39256202 Ortografia Na Sala de Aula[1]

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  • ORTOGRAFIA NA SALA DE AULA

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  • Presidente: Luis Incio Lula da SilvaMinistro da Educao: Fernando HaddadSecretrio de Educao Bsica: Francisco das Chagas FernandesDiretora do Departamento de Polticas da Educao Infantil e EnsinoFundamental: Jeanete BeauchampCoordenadora Geral de Poltica de Formao : Lydia Bechara

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOReitor: Amaro Henrique Pessoa LinsPr-Reitora para Assuntos Acadmicos: Lcia Souza Leo MaiaDiretor do Centro de Educao: Srgio AbranchesCoordenao do Centro de Estudos em Educao e Linguagem CEEL:Andra Tereza Brito Ferreira, Artur Gomes de Morais, Eliana BorgesCorreia de Albuquerque, Telma Ferraz Leal

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  • ORGANIZAO

    Alexsandro da Silva

    Artur Gomes de Morais

    Ktia Leal Reis de Melo

    ORTOGRAFIA NA SALA DE AULA

    1 edio1 reimpresso

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  • Copyright 2005 by Os autores

    CapaVictor Bittow

    Editorao eletrnicaJos Henrique Cerqueira Mariani

    RevisoRodrigo Pires Paula

    S586o

    2007

    Todos os direitos reservados ao MEC e UFPE/CEEL.Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, seja pormeios mecnicos, eletrnicos, seja via cpia xerogrfica sem a

    autorizao prvia do MEC e UFPE/CEEL.

    CEELAvenida Acadmico Hlio Ramos, sn. Cidade Universitria.

    Recife Pernambuco CEP 50670-901Centro de Educao Sala 100.

    Tel. (81) 2126-8921

    Silva, Alexsandro daOrtografia na sala de aula / organizado por Alexsandro da

    Silva, Artur Gomes de Morais e Ktia Leal Reis de Melo . 1.ed., 1. reimp. Belo Horizonte: Autntica, 2007.144 p.ISBN 85-7526-163-01.Alfabetizao. 2.Ortografia. I. Morais, Artur Gomes de. II.Melo, Ktia Leal Reis de. III.Ttulo.

    CDU 372.4

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  • SUMRIO

    07

    11

    29

    45

    61

    77

    95

    109

    Apresentao

    A norma ortogrfica do portugus: o que ?para que serve? como est organizada?Artur Gomes de Morais

    O aprendizado da norma ortogrficaLcia Lins Browne Rego

    O diagnstico como instrumento para oplanejamento do ensino de ortografiaArtur Gomes de Morais

    Ensinando ortografia na escolaAlexsandro da Silva, Artur Gomes de Morais

    Refletindo sobre a ortografiana sala de aulaKtia Leal Reis de Melo

    Dicionrio:prazer em conhec-loArtur Gomes de Morais, Ktia Maria Barreto da SilvaLeite, Alexsandro da Silva

    (Orto)grafia e reviso textual: os impasses da correoKtia Maria Barreto da Silva Leite

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  • 125

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    O livro didtico de portugus e a reflexo sobrea norma ortogrficaAlexsandro da Silva, Artur Gomes de Morais

    Os autores

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  • APRESENTAO

    A proposta deste livro, como indica o ttulo, tecer considera-es sobre o ensino e a aprendizagem da ortografia na sala de aula.

    Os resultados das pesquisas tm contribudo para a compreen-so de questes educacionais diversas, mobilizando mudanas naprtica escolar e novos posicionamentos entre os profissionais daeducao. No entanto, o ensino da ortografia ainda continua sendoum grande desafio para os professores, por se tratar de uma dasprincipais dificuldades de aprendizagem do perodo ps-alfabetiza-o, do ponto de vista dos alunos.

    Apesar da rpida difuso e grande aceitao que as idias divul-gadas por aquelas pesquisas tiveram dentro do mbito educacional,percebe-se que, em algumas reas, como o caso da ortografia, opanorama no parece ter mudado muito sob a influncia dessa novapostura pedaggica, permanecendo um ensino calcado numa pers-pectiva mecanicista, ao mesmo tempo que a aprendizagem desse con-tedo tem constitudo lugar comum entre as queixas dos professores.

    A partir de diversos estudos realizados em diferentes lnguas,tem-se evidenciado que a aprendizagem da ortografia no pode serconsiderada como algo calcado fundamentalmente na memria, mas

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  • 8que antes um processo complexo, no qual tm um papel importanteno s as caractersticas do objeto de conhecimento, a norma orto-grfica, como tambm aquelas ligadas ao aprendiz, sejam estas assuas habilidades, sejam estas as oportunidades de exposio orto-grafia. Os avanos na psicologia cognitiva e na psicolingstica tmcontribudo para uma compreenso de como o encontro entre es-ses dois elementos, que ocorre atravs da interao mediada peloprofessor, pode se dar de maneira mais satisfatria. Nesta coletnea,enfocaremos questes relativas ao processo de ensino e de aprendi-zagem, ou seja, ao encontro entre o aprendiz, um objeto de conheci-mento de caractersticas especficas a ortografia e o professor.

    Sendo assim, as temticas abordadas neste livro buscam trazercontribuies relevantes e atuais, de modo a favorecer, de fato, umainovao do ensino e do aprendizado da norma ortogrfica da lnguaportuguesa na escola.

    No primeiro captulo, A norma ortogrfica do portugus: o que? para que serve? como est organizada?, Artur Gomes de Moraisdiscute o que ortografia e que papel ela cumpre, concebendo-acomo uma conveno social necessria. O autor tambm analisa comoest organizada a norma ortogrfica de nossa lngua, distinguindo oque o aluno pode compreender as regularidades do que ele preci-sa memorizar as irregularidades.

    O segundo captulo, O aprendizado da norma ortogrfica, deLcia Lins Browne Rego, dedicado discusso de alguns estudosdesenvolvidos nas ltimas dcadas a partir de uma perspectivaconstrutivista sobre como as crianas aprendem a norma ortogrfi-ca do portugus. Os resultados desses estudos so analisados con-siderando suas contribuies ao ensino da ortografia, tema que serdiscutido nos captulos que do continuidade a este livro.

    No captulo seguinte, O diagnstico como instrumento para oplanejamento do ensino de ortografia, Artur Gomes de Morais dis-cute como os professores podem diagnosticar, atravs de instru-mentos como textos espontneos e notao de textos ditados, osconhecimentos ortogrficos de seus alunos, a fim de acompanhar osseus avanos e dificuldades e organizar um ensino que atenda sreais necessidades de sua turma.

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  • 9O quarto captulo, Ensinando ortografia na escola, de Alex-sandro da Silva e Artur Gomes de Morais, analisa o ensino da normaortogrfica na escola. Os autores assumem a necessidade de ensinara ortografia sistematicamente tratando-a como um objeto de refle-xo e apresentam consideraes sobre algumas questes que mui-tos professores se colocam: quando comear a ensinar ortografia? Oque ensinar? Como seqenciar o ensino de ortografia?

    Ktia Leal R. de Melo, no quinto captulo, Refletindo sobre aortografia na sala de aula, apresenta e discute alternativas didticaspara o ensino da norma ortogrfica em sala de aula. A autora defendeque o ensino da ortografia se desenvolva atravs de seqnciasdidticas que estimulem o aluno a analisar, a refletir, a discutir e aexplicitar o que sabe sobre a norma, a fim de que ele possa tomarconscincia de suas regularidades e irregularidades.

    No sexto captulo, Dicionrio: prazer em conhec-lo, ArturGomes de Morais, Ktia Maria Barreto da Silva Leite e Alexsandro daSilva dedicam-se discusso do uso do dicionrio. Os autores anali-sam o dicionrio em si o que , para que serve, como est organiza-do , discutem alguns critrios que poderiam ser adotados em suaescolha e tecem consideraes sobre seu emprego em sala de aula,particularmente no ensino e na aprendizagem da ortografia.

    Em (Orto)grafia e reviso textual: os impasses da correo,stimo captulo, Ktia Maria Barreto da Silva Leite analisa a ques-to da reviso de textos. A autora discute questes como: deve-mos corrigir os erros ortogrficos nos textos escritos pelos alu-nos? Para que corrigir? Qual o lugar da ortografia na reviso detextos? Como no converter a correo ortogrfica em censura sprodues dos alunos?

    Alexsandro da Silva e Artur Gomes de Morais destacam, nooitavo captulo, intitulado O livro didtico de portugus e a refle-xo sobre a norma ortogrfica, a necessidade de analisarmos otratamento dado nos livros didticos ao ensino e aprendizagemda ortografia. Os autores apresentam e discutem aspectos quepoderiam ser adotados nessa anlise, ilustrando com exemplosextrados de livros didticos.

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    Ao escrever esta coletnea, os autores que a conceberamtiveram em comum o interesse de compartilhar com os professoresa necessidade de ensinar e aprender ortografia pensando, discu-tindo, refletindo e no apenas memorizando. Contribuir com essedesafio foi a meta que assumiram ao escrever este livro.

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    A norma ortogrfica do portugus:o que ? para que serve?

    como est organizada?

    Artur Gomes de Morais

    H alguns anos, desenvolvemos uma pesquisa (MORAIS;BIRUEL, 1998) em que investigvamos como 65 professoras de 2., 3.e 4. sries da rede pblica municipal de Recife estavam desenvolven-do o ensino de ortografia. Quando lhes perguntamos sobre os senti-mentos pessoais que tinham vivido, como alunas, quanto ao apren-der a escrever conforme a norma, vimos que poucas mestrasdemonstraram tranqilidade. A maioria dos depoimentos mencionavacoisas como sentimento de pavor, medo, angstia, era um temadifcil, pela exigncia de muitas regras ou eu achava muito arbitr-rio, pois as excees confundem o geral.

    As docentes tambm julgavam que o ensino de ortografia mu-dou, expressando, por exemplo, que antes era mais rigoroso, exigia-semais ou que atualmente o professor procura valorizar o trabalho doaluno, seja qual for a sua produo, sem critic-lo, mostrando a escritacorreta, mas de modo a no prejudicar sua criatividade. No entanto, aorelatar suas prticas em sala de aula, mencionavam sobretudo a tradici-onal estratgia de fazer ditados de textos ou listas de palavras com

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    a posterior correo coletiva no quadro. Na hora de avaliar o desempe-nho dos alunos em lngua portuguesa, quase todas as professorasdiziam levar em conta o rendimento ortogrfico e, principalmente nas4as. sries, vrias delas explicitavam que esse rendimento era um itemessencial para decidir sobre a aprovao ou no das crianas.

