ideia, na regra para a experincia, no "dever ser". A vontade moral vontade de fins enquanto fins, fins abso-lutos. O ideal tico um imperativo categrico, ou seja, ordenao para um fim absoluto sem condio alguma. A moralidade reside na mxima da ao e seu fundamento a autonomia da vontade. Hegel distinguiu morali-dade subjetiva de moralidade objetiva ou eticidade. A primeira, como cons-cincia do dever, se revela no plano da inteno. A segunda aparece nas normas, leis e costumes da sociedade e culmina no estado.

    Objeto e ramos da tica. Trs questes sempre reaparecem nos diver-sos momentos da evoluo da tica ocidental: (1) os juzos ticos seriam verdades ou apenas traduziriam os desejos de quem os formula; (2) prati-car a virtude implica benefcio pessoal para o virtuoso ou, pelo menos, tem um sentido racional; e (3) qual a natureza da virtude, do bem e do mal. Diversas correntes do pensamento contemporneo (intuicionismo, positi-vismo lgico, existencialismo, teorias psicolgicas sobre a ligao entre moralidade e interesse pessoal, realismo moral e outras) detiveram-se nessas questes. Como resultado disso, delimitaram-se os dois ramos principais da tica: a teoria tica normativa e a tica crtica ou metatica.

    A tica normativa pode ser concebida como pesquisa destinada a es-tabelecer e defender como vlido ou verdadeiro um conjunto completo e simplificado de princpios ticos gerais e tambm outros princpios menos gerais, importantes para conferir uma base tica s instituies humanas mais relevantes.

    A metatica trata dos tipos de raciocnio ou de provas que servem de justificao vlida dos princpios ticos e tambm de outra questo intima-mente relacionada com as anteriores: a do "significado" dos termos, predi-cados e enunciados ticos. Pode-se dizer, portanto, que a metatica est para a tica normativa como a filosofia da cincia est para a cincia. Quanto ao mtodo, a teoria metatica se encontra bem prxima das cin-cias empricas. Tal no se d, porm, com a tica normativa.

    Desde a poca em que Galileu afirmou que a Terra no o centro do universo, desafiando os postulados tico-religiosos da cristandade medie-val, so comuns os conflitos ticos gerados pelo progresso da cincia, especialmente nas sociedades industrializadas do sculo XX. A sociologia, a medicina, a engenharia gentica e outras cincias se deparam a cada passo com problemas ticos. Em outro campo da atividade humana, a prtica poltica antitica tem sido responsvel por comoes e crises sem precedentes em pases de todas as latitudes. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicaes Ltda.

    Moral

    Conjunto de regras e prescries a respeito do comportamento, estabe-lecidas e aceitas por determinada comunidade humana durante determina-do perodo de tempo.

    tica e moral Uma distino indistinta Desidrio Murcho

    A pretensa distino entre a tica e a moral intrinsecamente confusa e no tem qualquer utilidade. A pretensa distino seria a seguinte: a tica seria uma reflexo filosfica sobre a moral. A moral seria os costumes, os hbitos, os comportamentos dos seres humanos, as regras de comporta-mento adaptadas pelas comunidades. Antes de vermos por que razo esta distino resulta de confuso, perguntemo-nos: que ganhamos com ela?

    Em primeiro lugar, no ganhamos uma compreenso clara das trs reas da tica: a tica aplicada, a tica normativa e a metatica. A tica aplicada trata de problemas prticos da tica, como o aborto ou a eutan-sia, os direitos dos animais, ou a igualdade. A tica normativa trata de

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    estabelecer, com fundamentao filosfica, regras ou cdigos de compor-tamento tico, isto , teorias ticas de primeira ordem. A metatica uma reflexo sobre a natureza da prpria tica: Ser a tica objetiva, ou subjeti-va? Ser relativa cultura ou histria, ou no?

    Em segundo lugar, no ganhamos qualquer compreenso da natureza da reflexo filosfica sobre a tica. No ficamos a saber que tipo de pro-blemas constitui o objeto de estudo da tica. Nem ficamos a saber muito bem o que a moral.

    Em concluso, nada ganhamos com esta pretensa distino.

    Mas, pior, trata-se de uma distino indistinta, algo que indefensvel e que resulta de uma confuso. O comportamento dos seres humanos multifacetado; ns fazemos vrias coisas e temos vrios costumes e nem todas as coisas que fazemos pertencem ao domnio da tica, porque nem todas tm significado tico. por isso que impossvel determinar partida que comportamentos seriam os comportamentos morais, dos quais se ocuparia a reflexo tica, e que comportamentos no constituem tal coisa. Fazer a distino entre tica e moral supe que podemos determinar, sem qualquer reflexo ou conceitos ticos prvios, quais dos nossos comporta-mentos pertencem ao domnio da moral e quais tero de ficar de fora. Mas isso impossvel de fazer, pelo que a distino confusa e na prtica indistinta.

    Vejamos um caso concreto: observamos uma comunidade que tem como regra de comportamento descalar os sapatos quando vai para o jardim. Isso um comportamento moral sobre o qual valha a pena reflectir eticamente? Como podemos saber? No podemos. S podemos determi-nar se esse comportamento moral ou no quando j estamos a pensar em termos morais. A ideia de que primeiro h comportamentos morais e que depois vem o filsofo armado de uma palavra mgica, a "tica", uma fantasia. As pessoas agem e refletem sobre os seus comportamentos e consideram que determinados comportamentos so amorais, isto , esto fora do domnio tico, como pregar pregos, e que outros comportamentos so morais, isto , so comportamentos com relevncia moral, como fazer abortos. E essas prticas e reflexes no esto magicamente separadas da reflexo filosfica. A reflexo filosfica a continuao dessas reflexes.

    Evidentemente, tanto podemos usar as palavras "tica" e "moral" como sinnimas, como podemos us-las como no sinnimas. irrelevante. O importante saber do que estamos a falar se as usarmos como sinnimas e do que estamos a falar quando no as usamos como sinnimas. O pro-blema didtico, que provoca dificuldades a muitos estudantes, que geral-mente os autores que fazem a distino entre moral e tica no conse-guem, estranhamente, explicar bem qual a diferena alm de dizer coisas vagas como "a tica mais filosfica".

    Se quisermos usar as palavras "moral" e "tica" como no sinnimas, estaremos a usar o termo "moral" unicamente para falar dos costumes e cdigos de conduta culturais, religiosos, etc., que as pessoas tm. Assim, para um catlico imoral tomar a plula ou fazer um aborto, tal como para um muulmano imoral uma mulher mostrar a cara em pblico, para no falar nas pernas. Deste ponto de vista, a "moral" no tem qualquer conte-do filosfico; apenas o que as pessoas efetivamente fazem e pensam. A tica, pelo contrrio, deste ponto de vista, a disciplina que analisa esses comportamentos e crenas, para determinar se eles so ou no aceitveis filosoficamente. Assim, pode dar-se o caso que mostrar a cara em pblico seja imoral, apesar de no ser contrrio tica; pode at dar-se o caso de ser anti-tico defender que imoral mostrar a cara em pblico e proibir as mulheres de o fazer.

    O problema desta terminologia que quem quer que tenha a experin-cia de escrever sobre assuntos ticos, percebe que ficamos rapidamente sem vocabulrio. Como se viu acima, tive de escrever "anti-tico", porque no podia dizer "imoral". O nosso discurso fica assim mais contorcido e menos direto e claro. Quando se considera que "tica" e "moral" so termos sinnimos (e etimologicamente so sinnimos, porque so a traduo latina e grega uma da outra), resolve-se as coisas de maneira muito mais sim-ples. Continuamos a fazer a distino entre os comportamentos das pesso-as e as suas crenas morais, mas no temos de introduzir o artificialismo de dizer que essas crenas morais, enquanto crenas morais, esto corre-tas, mas enquanto preferncias ticas podem estar erradas. Isto s confun-de as coisas. muito mais fcil dizer que quem pensa que mostrar a cara imoral est pura e simplesmente enganado, e est a confundir o que um

    costume religioso ou cultural com o que defensvel. Peter Singer, James Rachels, Thomas Nagel, e tantos outros filsofos centrais, usam os termos "tica" e "moral" como sinnimos. Para falar dos costumes e cdigos religi-osos, temos precisamente estas expresses muito mais esclarecedoras: "costumes" e "cdigos religiosos".

    tica e moral Thomas Mautner Universidade Nacional da Austrlia

    A palavra "tica" relaciona-se com "ethos", que em grego significa hbi-to ou costume. A palavra usada em vrios sentidos relacionados, que necessrio distinguir para evitar confuses.

    1. Em tica normativa, a investigao racional, ou uma teoria, sobre os padres do correto e incorreto, do bom e do mau, com respeito ao carter e conduta, que uma classe de indivduos tem o dever de aceitar. Esta classe pode ser a humanidade em geral, mas podemos tambm considerar que a tica mdica, a tica empresarial, etc., so corpos de padres que os profissionais em questo devem aceitar e observar. Este tipo de investigao e a teoria que da resulta (a tica kantiana e a utilitaris-ta so exemplos amplamente conhecidos) no descrevem o modo como as pessoas pensam ou se comportam; antes prescrevem o modo como as pessoas devem pensar e comportar-se. Por isso se chama tica normativa: o seu objetivo principal formular normas vlidas de conduta e de avalia-o do carter. O estudo sobre que normas e padres gerais so de aplicar em situaes-problema efetivos chama-se tambm tica aplicada. Recen-temente, a expresso "teoria tica" muitas vezes usada neste sentido. Muito do que se chama filosofia moral tica normativa ou aplicada.

    2. A tica social ou religiosa um corpo de doutrina que diz respeito o que correto e incorreto, bom e mau, relativamente ao carter e conduta. Afirma implicitamente que lhe devida obedincia geral. Neste sentido, h, por exemplo, uma tica confucionista, crist, etc. semelhante tica normativa filosfica ao afirmar a sua validade geral, mas difere dela porque no pretende ser estabelecida unicamente com base na investigao racional.

