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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais
De 22 a 26 de julho de 2013.
O CONHECIMENTO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS COMO EXIGÊNCIA CURRICULAR NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO
EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL
Instituições Internacionais
Artigo completo
João NackleUrt Universidade Federal da Grande Dourados
Universidade de Brasília
Rainne Feitoza do Nascimento Universidade Federal da Grande Dourados
Belo Horizonte 2013
João NackleUrt
Rainne Feitoza do Nascimento
O conhecimento de línguas estrangeiras como exigência curricular nos cursos de graduação em Relações Internacionais no Brasil
Trabalhosubmetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI.
Belo Horizonte 2013
RESUMO
A expansão da oferta da graduação em Relações Internacionais ao longo
das duas últimas décadas levou o curso a novos espaços e públicos, o que demanda
reflexão sobre sua estrutura curricular, exigências e adequação aos objetivos político-
estratégicos propostos. Não menos importante é indagar se essas exigências são
compatíveis com as demandas do mercado de trabalho, a fim de garantir que o
egresso tenha boa inserção profissional, seja nos mercados tradicionais ou nos mais
recentes.
Entre os muitos temas a serem tratados, está a exigência de conhecimento
em línguas estrangeiras. Parece haver pouca dúvida que o domínio da língua inglesa
e outros idiomas é importante. Todavia, cabem questionamentos: tal habilidade deve
ser exigida como requisito obrigatório para a obtenção do grau de bacharel? Se sim,
quantas e quais línguas devem ser exigidas? Como essa exigência deve ser cobrada?
Inerente à democratização do acesso à graduação, está o desafio de incluir
estudantes com perfis socioeconômicos diferentes, oriundos de regiões onde o ensino
médio é mais precário e que por vezes não dispõem de renda para atividades como a
aprendizagem de línguas estrangeiras.
Surge a oportunidade para repensar a forma como tal exigência se
processa nos cursos mais antigos e como proceder a adaptações ao novo contexto.
Por meio de uma metodologia quantitativa e qualitativa, busca-se 1) levantar o estado
atual da exigência de conhecimento de línguas estrangeiras nos cursos de Relações
Internacionais no Brasil; 2) levantar a opinião dos Coordenadores de graduação na
área sobre a exigência de conhecimento de línguas estrangeiras, quanto à forma e
conteúdo; 3) confrontar o estado atual da exigência de conhecimento de línguas
estrangeiras nos cursos com os objetivos políticos e socioeconômicos dessa
formação, tanto em termos das demandas do mercado de trabalho, quanto dos
objetivos estratégicos envolvidos na expansão da oferta desse curso.
Palavras-Chave
Graduação em Relações Internacionais - Exigências curriculares - Línguas
estrangeiras: aprendizagem – Línguas estrangeiras: avaliação.
O conhecimento de línguas estrangeiras como exigência curricular nos
cursos de graduação em Relações Internacionais no Brasil1
Introdução
A expansão da oferta da graduação em Relações Internacionais (RI) ao
longo das duas últimas décadas levou o curso a novos espaços e novos públicos, o
que demanda uma reflexão sobre sua estrutura curricular, suas exigências e sua
adequação aos objetivos políticos-estratégicos a que o curso se propõe. Não menos
importante é indagar se essas exigências são compatíveis com as demandas do
mercado de trabalho, a fim de garantir que o egresso do curso de Relações
Internacionais tenha boa inserção profissional, seja nos locais onde essa formação é
recente, seja disputando vagas nos mercados mais tradicionais.
Entre os muitos temas a serem tratados nessa discussão, está a questão
da exigência de conhecimento em línguas estrangeiras. Parece haver pouca dúvida
que o domínio da língua inglesa e outros idiomas seja essencial para o bom exercício
das habilidades esperadas de um profissional de Relações Internacionais. Com efeito,
o inglês é considerado atualmente a língua franca global: incluindo-se os falantes não-
nativos, é a língua mais falada no mundo, a principal língua de negócios e a língua
mais empregada na internet (ver Quadro 1).
Todavia, cabem os questionamentos: tal habilidade deve ser exigida como
requisito obrigatório para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais?
Se sim, quantas e quais línguas devem ser exigidas? Como essa exigência deve se
realizar na prática: por meio de oferta de disciplinas instrumentais específicas? ou por
meio de atestados e provas?
Essas e outras questões têm surgido em vários dos novos cursos de
Relações Internacionais no País. Inerente à democratização do acesso à formação em
RI está o desafio de incluir estudantes com perfis socioeconômicos diferentes,
oriundos de regiões onde o ensino médio é mais precário e que por vezes não
dispõem de renda suficiente para investir em atividades complementares, como a
aprendizagem de línguas estrangeiras. Surge aí também uma oportunidade para
1 Agradeço aos colegas Hermes Moreira Júnior e Adriana Kirchoff de Brum, que fizeram preciosos comentários durante a elaboração do trabalho.
repensar a forma como tal exigência se processa nos cursos mais antigos, e se é
conveniente continuar nesse rumo ou proceder a adaptações ao novo contexto.
No caso particular do curso de Relações Internacionais da Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD), tive a oportunidade de acompanhar essa
questão nos anos de 2011 e 2012, quando assumi a função de Coordenador de
Graduação. Um imbróglio jurídico-administrativo gerou o adiamento da decisão quanto
à exigência de conhecimento de línguas estrangeiras nessa universidade, de modo
que a reflexão que ora se propõe visa também instrumentalizar a decisão que se
tomará em 2013 sobre o assunto.
Quadro 1: O inglês como língua franca global
O inglês como língua franca global
1,5 bilhões de falantes (estimativa)
320 milhões de falantes nativos
430 milhões de falantes são usuários da internet (29,4% do total; seguida pelo
chinês, com 18,9%, e pelo espanhol, com 8,5% dos usuários)
80% de toda a informação disponível na Internet está em inglês
70% dos comentários e e-mails são escritos e enviados em inglês
85% das instituições internacionais utilizam a língua inglesa como uma das
línguas de trabalho (49% utiliza o francês e menos de 10% utilizam o árabe,
espanhol ou alemão)
1/2dos negócios internacionais são efetuados em inglês
2/3 dos artigos científicossão escritos em inglês
Língua franca do turismo internacional, aviação e diplomacia
Fonte: Neves, 2008.
1 Metodologia empregada
O presente trabalho é uma pesquisa exploratória sobre o conhecimento de
línguas estrangeiras como exigência curricular nos cursos de graduação em Relações
Internacionais no Brasil. Inicialmente, buscou-se coletar dados por meio de
questionários enviados por e-mail aos Coordenadores de cursos de graduação em
Relações Internacionais no Brasil. Nos dois meses que se seguiram ao envio da
mensagem, somente 11 respostas foram recebidas, o que não configurava uma
amostra estatisticamente significativa, diante do universo de 131 cursos. A análise das
respostas mostrava opiniões divididas sobre a questão da obrigatoriedade ou não do
conhecimento de idiomas, o que não permitia extrair uma conclusão clara. Não
obstante, as opiniões particulares dos professores que se manifestaram serão
referidas em tópico específico.
Na segunda etapa, diante das limitações de tempo, decidiu-se restringir o
universo da pesquisa a duas categorias de cursos: os oferecidos por Universidades
públicas e os oferecidos por Universidades católicas2. Em vez de questionários, a
coleta dos dados foi realizada por meio de consulta às páginas de internet das
Universidades, nas quais se levantou a situação atual da exigência curricular de
línguas estrangeiras nos cursos de Relações Internacionais. Alguns elementos
quantitativos foram acrescentados para caracterizar a expansão da área (p. ex.
número de cursos por Estado), bem como avaliar o mercado de trabalho (p. ex.
número de grandes empresas por Estado) e a importância do inglês para a área de RI
no Brasil.
