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TATIANE SCUDELLER A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA E A EDUCAÇÃO FÍSICA LONDRINA 2009

A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA E A EDUCAÇÃO FÍSICA 200… · a busca da superação, e se preocupa com o indivíduo na sua totalidade, complexidade, o que representa a sua corporeidade

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TATIANE SCUDELLER

A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA E A EDUCAÇÃO FÍSICA

LONDRINA 2009

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TATIANE SCUDELLER

A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA E A EDUCAÇÃO FÍSICA

Monografia apresentada ao curso de Especialização em Educação Física na Educação Básica da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial ao título de Especialista em Educação Física Escolar. Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Pereira.

LONDRINA

2009

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TATIANE SCUDELLER

A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA E A EDUCAÇÃO FÍSICA

Monografia apresentada ao curso de Especialização em Educação Física na Educação Básica da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial ao título de Especialista em Educação Física Escolar.

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________ Profª. Drª Orientadora: Ana Maria Pereira _________________________________ Profª Drª Angela Pereira Teixeira Palma _________________________________ Prof. Drª Ana Claudia Saladine

Londrina, 29 de maio de 2009.

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Dedico este estudo aos meus pais, que

sempre me ensinaram a lutar e perseverar

pelos meus objetivos e à minha

orientadora, Profª Drª Ana Maria Pereira,

por sua imensa paciência e dedicação.

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“A dificuldade não está na criação de

novas ideias, mas sim em libertarmo-nos

das velhas”.

John Maynard

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus que me permitiu alcançar tudo o que

conquistei em minha vida e me deu forças para superar cada desafio lançado por Ele.

À minha orientadora, Profª Drª Ana Maria Pereira, que se empenhou e

ajudou significativamente para a melhor compreensão do tema escolhido, de todo o

andamento e etapas do trabalho, enfim, por toda paciência e dedicação por ela

disponibilizadas.

Aos meus professores do Curso de Especialização em Educação Física

na Educação Básica, que contribuíram grandiosamente para o aprimoramento de meus

conhecimentos na minha prática escolar.

À minha família, que sempre me apoiou em minhas escolhas e me

ajudou a concretizar mais este título para minha carreira profissional.

À minha irmã Fabiane, pela revisão e correção deste trabalho e demais

contribuições.

Aos meus amigos, pela companhia e distração em momentos de

cansaço físico e mental, por me ouvir e compartilhar alegrias e tristezas que ocorreram

neste período do Curso de Especialização.

Aos meus colegas de turma, que colaboraram nas dificuldades e

trabalhos em sala, além de todos os momentos agradáveis e felizes que passamos

juntos no curso de especialização.

Enfim, a todos aqueles que colaboraram de alguma forma para a

conclusão deste estudo de formação continuada.

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SCUDELLER, Tatiane. A Ciência da Motricidade Humana e a Educação Física. 2009. 58 f. Monografia (Especialização em Educação Física na Educação Básica) – Universidade Estadual de Londrina. Londrina.

RESUMO

A presente monografia centrou-se na temática da Ciência da Motricidade Humana com o objetivo de estudar os seus pressupostos filosóficos e epistemológicos, bem como identificar qual o contributo de tal ciência para a atual Educação Física. Dessa forma, a pesquisa formulou as seguintes questões: O que é a Ciência da Motricidade Humana? Quais os seus pressupostos filosóficos e epistemológicos? Essa ciência apresenta algum contributo para a atual Educação Física, especificamente para a área escolar? E para encontrarmos respostas às questões apresentadas realizamos a pesquisa por meio de levantamento e revisão de literatura, portanto, bibliográfica. Contudo, identificamos que a área da Educação Física encontra-se em crise, uma crise paradigmática, com objeto de estudo indefinido e falta de identidade. A Motricidade Humana propôs o corte epistemológico para a Educação Física. Podemos concluir que a Ciência da Motricidade Humana tem seu estudo voltado ao movimento intencional, favorecendo a educação humana rumo ao sentido e significado. Constitui-se pela percepção, tomada de consciência e expressão por parte do movimento que possibilita a busca da superação, e se preocupa com o indivíduo na sua totalidade, complexidade, o que representa a sua corporeidade. A Motricidade Humana reconhece a Educação Física como sua pré-ciência e apresenta a Educação Motora como seu ramo pedagógico, que supera e transcende a Educação Física, abandonando o dualismo antropológico cartesiano e passando para o paradigma da complexidade. Sendo assim, a Motricidade Humana contribui com a educação e com a formação desse ser humano crítico e autônomo que almejamos. Palavras-chave: Ciência da Motricidade Humana, Educação Física, Educação Motora, Escola.

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SCUDELLER, Tatiane. A Ciência da Motricidade Humana e a Educação Física. 2009. 58 f. Monografia (Especialização em Educação Física na Educação Básica) – Universidade Estadual de Londrina. Londrina.

ABSTRACT

This paper focused on the theme of Human Motricity Science with the objective of study its philosophical and epistemological assumptions and identify what the contribution of this science to the Physical Education nowadays. Thus, the research raised the following questions: What is the Human Motricity Science? What are its philosophical and epistemological assumptions? This science has some contribution to the Physical Education, specifically in the school area? And to find answers to questions we perform a search through survey and literature review. However, we identified that the area of Physical Education is in a paradigmatic crisis, with undefined object of study and lack of identity. The Human Motricity proposed a epistemological cut to the Physical Education. We can conclude that the Human Motricity Science has its focus on the intentional movement, promoting the human education towards to sense and meaning. It´s made by perception, awareness and expression by the movement that allows the pursuit of overcoming, and worries about the individual in its totality and complexity, which represents its corporeality. The Human Motricity recognizes the Physical Education as a pre-science and presents the Motorized Education as its pedagogical field, which transcends the physical education and abandons the Cartesian anthropological dualism, passing through to the paradigm of complexity. Thus, the Human Motricity helps with education of the training as critical and autonomous human as we desire. Key words: Human Motricity Science, Physical Education, Motorized Education, School.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 09 CAPÍTULO I ............................................................................................................ 13

2 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO PANORAMA DA NOSSA REALIDADE................... 13 2.1 A concepção de homem/corpo .......................................................................... 13 2.2 O objeto de estudo ............................................................................................ 17 2.3 A nomenclatura ................................................................................................. 19 2.4 A prática pedagógica ......................................................................................... 20 2.5 A superação da Educação Física por meio da Ciência da Motricidade

Humana................................................................................................................................. 22

CAPÍTULO II ........................................................................................................... 24

3 A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA........................................................... 24 3.1 O corte epistemológico....................................................................................... 24 3.2 Manuel Sérgio: filósofo português precursor da Ciência da Motricidade

Humana.................................................................................................................... 26

3.3 A Ciência da Motricidade Humana: pressupostos e fundamentos..................... 27 3.4 Intencionalidade Operante ou Motricidade Humana.......................................... 30 3.5 Transcendência.................................................................................................. 32 3.6 Ser práxico......................................................................................................... 33 3.7 Homem como um todo (paradigma da complexidade)....................................... 36 3.8 Pressupostos da Ciência da Motricidade Humana............................................. 38 CAPÍTULO III........................................................................................................... 42

4 A EDUCAÇÃO MOTORA..................................................................................... 42 4.1 Ramo Pedagógico da Ciência da Motricidade Humana..................................... 42 4.2 A passagem da Educação Física para a Educação Motora............................... 43 4.3 Indicadores da Educação Motora....................................................................... 48 4.4 A Educação Motora na escola............................................................................ 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 53 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 58

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo teve como temática a Ciência da Motricidade

Humana e a Educação Física. A Ciência da Motricidade Humana nos foi apresentada

como disciplina somente no Curso de Especialização em Educação Física na Educação

Básica. Observamos que esta temática esteve ausente no currículo do Curso de

Graduação, no qual fui matriculada no ano de 2002, na Universidade Estadual de

Londrina e, por conta disso, apresentou-se para mim como conteúdo novo, como um

novo paradigma para a Educação Física e uma possível solução para seus problemas

vigentes, tais como: a crise de identidade, falta de objeto de estudo e de uma

termologia apropriada. Por isso, surgiu o interesse em estudá-la com mais profundidade

nesta monografia.

Diante deste contexto formulamos as seguintes questões: o que é a

Ciência da Motricidade Humana? Quais os seus pressupostos filosóficos e

epistemológicos? Essa ciência apresenta algum contributo para a atual Educação

Física, especificamente para a área escolar?

Para responder a essas questões estudamos, de forma rigorosa e de

conjunto, a Ciência da Motricidade Humana, com atenção aos seus pressupostos

filosóficos e epistemológicos. Também, identificamos sua importância e contributo para

a área no âmbito escolar.

