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Faculdade de Direito de Lisboa
Sumários e algumas anotações das aulas de
ECONOMIA INTERNACIONAL
(1.º Semestre, 3.º Ano - Turma A, ano lectivo de 2015-2016)
(Prof. J. Renato Gonçalves)
I — INTRODUÇÃO
1. Objeto da Economia Internacional. O comércio e a moeda internacional.
Relevância crescente ao longo dos últimos decénios. Método.
A evolução dos factos económicos ocorrida nos últimos decénios caracteriza-se, em
síntese, por um aumento quase constante e substancial das relações transfronteiras entre a quase
generalidade dos países do mundo, o que contribui para justificar o interesse acrescido pelo
estudo da Economia Internacional ou das relações económicas internacionais.
Devido a uma multiplicidade de factores, incluindo o surgimento de sucessivas
descobertas e o aproveitamentos de novas tecnologias e técnicas de comunicação e de
informação, de que resultou uma maior abertura das pessoas, dos agentes económicos e dos
países face ao que ocorre para além das fronteiras nacionais, verificou-se um aumento
impressionante do peso absoluto e relativo das operações económicas internacionais
(importações e exportações), ano após ano quase sem exceção (embora dependendo dos vários
países), desde o final da Segunda Guerra Mundial até aos dias de hoje.
Em consequência desta tendência histórica no sentido de uma maior abertura e
internacionalização das economias e das sociedades, provavelmente ainda longe de se poder
considerar concluída, intensificaram-se e normalizaram-se graduamente as mais diversas
conexões económicas, culturais, sociais, políticas e jurídicas transfronteiras, ou seja, realizadas
entre as inúmeras pessoas que habitam e exercem atividades ou dispõem de estabelecimentos
comerciais na generalidade dos países e lugares do globo terrestre (tornado “aldeia global”).
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Esta simples constatação não afasta, obviamente, o reconhecimento de que diversas
áreas geográficas e momentos históricos escapam e continuarão provavelmente a não se sujeitar
aos ditames descritos — de grande abertura ao que é estrangeiro e de consequente banalização
gradual no relacionamento transfronteiras, com redução ou mesmo eliminação dos obstáculos
tradicionais (tarifários e não tarifários) à livre circulação de pessoas e de bens entre os vários
territórios políticos autónomos, que haviam sido estabelecidos e vigoraram ao longo de anos e
séculos.
A tendência mencionada de maior abertura ao exterior não afasta também a
circunstância de a mesma não poder ser considerada linear ou irreversível: em determinados
momentos históricos, sobretudo de mais prosperidade e de ausência de conflitos armados, o
sentido da evolução foi predominantemente de maior abertura das fronteiras nacionais e de
redução de alguns dos obstáculos tradicionais às trocas com o exterior; noutros períodos, menos
pacíficos e de maiores dificuldades políticas e sociais, tenderam a prevalecer e concretizar-se os
objectivos de criação e reforço de barreiras protecionistas dos produtos nacionais perante a
ameaça concorrencial de produtos provenientes do estrangeiro, não raramente com melhor
qualidade e preços inferiores.
Da maior abertura económica, cultural e política das sociedades em relação ao que
existe e que provém dos territórios situados para além das fronteiras nacionais resultou uma
crescente interdependência real entre os vários povos e países do mundo, especialmente (mas
não apenas) entre os povos de países geográfica, política, cultural e economicamente mais
próximos, independentemente de o grau de proximidade ou de coincidência de valores, de
interesses e de objetivos — no domínio político, económico, social, cultural... — poderem
variar muito. Com mais contactos a uma escala cada vez mais extensa cresceu o conhecimento
do que era (e dos que eram) desconhecido(s) ou menos conhecido(s), bem como a eventual
convergência de preferências e a coesão cultural, apesar de, em geral, apenas relativa a alguns
aspectos.
A persistente divergência quanto a determinados valores e interesses culturais,
políticos, económicos, sociais ou de outra natureza entre diversos povos e países do mundo
contribui para explicar e justificar a emergência ou o agravamento de certos conflitos com
impacto internacional, por vezes profundos e com elevados riscos de expansão descontrolada e
de alastramento, a par de desequilíbrios económicos substanciais mais ou menos perduráveis
(como sucede com as situações de défices nas contas externas de numerosos países,
frequentemente resultantes de um peso relativo crescente do valor total das importações sobre o
valor das importações em determinados períodos de tempo, desequilíbrios esses cuja
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acumulação sucessiva pode dar lugar a stocks de dívida – dívida externa – eventualmente
difíceis de cumprir).
Note-se que as situações de desequilíbrio externo acabadas de apontar a título de
exemplo, que se verificam nas contas de alguns países em face dos restantes países do mundo,
são sempre relativas. Salvo erro estatístico, quando num país (P1) se constata uma situação de
défice externo em determinado período do tempo (num trimestre, num ano), há pelo menos um
outro país (mais frequentemente, o conjunto formado por todos os outros países do mundo) em
se que regista, no mesmo período de tempo, uma situação excedentária (ou um conjunto de
situações excedentárias) precisamente com o mesmo montante global (x euros, y dólares),
coincidente com a dimensão (absoluta) do défice externo verificada no primeiro país (P1). Isto
significa que as situações de equilíbrio ou de desequilíbrio externo de cada país do mundo
podem ser, e são-no habitualmente, muito díspares, atingindo assim mais severamente
determinados países do que outros, em função, grossomodo, da relação que se verifique entre o
valor total das importações e o valor total das exportações num determinado período de tempo
(1).
Por outro lado, uma situação de desequilíbrio externo quantitativamente idêntica
(por exemplo, de 1000 milhões de euros ou dólares) pode ser substancialmente muito pouco
relevante para um determinado país e, ao invés, extremamente grave para outro,
designadamente se aquele montante monetário absoluto corresponder apenas, por exemplo, a
1% do respetivo produto interno anual total, na primeira hipótese, e se, ao invés, representar 10
ou 15% do mesmo indicador económico, na segunda hipótese.
Mesmo perante situações percentualmente idênticas de desequilíbrio externo (por
exemplo, 5%, 10%...), poderá não haver especial gravidade se o défice apurado for meramente
transitório, justificado por uma causa pontual ou passageira (por exemplo, acréscimo
excecional de despesas destinadas à aquisição de bens e serviços para a reparação de diversas
infraestruturas danificadas por temporal). Pelo contrário, a dimensão de um défice externo pode
já tornar-se preocupante se a situação de desequilíbrio perdurar por vários trimestres ou anos
sucessivos e se se agravar o risco de o país no seu conjunto (os seus agentes económicos) não
ter capacidade, aferida pelas disponibilidades e pelos rendimentos a auferir, para cumprir as
(1) Ambos os agregados (total das exportações e das importações de um país num determinado
período de tempo) devem ser entendidos num sentido muito amplo, que inclua não apenas as aquisições e vendas de mercadorias mas também as transações internacionais de serviços (transportes, turismo, seguros…), para além de vários outros componentes que integram o cálculo das contas nacionais, segundo critérios estatísticos internacionalmente harmonizados e seguidos pelas autoridades competentes (é o caso do Instituto Nacional de Estatistica – INE português, < www.ine.pt >, dos congéneres de outros países e do Gabinete de Estatísticas da União Europeia, Eurostat, < http://ec.europa.eu/eurostat >), como depois se sintetizará.
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obrigações contraídas (dívidas) nas relações com o exterior. Nesta hipótese, a solução do
problema pode tornar-se ainda mais complexa se for imprescindível o recurso ao auxílio de
organismos internacionais especializados (a instituição paradigmática neste domínio é o Fundo
Monetário Internacional – FMI), conforme se referirá mais tarde.
As soluções para as dificuldades respeitantes ao relacionamento económico entre
países distintos, ou, mais acertadamente, entre as pessoas e empresas que residem ou estão
estabelecidas no território dos diversos países, exigem muitas vezes e cada vez mais um grau
elevado de cooperação e até de coordenação económica entre as autoridades desses países
(entre os quais que se realizam as mais diversas operações económicas internacionais:
aquisições e vendas transfronteiras de bens e serviços, pagamentos internacionais, depósitos e
outras formas de colocação de capitais no estrangeiro, empréstimos em praças externas...).
Sem muito mais do que um mínimo de cooperação internacional no domínio da
organização e funcionamento da economia dificilmente se conseguiriam realizar, com
segurança e total normalidade, simples operações transfronteiras de compra e venda de
mercadorias e de serviços, à semelhança do que sucede nas relações económicas internas (que
são sujeitas a determinados princípios e regras de direito interno, como o princípio da
autonomia ou liberdade negocial, que, obviamente, não têm de coincidir com os aplicáveis nas
operações económicas internacionais). Note-se, a título de exemplo, que a simples adoção por
vários países das mesmas regras elementares sobre medição das características dos bens
(dimensão, peso, potência energética...) e sobre proteção de valores fundamentais (como a
saúde e a qualidade de vida dos consumidores ou a ordem pública) facilita e torna muito mais
seguras e previsíveis as aquisições e vendas transfronteiriças de bens, bem como outras
operações económicas internacionais.
Devido à maior ou menor convergência de valores, interesses e objetivos
económicos, sociais e de outra natureza entre os vários países e à sua intensificação e contraste
ou redução nos vários momentos históricos, e independentemente das causas das divergências
serem internas ou externas, são por vezes adotadas medidas e podem ocorrer turbulências que
dificultam e chegam a impedir a realização e o desenvolvimento das relações económicas
internacionais, desde a exigência de novos requisitos ou autorizações administrativas para a
importação ou para a exportação de bens até à sujeição a decisões discricionárias das operações
de investimento estrangeiro ou sobre o repatriamento de lucros ou de parte de lucros e sobre a
respetiva tributação. Tudo isso influencia fortemente, incentivando ou travando, a realização
das relações económicas com o exterior (exportações, importações, pagamentos, investimento
estrangeiro, financiamento externo).
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Do maior peso, absoluto e relativo, da quantidade e do valor das entradas de bens
com origem no estrangeiro (importações) e das saídas de bens pelas fronteiras nacionais de
cada Estado com destino ao estrangeiro (exportações), bem como da ampliação e do
enraizamento das interdependências internacionais na sequência da normalização das relações
económicas internacionais — independentemente das inegáveis vantagens proporcionadas
pelas relações económicas internacionais, designadamente para os consumidores dos vários
países que passam a poder satisfazer melhor as suas necessidades através da escolha de entre
uma maior quantidade de bens disponíveis, tanto produzidos no território nacional como
produzidos em território estrangeiro, com qualidades diversas e alguns a preços mais reduzidos
— emergem dificuldades para as quais os ordenamentos jurídicos e sociais do passado não
estavam suficientemente preparados.
Ainda hoje muitos ordenamentos jurídicos continuam a não estar bem preparados e
apetrechados para os actuais e novos desafios da internacionalização e da globalização, sendo
por isso necessário identificar as melhores respostas, eficientes e eficazes, tendo
designadamente em conta — não apenas mas também — os princípios económicos (dirigidos à
melhoria da produção dos bens, com mais qualidade e em maior quantidade, com custos diretos
e indiretos reduzidos, com vista à obtenção de rendimentos elevados...).
As relações económicas internacionais influenciam cada vez mais não apenas as
operações “puramente” internacionais mas igualmente todas as restantes operações
económicas, incluindo as “puramente nacionais”, que, perante o fenómeno contemporâneo
persistente e contínuo da integração económica internacional, que se tem concretizado,
primeiro na Europa e depois nos restantes continentes do mundo, sobretudo desde o final da
Segunda Guerra Mundial, também elas se tornaram “internacionais”.
Dada a maior extensão e complexidade dos problemas colocados hoje pelas
relações económicas internacionais, é essencial proceder a uma reflexão aprofundada, assente
em bases científicas, sobre esses problemas e sobre as medidas que têm vindo a ser propostas e
também aplicadas, ou ainda em fase de estudo, para os solucionar, tarefa sobre a qual se
debruça a Economia Internacional.
Algumas das principais questões que se colocam a esse propósito, enunciadas a
seguir, exigem uma análise teórica e também prática, incluindo o acompanhamento cuidado da
sua evolução, atendendo às grandes linhas de mutação das relações económicas internacionais
verificadas designadamente ao longo das últimas décadas, as quais, compreensivelmente,
traduzem certos valores, estratégias e interesses políticos nacionais, não raramente
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contraditórios e também dependentes da dimensão e de outras características específicas dos
diversos países.
Os elementos estatísticos disponíveis sobre as relações económicas internacionais e
a sua evolução revelam que, nas economias mais abertas ao exterior (como acontece já hoje,
em medida substancial, com Portugal e, cada vez mais, com um número crescente de países do
mundo, em especial mas não apenas os de pequena e média extensão geográfica), o comércio
internacional tem vindo a ganhar sucessivamente maior peso, tanto absoluto como relativo, face
ao total de bens produzidos no interior do país e face ao seu peso no comércio interno (2).
Por exemplo, o total das importações e das exportações dos Estados Unidos da
América nos anos cinquenta do século XX não atingia 5% do produto interno. Decorrido mais
de meio século, em 2010 as exportações de bens e serviços daquele país atingiam os 14% do
produto e as importações 16%. No mesmo ano (2010), as exportações de bens e serviços da
China atingiam 29% do respetivo produto e as importações 26%, enquanto as exportações do
Brasil correspondiam a 11% e as importações a 12% do produto, de acordo com a base de
dados sobre contas nacionais do Banco Mundial. No caso da Índia, entre 2009 e 2013, as
exportações de bens e serviços aumentaram de 20 para 25% e, entre 2009 e 2012, as
importações aumentaram de 25 para 31%, diminuindo no ano seguinte para 28% do produto.