Algumas ressalvas devem ser apresentadas desde já. Em primeiro lugar,
os dados quantitativos foram empregados meramente com objetivo descritivo, isto é,
buscar "obter, de conjuntos complexos, representações simples" a fim de facilitar o
entendimento. Não foram aplicados métodos estatísticos que permitissem extrair
inferências lógicas, isto é, "constatar se essas verificações simplificadas têm relações
entre si" (LAKATOS; MARCONI, 1995, p. 83). Essa prática metodológica descritiva é
legítima, na opinião de Biersteker (2009, p. 324).
Os dados coletados fornecem bom material para a reflexão sobre a
questão. Vale lembrar que a finalidade última do presente trabalho é indicar caminhos
viáveis para lidar com a obrigatoriedade da exigência de línguas estrangeiras no
currículo da graduação em RI3. Como todo estudo exploratório, o presente trabalho
tem apenas a pretensão de mapear o terreno empírico e dar início a uma reflexão
mais sistematizada, que poderá originar estudos mais aprofundados no futuro.
2 Os cursos pesquisados foram os das seguintes instituições (em ordem alfabética): PUC-GO, PUC-MG, PUC-RJ, PUC-SP, UCB, UFF, UFPB, UFRGS, UFRJ, UFRR, UFRRJ, UFS, UFSC, UFSM, UFU, UnB, UNESP-Franca, UNESP-Marília, UNIVALI e USP. A escolha das Universidades públicas se justifica porque é nessas instituições que ocorreu a expansão do curso de Relações Internacionais a partir de 2002 (ver tópico 5, adiante) e, assim como nas Universidades católicas, porque possuem alguns dos cursos de RI mais bem avaliados do Brasil, cujo exemplo vale ser observado. 3 As Diretrizes Nacionais Curriculares, em fase final de aprovação, preveem que os cursos de graduação em Relações Internacionais devem possibilitar a obtenção de “conhecimento ou habilidade de comunicação em língua estrangeira, em especial em língua inglesa” (art. 4º, inc. V) (ABRI, 2012).
A pesquisa bibliográfica foi empregada para levantar ideias comumente
aceitas sobre a importância das línguas estrangeiras no mundo do trabalho, sobre o
inglês como língua franca, bem como sobre o percurso histórico da institucionalização
da área de RI.
2 A situação atual: Como se caracteriza a exigência curricular de
conhecimento de línguas estrangeiras nos cursos de graduação em
Relações Internacionais no Brasil?
A situação atual da exigência de línguas estrangeiras nos cursos de RI é
bastante dividida. Em 55% dos cursos pesquisados não existe nenhuma exigência,
isto é, cola-se grau em Relações Internacionais sem comprovar qualquer
conhecimento de línguas estrangeiras. Nos demais 45% dos cursos, o inglês é
obrigatório (ver Tabela 1, p. 8), sendo que em 25% dos cursos, exige-se o inglês e o
espanhol, e em 15% dos cursos, exige-se o inglês e outra língua da escolha do
estudante. Somente em 5% dos cursos, a exigência da prática de idiomas não é
específica sobre qual a língua obrigatória, podendo recair inclusive sobre o português.
Não há padronização sobre o nível da exigência. Dentre os cursos que
exigem o conhecimento de línguas estrangeiras, 67% permite que tal exigência seja
cumprida por meio de disciplinas específicas. A quantidade varia de uma disciplina de
inglês e uma disciplina de espanhol, como na UNESP-Marília, até três disciplinas de
inglês e três disciplinas de espanhol, como na UFRJ. Os outros 33% dos cursos
verificam a exigência por meio da aplicação de provas pela própria instituição.
Também existe a possibilidade, em 10% dos cursos, de ser dispensado das disciplinas
ou provas, por meio da apresentação de certificados de proficiência.
Pode-se observar que a expressão “proficiência” é empregada de
maneiras distintas conforme o contexto. Exames internacionais de proficiência testam
o domínio – que varia entre capacidades intermediárias e avançadas – das habilidades
linguísticas de ler, escrever, entender e falar. Já nos cursos de pós-graduação stricto
sensu, a palavra proficiência geralmente se refere à suficiência, ou àcapacidade de
leitura instrumental. Segundo Divardin, as provas de leiturainstrumental acabam sendo
pouco justas, confiáveis e coerentes, porque o sucesso nesse tipo de avaliação
depende diretamente do domínio da língua-alvo, isto é, o português. Parte do
resultado desse tipo de avaliação se refere à habilidade geral de leiturado
indivíduo:“sem um mínimo de conhecimento da estrutura e vocabulário da língua-alvo,
o leitor,
Tabela 1 – Instituições e suas exigências de conhecimento em línguas estrangeiras na
graduação em Relações Internacionais
Instituição Exigência Provas e/ou dispensas PUC/SP É requisito curricular do curso de
Relações Internacionais a proficiência em duas línguas estrangeiras, sendo obrigatórios o inglês e mais um idioma a ser escolhido entre o espanhol ou o francês.
As provas de proficiência são administradas semestralmente pelo setor de vestibular. Há dispensa em caso de apresentação de certificados de proficiência ou aprovação em disciplinas de línguas oferecidas pela Instituição.
UCB Exige que o estudante complete duas disciplinas de proficiência em inglês e duas em espanhol.
UFRJ Exige que o estudante complete três disciplinas de inglês e três disciplinas de espanhol
UFRR Exige a realização de provas de proficiência em inglês e em espanhol
As provas de proficiência são oferecidas pelo Núcleo de Ensino de Línguas Estrangeiras da Instituição.
UFSC São obrigatórias 450 horas-aula de atividades complementares destinadas ao aprendizado de línguas estrangeiras, das quais 300 horas-aulas obrigatoriamente de inglês e 150 horas-aula de outra língua de livre escolha do estudante.
As atividades de aprendizagem de línguas estrangeiras serão validadas por meio de provas de proficiência realizadas na própria Instituição.
UFSM O aluno deverá cursar em caráter obrigatório 120 horas/aula de Prática de Idiomas, em disciplinas escolhidas segundo a oferta da Instituição.
UFU Exige que o estudante complete duas disciplinas de proficiência em inglês e duas de espanhol.
UnB Exige que o estudante de Relações Internacionais complete duas disciplinas de idiomas estrangeiros, sendo pelo menos uma de inglês e a segunda a ser escolhida entre francês, alemão, japonês, chinês, espanhol e italiano.
As disciplinas podem ser dispensadas mediante realização de provas de proficiência, oferecidas pelo CESPE/UnB (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos).
Unesp-Marília
Exige uma disciplina de inglês instrumental e uma disciplina de espanhol instrumental
Fonte: Elaboração própria.
por mais experiente, não consegue acessar seu conhecimento de mundo que lhe
permita uma interação satisfatória com um texto escrito” (DIVARDIN, 2010, p. 218,
234).
3 A opinião dos professores consultados
Parte do questionário enviado aos Coordenadores de curso tinha como
objetivo recolher a opinião dos respondentes sobre a questão da exigência de idiomas.
Além disso, muitos dos respondentes acrescentaram comentários, que serão
referidos.