Ao aprofundarmos os nossos estudos, a partir do ingresso na referida

especialização, começamos a perceber que a Educação Física passa por uma grande

crise paradigmática, (Freire, 1991; Feitosa, 1993; Moreira; Tojal, 2004); e que a área

tem dificuldade em definir com clareza o seu objeto de estudo, a sua identidade própria

e, até mesmo, o uso de uma termologia mais adequada, uma vez que já sabemos que

não educamos somente para o físico.

No entanto, nesse mesmo curso, deparamo-nos com uma disciplina

intitulada Motricidade Humana e a Práxis Educativa. Verificamos que tal teoria sugere

uma possível solução para a crise da Educação Física, pois a Ciência da Motricidade

Humana aponta para uma mudança do paradigma vigente, assim como uma nova

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matriz de conhecimentos na busca de uma ciência autônoma, tendo seu próprio objeto

de estudo: a Motricidade Humana (motricidade/corporeidade) que prima pelo

movimentar-se intencionalmente, com sentido e significado e, ainda, defende a

formação do homem práxico.

Desse modo, surgiu o interesse em estudar o que é a Ciência da

Motricidade Humana, quais os seus pressupostos filosóficos e epistemológicos, para

saber se essa ciência pode contribuir de fato com a área, especificamente, com a

Educação Escolar.

Para atingir nossos objetivos anteriormente citados a presente pesquisa

utilizou-se do levantamento e revisão de literatura, portanto, esta é uma pesquisa de

cunho bibliográfico, que tem como finalidade estudar a Ciência da Motricidade Humana.

Para Luna (1999), a revisão de literatura em um trabalho de pesquisa

pode ser realizada com alguns objetivos, dentre os quais se enquadram: determinação

do “estado da arte”, em que o pesquisador procura mostrar por meio de estudos

literários já publicados o que já se sabe sobre o tema e quais as lacunas ainda

existentes para viabilizar estudos futuros. No trabalho de revisão teórica insere-se o

problema de pesquisa dentro de um quadro de referência teórica para melhor explicá-lo

e compreendê-lo.

Segundo Lakatos; Marconi (2003), a pesquisa bibliográfica é

compreendida por oito fases, sendo estas fundamentais para a elaboração da pesquisa:

a escolha do tema; a elaboração do plano de trabalho; a identificação; a localização; a

compilação; o fichamento; a análise e interpretação; e a redação. Tendo como base

essas fases procuramos percorrer o seu processo para o melhor desenvolvimento desta

presente pesquisa.

Primeiramente, foi escolhido o tema, como proposto pelas autoras

anteriormente citadas, definido como: A Ciência da Motricidade Humana e a Educação

Física. Na sequência, realizou-se um levantamento bibliográfico com a identificação das

obras que abordam o tema escolhido, por meio de livros, artigos e sites da Internet. Foi,

então, elaborado um projeto de pesquisa contendo: tema, problema, objetivos,

justificativa e feito o fichamento do material pesquisado.

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Posteriormente, realizou-se a fase de análise e interpretação do material

escolhido e estudado que, de acordo com Marconi; Lakatos (2003), é a fase em que se

realizam críticas ao material bibliográfico, sendo considerado um juízo de valores sobre

determinado material científico.

Assim sendo, a presente pesquisa foi estruturada em três capítulos. O

primeiro trata sobre a Educação Física no panorama da nossa realidade. O segundo

segue com o discurso da Ciência da Motricidade Humana e o terceiro estuda a

Educação Motora, ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana.

O primeiro capítulo, que tratou da temática A Educação Física no

panorama da nossa realidade, discutiu o quadro atual da Educação Física no contexto

da realidade. Observou-se que a Educação Física, ao longo de sua História, tem

dificuldade em definir sua identidade e o seu objeto de estudo, e enfrenta problemas de

ordem epistemológica, ontológica e política. Identificamos ainda em nossa área a falta

de definição de uma matriz teórica do conhecimento. Também, observamos uma

abissal separação do corpo (sensível) e da alma (inteligível), traduzido como dualismo

antropológico cartesiano.

Contudo, identificamos que a área da Educação Física encontra-se em

crise, uma crise paradigmática que necessita consolidar-se e efetivar-se como ciência

para a legitimidade da área. Assim, a Motricidade Humana veio com o objetivo de suprir

as necessidades e, talvez, solucionar as falhas deixadas pela Educação Física.

No entanto, no segundo capítulo, apresentamos a Ciência da

Motricidade Humana, que tem como seu precursor o Professor Manuel Sérgio, cujo

autor defende a necessidade de mudança paradigmática para a Educação Física e

propõe o corte epistemológico, para que a área possa romper com o seu passado

clássico e com o paradigma racionalista e passar para uma nova perspectiva, uma nova

ordem científica.

A Ciência da Motricidade Humana apresenta uma vertente pedagógica:

a Educação Motora, que se preocupa com o contexto escolar. Assim, este tema foi

estudado no terceiro capítulo da presente monografia.

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Podemos concluir que a Ciência da Motricidade Humana tem seu estudo

voltado ao movimento intencional, visando à transcendência, permitindo a formação de

um ser livre e autônomo. Constitui-se pela percepção, tomada de consciência,

expressão por parte do movimento que possibilita a busca da superação, e se preocupa

com o indivíduo na sua totalidade, complexidade, o que representa a sua corporeidade.

Tem como objeto de estudo a Motricidade Humana, reconhece a Educação Física como

sua pré-ciência e apresenta a Educação Motora como seu ramo pedagógico, que

supera e transcende a Educação Física, deixando de lado o dualismo antropológico

cartesiano e passando para o paradigma da complexidade. Portanto, podemos afirmar

que a Motricidade Humana tem algo a contribuir com a educação de forma geral, na

formação desse ser humano que almejamos, contribuindo para formar o cidadão

fazedor de mudanças, tanto na vida quanto no seu meio e sociedade.

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CAPÍTULO I

2 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO PANORAMA DA NOSSA REALIDADE.

Muitos autores contemporâneos (Freire, 1991; Oliveira, 1983; Tojal, 2004;

Medina, 1995; entre outros) se empenharam em estudar o que é de fato a Educação

Física, porém, o que se encontram são inúmeras tentativas em definir sua identidade e

o seu objeto de estudo, pois não há na literatura uma convergência a respeito da

definição do que é a Educação Física.

Ao realizarmos uma análise aprofundada da Educação Física no

contexto da realidade, nos deparamos, também, com outras questões que precisam ser

nomeadas. Entre elas encontramos a dificuldade em definir sua identidade e o seu

objeto de estudo, pois ela tem enfrentado problemas de ordem epistemológica,

ontológica e política. Identificamos, ainda, em nossa área, a falta de definição de uma

matriz teórica do conhecimento. Também, observamos uma abissal separação do corpo

(sensível) e da alma (inteligível), traduzido como dualismo antropológico cartesiano.

2.1 A concepção de homem/corpo

Ao analisarmos o contexto em que se insere a Educação Física, no

panorama da nossa realidade, observamos que é indispensável conhecer sua história e

o pensamento/paradigma que pairava em torno dela. Iniciamos a análise da concepção

de homem que a Educação Física apropriou-se na modernidade:

A Educação Física Moderna nasceu em finais do século XVIII e princípios do século XIX, trazendo consigo a concepção de homem dividido em res cogitans e res extensa, mas sublinhando que o ser humano é essencialmente pensante, em perfeita conformidade com a declaração peremptória de Descartes: ‘não há nada no conceito de

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corpo que pertença à mente e nada na idéia de mente que pertença ao corpo’ (SÉRGIO, 2003, pp. 181 182).

O entendimento de corpo que inicialmente pretendemos tratar é

pertencente ao paradigma da Educação Física, que se orienta na doutrina elaborada

por Descartes nos Tempos Modernos.

Sobre a concepção de corpo é possível considerar as palavras ditas por

Descartes apud Sérgio (2003) ao reconhece-lo como uma máquina que não

apresentava nenhum propósito, vida ou espiritualidade na matéria. A natureza

funcionava de acordo com leis mecânicas, e tudo no mundo material podia ser

explicado em função da organização e do movimento de suas partes sob a égide da

Física/Matemática Newtoniana.

E ainda, na observação de Sérgio (2002, p. 43), segundo Fritjot, “toda a

elaboração da ciência mecanicista, nos séculos XVII, XVIII e XIX, incluindo a grande

síntese de Newton, nada mais foi que o desenvolvimento da idéia cartesiana”.

Descartes deu ao pensamento científico sua estrutura geral, a concepção da natureza

como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas.

René Descartes referencia que a principal característica do paradigma

cartesiano era a separação do Homem em duas partes distintas: corpo e mente. Tal

fato pode ser percebido na Educação Física por sua própria nomenclatura, que suscita

a ideia de educação do físico tão somente.

