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A arte de fazer um cordel e se tornar um menestrel João Bosco Bezerra Bonfim 1

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A arte de fazer um cordel e se tornar um menestrel

João Bosco Bezerra Bonfim

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A arte de fazer um cordel e se tornar um menestrel

João Bosco Bezerra Bonfim

Vou cantar para vocêsUma maneira inventivaQue resolve de uma vezO problema de escreverHistória grossa ou cortês.

Primeiro de tudo assenteOnde vai acontecerEssa história é de invençãoOu esse universo vai serIgualzinho ao de sua ruaE com você parecer?

Como é que são as casas?Onde é esse país?As ruas são sempre planas?Ou com vasta cicatriz?É na cidade ou na roçaEssa história que você diz?

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Falo da necessidadeDe a história ter um lugarPara onde vá o leitorQuando você o transportarDe sua cadeira ou poltronaPra o reino do imaginar.

Desde sempre o contadorTeve consigo a certezaDe que ele manda na menteDaquele que em singelezaAceita ler sua históriaE a enxerga com grandeza.

Pois pinte logo o cenárioOnde se passa a históriaFaça uma paisagem feiaContando com a memóriaOu então belos castelosVindos da era de outrora.

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O leitor logo se apega Ao inventado lugarSeja o deserto vazioSeja a cratera lunarSeja a cidade bem cheiaSeja o vazio de um bar.

Para longe, muito longe,A história leva o leitorPois ele já está cansadoDo dia a dia opressorAo ler, ele quer fugirAo paraíso enganador.

Depois de ver o lugarOnde se assenta a históriaÉ preciso dar um jeitoUrgente e sem demora:Quem é que vive no mundoInventado em sua memória?

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Como é o personagemCom quem ele se parece?Será bonito e vistoso?Ou feio como uma peste?Será mulher ou meninaCavaleiro ou anjo celeste?

Essa pessoa é do mundoFeita de carne e de osso?Será só inteligência?Vida acima do pescoço?Ou será bem sensualSerá velha ou será moça?

Pense que o leitorSe apega a duas coisasOu a alguém como eleOu a quem ele recusa:Terá valores iguais?Será vilão ou sua musa?

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Será um protagonistaQue entra nesse enredo?Serão dois ou serão três?Quem ajuda e quem faz medo?Não se demore a escolher,Que a história começa cedo.

Depois do lugar e pessoasEscolha agora um tempo:Quando se passa a tramoia?É de outra era ou estou dentro?Fala do tempo antigoOu do que virá com o vento?

Esse tempo é no futuro?Ou será bem no passado?É presente como eu?Ou é um tempo emboladoComeçando pelo fimE voltando ao começado?

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Lembre-se sempre de queA história tem propósito:Não se conta história à toaMesmo quando está no ócioSendo para divertirJá está feito o negócio.

História do tempo antigoOu do tempo do futuroSempre nos atraem maisPois estamos insegurosNesse tempo em que vivemosSempre em cima do muro.

No passado, os ideaisDe um homem sempre puroQuando a honra e a verdadeHabitavam homens madurosE onde o vilão era punidoPelo chicote mais duro.

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Gosto do tempo antigoPorque lá estou libertoLá não tem conta de luzNem cheque a descobertoBravos soldados em lutaSabendo sempre o que é certo.

Ou com damas em perigo,Sempre calmas e ofendidasPor um vilão malvadoA quem deram guaridaE que se aproveitoAmeaçando sua vida.

Por isso, um cavaleiroVem salvar sua princesaContra tiranos perversosQue assaltaram cama e mesaNão importando os perigos,Ou as chamas mais acesas.

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Como inimigo, talvezHaja um dragão malvadoOu um mouro de outro mundoQue assaltou algum roçadoOu mesmo um bruxo malvadoCom seu vibrante cajado.

Sempre que vou ao passadoVou em busca de um sonhoPois não aguento o presenteSempre opressivo e medonhoPor isso procuro históriasOnde esteja o abandono.

Ou então, para o futuroFujo com minhas naves,Pois não vejo no presenteSe não trevas, se não traves,E no espaço sideralEncontro minha coragem.

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Com armaduras letaisPunirei meus inimigosQue, se valendo de astúcia,Me trarão sério perigo,Por isso, bem mais esperto,Eu os venço, com um zumbido.