Quanto a qual deveria ser a exigência de conhecimento de línguas
estrangeiras na graduação em Relações Internacionais, as respostas variaram entre
"nenhuma" (18%) até "quaisquer duas línguas" (9%). A grande maioria (81%) entende
que o inglês deve ser exigido, embora não haja consenso quanto ao nível dessa
exigência (instrumental ou fluente), nem se deve ser acompanhada da exigência de
outro idioma: 36% entenderam que deve ser exigido o inglês e qualquer outro idioma;
18% entendem que se deve exigir apenas o inglês instrumental (capacidade de
leitura); outros 18% responderam que se deve exigir o inglês e o espanhol.
Um dos professores que opinou contra qualquer exigência de línguas
estrangeiras na graduação em RI comentou:
os cursos devem incentivar e orientar seus alunos a estudar idiomas estrangeiros,
inglês, francês, árabe, mandarim, cantonês e quaisquer outros, [mas] impor o
idioma como pré-requisito ou limitar o acesso de todos os alunos aos textos em
razão do uso do idioma estrangeiro, especialmente em uma universidade pública,
[é] algo equivocado.
Outro, embora tendo votado a favor da exigência do inglês e do espanhol,
acrescentou:
O ideal é que os alunos brasileiros de RI desenvolvam proficiência em inglês,
espanhol e uma terceira língua durante o curso - há quem entenda que antes. Mas
o País reúne um abismo de diferença entre ricos e pobres. Devemos considerar a
base linguística que o aluno traz do ensino médio, considerar a heterogeneidade
social e econômica brasileira.
Em outras palavras: para eles, é desejável que o formando em Relações
Internacionais tenha bons conhecimentos de inglês e espanhol, para exercer
plenamente suas potencialidades como profissional; todavia, tendo em vista a
desigualdade socioeconômica, a Universidade deve oferecer oportunidades viáveis
para que todos os estudantes obtenham esses conhecimentos. Isso seria importante
para evitar que ocorresse "uma elitização do curso", contrária ao interesse das
Relações Internacionais como área acadêmica no Brasil, "em termos de práticas,
ciência, cultura e criatividade".
Dois professores comentaram que esse debate não é específico do curso
de RI: "trata-se de uma missão da universidade brasileira", afirma um deles; "alunos
de escolas privadas e de classes mais altas vêm com um preparo maior" e sua
instituição, onde o inglês não é exigência curricular, "trata isso como parte da política
de inclusão social".
Os professores opinaram também sobre de que maneira as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de RI deveriam tratar o assunto. A
maioria (81%) ficou dividida entre duas opiniões: uma parte (45%) entende que cada
curso deve ter autonomia para definir a exigência de conhecimento em línguas
estrangeiras mais adequada ao seu contexto; outra parte (36%) entende que, embora
a exigência deva estar contemplada nas DCNs como obrigatoriedade para todos os
cursos de RI do País, deve haver mais de uma forma de verificação do conhecimento
de língua(s) estrangeira(s), para não burocratizar essa exigência. Os restantes 18%
opinaram que deve haver um padrão, isto é, apenas uma forma de avaliar a exigência
de língua(s) estrangeira(s) em todos os cursos de RI do Brasil.
Sobre qual deveria ser a forma de avaliar o conhecimento de língua(s)
estrangeira(s), a maioria dos professores (45%) opinaram que os cursos devem
oferecer vários tipos de avaliação para o estudante cumprir essa exigência, incluindo
disciplinas de língua instrumental, provas de proficiência oferecidas pela instituição e
apresentação de certificados de proficiência; outros 27% concordam que sejam
disponibilizadas provas de proficiência e sejam aceitos certificados, mas discordam
que se preencha a exigência por meio de disciplinas.
Vale anotar também a opinião de Pecequilo, que adverte quanto ao risco
de que disciplinas de idiomas em cursos de Relações Internacionais sejam utilizadas
para preencher carga horária que deveria ser empregada para o aprendizado de
conhecimentos específicos da área (2004, p. 27).
Por fim, os participantes da pesquisa foram indagados, em uma questão
aberta, se havia reclamações por parte dos estudantes sobre o conhecimento de
línguas estrangeiras e, em caso afirmativo, quais eram essas reclamações. 36%
relataram reclamações de alunos. Um deles, coordenador de um curso onde não há
exigência curricular de conhecimento de idiomas, afirmou que alguns alunos reclamam
porque, "com o argumento de oferecerem textos mais atualizados, alguns professores
indicam livros em inglês", mas que "um dos [livros] indicados foi editado há mais de 10
anos". Outros reclamam, porque entendem que as instituições teriam o dever de
oferecer cursos de idiomas gratuitos para os estudantes, mesmo que a língua não
fosse cobrada obrigatoriamente, apenas porque bibliografias em língua estrangeira
são exigidas nas disciplinas do curso.
4 O inglês como língua franca da área acadêmica de Relações Internacionais:
ou “É possível aprender Relações Internacionais sem saber inglês?
A hegemonia da produção em língua inglesa é inegável na área de
Relações Internacionais. Pode-se observá-la, por exemplo, nas duas narrativas
históricas mais famosas sobre a institucionalização e evolução dos seus estudos, que
se poderia chamar de "mitos fundadores" das Relações Internacionais.4
Segundo a primeira delas, as Relações Internacionais surgiram como
campo de estudos em 1919, quando a Universidade de Gales criou a cátedra
Woodrow Wilson, a primeira no mundo dedicada ao tema (GONÇALVES, 2003, p. 2;
BATISTELLA, 2009, p. 25; MASO; SÉLIS, 2012, p. 138), cadeira que viria a ser
ocupada pelo historiador Edward H. Carr em 1936. Apenas a partir da passagem dos
anos 1940 para os anos 1950, a área expandiu-se, principalmente nos Estados Unidos
e Europa, como resultado da necessidade de gerir a ordem do pós-Segunda Guerra
Mundial, seja nas relações com o pólo soviético adversário e suas áreas de influência,
seja nas relações com o mundo ocidental capitalista.
Outra narrativa bastante difundida é aquela que organiza a evolução do
pensamento teórico em Relações Internacionais na forma de sucessivos "grandes
debates". Wæver sugere: "peça a um acadêmico de RI para apresentar a disciplina em
quinze minutos e, muito provavelmente, você escutará a história dos três grandes
debates" (1998, p. 715). Para Herz, "A percepc�ão de que a história da disciplina é
constituída por 'grandes debates' ou 'fases' confere identidade à mesma, tornando-se
parte do processo de socializac�ão dos especialistas" (2002, p. 12). Curioso observar
que, nessa narrativa, todos os grandes debates ocorreram em língua inglesa: o
primeiro, entre Realistas e Idealistas, foi protagonizado por Norman Angell e James T.
4Herz (2002, p. 12) utiliza a expressão "mito fundador" para se referir ao primeiro grande debate teóriconas RI.
Shotwell, de um lado, e Hans Morgenthau, Nicholas Spykman e John Herz, do outro; o
segundo, entre Tradicionalistas e Behaviouristas, foi conduzido principalmente entre
Hedley Bull e Morton Kaplan; no terceiro, entre Neorealistas e Neoliberais, os nomes
mais frequentemente mencionados são os de Robert Keohane e Kenneth Waltz; e o
quarto, que seria o debate com os Pós-Positivistas/Reflexivistas, refere-se
frequentemente a Alexander Wendt, Robert Cox, Richard Ashley, entre outros.