“(...) compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de um lugar, nem depende de qualquer coisa material. De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual soou o que sou, é completamente distinta do corpo e, também, que é mais fácil de conhecer do que ele, e mesmo que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo que é” (DESCARTES apud SIQUEIRA, 2006, p. 51).

Descartes chegou a negar a existência do corpo e reduziu o homem à

realidade pensante em alguns momentos. Também, separou abissalmente as

respectivas ontologias: a res cogitans e a res extensa, encerrando o ser humano na

experiência interior e fazendo radicar o que chamava de verdade no pensamento puro e

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no inteligível. Foi instaurado, no entanto, um dualismo radical, no qual corpo e alma se

apresentam como duas substâncias diferentes e independentes, (...) duas formas distintas de realidade: a primeira substância é o pensamento ou a alma, a outra é a extensão ou a matéria. A alma é consciência pura, não ocupa lugar no espaço e, portanto, é indivisível. E a matéria, ao contrário é só extensão, ocupa lugar no espaço e por isso pode ser decomposta em partes. Ainda que o pensamento e extensão provenham de Deus, trata-se de duas substâncias independentes uma da outra (PEREIRA, 2006, p. 34).

A Educação Física, ao abraçar a mudança de paradigma, possibilita o

abandono da visão cartesiana do mundo para uma outra, caracterizada pela

globalidade e complexidade, que é a Motricidade Humana.

Assim, o homem cartesiano (esquemático e definido) é rejeitado pelo

pensamento contemporâneo, nomeadamente por Freud, Marx e Nietzsche. E é a partir

desse momento que o homem passa a entender-se como elemento do próprio mundo e

não como um ser diante do mundo, como anteriormente.

Para Espinosa apud Sérgio (2003, pp. 18 19) “o corpo não é físico tão-

só, é a diferença e, por isso, se movimenta de modo intencional. É preciso passar do

físico ao motor (ou do físico à motricidade), provocar a passagem de um tipo de

organização mental a outro”.

Neste sentido, a observação feita por De Marco (1995) apresenta

subsídios para entender o corpo em sua totalidade. “Eu sinto com minha mente,

movimento-me com meu corpo, e movimento-me com minha mente e sinto com meu

corpo, assim não é possível separar essas estruturas e esses processos. Não posso

falar do meu corpo, sem ser o meu corpo” (1995, p. 27).

Essa visão de corpo fragmentado está presente no paradigma

cartesiano e na Educação Física. Porém, não somos apenas um físico tão-só, somos o

todo, por isso, uma Educação Física que se preocupa somente com o físico, com a

divisão de corpo e mente/alma, é insuficiente para a formação humana, tornando

necessária uma ruptura no paradigma cartesiano, abrindo espaço para uma nova

ciência, no caso, a Ciência da Motricidade Humana.

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Entretanto, hoje, não se aceita mais uma Educação Física que se

subordina e se restringe aos imperativos da razão e que delega ao corpo a condição de

instrumento, de máquina e de objeto. “Almeja-se o paradigma emergente, antidualista,

holístico e complexo que dissolva o paradigma cartesiano e este fosso intransponível

entre o mero físico e o mental” (PEREIRA, 2006, p. 70).

De acordo com Oliveira (1983), a Educação Física tem dificuldade de se

consolidar como uma autêntica participação social, os seus objetivos, ao longo da

história, foram, principalmente, de ajudar a implantar um clima de passividade social.

Não proporcionavam oportunidades para o desenvolvimento de mentes críticas, a fim

de somente massificar consciências, unificando-as de acordo com interesses

dominantes. A área não foi considerada, portanto, propriamente educação, era

adestramento, vigor físico, cultura do físico.

Nesse sentido, e sob a égide dessa concepção, as aulas caracterizaram-se,

no exercício da docência; (...) pela formação e organização rígidas em colunas, fileiras e círculos, pelas decisões centradas no professor, pelas interferências avaliativas dirigidas para correções de posturas, execução correta do exercício ou atividade, pelo número de repetições, dentre outros aspectos desta natureza (REZENDE, 1995, p. 89).

Segundo De Marco (1995), a Educação Física é mais do que formar

atletas, ela pode contribuir com o desenvolvimento pleno da pessoa, com a formação

de uma consciência crítica, com o conceito de cidadania e com o próprio

desenvolvimento da consciência corporal, entendendo que o conhecimento do corpo

precede a descoberta e integração do mundo exterior. Para isso, O conceito de movimento precisa ser revisto e ampliado, tem que ser considerado como um conjunto de diversos processos; sensação, cognição, emoção e memória, cuja síntese pode resultar em movimento ou na motricidade, como capacidade singular da espécie humana (p. 33).

No entanto, de acordo com Oliveira (1983), a intervenção do professor de

Educação Física é sobre o corpóreo. Porém, na medida em que os benefícios

extrapolam o corporal, falham os currículos que se preocupam essencialmente com as

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matérias biomédicas e as técnicas esportivas em demasia, desprezando o estudo de

outras áreas do conhecimento.

A Educação Física teria de ser muito mais do que um físico tão-só, pois ela

educa pessoas inteiras e não separa o corpo da alma, o sensível do inteligível, como no

dualismo cartesiano que é apresentado na Educação Física tradicional. Almeja-se uma

motricidade que considera e reconhece o indivíduo como sendo um ser complexo e

global.

Observamos que essa separação fez com que a área tivesse uma

tendência a se preocupar somente com o físico tão-só, restringindo-se, com muita

ênfase, a atividades corporais, sendo a sua intervenção direcionada aos aspectos

técnicos e de rendimento.

Notamos, também, que a Educação Física se utilizou do discurso do

paradigma clássico fundado na ciência racionalista. Sua teoria e sua prática

constituíram-se e fortaleceram-se engajados na perspectiva do dualismo antropológico,

que remeteu o humano a uma visão de corpo fragmentado, subjugado e empurrado em

direção à razão analítica, com o movimento pautado na reprodução, na demonstração,

na cópia e na técnica. “O humano não foi considerado a partir dele mesmo, inteiro e

complexo, mas a partir de um ente dilacerado em múltiplas unidades com a

predominância do racional sobre o emocional, do inteligível sobre o sensível e da alma

sobre o corpo” (PEREIRA, 2006, p. 70).

De fato o homem também é corpo e a corporeidade faz parte da

condição humana. Portanto, é preciso exigir novos olhares para o humano, pois não há

nada fora do corpo. É com esse pensamento que identificamos a necessidade e

urgência de um novo paradigma para a Educação Física, pois não há educação de

físicos, mas sim de humanos que se movimentam intencionalmente.

2.2 O objeto de estudo

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Ao analisarmos a Educação Física no panorama da nossa realidade, no

que se refere ao seu objeto de estudo, nos deparamos com o autor Parlebas (1987)

apud Tojal (2004) que se preocupou em encontrar o princípio fundamental da Educação

Física no conceito de movimento, considerada por ele ultrapassada, pois a área ainda

encontra-se ligada ao movimento do físico tão-só, e não centralizada no ser que se

move, como sugere.

Sérgio (1989) também observou que a Educação Física, por falta de

objeto de estudo, viveu e vive até hoje de empréstimos de outras áreas de

conhecimento, como a biologia, a psicologia, a sociologia, sendo que essas áreas

possuem os biólogos, psicólogos, sociólogos, pedagogos, tornando-se difícil de

encontrar nelas o necessário rigor científico e um objeto de estudo definido.

Observamos que a Educação Física tradicional, vítima do paradigma

cartesiano, se preocupa, muitas vezes, em oferecer velocidade, resistência, endurance,

impulsão, entre outros. Assim, temos uma Educação Física ligada somente aos limites

da melhoria da condição física do sujeito nos aspectos biológicos.

A Educação Física não pode se atrelar apenas aos aspectos orgânicos,

tampouco pensar que é responsável pela saúde, pois não pode proporcionar de fato

saúde, porque lhe faltam requisitos necessários para o nível da complexidade, e ainda

separa o físico da pessoa, limitando no desenvolvimento das suas potencialidades.

Manuel Sérgio revela a necessidade de um corte epistemológico, que é

a passagem do paradigma cartesiano, da Educação Física à Ciência da Motricidade

Humana, integrando o esporte, a dança, a ergonomia, a reabilitação, o jogo desportivo,

a ginástica, as lutas, a motricidade infantil, entre outros.

Se a Educação Física é um aspecto da pedagogia geral, Ciência da Educação Física alude a uma construção teórica que não pode se transformar em qualquer modelo de situação real. Entretanto, porque uma ciência só se constitui como tal (como um corpo de conhecimento e de resultados) no momento em que o sistema que a produz já construiu o seu próprio e autônomo objeto teórico, (...) na direção de uma Ciência da Motricidade Humana, a qual nos possibilitaria a construção de uma teoria que nos colocaria em correspondência com a realidade (SÉRGIO, 1989, pp. 34 35).