    3. A moralidade positiva um corpo de doutrinas, a que um conjunto de indivduos adere geralmente, que dizem respeito ao que correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao carter e conduta. Os indivduos podem ser os membros de uma comunidade (por exemplo, a tica dos ndios Hopi), de uma profisso (certos cdigos de honra) ou qualquer outro tipo de grupo social. Pode-se contrastar a moralidade positiva com a mora-lidade crtica ou ideal. A moralidade positiva de uma sociedade pode tolerar a escravatura, mas a escravatura pode ser considerada intolervel luz de uma teoria que supostamente ter a autoridade da razo (tica normativa) ou luz de uma doutrina que tem o apoio da tradio ou da religio (tica social ou religiosa).

    4. Ao estudo a partir do exterior, por assim dizer, de um sistema de crenas e prticas de um grupo social tambm se chama tica, mais espe-cificamente tica descritiva, dado que um dos seus objetivos principais descrever a tica do grupo. Tambm se lhe chama por vezes tnotica, e parte das cincias sociais.

    5. Chama-se metatica ou tica analtica a um tipo de investigao ou teoria filosfica que se distingue da tica normativa. A metatica tem como objeto de investigao filosfica os conceitos, proposies e sistemas de crenas ticos. Analisa os conceitos de correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao carter e conduta, assim como conceitos relacionados com estes, como, por exemplo, a responsabilidade moral, a virtude, os direitos. Inclui tambm a epistemologia moral: o modo como a verdade tica pode ser conhecida (se que o pode); e a ontologia moral: a questo de saber se h uma realidade moral que corresponde s nossas crenas e outras atitudes morais. As questes de saber se a moral subjetiva ou objetiva, relativa ou absoluta, e em que sentido o , pertencem metatica.

    A palavra "moral" e as suas cognatas refere-se ao que bom ou mau, correto ou incorreto, no carter ou conduta humana. Mas o bem moral (ou a correco) no o nico tipo de bem; assim, a questo saber como distinguir entre o moral e o no moral. Esta questo objeto de discusso. Algumas respostas so em termos de contedo. Uma opinio que as preocupaes morais so unicamente as que se relacionam com o sexo. Mais plausvel a sugesto de que as questes morais so unicamente as

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    que afectam outras pessoas. Mas h teorias (Aristteles, Hume) que consi-derariam que mesmo esta demarcao excessivamente redutora. Outras respostas fornecem um critrio formal: por exemplo, que as exigncias morais so as que tm origem em Deus, ou que as exigncias morais so as que derrotam quaisquer outros tipos de exigncias ou, ainda, que os juzos morais so universalizveis.

    A palavra latina "moralis", que a raz da palavra portuguesa, foi criada por Ccero a partir de "mos" (plural "mores"), que significa costumes, para corresponder ao termo grego "ethos" (costumes). por isso que em muitos contextos, mas nem sempre, os termos "moral/tico", "moralidade/tica", "filosofia moral/tica" so sinnimos. Mas as duas palavras tm tambm sido usadas para fazer vrias distines:

    1. Hegel contrasta a Moralitt (moralidade) com a Sittlichkeit ("eticalida-de" ou vida tica). Segundo Hegel, a moralidade tem origem em Scrates e foi reforada com o nascimento do cristianismo, a reforma e Kant, e o que do interesse do indivduo autnomo. Apesar de a moralidade envolver um cuidado com o bem-estar no apenas de si mas tambm dos outros, deixa muito a desejar por causa da sua incompatibilidade potencial com valores sociais estabelecidos e comuns, assim como com os costumes e institui-es que do corpo e permitem a manuteno desse valores. Viver numa harmonia no forada com estes valores e instituies a Sittlichkeit, na qual a autonomia do indivduo, os direitos da conscincia individual, so reconhecidos mas devidamente restringidos;

    2. De modo anlogo, alguns autores mais recentes usam a palavra "moralidade" para designar um tipo especial de tica. Bernard Williams (Ethics and the Limits of Philosophy, 1985), por exemplo, argumenta que "a instituio da moralidade" encara os padres e normas ticas como se fossem semelhantes a regras legais, tornando-se por isso a obedincia ao dever a nica virtude genuna. Esta uma perspectiva que, na sua opinio, deve ser abandonada a favor de uma abordagem da vida tica menos moralista e mais humana e sem restries;

    3. Habermas, por outro lado, faz uma distino que est tambm impl-cita na Teoria da Justia de Rawls entre tica, que tem a ver com a vida boa (que no o mesmo para todas as pessoas), e a moralidade, que tem a ver com a dimenso social da vida humana e portanto com princpios de conduta que podem ter aplicao universal. A tica ocupa-se da vida boa, a moralidade da conduta correta.

    Thomas Mautner Traduo e adaptao de Desidrio Murcho Retirado de Dictionary of Philosophy, org. por Thomas Mautner (Penguin, 2005)

    Difundindo princpios e conceitos ticos Milton Emlio Vivan

    Rotary Club de So Paulo-Pacaembu, D.4610, desenvolveu no ano ro-trio 2003-04 um projeto de difuso de princpios e conceitos ticos. O projeto procura responder a uma das frases mais relevantes de Paul Harris: O Rotary continuar a ser caridoso, mas pode fazer mais do que isso: faamos com que o Rotary extermine a causa que faz necessria a carida-de. A que se referia Paul Harris? Aps profunda reflexo, por vrios cami-nhos, surgiu a resposta: a maior vivncia dos preceitos ticos. Assim nas-ceu a ideia do projeto. O primeiro passo foi a escolha de conceitos simples, de fcil mas ampla aplicao, e profundos em sua essncia. Resultou na escolha dos princpios da universalidade e do respeito enunciados por Emmanuel Kant.

    Princpios da universalidade e do respeito de Kant Princpio da Universalidade: quando voc quiser saber se uma ao

    tica ou no, suponha que essa ao se tornar um padro universal de comportamento, ou seja, a partir de agora, esse ser o modelo de compor-tamento. Imagine, ento, todos agindo dessa forma.

    Se no gostar de viver numa sociedade com todas as pessoas agin-do dessa forma, pode-se concluir que a ao em questo no tica.

    Em resumo, a pergunta : e se todos agissem assim? Princpio do Respeito: todo ser humano deve ser considerado como um fim em si mes-mo. Os aspectos que mais caracterizam o Princpio do Respeito so:

    No negar informaes pertinentes e Permitir-lhe liberdade de escolha. Em todos os boletins semanais do clube esses princpios foram cita-

    dos. Durante o ano, em todos eles foram includas perguntas e respostas sobre a aplicao prtica desses dois princpios. Ao final, foram enunciadas

    e respondidas 100 perguntas, as quais foram englobadas em um livro que foi distribudo na Conferncia Distrital do D.4610. A comunidade foi atingida pela insero em jornais de bairro. Para que o projeto alcanasse o mbito mundial, foi criado o boletim Stadium International, que foi enviado para mais de 600 clubes no mundo e que veiculou os dois princpios de Kant enunciados em portugus, ingls, francs, italiano, espanhol, alemo, japons e hindi. Algumas dessas verses foram feitas por clubes do exteri-or, por solicitao do RCSP-Pacaembu, como sinal de engajamento no projeto.

    A acolhida tem sido excepcional. Governadores incluram em suas cartas mensais os dois princpios e incentivaram seus presidentes a se envolverem no projeto.

    Influncia do estado da arte sobre a tica Para sabermos se uma ao benfica a toda sociedade, necess-

    rio que se conheam adequadamente as consequncias dessa ao sobre a sociedade. Nos casos onde o estado da arte do assunto em questo no atingiu um grau de maturidade suficiente para concluses seguras e corre-tas, no se pode concluir se a ao ou no tica. Leonardo da Vinci era criticado por ter iniciado a dissecao de cadveres, mas sem essa prtica a medicina jamais conseguiria atingir o grau de evoluo atual. Hoje vemos que sua atitude era tica, apesar de que, naquela poca, alguns o critica-vam injustamente, principalmente por ignorncia de origem religiosa ou simplesmente tcnica.

    Quando uma ao ou no tica No difcil diferenciar o que e o que no benfico para uma so-

    ciedade. Mas em alguns casos, onde o conhecimento humano do estado da arte no atingiu um nvel adequado, a deciso sobre se uma ao ou no tica ficar prejudicada. Esto claramente nesse rol a clonagem de seres humanos, o plantio de alimentos transgnicos etc. Outras aes como a eutansia, em certas circunstncias, o aborto em determinadas situaes, a priso perptua ou a pena de morte de alguns crimes tambm podem carecer de maior conhecimento humano se desconsiderarmos os preceitos religiosos, pois ainda no sabemos cientificamente a partir de que momento existe ou deixa de existir a vida, a alma, o esprito ou a capacidade de regenerao de um ser humano.

    Meio ambiente e a tica Como a tica est umbilicalmente ligada obteno de melhores

    condies da vida em sociedade, a preservao e melhoria das condies do meio ambiente so itens dos mais importantes para as geraes futuras. Portanto, uma indstria que solta poluentes em um rio, o carro que emite gases que poluem o ar por estar desregulado, empresas que produzem materiais no-biodegradveis ou que ataquem a camada de oznio etc no esto agindo de forma tica, pois estaro comprometendo a qualidade de vida das geraes e sociedades futuras.

    Uma ao egosta, porm tica Imagine a criao de um empreendimento de sucesso, com timos

    resultados aos investidores, mas que tambm permita empregar centenas de trabalhadores, inserindo-os socialmente e permitindo-lhes que exeram plenamente a cidadania. Esta ao, por ser benfica sociedade, consi-derada uma ao tica. Imagine um local onde ocorra seca periodicamente no Nordeste brasileiro. Um empreendedor investe num projeto de irrigao e cria um plo produtor de frutas que emprega centenas de famlias. Supo-nha que esse empreendimento tenha enorme sucesso, com produtos de tima qualidade e preos competitivos.

    Admita que as condies de trabalho sejam adequadas, e que os tra-balhadores possam educar seus filhos e contar com assistncia mdica, ter disposio transportes, lazer e segurana, enfim, que tenham o necess-rio para que possam exercer com plenitude a cidadania. A ao desse empreendedor ser uma ao tica, pois resultar em benefcio para toda a sociedade. Fatos como esse podem ocorrer no campo, em qualquer cidade e em qualquer metrpole.