Tamanha predominância dos estudos norte-americanos de Relações
Internacionais levou o estudioso Stanley Hoffman a afirmar que se tratava de uma
"ciência social norte-americana" (1977). Com efeito, entre os autores mundialmente
reconhecidos, listados entre os cinquenta maiores pensadores na área de Relações
Internacionais (GRIFFITHS et al., 2009), apenas Raymond Aron, Jürgen Habermas,
Michel Foucault e Antonio Gramsci (20%), embora amplamente publicados em
traduções inglesas, não escreveram originalmente em inglês.5 Os europeus Hans
Morgenthau, Karl Deutsch, Ernst Haas e André Gunder Frank emigraram para os
Estados Unidos como fugitivos do nazismo e tornaram-se professores de
universidades norte-americanas, tendo publicado seus trabalhos em inglês. Nessa
seleção de nomes acadêmicos, 92% dos autores importantes para as Relações
Internacionais escreveram originalmente em língua inglesa; 4% escreveram em
francês; 2%, em alemão e outros 2%, em italiano. É certo que se trata de uma amostra
de apenas 50 autores, que ademais corresponde claramente ao universo de crenças
(ou viés) dos autores da lista, mas esse exercício de estatística descritiva oferece uma
estimativa verossímil.
Gonçalves afirma que a hegemonia anglófona se deve a razões
econômicas, acadêmicas e de poder: a) a grande soma de recursos investidos na
institucionalização da área, nos Estados Unidos e Reino Unido; b) a disposição
acadêmica, nesses países, para enfrentar o desafio de criar uma nova área de
estudos, desde o início em conexão direta com a necessidade prática de orientar o
processo de tomada de decisões em política externa; e c) a condição de potência
hegemônica global, na qual se sucederam Reino Unido e Estados Unidos nos séculos
XIX e XX. Vale atentar para as consequências do último item: as razões de poder.
Gonçalves afirma: "o estudo moderno das Relações Internacionais afigurou-se, às
elites norte-americanas e inglesas, como tarefa indispensável ao entendimento do
5 Embora sejam pensadores seminais para as Relações Internacionais, cabe questionar a inserção do filósofo Habermas e do cientista social Michel Foucault nessa lista. De fato, esses intelectuais têm sido influentes na área e escreveram trabalhos que abordam questões internacionais, mas mesmo assim penso que não seria correto identificá-los como pensadores "de Relações Internacionais".
mundo em mudança e, desse modo, à manutenc�ão do poder que detinham" (p. 2-3,
grifo meu). Como foram os pensadores anglo-saxões que formularam o léxico de
Relações Internacionais, são eles também que "definem o nível de excelência da
análise e impõem os termos do debate". E conclui: "Isso significa, enfim, que não
dispõem unicamente do poder político para satisfazer seus respectivos interesses
nacionais, como também, do poder sobre o próprio discurso das Relações
Internacionais" (p. 3). O que nos leva a um segundo momento desta reflexão: o poder
da hegemonia da língua inglesa em Relações Internacionais deve ser levado em
consideração.
A avaliação desse elemento deve variar entre extremos opostos, segundo
as crenças teóricas daqueles que propuserem tal exercício. De um lado,
institucionalistas, liberais, neorrealistas e behaviouristas provavelmente afirmarão que
a língua é inocente. Entenderão, ademais, que a própria teoria, quando produzida
corretamente, é imparcial, está fundada numa realidade objetiva e as teorias são
retratos fidedignos dessa realidade. Para esse grupo, que poderia ser reunido sob a
etiqueta de “positivistas”, a língua não está entre as variáveis importantes para o
estudo das Relações Internacionais.
De outro lado, construtivistas, feministas, pós-colonialistas, adeptos da
Teoria Crítica e neomarxistas tendem a afirmar que a língua é componente essencial
da estrutura social. Para esse segundo grupo, que vai se chamar de “pós-positivistas”
ou “reflexivistas”, faz sentido propor um levantamento crítico das limitações que a
hegemonia da língua inglesa impõe à produção em RI.
Nessa tradição crítica, pode-se apontar o americano Biersteker (2009). Em
esforço autocrítico, o autor afirma que a endogamia na academia norte-americana
produziu um provincianismo com graves consequências: "os grandes debates teóricos
podem ser [meras] projeções de preocupações da política externa norte-americana
não mediadas por perspectivas ou insights de outras partes do mundo" (p. 322). Tal
provincianismo, afirma, pode levar à ignorância, arrogância ou incapacidade de
antecipar consequências trágicas da análise irrefletida. O autor conclui que a criação
de um cosmopolitismo teórico requer não apenas autoconhecimento, mas também um
esforço deliberado para engajar-se nas diferentes tradições de investigação e teoria
das Relações Internacionais ao redor do globo (p. 324-325).
No Brasil, Moreira Jr. (2013) contesta a “ciência social norte-americana” de
Hoffmann. O autor toma emprestada a ideia de Robert Cox de que as teorias são
recursos ideacionais empregados pelo Estado hegemônico para convencer os demais
Estados sobre as vantagens do status quo político. A partir de Gramsci, lembra que o
conceito de hegemonia tem um componente ideacional ético-político: “hegemonia é a
capacidade de converter a própria concepção do mundo, de acordo com os interesses
restritos, em verdade universal”. Dos construtivistas, lembra sobre o papel da cultura e
das identidades na constituição mútua entre agentes e estrutura da política
internacional (MOREIRA JR., 2013, p. 91, 104-106). Assim, pode-se deduzir que
reforçar o predomínio da língua inglesa implica fortalecer recursos ideacionais,
culturas e identidades dos países anglófonos.
De uma perspectiva pós-colonialista, Maso e Sélis (2012) defendem que
as RI produzidas na América Latina devem levar em consideração aspectos como a
“colonialidade do poder/saber” e a “violência estrutural e epistêmica”, que provocam o
“encobrimento do Outro”. Caso contrário, o conhecimento produzido na área arrisca
tornar-se instrumento de perpetuação da opressão sofrida pelos povos latino-
americanos. Segundo as autoras, deve-se evitar a insistência em reproduzir escolhas
metodológicas e recortes ontológicos anglo-saxões, por meio da busca de uma práxis
criadora e reflexiva.
Como forma de acessar conhecimentos mais exclusivos, isto é,
compartilhados em âmbitos menos universais, as terceiras línguas (aquelas além da
língua materna e do inglês) são ferramentas indispensáveis, no campo de Relações
Internacionais, sobretudo para incrementar o que Battistella chama de "tradicional
pluralismo da disciplina", bem como as "perspectivas de progresso dos conhecimentos
produzidos pelo internacionalista" (2009, p. 623).
Além disso, justiça seja feita, o próprio Stanley Hoffmann afirma que sua
ciência social "nascida e criada [nos Estados Unidos da] América" deve afastar-se da
perspectiva da superpotência, a fim de ampliar os estudos de regimes políticos de
países mais fracos e as políticas que empregam para maximizar sua posição nas
relações internacionais (1977, p. 58-59). Certamente, o conhecimento de línguas como
russo, francês, árabe, mandarim e espanhol é essencial para aprofundar esse foco
sobre grandes e médias potências.
Retomando a pergunta-título do subtópico: é possível aprender Relações
Internacionais sem saber inglês?
Para compensar a referência a Griffithset al. (2009), tome-se um texto de
introdução às Relações Internacionais publicado no Brasil numa série de livros
didáticos da área (PECEQUILO, 2004). Por seu caráter de apresentação da área,
pode-se supor que sua bibliografia traz uma amostra significativa das leituras
consideradas mais relevantes. Por meio de uma contagem simples, chega-se à Tabela
2, abaixo.