Então já temos três coisasPara compor nossa trama:Onde, quem e quandoJá vão fornecendo ramaPara os galhos da históriaQue escrevo esta semana.

Tenho o mundo e a pessoaTenho o tempo em que se passaSó falta o acontecimentoQue traga uma ameaçaPois história boa é aquelaOnde se enfrenta a trapaça.

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Comece com um clima ameno,Quando tudo ia bem,As vacas iam ao pasto,As naves valiam cem,Os meninos protegidos,As mulheres em amém.

Faça com que o leitorSonhe com um sonho realDe ir também a essa terraCom uma sensação talQue se chover na históriaCheira a molhado o quintal.

Depois de pintar um quadroDe vera maravilhaDe um oásis no desertoOu de uma perdida ilhaOnde tudo é beleza,Faça tudo ir noutra trilha:

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Invente um grande vilãoQue faz ameaça tiranaÀ natureza que é puraOu à donzela gitanaFaça a mata virar cinzaFaça o açude virar lama.

Pronto, está feita a desgraçaQue faz o leitor saltarDo bem bom de sua poltronaE começar a chorarPelo destino do heróiQue, agora é que vai penar.

Não se quantas peripéciasCabem nesse vai e vemSó sei é que no finalTudo se acaba bemRestaurada a harmoniaE o valor de quem o tem.

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Uma emoção invade Ao leitor em seu finalVendo que o mal não triunfaE que, mesmo simples mortalVence as forças superioresQue ameaçaram fatais.

Que mais falta em sua históriaPara ela ser de cordel?Bote tudo em rimasComo fosse um menestrel,Em frases de sete sílabasAjeite o seu carretel.

Junte os versos seis em seisQue é a sextilha chamadaCom rimas de par em parPara dar um bom gingadoFazendo uma melodiaQue a todos deixa vidrado.

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E está pronto o cordelSó falta agora ilustrarPegue uma xilogravuraPara na capa botarE imprima num folhetoE vá na corda pendurar.

Toda história, se é boaIndependente da idadeDesperta em quem a ouveGrande curiosidadePor isso, amigo leitor,Ouça bem as novidades.

Era uma vez um pavãoQue avoou pelos céusE deixou Conde RaivosoFazendo um escarcéu;E dentro da ave a noivaFugida de pai cruel.

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Essa é só uma históriaNascida em verso e cordelPara alegrar moço e moçaE até alguém sem papelQue, tendo memória boa,Diz versos em carrossel.

Era outra vez LagartixaQue casou com um CalangoQue era tão preguiçosoSó promovia o engano:Dizia sim com a cabeçaE o não com o rabo, malandro.

Vou revelar pra vocêsQue um Misterioso TouroFugiu de todos vaqueirosMesmo cobertos de ouroAté que foi pro céuEm um combate de estouro.

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Essa e outras LeandroDe Barros a nós deixou

Junto com outras quinhentasQue escreveu e espalhouPor nosso Brasil afora,Foi poeta de louvor.

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Junto a Martins de Athayde,

Ou Patativa do Assaré

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Arievaldo Viana

Rouxinol do Rinaré

Do tempo antigo e de agoraTodos poetas de fé.

Posso falar pra vocês

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De um cavalo afamadoDefecador de moedasE de um conde abobadoQue se deixou enganarPelo compadre explorado:

Pagou com um bom dinheiroPelo cavalo ao sabido,Mas o que viu foi estrumeE ficou no prejuízo.Por isso, morto de invejaFoi parar no precipício.

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Conto também pra vocêsDa chegada de LampiãoE como aos diabos, no Inferno,Causou grande afobação,Vencendo o BelzebuE voltando pra o sertão.

E tem a história da MoçaQue Dançou Depois de MortaCom o filho de um fazendeiroQue até lhe fez proposta,Mas quase morreu de sustoQuando viu da cova a porta.

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Não me deixem esquecerDa esperteza de João GriloUm Amarelo pançudoMas que era bem sabidoA enganar rico toloGraças a seu bom juízo.

E quem foi que ouviu falarDo tal Cachorro dos Mortos?Desmascarou o assassino

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De seus donos tão formososEvitando uma injustiçaMesmo vivendo de ossos.

