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54 O engenheiro português da GoogleFernando Pereira é um génio pouco conhecido pelos seus compatriotas,mas o gigante americano da web não passa sem ele. Conheça o homemque põe as máquinas a falar
Portuguêsna América
Fernando Pereiracompleta, em janeiro,
uma década na Google"o sitio onde esteve
mais tempo", diz comum sorriso, depois
deter passado pelaUniversidade de
Princeton, pela AT&T e
pela SIR International
Em pequeno queria ser cientista.A descoberta espacial fascinou-o naadolescência. Mas, quando entroupara a universidade, foi conquista-do por outra paixão: a InteligênciaArtificial (IA). E nunca mais a largouEspecializou-se na compreensão da
linguagem pelas máquinas e hoje, aos65 anos, Fernando Pereira fala do seutrabalho como se de uma nova desco-berta se I ralasse. Lidera uma equipa
de mvcsligadores numa das maiores
empresas do planeta, a Google. Mo-ve-se como peixe na água no mundodos algoritmos, da compreensão da
linguagem por parte das máquinas e
mostra com orgulho alguns dos de-senvolvimentos para os quais contribuiu, como o sistema de tradução ouo Google Assistant.
A sua vida foi dedicada à investi-gação e, neste gigante da informática,tem tempo e meios para fazer o quemais gosta. Está agora a iniciar umnovo prqjeto que passa por tentarcriar um algorilmo que permilirá às
máquinas fazer conexões entre a lin-guagem c o contexto físico c social da
conversa. Este é um prqjeto a longoprazo. Fernando Pereira admite quedentro de cinco anos poderá apre-sentar alguns primeiros resultados"Serão ainda muito poucos, uniaínfima parte do que queremos fazer,mas já poderão ter alguma aplicaçãoprática", diz
F. pode falar desse projclo? "São
coisas que parecem triviais mas queseriam impossíveis de fazer hoje emdia". E pode dar um exemplo? "Estoua olhar para a rua e consigo descre-ver o cenário: uma praça com trá-fego automóvel elevado, cercado deedifícios e com pessoas a circularna rua. Eu consigo dizer isto, mas as
máquinas não. Não cxislc nenhum
sistema que permita ao eompuladorfazer esta descrição, de ter capacidadede sintetizar, rapidamente, uma cenaextremamente complexa. Mas que-remos ir mais longe e dar instruçõesà máquina para que esla perceba, nomesmo cenário, que os carros estão
parados porque existe um semáforo.Para nós, ludo islo c muito mluilivo,mas para o computador é um proces-so muito complicado que exige muita
investigação e desenvolvimento de
novos sistemas", esclarece.
Parece uma cena de um qualquerfilme de ficção, mas Fernando Pe-reira diz que é possível de executarcom a combinação de processos deauto aprendizagem das máquinas,de "avanços muitos rápidos que têmsido feitos" em matéria visão com-putacional e de "ideias que existemna Google sobre como desenvolvermodelos de situações complexas".Tudo conjugado, as máquinas poderãofazer descrições pormenorizadas dedeterminados cenários.
E porque é que isso é interessan-te? "As possibilidades são inúmeras.Em termos mais práticos, poderemosdesenvolver sistemas de ajuda parainvisuais. Se quiser uma situação maissofisticada, imagine que quer fazeruma pesquisa de uma imagem comum certo tipo de conteúdo específico,que envolve acontecimentos ou ações
áftTEMOS UMASOCIEDADEQUE USASISTEMASCADA VEZ MAISCOMPLEXOSE NAO TEMMANEIRA DECOMUNICARCOM ELES
"Um fingimento sofisticado"
Fernando Pereira abre o véu sobre um dos principais trabalhosem que está envolvido e fala-nos sobre as dificuldades emresolver problemas que as máquinas não entendem... ainda
Estamos muitolonge de termosuma máquinaque consiga fazeruma conversanormal com um serhumano?Ainda há tantos
problemas a resolvere obstáculos a
ultrapassar. Nenhumdos sistemas de
processamento de
linguagem tem a
capacidade de fazeruma ligação entre a
frase e o seu conteúdo.Quando fazemos umaconversa com alguémtemos implícito o
conhecimento das
relações sociais, daenvolvente física, demetáforas comunsda língua, etc, e nós
não temos, ainda,meios de trazer esseconhecimento paradentro dos algoritmos.
Mas disfarçambem...Tudo o que nós
fazemos, na
compreensão da línguaou na tradução é,
diria, um bocadinho a
fingir, embora seja um
fingimento sofisticado.
Em que projeto estáagora envolvido?Estamos a trabalharno melhoramentoda forma como as
máquinas comunicam
para conseguirmoster uma melhorinteração com elas.Se o seu telemóvelficar bloqueado, a
primeira coisa quefazé reiniciá-10. Mas
o problema podenão ser do aparelho.Pode ser um servidorque parou, ou outraqualquer avaria. No
entanto, a máquinanão tem capacidadede lhe explicar o quese está a passar.Nós, humanos,conseguimos fazê-loatravés da linguagem.
