2º Cap - Produção de Textos Na Escola, Rony Farto Pereira

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2º Cap - Produção de Textos Na Escola, Rony Farto Pereira

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    Produo de textos na escola

    Rony Farto Pereira

    UNESP FCL Assis

    RESUMO: O objetivo do texto favorecer a reflexo acerca da importncia da produo

    textual em mbito escolar, sobretudo, quando associada a situaes reais de comunicao.

    Pretende-se, ainda, a reviso das seguintes ideias: escrever bem um dom; a escrita se

    sobrepe oralidade; o domnio da gramtica fundamental na avaliao de um texto escrito;

    o professor no precisa ser produtor de textos; os textos consagrados devem ser imitados;

    pode-se escrever em situaes artificiais ou em atividades cujo tema livre, escreve-se em

    sala de aula somente para o professor e o que se produz em sua disciplina serve apenas para

    estabelecer uma nota.

    PALAVRAS-CHAVE: Produo de textos; escrita e oralidade; comunicao.

    Introduo

    Redigir ou compor? Descrever ou dissertar? Narrar ou argumentar? Fazer uma redao

    ou produzir um texto? O dilema no novo. H muito que se busca achar a melhor forma para

    denominar esse importante ato, considerado especialmente importante para a escola. No

    passado, alguns at mesmo preferiam a palavra composio, quando desejavam designar um

    exerccio ligado imaginao e criatividade.

    Recentemente, tem havido tentativas de explicitao, no plano terminolgico: para

    Geraldi (1993), o aluno faz uma redao, quando reproduz frases que no so dele, ideias j

    consagradas, clichs enfim, quando devolve para o professor a palavra da escola;

    diferentemente, o estudante produz um texto, quando consegue, apesar de tropear na

    ortografia, na concordncia e em outras convenes da lngua escrita culta, escrever algo

    original, algo de seu, a expresso de sua viso de mundo. Mas para a maioria das pessoas, o

    que faz mesmo diferena saber, diante de uma folha de papel em branco, escrever umas

    poucas linhas. Todo o tempo temos visto, estampadas nos jornais e em forma de prolas de

    vestibular, do Provo, do ENEM, do Saresp etc., as provas inequvocas das dificuldades dos

    estudantes em escrever.

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    Mas a dificuldade no somente de alunos: os professores tambm reclamam de seus

    titubeios, vacilaes e traumas, quando se trata de redigir. A formao, a poca, os

    antigos professores tudo pode ser uma explicao para o bloqueio incrvel que muitos

    apresentam, quando solicitados a passar para o papel as ideias que vm muito facilmente

    mente...

    E ento, inevitavelmente, volta cena a escola: o que ela tem feito para que os

    estudantes escrevam melhor? Embora alguns professores ainda tratem essa atividade de modo

    mais ou menos indisciplinado e assistemtico, como se o escrever fosse uma questo de

    inspirao e de dom, cada dia mais a escola tem-se conscientizado de que urgente introduzir

    novos hbitos e um pouco de fundamentao na prtica de escrever em sala de aula.

    H alguns aspectos que tm sido abordados invariavelmente, quando se trata de

    procurar rumos mais arejados para o ensino-aprendizagem da produo de textos na escola. A

    prpria compreenso do ato de escrever como trabalho e como atividade muito comum, na

    vida social, ato exercido profissionalmente por muita gente, pode transformar as formas de

    interveno praticadas pelos professores, com respeito escrita de seus alunos.

    Para aclarar um pouco mais a questo, veremos, a seguir, alguns elementos que

    merecem a reflexo dos professores de hoje e que podem lanar luzes sobre a questo da

    prtica de escrita, no contexto escolar.