No continente europeu, entre 1994 e 2013, a Alemanha registou um aumento impressionante
quer das importações de bens e serviços, de 23 para 45%, quer das exportações, de 23 para
51%, a França aumentou as importações de 21 para 29% do produto e as exportações de 22
para 27%, enquanto o Reino Unido aumentou as importações de 26 para 33% do produto e as
exportações de 27 para 31% (3).
Economias de menor dimensão geográfica tendem a apresentar proporções
superiores das suas relações económicas com o exterior. De acordo com os registos da base de
informação citada (do Banco Mundial), na Bélgica, devido à frequência e diversidade das
relações económicas estabelecidas com os países vizinhos, entre 1994 e 2013 as importações de
bens e serviços subiram de 60 para 84% do produto e as exportações de 64 para 86% e na
Áustria as importações evoluíram de 35 para 53% e as exportações de 33 para 57% do produto
(2) As relações económicas internacionais e a sua evolução são permanentemente monitorizadas com
base em elementos estatísticos recolhidos e tratados por serviços públicos dos vários países especializados nesse domínio, os institutos de estatísticas (caso do INE em Portugal), e depois transmitidos a organismos internacionais responsáveis pela ordenação comparativa desses dados, incluindo, à escala mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o grupo Banco Mundial, e, a uma escala internacional mais restrita, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ou a União Europeia (fundamentalmente através do seu Gabinete de Estatística, Eurostat).
(3) Cfr. bases de dados do Banco Mundial < http://data.worldbank.org > e da Organização Mundial do Comércio < http://www.wto.org/english/res_e/statis_e/statis_e.htm >.
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nos mesmos anos, enquanto na Irlanda as importações aumentaram de 60 para 84% do produto
e as exportações de 70 para 108% do produto interno (quando em 1980 não ultrapassavam os
45%)!
No caso de Portugal, e de acordo com a mesma compilação de dados organizada
pelo Banco Mundial, as importações totais de bens e serviços registaram 34% do produto em
1980, precisamente a mesma proporção verificada quinze anos mais tarde, em 1995,
aumentando até 43%, em 2008, para voltarem a retroceder a 40% em 2013. Quanto às
exportações totais de bens e serviços, aumentaram de 22%, em 1980, para 26%, em 1994, não
ultrapassaram os 28% em 2009 mas evoluíram depois até atingirem 41% em 2013.
Não menos impressivas e diversificadas são as mudanças, quase invariavelmente
positivas e substanciais, quase sem excepção, dos montantes absolutos, medidos quer em
volume quer em valor monetário, das trocas internacionais (importações e exportações)
realizadas desde meados do século XX até ao presente. Essa evolução nem sempre foi no
mesmo sentido. Se olharmos apenas para a evolução da proporção das exportações de
mercadorias relativamente ao total da produção mundial, verificamos que representavam cerca
de 4,6% em 1870, 7,9% em 1913, 9,0% em 1929, 5,5% em 1950, 10,5% em 1973, 17,2% em
1998, 18,5% em 2000 e 20,5% em 2005 (4).
Quanto ao crescimento anual do volume do comércio internacional de mercadorias,
segundo as estatísticas oficiais reunidas designadamente pelo GATT e pela Organização
Mundial do Comércio (OMC) para facilitar a sua comparação internacional, só em 2009 se
verificou uma quebra brusca e acentuada, de quase 12%, nitidamente superior à própria
redução do produto registada nesse ano, de cerca de 2%. Com outra excepção, em 2012,
quando a progressão do comércio internacional de mercadorias praticamente coincidiu com o
crescimento do produto mundial, sempre o crescimento anual do volume e do valor das trocas
internacionais de mercadorias tem superado substancialmente o aumento da produção global;
esse desfasamento entre as duas variáveis, claramente favorável ao comércio internacional, é
ainda mais evidente se incluírmos nos cálculos outras componentes do comércio internacional,
como os serviços, que se há algumas décadas pouco representavam no total das trocas
(4) As estimativas da evolução do peso das exportações de mercadorias em relação ao produto são de
A. MADDISON (2001), The World Economy: A Millennial Perspective, OCDE, Paris, a partir das quais foram feitas projeções pela Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO): v. quadro 3, p. 49, em apêndice do capítulo B-1 da Parte II, “Six decades of multilateral trade cooperation: What have we learnt?” do World Trade Report 2007 < http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/world_trade_report07_e.pdf >. Quanto à evolução mais recente das exportações de mercadorias em relação ao produto mundial, são apresentados cálculos anuais pela OMC/WTO nos seus World Trade Report, incluindo no de 2013 (p. 20) < http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/world_trade_report13_e.pdf >.
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transfronteiriças entretanto se tornaram cada vez mais numa das suas componentes mais
relevantes.
No campo teórico, ver-se-á que a Economia Internacional continua ainda hoje a ter
por referências fundamentais algumas teorias formuladas por autores clássicos, quer sobre o
comércio internacional (em que se justifica salientar o contributo de ADAM SMITH, com a teoria
dos custos absolutos, e o de DAVID RICARDO, com a teoria das vantagens comparativas), quer
sobre a moeda internacional (em que se justifica mencionar a explicação inaugurada por
HUME).
Para além das contruções teóricas sobre o modo de funcionamento do comércio
entre diferentes países e sobre as questões monetárias e de financiamento externo, e como a
Economia Internacional trata de questões atinentes às relações económicas entre países dotados
de poderes soberanos no domínio comercial, ou seja, com capacidade para a adopção de
políticas próprias de comércio externo, independentes ou pelo menos não coincidentes ou
autónomas em relação às prosseguidas por outros países, há que atender aos testes reais ou
concretizações históricas das teorias propostas pela ciência para explicar aquela realidade.
Por exemplo, no domínio das vantagens e dos padrões do comércio, em termos de
proteção das actividades económicas desenvolvidas internamente, em comparação com os
produtos provenientes do estrangeiro, justifica-se uma reflexão fundamentada quanto às
medidas mais ou menos apropriadas para prosseguir ou alcançar uma situação de equilíbrio da
balança de pagamentos ou da balança da conta corrente, ou quanto ao regime mais apropriado
para a determinação da taxa de câmbio (quando essa escolha ainda possa ser feita internamente,
pelos órgãos nacionais de governo), ou quanto à adopção de medidas de cooperação e de
coordenação internacional das políticas comerciais, monetárias, financeiras, ou outras, quer
internacionais quer nacionais.
A Economia Internacional segue fundamentalmente os métodos de análise
normalmente utilizados nos demais ramos da Economia, porque os motivos e comportamentos
dos indivíduos e das empresas nas relações económicas transfronteiriças não se diferenciam,
por natureza, das transacções realizadas no interior das fronteiras de um Estado [...].
Todavia, nas relações económicas internacionais, como as transacções e os
investimentos são efectuados entre países politicamente independentes, ou seja, com
ordenamentos jurídicos próprios, cujas normas não coincidem necessariamente com as que
vigoram fora do território nacional, os Estados envolvidos podem em princípio decidir criar
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barreiras (quantitativas, administrativas ou outras) que impeçam ou dificultem aquelas
transacções ou aqueles investimentos.
Independentemente do estabelecimento ou não de restrições ao comércio
internacional, e atendendo a que os Estados soberanos dispõem habitualmente de moeda
própria, distinta das moedas ou divisas que circulam e têm curso legal nos territórios dos outros
países (no estrangeiro), parceiros comerciais, o bem vendido no país A com um preço
estabelecido na moeda em circulação nesse país mas destinado a ser consumido no país B pode
tornar-se repentinamente mais caro para o adquirente, no país B, que disponha de moeda em
circulação neste último país, por efeito da ocorrência de uma desvalorização dessa moeda (que
circula no país B), relativamente à moeda do país A, ou vice-versa.
Nenhuma destas hipóteses e questões, típicas da Economia Internacional, poderiam
ser equacionadas no contexto das relações económicas puramente internas, no interior de um
único país, porque as constituições (económicas) nacionais proíbem em geral as restrições ao
comércio interno de bens e serviços e impõem normalmente o curso legal de uma única moeda,
utilizada em todo o seu território e não partilhada com outros países (5).
2. Grandes questões da Economia Internacional
Importa identificar, desde já, algumas das grandes interrogações que se colocam à
Economia Internacional, cujas respostas deverão ser procuradas e fundamentadas pelos que
estudam esta área disciplinar. Limitamo-nos a enunciar a seguir, brevemente, algumas dessas
questões fundamentais e propomos também uma primeira definição de certas noções essenciais
em torno das quais deverá incidir o estudo.
A) Comecemos pela enunciação das vantagens do comércio internacional.
Que benefícios (e custos) resultam da abertura dos países ao comércio externo?
[Remissão p/ II – Teoria e política do comércio internacional.]
(5) Sobre a noção de “constituição económica” e a regulação da economia, cfr. E. PAZ FERREIRA
(2001), Lições de Direito da Economia, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa; M. LEITÃO MARQUES / A. CARLOS SANTOS / M. EDUARDA GONÇALVES (2011), Direito Económico, Almedina, Coimbra; L. CABRAL MONCADA (2007), Direito Económico, Coimbra Ed.; M. AFONSO VAZ (1998), Direito Económico. A Ordem Económica Portuguesa, Coimbra Ed.; A. MENEZES CORDEIRO (1986), Direito da Economia, I, AAFDL, Lisboa; A. SOUSA FRANCO (1983), Noções de Direito da Economia; JORGE MIRANDA (1983), Direito da Economia, policop., Lisboa; P. PITTA E CUNHA (1977), “A regulação constitucional da organização económica e a adesão à CEE”, pp. 443 e ss.; J. BRAGA DE MACEDO (1977), “Princípios gerais da organização económica”, pp. 189 e ss.
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B) Depois, importa questionarmo-nos sobre quais os fundamentos de uma posição
de princípio mais ou menos favorável, negativa ou acrítica relativamente à liberdade de
comércio internacional. Haverá lugar hoje para a defesa do protecionismo ou do nacionalismo
económico? Em caso de resposta afirmativa a esta questão, em que situações poderão ou
deverão ser prosseguidas e aplicadas medidas protecionistas, em benefício dos produtores
nacionais?
Até onde “deve” ser promovido ou admitido o comércio internacional?
Quem ganha e quem perde com as intervenções governamentais de proteção
comercial relativamente aos produtos e serviços provenientes do estrangeiro ou prestados por
cidadãos não-residentes ou por empresas cujo titular tem sede fora do território nacional?
A relevância das análises custo-benefício [...].
O movimento “anti-globalização” (com maior visibilidade após a cimeira de
Seattle, de 1999).
C) Padrões do comércio internacional: «Quem vende o quê e a quem»?
Aspectos geográficos (o Brasil exporta café e bananas, a Arábia Saudita petróleo...)
e outros aspectos (porque razão o Japão exporta automóveis e os Estados Unidos aviões...?).
Razões das localizações e deslocalizações das empresas: factores de uma maior ou
menor atratividade económica dos países, das regiões, das cidades.
[Remissão p/ II – Teoria e política do comércio internacional.]
D) O problema da determinação das taxas de câmbio.
Habitualmente, as moedas variam com os países. Assim, até 31 de dezembro de
1998, circulava legalmente em Portugal o Escudo, em Espanha a Peseta, em França o Franco
francês, na Itália a Lira, na Alemanha o Marco, na Holanda o Florim, na Bélgica e no
Luxemburgo o Franco belgo-luxemburgês... Mas, historicamente, nem sempre foi assim [...].
Convertibilidade monetária: sua função e necessidade na atualidade.
Estabelecimento das taxas de câmbio de uma moeda em relação a outra(s).
Regimes cambiais: taxas de câmbio fixas, estáveis e flutuantes.
Exemplos de taxas de câmbio fixas (determinadas pela lei e aplicadas pelas
autoridades monetárias) e de taxas de câmbio estáveis (que podem variar embora dentro de
certas margens, mínima e máxima, mais ou menos amplas, estabelecidas por acordo
internacional — como os Estatutos do Fundo Monetário Internacional —, por lei nacional ou
pelas autoridades monetárias no exercício dos seus poderes).
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Exemplos de taxas de câmbio flutuantes — livremente estabelecidas e variáveis nos
mercados, em função da oferta e da procura das divisas — do Euro (€) em relação ao Dólar dos
Estados Unidos da América (US $): em 1.1.1999, 1€ ≈ 1,17$; no início de 2002, 1€ ≈ 0,85$; no
início de 2006, 1€ ≈ 1,20$; em meados de abril de 2008, 1€ ≈ 1,59$; no início de 2010, 1€ ≈
1,44$; no início de 2013, 1€ ≈ 1,32$; em meados de março de 2015, 1€ ≈ 1,04$.
Maior ou menor relevância das taxas de câmbio consoante o regime cambial em
vigor (taxas de câmbio fixas, estáveis e flutuantes) e da evolução histórica dessas taxas.
Relevância pouco significativa durante a vigência do sistema monetário internacional
convencionado em Bretton Woods, no verão de 1944, até à crise que o atingiu no começo dos
anos setenta do séc. XX; muito maior relevância depois dessa crise e durante a vigência do
“novo” sistema, variando muito com a evolução dos factos monetários, financeiros,
económicos e políticos e atingindo pontos críticos em situações de crises graves [...].
Os casos específicos das uniões monetárias. O exemplo atual da União Económica
e Monetária europeia, no âmbito da qual foi criado o Euro e a área monetária do Euro, em 1 de
janeiro de 1999, envolvendo desde o começo 11 Estados membros das Comunidades Europeias
(agora União Europeia), incluindo Portugal, que, nessa ocasião, perdeu o Escudo como moeda
própria, que foi substituído pela nova moeda, o Euro; a união monetária europeia passou a
incluir 19 dos 28 Estados membos da União Europia desde 1 de janeiro de 2015. Outros
exemplos de (muitas) uniões monetárias, atuais e «históricas» (União Monetária Latina, União
Monetária Escandinava...).