    Aes legais porm no-ticas Toda lei que no beneficie a sociedade ser uma ao no-tica.

    Leis incompetentes ou leis que venham a beneficiar grupos em prejuzo de toda uma sociedade geraro aes legais, mas no-ticas. Esse tipo de ao bastante comum quando grupos julgam legtimo defender seus interesses corporativos, mesmo quando em detrimento do interesse da sociedade. No so raras as aes desse tipo em todas as casas onde se legisla, seja nas Cmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Cma-ra de Deputados, Senado Federal e at em Associaes de Normas Tcni-cas. Nestas ltimas, interesses corporativos podem pugnar por maiores tolerncias, incompatveis com requisitos de qualidade etc. Esses interes-

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    tica no Servio Pblico A Opo Certa Para a Sua Realizao 4

    ses corporativos procuram se cercar de garantias que diminuam os riscos de prejuzo, no pela competncia e maior qualidade dos produtos, mas pela mudana nos parmetros de controle. Aes legais e no-ticas tambm podem ter origem na corrupo, na omisso de pessoas ou insti-tuies, mas tambm simplesmente em aes no-competentes. Um exemplo o caso de situaes geradas por governos que endividam seus pases em nveis incompatveis com a capacidade de pagamento, obrigan-do ao envolvimento em dvidas monstruosas, quase que impagveis, e que obrigam esses governos a empenharem vultosas quantias que, em princ-pio, deveriam ser investidas em benefcio da populao. Outro exemplo o caso da cobrana exagerada de impostos que, apesar de legal, pode se tornar no-tica quando sufocar os meios de produo de uma sociedade.

    Comportamentos ticos aplicveis universalmente A compaixo, relacionada com a ajuda ao prximo;

    A no-maleficncia, que trata de evitar a imposio de sofrimento ou privao ao prximo; A beneficncia, que procura prevenir e combater o sofrimento do prximo, promover a felicidade do prximo, e com natural e maior in-tensidade nossa famlia e amigos; A imparcialidade: tratar as pessoas da forma como merecem ser tratadas, tendo direitos iguais at que o mrito ou necessidades jus-tifiquem tratamento especial; A coragem para se opor a injustias, mesmo que em prejuzo prprio; O respeito autonomia individual: no manipular ou induzir o pensamento das pessoas, mesmo que para o prprio bem delas; A honestidade: no enganar as pessoas. A mentira um vcio, especialmente quanto supervalorizao das prprias capacidades. Acostume-se a saber que as pessoas merecem saber a verdade; No fazer promessas que no pretende ou que sabe que dificil-mente conseguir cumprir; Integridade: cumprir com as obrigaes, mesmo que a despeito de inconvenincia pessoal. Consistncia. Pode-se medir o valor moral de um ser humano pela consistncia de suas aes. Essa medida tem maior qualidade quando princpios conflitam com interesses.

    Como a televiso poderia servir como difusor desses princ-pios e conceitos?

    A televiso claramente subutilizada socialmente nesse aspecto. As telenovelas poderiam conter episdios que didaticamente mostrassem as consequncias benficas de atitudes ticas sociedade. Nos esportes poderiam ser ressaltados, valorizados e premiados os comportamentos mais adequados. Reconhecimentos profissionais em mbito nacional a entidades e pessoas que se destacaram em suas funes e objetivos, observando os princpios ticos. Programas dominicais poderiam apresen-tar quadros especficos a esse respeito. Pequenas histrias e sries pode-riam conter temas que focalizassem um determinado assunto sob o ponto de vista tico. Programas de entrevista poderiam dar nfase a comporta-mentos a serem imitados. Prmios poderiam ser oferecidos a comporta-mentos exemplares, programas de perguntas e respostas poderiam dar nfase aos princpios e conceitos ticos, enfim, em quase todos os tipos de programas h uma forma de incluir conceitos ticos.

    A tica na formao moral de uma nao Pode-se constatar que h pessoas bastante cultas, educadas, forma-

    das pelas melhores escolas do Brasil ou at do exterior que no se preocu-pam com a vida em comunidade, ou seja, no tm a necessria sensibili-dade tica. Por outro lado, um analfabeto pode ser to ou mais tico que um doutor se suas aes forem pautadas pelo respeito ao que de todos. No necessrio ser alfabetizado para se compreender e viver os valores ticos. Basta que a cabea seja aberta e no fechada em seus prprios interesses.

    A tica no Rotary A difuso de princpios e conceitos ticos , sem dvida, um dos ob-

    jetivos do Rotary. O comportamento tico est diagnosticado como remdio adequado para quaisquer pases de todos os continentes: grandes potn-cias, pases ricos, emergentes, carentes e pobres. Uma instituio como o Rotary, de mbito internacional, tem vocao inerente para ser a portadora da bandeira da difuso dos princpios ticos. Esse projeto custa muito pouco comparado com os existentes, e os frutos sero colhidos em todas as reas, com benefcio incomensurvel para todos os seres humanos.

    Relao entre a tica e a religio No importa de que religio somos, no que, em que e como cremos:

    podemos sempre nos empenhar na prtica do bem. Isso no contradiz qualquer religio. Se nossas aes visam ao empenho pela prtica do bem da sociedade, nossas aes cumprem a meta de cada religio. pela prtica verdadeira em sua vida diria que o homem cumpre de fato a meta de toda religio, qualquer que seja ela, qualquer nome que tenha. Se acreditamos na prtica do bem independente de quaisquer recompensas, imediatas ou futuras, cumprimos ainda melhor essa misso.

    Relao entre tica e poltica tica e poltica se entrelaam e se confundem em seu significado

    mais profundo. A tica est profundamente ligada com a vida em socieda-de. Aes ticas implicam em aes que beneficiam a comunidade.

    Na poltica deve prevalecer o interesse da sociedade como um todo, e no o de uma minoria privilegiada com acesso ao poder. Um bom poltico aquele que consegue melhorar as condies de vida de seu povo. Assim ele ser tico. Um deputado que cria leis que no beneficiam seu povo ou que beneficiam a poucos criar uma ao que, apesar de legal, ser no-tica. A criao de novos impostos que venham a sufocar a economia so aes tipicamente no-ticas. A outorga de benefcios imerecidos e injustos tambm so aes no-ticas. No basta aos polticos terem boas inten-es ou boa vontade. Tambm necessrio ter competncia. Para os polticos, a prtica da tica est intimamente relacionada com a sua compe-tncia profissional.

    O problema que, para os polticos, mesmo que queiram, no fcil praticar a tica. Solues simples e surradas muitas vezes no bastam. necessrio criatividade, inteligncia, arrojo e coragem para encontrar solu-es competentes e, portanto, ticas, que vo realmente beneficiar a socie-dade. Uma casa legislativa onde se criam leis ineficazes ser uma fonte de aes no-ticas, mas legais.

    Relao entre tica e justia Numa sociedade tica fundamental que todos tenham, apesar das

    diferenas individuais, no mnimo, as mesmas oportunidades para viver com plenitude a cidadania. O desenvolvimento de suas capacidades ser funo de suas habilidades e vocaes, de sua disciplina e talento. A desigualdade social deve ser a mnima aceitvel de modo a garantir ao mais humilde o essencial para que possa ter acesso cidadania: sade, educao, transporte e segurana. A justia deve agir no sentido de asse-gurar que cada indivduo da sociedade tenha o que realmente merece, principalmente do ponto de vista distributivo, em funo do mrito, mas tambm do ponto de vista corretivo, em funo do dano causado. Uma justia eficiente permite que a sociedade viva de forma mais estvel, har-moniosa, com paz e, portanto, mais feliz, atingindo assim os objetivos de uma sociedade tica. Numa sociedade justa, at o mrito do sucesso tem maior valor. O mrito, quando legtimo, no pode ter limites. Isso induz e incentiva a prtica do bem, das boas aes, facilitando o alcance da felici-dade comum.

    A corrupo, os conluios e acertos visando aos privilgios que sabo-tam a ao da justia e que visam certeza da impunidade devem ser encarados como vcios e imperfeies da sociedade, que no podem ser tolerados.

    Relao entre a tica e a malandragem e o otrio Em nosso pas, inclusive na TV, comum a valorizao e a banaliza-

    o do termo malandro. Malandro assume ento o significado de esperto, o que leva vantagem. Mas impossvel dissociar que malandro tambm significa trapaceiro, velhaco. Otrio o que se deixa enganar pela esperteza, pela trapaa do velhaco. Assim comum ver-se a figura do malandro, do que procura levar vanta-gem em tudo, ser valorizada em detrimento de um comportamento condi-zente com a vida em sociedade, que sequer lembrado e muitas vezes at rejeitado pelos mais insuspeitos cidados. lamentvel a falta de sensibilidade de quem de fato ou de direito deveria corrigir essas atitudes que deformam o carter dos indivduos, mas principalmente de nossa mocidade.

    A existncia de um malandro sempre supe a existncia de um otrio que foi enganado. A malandragem que visa a obteno de alguma vanta-gem para si ou para outrem, mesmo que independente dos meios, e com o mnimo esforo possvel, evidentemente incompatvel com a vida em sociedade. Esse conceito deve ser rejeitado com veemncia e no tolerado. O mrito e o valor da conquista com disciplina e talento devem ser valoriza-dos. No se pode pretender uma sociedade tica ou justa quando se valori-za o comportamento do malandro.

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    tica no Servio Pblico A Opo Certa Para a Sua Realizao 5

    Frum Social Mundial a reinveno da democracia (1) *Cndido Grzybowski Desde a sua primeira edio em 2001, o Frum Social Mundial (FSM)

    vem sendo um espao privilegiado de mobilizao e encontro da diversida-de de movimentos sociais, organizaes, suas redes, campanhas e coali-zes que se opem globalizao econmica e financeira dominante. A especificidade e fora agregadora do FSM decorrem da sua capacidade de fazer com que tamanha heterogeneidade de atores sociais em termos sociais, culturais e geogrficos acreditem em si mesmos e na possibilida-de de transformar e reconstruir o mundo. Com a globalizao dominante a maior parte da humanidade est sendo deixada de lado, como um exceden-te descartvel. Com o FSM as pessoas mais simples redescobrem o seu valor fundamental como membros da comunidade humana e cidads construtoras de sociedades, das culturas, dos poderes, das economias. Sentir-se produzindo e reproduzindo a vida a esperana que nasce no Frum. Seu desafio maior repolitizar a vida para que outro mundo seja possvel diante da homogeneidade concentradora de riquezas, socialmente excludente e ambientalmente destrutiva da globalizao feita por e ao servio das grandes corporaes.