Tabela 2 - Referências bibliográficas da obra Introdução às Relações Internacionais
(PECEQUILO, 2004, p. 237-246), por idioma da publicação
Obras
originalmente
em português
Obras citadas
no original em
língua
estrangeira
Obras citadas
na tradução em
português
Totais
subtotal % subtotal % subtotal % total %
Português 27 23,7% - - - - 27 23,7%
Inglês - - 25 21,9% 36 31,6% 61 53,5%
Espanhol - - 7 6,1% 1 0,9% 8 7%
Francês - - 2 1,8% 7 6,1% 9 7,9%
Alemão - - - - 3 2,6% 3 2,6%
Italiano - - - - 4 3,5% 4 3,5%
Russo - - - - 1 0,9% 1 0,9%
Grego - - - - 1 0,9% 1 0,9%
Total 27 23,7% 34 29,8% 53 46,5% 114 100%
Fonte: Elaboração própria.
Somando a literatura originalmente em português (23,7%) e as publicações
traduzidas para o português (46,5%), pode-se estimar que 70,2% da bibliografia
considerada básica está disponível em língua portuguesa. Entre a literatura em língua
estrangeira (29,8%), mais da metade (73,5%) está indicada em edições inglês e o
restante em espanhol (20,5%) e francês (5,9%). Esse número sugere que é possível
iniciar a aprendizagem de Relações Internacionais lendo apenas aquelas obras
escritas originalmente em português ou as traduzidas na língua nacional.
Não obstante, a partir desse mesmo exemplo pode-se estimar que 76,3%
dos textos acadêmicos de Relações Internacionais mais relevantes são produzidos em
inglês, francês, espanhol, italiano ou alemão. Na verdade, o viés aí se inverte a favor
da língua portuguesa: evidentemente, numa obra dessa natureza, era coerente que a
autora se esforçasse para referir o maior número possível de textos brasileiros, que
não seriam considerados importantes numa compilação global.
Vale retomar Gonçalves (2003): "os anglo-saxãos elaboraram hipóteses,
formularam teorias e definiram os conceitos que se universalizaram, tais como aqueles
que lhe sãoespecíficos, ou seja, criaram o léxico das Relações Internacionais" (p. 3).
Como não podia deixar de ser, criaram-no em inglês. Por isso mesmo, afirma:
Qualquer pessoa que se interesse por este campo de estudo, em qualquer parte
do mundo, deve, obrigatoriamente, exercer algum domínio sobre esse léxico; caso
contrário, não conseguirá estabelecer diálogo com os que se dedicam à pesquisa
nessa área. Por assim dizer, o conhecimento tanto da língua inglesa, como da
produção acadêmica norte-americana e inglesa nas Relações Internacionais
constitui condição indispensável para iniciar toda espécie de debate acadêmico.
(GONÇALVES, p. 3)
Pode-se afirmar com razoável grau de certeza que o inglês é o veículo
mais importante para o campo de Relações Internacionais, no mundo e também no
Brasil. Ainda que haja uma crescente produção nacional e em outras partes do mundo
não-anglófono, o inglês é e deve continuar sendo por um bom tempo a língua franca
dessa área acadêmica.
Atualmente, no Brasil, é possível iniciar-se nos estudos de Relações
Internacionais sem conhecer inglês, mas na medida em que o estudante decide
aprofundar seus conhecimentos, a língua inglesa torna-se mais e mais indispensável.
A necessidade de diversificar o conhecimento teórico em RI, por meio da abordagem
de perspectivas contra-hegemônicas, sugere a necessidade de valorizar também o
estudante que decide aprender outras línguas.
Em outras palavras, é praticamente impossível refletir com seriedade e
profundidade sobre as relações internacionais sem ser capaz de ler, escrever,
entender e falar o inglês. Mas não se deve descartar a possibilidade de que os alunos
de graduação em Relações Internacionais, com suas novas perspectivas geracionais,
estejam suficientemente bem equipados para avaliar quais são as línguas mais
estratégicas para o futuro do planeta, do País, de suas cidades ou de suas vidas. Não
se trata de subscrever um liberalismo ingênuo: crer que o mínimo de regulação vá
conduzir ao máximo de eficiência na alocação dos recursos sociais. Tampouco é útil
regulamentar todos os aspectos da vida, sobretudo quando essa regulamentação se
faz em prol da perpetuação de uma ordem de valores - ocidentais, capitalistas, liberais
- como é a ordem da língua inglesa. O poder brando do inglês, vinte-e-quatro horas
por dia veiculado por TV a cabo, internet e cinemas do mundo todo, já é incentivo mais
que suficiente para indivíduos de todas as idades aprenderem a língua franca.
Mas se um estudante de Relações Internacionais decide escolher um
caminho contra-hegemônico e investe seus recursos na aprendizagem de outra língua,
cabe incentivá-lo, porque a diversidade de línguas aprendidas entre esta comunidade
acadêmica favorece o preenchimento de lacunas ontológicas, epistemológicas e
metodológicas nas Relações Internacionais produzidas no Brasil. Do ponto de vista da
área, há mais a ganhar favorecendo o aprendizado de línguas diversas, do que
concentrando esforços para dominar o inglês.
A meu ver, após o inglês, as línguas mais estratégicas do ponto de vista
global para acessar fontes primárias e bibliográficas pouco exploradas, seriam o
mandarim, o espanhol, o francês, o alemão, o italiano, o russo e o árabe6. Do ponto de
vista nacional, isto é, para compreender e agir nas fronteiras do Brasil, na defesa da
soberania como no combate à pobreza, penso que são estratégicas também as
línguas indígenas mais faladas em regiões de fronteira. Dentre essas, pode-se apontar
como as principais: o guarani, falado no Brasil, Paraguai e Bolívia; o yanomami, falado
no Brasil e na Venezuela; o macuxi, falado no Brasil, na Venezuela e na Guiana; o
tikuna e o baniwa, falados no Brasil, Venezuela e Colômbia7.
Quanto à importância do inglês na vida profissional do egresso de
Relações Internacionais, trata-se do assunto do próximo tópico.
5 Exigência de inglês pelo mercado de trabalho para o egresso de Relações
Internacionais: ou "É possível trabalhar na área de Relações Internacionais
sem saber inglês?"
Durante o processo de consolidação do curso de Relações Internacionais
no Brasil, em nível de graduação(ver Tabela 3, p. 18), podemos delimitar três fases
distintas. A primeira fase teve início com a criação dos cursos pioneiros, na educação
superior pública e na particular, respectivamente na Universidade de Brasília, em
1974, e na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, em 1984. A segunda fase
caracterizou-se pela expansão do curso nas instituições privadas, tendo início em
1995, com a fundação do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade
6 Não em ordem de importância. Alguns idiomas são mais relevantes pela bibliografia de RI que possuem, outros pelo acesso que permitiriam a documentos e entrevistas em países sem tradição acadêmica em Relações Internacionais. 7 Essa afirmação foi construída com base em dados do Instituto Socioambiental, cruzando-se as línguas indígenas que possuem mais de 5 mil falantes (ISA, 2013), com a localização geográfica em áreas de fronteira das principais comunidades falantes desses idiomas.
Católica de São Paulo. A terceira fase, que se estende até os nossos dias, começou
em 2002 com a fundação dos cursos de Relações Internacionais da USP e da
UNESP, marcos da expansão da graduação em RI nas Universidades públicas.