    Gneros e diversidade textual

    possvel ensinar a escrever, assim intransitivamente? Ou escrever um texto,

    genericamente falando? Nos ltimos anos, os numerosos estudos nessa rea tm salientado,

    como uma espcie de base, que no possvel continuar tentando ensinar a escrever um texto,

    genericamente falando. Na verdade, conclui-se que impossvel pensar na existncia de um

    texto prototpico, ou seja, no h um tipo de texto que contenha as caractersticas de todos

    os outros (BARBOSA, 2002, p.684). Como afirmam Pasquier e Dolz (2002, p.880), o texto

    [...] no um objeto nico, indiferenciado, mas uma pluralidade de gneros textuais que apresentam, cada um deles, caractersticas lingusticas bem precisas. Devemos enfocar o ensino da produo de textos no como um procedimento nico e global, vlido para qualquer texto, mas como um conjunto de aprendizagens especficas de variados gneros textuais2.

    2 Os estudos atuais tm tomado o termo gneros pela concepo de Mikhail Bakthin, que os considera formas de dizer scio-historicamente cristalizadas, oriundas de necessidades produzidas em diferentes esferas da comunicao humana (apud BARBOSA, 2002, p. 689).

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    Nesse sentido, a diversidade de textos precisa ser considerada, no ambiente escolar, e

    os esforos dos professores devem ser direcionados para explor-los adequadamente. Assim,

    no se aprende globalmente a escrever: aprende-se a narrar, a explicar, a expor, a

    argumentar, a descrever, a redigir atas, a escrever diversos tipos de cartas etc. O aluno vai,

    aos poucos, compreendendo que necessrio aprender a escrever textos no em geral, mas

    em funo das situaes particulares de comunicao (PASQUIER; DOLZ, 2002, p.881).

    Pensando-se na distino bakthiniana entre gneros primrios e gneros secundrios,

    possvel conseguir progressos na sala de aula, de sorte a atender s exigncias de no

    perseguir um texto ideal ou prototpico. Sabendo-se que os primrios (dilogo cotidiano,

    bilhetes, cartas pessoais, entre outros) circulam em esferas mais privadas da sociedade e so

    mais objetivamente dialgicos, e que os secundrios (notcia, crnica, conferncia, relatrio,

    artigo cientfico etc.), menos dialgicos, circulam em esferas mais pblicas da sociedade, tem-

    se sugerido que a escola trabalhe com estes.

    Nesse caso, a entrada do texto em sala de aula se daria de modo mais objetivo e

    realstico: em vez de dissertar sobre um tema qualquer, artificialmente, os alunos se

    dedicariam, por exemplo, a escrever textos especficos, como uma notcia de acontecimentos

    ocorridos na escola, um ofcio solicitando a cesso da quadra de esportes para uma atividade

    qualquer ou um abaixo-assinado dirigido Prefeitura da cidade, pedindo providncias a

    respeito da deficiente iluminao pblica do bairro etc. Para ajudar nesse trabalho, a escola

    deveria,

    [...] prioritariamente, se ocupar dos gneros secundrios, j que os primrios poderiam ser mais facilmente aprendidos em outras esferas mais cotidianas. Seria exatamente o domnio desses gneros que poderia contribuir para uma participao social mais ampla, com vistas a um exerccio mais pleno da cidadania. (BARBOSA, 2002, p. 696-697).

    Os Parmetros Curriculares Nacionais (1997, p.30) revelam a mesma preocupao,

    quando indicam que cabe escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que

    circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpret-los. Tal funo incluiria os textos

    das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano

    escolar e, mesmo assim, no consegue manejar, pois no h um trabalho planejado com essa

    finalidade.

    Como se v, h um trabalho enorme a ser feito, na escola, de forma a permitir que os

    estudantes encontrem nos diversos gneros e nos textos de vria natureza objetos reais de

    ensino-aprendizagem da escrita.

  • 26

    Condies de produo dos textos

    Essa tendncia de se ocupar de textos diversificados precisa levar em conta as

    condies de produo dos textos. Com efeito, as prticas lingusticas, entre as quais a escrita,

    devem ser consideradas prticas sociais em que esto sempre envolvidos seres humanos em

    carne e osso, empenhados em solucionar problemas de toda ordem. Seres que tm crenas,

    sentimentos, vontades, desejos, interesses, ideias e ideais diversos e respeitveis

    (MARCUSCHI, 2001, p.11).