    Meu olhar sobre o FSM decorre da minha prpria insero social e pol-

    tica em sua promoo. Nesse sentido, fao aqui um exerccio engajado do livre pensar, um misto de testemunho e de reflexo estratgica sobre os possveis rumos em que, como participantes diversos e plurais, podemos avanar com o FSM e seu impacto sobre as instituies multilaterais e os Estados. Minha perspectiva no partir do poder econmico e poltico constitudo e sim do processo e das condies para que os cidados e as cidads do mundo estejam no centro, controlando o poder e os mercados globais.

    1. O Frum Social Mundial como canteiro de obras da cidadania mun-

    dial Em sua origem, o FSM se constituiu no contrap do Frum Econmico

    Mundial, nos mesmos dias, exatamente para marcar os lados opostos gerados pelas globalizao dominante. Fruns opostos no tempo e no lugar, um velho de mais de 30 anos, outro recm comeando a irrupo na histria; um numa luxuosa estao de esqui, em Davos, isolado pela pol-cia, o outro na plancie de Porto Alegre, a cidade com histria de participa-o popular na gesto pblica. Mas no podemos iludir-nos, so opostos que exprimem o mundo globalizado de hoje. A globalizao que combate-mos nos transformou, pelo pior caminho possvel, em uma comunidade humana planetria interdependente. Este o ponto de partida: a transfor-mao que a globalizao produziu em nossas condies de vida no Plane-ta. Ao mesmo tempo, fundamental reconhecer que no basta e at impossvel democratizar esta globalizao, dar-lhe uma face mais humana e sustentvel. A tarefa que se nos impe de refundao democrtica de um mundo interdependente, de gente para gente, compartindo bens co-muns entre todos os povos, com todos os direitos humanos garantidos a todos os seres humanos, com igualdade no respeito diversidade social e cultural.

    Antes do FSM, j nos 80, com a crise da dvida e a ascenso de Mar-

    gareth Thatcher e Ronald Reagan, mas especialmente durante os anos 90 do sculo XX, foram inmeras as insurreies de movimentos sociais e organizaes contra a avassaladora globalizao neoliberal imposta ao mundo. O palco principal das manifestaes foram as reunies do G-7, as assembleias do Banco Mundial e do Fundo Monetrio Internacional (FMI) e as rodadas de negociao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC). De forma espetacular, desenvolveram-se redes temticas regionais e mundiais: dvida, agricultura, comrcio, meio ambiente, cooperao, direitos humanos, educao, comunicao etc. Novos sujeitos foram se mundiali-zando e se consolidando: os movimentos feministas, ambientalistas, dos povos indgenas, dos sem terra e camponeses, de trabalhadores migrantes, dos sem teto, movimentos contra o apartheid, todos com um emergente dimenso planetria, tanto na sua prpria identidade social e raio de atua-o como na solidariedade que foram despertando. Mas no havia uma encruzilhada, um espao de encontro do conjunto destas novas foras sociais e delas com os j mais histricos atores internacionalizados, como o movimento operrio e sindical. A grande insurreio nas ruas de Seattle, em fins de 1999, foi um empurro decisivo para a emergncia de algo inteiramente novo.

    A novidade do FSM de criar o espao para que a diversidade de ato-res se encontre, se reconhea, troque prticas, experincias e anlises, se articule e crie novas redes, coalizes e campanhas. Enfim, o FSM surge como expresso de uma demanda contida da emergente cidadania planet-ria no sentido de pensar todos e todas juntos as possveis aes de trans-formao da ordem global existente. Desde o seu nascedouro, o FSM se imps o respeito diversidade e ao pluralismo como condio de sua prpria existncia e de enfrentamento do pensamento nico, homogneo e redutor, da globalizao neoliberal.]

    De minha perspectiva, ainda no criamos alternativas estruturantes em

    face da globalizao dominante. Isto uma tarefa coletiva de longa dura-o. Temos apenas 5 anos! Mas despertamos um poderoso movimento de ideias, que alimenta o sonho, a utopia, a esperana e faz a emergente cidadania do mundo agir. Alm disto, com o FSM, quebramos a arrogncia dos pregadores do neoliberalismo e demonstramos o quanto de autorita-rismo, de militarizao e de guerra, de excluso e intolerncia, de anti-humano so portadores os processos globais, centrados nos mercados e na fora poltica e militar que os sustenta.

    uma nova cultura poltica que pode se desenvolver a partir do pro-

    cesso que o FSM despertou. A multiplicao de fruns regionais, nacionais, locais e temticos alimenta o movimento de ideias de que outros mundos so possveis, lhe d novas facetas e engrossa a adeso de sujeitos sociais os mais diversos social, cultural e geograficamente. Se isso ainda no se traduz em uma nova institucionalidade poltica, certamente cria o terreno propcio para um repensar da poltica e do espao pblico, do local at o poder global e suas instituies. O FSM, como espao aberto diversidade e aceitando as divergncias, engendra um novo modo de fazer poltica. Como fora propulsora, difusa mas poderosa, que vai alm dos que se encontram nos eventos do FSM, h que se reconhecer, de um lado, uma conscincia da comum humanidade na diversidade que nos caracteriza como seres humanos. De outro, no d para subestimar o poder mobiliza-dor e transformador da conscincia dos bens comuns fundamentais vida no Planeta que temos, sejam os frgeis e finitos como so os bens naturais, a atmosfera, a biodiversidade, sejam as conquistas humanas como o saber, as lnguas e a cultura em geral. Conscincia aliada a um resgate da ao cidad como prtica central na transformao das situaes e no desenvol-vimento humano, democrtico e sustentvel. Ao que necessariamente se concretiza localmente, l onde vivemos, mas que impregnada de univer-salismo, busca ser planetria no seu sentido humano e alcance poltico.

    2. Desafios e tarefas para que o FSM contribua e reforce a capacidade

    da emergente cidadania planetria no sentido de uma democratizao radical do mundo

    O FSM no , em si mesmo, um movimento poltico, mas um espao

    aberto para a reconquista da poltica em seu sentido mais pleno. Sua fora reside nas mltiplas contradies que comporta, permitindo que elas se exprimam em seu espao como livre prtica de busca de cada participante, cada organizao e cada movimento, cada rede e cada campanha, da mais simples mais complexa e extensa. O FSM pode fortalecer a cidadania que nele se encontra, dialoga e confronta em busca de alternativas (des)ordem global vigente, sem, no entanto, se tornar, ele mesmo, uma organizao que aponta a direo a seguir. Formao de alianas e de novas redes, decises sobre campanhas as mais amplas e mobilizadoras possveis, disputas de hegemonia, desencontros em meio a muitos encon-tros, tendo no centro o pensar as alternativas para o mundo global que temos, do vida ao FSM. Enquanto ele conseguir ser espao do diverso e da pluralidade, tendo por base os princpios e valores ticos compartidos que nos d a dupla conscincia da humanidade e dos bens comuns a preservar para todos os seres do Planeta, o FSM vai continuar sendo uma das alavancas da cidadania mundial.

    Isso no me impede de ver enormes desafios e tarefas que se colocam

    para todos e todas que participamos do FSM como espao aberto. Inven-tamos o FSM em um momento datado e situado neste comeo do sculo XXI, em plena exacerbao da lgica do terror e da guerra, do acirramento do unilateralismo dos EUA, de crise e at falncia da democracia represen-tativa, com crescimento de uma enorme brecha entre as instituies polti-cas e as demandas da cidadania, de continuidade da concentrao de riquezas, da excluso social e da destruio da base da vida. O FSM

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    tica no Servio Pblico A Opo Certa Para a Sua Realizao 6

    tensionado pelos desafios do aqui e agora, precisa criar condies para um pensamento novo e um acmulo estratgico, que leve a emergente cidada-nia mundial a fortalecer a sua capacidade de ao poltica. O FSM precisa ser um espao que contribua para imaginar o mundo, reinventar o mtodo de ao e estimular a interveno concreta nos processos de globalizao em curso. possvel apontar algumas tarefas incontornveis para respon-der aos desafios que temos pela frente. No se trata de um plano de ao do FSM simplesmente porque ele no tem e nem pode ter planos de ao como espao aberto mas o que recolho como seu participante, como analista, ativista e dirigente do Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (Ibase).

    a) Imaginar o mundo Trata-se de alimentar uma ousada busca dos projetos possveis de ou-

    tros mundos como alternativa. Um novo ideal, em suma. A vejo como uma primeira tarefa essencial a reflexo sobre a democracia como referncia estratgica, com crtica ao modelo liberal e s formulas institucionais atuais. Como trazer ao centro do embate e da construo democrtica a ideia fora da diversidade de sujeitos em sua igualdade e com as prticas mais libert-rias possveis? Como incorporar os princpios e valores ticos fundantes da democracia a base da universalidade como referncia para todas as relaes humanas: familiares, sociais, culturais, econmicas, tcnicas, polticas, entre os povos, entre os Estados? Incorporar o fundamento tico na viso estratgica da democracia representa uma mudana poltica e filosfica fundamental, que aponta para a possibilidade de uma nova cultura poltica da emergente cidadania planetria. Ele no abandona e nem des-valoriza o embate ideolgico, vital para a poltica democrtica, mas delimita o seu lugar e as suas referncias comuns. Dele decorre, tambm, uma viso que pensa os direitos como relao, como qualidade das relaes sociais, onde direitos para serem direitos e no privilgios devem ser de todos e todas e onde direitos comportam responsabilidades. Com base em tais princpios e valores, possvel pensar na universalidade da democracia como referncia para outros mundos. Mas isso implica para o FSM, como tarefa de fortalecimento da cidadania mundial, ser um espao que favorea o dilogo entre culturas, entre sujeitos sociais diversos, entre vises e perspectivas diferentes e divergentes, dilogo como condio para que o possvel seja imaginado, pensado e formulado como proposta.