Tabela 3 – Cursos de graduação em Relações Internacionais, por Estado
É também na terceira fase que a graduação em RI começa a chegar a
espaços mais periféricos no Brasil, o que sugere a necessidade de reavaliar o
mercado de trabalho para os bacharéis em Relações Internacionais. Para tanto, vai-se
abordar o mercado de trabalho para o analista de RI e suas transformações ao longo
Estado Ano de criação do
primeiro curso de RI
Número de cursos em
atividade em 2013
Distrito Federal 1974 11
Rio de Janeiro 1992 22
São Paulo 1995 42
Minas Gerais 1996 6
Santa Catarina 1996 8
Paraná 1997 7
Pernambuco 1998 3
Goiás 1999 2
Bahia 2000 2
Espírito Santo 2000 1
Mato Grosso do Sul 2003 2
Rio Grande do Sul 2003 15
Pará 2004 1
Paraíba 2006 2
Roraima 2006 1
Amazonas 2008 2
Rio Grande do Norte 2009 1
Sergipe 2009 1
Ceará 2010 1
Amapá 2011 1
[20 estados] --- Total: 131
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados do E-MEC (2013).
dessas três fases. O objetivo é, a partir desse mapeamento, refletir sobre a
necessidade do conhecimento de inglês segundo as oportunidades de trabalho em
cada região.
O estudo de viabilidade que precedeu a criação do curso na Universidade
de Brasília, realizado em 1973 sob liderança do prof. Lauro Alvares da Silva Campos,
enfatizava que a demanda pelo especialista em Relações Internacionais estava
relacionada ao “aumento de intensidade, quantidade e qualidade das
relac�õesecono�micas do Brasil com o resto do mundo” e que os profissionais da
área deveriam ser capazes de atender as necessidades do "atual estágio de
implementação do crescimento econômico do País", com potencial empregabilidade
em Ministérios e agências governamentais especializadas, mas também em bancos e
grandes empresas públicas e privadas. As disciplinas que deveriam compor a grade
curricular seriam oriundas das áreas do Direito, da Economia e da Administração
(JULIÃO, 2012, p. 18-19). Observa-se nesse primeiro estudo uma orientação para o
setor privado, no mínimo com importância igual à atribuída ao setor público, que
acabou não se concretizando. O investimento do Ministério das Relações Exteriores,
em termos de recursos financeiros e humanos, decorria da percepção de que havia
complementaridade entre o curso de Relações Internacionais da UnB e a formação de
diplomatas oferecida pelo Instituto Rio Branco. Deliberadamente ou não, esse
investimento acabou inclinando a formação em RI na UnB para a área pública. Em
1977, dos doze professores que compunham o corpo docente do curso, 5 eram
diplomatas, 2 eram funcionários públicos e apenas os 5 restantes eram acadêmicos
(JULIÃO, 2012, p. 23-24). E essa ênfase fazia sentido, para um curso localizado na
capital federal, onde havia e há abundantes vagas de emprego público nos diferentes
setores do governo, do Legislativo e da administração indireta, além das Embaixadas
e Consulados.
Com efeito, na primeira fase, o perfil da formação em RI é bem semelhante
ao modelo clássico, surgido nos Estados Unidos e na Europa. O que se espera do
egresso, nesse modelo, é que ele seja capaz “de auxiliar os agentes de Estado na
formação e na implementação das políticas exteriores, ou que pudessem exercer, com
treinamento suplementar, as funções diplomáticas”, além de desempenhar o papel
“fundamental nas sociedades democráticas de críticos e interlocutores do poder
público" (LESSA, 2006, p. 458).
A segunda fase foi uma resposta ao duplo contexto de fim da Guerra Fria e
aceleração da globalização, no âmbito externo, e redemocratização e abertura
econômica, no âmbito interno. Nesse contexto, a lógica de mercado foi determinante
para que as instituições particulares procedessem à expansão da sua oferta (LESSA,
2006, p. 463). As instituições estavam certas de que o curso de Relações
Internacionais seria um bom negócio, por demandar infraestrutura barata, aproveitar
recursos humanos e bibliográficos de áreas afins e ter apelo mercadológico em razão
das transformações globais e nacionais. Com isso, responderam a uma demanda
social legítima, em face da maior internacionalização do Brasil.
Nessa fase, foram criados 35 novos cursos, sendo 10 em São Paulo, 7 no
Distrito Federal, 6 no Rio de Janeiro, 3 em Santa Catarina, 3 no Paraná, 2 na Bahia, 1
em Minas Gerais, 1 no Espírito Santo, 1 em Goiás e 1 em Pernambuco (E-MEC,
2013). Observa-se que a oferta dos cursos estava direcionada para o mercado de
trabalho na área pública, no Distrito Federal, onde já era tradicional, bem como para
um mercado de trabalho em prospecção, na área privada, principalmente em grandes
empresas situadas nos centros dinâmicos da economia nacional. Da mesma forma,
como fenômeno próprio do pós-Guerra Fria, surgem muitas vagas no crescente
terceiro setor, composto pelas organizações da sociedade civil ou organizações não-
governamentais, com um perfil muito próximo ao do graduado em RI.
Observa-se também que a geografia do bacharelado em Relações
Internacionais no Brasil, até esse momento, praticamente limita-se ao espaço que
Santos e Silveira (2005) chamam de "Região Concentrada"8. A expectativa quanto ao
profissional egresso desses cursos sofre uma significativa mudança, em relação ao
modelo da primeira fase. Em alguns dos cursos, os currículos aumentam a ênfase em
temas de comércio exterior, administração de empresas e economia, coerentemente
com as necessidades do mercado de trabalho no setor privado.
A terceira fase caracteriza-se pela expansão do curso de Relações
Internacionais nas instituições públicas. Teve início em 2002, com a inauguração dos
bacharelados da USP e da UNESP, seguidos pela UFRGS, em 2004; a UEPB e a
UFRR em 2006; a UFF, em 2008; a UFS, a UFU, a UFSM, a UFSC, a UFRJ e a
UFGD, em 2009; a UFRRJ, a UFPB, a UFPEL e a UNILA, em 2010; a UNIFESP, em
2011; e a UFG, em 2012. Também é nessa fase que essa formação foi oferecida pela
primeira vez no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul, a partir de 2003; no Pará,
a partir de 2004; na Paraíba e em Roraima, a partir de 2006; no Amazonas, a partir de
8 Composta pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
2008; em Sergipe e Rio Grande do Norte, a partir de 2009; no Ceará, a partir de 2010;
e no Amapá, a partir de 2011 (E-MEC, 2013).
Surgem, nessa terceira fase, novos lugares de enunciação e novos lugares
de ação para o egresso de Relações Internacionais. Pela primeira vez, o curso chega
às fronteiras Norte e Centro-Oeste, e multiplica sua presença no Nordeste. Dessa
forma, o curso de Relações Internacionais passa a atender um alunado mais
heterogêneo. Da mesma maneira, o mercado de trabalho nesses espaços é também
diferente. As grandes empresas, que foram identificadas como importante fonte da
demanda por profissionais de RI, existem em menor número nesse novo grupo de
estados. A Tabela 4 (p. 22) traz as empresas classificadas entre as 1.000 maiores do
Brasil e que ofereceram vagas de trabalho em uma página da internet especializada
em mediar oferta e demanda por emprego, bem como o número de vagas ofertadas
por tais corporações, em cada Estado da federação9.
Observa-se que apenas Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo têm mais de 10 grandes empresas
oferecendo vagas de trabalho. Apenas na Bahia, em Minas Gerais, Paraná, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, há mais de 100 vagas sendo
oferecidas. Nessa mesma página, observa-se que a oferta de vagas reunidas sob a
etiqueta “Relações Internacionais” refere-se, na sua grande maioria, a postos de
trabalho para operações de comércio exterior.