    Por isso, aspectos como o destinatrio, os meios de circulao dos textos, os

    ambientes em que vo ser lidos e os prprios gneros em que sero escritos ganharam

    relevncia, de uns tempos para c. Se o estudante no consegue perceber que h boas razes

    para escrever, fatalmente se sentir mais inibido e desmotivado. Afinal, a produo de um

    texto

    [...] uma atividade que no acontece no vazio. Ao contrrio, orienta-se por todas as imagens construdas pelo produtor sobre o seu interlocutor, a finalidade colocada para o texto, o lugar social do qual falar, o gnero no qual o texto se organizar, o portador no qual o texto ser publicado e o lugar no qual o texto, preferencialmente, circular. Todos esses elementos que constituem a situao na qual o texto produzido influenciam, interferem, determinam as caractersticas do texto resultante do processo de produo. (PEC, 2002, p. 52).

    A ideia de que preciso ampliar o leque de interlocutores para um texto, evitando a

    nociva exclusividade do professor, o nico que costumava ler o trabalho do aluno

    invariavelmente com o objetivo de avali-lo j parece clara aos que ensinam a escrever.

    De modo imperioso, essa questo retoma a caracterstica da linguagem de ser

    eminentemente interlocutiva, exigindo sempre a perspectiva do outro, do que l ou ouve o

    texto.

    Na escola tradicional, frequentemente so possveis exemplos da atividade de escrita

    ainda presa a um interlocutor mergulhado num formalismo aparente, no qual a produo do

    texto

    [...] j marcada, em sua origem, por uma situao muito particular, onde so negadas lngua algumas de suas caractersticas bsicas de emprego, a saber, a sua funcionalidade, a subjetividade de seus locutores e interlocutores e o seu papel mediador da relao homem-mundo. O carter artificial desta situao dominar todo o processo de produo da redao, sendo fator determinante de seu resultado final. (BRITO, 1985, p.118).

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    O destino dos textos est, implicitamente, considerado nesses questionamentos.

    Geraldi (1985, p.55), por exemplo, sugere uma srie de atividades nas quais os alunos

    podero ter certeza de que seus textos circularo fora da sala de aula e, por extenso, para

    alm dos muros da prpria escola. uma maneira de constatar que sempre existe razo para

    escrever e no somente produzir um exerccio escolar. Em sntese,

    [...] importante que o aluno no imite os textos escolares, mas que produza textos com referncia a situaes de comunicao bem definidas, precisas, reais: uma explicao verdadeira de um fenmeno desconhecido; uma descrio verdadeira de uma catedral para um guia turstico; uma receita culinria verdadeira para que seus colegas possam faz-la em casa. E, para podermos ajud-lo, deveremos propor a leitura de textos produzidos em situaes similares: textos explicativos publicados em enciclopdias ou livros para jovens; outras descries de guias tursticos; livros de receitas culinrias etc. (PASQUIER; DOLZ, 2002, p. 887).

    Nessa mesma linha, os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p.66-67)

    concluem:

    Para aprender a escrever, necessrio ter acesso diversidade de textos escritos, testemunhar a utilizao que se faz da escrita em diferentes circunstncias, defrontar-se com as reais questes que a escrita coloca a quem se prope produzi-la, arriscar-se a fazer como consegue e receber ajuda de quem j sabe escrever.

    No passado, temas inspidos recheavam os cadernos dos estudantes, em aulas de

    redao. Quem nunca escreveu um texto intitulado Minhas frias, uma dissertao sobre O

    divrcio ou A pena de morte pode considerar-se uma pessoa de sorte.

    Na verdade, aquilo que era preocupao essencial, no passado, tem agora sua

    importncia relativizada, uma vez que os temas deixam de ser as metas: o que conta o

    processo enfrentado pelo aluno, na construo de seu texto, de modo que abordar essa ou

    aquela questo costuma ser insuficiente para provar sua proficincia. Em suma, passou-se a

    focalizar mais o como escrever do que o que escrever.