    Muitas outros desafios e tarefas surgem neste processo de imaginar o

    mundo. Precisamos superar o dficit conceitual, de teorizao e de atribui-o de significados com o qual enfrentamos a globalizao dominante. No podemos ficar enquadrados para pensar o mundo pelos conceitos que nos so impostos pela ideologia neoliberal e sua viso da globalizao ela mesma um conceito que esconde a lgica de dominao que a engendrou. Nem so mais suficientes os conceitos e teorias das escolas de pensamen-to e ao da esquerda superadas pela prpria histria. O caminho radica-lizar a crtica ao capitalismo e globalizao que ele alimenta, em todas as suas formas e processos.

    Precisamos reinventar o desenvolvimento como conceito e como mo-

    delo, libertando-o do produtivismo, do tecnicismo e consumismo que decor-rem de sua estreita e praticamente exclusiva associao com crescimento econmico. Isso implica, tambm, uma reviso do paradigma cientfico e de sua falsa objetividade, negadora da vida com tudo de subjetivo que ela tem. Precisamos conseguir pensar e imaginar o futuro humano livre da ideia de progresso material no padro industrial e de consumo dos atuais pases desenvolvidos, porque insustentvel ambientalmente e excludente social-mente. Imaginar outro mundo resgatar o trabalho como criador de vida, de produo e reproduo da vida. E, ainda, relocalizar as economias para que tenham dimenso sustentvel, segundo as possibilidades da base natural, e sejam humanas e justas socialmente, produtoras de bens e servios para gente antes de serem para mercados. Isto implica em aceitar o desafio de pensar o lugar das relaes mercantis e da regulao, media-das pela negociao democrtica.

    Imaginar o mundo tendo como referente estratgico a democracia

    dar-se a tarefa de pensar a ao e o espao pblico em todas as esferas da vida. Sem dvida, as instituies de poder e de Estado precisam ser redefi-nidas para que as demandas e a participao cidad sejam a fora de legitimao e legalizao de direitos e deveres. Isto do local ao global, segundo princpios de soberania e autonomia cidad, de subsidiariedade e

    complementariedade de poderes, de multilateralismo e solidariedade entre povos.]

    b) Inventar o mtodo Um outro grande desafio para o FSM contribuir para o desenvolvi-

    mento de um novo modo de fazer poltica. Com que mtodo construir a cidadania ativa mundial? Como o respeito aos princpios e valores demo-crticos, valorizando a diversidade social e cultural e respeitando a plurali-dade de vises e ideias, pode ser traduzido em um mtodo de ao? A partir do que j se pratica no FSM, parece fundamental que convergncias e divergncias como tantas outras convergncias, ao seu modo tenham condies de se expressar no espao do frum. Ou seja, no se trata de buscar o mnimo denominador comum, redutor e excludente, mas de valori-zar a diversidade de possibilidades, onde nenhuma possibilidade possa negar as outra e nem seja levada a se submeter qualquer uma outra.

    Um tal princpio metodolgico para a prtica poltica nova que se quer

    implementar recoloca o problema da articulao, das alianas e coalizes, da formao de blocos de foras, condio indispensvel nas democracias. Como formar hegemonias na diversidade de sujeitos e foras, sem prota-gonismos? Respostas a priori no existem, precisam ser criadas. O ponto de partida o reconhecimento da legitimidade e, at, da necessidade vital de conflitos e disputas para a democracia. As democracias se movem pela luta social, desde que sejam respeitados os princpios ticos fundantes pelas foras em confronto. Isso significa eleger metodologicamente a ao poltica, o pensar a ao e para a ao. Significa, tambm, reconhecer e respeitar os outros sujeitos, com eles se pondo em ao, em dilogo, em troca.

    Na prtica, o FSM desafiado a promover o mais radical dilogo entre

    movimentos sociais e organizaes, num processo intra eles, superando barreiras culturais, geogrficas e nacionais, e num processo inter diferentes movimentos e organizaes, buscando as convergncias e divergncias. A questo metodolgica e poltica aqui da traduo, no sentido que lhe d Boaventura Souza Santos. Vai na mesma direo a necessidade para o FSM de ser cada vez mais mundial, mais espao da cidadania mundial, penetrando em todas as sociedades no Sul e no Norte, no Oeste e no Leste, atravessando tradies civilizatrias, religies, filosofias e culturas as mais diversas. E um desafio ainda maior: tornar visveis os hoje invisveis social e politicamente para o mundo. Sem dvida, muitas das questes aqui levantadas j tem solues prticas, s que muito localizadas, fragmenta-das, no sistematizadas. Permitir que isto venha luz e se potencialize, tornando-se um modo de operar capaz de levar a cidadania a uma nova cultura poltica a tarefa essencial do FSM. Temos muito a aprender a este respeito. A experincia de construir um programa de trabalho a partir de baixo, de estimular o encontro e articulao, aglutinao at, est em curso no FSM, mas uma rdua e paciente tarefa. Temos hoje mais disperso e confuso do que diversidade construda naquilo que mostramos nos nossos eventos. Mas o caminho.

    c) Intervir concretamente O FSM, em si mesmo, no tem capacidade de interveno. Sua inci-

    dncia poltica se faz atravs do que decidem seus e suas participantes. Porm, voltado a fortalecer a emergente cidadania planetria, pensando a ao e para a ao poltica, o FSM acaba sendo um espao aberto para a constituio de novas redes e coalizes visando a formulao de campa-nhas, a promoo de mobilizaes e demonstraes, a seleo de poss-veis estratgias de influncia no debate pblico, nas diferentes sociedades e espaos, nas conjunturas que se apresentam. Como espao pblico aberto cidadania mundial, o FSM atravessado pela necessidade de agir aqui e agora sentida por quem dele participa. Vejo isto como um enorme desafio.

    Os temas mais prementes para participantes do FSM, como os vejo de

    onde me situo, so: a necessidade de radicalizar a ruptura com e de se contrapor ideo-

    logia e s vises da globalizao neoliberal; o aprofundamento da anlise da lgica de funcionamento e da estratgia das grandes corporaes e do capital financeiro, com denncia de suas

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    tica no Servio Pblico A Opo Certa Para a Sua Realizao 7

    violaes de direitos e de destruio das condies de vida; a mercantilizao de todas as relaes sociais, a privatizao de bens comuns e espaos pblicos, a flexibilizao de direitos conquistados, a desregulao e liberalizao em nome do livre mercado; o poder, concentrado e obscuro, das organizaes globais, especialmente das organizaes financeiras e comerciais, longe do controle da cidadania e dos povos; a lgica do terror e da guerra, a crescente militarizao e a ameaa paz e soberania dos povos; o perigo do unilateralismo crescente e do imperialismo, a necessidade de reconstruo do multilateralismo e da governana mundial para a paz.

    So todos temas cruciais em que de algum modo a cidadania

    mundial j est envolvida, precisando dar respostas. Muitos outros po-dem ser arrolados aqui. Ative-me queles que mais diretamente se re-ferem ao enfrentamento da globalizao dominante. Todos estes temas j so debatidos no FSM. A tarefa urgente pens-los mais associa-dos s aes e, ao mesmo tempo, sem que acabem marginalizando os outros grandes desafios que a emergente cidadania planetria tem pela frente.

    3. O FSM 2006: o desafio da expanso e mundializao Desde o comeo, em 2001, a vocao mundial e universalista do FSM

    posta prova. Sua vitalidade depende de sempre estar colado s mlti-plas realidades sociais e culturais, econmicas e ambientais dos povos do Planeta. A multiplicao de fruns, nas cidadades, nos pases, nas regies, a realizao de fruns temticos, e o deslocamento do prprio evento principal, girando o mundo, atende a tal imperativo.

    Em 2004, fomos para a sia, na ndia, na cidade de Mumbai. Agora,

    em 2006, estamos topando o desafio de realizar um Frum Social Mundial Policntrico, articulando eventos em diferentes continentes: vamos a Cara-cas, na Venezuela, a Bamako, no Mali, e a Karachi, no Paquisto, alm de uma conferncia no Marrocos. No sero, como imaginado, eventos simul-tneos, mas muito prximos e, sobretudo, muito articulados entre si. So realidades bem diversas o que faz imaginar um FSM muito mais diverso do que at aqui fomos capazes de produzir. Em 2007, j est decidido, vamos todos para Nairobi, no Qunia.

    O que significa este esforo de mundializao do prprio FSM? Sem

    dvida, estamos construindo uma estratgia que nos fortalea na diversida-de do que a emergente cidadania planetria. Estamos mostrando as mltiplas identidades de que somos portadores e, sobretudo, as inmeras possibilidades na construo de outros mundos.

    Para ns cidados e cidads da Venezuela, Brasil, da Amrica Latina,

    do Caribe, da Amrica do Norte, o FSM em Caracas representa um grande desafio e vem carregado de significado especial. J fizemos um Frum Regional em Quito, no Equador, em 2004. Agora, alm de uma clara di-menso regional, o FSM em Caracas adquire um impacto mundial mais claro. Estamos realizando o frum na Venezuela dos muitos contrastes e, devido s posies do Governo Chaves, tem provocado enorme debate em todo mundo, como uma das formas de oposio globalizao neoliberal e ao imperalismo dos EUA de Bush. Na Amrica do Sul se situa o ncleo mais claro de uma crescente oposio ao neoliberalismo e a Venezuela tem tido um importante papel poltico nisto. claro que nem todo(a)s participan-tes do FSM concordam com concepes e mtodos do Presidente Chaves. O FSM tem a sua autonomia como processo puxado por movimentos e entidades da sociedade civil, por suas redes, coalizes e alianas, regionais e mundiais. Mas isto no implica em se negar a enfrentar com anlise e debate, numa troca bem aberta, as possibilidades e limites das lutas con-cretas, especialmente todas aquelas que se alinham no combate ao neoli-beralismo e sua globalizao. O fato de um dos captulos do FSM Policn-trico se realizar na Venezuela, neste momento, para alm de todas as divergncias que pode despertar, precisa ser visto como uma busca efetiva entre ns mesmos e uma demonstrao de solidariedade a movimentos e organizaes da sociedade venezuelana.