    Com base em dados como esses e da nossa experincia em di-versas escolas pblicas e privadas, entendemos que pouco mudouna forma como a ortografia vem sendo tratada na escola. Se fora dainstituio escolar ela cobrada e seu no-cumprimento fonte dediscriminao e excluso , cremos que tambm nas salas de aula aortografia ainda vista como tema de cobrana, verificao, avalia-o e... punio. A partir da dcada de 1980, observamos tambm,aqui e ali, um fenmeno preocupante: em nome do que julgamos umam interpretao do construtivismo, vrios educadores passaram aconsiderar que no deveriam ensinar ortografia, que os alunos a apren-deriam naturalmente, etc. Mas, no final de contas, continuaramcobrando dos aprendizes o que deixaram de ensinar.

    A fim de discutir esse quadro de realidade e tentar promover umensino reflexivo da ortografia, propomo-nos a explorar, neste captulo,o que a norma ortogrfica, concebendo-a como uma conveno soci-al: norma necessria para superar as limitaes da notao alfabtica eque precisa ser tratada como objeto de conhecimento em si. Para isso,num momento posterior, faremos uma anlise de como est organizadaa norma ortogrfica do portugus, buscando diferenciar o que nelapode ser aprendido por meio da compreenso por que tem regras do que precisa ser, de fato, memorizado. Acreditamos, enfim, que, aoavanarmos no entendimento que temos da norma ortogrfica, pode-mos, enquanto professores, optar por estratgias que ajudem nossosalunos a aprend-la de forma mais eficaz e prazerosa.

    A ortografia uma conveno social

    Quando crianas, dispnhamos em nossa casa de um dicion-rio enciclopdico, j com um jeito de livro antigo, ao qual tam-bm recorramos quando tnhamos de fazer pesquisas para a escola.Apesar de pequenos, sabamos que a obra, composta de quatro grossos

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    volumes, servia mais para encontrarmos informaes sobre um temainvestigado que para ajudar na hora de escrever corretamente. Novelho Lello Universal Diccionario Encyclopdico Luso-Brasilei-ro, encontrvamos trechos como o seguinte:

    ...O uso de fogos permanentes accesos no alto de trresespeciaes ou dos rochedos para guiar os navegantes, re-monta aos primeiros ensaios da grande navegao. A famo-sa trre da ilha de Pharos data do sc. III a.J.C; na Gllia opharol de Bolonha (torre dOrdem) que datava da pochada occupao romana, ainda see conservava de p no fim dosc. XVI... (Extrado de Lello Universal Diccionario En-cyclopdico Luso-Brasileiro. Prto: Porto e Irmos Eds.s.d., v. III, p. 641)

    Ao nos depararmos com grafias como pharol, accesos, trres,especiaes, Gllia, pocha e occupao, temos um belo atestado deque a ortografia das palavras de uma lngua uma conveno social.Considerando a obra agora discutida, enfatizamos que, embora em ne-nhum de seus volumes o diccionario em questo apresente a data deedio, o exame de seu prefcio nos permite deduzir que foi produzidoentre 1911 ano em que Portugal fixou a primeira norma ortogrficapara nossa lngua naquele pas e 1943, quando no Brasil a AcademiaBrasileira de Letras instituiu, por primeira vez, o Pequeno VocabulrioOrtogrfico da Lngua Portuguesa. Observamos, portanto, que asgrafias usadas e tidas como certas h menos de cem anos eram outras,sendo hoje consideradas inaceitveis. Isto , a conveno mudou.

    Diferentemente de outras lnguas, como o francs e o espanhol,que j tinham normas ortogrficas no sculo XVIII, no caso do portu-gus demoramos muito em fixar uma conveno ortogrfica a seradotada por todos os usurios do idioma. Na realidade, at hoje exis-tem algumas pequenas diferenas no modo como se notam certaspalavras no Brasil e nos demais pases em que o portugus lnguaoficial (escrevemos ator e em Portugal escreve-se actor, por exem-plo). Na busca por definir critrios para fixar uma escrita convencio-nalizada, observamos que as muitas lnguas com notao alfabticaenfrentaram, desde a Antigidade, uma disputa entre opes (cf.BLANCHE-BENVENISTE; CHERVEL, 1974).

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    Por um lado, desde a Roma e a Grcia antigas, j existia tendn-cia de buscar respeitar o princpio fonogrfico, segundo o qual aortografia deveria estar o mais prxima possvel da pronncia daspalavras. Apesar das boas intenes, isso envolvia um problema semsoluo perfeita: se diferentes falantes de uma mesma lngua per-tencentes a regies, grupos socioculturais e pocas diferentes pro-nunciam de forma distinta as mesmas palavras, a busca de uma cor-respondncia limpa entre formas de falar e escrever teria sempreque partir de uma pronncia idealizada, tomada como padro.

    Por outro lado, encontramos h muitos sculos a defesa de umprincpio etimolgico, segundo o qual as palavras provenientes deoutra lngua deveriam preservar as grafias que tinham nas lnguas deorigem. Assim, no caso de lnguas como portugus, francs e espa-nhol, as formas latinas e gregas seriam candidatas especiais manu-teno de suas notaes originais (e a uma desobedincia do princ-pio fonogrfico).

    Finalmente, nessa disputa entre perspectivas diferentes, a his-tria de evoluo das normas ortogrficas das lnguas aqui mencio-nadas revela que no s tendeu-se a fazer um casamento dos doisprincpios (fonogrfico e etimolgico) j citados, como a incorporarformas escritas que surgiram por mera tradio de uso.

    Tudo em ortografia precisa ser visto, conseqentemente, comofruto de uma conveno arbitrada/negociada ao longo da Histria.Mesmo a separao das palavras no texto, com espaos em branco, uma inveno recente, bem como o emprego sistemtico de sinais depontuao. At o sculo XVIII, quando predominava a leitura em vozalta, muitos textos eram notados com as palavras pegadas. Comotambm tinham poucos sinais de pontuao, cabia ao leitor, ao pre-parar sua leitura, definir como iria segmentar o texto.

    Numa lngua como o portugus, vemos hoje que a norma orto-grfica envolve no s a definio das letras autorizadas para escre-ver-se cada palavra, como tambm a segmentao destas no texto e oemprego da acentuao.

    Diferentemente da pontuao que permite opes/variaes con-forme o estilo ou interesse de quem escreve , no caso da ortografia as

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    convenes estabelecidas so avaliadas taxativamente: a grafia de umapalavra ou est certa ou errada, no se julgando sua qualidade emtermos de aproximao do esperado (MORAIS, 1998; SILVA, 2004).

    A norma ortogrfica uma inveno necessria

    Por ser uma conveno que contm no s regras como irregu-laridades, muitas pessoas imaginam que a ortografia um acidentehistrico desnecessrio, que apenas serve para dificultar a tarefa dequem escreve. Sonhando com o cumprimento risca de certo idealatribudo ao alfabeto, segundo o qual cada som deveria ser notadopor uma nica letra, imaginam que seria possvel abrir mo da normaortogrfica. Esse bem-intencionado sonho, porm, nunca poderia sercumprido, como demonstraremos a seguir.

    Em primeiro lugar, precisamos admitir que a escrita alfabticanota/representa coisas inestveis, isto , as palavras orais. Comomencionamos h pouco, as palavras de uma lngua no tm notiveram, nem nunca tero pronncia nica. Tomemos, por exem-plo, as formas de pronunciar o nome do pas de onde vieram nossosprimeiros colonizadores. Diferentes falantes de nossa lngua pro-nunciam, por exemplo, /purtugal/, /portugau/ ou /purtugau/. Se fs-semos transcrever fielmente os fonemas pronunciados, teramos,ao final, grafias diferentes. Pensando num texto longo, em que omesmo problema ocorreria com muitas palavras, isso implicaria umenorme trabalho para ns, leitores, j que no poderamos identifi-car os vocbulos escritos valendo-nos de formas fixas, que va-mos armazenando em nossa mente.

    Como j ressaltamos em outra ocasio (MORAIS, 2000), emboraseja comum dizer-se que numa escrita alfabtica as letras representamas unidades sonoras mnimas, isto , os fonemas, preciso reco-nhecer que esses no so exatamente unidades com uma identidadeestvel. Do ponto de vista terico, algo numa lngua s constituium fonema se, em oposio a outro fonema, produz mudanas designificado. Por exemplo, /b/ e /v/ so dois fonemas em portugus,em que as diferenas sonoras entre /bela/ e /vela/ constituem dife-renas de significado. J as variaes no incio da mesma palavra

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    pronunciada como /tchi/ e /tiu/ constituem um nico fonema, vistoque seu significado principal continua o mesmo: aquele que irmodo pai ou da me de algum. necessrio, portanto, reconhecer quea notao alfabtica traduz para o papel coisas que, por essncia,no tm sempre um jeito nico de ser. Ao fixar uma nica formagrfica (TIO, por exemplo), a ortografia permite que, ao ler silenciosa-mente, possamos, de forma rpida, reconhecer igualmente a mesmapalavra, com a vantagem de, ao l-la em voz alta, termos a liberdade decontinuar usando nossas distintas pronncias.

    Por outro lado, a fixao de formas escritas nicas, operadapela ortografia, no se limita dimenso sonora ou fonolgica.Alm de cristalizar na escrita o que varia na modalidade oral, anorma ortogrfica permite que palavras com significados vincula-dos, mas com variaes na pronncia de certos segmentos, per-maneam irmanadas. Desse modo, por exemplo, ao grafar com amesma letra (C) os sons /k/ e /s/ das palavras mdico e medicina,a norma ortogrfica ajuda a preservar, na escrita, a relao semn-tica que une aquelas palavras.

    A ortografia constitui, em si,objeto de conhecimento

    Vimos que, do ponto de vista histrico (ou diacrnico), cadalngua com notao alfabtica s depois de algum tempo passou a teruma norma ortogrfica, a partir do qual se estabelecia um acordosocial sobre as formas nicas autorizadas para escrever as palavras.Do ponto de vista do aprendizado individual, ocorre algo semelhan-te: primeiro, os aprendizes dominam as restries ou propriedades dosistema de escrita alfabtica e, s em seguida e aos poucos, vointernalizando a norma ortogrfica.

    Para alfabetizar-se, um indivduo criana, jovem ou adulto precisa, inicialmente, compreender uma srie de propriedades do sis-tema alfabtico, para poder vir a usar as letras desse sistema comseus valores sonoros convencionais. Necessita, assim, compre-ender que o repertrio de letras usadas para escrever sua lngua fixo, que no pode inventar letras e que s poder usar as letras

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    que, de fato, so utilizadas por quem j sabe ler e escrever. Neces-sita, ainda, compreender que o que a escrita alfabtica nota ourepresenta so os segmentos sonoros das palavras (e no seussignificados ou as caractersticas fsicas dos objetos que elasnomeiam) e que, para registrar a pauta sonora das palavras, colo-camos no papel mais letras que as slabas que pronunciamos. Pre-cisar, tambm, compreender quais so as combinaes ou se-qncias de letras permitidas e as posies em que elas podemaparecer... alm dos valores sonoros que podem assumir.