    Com os avanos dos estudos na rea de produo de textos, mudaram tambm as

    relaes de quem trabalha com textos com o prprio contedo das redaes. Se no possvel

    escrever um texto genrico e global, mas necessrio optar por um gnero e nele se

    empenhar, tambm a ideia de escrever sobre um tema genrico fica prejudicada. E, de certa

    maneira, deslocou-se o foco dessa particularidade: de um ou de outro jeito, o estabelecimento

    de um assunto amplo era mais ou menos uma armadilha, segundo a qual se estava diante de

    um pretexto para que o aluno desse asas imaginao e, assim fazendo, exibisse suas

    deficincias no emprego da escrita.

  • 28

    Ter o que dizer, apesar de tudo, ainda a chave. O aluno tem de sentir que escrever

    importante, especialmente para quem pode comunicar ao mundo alguma coisa de si mesmo.

    Geraldi (1993, p.163) comenta, a esse respeito, que um projeto contemporneo de ensino de

    escrita no cogita mais

    [...] devolver escola o que a escola diz, mas sim de levar para a escola o que tambm a escola no sabe (ainda que possa dela ter uma imagem). A experincia do vivido passa a ser o objeto da reflexo; mas no se pode ficar no vivido sob pena de esta reflexo no se dar. O vivido o ponto de partida para a reflexo.

    Merece um reparo, contudo, o fato de que o aproveitamento do vivido ou da

    experincia do estudante no pode ser tomado como absoluto. Nesse caso, preciso tomar

    essa circunstncia como ponto de partida, visto que os textos ganham muito quando se pode

    incorporar a eles a imaginao e a inventividade, que conduzem ao plano ficcional e que

    precisa ser cultivado desde logo, nas crianas, sob pena de, fazendo o contrrio, conden-las a

    um mundo muito restrito e verdadeiramente destoante das inmeras possibilidades de adentrar

    num universo rico e multifacetado.

    Convenes da escrita, oralidade e variao lingustica

    Um bom texto, hoje, um texto graficamente correto, sem desvios de concordncia ou

    regncia? Modificaram-se os parmetros de avaliao dos textos, tendo-se considerado os

    avanos nos estudos sobre a sua produo. Primeiramente, o que se sublinha, hoje em dia, a

    necessidade de compreender de forma mais lcida como se d a difcil passagem do texto

    oral, comum a todos os alunos, para o texto escrito, objetivo maior e preocupao constante

    da escola. Nessa perspectiva, autores como Marcuschi (2001) e Fvero et al. (2002) discutem

    as principais questes da oralidade e da escrita, oferecendo ao leitor a possibilidade de um

    tratamento didtico da questo e de seu aproveitamento, na sala de aula.

    Perceber que as modalidades oral e escrita da lngua constituem planos

    interpenetrantes, apesar de exibirem caractersticas em certa medida distintas, pode orientar

    um trabalho frutfero de produo de textos escritos, sem os exageros cometidos no passado.

    Com essa abordagem, ainda que as convenes da escrita precisem ser observadas pelos

    estudantes, a prioridade no mais um texto produzido de modo perfeito, quanto ortografia,

    pontuao, regncia, concordncia etc.

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    evidente que no se pode chegar ao plano oposto, de excessiva liberalidade, numa

    espcie de olho grosso para todos os desvios perpetrados contra as convenes da escrita.

    Isso seria to pernicioso quanto um rigor extremo, em detrimento do contedo dos textos.

    Contudo, o que passou a contar, com grande peso, a forma de construo da

    textualidade, ou seja, se os alunos demonstram, em sua escrita, conhecer os mecanismos que

    fazem de um texto no um amontoado de palavras, mas um texto. Ou seja: a estruturao do

    texto prev muito mais operaes e mecanismos que podem envolver as normas formais da

    escrita.