    Mas tem mais. Indo a Caracas, assim como aos outros eventos do

    FSM Policntrico, estamos nos expandindo, nos mundializando ainda mais, nos conhecendo melhor. Estamos dando um sinal para o mundo que que-remos sim integrao, mas integrao de povos, dos mltiplos povos, e no

    uma incorporao por conglomerados econmicos e financeiros globais, uma incluso subordinada aos interesses dos EUA. Alm disto, nos apro-ximamos do nosso Caribe, com a sua diversidade e vida e fortalecemos a nossa capacidade de resistncia ao avano neoliberal. , sem dvida, uma grande oportunidade para mais um salto no processo frum. Tenho certeza que sairemos da Venezuela mais fortalecidos.

    Como concluso, cabe destacar a contribuio que o FSM pode dar

    para as sociedades civis dos pases em que se realizado, especialmente em termos de favorecer a cultura democrtica. As alternativas que gestar-mos e os resultados que alcanarmos podem ser incertos, imprevisveis, distantes, mas a cultura poltica que alimentada pela FSM, o modo de buscar alternativas pode ser durvel e radicalmente transformador, porque regido por valores e princpios ticos democrticos. O FSM no pode ser avaliado por possveis propostas que dele emergirem, mas sim pelo modo de atuar e de se fortalecer a prpria cidadania construtora de alternativas para o mundo. Este o sentido primeiro e fundamental de nossa expanso e mundializao.

    NOTAS Verso de 04.12.05 Enviada para:Observatorio Social de Amrica Latina OSAL Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales CLACSO- Argentina *CNDIDO GRZYBOWSKI socilogo e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (Ibase) e membro da Secretria Interna-cional do Frum Social Mundial SANTOS, Boaventura de Souza. O FSM Mundial: Manual de Uso. So Paulo: Ed. Cortez, 2005. p. 118-134.

    tica e Democracia Mrcio C. Coimbra

    O Brasil ainda vive em uma democracia em consolidao, ainda incipi-ente. Infelizmente, em grande parte de nossa histria, vivemos sombra de golpes de estado e revolues, como a de 1930 e mais recentemente em 1964. A cada ruptura institucional, o regime democrtico sofria um duro golpe, atingindo-o no seu ponto fundamental: o respeito ao Estado Demo-crtico de Direito.

    Nosso perodo mais recente de democracia comeou em 1985, com a eleio indireta de Tancredo Neves para a Presidncia da Repblica, colocando um fim em 21 anos de regime militar. Logo, chegamos a 2001 com 16 anos de democracia recente. Neste perodo conhecemos cinco Presidentes da Repblica: Tancredo Neves, que no assumiu devido ao seu falecimento, Jos Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Durante o termo de Jos Sarney, produziu-se uma nova Constituio Federal, a de 1988. Logo, percebe-se que o Brasil ainda est se acostumando com um regime democrtico sem rupturas abruptas, ou seja, a democracia brasileira, assim como suas instituies, ainda est em fase de amadurecimento.

    A consolidao de um regime democrtico somente ocorre com o tem-po e com o amadurecimento da sociedade e de suas instituies. A base de sustentao desta forma de governo o povo e a sua soberania, que exercida atravs do voto, como bem coloca Bobbio: democracia o gover-no do povo, para o povo. Alm disto, baseada fortemente no exerccio da cidadania, no respeito s leis e no exerccio da tica como ponto fundamen-tal das relaes interpessoais. Portanto, percebe-se um andar quase que em conjunto entre a democracia e a tica.

    Ainda sobre tica, vale ressaltar as palavras do Prof. Alberto Oliva na apresentao do livro do Doutor em Filosofia Mrio A. L. Guerreiro: Aplica tica o enfoque negativista segundo o qual ao prescritivo no incumbe especificar o que algum deve fazer, e sim o que deve ser impedido de fazer por ser danoso ao outro. Logo, a tica apresenta-se como ponto de convergncia e harmonizao entre norma e liberdade, assim como j assegurava John Locke.

    Como consequncia de uma srie de rupturas institucionais que marca-ram fortemente a formao do Estado brasileiro e seu desenvolvimento, vemos que o respeito s regras e ao exerccio tico de convivncia no tem sido uma constante recentemente no que tange s prticas polticas. Claro

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    tica no Servio Pblico A Opo Certa Para a Sua Realizao 8

    que esta tese comporta algumas grandes excees, pois no podemos generalizar os fatos. Mas de qualquer forma, faz-se extremamente impor-tante traar uma linha paralela entre estes conceitos.

    A capa de uma das mais importantes revistas semanais do Brasil, no dia 2 de maio de 2001 traduz com clareza os ltimos acontecimentos polticos envolvendo o Senado Federal com a seguinte manchete: Eles encolheram o Congresso: Como o Senado se transformou na Casa da Mentira com Jader, Arruda e ACM. No h dvidas: uma manchete de impacto. Mas ser que o problema reside apenas neste fato? Acredito que no. Os escndalos envolvendo os maiores escales do Estado esto sendo uma constante. Muitos deles lidam com a falta de tica daqueles que exercem uma funo pblica. Infelizmente, est se criando uma sensao de descrdito da populao perante os seus governantes, o que muito grave. A mesma revista, na edio de 23 de maio de 2001, mostra como um ex-presidente do Banco Central, supostamente, vendia informaes privilegiadas para o mercado financeiro e como, supostamente, o governo acobertou o fato. Alm destes casos, podem ser citados outros vrios que o governo j tem sobrevivido, como os supostos casos relativos a compra de votos para reeleio, implantao do projeto Sivam, BNDES e teles, CPI da Corrupo, e por fim as denncias envolvendo suposta corrupo no DNER, Sudam e Sudene.

    O Brasil est pagando um preo alto pela falta da prtica democrtica atravs dos anos e como consequncia, a falta de tica e transparncia em suas instituies. O amadurecimento est acontecendo do modo mais difcil. necessrio que o Brasil passe por estes acontecimentos, pois eles fazem parte da maturao pela qual o Estado brasileiro tem que, necessa-riamente, passar. Ainda hoje, em grau infinitamente menor, ainda existem denncias de corrupo em um regime amadurecido e estvel, de mais de 200 anos, como o caso da democracia norte-americana, onde a tica est no topo dos valores nacionais, como foi recentemente retratado no livro Shadow de Bob Woodward.

    De qualquer forma, o caminho que o Brasil tem que trilhar ainda lon-go e depende principalmente da consolidao do regime democrtico e do respeito ao Estado de Direito, que so os pilares bsicos de sustentao de uma sociedade estvel e tica.

    Discurso do Ministro do Controle e da Transparncia do Brasil, Waldir Pires, no Dilogo dos Chanceleres, durante a XXXIV Assem-bleia Geral da Organizao dos Estados Americanos (OEA) "Desen-volvimento Social e Democracia Frente Incidncia da Corrupo"

    Quito, Equador

    Quero inicialmente parabeniz-los pela escolha do tema dominante desta Assembleia, que a luta contra a corrupo. De iniciativa, inclusive, da representao poltica do Equador, a nao que nos hospeda to cordi-almente, para a adoo de recomendaes importantes na linha do comba-te eficaz a esse flagelo da humanidade.

    A democracia precisa dessa vitria, precisa em nosso continente de nossa responsabilidade comum para derrotar a corrupo em cada um de nossos pases. Ela um dos desvios mais perversos e danosos da socie-dade contempornea, no campo poltico, como na atividade privada, onde ela agride e suprime os recursos da coletividade para o uso inescrupuloso dos bandidos sofisticados que a praticam.

    No Brasil, o Presidente Lula, desde a sua primeira fala nao, decla-rou seu governo em luta permanente contra a corrupo. uma poltica de Estado o que praticamos com prioridade absoluta. H de ser um combate de larga durao; mas vamos venc-lo. A corrupo um crime, assim como tambm o o homicdio. Todos sabemos que no permitido matar e que pesado o castigo imposto ao homicida. No entanto, mata-se infe-lizmente muito, no Brasil e no mundo. Com a corruo se d mais ou me-nos o mesmo. Mas, infelizmente, nem o homicdio nem a corrupo so passveis de extino por fora de decreto. Por isso, nenhum pas do planeta est livre desse flagelo, seja no setor pblico improbidades, trfico de influncia, o enriquecimento ilcito, seja no setor privado, na manipula-o de balanos, na especulao financeira de bolsas, na apropriao criminosa de poupanas privadas.

    No atual Governo do Brasil, a administrao federal, com gastos ora-mentrios muito reduzidos, est se reestruturando profundamente, na essncia de sua ao de controle, buscando rapidamente a atuao inte-

    grada e de profunda articulao com os organismos do Governo e do Estado, envolvidos com o combate ao desvio do dinheiro pblico.

    O Governo Lula transformou profundamente a natureza de sua misso e realiza aes conjuntas ou complementares nas reas de auditoria, fiscalizao e apurao de desvios, com o Ministrio da Justia, a Polcia Federal, o Tribunal de Contas da Unio, o Ministrio Pblico Federal e os Estaduais, a Advocacia-Geral da Unio, com xito de todos os procedimen-tos. Instituiu tambm o sistema de fiscalizao a partir de sorteios pblicos, que ocorrem na sede da Loteria da Caixa Econmica Federal, em Braslia, na presena de toda a imprensa e mdia e de representantes da sociedade civil, dos membros do Congresso Nacional, de oposio e de governo, para escolher as reas territoriais menores da Federao brasileira, que so os municpios, onde so aplicadas grandes parcelas do dinheiro pblico.

    Neste Governo, a Lei criou o Conselho da Transparncia Pblica e Combate Corrupo. Alm disso, estamos empenhados na tarefa do fortalecimento dos Conselhos municipais de controle social. Estamos participando da ENCLA (Estratgia Nacional de Combate Lavagem de Dinheiro).

    Vamos realizar o IV Frum Global de Combate Corrupo, em junho de 2005, para o qual, inclusive, o Governo brasileiro os convida a todos para nos darem a honra e o prazer de participarem conosco desse conclave internacional.