    Ao dar conta de tarefa to complexa, absolutamente naturalque o aprendiz escreva coisas como *MININU ou *CAZA . Ele jcompreendeu e internalizou as propriedades do sistema de nota-o alfabtica, que constitui objeto de conhecimento. Mas desco-nhece as restries desse outro objeto de conhecimento que anorma ortogrfica. Algo que, lembremos, convencionalizado: ar-bitrado, socialmente negociado e prescrito como forma nica a serseguida.

    Entendemos que as propriedades do objeto norma ortogrficaoperam respeitando aquelas j definidas pelo objeto sistema de escri-ta alfabtica. Assim, a partir das combinaes de letras que este ltimopermite e dos valores sonoros que as letras nele assumem, a normaortogrfica cria outras propriedades ou restries. s vezes, comoveremos, elas so pautadas por regras. Noutros casos, a norma estabe-lece formas nicas autorizadas, que o usurio ter que memorizar, semter como se guiar por uma regra. Para concluir essa explicao, quere-mos esclarecer que concebemos o objeto norma ortogrfica como oconjunto de convenes que fixa as formas sob as quais as palavrasdevem ser grafadas. No usamos a expresso normas ortogrficascomo sinnimo de regras de ortografia, j que a norma em questoinclui tanto casos regulares como irregularidades. Tampouco falamosde sistema ortogrfico, j que entendemos que a ortografia no cons-titui um sistema notacional, como o de escrita alfabtica, mas, sim, umanorma que, respeitando as propriedades daquele, define quais osgrafemas (letras ou dgrafos) devem ser usados.

    Por tratar-se de um objeto de conhecimento de tipo normativo,convencional, prescritivo, defendemos que cabe escola ensin-lo

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  • 18

    sistematicamente, em lugar de deixar que o aluno, entregue a sua pr-pria sorte, com o tempo, venha a descobri-lo ou a aprend-lo sozinho.A fim de planejar esse tipo de ensino, julgamos essencial que os educa-dores avancem em sua compreenso sobre como est organizado oobjeto de conhecimento que ajudaro os alunos a reconstruir.

    A organizao da norma ortogrfica doportugus: regularidades e irregularidades

    Andreza, aluna de uma terceira srie, produziu, no incio do anoletivo, um texto, recontando a fbula O Leo e o Ratinho. Numaprimeira olhadela, sua professora comentou comigo, preocupada, quea aluna estava cometendo muitos erros. Dentre outras infraes norma, a criana havia escrito *magestadi (para majestade) e *bixio(no lugar de bichinho).

    Ao discutir com a mestra, observei, em primeiro lugar, que, doponto de vista da textualidade, a produo da aluna estava bem interes-sante: ela tinha conseguido reescrever todas as principais passagens dafbula, de forma coerente, com um estilo narrativo prprio daquele gne-ro e tinha concludo o texto com a velha e conhecida moral do mesmo.Tambm comentei que Andreza procurou marcar os dilogos com sinaisde pontuao que so mais freqentes para isso (dois pontos e traves-so), embora nem sempre os usasse de modo convencional.

    Quanto s questes ortogrficas, expliquei que era preciso in-terpretar diferentemente erros como o G e o X (usados para escrevermajestade e bichinho) de outros como o I final usado em majestadeou a ausncia do NH registrada em bichinho. Nos dois primeiroscasos, estavam envolvidas irregularidades, grafias que a criana teriaque memorizar. J nos outros dois (E com som de /i/ em final de pala-vra e o NH), as correspondncias som-grafia tinham regras que aaluna poderia ser ajudada a compreender e internalizar, caso o ensinooferecido pela mestra se planejasse para isso.

    O episdio que acabamos de apresentar parece tambm conteruma moral: para melhor planejarmos o ensino, de modo a nos queixar-mos menos dos alunos e ajud-los a vir a escrever com menos erros,precisamos compreender como funciona a ortografia do portugus.

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    Retomando o que h pouco assinalamos, um primeiro dado aconsiderar que a norma ortogrfica de nossa lngua contm tantoaspectos regulares, isto , que so determinados por certas regras epodem ser aprendidos pela compreenso, como irregularidades, quetemos que memorizar.

    No primeiro caso, entre as opes de letras que poderiam notardeterminado som, a norma define um critrio, um princpio gerativo,que pode ser usado com segurana, quando selecionamos qual letraou dgrafo vamos empregar. Como veremos mais adiante, essas re-gras, que so muitas, podem ser de tipos diferentes e envolvem raci-ocnios distintos. Mas sempre implicam uma compreenso do porque aquela letra e no outra a correta. Alm disso, precisamos verque muitas regras de correspondncia som-grafia so aplicadas deforma universal, permitindo escrever corretamente todas as palavrasda lngua na qual aquela correspondncia ocorre (por exemplo, osusos de R ou RR em palavras como rato, carro, barco, vero, genroe prato). J outras regras se aplicam apenas a alguns casos em quediferentes grafemas disputam a notao de uma seqncia sonora.Isso acontece, por exemplo, quando temos segurana em escreverbeleza e tristeza com Z, porque sabemos que todos os substantivosque terminam em /eza/ e que so derivados de adjetivos se escrevemcom aquela letra. Mas essa informao no serve para resolvermostodas as dvidas quando temos que escrever muitas palavras com osom /z/ (por exemplo, exerccio, mesa, mazela).

    No caso das irregularidades, no h regra ou princpio gerati-vo que se aplique de maneira mais ou menos generalizada ao con-junto de palavras de nossa lngua. Quando os grafemas autorizadospela norma se devem unicamente a questes histricas etimolo-gia da palavra ou tradio de uso , temos que memorizar as for-mas corretas. Ou consultar o dicionrio, no caso de dvidas muitocompreensveis quando temos que escrever palavras menos fre-qentes na escrita diria.

    Antes de discutirmos como esto organizadas as regularidadesde nossa ortografia, julgamos necessrio fazer alguns comentrios:

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    1 - Quando analisamos as correspondncias letra-som do portu-gus, preciso tratarmos separadamente o que so regrasde leitura e regras de ortografia, sobretudo se considera-mos aprendizes principiantes. No portugus, como na maio-ria das lnguas com escrita alfabtica, existem muito mais re-gras sobre os valores sonoros que as letras podem assumirna leitura das palavras que regras que ajudem o usurio aescrever as mesmas palavras corretamente. Assim, para umaluno principiante muito mais fcil pronunciar corretamen-te o G da palavra girafa, quando a l em voz alta, que escre-ver aquela palavra corretamente, sem ter um modelo memori-zado. Isto , para decidir quanto ao emprego de G ou J naquelaocasio, no existiria outra opo alm da memorizao ouconsulta ao dicionrio (ou a algum que sabe mais, etc.).

    2 - Para mapear o que regular e o que irregular na ortografiade uma lngua, necessrio ter como referncia a pronnciade determinado grupo sociocultural. Historicamente, por ra-zes de ordem poltica e ideolgica, foram as formas de pro-nncia dos grupos dominantes, mais letrados, que servi-ram de base para definir o que regular nas relaes entresons e grafias. Na classificao de regularidades e irregulari-dades que apresentaremos em seguida, tomamos como refe-rncia a pronncia culta de pessoas que vivem em Recife,o que tem duas implicaes. Por um lado, preciso ver queindivduos de outros grupos socioculturais vivero dvidasprprias, quando suas formas de pronunciar so diferentes.Assim, para quem pronuncia /basora/ para vassoura ou /krasi/ para classe, existem dificuldades adicionais, que preci-samos levar em conta, especialmente quando atuamos nasredes pblicas de ensino. Por outro lado, em diferentes regi-es, sempre haver dificuldades especficas, decorrentes dedetalhes das formas de pronncia adotadas em cada local.Conseqentemente, a classificao que apresentaremos agorapoder exigir alguns ajustes, em funo da comunidade ondevivem alunos e seus professores.

    Consideremos, afinal, os diferentes tipos de regularidade e irre-gularidade de nossa ortografia.

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    Regularidades diretas:Nas palavras pote, fivela e bode, a notao dos sons /p/, /b/, /t,

    /d/, /f/ e /v/ no constitui problema para a maioria dos aprendizes.Como apenas os grafemas P, B, T, D, F e V podem notar aqueles sons,no existe competio com outras letras ou dgrafos. Nesses casosde regularidade direta, a notao escrita funciona seguindo as res-tries do prprio sistema de escrita alfabtica do portugus, semque outros critrios sejam acrescentados.

    Alm das seis consoantes j citadas, inclumos tambm nessegrupo a notao dos sons /m/ e /n/ em incio de slaba. Isto , paraescrever o incio de palavras como martelo e navio, tambm nodispomos de outros grafemas em nossa lngua, alm do M e do N. Emnossa experincia, vemos que, quando os aprendizes iniciantes seconfundem com uma das duas letras, ao notar o incio de slabas emque so necessrias, trata-se muito mais de uma questo relativa aonmero de perninhas que precisam pr no papel.

    Regularidades contextuais:As regras que, desde os anos 1980, passamos a chamar de con-

    textuais (CARRAHER, 1985; LEMLE, 1986) implicam levar em contaa posio da correspondncia fonogrfica na palavra, a fim de decidirqual letra a correta. Enfatizamos que no se trata de considerar ocontexto de significao, mas, sim, de observar:

    a) os grafemas que antecedem ou aparecem aps a correspon-dncia fonogrfica em questo. Isso ocorre, por exemplo, quan-do aprendemos por que campo se escreve com M e canto seescreve com N;

    b) a posio em que a correspondncia fonogrfica ocorre noconjunto da palavra (por exemplo, para escrever zebra ouqualquer outra palavra comeada com o som /z/, temos queusar a letra Z);

    c) a tonicidade da correspondncia som-grafia no conjunto dapalavra (por exemplo, saci e caqui se escrevem com I no final,por que ento o som /i/ forte, enquanto gente e pote seescrevem com E, por que seus sons /i/ finais so tonos).

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    No QUADRO 1, sintetizamos as principais regularidades de tipocontextual de nossa norma ortogrfica.