    Mecanismos importantes de textualidade so, por exemplo, a coeso e a coerncia.

    necessrio que os estudantes estejam atentos s formas como um texto se apresenta coeso e

    coerente, procurando observar as eventuais marcas dessas relaes.

    No plano visvel, isto , na superfcie do texto, um trabalho necessrio a ser

    desenvolvido e estimulado pelo professor, em sala de aula, o estudo dos elementos

    lingusticos que servem para relacionar as partes do texto, os pargrafos entre si e as ideias, no

    interior dos perodos. Relaes de oposio, de concluso, de consequncia, de condio eis

    pequenos exemplos de situaes em que os alunos tero proveito em refletir sobre como se d

    a conexo entre as palavras, de modo a garantir um texto coeso.

    Ao mesmo tempo, a considerao desses elementos lingusticos que servem para ligar

    as partes do texto e o exame de sua significao e expressividade, para a elaborao dos

    textos, possibilita que se constatem as numerosas variaes que podem sofrer os enunciados.

    Estudar a coeso e manejar seus recursos , pois, uma boa maneira de se apropriar de

    diferentes modos de construir enunciados diversos, observando como a lngua permite

    variaes expressivas. Por exemplo, a partir de duas ideias iniciais fumar e prejudicar a

    sade, ser possvel obter enunciados diferentes, do ponto de vista da construo textual:

    (1) Se voc fumar, estar prejudicando a sade.

    (2) Prejudica a sade quem insiste em fumar.

    (3) Quando se fuma, prejudica-se a sade.

    (4) Ele fuma, embora saiba que isso prejudica a sade.

    (5) Voc fuma, mas sabe que prejudicial sade.

    Ao trabalhar com a informatividade, outro mecanismo de textualidade, o professor

    poder demonstrar aos alunos a importncia da aplicao dessas possibilidades de um torneio

    sinttico variado, at para evitar um defeito muito comum nos trabalhos dos estudantes, que

    a repetio, no somente de ideias, mas de palavras ou de perodos, motivada s vezes pela

  • 30

    falta de uma conscientizao da existncia de recursos como sinnimos, pronomes, locues

    etc.

    Relacionada a essa questo, est a necessidade de refletir sobre a forma de partilhar

    com os alunos o problema da norma culta e da variao lingustica, muito presente ainda hoje

    nas situaes reais de sala de aula.

    De modo a no estigmatizar a variante das crianas, mas conscientes de permitir que

    constatem a necessidade de adquirir as convenes de uma norma escolarizada, os professores

    compreendero que preciso alterar as condies da sala de aula, transformando-a num

    espao adequado para o exerccio real da linguagem (FRANCHI, 1984, p.137). Em outros

    termos, oferecer-lhes a oportunidade de uma experincia humana e social que lhes permitisse

    uma outra concepo de aluno, de professora e de escola, no ensinada em um discurso

    ideolgico vazio, mas vivida (p.137). Assim, haveria um lugar na sala de aula para que os

    estudantes percebessem a existncia da diversidade lingustica e encontrassem srios motivos

    para se empenharem no aprendizado da norma culta, sem traumas.

    As atividades de produo de textos teriam, por essa perspectiva, de contemplar as

    aproximaes e as distines entre as vrias formas de dizer, estreitamente relacionadas aos

    ambientes em que so produzidas, de sorte que o trabalho em lngua portuguesa pudesse

    conduzir percepo das diferenas e elaborao de um discurso adequado a cada situao

    social.

    Se o ideal levar os alunos a se exercitarem na aquisio da norma culta, sem

    menosprezar sua prpria variedade (muitas vezes estigmatizada pela escola), o professor deve

    oferecer oportunidades objetivas para esse aprendizado.

    Assim, ao compararem frases com um tipo de concordncia prximo ao da fala

    coloquial das camadas populares (em que h poucas marcas visveis), com a norma culta

    (onde esses sinais so redundantes), os alunos podero perceber que se trata de dois modos

    diferentes de indicar o fenmeno e sero capazes de assimilar, de forma tranquila, assimilar

    essas diferenas estruturais.