E qual a finalidade?As pessoas poderãodar ordens verbaisaos aparelhos e estes
poderão fazer-nos
sugestões. Temosuma sociedade queusa sistemas maiscomplexos e não temmaneira de comunicarcom eles. Imagineque está a fazer umaentrevista e diz aotelefone "não meinterrompas". Daqui a
uma hora o aparelhopode perguntar-lhe:"E agora, já possointerromper?" Esta
pode ser uma conversabásica entre duas
pessoas, mas é
impossível tê-la com oseu telemóvel. 0 nosso
objetivo é avançar paraeste tipo de interação.
Mas no presente,ainda há áreas comproblemas porresolver...Veja o caso da
tradução automáticaentre português e
inglês.A gramática é
diferente. 0 portuguêspermite omitiro sujeito da oração.0 inglês não. Tem de
se usar um pronome.Equal? 0 algoritmorecorre à estatística.E, sempre que se falade um médico, estadiz que o sujeito é
masculino. Mas sefalar de enfermeiros o
computador assume
que é feminino. Quandotraduzimos a palavra"nurse", que eminglês não tem géneroexplícito, o algoritmoirá colocar o pronomemais usado. Existeeste enviesamento
porque os algoritmosaprendem o que a
maioria diz, fazepensa. E que nãoénecessariamente ocorreto. As pessoasdizem logo que o
sistema é sexista,
porque assume quetodos os médicossão homens e todosos enfermeiros sãomulheres.
Exato. Algunsprogramas quefalavam com aspessoas foramacusados de seremracistase xenófobos...Essa é uma das áreasmais importantes domeu trabalho. 0 maiordesenvolvimento da
autoaprendizagemdas máquinas estáa ser na linguagem.Mas o material queusamos para treinarestes sistemas foi
criado pelos humanos.
Logo, refletem o
seu pensamento, a
sua cultura e a sua
educação.
Máquinas & inanias de Fernando Pereira
Começou a programar com um NCR Elliot 4 100, mas o seu primeirocomputador foi um Macintosh. Adquiriu o vício do ski nos EUA, mas não
perdeu hábitos bem portugueses como o café expresso pela manhã
Foi o primeiro computador com queteve contacto e onde fez a primeiraprogramação. Um aparelho que ocupavaum sala e que utilizava cartões perfuradospara comunicar com o utilizador. Tinha umacapacidade de memória equivalente a 70k
MACINTOSH 128 K
Foi o seu primeiro computador pessoalquando já se encontrava nos EUA. Este
aparelho foi lançado em 1984. Tinhauma memória de 128k, de onde resultao seu nome, e foi o padrão dos futuros
computadores da Apple
CAFÉ EXPRESSO
De preferência duplo. É a primeira coisa
que faz pela manhã. Apesar de estar longede Portugal desde o final dos anos 70,mantém este hábito bem português detomar um bom café para acordar
GOOGLAR
Mais do que se confundir com o artistaFernando Pereira que atuou muitosanos em Las Vegas, o seu nome,com uma combinação muito comumem Portugal e no Brasil, bem comonoutros países hispânicos, apareceudurante anos no Google como um doshomens mais procurados pelo FBI
SKI E IMPERMEÁVEL
É um apaixonado pela neve e pelamontanha. Quando lhe perguntaramqual a tecnologia que não dispensa, a
resposta não foi óbvia: um impermeável,com boa respiração, confortável e com
pouco peso que me mantenha quente e
seco quando estou nas montanhas
LIVROS PREFERIDOS
Se falarmos de ficção, o seu favoritoé O Homem sem Qualidades, de
Robert Musil. Quanto à não ficção, a
preferência recai no The Ptausibility ofLife, Resolving Darwírís Dilemma, dosautores Marc Kirschner e John Gerhard
complexas Com esta tecnologia po-derá ser possível", afirma.
Mas não só. Este tipo de investiga-ção irá permitir o melhoramento do
processamento de linguagem pelasmáquinas, a área em que FernandoPereira está mais envolvido. Estanova tecnologia será necessária paraque os sistemas que usam linguagempossam "Ler mais conteúdo nas suas
palavras e consigam interpretar comoo tempo e o espaço estão organizadosonde a ação se desenvolve" iUgo queatualmcntc c impossível para qualquersoftwarc.