    QUADRO 1Principais regularidades contextuais do portugus

    z Os empregos de C e QU em palavras como quero, quiabo e coisa.z Os empregos de G e GU em palavras como guerra, guitarra e gato.z Os empregos de Z do incio de palavras comeadas com o som /z/,

    como zabumba, zebra, zinco, zorra e zumbido.z O emprego de S em slabas de incio de palavra em que essa letra segue os

    sons /a/, /o/ e /u/ ou suas formas nasais (como em sapo, santa, soco,sono, surra e suntuoso).

    z O emprego de J em slabas em qualquer posio da palavra em que essaletra segue os sons /a/, /o/ e /u/ ou suas formas nasais (como em jaca,caj, carij, juzo e caju).

    z Os empregos de R e RR em palavras como rei, porta, carro, honra,prato e careca.

    z Os empregos de U notando o som /u/ em slaba tnica em qualquerposio da palavra e de O notando o mesmo som em slaba tona final(ex: lcera, lua, bambu e bambo).

    z Os empregos de I notando o som /i/ em slaba tnica em qualquer posioda palavra e de E notando o mesmo som em slaba tona final (ex: fgado,bico, caqui e caque).

    z Os empregos de M e N nasalizando final de slabas em palavras comocanto e canto.

    z Os empregos de A, E, I, O e U em slabas nasalizadas, que antecedemslabas comeadas por M e N (como em cana, remo, rima, como e duna).

    z Os empregos de O, e EM em substantivos e adjetivos terminandoem /u/, // e /ey/ como feijo, folgazo, l, s, jovem e ontem.

    Depois de ter compreendido como funciona o alfabeto e de teraprendido a maioria dos valores sonoros que a as letras podem assu-mir em nossa escrita, os alunos recm-alfabetizados tendem a revelarmuitas dvidas sobre questes ortogrficas que envolvem as regrascontextuais listadas acima. Defendemos, ento, o ensino sistemticode todas aquelas regras durante as sries iniciais, a fim de evitar um

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    quadro que consideramos preocupante: parece-nos que, geralmente,a escola tem priorizado o ensino de pouqussimas regularidades des-se tipo, dedicando maior ateno apenas aos usos do M ou N em finalde slaba, ou aos empregos do R ou RR.

    Regularidades morfossintticas1:Este ltimo grupo de regras de nossa ortografia exige que os

    aprendizes analisem unidades maiores (morfemas) no interior daspalavras, prestando ateno a caractersticas gramaticais das mes-mas palavras. A partir da internalizao dos princpios gerativos (re-gras) que estamos agora enfocando, podemos grafar com segurana,por exemplo, todos os adjetivos ptrios terminados com a seqnciasonora /eza/, mesmo aqueles que raramente vemos escritos (comobalinesa e javanesa) ou os substantivos terminados com o mesmosom, mas derivados de adjetivos (como avareza e presteza). De modosemelhante, se percebemos que o verbo de determinada orao apa-rece numa flexo do passado e no plural, temos certeza de que seescrever com AM no final (por exemplo, na orao Na semana pas-sada os prefeitos forjicaram novos planos de atuao).

    A ttulo de exemplo, registramos no QUADRO 2 algumas dasprincipais regras morfossintticas de nossa norma ortogrfica.

    QUADRO 2Exemplos de regularidades morfossintticas do portugus

    FLEXES VERBAISz O emprego de R nas formas verbais do infinitivo que tendemos a no

    pronunciar (cantar, comer e dormir).z O emprego de U nas flexes verbais do passado perfeito do indicativo

    (cantou, comeu e dormiu).z O emprego de O nas flexes verbais do futuro do presente do indica-

    tivo (cantaro, comero e dormiro).z O empregos de AM nas flexes verbais do passado ou do presente

    pronunciadas /w/ tono (sejam, cantam, cantavam, cantariam).

    1 Noutros textos, usamos o termo regras morfolgicas ou morfolgico-gramaticais para nos referirmos a esse mesmo tipo de regularidades.

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    z O emprego de D nas flexes de gerndio que, em muitas regies, tende ano ser pronunciado (como em cantando, comendo e dormindo).

    z Os empregos de SS nas flexes no imperfeito do subjuntivo (cantasse,comesse, dormisse).

    PALAVRAS FORMADAS POR DERIVAO LEXICALz O emprego de L em coletivos terminados em /aw/ e adjetivos terminados

    em /aw/, /ew/, /iw/ (como milharal, colegial, possvel, sutil).z O emprego de S e ESA em adjetivos ptrios e relativos a ttulos de

    nobreza (portugus, portuguesa, marqus, marquesa).z O emprego de EZ em substantivos derivados como rapidez e surdez.z O emprego de OSO em adjetivos como gostoso e carinhoso.

    z O emprego de ICE no final de substantivos como chatice e doidice.

    Essas regularidades de tipo morfossinttico envolvem, portanto,morfemas que aparecem na formao de palavras por derivao lexi-cal (e a as letras que so regradas se encontram, geralmente, no interi-or de sufixos) e nas desinncias de certas flexes verbais. Se os sufixosdo primeiro grupo so muitos e podem ser aprendidos ao longo de todoo ensino fundamental, cremos que as regras envolvidas na notao dealgumas flexes verbais como as que aparecem no quadro acima precisam ser sistematicamente estudadas nas sries iniciais, j que ocor-rem com muita freqncia nos textos produzidos pelos alunos.

    Irregularidades

    Se vimos, at aqui, que a ortografia de nossa lngua tem muitssi-mos casos definidos por regras, que, uma vez compreendidas, nospermitem gerar com segurana a notao de correspondncias fono-grficas em palavras para ns desconhecidas, preciso reconhecerque h tambm inmeros casos de irregularidades. Como dito antes,essas correspondncias som-grafia, que no podem ser explicadas porregras, foram assim fixadas porque se levou em conta a etimologia daspalavras (as letras com que eram notadas em suas lnguas de origem)ou porque, ao longo da histria, determinada tradio de uso setornou convencional. No QUADRO 3, a ttulo de exemplo, listamosapenas algumas das mais freqentes dificuldades ortogrficas queenvolvem irregularidades em nossa lngua.

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    QUADRO 3Principais irregularidades do portugus

    z a notao do som /s/ com S, C, Z, SS, X, , XC, SC, S e S: porexemplo, em seguro, cidade, assistir, auxlio, aude, exceto, piscina,cresa, exsudar.

    z a notao do som /z/ com Z, S e X (gozado, casa, exame).

    z a notao do som /S/ com X, CH ou Z (xale, chal, rapaz).

    z a notao do som /g/ com J ou G (gelo, jil).

    z a notao do som / / com L ou LH em palavras como famlia e toalha.z a notao do som /i/ com I ou E em posio tona no-final (cigarro,

    seguro).

    z a notao do som /u/ com U ou O em posio tona no-final (buraco,bonito).

    z o emprego do H em incio de palavra (harpa, hoje, humano)

    Como o leitor ter percebido, optamos por no incluir casos queremetem a variaes na pronncia de certas palavras, mesmo entrefalantes letrados que adotam dialetos cultos. o que ocorre na nota-o dos ditongos de palavras como caixa e peixe, cujos sons /i/ nemsempre pronunciamos.

    Julgamos, enfim, que uma coisa precisa ficar clara: impossvelno ter dvidas sobre a ortografia de palavras raras, que pouco lemose escrevemos, e que contm correspondncias letra-som de tipo irre-gular. Assim, precisamos entender que o aprendiz iniciante inevita-velmente cometer erros desse tipo ao escrever, ainda mais porquepara ele muito do que estar escrevendo pura novidade. Ns,adultos letrados, dispomos de um amplo lxico mental, um verdadei-ro dicionrio em nossa mente, no qual as palavras aparecem isoladasumas das outras, como verbetes escritos. Para quem est aprenden-do a escrever, diferentemente, na hora de notar a seqncia sonora /kasamarela/, ser preciso compreender que ali existem duas palavrase, provavelmente, gerar a grafia delas sem poder recorrer a algo jregistrado no tal lxico mental.

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    Concluindo...

    Defendemos, ao longo das sees anteriores, que a ortografia uma conveno, uma inveno histrica necessria para suprir limita-es da notao alfabtica e que constitui em si um objeto de conhe-cimento, o que, em nossa concepo, exige que seja ensinada demodo sistemtico na escola.

    Para desenvolver um ensino de tipo reflexivo, julgamos neces-srio que o professor saiba identificar as regularidades e os casosirregulares de nossa norma, de modo a poder planejar atividades eseqncias didticas diferentes: mais adequadas compreenso edescoberta de regras ou mais adequadas memorizao. Em ambosos casos, porm, parece-nos essencial que o aprendiz seja ajudado atomar conscincia das peculiaridades do objeto que est aprenden-do. Isto , que ele seja levado a dar-se conta tanto da existncia dasregularidades como da ausncia delas.

    Por fim, como poderemos discutir nos captulos seguintes, en-tendemos que um ensino de tipo reflexivo precisa garantir no s odesenvolvimento, nos aprendizes, de uma atitude positiva ante abusca do escrever corretamente, como assegurar o direito a ler e aescrever com prazer.

    Referncias

    BLANCHE-BENVENISTE; C.; CHERVEL, A. LOrtographe. Paris: Mas-pero, 1974.

    CARRAHER, T. N. Exploraes psicolgicas sobre o desenvolvimento daortografia em portugus. Psicologia: teoria e pesquisa. Braslia: n. 4, p.269-285, 1985.

    LEMLE, M. Guia terico do alfabetizador. So Paulo: tica, 1986.

    MORAIS, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. So Paulo: tica, 1998.

    MORAIS, A. G. Ortografia: o que temos descoberto sobre este objeto deconhecimento? O que preciso ainda investigar? Educao em Revista.Belo Horizonte: v. 1, n. 31, p. 153-169, 2000.

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    MORAIS, A G.; BIRUEL, A. M. Como os professores das sries iniciaisconcebem e praticam o ensino da ortografia. In: Encontro Nacional de Did-tica e Prtica de Ensino, 9. Anais, guas de Lindia, 1998.

    SILVA, A. Pontuao e gneros textuais: uma anlise das produes escritas dealunos da escola pblica. In: Reunio Anual da Associao Nacional Ps-Gradu-ao e Pesquisa em Educao, 27. Anais, Caxambu: ANPEd, 2004 (CD-Rom).

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    O aprendizadoda norma ortogrfica

    Lcia Lins Browne Rego

    Um pouco de histria...

    Foi no sculo passado, a partir da dcada de oitenta, que teveincio no Brasil a divulgao de resultados de pesquisa que passarama ter papel decisivo nas mudanas que se fazem necessrias para amelhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem da ln-gua escrita. Esses estudos se situam na rea da psicologia cognitivae, mais particularmente, da psicolingstica e tm como principal refe-rencial as teorias de Piaget, Chomsky e, posteriormente, Vigotsky.