Implicações das uniões monetárias. Custos e benefícios das uniões monetárias.
O objectivo geral de estabilidade monetária e financeira internacional. Instrumentos
económicos e jurídicos destinados a promover e a garantir a estabilidade monetária e financeira
internacional. Soberania nacional e cooperação económica, financeira e monetária
internacional.
Estabelecimento de mecanismos internacionais de auxílio aos países eventualmente
atingidos por crises económicas, financeiras e monetárias graves.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e as suas funções principais (vd. infra).
E) Outra questão nuclear respeita à necessidade ou não de coordenação das
políticas comerciais dos vários países (soberanos, com liberdade de escolha das respectivas
políticas económicas com impacto nas relações económicas internacionais).
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Os países podem ter e prosseguem muitas vezes objectivos políticos, económicos e
de outra natureza que não são coincidentes, mas as políticas económicas nacionais influenciam
também a situação económica e, por essa via, as políticas económicas de outros países, por
vezes com enorme impacto. Mesmo quando não se percecionem conflitos nítidos de interesses
entre países, a coordenação de políticas económicas (e monetárias), que é essencial em diversos
domínios, é difícil de concretizar com sucesso.
O Acordo Geral - GATT (de 19)47.
Os Acordos da Organização Mundial de Comércio (OMC / WTO) (1994/1995).
Os Estatutos do Fundo Monetário Internacional - FMI (o Sistema Monetário
Internacional).
Cooperação e integração económica internacional. O (novo) objetivo e a
importância da coordenação das políticas macro-económicas.
F) Outra grande questão respeita à necessidade e ao modo de regulação do mercado
internacional de capitais.
Capacidade e incapacidade dos (agentes económicos dos) países para a realização
de pagamentos internacionais (conexos com as operações de importação e de exportação de
bens).
O recurso ao financiamento internacional (e consequente endividamento) e suas
condições.
Crises de endividamento de alguns países, nas últimas décadas especialmente em
“mercados emergentes” (da América Latina, da Ásia; no México em 1982 e em 1994...; no
sudeste asiático em 1997-1998; na Argentina em 2002, em alguns países da Zona Euro, desde
2010-2011: Grécia, Portugal...).
Importância crescente dos mercados financeiros internacionais (essenciais,
especialmente mas não apenas nas economias mais desenvolvidas). Evolução desde os anos 60,
anos 70 e anos 80 do século XX (com novos países exportadores...). Mercado dos
“eurodólares”.
Riscos financeiros acrescidos (incluindo o “risco sistémico”).
G) Outro grande tema e problema, já antigo mas que se mantém candente, é o do
(sub)desenvolvimento, da passagem do menor desenvolvimento ao maior desenvolvimento e da
sustentabilidade do desenvolvimento.
Apesar de progressos impressionantes registados em vários pontos do globo ao
longo dos últimos séculos e décadas em termos de melhorias dos graus de desenvolvimento,
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continuam a persistir profundas desigualdades económicas entre países e pessoas, algumas das
quais se têm mesmo agravado, justificando-se a sua “correção” à luz dos padrões da justiça.
Outra questão conexa: a protecção do ambiente.
Remissão (especialmente para IV – Comércio e Desenvolvimento económico e
social: em busca de uma nova ordem económica internacional?).
H) Questão do equilíbrio das balanças de pagamentos dos países.
As “balanças de pagamentos” dos países devem manter-se sempre equilibradas?
Quem tem o dever de assegurar o equilíbrio das balanças de pagamentos? Apenas os países
“deficitários”? “Também” os países “excedentários”?
[A “balança de pagamentos” integra a “balança corrente” (aproximável à antiga
“balança de transações correntes”) e as balanças “de capital” e “financeira” de todas as relações
económicas estabelecidas entre o território de um país e o exterior num determinado período de
tempo (ano, trimestre...), independentemente de essas relações serem realizadas por agentes
económicos públicos ou privados (estes últimos tendem a predominar nos países de economia
descentralizada ou “capitalista”, baseada no mercado, regime se generalizou à escala global,
após a queda do Muro de Berlim, em 1989; nos países de economia de direção central ou
“socialista” o Estado e ou outros entres públicos desempenham uma função não apenas de
grande relevo mas claramente predominante e determinante ou mesmo exclusiva ou quase
exclusiva) (6).
Na “balança corrente” são registados os montantes correspondentes ao valor de
todas as entradas (“importações”) e de todas as saídas (“exportações”) de mercadorias (bens
“visíveis”) e também de serviços (bens “invisíveis”, sem prejuízo de outras explicitações) de
um país em relação ao exterior (demais países ou territórios aduaneiros do mundo) — utiliza-se
frequentemente a expressão “bens e serviços” para incluir quer os bens “visíveis” (mercadorias)
(6) Tal como é feito por entidades congéneres de outros países, nos seus relatórios e boletins anuais,
trimestrais e mensais, os organismos públicos de estatísticas (como o INE - Instituto Nacional de Estatística e o Eurostat) e os que dispõem de competências de supervisão do sistema financeiro (como o Banco de Portugal, no quadro do Eurosistema) apresentam dados sobre a situação e a evolução da balança de pagamentos e dos seus principais componentes. Para uma síntese da situação e da evolução recente da balança de pagamentos e das balanças corrente e de capital de Portugal e seus principais componentes, cf. INE, Estatísticas do Comércio Internacional - 2014, Lisboa, 2015 (periodicidade anual, com os dados relativos ao ano civil antecedente, disponível no sítio www.ine.pt); Banco de Portugal, Boletim Estatístico (mensal, cujo Capítulo C contém as estatísticas da Balança de Pagamentos e das balanças e componentes que a(s) integram e da posição de investimento internacional), também disponível no sítio www.bportugal.pt : https://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/PublicacoesEstatisticas/BolEstatistico/Publicacoes/16-balanca%20pagamentos.pdf , http://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/PublicacoesEstatisticas/BolEstatistico/Publicacoes/C101.pdf ; http://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/PublicacoesEstatisticas/BolEstatistico/Publicacoes/C.pdf .
14
quer os bens “invisíveis” (serviços) — bem assim os pagamentos de transferências financeiras
ou monetárias (desde que tenham natureza “corrente”, i. e., que não sejam “de capital”, caso em
que serão contabilizados na “balança de capital”, descrita a seguir).
Nas “balanças” ou “contas” “de capital” e “financeira” são resgistados,
designadamente, as transações de fundos, os empréstimos e as transferências (de capital, não as
“correntes”, anteriormente referidas), incluindo a colocação de capitais (investimento directo e
através de “carteira” de títulos) e a emissão de empréstimos, quer públicos (v. g., concedidos
por organismos internacionais, como o FMI) quer privados, vencidos ou a vencer, operações
com “produtos derivados” e outros investimentos, desde que efetuados no exterior por
residentes no território de um determinado país, ou com sede ou estabelecimento estável nesse
território, ou então realizados no mesmo território por residentes ou titulares com sede no
território de outros países (no estrangeiro).
O somatório da conta corrente com as contas de capital e financeira corresponde, no
essencial, após a exclusão de erros e omissões que sempre podem ocorrer, à “balança de
pagamentos” de um país em relação ao exterior, ou seja, de um país em relação a todos os
restantes países do mundo. A “balança de pagamentos” é, assim, o indicador mais sintético e
global da situação económica e financeira de cada país ou território aduaneiro em relação a
todos os restantes países ou territórios aduaneiros do mundo durante um determinado período
de tempo (ano, trimestre).
A situação da “balança de pagamentos” de cada país é revelada pela designada
“posição de financiamento internacional” da respetiva economia. Quanto ao caso de Portugal,
pode confrontar-se a evolução recente dessa “posição de financiamento internacional”, que
pode ser positiva (quando se verifica “capacidade de financiamento” nacional em relação aos
restantes países do mundo) ou negativa (“necessidade de financiamento” do país em relação a
todos os restantes países do mundo), sendo calculada pelo Instituto Nacional de Estatística
(INE) (anteriormente pelo Banco de Portugal), com base nos dados recolhidos e tratados nos
termos do Sistema Europeu de Contas (SEC 95), entretanto revisto, tendo por base o ano 2011
(Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, SEC 2010), depois coligidos pelo Eurostat,
no quadro da União Europeia, e pelo FMI e outros organismos, muitos deles sob a hégide da
ONU, à escala mundial [...].
15
Posição de financiamento de Portugal (capacidade/necessidade de financiamento) em percentagem do PIB, entre
1995 e 2013. Fonte: INE (Contas Nacionais Trimestrais - 2.º trim., 30 de setembro de 2014).
A “balança corrente” ou da “conta corrente” (ou das “transacções correntes”) inclui,
como já foi mencionado, a “balança comercial”, “de mercadorias” e de “serviços”, na qual são
registadas todas as exportações e todas as importações de produtos físicos (bens “visíveis” ou
mercadorias) e também de “serviços” (“bens invisíveis”) que ocorram através das fronteiras
territoriais de um país durante um determinado período de tempo. Os institutos de estatística
agrupam frequentemente os registos de importações e exportações por períodos anuais,
trimestrais e, por vezes, também mensais, segundo convenções internacionais destinadas a
tornar possível e harmonizar as comparações entre os vários países. Nada impede, no entanto,
que os dados possam ser agrupados por outros períodos de tempo e agregados ou desagregados
consoante as respetivas características, sector de atividade ou natureza.
A “balança corrente” inclui ainda a “balança de serviços e rendimentos”, ou “de
invisíveis” ou “intangíveis”, que compreende as receitas e as despesas correntes provenientes
da prestação de serviços a agentes residentes no exterior (receitas) por agentes residentes no
país e da prestação de serviços por residentes no estrangeiro a residentes no país (despesas),
bem assim as receitas e as despesas correntes provenientes da obtenção de rendimentos por
parte de residentes no país em relação ao exterior (receitas) ou pagas no país a residentes no
exterior (“despesas”).
O “saldo” da conta corrente resulta dos saldos obtidos com as transacções em bens
e serviços e com as transferências unilaterais de um país em relação ao exterior. Traduz a
16
“posição líquida de investimento internacional” de um país, um dos elementos informativos de
síntese mais relevantes sobre a evolução da posição económica e financeira de um país em
relação aos restantes países do mundo.
Todas as componentes parcelares (também designadas “balanças” ou “contas”) da
mais vasta “balança de pagamentos” estão sujeitas a mutações permanentes em função do
múltiplo conjunto de operações económicas sucessivamente realizadas e que “atravessam” as
fronteiras dos países soberanos, conectando agentes económicos presentes em diversos países.
Quer a balança de pagamentos quer cada uma das balanças parcelares que a
compõem podem apresentar, em cada período histórico (um trimestre, um ano...), situações de
equilíbrio substancial (que, probabilisticamente, serão muito excepcionais) ou de desequilíbrio
(que são as habituais), podendo esse desequilíbrio ser “positivo” (correspondendo a uma
situação de “excedente externo”, ou “superavit” nas contas de um país com o exterior) ou então
“negativo” (situação de “défice externo”). A quantificação das balanças ou contas económicas
com o exterior pode ser traduzida em termos monetários, em volume ou em percentagem da
respetiva mutação durante períodos de tempo convencionados: trimestre, ano...
Do ponto de vista estritamente contabilístico, respeitante ao modo de registo das
operações de entradas e de saídas de recursos monetários (créditos e débitos) de um país por
consequência da realização de operações económicas internacionais, desde que se excluam
insuficiências e erros estatísticos, verificar-se-á uma situação de igualdade ou equilíbrio formal
(aritmético) entre o total das “receitas” (créditos) e o total das “despesas” (débitos) ou entre as
operações activas (+) e as operações passivas (-), por efeito da metodologia contabilística das
“partidas dobradas”. Teoricamente, e quando corrigidos erros, lacunas e outras insuficiências
dos registos estatísticos, o saldo da balança de pagamentos deveria corresponder a zero.
Evidentemente, importará sobretudo uma avaliação substancial das situações de défice e/ou de
excedente externo, quer do seu peso absoluto e relativo, quer da relevância de cada um dos seus
componentes (7).
Por isso, mais importante do que a simples deteção e identificação de uma situação
de “défice” ou de “excedente” das contas (de uma ou de mais contas, mais ou menos globais,
mais ou menos parcelares) de um país em relação ao exterior, é apurar qual o peso e proporção
(7) Habitualmente, são feitas muitas mais referências às situações de “défice” público, respeitante ao saldo negativo das contas públicas (do Estado e/ou de outros entes públicos) durante um determinado período de tempo (normalmente o ano), por vezes sem a junção sequer do qualificativo “público”. O “défice público” (das contas públicas) nada tem que ver com o “défice externo” (relativo às contas de todo o país, incluindo mas sem se restringir ao Estado e outros entes públicos, mas apenas as contas das relações económicas com exterior — excluindo-se, por isso, todas as operações económicas puramente internas, sejam estas públicas ou privadas).
17
desse ou desses défices e/ou excedentes em cada uma das “contas” ou “balanças”, bem assim
qual a respetiva natureza e quais as suas causas (estruturais ou meramente conjunturais...). Só
com a identificação precisa da natureza e das causas de determinadas situações de défice(s) e
ou excedente(s) se tornará possível uma perceção rigorosa dos problemas, que poderão existir
ou não, e que, nessa hipótese, importará enfrentar e solucionar, com maior ou menor urgência,
recorrendo aos instrumentos mais apropriados para o efeito pretendido.