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19

Portanto, a Educação Física, por ser física, de acordo com Sérgio

(2003), não pode ser raiz do conhecimento, dado que isola o físico do intelectual e

moral, sendo apenas um aglomerado de técnicas, sem qualquer tipo de fundamento

válido. Isso porque não basta apenas uma prática, mas também compreender a prática,

ou seja, “a unidade prática-teoria; teoria essa que pretende interpretar e projetar a

prática” (p. 65).

2.3 A nomenclatura

Ao analisarmos a Educação Física no panorama da nossa realidade, no

que se refere à nomenclatura, Tojal (2004) explica que ao longo do tempo surgiram

várias denominações para a disciplina, tais como: cultura física, atividades físicas,

cultura corporal, ginásticas, dentre outras. Também se confundiu, muitas vezes, a

Educação Física com o Desporto.

Também, o termo ‘’Educação Física’’, para muitos autores como

Manuel Sérgio, Nelson Mendes (1969), entre outros, é, atualmente, uma expressão

limitadora, estática e não válida. Por conta das insuficiências no plano de um

enquadramento cientificamente mais sustentado,

“(...) se definirmos o objeto do nosso campo de investigação, se aceitarmos os caminhos da complexidade seremos, obviamente, conduzidos a aceitar a expressão “Educação Motora” ou “Educação Desportiva” em detrimento da expressão “Educação Física”; seremos conduzidos para uma nova organização e gestão desta área curricular e, concomitantemente, poderemos dispor de uma práxis compaginável com as grandes tendências e necessidades de formação das comunidades escolares” (SÉRGIO, 2002, p. 34)

Ainda, de acordo com Sérgio, a Educação Física continuará sendo

alienação enquanto for física, pois essa palavra apresenta uma clara significação

ideológica, pautado num racionalismo newtoniano-cartesiano. Pode, também, levar o

homem ao conformismo, imobilizado no tempo e com uma ideia de natureza humana

dividida em corpo e alma, sem um projeto global de humanidade.

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Portanto, podemos aderir ao pensamento de Sérgio quando diz:

a “Ciência da Educação Física” é uma expressão que não atende ao rigor de linguagem exigido pelo desenvolvimento das ciências, pois funde (e confunde) dentro de si conceitos claramente distintos (...) Entretanto, porque uma ciência só se constitui como tal (como um corpo de conhecimento e de resultados) no momento em que o sistema que a produz já construiu o seu próprio e autônomo objeto teórico, não me parece desavisado caminhar na direção de uma Ciência da Motricidade Humana, a qual nos possibilitaria a construção de uma teoria que nos colocaria em correspondência com a realidade (SÉRGIO, 1991, pp 34 35)

A Educação Física deve (ou ao menos deveria) se preocupar em

atender-se como um ramo de uma ciência independente e autônoma e, por conta disso,

com um objeto de estudo bem definido, com fundamentos lógicos, existenciais e

epistemológicos.

Porém, enquanto a Educação Física não definir seu objeto de estudo,

não será válido somente alterar sua nomenclatura, pois a mudança não depende

apenas da troca de nomes, mas de mudança de paradigma.

2.4 A prática pedagógica

Ao continuarmos a nossa contextualização percebemos que os

aspectos de ordem teórica, paradigmática e ideológica influenciam a sua prática

pedagógica.

A Educação Física tradicionalmente buscou desenvolver uma prática

voltada a habilidades e aprimorar capacidades físicas por meio de exercícios e

atividades físicas, treinamento, especialização técnica, esportes, fisiologia do esforço

que induzia pensar em movimento (DE MARCO, 1995). Diante desse pensamento

estava o professor de Educação Física, que muitas vezes “passou a assumir o papel de

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preparador físico, incorporou às suas aulas exercícios de ordem unida e tornou-se um

‘disciplinador por excelência” (Oliveira, 1983, p. 97).

Na Educação Física ainda podemos encontrar uma prática distante de

uma fundamentação teórica. “Uma prática que repete e repete, muitas vezes

maquinalmente, (...) num processo de clara alienação que já não se coaduna com a

modernidade, isto é, com espaços de intervenção que se pretendem cada vez mais

criativos, inovadores e de libertação do homem” (SÉRGIO, 2002, p. 27).

A preocupação está em como entender e articular a construção dos

saberes que fazem parte da vida do homem. Para isso, diz Sérgio (2002), que a nossa

preocupação não deveria ser somente com os primeiros doze anos de escolaridade, por

meio de uma prática cristalizada. “Há um diálogo com a história e com a vida, de

natureza transdisciplinar que, obviamente, terá de relegar modelos caracteristicamente

fechados e desorganizados do ponto de vista gestionário” (p. 35).

“A Educação Física tradicional (...) afirma-se cultura, mas não se sabe explicar no quadro de uma cultura entendida como criatividade, como invenção como pesquisa, visto que sobrevive da esmola dos modelos analógicos e do entusiasmo transbordante de muitos dos seus técnicos e não de uma atitude científica, de uma decisão e compromisso científicos que a visionem como fenômeno emergente, em evolução, no quadro geral das ciências” (SÉRGIO, 2002, p. 47)

A Educação Física deverá libertar-se rumo a um caminho de um projeto

portador de futuro. Um projeto que terá de assentar num novo espaço de reflexão,

gerador de uma nova teoria do conhecimento com seus próprios argumentos e

exemplos, projeto este que terá de fundir na ciência, para que se possa criar uma nova

matriz, sendo esta curricular. “Aliás, é precisamente a prática que nos aponta que a

Educação Física, enquanto macroconceito, morreu” (SÉRGIO, 2002, p. 33).

No entanto, parece-nos surgir para a nossa área de estudo um novo

conceito de formação do homem que passa pela Ciência da Motricidade Humana,

porque “(...) a tranqüilidade resignada do paradigma da simplicidade (ou paradigma

cartesiano) estilhaçou-se de encontro a revelações do paradigma da complexidade”

(SÉRGIO, 1996, p. 12 apud SÉRGIO, 2002, p. 33).

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Portanto, os profissionais da docência da Educação Física precisam

mudar de atitude, a qual deverá partir do professor atuante na área, de sua ação práxis

pedagógica. E quem sabe, num futuro próximo, mudar até sua nomenclatura, tendo em

vista comunicar a toda a comunidade científica e também a comunidade geral que

estamos evoluindo rumo à transcendência.

2.5 A superação da Educação Física por meio da Ciência da Motricidade Humana.

Diante do contexto anteriormente apresentado sobre as dificuldades e

problemas da Educação Física surge, então, uma nova perspectiva para solucionar

alguns de seus problemas: a Motricidade Humana que veio com o propósito de

preencher, digamos, um vazio deixado pela Educação Física.

A Ciência da Motricidade Humana é proposta por Manuel Sérgio por

sentir necessidade da área em se fazer ciência, mas acima de tudo, ciência humana.

Portanto, torna-se necessário provocar a cada momento a inter-relação entre o global e

o local, pensando de forma global e agindo local. Com essa integração é possível ao

menos amenizar as dicotomias entre o corpo e o espírito, o local e o global, o simples e

o complexo, o lazer e o trabalho. “É esta estratégia de visão integrada que entendemos

ser possível através do conceito de Motricidade Humana, mas que já não é possível

com o conceito cada vez mais vazio de Educação Física” (SÉRGIO, 2002, p. 13).

Há, portanto, a urgência de mudança na área, para que haja a

passagem da Educação Física para a Ciência da Motricidade Humana. Porém, essa

passagem não quer dizer que todo o percurso histórico-cultural seja abandonado. Tal

percurso resultou em um conjunto de atividades e/ou práticas corporais decorrentes das

ações motoras. Assim sendo, a Educação Física é a pré-ciência que deu origem à

Ciência da Motricidade Humana. Portanto, “essa passagem significa a busca da

inovação, desacertando o passo e o compasso da continuidade, rumo à evolução”

(PEREIRA, 2006, p. 121).

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A transição marcada pelo fim de um ciclo hegemônico de uma ordem

científica rumo a uma nova ordem científica traduz uma passagem, uma mudança de

paradigma que tem como perfil o modelo global de racionalismo científico, abrindo

espaço a uma nova perspectiva. O paradigma tradicional, legitimado pelos pressupostos cartesiano-newtoniano não dão respostas satisfatórias aos estudos, às investigações e às intervenções da área em questão, pois esse paradigma sustenta uma base positivista subjacente apenas ao “movimento do homem” ou “movimento humano”, em desacordo com o paradigma emergente e complexo. Há que dirigir a atenção para a noção do “homem em movimento” e convém observar que esse deslocamento não é apenas uma simples inversão e troca de lugar das palavras, mas sim uma grande e significativa mudança de entendimento efectivada na compreensão da concepção de homem e de movimento, decorrente de uma nova visão de ciência, de sociedade e de mundo (PEREIRA, 2006 p. 123).