    Com base nos resultados das pesquisas que, a partir daquelemomento, passaram a se tornar conhecidas nos meios educacionais,passou-se a questionar prticas pedaggicas que partem do princ-pio de que a aprendizagem da lngua escrita acontece de forma cumu-lativa, competindo ao aluno memorizar e reproduzir nos testes deavaliao os contedos ensinados, demonstrando assim se eles fo-ram aprendidos. Nessa abordagem tradicional de natureza compor-tamentalista, os erros produzidos pelos alunos no constituem objeto

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    de interpretao nem de reflexo por parte do professor, sendo, por-tanto, desconsiderados no seu planejamento pedaggico.

    De acordo com a nova concepo de aprendizagem da lnguaescrita, que tinha como uma das suas principais referncias a psico-gnese da lngua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986), os errosconstrutivos cometidos pelo aluno revelam a sua participao ativano processo de aprendizagem.

    A aprendizagem, portanto, acontece atravs de sucessivas apro-ximaes e demanda intervenes pedaggicas atentas ao processode construo do objeto de conhecimento por parte do aluno e, aomesmo tempo, capazes de faz-lo evoluir e efetivamente aprender.

    Neste captulo, haveremos de nos ocupar de alguns dos estu-dos que, com base no enfoque construtivista da aprendizagem, vmse preocupando em contribuir de forma especfica para a melhoria doprocesso de aprendizagem da norma ortogrfica do portugus, propi-ciando aos professores conhecimentos importantes sobre como ascrianas se apropriam da norma ortogrfica e que fatores contribuempara facilitar a sua aprendizagem.

    O que nos dizem os erros ortogrficos do aluno?

    No captulo anterior, vimos que a norma ortogrfica uma con-veno dotada de regularidades que refletem diferentes nveis deanlise da lngua e de irregularidades, formas arbitrrias, que depen-dem de memorizaes especficas. Vimos tambm que a norma orto-grfica se constitui num objeto de conhecimento que precisa ser en-sinado na escola de forma reflexiva. Para tal o professor necessita nos de se apropriar das caractersticas desse objeto de conhecimento,como de reconhecer nos erros dos alunos a sua tentativa de compre-ender o funcionamento da nossa ortografia.

    Carraher (1985) nos mostrou, de forma inovadora e pioneira, queos erros ortogrficos dos alunos que freqentavam as sries iniciaisdo ensino fundamental no so aleatrios, podendo, na sua maioria,ser interpretados, levando-se em considerao a natureza do nossosistema de escrita e as convenes que regem a norma ortogrficacom suas regularidades e irregularidades.

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    Os erros revelam as dificuldades e as solues criadas pelos alu-nos para escrever palavras com cujas grafias no esto familiarizados epodem funcionar como pistas para intervenes didticas diferencia-das que levem os alunos a refletir sobre as convenes ortogrficas.

    Observemos, por exemplo, a histria abaixo, escrita por uma cri-ana recm-alfabetizada:

    Escrita da CrianaEra uma ves um coelho muitogoloso udia eli foi navega a o barcovirou a eli siafogou a o o tubaro comeu elia eli falou aci muito escuroa o coelho fis cosica na guela deli a eli fico livre

    Nesse texto, so abundantes os erros que consistem no queCarraher classificou como transcries de fala como eli para ele,deli para dele , fis para fez e cosica para ccegas. No mesmotexto, a criana demonstra ter percebido que o som /u/ tono no finalde palavras se escreve com o como em coelho, escuro e mui-to, e produz, com base nessa regra contextual, um erro de supercor-reo, como o caso de goloso para guloso, em que o o utiliza-do equivocadamente para representar o som /u/.

    curioso tambm observar que a utilizao dessa regra em nadaajudou a criana a abrir mo da transcrio de fala em palavras freqen-tes, como deli e eli, cujo som final /i/ tono segue a regra de contexto,segundo a qual no final de palavras esse som grafado com a letra e.Vemos assim que a transcrio de fala muitas vezes decorre do fato de oaluno no ter se apropriado de uma regra de contexto. Outro exemplotpico de no apropriao das regras de contexto a regularizao dosom /k/, que grafado corretamente com c em barco, coelho, masincorretamente em aci para aqui, contexto especfico do dgrafo qu.

    Portanto, a aquisio das regras contextuais se impe comoum dos grandes desafios na apropriao da norma ortogrfica dalngua portuguesa, e os erros por ignor-las so bastante freqen-tes. Ao grafar serote (serrote) com apenas um r e gitarra(guitarra) com g, o aprendiz estaria desconsiderando, respectivamen-te, os contextos dos dgrafos rr e gu. Muitas vezes, o erro decontexto vem em outra direo e d margem a grafias como rrolha,

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    em que o dgrafo rr foi deslocado de posio. Em ambos os casos, o desconhecimento da regra de contexto que determina o uso dorr que est subjacente ao erro produzido. Esses erros so freqen-tes porque muitas so as regras contextuais na nossa ortografia, e oensino no tem facilitado a sua aquisio, uma vez que a memorizaoda regra ou de um conjunto de palavras que ilustrem a regra no sosuficientes para assegurar o uso gerativo dela.

    O texto abaixo um bom exemplo do quanto difcil para os alunosa utilizao correta dos marcadores de nasalizao nos contextos de usodo m e do n e de como podem ser criativas as solues encontradas.Erros como emcomtrou, honmen, homen e predeu retratam mui-to bem as vrias alternativas exploradas pela criana que vo desde asimples ausncia do marcador de nasalizao como em predeu at utilizao inadequada, como em emcomtrou, e marcao desneces-sria como em honmen, em que o n refora a nasalizao da vogalo, cujo som nasal decorre da presena do m na slaba seguinte.

    Escrita da CrianaUm dia o homen aranha foi para um logar ele se emcomtroucom um homen que quiria matar o honmen aranha ai como ohomen aranha sabia que ele queria matar ele ele saiu de lar iemcomtrou um ladro a ele jogou a teia a predeu u ladro.

    Embora a marcao da nasalizao envolva um conjunto de re-gras de contexto bastante previsveis, permanecem como fonte dedificuldade para algumas crianas mesmo em sries posteriores, comofoi observado por Rego e Buarque (1996) e por Cavalcanti (2000),demandando prticas pedaggicas mais compatveis com o cartergerativo das regras e a participao ativa de um aluno pensante.

    Por outro lado, muitos erros de supercorreo so decorrentesda no-apropriao de regras morfossintticas. No texto abaixo, te-mos a ocorrncia desse tipo de erro.

    Escrita da Criana

    A menina bonitaEra uma vez uma menina que ela foi passear na floresta ai elateve medo a a menina resolveu ir para casa a ela no sabia o

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    caminho de casa a ela choroo muito a ela gretou mame,mame, a mamm pensou que era outra pesoa e dormio a elafoi procorar ela a elas viveram para sempre.

    A criana escreve a terceira pessoa singular do passado dosverbos fazendo um erro de supercorreo, colocando o o no lugardo u, escrevendo choroo e dormio. A apropriao de umaregra morfossinttica eliminaria esse tipo de erro que , particular-mente, mais difcil, quando se trata do ditongo /iw/ nas terceiraspessoas do passado dos verbos da terceira conjugao. Conformesalientam Rego e Buarque (1999), a dificuldade decorre da presenadesse mesmo ditongo em palavras pertencentes a outras classes gra-maticais quando ele grafado ora com io (navio) ora com il (fu-nil). Nesses casos, a anlise fonolgica insuficiente, induzindo aerros freqentes no verbo, quando no se considera a regra morfos-sinttica.

    Mas a tarefa de aprender a norma ortogrfica no se esgota coma apropriao das regras de contexto e das regras morfossintticas.

    No texto acima, ao escrever pensou com s e passear comss, a criana demonstra ter conhecimento da grafia especfica des-sas palavras, uma vez que nesses contextos a norma ortogrfica emprincpio admite outras possibilidades de representao como o ,no caso de palavras como pensou, bno, e o sc ou o prprioc, no caso de palavras como passear, nascer e tecer. Esta-mos aqui no terreno das irregularidades ortogrficas.

    A opo pela grafia correta resultou, portanto, de maior familia-ridade com a palavra, visto que, do ponto de vista da norma ortogr-fica, a opo por uma das representaes possveis no segue umaregra. Ainda no referido texto, interessante observar como o contex-to intervoclico, por exemplo, problemtico para a criana, j que elaescreve pesoa em vez de pessoa, demonstrando que no dominaas possibilidades grficas adequadas ao contexto do som /s/ entrevogais.

    No entanto, mesmo no terreno das chamadas irregularidades or-togrficas, o significado pode ser fator diferenciador ou homogeneiza-dor de grafias, como nos mostram Guimares e Roazzi (1999). Se acriana escreveu pensou com s, no deveria, hipoteticamente,

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    errar em palavras como pensamento e pensante. Entretanto, esseprincpio gerativo apoiado pela conexo entre a grafia das palavras e oseu radical semntico no foi utilizado por muitos dos alunos que parti-ciparam do estudo efetuado pelos autores acima citados.

    Podemos, portanto, com base na anlise dos erros produzidospelas crianas, observar que, embora esses erros no sejam aleatrios,como afirmou Carraher (1985), eles no podem, como bem salientouNunes (1990), caracterizar estgios ou nveis de desenvolvimento,uma vez que hipteses aparentemente conflitantes podem ocorrer naproduo escrita de uma mesma criana simultaneamente: erros detranscrio de fala e erros de supercorreo, ausncia e presena denasalizao com erros de supercorreo.

    A complexidade envolvida na aquisio das regras de contexto edas regras morfossintticas sugeriu a necessidade de estudos dirigi-dos para essas aquisies, a fim de que pudssemos compreender ecaracterizar melhor a apropriao da norma ortogrfica pelo aprendiz.

    O domnio das regras decontexto e morfossintticas

    Embora a anlise dos erros ortogrficos produzidos pelas cri-anas nos d importantes pistas acerca dos obstculos enfrenta-dos e das solues criadas por elas no processo de apropriao danorma ortogrfica do portugus, essa ferramenta de diagnsticotem suas limitaes.

    Para criar intervenes pedaggicas mais focadas que te-nham por objetivo a apropriao das regras de contexto e dasmorfossintticas pelos alunos, o professor necessita de instru-mentos de diagnstico mais especficos que permitam discernir asregras que ainda no foram apropriadas (cf. MORAIS, captulo 3,nesta coletnea), uma vez que o domnio das regras de contexto emorfossintticas um elemento chave na apropriao mais efetivada norma ortogrfica pelo aluno.