Apesar de as situações de equilíbrio (“substancial”) da balança de pagamentos e das
suas diversas componentes serem muito raras, convém salientar que, em qualquer
circunstância, as situações de desequilíbrio podem ser adiadas, repetidamente, com custos
muito variáveis, mas não se poderão manter indefinidamente no tempo, sobretudo se forem
muito significativas, não tanto em termos absolutos mas sobretudo em termos relativos (por
exemplo, em proporção do PIB), porque podem tornar-se eventualmente “insustentáveis”, ou
muito difíceis de cumprir — a partir do momento em que tenham por efeito um encarecimento
“extremo” (refletido numa subida exponencial das taxas de juro exigidas nos mercados) ou o
completo encerramento das fontes de financiamento do país.
Atendendo a que as situações de défice externo resultantes das importações e das
exportações têm de ser compensadas (“pagas”) com recurso a alguma modalidade de
financiamento externo (contração de empréstimos no estrangeiro, diferimento do pagamento da
aquisições de bens...), a dívida acumulada resultante das sucessivas situações de défice deverá
ser “reembolsada” algum dia aos credores, sob pena de incumprimento das respetivas
obrigações.
Em caso de desconfiança persistente dos credores externos em relação a algum ou
alguns devedores de um dado país, a concessão de mais crédito poderá chegar a ser recusada a
partir de determinada altura, ou então, antes disso, apenas dificultada através do agravamento
dos custos de financiamento (subida dos “juros” a pagar, reforço das condições de
financiamento e exigência de prestação de garantias). Crises de dívida (incluindo da “dívida
soberana”).
Em síntese, a análise das situações de défice e de excedente externo de cada país
deve ser sempre contextualizada. Não é indiferente estar-se perante um défice da balança de
pagamentos (global), ou da balança corrente, ou da balança de capital, ou da balança comercial,
etc., sendo sobretudo importante atender à sua dimensão relativa, aos movimentos de capitais e
às condições de financiamento, à política monetária internacional, entre outros factores.
Vejamos, esquematicamente, as principais rubricas da balança de pagamentos (de
acordo com os dados presentemente divulgados pelo Banco de Portugal):
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Balança de Pagamentos: Balanças Corrente e de Capital; Balança Financeira; Erros
— Balanças Corrente e de Capital: Créditos - Débitos = Saldo
- Balança Corrente: Créditos - Débitos = Saldo
(Balança de) Bens e Serviços: Créditos - Débitos = Saldo
(Balança de) Bens (mercadorias): Créditos - Débitos = Saldo
(Balança de) Serviços (“bens invisíveis”): Créditos - Débitos = Saldo
(inclui, designadamente:)
Serviços de transformação de recursos pertencentes a terceiros
Serviços de manutenção e reparação
Transportes
Viagens e turismo
Construção
Serviços de seguros e pensões
Serviços financeiros
Direiots cobrados pela utilização de direitos de propriedade intelectual
Serviços de telecomunicações, informática e informação
Outros serviços fornecidos por empresas
Serviços pessoais, culturais e recreativos
Bens e serviçso das Administrações Públicas
Rendimento Primário: Créditos - Débitos = Saldo
(inclui, designadamente:)
Rendimentos de trabalho
Rendimentos de investimento (que incluem:)
Investimento direto (títulos de participação no capital; instrumentos de
dívida)
Investimento de carteira (participações de capital e de fundos de
investimento; títulos de dívida)
Outro investimento (juros)
Ativos de reserva
Rendimento Secundário: Créditos - Débitos = Saldo
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Administrações públicas
Outros sectores (incluindo remessas de emigrantes/imigrantes)
- Balança de Capital: Créditos - Débitos = Saldo
— Balança Financeira (variações líquidas)
Investimento direto (ativos – passivos = saldo)
Investimento de carteira (ativos, passivos)
Derivados financeiros e opções sobre ações concedidas a empregados
Outro investimento (ativos – passivos = saldo)
Ativos de reserva
— Erros e omissões
3. A ordenação da economia internacional: O Direito Internacional Económico
(A) Objecto do Direito Internacional Económico.
O Direito Internacional Económico compreende as regras que disciplinam a
organização das situaçõees e das relações internacionais económicas.
Consequentemente, não visa o estudo das normas que regem as operações
económicas de qualquer natureza quando se projectem num quadro territorial mais vasto do que
o da ordem jurídica de um só Estado.
Uma definição tão ampla do Direito Internacional Económico que incluisse um
conjunto de situações jurídicas tão heterogéneas seria inútil, dada a sua extensão quase
ilimitada.
Assim, são de Direito Internacional Económico as regras do sistema comercial
internacional atinentes às relações dos grandes conjuntos económicos, “macroeconómicas”,
mas não já as regras atinentes aos comportamentos individuais dos operadores económicos e
mesmo do seu impacto nos mercados, ou seja, as relações “microeconómicas”, como, por
exemplo, as relativas às vendas internacionais.
20
Enquanto a macroeconomia deu origem ao Direito Internacional Económico,
“macro-direito consagrado ao estudo jurídico dos grandes conjuntos”, “a microeconomia deu
lugar aos direitos das operações internacionais, micro-direito consagrado ao estudo das
transacções particulares” (nas palavras de CARREAU / JUILLARD, I-1).
No final do século XIX, ANSI PILLET afirmara que “o comércio internacional é um
facto puro, mas um facto que deu origem a todo o Direito Internacional” (na Revue Générale de
Droit International Public, 1898, p. 72).
O Direito Internacional Económico respeita no essencial aos grandes conjuntos
económicos, mas há que acrescentar imediatamente que certos domínios do direito das
transacções internacionais foram objecto não apenas de enquadramento mas de verdadeira
absorção por aquele ramo da ciência jurídica.
A título de exemplo, alguns dos grandes princípios adoptados pelo GATT e pela
OMC, como o princípio da igualdade no acesso aos mercados, ou da não discriminação dos
estrangeiros, só se poderão concretrizar efectivamente quando acompanhados da harmonização
legislativa e regulamentar nacional em matéria de protecção da propriedade intelectual, com
implicações designadamente nos custos de produção (não é de modo algum indiferente permitir
ou proibir a contrafacção). (…)
[Especificidades do Direito Internacional Económico…]
(B) Principais fontes do Direito Internacional Económico.
Para além de outras fontes específicas de Direito Internacional Económico,
incluindo as fontes “puramente nacionais” (actos unilaterais dos Estados) e até as fontes com
origem privada (actos decorrentes dos esforços dos operadores “multinacionais”, ou nacionais
com projeção plurinacional, e de organizações por eles formadas e participadas), as mais
importantes são as fontes “puramente internacionais”, quer convencionais (tratados e acordos
celebrados pelos Estados) quer não convencionais (designadamente, os atos dimanados dos
órgãos competentes de organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional ou
a Organização Mundial do Comércio, no plano mundial, ou as Comunidades Europeias e agora
a União Europeia, à escala europeia, que serviram de modelo a diversas experiências de
integração económica internacional regional nos vários continentes).
Entre as fontes convencionais de Direito Internacional Económico devem ser
salientadas, desde o período da Segunda Guerra Mundial, os acordos de Bretton Woods, de
21
1944, que criaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Sistema Monetário
Internacional, por um lado, e o grupo Banco Mundial (Banco Internacional para a Reconstrução
e o Desenvolvimento), por outro, o Acordo Geral sobre Direitos Aduaneiros e Comério
(GATT, de General Agreement on Tariffs and Trade), de 1947, relativo ao comércio
internacional de mercadorias, e, mais recentemente, os acordos de Marraquexe, de 1994, que
criaram a Organização Mundial do Comércio (OMC) e incluem o “GATT 1994”, cujo regime
essencial de abertura ao exterior do comércio de mercadorias foi ampliado a outros domínios,
como os serviços (com o GATS – General Agreement on Trade in Services, Acordo Geral
sobre o Comércio de Serviços), entre outros desenvolvimentos substanciais.
4. Génese e evolução do comércio internacional (uma síntese). Do mercantilismo ao livre-cambismo. Bilateralismo e multilateralismo. Cooperação e integração económica internacional. Mundialização e globalização.
As relações económicas entre diferentes países e territórios registaram um grande
desenvolvimento ao longo da história, pelo que o seu estudo pode ser dividido em várias fases
sucessivas. Como não se justifica nem há tempo para fazer aqui uma síntese da história
económica internacional, o objectivo é apenas o de lembrar alguns aspectos fundamentais com
relevância para uma interpretação minimamente fundada da estrutura económica internacional
da actualidade.
[Impérios coloniais]
Os antecedentes pré-modernos do comércio internacional podem situar-se, do ponto
de vista ocidental, no intercâmbio mediterrânico da baixa Idade Média, quando Génova,
Veneza e Pisa ocuparam posições centrais na sequência das últimas Cruzadas, do século XIII,
estimulando fortemente o comércio no Mediterrâneo.
As repúblicas italianas serviram na altura de pontos principais de ligação com o
Oriente, designadamente no que respeita ao comércio de produtos de luxo (sedas, especiarias,
prata, ouro, porcelanas).
Também desde o século XIII desenvolveu-se a partir da Flandres um intenso
comércio internacional baseado em produtos de consumo muito mais amplo entretanto tornados
indispensáveis, desde a lã em bruto aos panos em geral e à tinturaria.
22
Entre os dois grandes centros de comércio europeu — Flandres no centro norte e
repúblicas italianas no sul do continente — estabeleceram-se relações muito estreitas, com
predomínio da praça flamenga de Bruges, na actual Bélgica, pelo menos entre os anos de 1300
e 1450.
De Bruges partiam rotas de ligação para o sul, até às feiras comerciais da Península
Ibérica, e também para o norte, até às cidades hanseáticas do litoral da Alemanha e da
Escandinávia.
Exceptuando diversas áreas de sombra que sempre persistem, economicamente
mais afastadas ou inactivas, o comércio medieval conseguiu envolver quase todo o “velho
continente”, podendo falar-se mais apropriadamente em comércio euro-asiático, através do
Mediterrâneo, o qual alcançou um elevado grau de expansão e de consolidação nos finais do
século XIV, ficando posteriormente prejudicado tanto pela pressão dos turcos, a partir do
Oriente, como pelas guerras europeias do século XV.
De qualquer modo, o grande avanço no sentido da formação do comércio mundial
ocorreu no século XV com a abertura dos mares, inaugurada por Portugal, através do
estabelecimento do caminho marítimo para a Índia, seguido algum tempo depois pela Espanha,
em direcção à América.
Com as explorações, feitorias e áreas de colonização dos povos ibéricos pelo novo
mundo iniciou-se o verdadeiro comércio mundial, que foi acompanhado por uma forte
recuperação do comércio intra-europeu e constitui o prelúdio da actual globalização.
A génese da mundialização, nessa época, encontra-se simbolizada na assinatura do
Tratado de Tordesilhas, em 1494, através do qual Portugal e Espanha entenderam poder repartir
entre si todo o globo terrestre em duas metades, cabendo a oriental a Lisboa e a ocidental aos
reis católicos de Castela (Isabel I) e Aragão (Fernando II).
Como seria de prever, um acordo com tal âmbito e tal ambição não poderia ser nem
foi reconhecido pelas restantes potências europeias, que logo o questionaram e cedo o
desrespeitariam, sobretudo após 1580, quando Filipe II sucedeu à coroa de Portugal e, desse
modo, se tornou, formalmente, “primeiro soberano universal”.
Em meados do século XVI, a penetração comercial europeia já se estendera até
ambas as costas do Pacífico. Os portugueses chegaram às ilhas Molucas, na actual Indonésia;
os navios espanhóis fizeram a rota do Perú, via Portobelo, no Panamá.
Este comércio mundial emergente introduziu nos mercados internacionais novas
mercadorias, a começar pelas abundantes especiarias transportadas pelos navios portugueses.
Introduziu também os metais preciosos da América espanhola, um elemento estimulador da
23
circulação económica, na origem da «revolução dos preços», como apropriadamente o
qualificam os historiadores da economia (na linha de E. J. HAMILTON).
Apesar de controlarem extensos territórios (no caso da «Espanha») ou feitorias
ultramarinas (no caso de Portugal), os dois países ibéricos não souberam ou não conseguiram
tornar-se verdadeiras metrópoles comerciais ou industriais (...).
Amesterdão tornou-se o primeiro centro de comércio mundial, em substituição de
Antuérpia. Naquela cidade passou a funcionar, desde 1561, a primeira bolsa de valores. Lá
também surgiu o primeiro banco comercial da história, o Banco de Amesterdão, em 1609. Na
cidade que se converteu numa metrópole comercial de escala mundial desempenharam um
papel fundamental os judeus anteriormente expulsos de Espanha e de Portugal.
A entrada da França no comércio internacional foi mais tardia e menos frutuosa. Os
franceses fundaram as suas primeiras colónias americanas no Canadá (Québec), mas sem os
resultados desejados, tal como sucedeu com as feitorias na Índia (...).
As guerras da França com a Holanda e com a Espanha, a par do golpe de morte
para as pretensões de Filipe II que representou a derrota da Armada Invencível, facilitaram a
emergência de uma nova e mais duradoura potência comercial: a Inglaterra.
Papel dos corsários ingleses (...).
O «comércio triangular», entre a Europa, América e África (...).
1651 – «Navigation Act» de Cromwell (de 1651, com desenvolvimentos no ano
seguinte, “contra a Holanda”...).
1703 – Tratado de Methuen (de 27 de Dezembro de 1703, entre Portugal e a Grã-
Bretanha, “dos panos e dos vinhos”, com apenas 3 artigos...).
1714 – Tratados de Utrecht (1713-1715): fim da guerra da sucessão espanhola e
abertura de portas à presença inglesa nas feitorias de Portobelo (...).
O comércio e o contrabando britânico converteram-se em facto institucionalizado
por todo o império espanhol na América (inspirando mais tarde a literatura de viagens e
recentemente o cinema de aventuras).