    A democracia incompatvel com a corrupo. Como incompatvel com a excluso. Sua legitimidade decorre da representao popular, que vem da vontade dos cidados, para assegurar as liberdades, inclusive aquela que foi declarada um dia na Carta do Atlntico, como o grande documento do Ocidente, de convocao para a luta contra o nazismo e o fascismo: a liberdade de no ter medo de morrer de fome. A excluso o decreto de condenao pobreza extrema e fome. A democracia a cidadania, no um regime com prias.

    No h democracia sem tica, portanto sem responsabilidade com a condio humana. A tica da democracia a coeso social para a convi-vncia humana, hoje sob grave risco. A democracia poltica ou se faz social e humana, ou democracia no . O Presidente Lula recentemente, em janeiro ltimo, em Monterrey, na Cpula Extraordinria das Amricas, a propsito do desenvolvimento social, lembrou-nos do desafio deste milnio, para a condenao das injustias: cada vez maior o abismo que separa ricos e pobres em nosso continente e no mundo. A tica existe desde o comeo das civilizaes para o bem do ser humano. Significa a responsabi-lidade de cada um e de todos com os valores da vida, da dignidade da pessoa humana. A tica da democracia, pois, a tica da coeso social, pela afirmao das liberdades e pelo respeito s necessidades.

    Assessoria de Imprensa da Controladoria-Geral da Unio

    Cidadania

    Foi de um discurso do dramaturgo Pierre-Augustin Caron de Beaumar-chais, em outubro de 1774, que surgiu o sentido moderno da palavra cida-do -- que ganharia maior ressonncia nos primeiros meses da revoluo francesa, com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado.

    Em sentido etimolgico, cidadania refere-se condio dos que resi-dem na cidade. Ao mesmo tempo, diz da condio de um indivduo como membro de um estado, como portador de direitos e obrigaes. A associa-o entre os dois significados deve-se a uma transformao fundamental no mundo moderno: a formao dos estados centralizados, impondo juris-dio uniforme sobre um territrio no limitado aos burgos medievais.

    Na Europa, at o incio dos tempos modernos, o reconhecimento de di-reitos civis e sua consagrao em documentos escritos (constituies) eram limitados aos burgos ou cidades. A individualizao desses direitos a rigor no existe at o surgimento da teoria dos direitos naturais do indivduo e do contrato social, bases filosficas do antigo liberalismo. Nesse sentido, os privilgios e imunidades dos burgos medievais no diferem, quanto forma, dos direitos e obrigaes das corporaes e outros agrupamentos, decor-rentes de sua posio ou funo na hierarquia social e na diviso social do trabalho. So direitos atribudos a uma entidade coletiva, e ao indivduo apenas em decorrncia de sua participao em um desses "corpos" sociais.

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    O termo cidado tornou-se sinnimo de homem livre, portador de direi-tos e obrigaes a ttulo individual, assegurados em lei. na cidade que se formam as foras sociais mais diretamente interessadas na individualizao e na codificao desses direitos: a burguesia e a moderna economia capita-lista.

    Ao ultrapassar os estreitos limites do mundo medieval -- pela interliga-o de feiras e comunas, pelo estabelecimento de rotas regulares de co-mrcio, entre regies da Europa e entre os continentes --, a dinmica da economia capitalista favorece a imposio de uma jurisdio uniforme em determinados territrios, cuja extenso e perfil derivam tanto da interdepen-dncia interna enquanto "mercado", como dos fatores culturais, lingusticos, polticos e militares que favorecem a unificao.

    Em seus primrdios, a constituio do estado moderno e da economia comercial capitalista uma grande fora libertria. Em primeiro lugar, pela dilatao de horizontes, pela emancipao dos indivduos ante o localismo, ante as convenes medievais que impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupao diferente da transmitida como herana familiar; libertria, tambm, ante as tradies e crenas que se diluam com a maior mobilida-de geogrfica e social; mas libertria, sobretudo, pela imposio de uma jurisdio uniforme, que superava o arbtrio dos senhores feudais e reco-nhecia a todos os mesmos direitos e obrigaes, independentemente de seu trabalho ou condio socioeconmica.

    Alm do sentido sociolgico, a cidadania tem um sentido poltico, que expressa a igualdade perante a lei, conquistada pelas grandes revolues (inglesa, francesa e americana), e posteriormente reconhecida no mundo inteiro.

    Nessa perspectiva, a passagem do mbito limitado - dos burgos - ao significado amplo da cidadania nacional a prpria histria da formao e unificao dos estados modernos, capazes de exercer efetivo controle sobre seus respectivos territrios e de garantir os mesmos direitos a todos os seus habitantes. fundamentalmente uma garantia negativa: contra as limitaes convencionais ao comportamento individual e contra o poder arbitrrio, pblico ou privado.

    Rumo universalizao. A cidadania originalmente um direito bur-gus. Contudo, quando reivindicada como soma de direitos fundamentais do indivduo, estes se tornam neutros quanto a seus beneficirios presentes e potenciais.

    Vista como processo histrico gradual, a extenso da cidadania (1) a transformao da estrutura social pr-moderna no quadro da economia capitalista e do estado nacional moderno e (2) o reconhecimento e a uni-versalizao de toda uma srie de novos direitos que, em parte, so indis-pensveis ao funcionamento da economia capitalista moderna e, em parte, so resultado concreto do conflito poltico dentro de cada pas. Portanto, trata-se de um conceito ao mesmo tempo jurdico, sociolgico e poltico: descreve a consagrao formal de certos direitos, o processo poltico de sua obteno e a criao das condies socioeconmicas que lhe do efetividade.

    Cidadania e democracia. A cidadania tem dois aspectos: (1) o instituci-onal, porque envolve o reconhecimento explcito e a garantia de certos direitos fundamentais, embora sua institucionalizao nunca seja constante e irredutvel; (2) e o processual, porque as garantias civis e polticas, bem como o contedo substantivo, social e econmico, no podem ser vistos como entidades fixas e definitivas, mas apenas como um processo em constante reafirmao, com limiares abaixo dos quais no h democracia. Democrtico, no sentido liberal, o pas que, alm das garantias jurdicas e polticas fundamentais, institucionaliza amplamente a participao poltica.

    Direitos e garantias individuais. A necessidade de certas prerrogativas que limitem o poder poltico em suas relaes com a pessoa humana so, muito provavelmente, criao do cristianismo, que definiu o primeiro terreno interditado ao estado: o espiritual.

    No campo do direito positivo, foi a revoluo francesa que incorporou o sistema dos direitos humanos ao direito constitucional moderno. A teoria do direito constitucional dividiu, de incio, os direitos humanos em naturais e civis, considerando que a liberdade natural, mais ampla, evolui para o conceito de liberdade civil, mais limitada, visto que seus limites coincidem com os da liberdade dos outros homens.

    A primeira concretizao da teoria jurdica dos direitos humanos foi o Bill of Rights, de 1689 -- a declarao de direitos inglesa. S depois da independncia dos Estados Unidos, porm, as declaraes de direitos, inseridas nas constituies escritas, adquirem o perfil de relao de direitos oponveis ao estado, e dos quais os indivduos so titulares diretos. Dada sua importncia, o direito constitucional clssico dividia as leis fundamen-tais em duas partes: uma estabelecia os poderes e seu funcionamento; outra, os direitos e garantias individuais.

    No Brasil, clssica a definio dada por Rui Barbosa s garantias, desdobramento dos direitos individuais: "Os direitos so aspectos, manifes-taes da personalidade humana em sua existncia subjetiva, ou nas suas situaes de relaes com a sociedade, ou os indivduos que a compem. As garantias constitucionais stricto sensu so as solenidades tutelares de que a lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do poder." o caso do direito liberdade pessoal, cuja garantia o recurso do habeas corpus.

    Direitos sociais. Na antiguidade, considerava-se que o trabalho manual no era compatvel com a inteligncia crtica e especulativa, ideal do esta-do. Da o reconhecimento da escravido, que restringia consideravelmente os ideais tericos da democracia direta. A revoluo social do cristianismo baseou-se principalmente na dignificao do trabalho manual. Por conse-guinte, durante a Idade Mdia, o trabalho era considerado um dever social e mesmo religioso do indivduo.

    Com o declnio das corporaes de ofcio, que controlavam o trabalho medieval, e o surgimento das oficinas de trabalho, de caractersticas dife-rentes, entre as quais a relao salarial entre operrio e patro, esto dadas as condies propcias ao capitalismo mercantilista da poca do Renascimento e da Reforma.

    Mais tarde, a burguesia, que dominara a revoluo francesa, viu-se di-ante dos problemas sociais decorrentes da revoluo industrial. Assim, tornou-se indispensvel a interveno do estado entre as partes desiguais em confronto no campo do trabalho, para regular o mercado livre em que o trabalhador era cruelmente explorado.

    Atualmente no se pode conceber a proteo jurdica dos direitos indi-viduais sem o reconhecimento e a proteo dos direitos sociais do homem, que so oponveis no ao estado, mas ao capital, e tm na ao do estado sua garantia.

    Hoje existe um grande movimento pelo reconhecimento, definio e ga-rantia internacionais dos direitos humanos. Em 10 de dezembro de 1948, a assembleia geral da Organizao das Naes Unidas (ONU) adotou em Paris a Declarao Universal dos Direitos Humanos, que s ter fora obrigatria quando for uma conveno firmada por todos os pases mem-bros da ONU.

    Os regimes de governo so justos na medida em que as liberdades so defendidas, mesmo em pocas de crise. Os princpios gerais de direito so sempre os mesmos: processo legal, ausncia de crueldade, respeito dignidade humana. As formas de execuo desses princpios tambm no variam. Resumem-se em leis anteriores, em garantias eficazes de defesa e, como sempre, acima de tudo, em justia independente e imparcial.

    Suspenso das garantias constitucionais. No Brasil, a instabilidade do poder poltico e as lutas oligrquicas durante a primeira repblica fizeram do estado de stio e da interveno federal os centros de convergncia dos debates jurdicos e das aes polticas. Tambm o Supremo Tribunal Federal defrontou-se frequentemente com o problema. No entanto os fatos mais de uma vez atropelaram o direito ao longo da histria do Brasil. En-cyclopaedia Britannica do Brasil Publicaes Ltda.