    Um dos primeiros estudos direcionados para a aquisio de algu-mas regras de contexto e morfossintticas especficas foi produzidopor Nunes (1992). Essa autora investigou a aquisio da representao

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    dos sons /i/ e /u/ no final das palavras, os quais se escrevem com asletras e e o quando so tonos, como nas palavras peixe epato, e com as letras ie u quando so tnicos, como nas pala-vras siri e peru. Alm dessas regras, foi investigada a aquisioda representao do ditongo nasal /w/, que, quando tono, marca aterceira pessoa do plural do presente e do passado dos verbos e seescreve am, e, quando tnico, se escreve o. Os estmulos utili-zados foram palavras inventadas inseridas no contexto de uma hist-ria (ex: Renco, Zave, Tuno, gitanu, janecaram). Alunos de 1a a 8a

    sries do ensino fundamental foram solicitados a ler e a escreveressas palavras apresentadas no contexto da histria.

    O aluno era informado de que se tratava de uma histria sobreuma vaca que vivia em outro planeta onde os animais, os objetos e asatividades recebiam nomes estranhos (as palavras inventadas permi-tem verificar se a criana capaz de usar um princpio ortogrfico gera-tivamente, uma vez que so palavras que a criana nunca viu). Osalunos no s leram o texto como escreveram as palavras inventadas.

    Os resultados obtidos por Nunes indicaram que regras investi-gadas, mesmo as de nvel de complexidade semelhante, como a darepresentao dos sons /u/ e /i/ no final das palavras, no so adqui-ridas simultaneamente, havendo uma defasagem, indicando que arepresentao adequada do som /u/ antecede a do som /i/, tanto naleitura quanto na escrita. Alm disso, todas as regras so dominadasprimeiro na leitura do que na escrita.

    O estudo de Nunes traz a importante concluso de que os resul-tados obtidos no apiam modelos de desenvolvimento da ortogra-fia que propem um estgio no qual ocorre a aquisio das regrascontextuais e das regras morfossintticas, visto que uma regra podeser utilizada gerativamente na leitura e no na escrita, assim comoregras de complexidade semelhante podem ser adquiridas em momen-tos diferentes de escolaridade.

    Esse estudo estabeleceu as bases para uma linha de investiga-o que vem descrevendo a apropriao das regras de contexto emorfossintticas pelo aprendiz. Para estudar o desenvolvimento daortografia com base nessa perspectiva, teramos que transformar cadaregra num alvo de investigao, tanto na leitura quanto na escrita,

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    no s para saber quais as regras de contexto e morfossintticas queso mais facilmente adquiridas pelas crianas, como para identificaras hipteses que antecedem tal compreenso.

    Um dos primeiros estudos a explorar essa possibilidade, desen-volvendo uma metodologia especfica para tal, foi produzido porMonteiro (1995) numa investigao de natureza transversal, envol-vendo crianas da alfabetizao quarta srie de escolas particula-res, com o objetivo de verificar a aquisio de algumas regras decontexto tanto na leitura quanto na escrita.

    As regras estudadas foram a representao dos sons /s/ e /z/intervoclico, como em massa e casa ; dos sons /R/ e /r/ intervoc-licos, como em carro e caro; dos sons /g/ e /j/ diante de /e/ e /i/,como em guerrae gelo, e dos sons /s/ e /k/ diante de e e de i,como em cenoura e queda. Nesse estudo, foram utilizadas pala-vras reais e palavras inventadas, que continham no s os referidossons no contexto especfico em que a regra ortogrfica se aplica,como tambm em outros contextos para efeito de controle. A introdu-o das chamadas palavras reais e palavras inventadas teve por obje-tivo verificar se a criana, de fato, utiliza-se da regra de contexto,pois se, por exemplo, uma criana utiliza as representaes apro-priadas para o /s/ intervoclico, como ss ou , mas usa tambmessas letras para representar o som /s/ em posio inicial, escrevendossaco ou aco, no podemos dizer que conhece os contextos deuso do e do ss, mas, sim, que apenas j admite que o som /s/pode ter mais de uma representao grfica.

    O estudo de Monteiro permitiu vrias constataes. Em pri-meiro lugar, os resultados sugerem que, para cada regra, existe umaevoluo especfica tanto para a leitura como para a escrita. Entre omomento em que a criana ignora totalmente a existncia de umaambigidade de representao, como, por exemplo, o fato de que aletra s pode representar o som z, at o momento em que demons-tra ter atingido a compreenso de como essa regra de contexto funci-ona, h uma fase em que ela explora vrias possibilidades no autori-zadas pela ortografia do portugus, como, por exemplo, empregar os para representar o som /z/ no incio da palavra, escrevendo se-bra para zebra. Esse tipo de generalizao foi constatada em todasas regras investigadas nesse estudo.

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    Em segundo lugar, em todas as regras, as crianas tiveram de-sempenho significativamente inferior na escrita e na leitura de pala-vras inventadas, sobretudo nas sries mais avanadas, o que de-monstra que a ortografia no est sendo adquirida de forma gerativa,mas, sim, atravs da memorizao de palavras familiares. O ensinocontribui para sobrecarregar a memria, e no para estimular a com-preenso de como funciona a escrita. Se a criana entende, por exem-plo, que o rr s pode ser utilizado entre duas vogais para represen-tar o som /R/, ela no deveria errar nas palavras inventadas.

    Finalmente, o estudo confirmou os achados de Nunes (1992) deque as aquisies na leitura precedem s aquisies na escrita.

    O estudo de Monteiro foi ampliado e aprofundado por Regoe Buarque (1996). Essas autoras fizeram uso de uma metodologialongitudinal e transversal, acompanhando durante o ano escolar aevoluo do conhecimento ortogrfico de um grupo de 38 alunosdas 1a e 3a sries de uma escola particular e de 41 alunos de uma 2ae 4a sries de uma escola pblica.

    O instrumento utilizado para aferir o progresso das crianas naaquisio das regras investigadas foi um ditado de palavras e depalavras inventadas inseridas no contexto de uma frase, aplicado noincio e no final do ano letivo.

    Essa investigao focou na escrita e abrangeu tanto regras decontexto:

    Representao das unidades sonoras / z /, / s /, / R / na posiointervoclica, como em: casa, sossegado, carro.Representao da unidade sonora / k / e /g/ diante das vogais e/i,como em: queimou, periquito, guitarrista e cegueira.Representao da unidade sonora // em slabas iniciais, mediais efinais, como em: zangou, jambo, ma.Representao das vogais nasais diante de p e b.

    Como regras morfossintticas:Representao do morfema indicativo do passado do verbo deprimeira conjugao, representado graficamente pelo ditongoou, e do morfema derivacional or, que na pronncia local

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    sofrem uma reduo e correspondem unidade sonora / o /,como em: perguntou, caador.Representao do morfema indicativo do passado do verbo deterceira conjugao, representado graficamente pelo ditongoiu, que na pronncia corresponde unidade sonora / iw /, aqual representada por io e il no substantivo, como em:repartiu, fugiu, barril e pavio.Uso da nasalizao final para representao do som /w/ comam tono, representando o passado dos verbos, e com otnico, representando os substantivos oxtonos masculinos,como em: desonram, requeijo.

    A criana foi considerada usuria de uma regra contextual oumorfossinttica quando demonstrava, na sua escrita de palavras e depalavras inventadas, o pleno domnio do uso da regra, seja no contextoalvo (ex. guitarrista, corredor), seja nos contextos controle (ex. ra-queto, regime, garimpam, guarajuba, honra e genro), demonstran-do, como no exemplo transcrito abaixo, que j tem o domnio adequa-do do uso do dgrafo rr:

    Escrita de palavras:raqueto guitarrista garimpo onraregime corredor garajuba genroEscrita de palavras inventadas:rajo parregou guirompa guenrarugip gerrio carim jonra

    Os resultados do estudo mostraram, semelhana dos estudosanteriores, que as regras de contexto e morfossintticas investigadasno foram adquiridas simultaneamente, e que algumas so adquiridasmais facilmente que outras. De todas as regras investigadas, apenasos dgrafos gu e qu e a desinncia verbal ou foram apropriadaspor mais de 50% dos alunos de 3a srie da escola particular e de 4a

    srie da escola pblica. Essas regras, embora tenham se apresentadocomo as de mais fcil apropriao, no foram dominadas gerativa-

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    mente por todos os alunos. A mdia do quantitativo de regras adqui-ridas pelo grupo de alunos da escola particular foi de 2,6, enquanto napblica foi de 1,9. Apenas 4 alunos da escola particular e um aluno daescola pblica apresentaram quantitativo de acertos equivalente a maisde 50% das regras investigadas. De todas as regras investigadas, aapropriao da grafia correta no passado dos verbos de 3a conju-gao, o ditongo iu, foi a mais difcil, no tendo sido plena-mente dominada por nenhuma criana.

    Portanto, os resultados de Rego e Buarque (1996) sugerem queo domnio gerativo de muitas regras contextuais e morfossintticaspermanece bastante problemtico at a 4a srie, refletindo formas deensinar que se apiam sobretudo na memorizao de palavras ou deregras e que tm se revelado pouco eficaz para a apropriao danorma ortogrfica por parte da maioria dos alunos, principalmentedaqueles oriundos das camadas sociais menos favorecidas.

    Estudos explicativos das diferenas individuaisna apropriao da norma ortogrfica

    papel da escola promover a eqidade dentro da diversidade,organizando situaes de aprendizagem mais eficazes para que amaioria dos alunos aprendam. Os estudos explicativos dos fatoresassociados ao bom desempenho ortogrfico dos alunos buscam es-tabelecer relaes entre o produto externo observvel, isto , o de-sempenho ortogrfico do aluno, e suas representaes internas, sejaem relao prpria norma ortogrfica, seja em relao aos aspec-tos fonolgicos e morfossintticos da lngua. Os resultados dessesestudos oferecem pistas importantes para o professor criar situaesdidticas mais apropriadas e eficientes.

    Morais (1999) relata estudos efetuados com base no modelode redescrio representacional de Karmiloff Smith e propeque o indivduo reelabora internamente as informaes sobre aortografia que recebe do meio. Segundo o autor, reelaborando asrepresentaes acerca das regularidades e irregularidades da orto-grafia que o aprendiz progride no seu conhecimento da norma orto-grfica. Para testar essa hiptese, foram realizados estudos com

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    crianas brasileiras e espanholas que freqentavam a 2a, a 3a e a 4a

    sries do ensino fundamental em escolas pblicas e privadas.As crianas foram submetidas a trs tipos de tarefa: uma tarefa

    de ditado de um texto cujo objetivo era medir o desempenho orto-grfico externamente observvel; uma tarefa de transgresso inten-cional em que o aluno era solicitado a escrever o mesmo ditado deuma forma que julgasse incorreta, como se fosse um menino estran-geiro (o objetivo da tarefa era verificar como as crianas explicita-vam o seu conhecimento da regra mediante o tipo de erro ortogrfi-co produzido intencionalmente, como, por exemplo, escrevercavalu para cavalo) e uma entrevista clnica na qual a crianadeveria explicitar verbalmente a regra ou princpio ortogrfico quenorteou as transgresses efetuadas.