Entretanto, durante os séculos XVII e XVIII, iniciou-se na Europa a Revolução
Industrial, um dos marcos mais relevantes de toda a história (económica) da humanidade.
Para se protegerem contra a importação de produtos industriais, diversos países
estabeleceram “direitos aduaneiros” (ou seja, impostos alfandegários) muito elevados e listas de
proibição ou contingentação (fixação de contingentes) nas importações daquele tipo de bens,
24
bem como obstáculos à exportação de matérias-primas não transformadas — com o objectivo
de fomentar no país a transformação dessas matérias-primas em produtos manufacturados, com
valor muito superior.
Os governos também procederam à concessão de subsídios às novas indústrias,
reservaram o transporte naval de mercadorias aos navios com pavilhão nacional e criaram
monopólios de exploração comercial com as colónias, etc.
A política económica do Mercantilismo permitiu a abolição de múltiplas restrições
comerciais medievas, desde os monopólios senhoriais às ligações feudais, e visou a criação de
Estados nacionais poderosos, mais fortes do que Portugal ou Espanha. Assim se forjaram a
Inglaterra de Cromwell, a França de Colbert e a Holanda dos Orange.
Os Estados mercantilistas converteram-se em centros de poder para o apoio activo
ao comércio. Deste modo, o capitalismo incipiente, sobretudo comercial, transformou-se em
capitalismo industrial. A Inglaterra chegou a esta fase de desenvolvimento económico antes de
qualquer outro país.
Na nova época, e pelo impulso decisivo da Inglaterra, transitou-se gradualmente do
mercantilismo para o que haveria de designar-se Livre-Câmbio, ou Livrecambismo, no qual
iriam ser criadas as condições para uma verdadeira economia internacional.
O Livre-Câmbio surgiu no século XIX como reacção às barreiras comerciais
introduzidas durante o longo período mercantilista que o precedeu.
Foi na Inglaterra, a partir do final do século XVIII, que o capitalismo industrial
incipiente suprimiu as barreiras que as regulamentações industriais e comerciais do
mercantilismo permitiram para a expansão nos mercados das “indústrias nascentes”.
A Revolução Industrial abriu as portas para a emergência de uma nova fase da
história das relações económicas internacionais, a era do Livrecambismo, cenário de fundo
mais ou menos presente em todos os manuais anglo-saxónicos de economia, desde os clássicos
como DAVID RICARDO até JOHN MAYNARD KEYNES.
[A hegemonia britânica e a era do livre-câmbio]
No século XIX, o Reino Unido conseguiu implantar o mais importante império
colonial e comercial de toda a história da humanidade.
Graças também às guerras europeias do século XVIII, que lhe permitiram ocupar
posições em todas as costas, a Royal Navy alcançou a hegemonia em praticamente todos os
mares do mundo.
25
As guerras napoleónicas constituíram a última fase na construção de uma economia
internacional, em que o Reino Unido impôs o seu domínio por todos os lugares.
Nascida na Inglaterra e conjugada com o domínio dos mares, a Revolução
Industrial tornou aquele país em efectivo árbitro político e económico do mundo.
A perda das treze colónias norte-americanas — os primeiros Estados Unidos da
América — pelo Reino Unido foi compensada com a penetração na Índia e no Canadá, à custa
da França, e com a ocupação de vastos territórios virgens (na Austrália) ou escassamente
povoados (na África oriental e do sul).
O Livrecambismo pode ser definido como a situação em que o comércio
internacional se exerce sem barreiras ou entraves alfandegários significativos e em que não
vigoram obstáculos sérios aos movimentos dos factores de produção (livre circulação de
capitais e de trabalhadores).
Impulsionadas a partir da Inglaterra, com a Anti-Corn League de Richard Cobden,
em 1838, e com o Peel Act, de 1841, as correntes livrecambistas estenderam-se gradualmente
pelo continente europeu, o mesmo significando na altura “pelo mundo inteiro”. Efectivamente,
a África e a Ásia eram ainda na sua quase totalidade domínios coloniais ou países semi-
coloniais, dependentes da Europa. Quanto ao continente americano, só os EUA contavam com
uma indústria de alguma dimensão, apesar de incipiente.
Até às décadas de 60 e 70 do séc. XIX, o Livrecambismo alcançou a sua máxima
expansão. O Tratado Franco-Britânico ou “de Cobden-Chevalier” (nomes dos respectivos
negociadores), de 1860, e os que se lhe seguiram implicaram fortes reduções dos direitos
aduaneiros, automaticamente extensíveis aos restantes países por via da (tornada célebre)
«cláusula da nação mais favorecida».
O triunfo do Livrecambismo assentou num conjunto de princípios, simples e
claros:
— divisão internacional do trabalho, que na altura favorecia a Inglaterra enquanto
primeira potência industrial;
— padrão-ouro, que permitia uma fluidez nos mecanismos de pagamentos
internacionais e nos movimentos de capitais, e que também favorecia a expansão financeira
britânica, a partir do seu centro nevrálgico, a City;
26
— comércio com barreiras mínimas (direitos alfandegários reduzidos, supressão
das restrições à importação e de contingentes ou listas de bens proibidos), o que assegurava a
exportação das manufacturas inglesas;
— liberdade migratória, que facilitou os movimentos populacionais mais
importantes conhecidos em toda a história da humanidade, em direcção às novas repúblicas
americanas (sobretudo Estados Unidos da América, Canadá, Argentina);
— liberdade dos mares, aproveitada em primeiro lugar pelo Reino Unido, cujo
pavilhão passou a atravessar todas as águas e portos do mundo;
— reserva dos mercados coloniais para as potências metropolitanas, o que também
favoreceu o Reino Unido, detentor do maior império colonial da história.
A aplicação destes princípios originou algo assimilável a uma situação de
integração económica internacional, apesar de assente em pilares muito pouco firmes, devido
designadamente às grandes diferenças de desenvolvimento e de rendimento entre países e ao
exercício do poder colonial por parte das potências industriais europeias sobre os territórios e
povos economicamente menos desenvolvidos.
Nas palavras de FRIEDERICH ENGELS (1885), a «teoria do livrecambismo
estabelecera-se sobre a hipótese de que a Inglaterra deveria ser o único grande centro industrial
num mundo agrícola», hipótese que seria desmentida pelos factos.
[Da erosão do livre-câmbio ao bilateralismo económico]
A situação de livre-câmbio, em favor da Inglaterra, não se poderia manter
inalterada.
A partir do fim da década de 1870, o predomínio das concepções livrecambistas
começou a entrar em crise e a ceder às concepções proteccionistas.
No próprio Reino Unido desenvolveu-se uma grande controvérsia entre o livre-
câmbio e o proteccionismo por parte de movimentos com grande impacto, tendo em vista
designadamente a substituição do free trade (comércio livre) pelo fair trade (comércio justo),
assente na reciprocidade e tendo em conta preferências imperiais.
Noutros países europeus foram adoptadas políticas alfandegárias restritivas do
comércio livre — a Alemanha em 1879, a França em 1880 — com o objectivo de apoiar as
indústrias nacionais perante a concorrência externa (ou seja, britânica).
A divisão entre as potências europeias dos últimos espaços africanos «vazios», sem
soberania internacionalmente reconhecida, no Congresso de Berlim de 1884-1885, originou
mais tensões.
27
Deixando de haver seja o que for para distribuir amistosamente, não sendo possível
continuar a ampliar os mercados coloniais reservados ou as áreas de influência política dos
Estados, esses desideratos só poderiam concretizar-se com recurso à força.
Será essa a explicação última para o final da pax britannica, marcado pela guerra
europeia de 1914-1918 (Primeira Guerra “Mundial”, pelos seus efeitos).
A partir de 1918, a era do Livrecambismo deu lugar a uma situação nova na qual se
denota o verdadeiro começo da economia internacional do nosso tempo.
No cenário internacional, surgiu um novo sistema económico antagónico do
capitalismo, o sistema socialista (colectivista ou de direcção central), e os países coloniais
começaram a colocar, ainda que de forma muito tímida, os problemas dos grandes
desequilíbrios entre níveis de desenvolvimento.
O abandono do padrão-ouro, a elevação dos direitos aduaneiros e o estabelecimento
de outras restrições à livre circulação de mercadorias, de pessoas e de capitais foram
fenómenos do período entre guerras mundiais (1918-1939), problemático para a Inglaterra e
para a Alemanha durante quase toda a sua duração e extremamente grave para praticamente
todo o mundo após o começo da Grande Depressão (1929), até à Segunda Guerra Mundial.
Com a Grande Depressão, o Livre-Câmbio foi progressivamente substituído pelo
Bilateralismo enquanto forma predominante das relações económicas entre nações.
Como consequência da Grande Depressão, a França reintroduziu sistematicamente
várias restrições ao comércio, a partir de 1931, tendo a sua opção sido amplamente seguida por
outros países.
Generalizou-se assim a implantação do Bilateralismo, cujo primeiro instrumento de
acção era constituído por restrições quantitativas (contingentes), tanto como medida de
represália económica como enquanto instrumento de protecção mais radical contra as
importações do que a mera imposição de direitos aduaneiros.
A forma mais corrente de contingentação é a bilateral, materializada em listas de
mercadorias anexas aos tratados comerciais nas quais é fixado o limite máximo para a
importação de cada mercadoria proveniente do país signatário do acordo.
Os contingentes globais, mais flexíveis por serem aplicados uniformemente a todos
os países, cederam rapidamente relevância neste período de nacionalismos.
Do ponto de vista administrativo, o estabelecimento de continentes tem por
requisito o licenciamento prévio das importações, o que traduz um extremar da rigidez aplicada
ao comércio internacional.
28
Outro dos instrumentos típicos do Bilateralismo é o regime de comércio de Estado,
em que apenas o Estado é titular das importações ou exportações, realizadas directamente ou
através de adjudicação aos particulares.
No caso das importações realizadas directamente pelo Estado, há o exemplo dos
países de economia socialista, com empresas especializadas no comércio externo. Entre os
exemplos actuais pode citar-se o caso da Venezuela e, quanto às exportações, os casos de
vários países produtores de petróleo e de gás.
Quando o Estado autoriza os particulares a concretizarem importações ou
exportações, trata-se de restrições residuais do tipo comércio de Estado em países de economia
de mercado.
O controlo dos câmbios é o terceiro dos mecanismos utilizados pelo Bilateralismo.
Pode revestir diversas formas, desde a simples intervenção para sustentar as taxas cambiais nos
mercados de divisas, através de fundos de estabilização, até o racionamento de divisas por
acção de uma agência governamental à qual devem ser obrigatoriamente entregues todas as
divisas obtidas com as cobranças ao exterior. Este sistema foi adoptado na Europa a partir de
1933, seguindo os acordos ditos de clearing ou de compensação entre os diferentes países com
controlo de câmbios.
Em cada acordo de clearing, e em conexão directa com as listas de quotas ou
contingentes previstos num determinado tratado comercial, são fixadas as quantidades máximas
a importar e a exportar por cada um dos países, geralmente num montante igual, a fim de evitar,
quanto possível, os pagamentos em ouro ou em divisas convertíveis dos saldos positivos ou
negativos resultantes das trocas.
Os acordos de clearing ou de compensação implicam que os saldos credores em
relação a um determinado país no final de um exercício não possam ser afectados à aquisição
de produtos provenientes do outro país.
A ausência de um sistema multilateral é o problema fundamental do Bilateralismo,
que, por isso, impõe uma forte rigidez nas relações económicas internacionais.
A actualidade — que viu aprofundar impressionantemente a internacionalização
económica a ponto de se falar não apenas em mundialização mas também, e cada vez mais, em
globalização económica — caracteriza-se por uma crescente cooperação e, mais do que isso,
em cada vez mais situações, por uma gradual integração económica internacional.
29
Isto não significa que o Proteccionismo e o Bilateralismo tenham passado à
história. No caso dos países cuja moeda não seja convertível no exterior ou cujo comércio
externo constitui comércio de Estado — v. g., exportação de certos produtos energéticos e
matérias-primas, desde o petróleo e o gás, por países produtores dos mesmos —, os países de
economia de mercado e de moeda convertível continuam a praticar o comércio bilateral, a fim
de evitarem a acumulação de reservas excessivas de divisas não convertíveis e de reduzirem os
inconvenientes das situações de monopólio de Estado no comércio internacional.
Pelo menos até à queda do Muro de Berlim, ou seja, entre 1945 e 1990, todas as
relações económicas internacionais Leste-Oeste regeram-se pelo Bilateralismo.
No domínio agrícola, e embora por forma muito atenuada, foi também o
Bilateralismo que regeu grande parte das relações económicas internacionais, tanto entre os
países mais desenvolvidos como com os países menos desenvolvidos e em vias de
desenvolvimento.
Esta solução deve-se à enorme divergência nos custos, nos salários e nos preços
praticados nos diversos países ou áreas geográficas para os produtos agrícolas, situação que
força políticas de encerramento ou de controlo de fronteiras económicas com vista a favorecer
os agricultores de cada país, reservando-lhes o acesso preferencial aos respectivos mercados
nacionais.
Actualmente, apesar da evolução no sentido de uma crescente globalização das
economias, que pressupõe uma cada vez maior abertura das fronteiras económicas dos Estados
e consequente redução ou mesmo eliminação de todas as modalidades de controlo às
importações e exportações e à mobilidade de pagamentos, de capitais e de pessoas
(trabalhadores), não se pode afirmar que os países em geral (ou mesmo algum país em
particular) pratiquem o Livre-câmbio na sua acepção plena, com total ausência de barreiras ao
comércio com o exterior.