E traga de lá CamõesConte também de BocageQue em sendo safadezaSão campeões da molecagemSeduzindo belas damasE ao rei fazendo visagem.

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Neste Brasil sem memóriaA luta dos cangaceirosSó ficou para a históriaPor causa dos folheteirosQue escreveram a glóriaDesses grandes bandoleiros.

Lampião tem muita históriaAntônio Silvino, também,Mas Jesuíno Brilhante,Foi cordelista de bem,Contando a própria históriaEm versos que valem cem.

Trago também para vocêsHistórias deste poetaQue se não inventa, aumenta

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Faz de cavalo asa delta;Faz vaqueiro voar solto,E até laçar bicicleta.

Traz Andersen para hojeEm versos, que desatino:Um Soldadinho de Chumbo,E o seu dono, Menino;E o Rei que andava nuPor ser vaidoso e mofino.

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E tem a história de um loboUm Lobo-Guará de Hotel,Que, cansado de fugir,Livrou-se bem do tropelDa cidade de Brasília E criou seu próprio céu.

Vou parando por aqui,Lembrando a todas as idades:Que história não tem data

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As gostosas dão saudade.E que ler um bom cordelDesperta a curiosidade.

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João Bosco Bezerra Bonfim, poeta, doutor em Lingüística, com pesquisas na área de Análises de Discursos, Gênero e Cordel. Cearense nascido na cidade de Novo Oriente,, vive em Brasília desde 1972, onde, em 1986, formou-se em Letras. Antes de se tornar Consultor Legislativo do Senado Federal, atuou como professor de português e literatura no Ensino Médio e com Alfabetização de Adultos, no Movimento de Educação de Base, da

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CNBB.Publicações e Monografias de João Bosco Bezerra Bonfim

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1. amador amador, de poesias, Ed. do Autor, Brasília, 2001

2. Pirenópolis pedras janelas quintais, de poesias, com fotos de Sílvio Zamboni e arte de Wagner Alves, Ed. Plano, Brasília, 2002

3. A fome que não sai no jornal, ensaio, Ed. Plano, Brasília, 2002

4. Era uma vez uma maria farinha, infantil, com ilustrações de Daniele Lincoln, LGE Editora, Brasília, 2003

5. Teoria do beijo, poesias, com arte de Ana Lomonaco, Ed. do Autor, Brasília, 2003

6. Romance do Vaqueiro Voador, cordel, com arte de Wagner Alves, sobre fotogramas de Vladimir Carvalho e xilogravuras e Abraão Batista, LGE Editora, Brasília, 2004

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7. Palavra de Presidente, vol I – discursos de posse de Deodoro a Lula, ensaio e antologia, LGE Editora, Brasília, 2004

8. Palavra de Presidente, Vol. II – Sob o signo de Ruy Barbosa, ensaio e antologia, LGE Editora, Brasília, 2006

9. Passagens terrâneas e subterrâneas, com arte de Ana Lomonaco, LGE Editora, Brasília, 2004.

10. O Jipe Cangaceiro na Chapada dos Veadeiros, com arte de Ana Lomonaco, LGE Editora, Brasília, 2005

11. Chronica de D. Maria Quitéria dos Inhamuns – poema-em-drama, com ilustrações de Côca Torquato e arte de Wagner Alves, LGE Editora, Brasília, 2005.

12. Uma Traça de Casaca na Casa de Rui Barbosa, infantil, com arte de Renato Palet, LGE Editora, Brasília, 2005

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13. A peleja do letrado contra as trevas do atraso,cordel, LGE Editora, Brasília, 2007

14. São Chiquinho ou o rio quando menino, infantil, com arte de Mateus Rios, Ed. Biruta, SP, 2008

15. No reino dos preás, o rei carcará, cordel, infantil, com arte de Mateus Rios, Ed. Elementar, São Paulo, 2009;

16. in feito, poesias, Ed. do Autor, Brasília, 2009

17. O Soldadinho de Chumbo recontado em cordel, Ed. Prumo, São Paulo, 2009.

18. Um Pau-de-Arara para Brasília, cordel com ilustrações de Alexandre Teles, Ed. Biruta, 2009

19. A Rabeca de Seu Chico Joana, com ilustrações de Jô Oliveira, Ed. Prumo, 2009.

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