    Os resultados desse estudo foram bastante interessantes, uma vezque o autor conseguiu demonstrar a relao entre o desempenho orto-grfico e a capacidade para transgredir intencionalmente. Alunos commelhor ortografia no s inventavam mais erros ortogrficos como pro-duziam transgresses em pontos crticos da ortografia, demonstrandoconhecimento da norma ortogrfica, ao escrever, por exemplo, orisontipara horizonte. Alm disso, tambm foram os alunos de melhor desempe-nho ortogrfico que conseguiram explicitar verbalmente, com suas pr-prias palavras, mesmo sem se utilizar de terminologias gramaticais, emque consistia o erro ou transgresso efetuada, como fica evidenciadoneste exemplo extrado de Morais (1999, p. 88) que relata a entrevistaclnica com Prola, uma aluna de 4a srie que produziu o erro intencionalningm para ningum na tarefa de transgresso:

    Examinador: E quando tem que botar GU? Tem uma regra?Prola: Quando se bota GU? Quando tem que ser com U depoisdo G? Por exemplo, quando gue gui. Girafa no pode ser com GU,seno fica guirafa.

    Essa constatao de que o bom desempenho ortogrfico, inde-pendentemente de srie ou classe social, estaria associado a umacapacidade para explicitar a regra ortogrfica atravs do erro intenci-onal e de sua explicitao verbal, gera questes de ordem causalmuito interessantes com implicaes para a prtica pedaggica. O

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    desenvolvimento de uma capacidade para explicitar regras seria umfacilitador do domnio da norma ortogrfica, ou a explicitao seriadecorrncia do domnio da norma ortogrfica?

    Existem algumas evidncias de que um ensino reflexivo da orto-grafia, em que regras e princpios se tornam objeto de investigao nasala de aula, tem impacto altamente positivo na aquisio dessasregras ou princpios pela criana (MELO; REGO, 1998).

    Por outro lado, a compreenso de muitas regras depende deanlises lingsticas mais elaboradas, seja a nvel fonolgico, seja anvel morfossinttico. O desenvolvimento de uma capacidade pararefletir de forma implcita e explcita sobre esses aspectos estruturaisda lngua e sua relao com leitura e escrita tem sido alvo de muitaspesquisas efetuadas a partir da dcada de 70 no sculo passado.

    Isso levou alguns pesquisadores a questionar se o desenvolvi-mento da conscincia fonolgica e morfossinttica poderia ser tam-bm fator facilitador da aprendizagem de regras ortogrficas. sEstahiptese foi testada por dois tipos de estudo: estudos longitudinaisem que as habilidades metalingsticas dos alunos foram avaliadasantes de eles se apropriarem das regras ortogrficas e, posterior-mente, relacionadas ao seu desempenho ortogrfico, e estudo de inter-veno, no qual se buscou verificar se a estimulao da conscinciagramatical tinha impacto positivo na aquisio de regras ortogrficasespecficas.

    Rego e Buarque (1997) pr-testaram a conscincia fonolgica e aconscincia gramatical de um grupo de 46 alunos que estavam ingres-sando na 1a srie do ensino fundamental, utilizando-se de tarefas desubtrao de fonema, de correo de frases desordenadas e de catego-rizao de palavras. No final da 1a srie e no final da 2a srie, essemesmo grupo de alunos foi submetido a um ditado de palavras e pseu-dopalavras que avaliaram a aquisio das regras de contexto e dasregras morfossintticas j exemplificadas neste captulo. Os resultadosobtidos pelas autoras evidenciaram que a conscincia fonolgica temimpacto especfico na aquisio de regras de contexto, enquanto que aconscincia gramatical dos alunos fator facilitador especfico do de-senvolvimento das regras morfossintticas.

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    A relao entre o desenvolvimento da conscincia gramatical e aaquisio de regras ortogrficas que envolvem esse tipo de anlise foiposteriormente consolidada num estudo efetuado por Melo (2002). Nele,crianas em classes de alfabetizao de escolas com orientao metodo-lgica distinta (tradicional e construtivista) foram submetidas a ativida-des de estmulo ao desenvolvimento da conscincia gramatical duranteo ano letivo da alfabetizao. No final da alfabetizao, os alunos dasclasses em que houve a interveno pedaggica foram comparados aosde outras classes das mesmas escolas em que no houve a interveno.As crianas das classes em que houve a interveno no s tiveramdesempenho significativamente superior em tarefas que avaliaram a cons-cincia gramatical, como apresentaram melhor desempenho quanto aquisio de regras morfossintticas avaliadas por tarefas semelhan-tes s utilizadas por Rego e Buarque (1997). O desempenho ortogrfi-co significativamente superior das crianas submetidas intervenopedaggica que estimulou a reflexo sobre a estrutura morfossintticade sentenas foi confirmado numa segunda avaliao, efetuada quan-do essas mesmas crianas j se encontravam nos meados do 1o se-mestre da 1a srie do ensino fundamental.

    Consideraes finais

    No conjunto das evidncias relatadas, foram identificados doisprocessos distintos na aprendizagem da norma ortogrfica. Um pri-meiro, de natureza limitada memorizao especfica de palavras, podeser eficiente na aprendizagem das irregularidades, j que depende, emgrande parte, da freqncia com que o aprendiz exposto grafia dedeterminadas palavras, porm insuficiente para um uso eficaz da nor-ma ortogrfica, considerando-se as mltiplas ocorrncias de regulari-dades simples e complexas na nossa ortografia. Um segundo, de na-tureza gerativa e mais adequado tanto ao aprendizado das relaesgrafofnicas biunvocas como ao conjunto das regras de contexto emorfossintticas, porm, utilizado de forma ainda precria por umquantitativo expressivo de alunos.

    A dificuldade dos alunos em usar as regras ortogrficas deforma gerativa est presente tanto entre os que freqentam a escola

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    pblica quanto os que freqentam a particular. Ficou tambm evidenteque, para acessarmos o uso gerativo das regras pelos alunos, necessi-tamos de monitoramentos especficos, nos quais cada regra se consti-tua em objeto de avaliao, visto que as regras de contexto e morfos-sintticas no so adquiridas simultaneamente, e o seu domnio nemsempre fica evidente com base na anlise dos textos espontneos dosalunos. Utilizar-se de ditados e leituras que contenham palavras reaise palavras inventadas que contemplem tanto o caso alvo como casosem que possam ocorrer generalizaes inadequadas uma ferramentade diagnstico importante para boas intervenes pedaggicas (cf.MORAIS, captulo 3, nesta coletnea).

    Os resultados tambm apontam que, embora o nvel de escola-ridade tenha efeito na aprendizagem da norma ortogrfica, essa nofica assegurada para boa parte dos alunos e que as diferenas indi-viduais so expressivas e associadas a determinados fatores. Entreesses fatores, destacam-se capacidade de explicitao verbal das re-gras ortogrficas e desenvolvimento de maior capacidade de anlisefonolgica e morfossinttica, uma vez que as regras de contexto emorfossintticas implicam esses diferentes nveis de anlise da lngua.

    Como veremos nos prximos captulos, a aprendizagem da orto-grafia um trabalho reflexivo e continuado que requer situaes di-dticas provocativas, capazes de desafiar o aluno para aprender, deforma inteligente, a norma ortogrfica.

    Referncias

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    NUNES, T. Construtivismo e aslfabetizao. Um balano crtico. Educaoem Revista, 12, 1990, p. 21-23.

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    O diagnstico como instrumentopara o planejamento

    do ensino de ortografia

    Artur Gomes de Morais

    Primeiros acordos: para ensinar preciso ter metase partir dos conhecimentos prvios dos alunos

    Vimos que, ao longo da Histria, o ensino de ortografia muitasvezes tendeu a no sistematizar, de forma progressiva, o tratamentodado a cada uma das dificuldades de nossa norma. Dentro de umaperspectiva que priorizava mais a verificao de erros e acertos des-considerando que as regularidades e as irregularidades da norma somuitas, distintas e multifacetadas , havia tendncia a cobrar que oaluno acertasse tudo de uma vez. Por meio de atividades limitadascomo o ditado, tambm existia embutida a idia de ensinar tudo deuma vez. Note-se que, ao fazer os tais ditados, se levava o aluno acopiar todas as palavras que errou, independentemente de ele ter seequivocado quanto notao de casos regulares ou irregulares, ou deas palavras em que os erros apareceram serem raras ou de uso freqen-te. Para complicar a situao, nem sempre se definiam metas quanto aorendimento ortogrfico dos alunos, ao longo da escolaridade bsica.

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    Numa pesquisa que fizemos, h alguns anos, com 65 professo-ras de uma rede pblica de ensino, responsveis por turmas de 2., 3.e 4. sries, observamos que, na maioria das escolas em que trabalha-vam, no existia projeto coletivo quanto ao que ensinar de ortografiaa cada srie, ao longo do ensino fundamental (MORAIS; BIRUEL,1998). Apesar disso, algumas mestras julgavam que a definio demetas era muito importante. Eis o que elas diziam:

    Porque atravs dessas metas o professor poder orientar eacompanhar o desenvolvimento em cada srie, focalizandoos erros mais constantes em sua turma (Ana, professora de4. srie).Porque s poderemos chegar a um fim, com vitrias, se tiver-mos uma meta (Josete, professora de 3. srie).

    Saber aonde se deseja chegar, quer em ortografia quer em outrosdomnios de conhecimento, parece-nos um princpio fundamental paraa organizao de qualquer processo de ensino.

    Ao mesmo tempo, como j indicado nos captulos anteriores,acreditamos que, no caso da norma ortogrfica, para realizar umensino eficaz, preciso levar os alunos a refletir sobre as peculia-ridades dela, planejando as atividades de sala de aula com base noque eles j sabem e no que ainda precisam saber. Partindo dessespressupostos, nosso objetivo, neste captulo, ser discutir comooperacionalizar esta equao: como o professor pode sondar, me-diante instrumentos, os conhecimentos ortogrficos de seus alu-nos, a fim de identificar as principais conquistas e dificuldadespor eles apresentadas e planejar um ensino que atenda s necessi-dades de sua turma.