Apenas em determinadas áreas geográficas, muito reduzidas e sem soberania
própria, como as zonas francas e territórios similares, encontramos facilidades comerciais
típicas do Livrecambismo puro, estabelecidas precisamente para promover um comércio
externo o mais intenso possível, assente em regimes alfandegários e comerciais excepcionais.
No entanto, em alguns países do mundo, como a Noruega ou a Suíça, as barreiras
ao comércio internacional são muito baixas ou quase inexistentes. De qualquer modo, mesmo
nesses países, as atitudes livrecambistas manifestam-se sobretudo quanto aos produtos
30
industriais, não tanto aos produtos agrícolas, em relação aos quais continuam geralmente a ser
prosseguidas políticas proteccionistas.
Se é certo que o volume do comércio internacional cresceu várias dezenas de vezes
desde a Segunda Guerra Mundial e os fluxos do investimento estrangeiro também aumentaram,
na actualidade continuamos ainda a viver numa situação de “semi-globalização” (PANKAJ
GHEMAWAT), porque vários aspectos reflectem resistências fortes das pessoas à globalização.
Por exemplo, segundo várias estimativas, o tráfego na internet entre países diferentes não
atinge ainda 2% do total... (8).
Importa recordar que as preocupações proteccionistas dos Estados fazem-se sentir e
ganham muito maior peso e projecção concreta em épocas de grave crise económica e
financeira.
Mas também importa ter em conta que, de acordo com alguns estudos (Economist),
mais de metade das empresas que entram na Fortune 500 e cerca de metade das empresas com
crescimento mais rápido nos Estados Unidos da América foram criadas em momentos de
recessão ou de mercados em baixa. Aparentemente, as empresas criadas em momentos
recessivos estarão melhor preparadas para enfrentar os desafios do crescimento e as
adversidades.
O eventual estabelecimento gradual de um regime comercial próximo do
Livrecambismo à escala verdadeiramente global tornou-se possível sobretudo devido ao
aprofundamento dos fenómenos de cooperação e de integração económica internacional, tanto à
escala regional ou continental (cujo exemplo cimeiro continua a ser a Comunidade Económica
Europeia, hoje, União Europeia) como à escala universal ou quase universal (devendo referir-se
aqui o papel absolutamente decisivo desempenhado pelo GATT e, agora, pela OMC).
(8) PANJAK GHEMAWAT dá vários exemplos de “resistências” das pessoas à globalização: as cartas
enviadas pelo correio que atravessam as fronteiras representam cerca de 1% do total, a duração das chamadas telefónicas internacionais representam cerca de 2%, o tráfego na internet entre países é inferior a 2%, as patentes detidas por países da OCDE que envolveram cooperação internacional na investigação correspondem a cerca de 7,5%, os estudantes universitários que estudam num país estrangeiro são cerca de 2% do total, a intensidade do comércio internacional medida pelos produtos e serviços exportados de um país para outro, em percentagem do PIB, em 2009, correspondiam a cerca de 23% e o investimento direto que cruza fronteiras em proporção da formação bruta de capital fixo corresponde, em média nos últimos anos, a 10% do total. Obviamente, há grandes diferenças entre os países e, para além disso, os dados adiantados correspondem a médias globais. De qualquer modo, parece seguro que o fenómeno da globalização não atinge a dimensão que é por vezes correntemente mencionada. Cfr. P. GHEMAWAT (2011), World 3.0. Global Prosperit and How to Achieve it, Harvard Business Rev. Press.
31
Para a concretização e consolidação tanto da cooperação como da integração
económica internacional é imprescindível a superação do Bilateralismo.
Uma nota ainda sobre o significado de globalização económica, enquanto síntese da
tendência mais recente que tem conduzido a uma interpenetração intensa dos países e das suas
instituições, políticas, jurídicas, económicas e sociais.
Existe sem qualquer dúvida uma economia mundial desde os séculos XV-XVII, que
entretanto se reforçou até se estruturar em torno de um conjunto de organizações internacionais
específicas, criadas após a Segunda Guerra Mundial.
Encontram-se antevisões da globalização económica em obras como a Riqueza das
Nações de ADAM SMITH, na qual se acentuam as vantagens do comércio internacional sem
barreiras de modo a poderem ser plenamente aproveitadas as vantagens da divisão e
especialização do trabalho.
Cerca de um século mais tarde, KARL MARX referiu-se também ao mercado
universal, tanto para o comércio como para as finanças.
Mais recentemente, em outros campos de estudo, diversos autores teorizaram sobre
a globalização. THEILLARD DE CHARDIN, por exemplo, imaginou uma sociedade em que todos
pudessem comunicar entre si. MARSHALL MCLUHAN previu a criação de uma «aldeia global»
resultante da difusão dos meios de comunicação audiovisuais (...).
A globalização é, efectivamente, muito mais do que uma simples «mundialização»
da economia. Pressupõe um verdadeiro salto qualitativo, muito para além da mera expansão do
comércio internacional e das modalidades de cooperação, tendo em vista, designadamente, a
redução e a supressão dos obstáculos alfandegários e a própria integração crescente entre os
vários países.
Sem prejuízo de numerosas descontinuidades, afigura-se certo que o comércio já se
realiza, ou pode realizar-se, virtualmente sem fronteiras em quase todo o espaço planetário. E,
tal como se fala em globalização económica, também se pode falar em globalização política,
jurídica, social, cultural, ecológica,...
Por mais importantes que sejam os grandes blocos económicos regionais — da
União Europeia à NAFTA (North American Free Trade Agreement), ao Mercosul e à APEC
(Asia - Pacific Economic Cooperation) —, no futuro a maior parte das trocas comerciais
32
realizar-se-ão no âmbito global, ou seja, “por cima” ou “ao lado” daqueles ou de outros grandes
blocos económicos regionais.
Se o comércio no interior de cada um dos três grandes fusos económicos
(continente americano, hemisfério euro-africano e grande área asiática do pacífico...) representa
cerca de metade das trocas internacionais mundiais, a metade restante realiza-se
indiscriminadamente entre todos os países do globo, sob a égide de instituições globais,
incluindo a OMC, o FMI e a UNCTAD, e de disposições por elas tuteladas.
A globalização caracteriza-se ainda por outros aspectos, inovadores e cruciais,
incluindo:
— transacções económicas que se formalizam em tempo real, graças aos avanços
espectaculares da informática e dos sistemas de telecomunicações, culminando com o correio
electrónico e com a internet;
— mercados bolsistas permanentes, quase ininterruptos (20 horas medeiam a
abertura dos mercados de Sidney e o encerramento dos de São Francisco);
— mercados financeiros e monetários globais, incluindo derivados (opções,
futuros);
— o mesmo idioma: o inglês.
Perante um novo sistema global, com desafios à escala planetária, globais, com
problemas e riscos também globais (de sustentabilidade, de protecção ambiental, de segurança,
de desigualdade, de não preparação de alguns países...), são necessárias, similarmente,
instituições verdadeiramente globais. Daí a importância de uma melhor organização das
organizações mundiais, a começar pela ONU.
Todavia, a globalização económica tem gerado numerosos «descontentes» (para
recorrer à célebre expressão de JOSEPH STIGLITZ), na medida em que, segundo se admitiu, a
evolução da economia internacional global da actualidade iria beneficiar sobretudo alguns
países, precisamente os mais ricos, com prejuízo da maior parte da humanidade, a viver nos
países «menos desenvolvidos» ou então «em vias de desenvolvimento» (9).
Entre os problemas insistentemente salientados pelos mais críticos do fenómeno da
globalização incluem-se os seguintes:
(9) Cfr. JOSEPH STIGLITZ (2003), Globalization and Its Discontents, W. Norton (há traduções em
várias línguas, incluindo o português).
33
a) volatilidade excessiva dos mercados financeiros dos países emergentes, por
deficiente regulação e supervisão;
b) marginalização dos países em desenvolvimento, submersos na pobreza de
massas, o que exige uma política de erradicação da miséria, tal como preconizado por
economistas como ARTHUR LEWIS, JOHN GALBRAITH, AMARTYA SEN e JOSEPH STIGLITZ;
c) insegurança nos mercados laborais nos países mais avançados, por efeito da
liberalização, de cortes orçamentais públicos e da erosão do Estado social ou de bem estar, com
o que, em vez de uma repartição justa dos recursos disponíveis entre os mais pobres e os mais
ricos, tende a fortalecer-se a riqueza dos últimos;
d) insuficiente capacidade de alguns governos para tomarem decisões importantes
num mundo cada vez mais globalizado, em que as empresas multinacionais adquirem uma
relevância crescente per efeito de processos de concentração empresarial (por via de fusões e
aquisições de empresas).
Tudo isto dá uma ideia da controvérsia formada, que também se estende à questão
de saber se é preferível um acordo global de liberalização económica mundial ou se será
preferível passar primeiro por acordos regionais prévios de liberalização e de integração
económica.
A avaliação do movimento antiglobalização é complexa. Exige ponderações muito
cuidadas quanto à fiabilidade e quanto à relevância e ao peso dos dados que devem ser levados
em conta ou que devem prevalecer para evitar superficialidades e distorções fáceis mas pouco
ou nada rigorosas nas análises.
Não pode esquecer-se, nomeadamente, o facto de que vários países do mundo,
alguns de grande dimensão, que há meio século atrás se encontravam no grupo dos «menos
desenvolvidos» e do designado «Terceiro Mundo», entretanto se converteram em verdadeiras
potências industriais, talvez porque souberam aproveitar as vantagens da abertura ao exterior,
ou seja, da “globalização”.
Será isso que hoje sucede, por exemplo, com a própria China — sem entrar agora
em outros aspectos de relevância sobre o país.
Isto não significa, em qualquer caso, que as regras do jogo não tendam a privilegiar
os países mais avançados (ou vice-versa), por se encontrarem no centro do sistema económico
vigente e prevalecente.
Seja como for, a ainda centralidade dos países mais avançados, como todos os
anteriores estádios evolutivos da economia internacional, não se manterá «para sempre». As
34
áreas de gravitação da economia mundial estão em mutação permanente (embora em geral
paulatina).
5. Institucionalização da Economia Internacional nos séculos XX e XXI.
A economia internacional da actualidade teve a sua génese com o desfecho da
Primeira Guerra Mundial. Não quer dizer que antes desse grande conflito armado não existisse
economia internacional. Efectivamente, tal como já se indicou, comercia-se à escala mundial
desde há muitos séculos.
A estrutura económica internacional da actualidade começou a desenhar-se no pós
Primeira Guerra Mundial, apesar de só ter ficado suficientemente caracterizada a seguir à
Segunda Guerra Mundial, quando as nações aliadas contra o Pacto Tripartido (constituído entre
a Alemanha, a Itália e o Japão) forjaram uma visão do que poderiam vir a ser as novas relações
económicas internacionais.
As relações económicas internacionais projectam-se concretamente em instituições
de organização política e social, por vezes de alcance quase geral.
A ideia de preparação de instituições económicas internacionais para o tempo de
paz foi expressamente considerada em 14 de Agosto de 1941 quando o presidente dos Estados
Unidos, Roosevelt, subscreveu com o Primeiro Ministro britânico, Churchill, a «Carta do
Atlântico», tendo em vista a salvaguarda das democracias e o «estabelecimento de um sistema
de segurança amplo e permanente».
Prevendo que um dos primeiros problemas que surgiriam após o restabelecimento
da paz seria a alimentação das nações arruinadas pela guerra, em Maio de 1943 reuniu-se em
Hot Springs, na Virgínia, o que viria a tornar-se embrião da primeira agencia especializada da
Organização das Nações Unidas, a Organização para a Alimentação e a Agricultura, FAO.
Pouco depois, na reunião cimeira de Outubro do mesmo ano (1943), em Moscovo,
dos representantes da China, dos Estados Unidos, do Reino Unido e da União Soviética,
decidiu-se criar «o mais rapidamente possível uma organização geral internacional».
Foi neste contexto que se esboçaram os futuros organismos económicos
internacionais. Assim, entre 1 e 22 de Julho de 1944, numa conferência monetária e financeira
realizada em Bretton Woods, no New Hamshire, chegou-se a acordo para a criação de duas das
mais importantes agências especializadas das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional
35
(FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido
por Banco Mundial.
O objectivo destes dois organismos era claro: reconstruir o sistema internacional de
câmbios e de pagamentos (FMI) e facilitar os recursos creditícios necessários à reconstrução
dos países (BIRD).
Sintomaticamente, a URSS não subscreveu os convénios constitutivos do FMI e do
BIRD, prenunciando que uma das principais constantes do período pós-guerra seria a
contraposição declarada entre os dois grandes sistemas económicos e políticos, o capitalismo
de um lado e o socialismo de outro, que só transitoriamente se haviam aliado durante a
Segunda Guerra Mundial para combater os regimes fascistas da Europa e da Ásia.
Apesar das diferenças profundas entre os dois sistemas económicos, que depois se
converteriam em sérias fricções, prosseguiu o projecto de criação de uma organização
internacional para o período de paz que se avizinhava, as Nações Unidas, de inspiração
fundamentalmente norte-americana.
De 21 a 28 de Agosto e de 29 de Setembro a 7 de Outubro de 1944, as potências
aliadas, reunidas numa mansão (Dumbarton Oaks) em Washington (D. C.), nos Estados
Unidos, elaboraram as bases da nova organização mundial.
Mais tarde, a 11 de Fevereiro de 1945, em Ialta, na Crimeia, o Presidente dos EUA,
Roosevelt, o Secretário-Geral do Partido Comunista da URSS, Estaline, e o Primeiro-Ministro
do Reino Unido, Churchill, acordaram na convocação de uma conferencia das Nações Unidas,
a realizar em São Francisco, nos Estados Unidos, a partir do dia 25 de Abril desse ano, a fim de
redigirem a carta da organização, com base nas conversações de Dumbarton Oaks.