DE LISBOA À CALIFÓRNIAFernando Pereira nasceu em Que-luz, mas as suas primeiras memóriasremontam às Avenidas Novas, emLisboa, já depois dos pais se teremmudado para a Avenida Defensores de
Chaves Por ali cresceu c brincou ateenlrar para o Inslilulo Superior Técnico. Queria ser engenheiro. EscolheuEletrotécnica. Dois anos bastaram
para perceber que estava no cursoerrado. Mudou-se para a Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa e
licenciou-se em Matemática.Foi nesta Faculdade que teve o seu
primeiro contacto com a lA, através
ESTAMOS ADESENVOLVERUM PRO JETOQUE PERMITIRÁÀS MÁQUINASINTERPRETARCOMO O TEMPO EO ESPAÇO ESTÃOORGANIZADOSNO LOCAL ONDESE DESENVOLVEA AÇÃO
do professor Luís Moniz Pereira, quelhe facultou os primeiros estudos so-bre a malcria. Para Fernando Pereirafoi a descoberta de um mundo novo.Nos remotos anos setenta pensar emmáquinas dotadas de inteligência eraum mero exercício de ficção científica.
Acabada a licenciatura, FernandoPereira entrou para o LaboratórioNacional de Engenharia Civil (LNFC),onde teve contacto com programação.O computador era um velhinho NCRElliot 4 100, que ocupava quase umdivisão e era "alimentado" por cartões
perfurados. No LNEC esteve ainda en-volvido num estudo sobre mobilidadeurbana, mas depressa percebeu que a
investigação era parca e tinha poucofuturo. Estava em 1.977, três anos apósa revolução e não havia verbas parainvestigação.
"Nessa altura tinha uma grandecontradição na minha vida, uma leal-dade dividida cnlrc a ma Lema Li ca purae os trabalhos de pesquisa nesta áreada programação'', lembra.
Através do British Council con
segue uma bolsa para ir fazer umdoutoramento na Universidade de
Edimburgo Aí teve outros contac-tos com a realidade da lA. "Comeceia trabalhar no processamento de
linguagem natural numa altura cm
que não existia qualquer processo de
aprendizagem das máquinas como o
que temos atualmente".Quando acabou o doutoramen-
to teve uma proposta para ficar emEdimburgo e outra para ir como in-vestigador para o SRI (Stanford Re-search Institute), nos EUA. O climahúmido e frio da Escócia perdeu parao sol e a luz da Califórnia. Mudou se
para a cosia ocslc dos EUA, mas ironia
das ironias, no primeiro dia apanhouuma chuvada como há muito não sefazia sentir para aquela região. Piordo que acontecia na capital escocesa.Mas nem isso o desmotivou.
"Não me mudei apenas por causado clima. Foi também pela luz Edim-burgo c uma cidade mui Io escura noinverno", lembra. Já nos EUA a suacarreira teve várias mudanças Co-meçou a lecionar na Universidade de
Princeton, onde se torna diretor do
departamento de informática. Iniciouainda duas starrups e foi quadro do
giganle norlc-amcricano de Iclcco-
municações AT&T, onde, em 2001, umalto quadro da empresa lhe disse queos motores de busca nunca seriam umnegócio. Sete anos depois, FernandoPereira ingressava no motor de bus-ca Google, que gere um dos maioresnegócios do planeia.
LONGE DA VISTA...A incursão para os EUA acabou, aos
poucos, por desligar-se do país de
origem. "Perdi a ligação a muilas pes-soas porque, simplesmente, não tinha
tempo. Estive envolvido em vários
projetos, tinha os filhos na escola, comas suas rotinas. Era difícil planear as
viagens", diz. Mas não perdeu algunshábitos bem portugueses. A primeiracoisa que faz de manhã c beber um
café expresso. De preferencia duplo.Com o passar dos anos e com a
vida estabilizada na Google, passoua viajar mais para Porlugal. E comoreconhece o facto dos filhos já teremas suas próprias vidas também faci-litou o processo.
Nascidos nos EUA e com toda umavida passada naquele país, os doisfilhos já são "americanos", embora afilha tenha um maior "interesse emconhecer as suas raízes".
Em Portugal mantém ainda contacto com o professor catedráticoLuís Moniz Pereira, o tal que, nos anos
setenta, o despertou para estas coisascsolcncas e que dirige o ccnlro de IAda Universidade Nova de Lisboa.
Como professor universitário nosEUA, Fernando Pereira teve contactocom alguns alunos portugueses quepara ali foram estudar. Com eles
apercebeu-se de uma nova realida-de do que estava a ser feito no seuPaís de origem. "Tive como aluno oJoão Graça, um dos fundadores da
Unbabel, uma startup que tem umprojelo mui Lo mlcrcssanlc. E, comotrabalham na minha área, tem sidomuito interessante ver o trabalhodeles a evoluir. Agrada-me ter esta
ligação às gerações mais novas e veros trabalhos que estão a desenvol-
TINHA UMALEALDADEDIVIDIDA ENTREA MATEMÁTICAPURA E OSTRABALHOS DEPESQUISA NAPROGRAMAÇÃO
Ver . NvisaoSimpresa.pt