    Conforme sugere Franchi (1984, p.55), diante de duas realizaes diferentes, como

    (6) Nis tava escreveno...

    (7) Ns estvamos escrevendo...

  • 31

    seria possvel salientar que se fala de modo diferente conforme a classe social, a funo

    social e a ocasio e circunstncias da fala: quando estamos entre amigos do bairro, quando

    estamos em uma situao mais formal e cerimoniosa.

    Reviso e reescrita

    Aproximar ao mximo a atividade de escrita, na escola, com as prticas sociais de uso

    da lngua como um escritor se comporta diante de sua tarefa, por exemplo significou

    adotar a reviso e a reescrita como procedimentos corriqueiros. Entretanto, no se trata de

    encarar a reviso ou a reescrita de um ponto de vista enfadonho, a partir do qual a criana

    reescreve seu texto, de modo a torn-lo livre de certas imperfeies formais ou, conforme

    afirma Jesus (1997, p.101), proceder a uma higienizao da escrita. Por esse processo,

    distorcido e lamentvel, a reescrita transforma-se

    [...] numa espcie de operao limpeza, em que o objetivo principal consistia em eliminar as impurezas previstas pela profilaxia lingustica, ou seja, os textos so analisados apenas no nvel da transgresso ao estabelecido pelas regras de ortografia,concordncia e pontuao, sem se dar a devida importncia s relaes de sentido emergentes na interlocuo. Como resultado, temos um texto, quando muito, linguisticamente correto, mas prejudicado na sua potencialidade de realizao. (JESUS, 1997, p.102).

    Trata-se, ao contrrio, de mostrar para os usurios da escrita, no ambiente escolar, que

    escrever um processo extremamente consciente, que precisa ser constantemente refeito, a

    fim de aproximar-se o mais possvel das manifestaes lingusticas estampadas, por exemplo,

    nos editoriais dos jornais, nas crnicas dos escritores contemporneos, nos romances

    modernos ou clssicos. No sensato negar, todo o tempo, que haver sempre um longo

    caminho, de esforo, escritas e reescritas, at o aluno atingir um nvel desejvel e satisfatrio,

    na elaborao de seus textos. Na realidade, o professor tem a obrigao de indicar aos

    estudantes que a reviso

    [...] uma atividade que parte integrante da escrita. Durante a escrita da primeira verso de um texto, o autor rel constantemente o que escreve para continuar e, relendo, frequentemente transforma seu projeto inicial. A releitura, a reviso e a reescrita de um texto so atividades que tambm se aprendem. (PASQUIER; DOLZ, 2002, p. 888).

    Nesse sentido, revisar e reescrever um texto significariam aproximar-se do que

    normalmente ocorre, na vida real, quando algum deseja publicar algo: planeja, escreve, l,

  • 32

    reescreve, revisa, oferece aos outros, para que faam leituras preliminares, at que o texto se

    torne mais ou menos uma espcie de obra prima para aquele momento, ainda que

    provisrio. Enfim, necessrio encarar a escrita como trabalho e um trabalho paciente,

    contnuo, s vezes cansativo, mas sempre prazeroso, consideradas as realizaes que pode

    trazer aos produtores e leitores.

    Projetos de escrita na escola

    No bojo de toda essa discusso a respeito de novos caminhos para a produo de

    textos, incorporando as modernas pesquisas textuais, certamente se destaca a conscincia de

    que s se aprende a escrever, escrevendo. Boas teorias e interessantes tcnicas sero sempre

    insuficientes para formar um bom produtor de textos.

    Escrever textos, na escola, um trabalho que no poderia limitar-se a tratar

    genericamente de temas complicados, com o objetivo simples de permitir que o professor

    verifique como est a caracterizao formal, como a concordncia, a regncia ou o uso dos

    tempos verbais.