    Democracia

    Desde seu surgimento na antiguidade clssica, o ideal democrtico -- aspirao dos homens e dos povos a assumir plenamente seu destino coletivo e sua responsabilidade poltica -- manifestou-se de muitas manei-ras diferentes. Como realidade poltica, no entanto, so escassos os exem-plos histricos de sociedades ou grupos que tenham vivido de acordo com esse ideal. S a partir do ltimo tero do sculo XVIII, com a independncia dos Estados Unidos e o triunfo da revoluo francesa, surgiram as moder-nas democracias e iniciou-se um longo e desigual caminho de desenvolvi-mento e implantao dos sistemas democrticos no planeta.

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    Denomina-se democracia (do grego demos, "povo", e kratos, "autorida-de") uma forma de organizao poltica que reconhece a cada um dos membros da comunidade o direito de participar da direo e gesto dos assuntos pblicos. Nas sociedades modernas, so reduzidas as possibili-dades de participao direta, dado o nmero e a complexidade dos assun-tos pblicos. S possvel o exerccio direto da democracia em algumas instituies tradicionais -- administrao municipal ou assembleias popula-res, por exemplo. Assim, nos pases democrticos, comum o exerccio da democracia por meio de um sistema indireto ou representativo.

    Normalmente, esse sistema regulado por uma lei fundamental ou constituio. Os cidados elegem representantes, cuja participao nas diversas instituies governamentais garante a defesa de seus interesses. De maneira geral, esses representantes fazem parte de vrios partidos polticos, que se identificam com os interesses de uma classe ou grupo social e sustentam diferentes opinies a respeito de como se deve solucio-nar os problemas da comunidade. Os candidatos que recebem mais votos nas eleies passam ento categoria de membros dos organismos par-lamentares -- congresso, senado, cmara de deputados, parlamento, cortes, assembleia nacional etc. -- nos quais, por um determinado perodo (mandato), devem defender as opinies do partido pelo qual se elegeram, apoiando, criticando, reelaborando e votando os projetos de lei que forem submetidos a discusso.

    No sistema parlamentarista, o governo da nao exercido pelo parti-do ou coligao de partidos detentores da maioria parlamentar, e normal-mente o chefe de governo o lder do partido majoritrio. O sistema presi-dencialista distingue-se do parlamentarista pelo fato de os cidados elege-rem tanto um presidente da repblica, que exerce o poder executivo com apoio de um ministrio por ele nomeado, quanto os membros do congresso, cujos poderes normalmente se limitam legislao e aprovao dos oramentos gerais da administrao pblica.

    Evoluo dos sistemas democrticos: Grcia e Roma. A democracia teve origem na Grcia clssica. Atenas e outras cidades-estados implanta-ram um sistema de governo por meio do qual todos os cidados livres podiam eleger seus governantes e serem eleitos para tal funo, por um determinado perodo. Esse exerccio democrtico -- do qual estavam exclu-dos os escravos, as mulheres e os estrangeiros -- foi possvel porque os cidados formavam um grupo numericamente reduzido e privilegiado.

    Embora o sistema tenha recebido o apoio terico e doutrinrio de pen-sadores da envergadura de Aristteles, com frequncia ocorriam situaes em que a normalidade democrtica era interrompida por meio de mecanis-mos que tambm se repetiram frequentemente ao longo da histria. Quan-do havia algum conflito com uma regio ou cidade vizinha, eram atribudos a alguns generais poderes absolutos enquanto durasse a guerra. s vezes, ao encerrar-se esta, aproveitando o prestgio popular conquistado, os generais apossavam-se do poder como ditadores. Uma situao desse tipo acabou com a "democracia de notveis" dos primeiros tempos de Roma. O sistema democrtico vigorou muito menos tempo em Roma do que na Grcia e, mesmo durante o perodo republicano, o poder permaneceu habitualmente nas mos da classe aristocrtica.

    Fundamentos da democracia moderna. S no sculo XVII comearam a ser elaboradas as primeiras formulaes tericas sobre a democracia moderna.

    O filsofo britnico John Locke foi o primeiro a afirmar que o poder dos governos nasce de um acordo livre e recproco e a preconizar a separao entre os poderes legislativo e judicirio. Em meados do sculo XVIII foi publicada uma obra capital para a teoria poltica moderna: De l'esprit des lois (1748; Do esprito das leis), de Montesquieu. O filsofo e moralista francs distinguia nesse livro trs tipos diferentes de governo: despotismo, repblica e monarquia -- fundamentadas no temor, na virtude e na honra, respectivamente -- e propunha a monarquia constitucional como opo mais prudente e sbia. A liberdade poltica seria garantida pela separao e independncia dos trs poderes fundamentais do estado: legislativo, execu-tivo e judicirio. Assim, Montesquieu formulou os princpios que viriam a ser o fundamento da democracia moderna.

    Entretanto, setores cada vez mais amplos da opinio pblica, encabe-ados pela burguesia -- para cujo desenvolvimento a sobrevivncia do antigo regime constitua um obstculo --, formulavam propostas de organi-

    zao e ao destinadas a abolir o absolutismo e a instaurar uma nova ordem poltica.

    O povo francs deu vazo a seus anseios, por tanto tempo reprimidos, na rebelio contra o governo dos Bourbon e da aristocracia. A revoluo francesa procurou em vo encontrar formas de organizao poltica e social que dotassem o sistema de certa estabilidade, mas o surgimento de Napo-leo e a instaurao do imprio fizeram abortar esses esforos. Apesar disso, a revoluo teve como consequncia uma ampla difuso das ideias democrticas, no apenas nos estados europeus, mas tambm na Amrica. Assim, a instaurao na Espanha, durante a guerra da independncia, de um poder provisrio inspirado naquelas ideias favoreceu sua exportao para as colnias americanas.

    Os Estados Unidos da Amrica foram a primeira nao a criar um sis-tema democrtico moderno, definitivamente consolidado em decorrncia de sua vitria na guerra de independncia contra a monarquia britnica. No caso dos novos pases da Amrica, em geral caminharam juntas as ideias de democracia e independncia. Os "libertadores" buscaram pr fim no s ao domnio exercido pelas potncias colonizadoras, como tambm aos poderes absolutos que os soberanos dessas potncias personificavam.

    Democracia na atualidade. Embora estejam notavelmente dissemina-das no mundo de hoje e seja difcil encontrar argumentos doutrinrios contrrios a elas que meream consenso, em muitas reas do mundo as ideias democrticas no so postas em prtica pelos sistemas polticos.

    As democracias populares constituram um caso parte. Nos pases em que houve tomada do poder por organizaes de esquerda, sobretudo de carter comunista, implantaram-se sistemas de dominao poltica e militar que, embora se proclamassem democrticas, impediam o livre exerccio dos direitos e das liberdades fundamentais. Nesses sistemas polticos, afirmava-se que a organizao democrtica parlamentar no constitua uma traduo adequada das ideias democrticas, j que s serviriam para legitimar o exerccio do poder por influentes grupos de presso, sobretudo de tipo econmico. Para os sistemas que foram domi-nantes nesses pases, a organizao democrtica parlamentar seria uma democracia formal, sem contedo, oposta democracia real, que eles representariam.

    Organizao jurdica da democracia. A essncia da democracia como sistema poltico reside na separao e independncia dos poderes funda-mentais do estado -- legislativo, executivo e judicirio --, bem como em seu exerccio, em nome do povo, por meio das instituies que dele ema-nam.

    O poder legislativo concretiza-se na instituio parlamentar, que pode ser unicameral ou bicameral. Tem ela como atribuio a elaborao das leis, interpretando-se, portanto, a mxima democrtica "o poder emana do povo" como uma afirmao de que o povo -- seus representantes eleitos por um perodo limitado e por um sistema eleitoral determinado -- que elabora as leis que regem a vida da comunidade e controla o poder execu-tivo. Por isso, o sistema tambm recebe a denominao de estado de direito.

    O poder executivo incumbe-se do governo da nao, garantindo o cumprimento das leis e cuidando da administrao do estado.

    Num sistema democrtico parlamentarista, os cidados controlam o poder poltico pelo voto, de modo que podem remover do poder os partidos cujos dirigentes no tenham cumprido suas promessas eleitorais ou tenham cometido o que os cidados consideram erros de gesto poltica, econmi-ca ou social. Ao controlar o poder executivo, o parlamento pode, em casos extremos e de acordo com pressupostos estabelecidos pela constituio, chegar a retirar sua confiana do governo. Em tais casos, procede-se realizao de eleies antecipadas.

    O terceiro poder do estado, o judicirio, serve de rbitro entre o legisla-tivo e o executivo nos conflitos de jurisdio, bem como de intrprete dos textos legais. A autoridade judiciria aplica a justia em nome do povo.

    Direitos e liberdades fundamentais. Em todo sistema democrtico, as leis constitucionais, elaboradas pelos representantes dos cidados durante um processo constituinte e dotadas dos mecanismos de reforma apropria-dos, inspiram-se na aceitao bsica e no reconhecimento explcito por toda a comunidade de uma srie de direitos e liberdades fundamentais, que

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    so de carter poltico e social (livre expresso de opinies, liberdade de culto, de associao poltica, reunio e manifestao, de proteo familiar etc.), econmico (direito a trabalho e salrio dignos, direito de associao sindical, direito de greve) e cultural (direito educao). Todo direito positi-vo que emana da constituio tende a procurar proteger tais direitos.

    Deveres dos cidados. Embora, historicamente, a democracia tenha surgido para garantir o exerccio das liberdades pblicas diante do poder irrestrito do estado, os sistemas democrticos tambm consagram uma srie de deveres sociais que todos os cidados so obrigados a cumprir. Esses deveres incluem, basicamente, uma prestao pessoal de servios -- como o servio militar, ou servios civis que o substituam, em todas as circunstncias ou em casos de emergncia -- e uma contribuio econmi-ca, que se traduz sobretudo na aceitao e no cumprimento da obrigao de pagar os impostos votados pelos representantes do povo no parlamento. Os deveres dos cidados baseiam-se na obrigao jurdica geral relativa ao acatamento das leis -- a democracia como situao de "imprio da lei" -- e na obedincia autoridade no legtimo exerccio de suas funes, isto , na medida em que sua atuao se ajustar ao que foi legalmente estab