Nesse momento a Educação Física entra em crise, e isso só se

percebe quando se entra em crise a visão cartesiana do homem, quando se conclui que

o homem, num olhar unicamente biológico, é reducionismo. Quando também desponta

uma visão totalizante do homem.

Não podemos ser somente educadores de físicos, pois fazemos parte

do processo de formação e de educação de humanos que se movimentam, inseridos

numa motricidade que implica complexidade e que considera o ser humano uno.

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24

CAPÍTULO II 3 A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA

3.1 O corte epistemológico

A Ciência da Motricidade Humana, diante do quadro atual da Educação

Física, aponta a necessidade de mudança paradigmática e propõe o corte

epistemológico para que a área possa romper com o seu passado clássico e com o

paradigma racionalista e passar para uma nova perspectiva, uma nova ordem científica.

Observamos que o paradigma clássico “é insuficiente para compreender

e explicar os fenômenos da natureza humana” (PEREIRA, 2006, p. 128).

É com esse pensamento que não se aceita mais uma Educação Física

subjacente ao paradigma clássico, enraizado em um dualismo ultrapassado, sem seu

objeto de estudo definido, com a identidade e o conceito de ciência esmolada na área

biológica, que não permite a ruptura entre a teoria e a prática.

Para que possamos construir o novo não há como fugir da ruptura com

o velho. Porém, o ser humano tende a resistir à mudança, pois prefere estar sempre

seguro em algo que já se conhece. Contudo, devemos priorizar a incerteza, o

desequilíbrio nessa fase de transição.

Pereira (2006, p. 129) defende que “é chegado o momento da

descontinuidade, de suscitar inovações e mudanças, de transição, de acompanhar as

revoluções ocorridas no âmbito das ciências, para provocar um salto qualitativo para o

campo do saber, na impropriamente denominada, Educação Física”. É nesse momento

que se torna necessário consolidar o corte epistemológico, rumo a novos caminhos e

horizontes.

O corte epistemológico, que é um instrumento teórico para pensar a

descontinuidade entre a ideologia e as ciências, de acordo com Feitosa (1993, p. 18),

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“constitui o caminho para se analisar a estrutura específica da ciência enquanto aparato

de produção de conceitos e, sobretudo, para fazer-nos pensar a diferença entre objeto

real e objeto de conhecimento”.

Para tanto, de acordo com Pereira (2006), o corte epistemológico requer

um vocabulário científico atualizado para se afirmar:

“(...) com expressões advindas do racionalismo não é possível exprimir-se as últimas aquisições da ciência hodierna. Já não se educam físicos tão só, mas pessoas em movimentos e torna-se evidente que a expressão ‘Educação Física’ caducou e a ‘Motricidade Humana’ nasceu sem quaisquer problemas” (pp 129 130).

Pereira (2006) diz que um dos motivos que levou a Ciência da

Motricidade Humana a realizar uma ruptura, além dos anteriormente citados, é por

considerar o “ser humano como sendo uma conexão indissolúvel das ontologias res

cogitans e res extensa, ou seja, uma complexidade” (p. 140) e não apenas um físico

tão-só. Ser humano este que se apresenta como “uma unidade expressiva, sendo

portador de imenso sentido e significado, revelando a sua intencionalidade operante ou

motricidade”. Por outro lado, porque, ao se referir ao conhecimento científico, recusa,

veementemente, a mensagem do pensamento moderno contaminada pelo excessivo

racionalismo.

Nasce, nesse momento, uma superação do paradigma racionalista e um

novo redirecionamento no entendimento de homem. Sendo assim, tornam-se legítimas

“a descontinuidade e a ruptura com a concepção dualista de homem e também com o

paradigma tradicional de ciência, demasiadamente racionalista e pouco reticular”

(PEREIRA, 2006, p. 141).

Para a nossa compreensão do processo de efetivação do corte

epistemológico, devemos levar em consideração a emergência de um novo paradigma

e o afastamento do paradigma vigente, inserido na produção do conhecimento

científico.

O paradigma emergente surge como uma espécie de desdobramento do paradigma anterior, de certa forma retoma instâncias anteriormente existentes na produção de sentido e de conhecimento, mas em contrapartida dá-lhe nova direcção e autonomia, e ainda, na medida em

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que se envolve num processo criativo vai tecendo o novo, construindo a novidade e, simultaneamente, sedimentando e cristalizando o paradigma anterior (PEREIRA, 2006, p. 132).

Contudo, evoluir no conhecimento implica sempre uma ruptura com a

tradição, podendo, essa ruptura, ser chamada de corte epistemológico. Tal corte

constitui uma noção dinâmica e articulada de uma ciência viva, com o intuito de

transformar o conhecimento, o homem e a cultura existentes no mundo.

Pereira ainda relata aquilo que se pretende com a ruptura, que é a

rejeição do paradigma racionalista e a epistemologia tradicional como a principal

sustentação do campo do fazer-prático da Educação Física, com o intuito de consolidar

de forma autêntica a disciplina no âmbito prático da ciência e, também, redirecionar a

intervenção do âmbito prático em uma verdadeira práxis.

3.2 Manuel Sérgio: filósofo português precursor da Ciência da Motricidade Humana.

A Educação Física, em meio à sua crise mundial, contou com uma

significativa contribuição para a sua evolução. Segundo Tojal (2004), essa contribuição

foi do Professor Manuel Sérgio, proveniente da Filosofia, pois preocupou-se em estudar

as demais propostas existentes da área, e teve o mérito de traçar os pressupostos

filosóficos que resultaram em sua proposta da Ciência da Motricidade Humana.

Filósofo contemporâneo, Manuel Sérgio, em meio a reflexões e

discussões epistemológicas, mergulha num mundo de incertezas. De acordo com

Pereira (2006), envolveu-se num emaranhado de ordem e desordem e, ao longo de sua

trajetória acadêmica, reinterpretou a tradicional Educação Física, trabalhando

arduamente para apresentar uma sólida investigação epistemológica. Foi ele o primeiro

autor, em língua portuguesa, que propõe um corte epistemológico para a área.

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O referido autor identificou que a principal característica do paradigma

cartesiano era a separação do homem em duas partes distintas: corpo e mente. Esse

fato pode ser percebido na Educação Física, a partir de sua própria nomenclatura e da

prática, que suscita a ideia de educação do físico tão somente.

Empenhou-se, e ainda tem se esforçado, para demonstrar aos

profissionais da Educação Física a necessidade de se estabelecer uma nova teoria, um

novo corpo de conhecimentos que dê embasamento à Ciência da Motricidade Humana,

da qual a Educação Motora, no lugar da tradicional Educação Física, seria um dos

componentes no ramo pedagógico.

Propõe uma mudança de paradigma para que a Educação Física se

liberte do emaranhado de ciências em que se esmola, para que, assim, se torne uma

ciência autônoma, tendo seu próprio objeto de estudo: a Motricidade Humana.

Manuel Sérgio teve como objectivo sugerir e criar uma nova ciência do homem, a Ciência da Motricidade Humana, apresentando-a como matriz disciplinar autónoma e originalidade epistemológica. Portanto, não tinha como objectivo principal estabelecer a materialização dessa ciência em questão. E se ele não a operacionalizou, (...) apontou as pistas necessárias ao acentuar que a Ciência da Motricidade Humana é uma nova ciência humana e é com a metodologia específica das ciências humanas que a Educação Motora/Educação Física se deverá concretizar (PEREIRA, 2006, p.3).

Sua contribuição para a área é de grande importância e resultou em

grande evolução, pois ele, poeta e epistemólogo da linha bachelardiana, buscou um

conhecimento novo e propôs o corte epistemológico, além de ter anunciado uma

ruptura no processo de produção do conhecimento científico, a caminho de uma

formação política e ideológica.

3.3 A Ciência da Motricidade Humana: pressupostos e fundamentos.

A Ciência da Motricidade Humana propõe uma reconstrução

epistemológica para a Educação Física, consolidando-a em uma nova ciência do

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homem e institui um novo objeto de estudo para essa área do conhecimento, que seria

a própria Motricidade Humana.

A Ciência da Motricidade Humana, apresentada por Tojal (2004), define-

se como sendo,

(...) a compreensão de que o homem é um ser itinerante e práxico a caminho da transcendência; e a motricidade é a capacidade para o movimento dessa transcendência. Portanto, (...) a Ciência da Motricidade Humana é a ciência da compreensão e da explicação das condutas motoras (TOJAL, 2004, p. 13).