    Em razo desse pressuposto, cada vez mais se sugere que os alunos trabalhem

    intensamente com projetos de escrita3, que teriam a vantagem de envolver a todos na

    tentativa de alcanar objetivos precisos e metas comuns, durante algum tempo. Os

    Parmetros Curriculares Nacionais adotam essa perspectiva (1997, p.70-1), ressaltando:

    Os projetos so excelentes situaes para que os alunos produzam textos de forma contextualizada alm do que, dependendo de como se organizam, exigem leitura, escuta de leituras, produo de textos orais, estudo, pesquisa ou outras atividades. Podem ser de curta ou mdia durao, envolver ou no outras reas do conhecimento e resultar em diferentes produtos: uma coletnea de textos de um mesmo gnero (poemas, contos de assombrao ou de fadas, lendas etc.), um livro sobre um tema pesquisado, uma revista sobre vrios temas estudados, um mural, uma cartilha sobre cuidados com a sade, um jornal mensal, um folheto informativo, um panfleto, os cartazes de divulgao de uma festa na escola ou um nico cartaz.

    Jolibert et al.(1994, p.38) preferem a denominao canteiros, para esses projetos

    especficos. Definem canteiro como um mdulo de aprendizagem, cuja organizao e

    enfoque devem permitir que ambos, professor e aluno, tenham referenciais para se situar,

    3 Em numerosos trabalhos dirigidos a professores, h a preocupao em sugerir a realizao de projetos de escrita, concebidos como situaes que preveem, necessariamente, a elaborao de um produto final orientado para um pblico leitor maior, podendo extrapolar o limite da sala de aula: produzir um livro de contos, organizar um mural sobre determinado tema, escrever uma carta para um determinado interlocutor, por exemplo (PEC, 2002, p. 909).

  • 33

    apiem-se em aspectos precisos para trabalhar, nas aquisies e nas faltas, nos instrumentos e

    nas estratgias a serem elaborados etc. O canteiro, que est sempre centrado em um tipo de

    texto (novela, requerimento etc.), um trabalho no tempo. Segundo seu entendimento, um

    canteiro comporta

    [...] numerosas sesses, todas dirigidas com preciso e no-intercambiveis. Conforme o tipo de texto trabalhado, e conforme as disponibilidades ou as urgncias da classe, essas sesses podem ser reunidas em dois dias ou em uma semana, ou, ao contrrio, estender-se durante um ms, um trimestre (a novela) ou mesmo o ano inteiro (poemas).

    Visto dessa maneira, o trabalho com textos, em sala de aula, deixaria de lado uma

    artificialidade incmoda e passaria a representar, para os alunos, uma boa oportunidade de

    prepararem peas que seriam lidas por outras pessoas, em vrios meios, como prova eficaz do

    papel que a escrita pode exercer, no mundo contemporneo.

    guisa de concluso

    As consideraes feitas ao longo deste artigo pretenderam evidenciar alguns aspectos

    relevantes, quando o assunto produo de textos na escola. Tendo em conta os avanos dos

    estudos na rea, vale enfatizar:

    a) Vai longe o tempo em que demonstrar proficincia na escrita era tido como um dom

    de poucos, fruto de alguma espcie de inspirao ou capacidade peculiar, partilhada

    por um grupo reduzido de eleitos.

    b) Hoje, entende-se que a competncia de escrever algo que pode ser adquirido,

    praticado e constantemente melhorado; portanto, escrever um ato perfeitamente

    passvel de merecer a ateno dos professores de lngua materna, na escola

    contempornea, j que h muita coisa que pode ser ensinada nesse campo.

    c) Para arejar os horizontes daqueles que ensinam a escrever, importante levar em conta

    as condies de produo dos textos (especialmente o destinatrio, as intenes, os

    meios de circulao dos textos etc.), a diversidade de gneros e as relaes entre as

    modalidades oral e escrita ou entre norma culta e variedades lingusticas. Com efeito,

    o carter discursivo da linguagem, que no acontece no vazio, mas em circunstncias

    reais e com pessoas de carne e osso, desejos e crenas diversas, precisa estar sempre

    em evidncia.