A conferência iniciou-se em 25 de Abril de 1945 e prolongou-se até ao dia 26 de
Junho. Nela foi aprovada por todas as 50 nações presentes a Carta das Nações Unidas, que veio
a entrar em vigor no dia 24 de Outubro, após o depósito das ratificações dos «cinco grandes»
(China, Estados Unidos, França, Reino Unido e URSS), que se reservaram o direito de veto no
Conselho de Segurança.
Nasceu assim a Organização das Nações Unidas (ONU), que se tornaria no mais
importante fórum de negociação internacional da atualidade, tanto no domínio político como
também económico, para além de outros.
Pode contrapor-se que a influência da ONU tem sido relativa ou insuficiente em
face da amplitude dos desafios que têm surgido. Como tudo, também a influência da ONU é
relativa. Sem prejuízo dos propósitos ambiciosos que subjacentes a esta organização
36
internacional de âmbito global, é certo que nem todas as relações económicas internacionais
são reguladas sob o seu domínio. Todavia, para avaliar bem o peso e a influência da ONU e dos
organismos que foram criados directa ou indirectamente sob a sua hégide (FAO, FMI, BIRD,
UNCTAD, o próprio GATT...) importará compará-los com o papel desempenhado pela
Sociedade das Nações (SDN), após a Primeira Guerra Mundial, o qual, conforme é sabido,
fracassou por completo, disso tendo constituido prova a própria Segunda Guerra Mundial (...).
No âmbito da ONU, foram criadas comissões económicas (regionais) para a análise
económica e social à escala continental (Com. Económica para a Europa, Com. Ec. para a
América Latina e o Caribe, Com. Ec. e Social para a Ásia e Pacífico, Com. Ec. e Social para a
Ásia Ocidental, Com Económica para África), sob a coordenação do Conselho Económico e
Social (ECOSOC) (...).
6. Sistemas económicos. Regimes económicos (Referência breve, remissão)
Na análise da economia de qualquer país, importa começar pela identificação do
seu quadro institucional e das implicações deste sobre a estrutura económica.
Importa, portanto, descobrir qual é o sistema económico em que se insere cada
sociedade, e, mais propriamente, qual é o regime económico fundamental que nela vigora.
Costuma falar-se, a este propósito, em «constituição económica» (temática estudada em Direito
da Economia).
Autores como o Prof. SOUSA FRANCO, procedem à referida distinção entre sistemas
e regimes económicos, designadamente em função da sua maior abstracção (sistema capitalista
versus sistema socialista, sistema de economia descentralizada, individualista, versus sistema
de economia centralizada, colectivista) e da sua configuração em concreto (regimes
económicos, por exemplo, mais ou menos intervencionistas no caso do sistema capitalista) (10).
(...).
7. Divergências (profundas) de desenvolvimento entre países
É incontroversa a existência de profundas divergências entre os níveis de
desenvolvimento dos vários países do mundo, calculadas com significativo pormenor por
(10) Cfr. A. SOUSA FRANCO (1992), Finanças Públicas e Direito Financeiro, I, Almedina.
37
sucessivos estudos elaborados, designadamente, por vários organismos ligados à ONU, como a
UNCTAD / CNUCED, com base nos dados estatísticos oficiais comunicados pelos países.
Independentemente dos enormes progressos registados na maior parte dos países ao
longo das últimas décadas, designadamente em termos de desenvolvimento económico e social,
o certo é que continuam a persistir situações de pobreza extrema, de subnutrição, de falta de
acesso à educação e ao saneamento básico bem como a cuidados mínimos de saúde, entre
vários outros problemas, para além das desigualdades nos rendimentos pessoais (11).
A extensão geográfica e demográfica atingida pelo subdesenvolvimento continua a
ser verdadeiramente impressionante — mais de metade da população mundial.
Daí a justificação para o compromisso político internacional, em Setembro de 2000,
de prossecução dos «objectivos de desenvolvimento do milénio» («objectivos 2015»).
Salientada a relevância verdadeiramente assustadora do problema do
subdesenvolvimento no mundo, e sem prejuízo de sublinhar o mais amplo espectro de situações
de maior ou menor grau de desenvolvimento, importa enunciar ainda, muito brevemente,
alguns dos traços principais que caracterizam os países «subdesenvolvidos», «menos
desenvolvidos», «menos avançados», «em vias de desenvolvimento» ou, simplesmente,
«atrasados» — expressões cujos significados certamente não coincidem, apesar de serem não
raramente utilizadas como sinónimos e independentemente de se descontar o eufemismo
pretendido com a utilização preferencial de alguma ou algumas dela(s).
Em primeiro lugar e em geral, observamos que os países menos desenvolvidos
registam taxas elevadas de crescimento populacional, o que se deve a altas taxas de natalidade
conjugadas com uma redução muito acentuada da mortalidade, graças à quase erradicação das
epidemias e às fortes melhorias no domínio da saúde pública, com efeitos notórios na
diminuição da mortalidade infantil.
A «explosão demográfica», ou «ruptura do equilíbrio demográfico antigo»,
resultante de altas taxas de crescimento populacional, absorve uma parte substancial dos
progressos económicos alcançados, condicionando assim os objectivos do desenvolvimento.
Em segundo lugar, constata-se que a economia dos países menos desenvolvidos se
baseia muitas vezes no predomínio da agricultura de padrões tradicionais, com rendimentos
baixos, assente numa forte concentração da propriedade da terra (por exemplo, 1 ou 2% dos
(11) Por exemplo, dados divulgados em Setembro de 2010 indicam que mais de metade das crianças
indianas se encontram subnutridas. Segundo a imprensa, na Índia “é normal” e “ninguém estranha” que uma criança com 4 ou 5 anos pese apenas 10 quilogramas (peso médio para um bebé com cerca de um ano de idade).
38
proprietários podem controlar cerca de metade da superfície produtiva) e em técnicas de cultivo
relativamente primitivas.
O atraso agrícola é grave porque o sector primário e os recursos mineiros podem
representar o núcleo de actividades e de produtos que permitem aos países menos
desenvolvidos participar no comércio mundial, com consequências inevitáveis nas receitas
obtidas com as exportações, altamente dependentes das flutuações da oferta e da procura e dos
preços.
A debilidade agrícola estrutural conjugava-se e ainda se conjuga em muitos casos
com um grau de industrialização geralmente baixo e com um sector comercial hipertrofiado e
atomizado, com elevado número de intermediários e largas margens de lucros.
Este conjunto estrutural agrava-se com a ausência de uma verdadeira integração
económica interna. Uma parte de mercado interno pode continuar a manter-se à margem do
circuito monetário, com o peso da economia rural de auto-consumo. Algumas regiões internas
registam níveis de desenvolvimento muito inferiores às médias nacionais, já muito precárias.
Fala-se, por isso, em «sociedades duais».
Os habitantes dos países menos desenvolvidos auferem, em média, um rendimento
inferior a 5000 - 6000 dólares anuais, por vezes muito menos — sabendo-se que a média
mundial, per capita, em 2006, foi de 7250 US dólares, enquanto a dos países mais
desenvolvidos atingiu os 34 700 dólares (43 100 na América, 33 700 na Ásia, 31 100 na Europa
— montantes todos em termos nominais, não de câmbios reais).
Outra característica típica dos países menos desenvolvidos é a distribuição regional
e pessoal do rendimento, que é muito menos equilibrada do que nos países mais avançados.
Assim, um pequeno grupo de privilegiados (por exemplo, entre 5 e 10 % da população) pode
absorver mais do que 50 % do rendimento global.
A forte concentração pessoal da riqueza e do rendimento, a par de outras
características sociais, têm feito coincidir em vários casos o subdesenvolvimento com ditaduras
políticas, ou «farsas democráticas», bem assim com a exploração económica sistemática e
satelitização política por parte de grandes potências.
A dependência e a vulnerabilidade económica dos países menos desenvolvidos
constituem características absolutamente essenciais. A debilidade estrutural das suas economias
torna-os exportadores de produtos básicos agrícolas e minerais. A respectiva oferta externa
tende a concentrar-se num número reduzido de produtos (falando-se a esse propósito em
39
«oligoexportações»), sujeitos a fortes flutuações nos mercados mundiais: petróleo, cobre,
estanho, bauxite, algodão juta, bananas, cereais, carne, café, chá, cacau, etc.
As flutuações dos preços destes bens de base implicam variações acentuadas nas
receitas obtidas com as vendas, por parte dos países menos desenvolvidos, com efeitos muito
diferenciados sobre as respectivas balanças de pagamentos e sobre o seu desenvolvimento.
Tudo isso, conjugado com as políticas económicas habitualmente prosseguidas por esses
países, tende a estimular a inflação, dando origem à instabilidade cambial recorrente das
respectivas moedas.
Daí as exigências feitas pelos países menos desenvolvidos no seio da Comissão das
Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD / CNUCED), no sentido de
lhes ser reconhecido o direito a um financiamento compensatório.
Um dos traços mais característicos dos países menos desenvolvidos é a
dependência tecnológica em face dos países mais avançados. Na maior parte dos países menos
desenvolvidos, o desenvolvimento e a investigação têm muito pouco relevo.
A dependência tecnológica implica habitualmente o pagamento ao exterior de
«royalties» e de dividendos resultantes do investimento estrangeiro, em quantias que por vezes
ultrapassam os novos investimentos aí realizados.
Os choques petrolíferos de 1973/74, de 1979/80 e, mais recentemente, de
2007/2008, determinaram transferências importantes de riqueza para uma parte dos países
menos desenvolvidos, exportadores desse tipo de bens, designadamente os integrados na OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Contudo, o enriquecimento rápido desses países não implicou necessariamente a
superação do subdesenvolvimento, devido a um conjunto de entraves e condicionalismos que
não importa agora pormenorizar.
A dependência exclusiva das expectativas económicas de um país num único
produto ou num conjunto restrito de bens para exportação, comporta inevitavelmente um grau
elevado de incerteza sobre o futuro desses países.
O grau de maior ou menor desenvolvimento dos países é hoje percebido de forma
muito mais nítida e pormenorizada devido aos vários estudos que compilam dados estatísticos
fundamentais e comparáveis respeitantes à quase totalidade dos países do globo, elaborados por
organismos internacionais especializados, designadamente os ligados à Organização das
Nações Unidas, incluindo a UNCTAD / CNUCED ( < www.unctad.org >), para além do Banco
Mundial (< www.worldbank.org >), do FMI (< www.imf.org >) e da OMC (< www.wto.org >).
40
Se considerarmos os anos mais recentes, por exemplo a primeira década do século
XXI, os dados estatísticos disponíveis mostram que se terá caminhado no sentido de uma
aproximação entre uma parte substancial dos países em vias de desenvolvimento e os países
mais avançados, visto que os primeiros têm conseguido, em média, taxas de crescimento
económico (medido pelo indicador-chave Produto Interno Bruto – PIB) claramente superiores
às registadas nos países mais avançados.
Enquanto alguns dos países de economia de mercado emergente ou «menos
desenvolvidos» têm alcançado ao longo dos últimos anos taxas de crescimento do PIB
superiores ou em torno dos 10% ao ano (incluindo a colossal China), a grande maioria dos
países mais avançados tem registado sucessivamente taxas mais baixas, por vezes muito baixas,
irrisórias ou mesmo negativas, de crescimento económico.
Note-se que os casos de estagnação ou de crescimento reduzido, em termos
absolutos, das taxas do produto interno de diversos países traduzem, do ponto de vista relativo,
uma quebra ou retrocesso da respectiva posição ou “quota” na produção total mundial e, sendo
esse o caso, na economia internacional (o que pode ser avaliado pelo peso de um país nas
relações económicas internacionais, ou seja, nas importações e exportações globais), dada a
(muito) mais elevada taxa de crescimento da economia mundial, para a qual têm vindo a
contribuir, em proporções sempre crescentes, os países em vias de desenvolvimento ou as
economias de mercado emergentes.
Estas tendências gerais não excluem, evidentemente, excepções, por vezes muito
notórias, tanto entre os países mais avançados, quer entre os países menos avançados.
Por outro lado, é também certo que o grau de maior ou menor desenvolvimento é
muito variável, não permitindo de modo algum uma catalogação fácil e indiscutível dos
diferentes países.
Todavia, mais importante do que isso, será sublinhar a circunstância de nenhum
país estar por natureza votado ao sucesso do crescimento e do desenvolvimento económico e
social, ou, ao invés, ao fracasso. As relações económicas e monetárias internacionais são muito
dinâmicas, evoluindo e alterando-se continuamente.
Não faltam exemplos de países menos desenvolvidos que conseguiram tornar-se
desenvolvidos, por diversas circunstâncias, ao longo dos últimos decénios, sendo habitualmente
citados, a este propósito, os designados quatro «tigres asiáticos»: Coreia do Sul, Hong Kong,
Taiwan e Singapura. Mas muitos outros exemplos podem ser acrescentados.
O grande salto desenvolvimentista recente de vários outros países de economia de
mercado emergente, alguns deles de grande dimensão e crescente peso nas relações económicas
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internacionais, prenuncia claramente novas e sucessivas reconfigurações e reposicionamentos
dos países no quadro da economia internacional.
O grau de divergência entre os países mais e menos desenvolvidos diminuiu
notoriamente entre, por exemplo, 1990 e 2006, de 20,4 vezes para 16,1 vezes, se bem que, em
termos absolutos e nominais, a divergência tenha aumentado de 20 000 para 26 000 dólares,
segundo os cálculos das Nações Unidas publicados pela UNCTAD / CNUCD em 2008 (12).