Ainda, segundo Tojal, o homem é um ser complexo e, por isso, a teoria

do conhecimento há de ter em conta a complexidade humana, deixando de exaltar

somente o físico ou o motor mecanicista, em favor da intencionalidade em que emerge

a Motricidade Humana. Estudar, portanto, o homem em movimento e não somente o

movimento do homem.

A Motricidade surge e subsiste como emergência da corporeidade que

é a condição de presença, participação e significação do homem no mundo. Tojal

(2004) diz que a Motricidade emerge da corporeidade como sinal de um projeto.

A Motricidade constitui o aspecto fundamental da vida humana. É sinónimo de intencionalidade motora do corpo-próprio, na conjugação da sensibilidade e da inteligibilidade, formando uma espécie de enovelamento, ou seja, integrando uma plena e sólida unidade complexa. Motricidade Humana, também chamada de intencionalidade operante é a intenção que opera, indelevelmente, o desvelar e o revelar do ser humano, no âmago do movimento e da experiência concreta (PEREIRA, 2006, p. 151).

Com isso em mente, Manuel Sérgio, citado por Feitosa (1993), afirma

que a Ciência da Motricidade Humana tem como objeto teórico a própria Motricidade

Humana. A mesma autora acrescenta que essa ciência citada encontra-se na fase pré-

paradigmática, por lhe faltar a comunidade científica que a legitime, ou seja, uma

grande comunidade científica que a defenda e a consolide.

A Motricidade Humana é a base para a determinação da essência do

homem, pois é por ela que o homem se materializa e se revela, no âmbito de um

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processo em que o ensaio de transcendência desempenha um papel primacial de

mediação (SÉRGIO, 2003).

A partir da transcendência, a Motricidade Humana distancia-se dos

conceitos da Educação Física tradicional (mecanicista), do dualismo cartesiano, que

separa o corpo da mente, pois a Educação Física mecanicista está ligada, com grande

ênfase, à técnica de execução de modelos estereotipados e repetitivos.

Diferente da Educação Física tradicional, a Ciência da Motricidade

Humana, segundo Sérgio (1999), é entendida como ciência independente, que estuda o

ser humano, no movimento intencional da transcendência, em que a dimensão

originária da abertura ao mundo se revela na plenitude de seu significado.

Com esse pensamento, Sérgio prossegue relatando que essa ciência

“quer trazer a esta área do conhecimento uma incessante complexidade, uma

racionalidade dialogante e aberta. Integram-na o desporto, a dança, a ergonomia, a

educação especial e a reabilitação e ainda os vários tipos de motricidade infantil e o

lazer lúdico-desportivo” (SÉRGIO, 1999, p. 27).

Segundo Pereira (2006), é importante que os processos de ensino e de

aprendizagem da Educação Motora, ramo pedagógico da Ciência da Motricidade

Humana, sejam interessantes e motivantes para os educandos, ou seja, que se

constituem repletos de sentido e de significado, problema pertencente ao âmbito da

práxis. Contudo, a orientação para se atingir tal processo fica por conta de princípios

diretores e orientadores, a partir dos pressupostos a seguir: aprender a respeitar a

cultura geral e as culturas infantil e juvenil na educação escolarizada, na assunção e

construção do conhecimento compartilhado; a Motricidade Humana como produtora de

sentido e de significado na síntese entre o conhecimento popular e o conhecimento

erudito; considerar o sentido e o significado e as motivações pessoais dos educandos e

dos educadores.

Podemos, então, afirmar que a Ciência da Motricidade Humana é a

ciência que estuda o movimento intencional, espontâneo, livre, que permite a

transcendência, constituindo-se pela percepção, tomada de consciência, expressão por

parte do movimento que possibilita a busca da superação, preocupando-se, dessa

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forma, com o indivíduo na sua integridade, complexidade, o que representa a sua

corporeidade.

3.4 Intencionalidade Operante ou Motricidade Humana

A Ciência da Motricidade Humana, decorrente da fenomenologia,

aproxima-se do conceito proposto por Merleaut-Ponty (1945) nomeadamente de

Intencionalidade Operante. Manuel Sérgio apropriou-se desse conceito de

intencionalidade a caminho da transcendência. E Motricidade Humana ou

intencionalidade operante possibilita ao homem o caminho da transcendência.

A partir da coesão entre o sensível e o inteligível, razão e emoção, corpo

e alma, surge uma nova matriz de compreensão geral do ser humano: a da

intencionalidade, a da corporeidade, ou seja, a da motricidade. A intencionalidade

operante, o mesmo que motricidade e o deslocamento do mundo teoricamente

representável, remetia e se limitava à consciência, para um mundo operável e

praticável, que indicou a existência concreta e a situação de fato, considerando assim a

consciência em ato.

O movimento é a parte de um todo (do ser finito e carente que se

transcende), e a motricidade é, no entanto, o sentido desse todo, apresentando-se nas

dimensões fundamentais do ser humano.

Sendo assim, a Motricidade Humana (ou Intencionalidade Operante), de

acordo com Sérgio (2003), supõe uma visão sistêmica do homem; a existência de um

ser não especializado e carenciado, aberto ao mundo, aos outros e à transcendência;

um ser práxico. Constitui uma energia que é estatuto ontológico, vocação e provocação

de abertura à transcendência; um processo adaptativo, a um meio ambiente variável, de

um ser não especializado; um processo evolutivo de um ser, com predisposição à

interioridade, à prática dialogal e à cultura; um processo criativo de um ser em que as

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práxis lúcidas, simbólicas e produtivas traduzem a vontade e as condições de um

homem se realizar como sujeito responsável de seus atos.

Podemos, no entanto, salientar que a consciência repleta de

intencionalidade e o corpo dotado de movimento, ao integrarem-se numa só unidade

humana, formam uma significação existencial, havendo uma relação lógica entre o

corpóreo, a consciência e o mundo.

Contudo, de acordo com Pereira,

a noção de intencionalidade pauta-se no movimento que pulsa a vida viva, concebe e emana um verdadeiro sentido desvelado de modo muito particular a cada ser humano, sendo que esse movimento, em sua plenitude só poderá ser compreendido a partir da vivência concreta e da experiência original (2006, p. 108).

O movimento intencional não é um movimento que se limita ao corpo-

objeto-material realizado apenas no deslocamento no espaço, ou uma execução sem

qualquer objetivo traçado, porque a concepção de corpo-máquina não apresenta

intencionalidade na ação, portanto quando não há intenção na ação é como se fosse

um movimento morto.

A Intencionalidade Operante ou a Motricidade Humana, de acordo com

Pereira (2006), abandonam, definitivamente, o império somente do pensar e retomam

as origens significativas no domínio do fazer, traduzido em uma práxis que abrange a

totalidade humana. As intenções no cartesianismo se situavam no âmbito do simples

pensar como consciência representativa das ideias, nas quais até mesmo as ações se

revelavam no idealismo puro. Isso quer dizer que as intenções podem se mover e se

estabelecer no contexto da práxis, considerando os domínios do tornar possível e do

poder fazer.

Podemos definir que a essência da intencionalidade é, simultaneamente,

um ato motor, radicado na motricidade e um conceito do intelecto radicado na

consciência. É por isso que se pode conceber e compreender a motricidade enquanto

intencionalidade original.

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3.5 Transcendência

Sabemos que o homem é o único ser que tem consciência de si mesmo,

como ser genérico e finito, e, por conta disso, é nato de si a vontade de superar-se,

apontando, assim, uma vocação para a transcendência. A partir da transcendência o

homem afirma sua liberdade e dignidade humanas, pois é por meio dela que se constrói

o homem novo, um homem aberto à transcendência e, como tal, um ser práxico.

Recorremos ao dicionário Barsa (2005) para que possamos entender

melhor o sentido da palavra transcendência e transcendente num só contexto:

transcendência é a qualidade ou estado de transcendente (que transcende, superior,

sublime, excelso; ou seja, que transcende os limites da experiência possível).

É importante ressaltarmos, nesse momento, que a transcendência do

humano não é obra do indivíduo enquanto categoria biológica, mas da pessoa enquanto

categoria complexa, de forte pendor de sensibilidade e inteligibilidade. Sendo assim, o

homem, como indivíduo e pessoa, não é tão-só o produto de um processo genérico,

biológico e físico, é também mental e espiritual.

A transcendência (que tem como significado subir além de – trans-

ascender) pretende designar um incontrolável movimento intencional em direção à

superação dos limites. Leva o sujeito a ultrapassar e a ultrapassar-se, na direção do

Absoluto1. E Absoluto é a complexidade humana que intencionalmente se movimenta

em busca de ser mais.