Assim, as três fases da instalação do curso de Relações Internacionais no
Brasil correspondem, grosso modo, a três mercados de trabalho distintos. O primeiro,
no Distrito Federal, reúne a maior parte das vagas no setor público governamental, em
Organizações Internacionais e em grandes empresas públicas. Segundo Lessa, trata-
se do único mercado consolidado, até o momento (2006, p. 467). O que se exige do
egresso, nesse mercado, é ótima compreensão da conjuntura político-econômica
internacional, alta capacidade de análise crítica especializada e excelência nas
habilidades de comunicação falada e escrita, em português, inglês e, desejavelmente,
numa terceira língua.
O segundo grupo reúne a maior parte das vagas no terceiro setor e no
setor privado, especialmente em grandes empresas dos setores financeiro,
9 Vale observar que não se trata de vagas oferecidas especificamente para bacharéis em Relações Internacionais, mas sim o total das vagas oferecidas por essas empresas. O raciocínio ora proposto está baseado na premissa de Lauro Alvares da Silva Campos de que “das 1.254 maiores [empresas], cerca de 35% mostram-se potencialmente capazes de absorver graduados em RI” (apud JULIÃO, 2012, p. 20).
comercial,industrial e de serviços,concentradas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais,
Tabela 4 – 1.000 maiores empresas do Brasil anunciam vagas de emprego em site
Estado Número de grandes
empresas oferecendo vagas
Número de vagas
anunciadas
Alagoas 1 10
Amazonas 7 44
Bahia 5 103
Ceará 7 70
Distrito Federal 5 46
Espírito Santo 3 37
Goiás 11 89
Mato Grosso 3 13
Mato Grosso do Sul 2 2
Minas Gerais 32 494
Pará 2 11
Paraíba 1 2
Paraná 30 293
Pernambuco 5 47
Rio de Janeiro 31 26657
Rio Grande do Norte 2 7
Rio Grande do Sul 14 266
Santa Catarina 16 139
São Paulo 202 15512
Fonte: Elaboração do autor com base em dados de Catho (2013).
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nesse grupo, demandam-se mais
habilidades relacionadas com o campo econômico-comercial, incluindo por vezes o
domínio de métodos quantitativos e emprego de softwares específicos.
Exige-se também o conhecimento do inglês e, desejavelmente, outra
língua estrangeira com apelo comercial (principalmente espanhol ou alemão). Algumas
empresas transnacionais valorizam o conhecimento da língua de seus centros
gerenciais, p. ex., francês para trabalhar na Renault. Segundo Neves (2008, p. 37), "o
inglês por si só não basta para catalisar os negócios". Com efeito, na sociedade do
conhecimento que caracteriza o mundo atual somente é possível "crescer, aumentar a
competitividade, conquistar espac�os, ampliar o lucro, ou garantir a sua
colocaçãocomo líderes de mercado" por meio da ampliação do conhecimento
produzido e compartilhado pela empresa. Assim, "embora o inglês mantenha o seu
papel de língua franca no mundo empresarial, são as compete�nciaslinguísticas
adicionais, em combinação com as competências interculturais pertinentes, que
podem traduzir-se numa vantagem competitiva" (p. 39).
O terceiro grupo vive um cenário distinto dos dois primeiros. Trata-se das
fronteiras econômicas do País, campo de experiências econômicas inovadoras, com
instalação recente de algumas grandes empresas (p. ex., montadoras na Bahia,
indústrias de papel e celulose no Mato Grosso do Sul), expansão da produção agrícola
e intensificação recente do povoamento, o que Santos e Silveira (2005, p. 141)
chamam de "tendência à dissolução da metrópole no território". Demanda-se
profissionais capazes de mediar fluxos de informação em centros regionais que
funcionam como "ponto de contato com o mundo rural", abrigam "indústrias de caráter
extra-regional" ou ocupam "posição de retaguarda junto à expansão de frentes
pioneiras". O campo da consultoria para pequenos e médios exportadores é
promissor, assim como a prospecção de investimentos externos (ZAHREDINE, 2013),
que pode ser conduzida por agentes públicos ou privados (p. ex. prefeituras,
federações de indústrias, cooperativas, empresas de corretagem, etc.).
A paradiplomacia é outra potencial fonte de empregos, nesse grupo de
Estados, dependendo ainda da difusão de uma cultura internacionalista entre os
agentes públicos e a sensibilização sobre as vantagens de incorporar profissionais de
Relações Internacionais, notadamente em face da cooperação internacional para o
desenvolvimento (CID) e dos projetosbrasileiros de integração regional.
Diante desse quadro, Julião afirma haver uma dimensão prospectiva
relativa aos horizontes de expansão da área:
[Essa dimensão] advoga o potencial dessas localidades de, por meio da oferta de
uma formação como a de RI, evitar a chamada ‘fuga de cérebros’ para aqueles
estados que possuem o curso, ao mesmo tempo em que, no sentido inverso, ‘atrai
cérebros’ qualificados, gerando uma dinâmica positiva para o desenvolvimento
econômico e social da região (JULIÃO, p. 32-33).
Enfim, pode-se observar que o mercado de trabalho no terceiro grupo está
em fase de constituição e os setores que potencialmente devem absorver os egressos
dos cursos de RI são mais diversificados do que os mercados de trabalho nos demais
grupos. Se o inglês é, sem dúvida, a língua mais importante para a atuação nos
grupos 1 e 2, no grupo 3 pode-se argumentar que, para alguns potenciais
empregadores, talvez o espanhol seja mais relevante, já que é o idioma falado em 7
dos 10 países que fazem fronteira com o Brasil. Além disso, os chineses são os que
mais crescem entre os clientes do agronegócio brasileiro e entre os investidores
externos diretos no País. Em geral, suas equipes têm tradutores e a maioria dos
agentes fala inglês, mas o conhecimento de mandarim pelo interlocutor brasileiro pode
ser um trunfo comercial importante.
6 O inglês como exigência curricular na graduação em Relações
Internacionais, ou: “Devem os cursos de Relações Internacionais exigir o
conhecimento de língua inglesa como requisito obrigatório?”
A questão da obrigatoriedade, à qual se dedica o presente tópico, não será
menos polêmica que as anteriores. Deve-se pensar na legalidade de exigir o
conhecimento de línguas, e em seguida, avaliar o que os juristas chamam de "mérito
administrativo", ou a "conveniência e oportunidade" de adotara obrigatoriedade para o
estudante de RI de demonstrar o conhecimento de língua(s) estrangeira(s).
Em conversa com o Procurador jurídico da UFGD, Jezihel Lima (2013), o
advogado afirmou que "toda exigência curricular tem de ser ofertada pela instituição".
Haveria, no entendimento de Lima, uma correspondência entre a exigência curricular
de comprovar o conhecimento de um idioma e o dever da instituição de oferecer, como
parte do currículo, o conhecimento exigido. Algumas instituições se previnem contra
essa questão jurídica acrescentando uma advertência expressa no Edital do Vestibular
sobre a obrigatoriedade da apresentação de certificado de proficiência de língua
inglesa para conclusão do curso de Relações Internacionais.