A convergência relativa entre países mais e menos desenvolvidos prosseguiu nos
anos mais recentes, e deverá consolidar-se no futuro, de acordo com as previsões de
crescimento disponíveis, que têm vindo a ser apresentadas pelos organismos especializados (do
Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional à Organização Mundial do Comércio e à
OCDE), precisamente porque os países em vias de desenvolvimento têm registado, e deverão
continuar a registar, de acordo com os dados estatísticos oficiais compilados pelas organizações
internacionais (ONU, OMC, FMI, UNCTAD...), taxas sucessivas de crescimento muito
superiores às registadas nos países mais desenvolvidos.
Alguns dos países mais desenvolvidos — incluindo Portugal — registaram ao
longo da primeira década do século XXI taxas “anémicas” de crescimento, o que não deixa de
traduzir, em termos comparativos, no máximo uma estagnação ou, mais propriamente,
sobretudo tendo por referência o contexto mundial, um declínio real da respectiva posição
nacional em face dos restantes países, designadamente no que respeita ao comércio
internacional.
A quebra, estagnação ou evolução muito reduzida das taxas de crescimento dos
países mais desenvolvidos em conjugação com taxas de crescimento muito elevadas dos países
menos avançados ou em vias desenvolvimento significam redução das diferenças entre níveis
de desenvolvimento dos hemisférios Norte – Sul.
O sentido apontado de evolução das economias antes e após a viragem do século e
do milénio não foi idêntico no passado e nada garante que se mantenha nos próximos anos. No
entanto, as previsões disponíveis apontam sustentadamente no sentido de se continuarem a
(12) Mais elementos estatísticos sobre o tema podem ser encontrados em diversos relatórios recentes e atualizados da UCTAD / CNUCED, do Banco Mundial, do FMI, e da OMC, entre várias agências económica da ONU, para além das páginas internet desta organização internacional especialmente dedicadas aos progressos verificados e ainda por alcançar nos “Objetivos de Desenvolvimento do Milénio” (sobre os quais serão feitas depois referências mais circunstanciadas), disponíveis nos respetivos sítios internet (cujos links foram indicados: < www.unctad.org >, < www.worldbank.org >, < www.imf.org >, < www.wto.org >).
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verificar taxas de crescimento muito mais elevadas, em geral, nos países menos desenvolvidos
do que nos países mais avançados — com inúmeras especificidades nacionais e regionais que
necessariamente prejudicam as tentativas de tratamento unitário da questão.
São vários os estudos sobre as assimetrias económicas e sociais no quadro
internacional e sua evolução, ou sobre geografia económica internacional, incluindo vários
elaborados ou patrocinados por organismos especializados da ONU, como os já citados
relatórios anuais sobre comércio e desenvolvimento, da CNUCED / UNCTAD (13).
[...]
Sem prejuízo dos enormes progressos já alcançados no sentido do desenvolvimento
económico nas mais diversas regiões do mundo, nomeadamente onde antes prevalecia o
subdesenvolvimento, continuam a persistir amplas áreas caracterizadas pelo atraso relativo,
áreas que abrangem ainda cerca de metade da população mundial.
Ainda nas décadas de 80 e de 90 do século XX, muitos países menos
desenvolvidos, sobretudo em África e também na América Latina e na Ásia ocidental,
mantiveram-se quase estagnados, ou chegaram mesmo a regredir, em termos relativos, face aos
países mais avançados, afastando-se assim da tendência de progresso que, pelo menos
tendencialmente, privilegiará, no longo prazo, os primeiros.
Contudo, por mais substanciais que sejam, e têm sido, aquelas aproximações entre
níveis mais e menos elevados de rendimento per capita, mantêm-se grandes divergências
económicas e sociais entre as pessoas que residem em países menos desenvolvidos e as que
residem nos países mais avançados — sempre com inúmeras excepções e com divergências
muito diversificadas, em constante alteração e reconfiguração geográfica e demográfica.
[...]
Tendo em conta a gravidade da situação dos habitantes dos países menos
desenvolvidos, os dirigentes mundiais reunidos na Cimeira do Milénio, em Setembro de 2000,
reafirmaram as suas obrigações comuns especialmente com as pessoas mais vulneráveis e, em
particular, com as crianças do mundo às quais pertence o futuro.
Nesse sentido, os 189 Estados membros da ONU comprometeram-se a atingir um
conjunto de objectivos específicos, os designados «objectivos de desenvolvimento do milénio»,
(13) Cfr., sobre o tema, entre muitos outros, CNUCED / UNCTAD (2010), Trade and Development
Report, 2010, Nova Iorque / Genebra; D. Held / A. Kaya (orgs.) (2007), Global Inequality. Patterns and Explanations; P. KNOX / J. AGNEW / L. MCCARTHY (2003), The Geography of the World Economy, 4.ª ed.
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que passariam a guiar os esforços colectivos ao longo dos anos, até 2015, no que respeita ao
combate à pobreza e ao desenvolvimento sustentável.
«Objectivos de Desenvolvimento do Milénio» (ou «Objectivos 2015»):
— (1) Erradicar a pobreza extrema e a fome (redução para metade da percentagem
de pessoas com rendimento inferior a 1 dólar por dia, redução para metade da população que
sofre de fome);
— (2) Alcançar o ensino primário universal (garantindo que todos os rapazes e
raparigas terminem o ciclo completo do ensino primário);
— (3) Promover a igualdade de género e a autonomização da mulher (eliminação
das disparidades de género no ensino primário e secundário, se possível até 2005, e em todos os
níveis, até 2015);
— (4) Reduzir a mortalidade infantil (reduzindo em 2/3 a taxa de mortalidade de
menores de 5 anos);
— (5) Melhorar a saúde materna (redução em ¾ a taxa de mortalidade materna);
— (6) Combater o HIV / SIDA, a malária e outras doenças (deter e começar a
reduzir a propagação do HIV / SIDA e a incidência de malária e outras doenças graves);
— (7) Garantir a sustentabilidade ambiental (integração dos princípios do
desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais, invertendo a tendência actual
de destruição de recursos naturais, redução para metade da percentagem da população sem
acesso permanente a água potável, melhoria considerável da vida de pelo menos 100 mil
habitantes de bairros degradados até 2010);
— (8) Criar uma parceria global para o desenvolvimento [(i) continuando a
desenvolver um sistema comercial e financeiro multilateral aberto, baseado em regras,
previsível e não discriminatório, incluindo um compromisso em relação a uma boa governação,
ao desenvolvimento e à redução da pobreza tanto a nível nacional como internacional, (ii)
satisfação das necessidades especiais dos países menos avançados, incluindo o acesso a um
regime isento de direitos e não sujeito a quotas para as exportações países menos avançados,
um programa melhorado de redução da dívida dos países muito endividados, o cancelamento da
dívida bilateral oficial e a concessão de uma ajuda pública ao desenvolvimento mais generosa
aos países empenhados em reduzir a pobreza, (iii) satisfação das necessidades especiais dos
países em desenvolvimento sem litoral e dos pequenos Estados insulares, (iv) tratamento de
uma maneira global dos problemas da dívida dos países em desenvolvimento através de
medidas nacionais e internacionais, a fim de tornar a sua dívida sustentável a longo prazo, (v)
formulação e aplicação de estratégias, em cooperação com os países em desenvolvimento, que
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proporcionem aos jovens um trabalho digno e produtivo, (vi) em cooperação com as empresas
farmacêuticas, proporcionar o acesso a medicamentos essenciais, a preços acessíveis, nos
países em desenvolvimento, (vii) em cooperação com o sector privado, tornar acessíveis os
benefícios das novas tecnologias, em particular os das tecnologias de informação e
comunicação] (14).
8. Principais áreas de gravitação da economia internacional
Tendo em conta as tendências apontadas de evolução da economia internacional,
verificaram-se sucessivas deslocações geográficas de pessoas, de capitais e de actividades
económicas, o que comprova um dinamismo imparável.
As alterações quanto à capacidade de os diversos países atraírem a residência de
pessoas e o estabelecimento de empresas determinam a maior ou menor prosperidade de cada
país, de cada região e de cada cidade.
Fala-se por isso, e cada vez mais frequentemente, na deslocalização de actividades
económicas à escala praticamente global.
No âmbito da economia internacional salientam-se, compreensivelmente, países e
áreas geográficas que desempenham um papel preponderante.
Desde a Idade Média, desde a emergência da economia mundial, que situámos em
torno do século XV, os países que predominaram as trocas internacionais encontravam-se nas
orlas marítimas do Atlântico norte, ou seja, na Europa ocidental.
Primeiramente, foram os países ibéricos a abrir e a dominar o comércio mundial,
depois outros países da Europa ocidental, incluindo a França e a Holanda, mais tarde o Reino
Unido (particularmente no século XIX) e, mais recentemente, os Estados Unidos da América
(século XX), ou os seus Estados do nordeste, junto da costa do Atlântico norte.
Influenciaram e exerceram o comércio mundial, sedimentando a sua posição
política e económica, tornando o oceano no principal elo de ligação, fomentando todo o tipo de
comunicações entre as orlas costeiras e densificando o estabelecimento de pessoas e de
unidades de produção nos territórios mais próximos.
(14) Cfr. sítios internet, da ONU, sobre os «objectivos de desenvolvimento do milénio»: <
www.un.org/millenniumgoals ; www.undp.org/mdg/ >.
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Dada a concentração de interesses económicos e, do mesmo modo, políticos em
torno desta área geográfica, não se estranha que as duas guerras mundiais tenham tido aí o seu
palco principal, o mesmo se podendo afirmar do pós-guerra, com a guerra fria, a criação da
NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN) e do Pacto de Varsóvia, após o
estabelecimento do Plano Marshall, de ajuda financeira à reconstrução do continente europeu, e
assim sucessivamente, até pelo menos aos anos 70 e oitenta do século XX.
Todavia, o que poderia configurar uma «cristalização atlântica do mundo»
(TAMAMES) começou a alterar-se precisamente com a crise dos anos 70 e 80 do século XX,
com o que parecia ser uma deslocalização cada vez mais pronunciada da área de gravidade da
economia mundial, do Atlântico Norte para as costas asiáticas do Pacífico.
Para isso contribuiu uma progressiva movimentação do centro de gravidade da
economia norte-americana dos Estados do Leste no sentido dos Estados do Oeste, devido ao
peso crescente dos Estados da Califórnia, do Orégão, de Washington e do Alaska.
Por outro lado, o Japão resistiu à crise energética muito melhor do que os demais
grandes países industriais, prosseguiu com o seu crescimento e investiu no exterior,
contribuindo para a expansão de outros países asiáticos, como a Coreia do Sul, Hong-Kong,
Taiwan e Singapura, os «quatro dragões», bem como para o fortalecimento da ASEAN (que
compreende a Tailândia, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Filipinas, Vietnam, Birmânia e
Laos), com mais de 500 milhões de habitantes.
Foi também graças à influência e dinamização do Japão que a Austrália e a Nova
Zelândia se tornaram, simbolicamente, nações “do sul da Ásia”.
Contribuíram para o mesmo fenómeno as expectativas da Rússia para o
desenvolvimento da Sibéria oriental e, sobretudo, a espectacular expansão da China, primeiro
com a reforma do sistema maoista operada por Den Xiaoping, seguido por Zaho Ziyang, Jiang
Zemin e, depois, por Hu Jintao, favoráveis, até determinado ponto, a uma economia mista e
mais flexível.
Às circunstâncias apontadas podem acrescentar-se as fortes taxas de crescimento
demográfico de outros países das costas do Pacífico, como o México, todo o istmo centro-
americano e da costa da América do Sul, confirmando afinal a tendência de constante mutação
estrutural das várias economias do mundo.
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Sugestões bibliográficas (meramente indicativs, porque há muitas obras de grande relevo sobre o tema,
para além de outras fontes úteis, algumas delas disponíveis na internet): [parte(s) introdutória(s) ou primeiro(s) capítulo(s) de] P. KRUGMAN / M. OBSTFELD (2009), International Economics, 1; D. CARREAU / P. JUILLARD (2010), Droit International Économique, I; R. TAMAMES / B. HUERTA (2010), Estructura Económica Internacional (há trad. port., de ed. anterior, com o mesmo título), Alianza Ed., Barcelona; M. PORTO (2009), Teoria de Integração e Políticas Comunitárias Face aos Desafios da Globalização, I; E. PAZ FERREIRA (2004), Valores e Interesses. Desenvolvimento Económico e Política Comunitária de Cooperação; ARAÚJO, FERNANDO (vv eds.), Introdução à Economia; L. MORAIS (org. / dir.) (2007), Direito da Economia – Direito Internacional Económico. Vol. II: Direito Internacional Económico. Uma Introdução; E. RAPOSO MEDEIROS (2007), Economia Internacional; D. HELD / A. KAYA (2007), Global Inequality. Patterns and Explanations; A. KENWOOD / A. LOUGHEED (1999), The Growth of the International Economy, 1820-2000, 5.ª ed., Routledge, Londres / Nova Iorque; P. KNOX / J. AGNEW / L. MCCARTHY (2003), The Geography of the World Economy, 4.ª ed., Hodder Arnold, Londres / Nova Iorque; E. PALAZUELOS / M. JESÚS VARA (orgs.) (2002), Grandes Áreas de la Economía Mundial, Ariel, Barcelona; R. PASSET (2001), Éloge du Mondialisme par un «Anti Présumé», Fayard, Paris; J. STIGLITZ (2002), Globalization and its Discontents, W. Norton; Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCD / UNCTAD, ONU) (ed.) (2010), Trade and Development Report, 2010. Employment, Globalization and Development (disponível em < http://cgd.s3.amazonaws.com/GrowthReportComplete.pdf >); Idem (2008), Development and Globalization: Facts and Figures - 2008, Nova Iorque / Genebra, 2008.