    Antes de discutir como faz-lo, gostaramos de enfatizar al-guns pontos. Tal como dito nos textos anteriores, a concepo deensino aqui adotada aquela que entende que ensinar forneceruma ajuda ajustada aos aprendizes, para que eles (re)construam seusaber. Como j propunha Ausubel (1979), um ponto de partida fun-damental para promovermos aprendizagem significativa saber oque o aluno j sabe e identificar o que precisa aprender, a fim deformularmos desafios ajustados a sua capacidade de reflexo.

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    Por outro lado, compartilhando o ponto de vista de Silva e Andrade(2005), entendemos que, tambm no caso do ensino de ortografia, osinstrumentos diagnsticos cumprem trs funes: 1) permitem acompa-nhar a evoluo dos alunos, 2) do subsdios para o planejamento deatividades a ser desenvolvidas em sala de aula e 3) constituem objeto deestudo importante na formao continuada dos professores.

    Concebemos que, tal como outras questes em didtica, a ela-borao de instrumentos diagnsticos e seu uso para planejar asatividades do dia-a-dia com os alunos so competncias que, comodocentes, desenvolvemos medida que temos oportunidades parafazer e refletir sobre nossa atuao.

    Com base nessa concepo, queremos enfatizar que as alterna-tivas de instrumentos que apresentaremos a seguir no devem servistas como a soluo nica e definitiva para avaliar o que os alu-nos sabem sobre ortografia. Pelo contrrio, entendemos que, comoprofessores, precisamos permanentemente refazer os instrumentos eo material didtico que adotamos em nossa atuao, sempre tendo emvista nossas prioridades, gostos, crenas...e as possibilidades e ne-cessidades de nossos alunos reais.

    Interpretamos, ainda, que diagnosticar e planejar atividades quepodem ser mais eficazes no domnio da ortografia no um bicho desete cabeas. algo que se aprende, uma competncia profissionalque se consolida gradativamente, no fazer e no refletir sobre as pecu-liaridades (regularidades e irregularidades) da norma e sobre os efei-tos de diferentes tarefas e atividades que colocamos em prtica nasala de aula. As situaes de formao continuada em que podemosdiscutir em grupo com os colegas professores, supervisores, coor-denadores, etc. constituem, portanto, espao privilegiado para so-cializarmos nossas dvidas e descobertas nesse mbito.

    Alguns princpios ao diagnosticarconhecimentos ortogrficos

    Para sondar ou diagnosticar o que nossos alunos j sabem so-bre ortografia, preciso olhar com olhos cuidadosos o que eles

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    revelam ao escrever. Isto , pensamos que, para acompanhar a evo-luo que revelam no domnio da norma, devemos no apenasconstatar o que erram e acertam, mas mapear e registrar seus pro-gressos. E faz-lo de forma peridica. Trataremos, agora, mais de-tidamente, cada um desses princpios.

    MapearQuando falamos em mapear, estamos pensando em um acompa-

    nhamento organizado do que os alunos aprenderam e do que aindaprecisam aprender sobre nossa norma. Isso pressupe que o professoradote um olhar que diferencie as variadas dificuldades ortogrficas eque, diante da produo dos aprendizes, ele se pergunte coisas como:

    z este aluno j domina as regularidades mais simples ou diretas(P, B, T, D, F, V, M em incio de slaba, N em incio de slaba)?;

    z que regras contextuais j dominou e quais precisa ainda inter-nalizar?;

    z quais regras morfossintticas mais freqentes (como as liga-das a certas flexes verbais) ele j dominou e quais precisaaprender?;

    z que palavras de uso freqente, envolvendo irregularidades,esto sendo escritas de modo errado e precisam ser aprendi-das, j que aparecero muitas vezes em seus textos?

    Se nosso intuito ajustar o ensino s necessidades da classe,precisamos ter um retrato (mapeamento) da situao de cada aluno, afim de ver o que so conquistas ou pendncias que atingem a maioriada turma, o que so necessidades de grupos e o que so de alunosespecficos. Esse mapeamento permitir planejar tanto as metas coleti-vas (quais questes ortogrficas sero ensinadas a todos durante oano, o semestre, cada bimestre) como as metas para alunos ou gruposde alunos que ainda no superaram certas dificuldades e que precisamde atendimento diferenciado em relao ao conjunto da turma.

    Ao mapear os conhecimentos dos aprendizes, devemos estaratentos no s aos erros como aos acertos e s oscilaes. Registraros acertos que se repetem por exemplo, as regularidades sobre asquais j no tm mais dvidas ter um fiel atestado das conquistas

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    que realizaram. Registrar os erros recorrentes (por exemplo, certas trocasou omisses de letras mais freqentes) sinalizar o que pode constituirprioridade imediata. Finalmente, precisamos ter tambm olhos especiaispara as oscilaes, isto , aqueles casos em que ora o aluno nota a mesmadificuldade ortogrfica de forma correta, ora o faz erradamente. Embora primeira vista possam parecer algo negativo, essas variaes entre certoe errado revelam um dado positivo: que o aluno j est em dvida, que elej sabe que, na notao escrita de sua lngua, determinada seqnciasonora pode ser registrada com tal ou qual letra.

    Registrar periodicamente

    Um acompanhamento cuidadoso da evoluo do desempe-nho ortogrfico dos aprendizes torna-se vivel, se registramosperiodicamente o que j dominaram e o que precisam ainda apren-der. Embora, de incio, isso parea trabalhoso, as vantagens de umregistro cuidadoso nos parecem claras: ele permite comparar, aolongo do tempo, tanto os progressos de cada aluno, individual-mente, como os alcanados pela turma como um todo. Por outrolado, permite que, no momento de promoo a uma srie seguinte,o novo professor tenha um retrato detalhado de como o grupo-classe se encontrava, no domnio da ortografia, quando da conclu-so do ano letivo anterior. Por fim, esse registro peridico permite aoprofessor selecionar quais questes ortogrficas vai priorizar no seuensino e, ao proceder a uma nova sondagem, avaliar quais metasforam alcanadas, quais exigem ainda maior investimento (quais difi-culdades ainda no foram superadas), etc.

    Cremos que isso ajuda a nos aproximarmos de algo fundamentalno s no campo da ortografia, mas na educao em geral: a coernciaentre o que se estabelece como prioridades, o que se faz comoatividades de ensino e o que se avalia da aprendizagem dos alunos.Noutras palavras, entendemos que o registro peridico auxilia acolocao em prtica de uma avaliao que no mera verificao doj aprendido, mas que serve para reorientar o prprio ensino: suasmetas, seu planejamento e sua realizao.

    Para pr em ao esse registro peridico, pensamos em disposi-tivos que permitam ao professor assinalar, ao longo do ano letivo, os

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    avanos de cada aluno. Por exemplo, um quadro ou uma grade, quecontenha as questes que consideramos essenciais para certa etapada educao bsica. No caso de alunos das sries iniciais do ensinofundamental, temos optado por uma alternativa que listar as princi-pais regularidades da norma ortogrfica e marcar um sinal (+) quandoo aluno demonstra j acertar, sempre, o emprego daquela correspon-dncia fonogrfica. O QUADRO 1, a seguir, ilustra um dos que cons-trumos e empregamos com professores de 3. e 4. sries de umaescola pblica de Pernambuco (MORAIS et al., 2002).

    Optamos por incluir nesse grande dispositivo apenas casos deregularidades de nossa norma que, segundo nosso ponto de vista,precisam ser ensinadas de forma sistemtica no incio da escolariza-o. Assim, inclumos no alto dos quadros, ao lado do nome dosalunos, trs blocos de colunas que contm: as regularidades diretas,a maioria das regras contextuais e aquelas regras morfossintticasque aparecem em flexes verbais.

    Se estivssemos trabalhando com alunos de etapas mais avan-adas, poderamos privilegiar outras questes ortogrficas. Alm dis-so, a priorizao de regularidades no significa que no considere-mos importante o professor anotar, noutro suporte, quais palavras deuso freqente o aluno escreve com erros, no caso de correspondn-cias irregulares. Nosso intuito, ao limitar o quadro apresentado aoscasos regulares, foi criar algo funcional, que desse conta de metas aser alcanadas, obrigatoriamente, ao longo das sries iniciais.

    QUADRO I

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    Cabe ainda enfatizar que o fato de termos includo todas aquelasregras num mesmo dispositivo nunca teria a ver com a expectativa deque numa nica srie (ou ciclo) os alunos tivessem que dominar to-das aquelas questes. Na realidade, buscamos fazer um mapeamentoque pudesse ser usado para acompanhar o desempenho do aluno aolongo de quatro ou cinco primeiros anos de escolaridade, aps ele terse apropriado do sistema de escrita alfabtica.

    Instrumentos de diagnstico: algumas alternativas

    Como observar, cuidadosamente, os progressos dos alunos em suatrajetria de apropriao da norma ortogrfica? Evidentemente, a fonteautorizada so as notaes (grafias) que eles produzem ao escrever, seja deforma espontnea, seja quando solicitamos que escrevam algo.

    Textos espontneosAs produes espontneas so uma fonte primordial: ao es-

    creverem seus textos de autoria, os aprendizes demonstram, deforma muito genuna, as representaes que esto elaborandosobre a ortografia. Por serem produes espontneas, constituemuma expresso natural do como esto avanando naquele proces-so. Conseqentemente, a leitura dos textos espontneos um dis-positivo privilegiado para vermos em que nossos alunos no tmmais dvidas, em que erram de modo sistemtico e em que revelamdvidas, produzindo tanto grafias corretas como erros. As infor-maes da provenientes nos ajudaro a preencher, periodicamen-te, nossos quadros ou outros dispositivos de registro.

    Mas preciso considerar tambm que o uso exclusivo da anlise detextos produzidos espontaneamente tem suas limitaes para os fins dediagnstico de que estamos tratando. Um dado importante a conside-rar que, como o aluno, ao compor seu texto, selecionar as palavras

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    em funo de seu repertrio vocabular e de certas restries (gnero,tema, objetivos, interlocutor, etc.), nada garante que em seus escritosapaream palavras que contenham algumas (ou vrias) das correspon-dncias som-grafia que gostaramos de sondar se ele j dominou.

    Notao de textos ditadosPelas razes agora expostas, temos optado tambm por empregar,

    periodicamente (por exemplo, no incio de cada semestre e no final doano), outro instrumento diagnstico: a notao sob ditado de um textopor ns produzido, cujas palavras contm todas as correspondnciasfonogrficas que queremos observar no desempenho da turma.

    Enfatizamos que no se trata de usar ditados para ensinarortografia, mas de faz-lo com um objetivo muito claro e pontual:diagnosticar, de forma mais cuidadosa, o domnio de certas corres-pondncias som-grafia.

    Embora alguns educ