  • 34

    d) Ainda que, ao utilizar a escrita, os estudantes sejam solicitados a respeitar as

    convenes estabelecidas para essa modalidade, os aspectos ditos formais no devem

    ser superestimados (notadamente na avaliao), de modo a cultivar-se excessivamente

    uma perfeio, que pode esconder lugares comuns, clichs e falta de articulao entre

    as ideias expostas, num determinado texto higienicamente limpo.

    e) A avaliao dos textos, nessa abordagem, deve supor um tratamento adequado dos

    mecanismos de textualizao, cuja manipulao permite que o aluno exiba habilidades

    essenciais, na construo de textos reais.

    f) As atividades de produo de textos, na escola, devem aproximar-se das prticas

    textuais concretas, na sociedade, oferecendo-se aos produtores a oportunidade de

    revisar e reescrever os textos, at que estejam prontos para a publicao. Nesse caso,

    escrever supe o uso de dicionrios, gramticas, manuais de estilo etc., que auxiliem a

    tornar os textos cada vez mais adequados situao e funo que se propem.

    g) Tudo isso deve conduzir conscientizao da necessidade de praticar continuamente a

    escrita, de maneira a habituar-se a variar sempre a estrutura das frases, a empregar

    torneios sintticos expressivos e a perceber sempre a caracterstica intrinsecamente

    interlocutiva da linguagem. Isso tambm vale para o professor, que, por diversos

    motivos, pode estar tentando ensinar a escrever sem a condio bsica, que ele

    prprio escrever bastante, em sua vida.

    Referncias Bibliogrficas

    BARBOSA, J. P. Gneros do discurso. In: PEC Formao Universitria. So Paulo:

    Secretaria da Educao/PUC/USP/UNESP, 2002, p. 684-698.

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    Educao/PUC/USP/UNESP, 2002, p. 879-894.

    PEC Formao Universitria. So Paulo: Secretaria da Educao/PUC/USP/UNESP, 2002.

    Atividade

    1. O autor apresenta prticas cristalizadas a respeito da produo textual em mbito escolar,

    visando levar seu leitor reflexo sobre as prprias experincias escolares que vivenciou e,

    assim, planejar formas diferenciadas de trabalho em sala de aula. A partir da leitura do texto,

    preencha o quadro organizador a seguir, relativizando e/ou desautorizando a afirmao

    apresentada em cada tpico disposto no quadrante da esquerda:

    AFIRMAES CONSENSUAIS DEBATE 1. A proficincia na escrita est associada ao dom, inspirao e capacidade peculiar do indivduo.

    1.

    2. Em mbito escolar, deve prevalecer o conhecimento de textos modelares produzidos por grandes escritores, que devem ser imitados na produo textual.

    2.

    3. Na produo de textos, a prioridade assegurar a norma culta e o emprego adequado da gramtica.

    3.

    4. Faz-se necessrio que os alunos usem sua criatividade, por isso eles precisam redigir textos cujo tema seja geralmente livre.

    4.

  • 36

    5. O professor o nico responsvel por determinar um tema para a produo textual.

    5.

    6. A reviso textual tem por objetivo conduzir o aluno higienizao de seu texto. A prioridade centra-se no texto correto quanto ortografia, pontuao, regncia, concordncia, acentuao etc.

    6.

    7. O professor o leitor exclusivo e o revisor do texto do aluno. Como educador, ele no precisa ser produtor de textos.

    7.

    8. No h distino entre os termos redao e produo de textos, nem composio.

    8.

    9. Em atividades de produo textual, a modalidade escrita da lngua deve ser apresentada como superior oral.

    9.

    10. As aulas de produo textual devem acontecer uma vez por semana, em dia e horrio fixos.

    10.

    2. D continuidade leitura da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    Artigo acadmico: A produo de contra-argumentos na escrita infantil. Disponvel em: . Vdeo-aula: Srie Fala e Escrita. Disponvel em: .