Lembrou também que uma atividade-fim da Universidade pública, como é
o ensino, não pode ser terceirizada. Isso cria uma complicação adicional. Não parece
vantajoso, para um curso de Relações Internacionais, destinar uma vaga docente a
um professor de inglês10. Atribuir o ensino de idiomas a um departamento
especializado pode ser útil, mas provavelmente levará a demandas de universalização
do acesso a esse aprendizado para estudantes de outros cursos. A questão deixaria
10 Não parece vantajoso, especialmente no modelo baseado na permanente penúria, que se pratica nas Universidades públicas brasileiras. Os cursos vivem um constante déficit de professores e cada nova vaga é disputada no Ministério da Educação e, posteriormente, dentro da Universidade e das subunidades acadêmicas.
de ser um problema do curso de Relações Internacionais e se tornaria do interesse da
comunidade universitária como um todo.
A exigência de provas e certificados de proficiência também é sujeita a
críticas. Divardin (2010), referindo-se a provas que atestam a proficiência/suficiência
por meio de atividades de leitura e compreensão de texto, afirma que por vezes essas
provas não avaliam o conhecimento da língua estrangeira, porque o resultado da
avaliação é influenciado pela capacidade de leitura do avaliado: "esses leitores teriam
as mesmas dificuldades de leitura se lessem, em portugue�s, os mesmos textos que
leram em língua estrangeira" (p. 233). Nesse caso, os estudantes oriundos de
contextos sociais e familiares mais pobres são duplamente castigados: porque não
aprenderam inglês e porque não aprenderam a ler suficientemente bem (do ponto de
vista da Universidade).
O aprendizado dito instrumental, ou "para fins específicos", de uma língua
destina-se àqueles que, embora não possuam o domínio da língua, "desejam e/ou
necessitam ser competentes e independentes na sua área de actuaçãoacadémica
e/ou profissional" (NEVES, 2008, p. 34; VIAN Jr., 1999). Isso significa que, para cada
área de atuação, deve haver um desenvolvimento próprio, relacionado com a
identificação do vocabulário mais frequentemente empregado, lado a lado com o
desenvolvimento das habilidades mais gerais necessárias para a compreensão
escrita. Segundo Vian Jr. (1999, p. 444), o ensino instrumental de uma língua requer:
a) análise de necessidades; b) objetivos claramente definidos; e c)
conteúdoespecífico. Nesse sentido, é bem vindo o esforço interdisciplinar proposto por
Bocornyet al., no rumo da elaboração de um glossário bilíngue baseado em um corpus
especializado de Relações Internacionais. Seria importante que mais instituições
dedicassem mais recursos, envolvendo pesquisadores das áreas de Letras e
Relações Internacionais, para a produção de material didático próprio para a
aprendizagem de idiomas para os fins específicos dos estudantes de Relações
Internacionais, que poderia enfim prover parâmetros para as avaliações de proficiência
na área.
Em geral, as provas de língua instrumental em seleções de pós-
graduação, que tendem a se tornar o modelo para as provas para verificação do
conhecimento de línguas estrangeiras nas graduações em RI, costumam variar entre a
tradução de um texto da área até a interpretação de um texto na língua-alvo com
redação das respostas em língua portuguesa. São modelos que parecem estar aquém
do que se poderia esperar de uma avaliação de conhecimentos instrumentais em
língua estrangeira.
Considerações finais
O balanço é incerto. A pesquisa ora relatada sugere que a questão da
exigência de línguas estrangeiras é bastante dividida nos cursos de graduação em
Relações Internacionais no País. Em aproximadamente metade dos cursos, o
conhecimento de línguas é uma exigência curricular. Nesses casos, predomina a
exigência do inglês, variando o nível do conhecimento exigido. Na maioria dos cursos,
é exigida também uma segunda língua estrangeira, principalmente o espanhol. A
forma de verificar essa exigência varia entre aplicação de provas de proficiência,
disponibilização de disciplinas de idiomas, apresentação de certificados, ou uma
combinação dessas formas de avaliação.
O inglês continua sendo a língua mais importante das Relações
Internacionais como campo de estudos, além de ser língua franca da diplomacia, dos
negócios e da internet. Não obstante, e a despeito de algumas opiniões contrárias de
peso11, penso que é possível iniciar-se no estudo das RI sem dominar o inglês, pela
existência de alguma bibliografia originalmente escrita em língua portuguesa e de
algumas traduções. Uma diversificação das línguas aprendidas entre os
pesquisadores e profissionais da área seria bem vinda como fonte de renovação
teórica e empírica.
Algumas teorias reflexivistas/pós-positivistas reforçam esse ponto de vista,
porque vêem o aprendizado de terceiras línguas como prática contra-hegemônica. O
que não pode ocorrer é que essa fundamentação teórica crítica acabe sendo
empregada como pretexto para retirar a aprendizagem de inglês e, de tabela, das
demais línguas estrangeiras, do universo das preocupações pedagógicas dos cursos
de Relações Internacionais. Pelo contrário, somente uma educação universitária que
permita ao estudante de RI, lado a lado com sua formação específica, aprender pelo
menos dois idiomas, além da aprimorar o domínio de sua língua nativa, será
verdadeiramente emancipadora.
11 Segundo um dos respondentes, o prof. Antônio Jorge Ramalho, da UnB, reconhecidamente um dos melhores professores de Teoria das RI no Brasil, teria afirmado na discussão das Diretrizes Nacionais Curriculares ocorrida no 3º Encontro da ABRI, em São Paulo, 2011, que “um aluno deveria ter capacidade de ler TRI em inglês, mesmo que para tanto tivesse que trancar seu curso de RI e depois de reunir tal capacidade retornasse ao curso”.
Quanto ao inglês como língua de atuação profissional, há consenso sobre
sua enorme importância, embora seja crescente a demanda pelo domínio de um
terceiro idioma. Quanto aos Estados do grupo 3, onde os primeiros cursos de RI foram
criados somente a partir de 2002, argumentou-se que o mercado de trabalho é
heterogêneo e que isso sugere um espaço maior para profissionais de Relações
Internacionais que dominem terceiras línguas.
A tendência, observada no texto produzido pela Associação Brasileira de
Relações Internacionais para as DCNs (ABRI, 2012),é que os cursos sejam
obrigadosa oferecer a aprendizagem de uma ou duas línguas estrangeiras aos
estudantes. Desse modo, adquirirem legitimidade e legalidade para exigir o
conhecimento de idiomas como requisito para a colação de grau. Evita-se que o aluno
menos favorecido seja castigado e evita-se também que os cursos permitam ao
estudante obter um diploma que, desprovido do conhecimento de línguas estrangeiras,
terá seu valor de mercado muito reduzido.
A oferta de disciplinas de idiomas parece atender em parte essa
necessidade. Todavia, tal prática arrisca tornar-se uma mera exigência burocrática,
mal sucedida em seus objetivos. Não é preciso ser um especialista em línguas
estrangeiras para saber que não se aprende um idioma em uma disciplina semestral.
As disciplinas de idiomas somente podem cumprir seu papel se forem acompanhadas
de processos de nivelamento dos estudantes quanto aos conhecimentos prévios e
distribuição em turmas específicas segundo o nível de cada um. Além disso, é
importante que as disciplinas de idiomas não sejam oferecidas em substituição a
outras disciplinas de Relações Internacionais, mas sim de forma complementar.
Com a expansão do ensino na área, torna-se fundamental repensar os
currículos e as práticas pedagógicas nos bacharelados em RI. Espera-se que a
presente reflexão tenha colaborado para identificar os dilemas envolvidos na questão
da exigência de línguas estrangeiras nos cursos de graduação em Relações
Internacionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS12 ABRI – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Proposta básica das Diretrizes Nacionais Curriculares para o curso de Relações Internacionais. Fórum Nacional de Coordenadores. 2012.
12 De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 6023.
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