De acordo com Pereira (2006, p. 112), O ser-no-mundo alcança a transcendência quando tem noção de sua carência e se envolve em projectos, visando à superação. É um ir e vir no qual é possível sair do presente e projectar o futuro, em acto de pura transcendência. O transcender é o agir no livre-arbítrio, é a busca da

1 Explicação de Manuel Sérgio sobre o Absoluto: “O homem é um ser carente. Sempre quer mais do que tem. Portanto, numa linguagem metafórica significa: ‘não há pão que sacia o homem!’’

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liberdade, é a realização daquilo que é mais secreto em nós, do nosso mais íntimo desejo.

Podemos afirmar que a transcendência leva-nos à liberdade, porque por

mais que possamos estar numa condição de submissão, nada nem ninguém poderá

controlar os nossos pensamentos e emoções. Enfim, não é possível aprisionar o ser

humano totalmente, pois a perspectiva da transcendência possibilita vencer obstáculos,

transpor os interditos e ir além de todo e qualquer limite.

Em se tratando do âmbito escolar e da intervenção pedagógica,

segundo Pereira (2006), especificamente na aula de Educação Motora, deve haver uma

conexão entre a experiência e a compreensão, pois só assim poderemos favorecer a

autossuperação e a transcendência do educando.

Portanto, o ser humano só alcança a transcendência à medida que se

junta a um meio definido, confunde-se com projetos e empenha-se continuamente

neles. Pois o envolvimento em projetos faz com que o ser humano consiga novas

maneiras de viver e de sobreviver, de se relacionar com os outros, de criar e recriar a

cultura, de acreditar em um novo futuro, em um novo homem, em uma nova sociedade

política, em uma nova escola, em uma nova formação humana na educação para o

trabalho, para a saúde e para o lazer. E, de maneira específica, romper com a

educação do físico é conceber uma nova perspectiva para o ser humano que dança,

que faz ginástica, que joga, que luta e que pratica o Esporte, na presença de um

paradigma bem definido: o da Ciência da Motricidade Humana.

3.6 Ser práxico

Para iniciarmos o assunto nada mais lúcido que definir o que é o ser

humano práxico. Portanto, o ser práxico é aquele que faz movimentar a História com

sentido e com significado, pois é ser humano que faz cultura, é ativo no exercício da

criação, da expressão e da busca da liberdade; é aquele que se revela crítico na

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tomada de decisão e de oposição; é o que resolve problemas; é ético e solidário; ou

seja, é aquele que sabe ser, estar, fazer, comunicar e compartilhar.

O conceito de práxis que atualmente vemos na sociedade se importa

cada vez mais com o desenvolvimento tecnológico, modificando a ação. Por isso, “a

práxis exige uma reflexão sobre o sentido da vida, sobre a razão de ser do acto

humano” (FEITOSA, 1993, p. 98). É, com efeito, uma reflexão ativa, com intenções que

se manifestam por meio de movimentos transformadores que resultam em consciência

e responsabilidade.

De acordo com Feitosa (1993), a praxidade se diferencia do movimento

humano por provocar a transformação, pois a práxis é transformadora e criadora. Fica

evidente na práxis a unidade teoria-prática, além de ser material e social, num processo

objetivo, visível, palpável, histórico em que o homem se constrói ao construir sua

própria história.

Para Manuel Sérgio (apud Tojal, 2004, p. 156), o homem é um ser de

carências e, como tal, um ser práxico, ser que se faz fazendo, ou seja, só pode viver se

atua, e por essa razão visa sempre a agir para ser mais, o que representa a sua

capacidade e possibilidade de transcendência.

A relação de unidade da teoria e prática constitui-se como um todo, ou

seja, a teoria e a prática pertencem à mesma totalidade.

De acordo com Antunes (1977) apud Sérgio (2003), o homem como

práxis quer dizer em Marx um homem normado, que é dialeticamente um ser, na sua

ação, normativo. “Os homens fazem a sua própria história, não nas condições por eles

próprios fundadas, mas nas condições que lhes são dadas” (p. 171). Ainda diz que é a

práxis que explica e precede a teoria, é a ação que precede e explica na reflexão e a

contemplação.

Considerando que a Educação Física escolar tem o propósito de

promover a aprendizagem, tendo o professor como responsável pela formação do ser

humano, que se assegura numa base sólida de conhecimento visando, sobretudo,

ensinar nosso aluno a como aprender, este precisa necessariamente de um princípio de

conhecimento que oriente a sua ação num mundo em processo de transformação

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acelerada, e que requer uma pedagogia e uma escola capazes de encontrar maneiras

de preparar para a transformação constante, para a reconversão e aprofundamento

intermináveis, para a crítica e reconstrução permanentes.

No entanto, a Ciência da Motricidade Humana apropria-se da categoria

central do marxismo, que defende a concepção de práxis como ação transformadora.

Segundo Pereira (2006), a noção de práxis apresentada pelo filósofo Manuel Sérgio

fundamenta-se em uma antropologia que considera o ser-no-mundo e compreende-o no

sentido da existência concreta, em todos os momentos e em todos os aspectos

complexos da vida. Eis o sujeito-encarnado manifesto na experiência objetiva e

subjetiva do ser.

Para promover uma práxis pedagógica autêntica é necessário fazer

diagnósticos, ou seja, interpretar os sinais com base numa:

(...) apurada leitura da realidade, no intuito de desvelar o estado do contexto em que será realizada a intervenção, para a partir daí conjeturar hipóteses e definir estratégias no sentido de pôr em prospectiva as mudanças e transformações; isso tudo, considerando a organização dos conteúdos e a respectiva seriação, as metodologias de ensino-aprendizagem e os processos de avaliação (PEREIRA, 2006, p. 226).

Podemos afirmar que a prática nos aponta que a Educação Física

morreu, enquanto macroconceito, pois nela se encontra a complexidade humana em

busca da transcendência.

A Ciência da Motricidade Humana, enquanto explicação e

compreensão das condutas motoras, tem um papel relevante como práxis

transformadora, porque, como nova ciência, emergiu de forma crítica e comprometida.

Contudo, tal ciência possibilita “(…) uma apropriação cognitiva mais correcta,

sistemática, intencional, planeada, e uma participação mais democrática, na

problematização e construção do Homem, da Sociedade e da História” (SÉRGIO, 1989

apud PEREIRA, 2006, p. 182).

O desafio da Educação Motora, ramo pedagógico da Ciência da

Motricidade Humana, é ter como finalidade a educabilidade do ser humano práxico. E,

no entanto, para ensinar o educando a ser práxico é preciso que o educador também

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saiba ser práxico. Ser práxico depende da ousadia do educador em acreditar e ter

convicção de que mudar é preciso, de que mudar é possível.

Inserido na Educação Motora está o propósito de levar o educando a

“tomar decisões quando lhe é permitido a participação democrática em um conjunto de

acções compartilhadas no âmbito de uma unidade social, que é a aula, e numa

interacção dialéctica entre educador, educando, objecto de estudo e mundo vivido”

(PEREIRA, 2006, p. 293). A participação e a tomada de decisões conscientes sugerem

a possibilidade da formação do educando-cidadão, personagem ativo do seu destino e

futuro ser-práxico-cidadão, autor e interventor de sua própria história e aprendiz durante

toda a vida.

3.7 Homem como um todo (paradigma da complexidade)

O paradigma da complexidade surge com o intuito de romper com as

proposituras do paradigma tradicional, que ocasionavam a fragmentação excessiva e

levava ao determinismo, e nos leva a considerar e caracterizar a ideia de corpo como

um todo.

A Educação Motora, ao considerar a complexidade em um processo de

educação e de formação da pessoa humana, está em concordância com a “(...) missão

da educação para a era planetária” (MORIN, 2004, p. 107), no sentido de tornar viável a

emergência de uma sociedade-mundo constituída e construída por cidadãos críticos,

autônomos e libertos. Morin afirma que o ensino deve ser “(…) uma missão de

transmissão de estratégias para a vida” (p. 108).

Também, a Ciência da Motricidade Humana idealiza e sugere para a

complexidade a Reforma do Pensamento, proposto por Edgar Morin, ou seja, a

transposição de um princípio determinista e mecanicista para um princípio dialógico

complexo. O paradigma da complexidade traz consigo uma nova estruturação do

pensamento por meio da ordem-desordem-organização, além disso, estabelece

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relações de suma importância que auxiliam na construção de estudos que

proporcionam um novo sentido para as pesquisas científicas.

Podemos dizer que refletir sobre a complexidade seria “falar em relação

simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática

entre essas instâncias co-geradoras do conhecimento” (MORIN, 2004 apud SIQUEIRA,

2006, p. 32).

O autor Manuel Sérgio mostra-nos, com seu estudo sobre o paradigma

da complexidade, a percepção da totalidade complexa que é o Homem e também

aponta o pensamento complexo derivado do corpo, levando-nos à compreensão de que

esse pensamento combina ação e reflexão por meio de relações dialógicas.

O corpo é simultaneamente exterioridade e interioridade. Ele é a sede da vida. Mas, atenção! sem a vida, nas suas múltiplas manifestações incluindo as psíquicas, o corpo não é humano. É a matéria complexa e organizada que permite o espírito; é a linguagem, a cultura, a motricidade que o desenvolvem – mas, sem o espírito, o corpo perde seu estatuto ontológico de ser humano (SÉRGIO, 2003, p. 26).

O pensamento fragmentado começa a conquistar um caráter integrador,

que tem por base esquemas relacionais e integradores, nos quais cada fenômeno é

composto por um conjunto de relações que pertencem a relações de maiores

amplitudes.

No paradigma da complexidade, para melhor ser entendido, é preciso

entender e abordar a diferença entre a dialética e a dialógica, pois esse paradigma

propõe a dialógica como um dos princípios da complexidade. Portanto, Morin (apud

Siqueira, 2006) propõe que é preciso pensar a complexidade e a incerteza. Então, em

vez de dialética, o autor sugere a dialógica, uma dialética que não recusa a contradição

e assume o paradoxo de que duas ideias podem estar certas ao mesmo tempo. Isso

não significa deixar de lado a lógica, mas sim integrá-la à interpretação complexa.

Então, podemos afirmar que o paradigma da complexidade sugere a

relação entre os aspectos físico e cognitivo, sem separá-los, uma vez que se acredita

que a motricidade intervém em todos os níveis das funções cognitivas, mediando as

experiências e a compreensão.

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Segundo Alvarenga (2008, pp 20 21), é possível apontar que:

“(...) este paradigma busca estabelecer a compreensão e a construção do conhecimento por meio das relações complexas desenvolvidas no exercício de ordem-desordem-organização, na interação entre todo e parte – parte e todo, na aceitação da incerteza e na consideração de paradoxo.

A mesma autora continua relatando que o homem passa a fazer parte

diretamente do processo de organização do conhecimento estabelecendo uma relação

entre sujeito observador e objeto, o que acaba por estimular e valorizar a formação da

sua autonomia.

Em se tratando do contexto escolar, Pereira (2006) diz que a

complexidade solicita um novo modo de tratar a práxis pedagógica da escola, pois esta

se apresenta carregada de incertezas e de imprevisibilidades e, também, cheia de

interdependências e de interações, porque tudo é tecido em conjunto, especificamente

no que se refere ao objeto de conhecimento e seu contexto de intervenção.

A Motricidade Humana tem algo a contribuir com a educação de forma

geral, na formação desse aluno que almejamos, que pensamos, que sonhamos.

Contribuir para formar o cidadão, com algumas características, que se considera

importante para a sociedade como um todo, cidadão este fazedor de mudanças:

mudanças na vida, mudanças no meio, enfim, mudanças na sociedade.

Por fim, apresentamos o estudo de Feitosa, no que se refere aos

pressupostos da Ciência da Motricidade Humana.

3.8 Pressupostos da Ciência da Motricidade Humana.

A Motricidade Humana, de acordo com Feitosa (1993), possui uma

matriz teórica que a fundamenta, sendo esta um eneagrama conceptual fundante. Os

elementos que compõe essa matriz são: carência, intencionalidade, movimento,

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praxicidade, linguagem, ludicidade, intersubjetividade, transcendência e, para finalizar,

a totalidade.

Neste momento, façamos compreender cada um desses elementos que

se pretendem ser alcançados por meio do exercício reflexivo com base no estudo de

Feitosa (1993) em seu livro Contribuições de Thomas Khein para uma Epistemologia da

Motricidade Humana.

O primeiro elemento da matriz é a denominada de carência: o homem é

reconhecido como um ser conscientemente carente e, por conta disso, ele só percebe

perfeitamente a si mesmo quando parte em busca da transcendência, visando a sua

plena realização. “A carência é a militância do ser finito, do ser que se move a si

próprio” (p. 96). O segundo é a intencionalidade. O elemento da intencionalidade é o

pensamento da motricidade que se resume no homem pensando no fazer-se. Pensar é,

dentro deste contexto, projetar intencionalmente, é a percepção real de um mundo que

se manifesta sempre na sua raiz natural e histórica.

Em seguida, encontra-se com o movimento que é a expressão externa

da motricidade e, como expressão, é o agente revelador da intencionalidade. É também

um dos elementos da praxicidade que transforma, que gera cultura. A praxidade surge,

na sequência, com a práxis exigindo uma reflexão sobre o sentido da vida, sobre a

razão de ser do ato humano. A ação humana, por ser de intensa complexidade, ocorre

uma reflexão ativa e uma ação reflexiva repleta de intenções manifestas em

movimentos transformadores que refletem a consciência e responsabilidade. “A práxis é

o próprio meio de existir do homem” (p. 98). Também, encontra-se como elemento da

matriz teórica a linguagem que constitui-se em um sistema de símbolos, sendo o

homem o único ser capaz de produzi-la. Esta, como produto da razão, acontece

somente onde há racionalidade, constituindo-se num dos principais instrumentos na

formação do mundo cultural, assim como possibilita a transcendência da própria

experiência. Em se tratando da Ciência da Motricidade Humana, a linguagem

pressupõe um sistema de relações e operações que substitui a sintaxe usual e

evidencia o corte epistemológico, invoca novos contextos, exige novos discursos.

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O elemento ludicidade compõe o eneagrama da Ciência da Motricidade

Humana, contribuindo, de forma infinitamente mais rica, para a compreensão da

dimensão transcendente e globalizante na sua realidade intersubjetiva. A Ciência da

Motricidade Humana define a intersubjetividade como condição primeira da vida de

relação, pois leva-nos a olhar o outro como nós mesmos, ou seja, a termos empatia

pelo próximo. Na transcendência, o ser humano tende a superar a si mesmo e sua

deficiência dos meios orgânicos que lhe foram excluídos, e isto ocorre quando

transforma o mundo com a sua atividade em algo que sirva à vida. Podemos afirmar

que toda a existência do ser humano é uma sucessão de superações, de

transcendências rumo à complexidade, sendo que, para isso, é necessário um sentido

que, acima de uma direção, é uma razão de ser. Por fim, a totalidade leva-nos a pensar

em multiplicidade, contradição e complexidade dinâmica. E mesmo dentro dela

podemos encontrar zonas e processos que formam subunidades estruturais que não

podem ser esquecidas sempre que se trata de encontrar uma resolução ou uma

compreensão adequada para determinados problemas e questões bem precisos.

Ainda, recorrendo a Capra, Feitosa diz que dentro da Física moderna a

imagem do universo como máquina foi transcendida por uma visão dele como um todo

dinâmico e indivisível, em que suas partes estão inter-ligadas.

Esse eneagrama partiu com o intuito de aprofundar o estudo e a

compreensão da área daqueles interessados em formar uma comunidade científica

sobre o tema, ensejando, enfim, a autonomia da área para que assim possa ser

legítima e anunciada a Ciência da Motricidade Humana.

Manuel Sérgio propôs também uma matriz disciplinar, de maneira um

pouco diferenciada da proposta feita por Feitosa. Em sua matriz encontram-se as

seguintes características: auto-organização subjetiva, complexidade-consciência, inter-

relação corpo-alma-natureza-sociedade, práxis transformadora, cinefantasia, primado

do todo em relação às partes, transcendência, linguagem corporal e existência de um

discurso inadequado ao uso corrente.

Faremos a explicação neste momento de cada uma das características,

de acordo com Sérgio (1994).

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A primeira delas, a auto-organização, a motricidade insere-se na

organização gerada pelo ser humano como “o jogo necessário das interações, que nos

transporta a novas emergências da complexidade” (p. 50). A complexidade-consciência

acontece quando a cefalização liga-se à complexidade. Em se tratando da inter-relação

corpo-alma-natureza-sociedade, Sérgio diz que “(...) por dentro de uma visão holística

do homem e do universo tudo está em tudo e por tudo o homem realiza e se realiza” (p.

51). Pela práxis transformadora o homem abre-se à transcendência e se reconhece não

mais como objeto, mas sim como sujeito fazedor da história e doador de sentido. Já a

cinefantasia diz que a Motricidade Humana depende de uma decisão em que se

fundem consciência e sonho. A linguagem corporal acontece quando o corpo apresenta

seus jogos, pelos quais ele procura sentido, constrói novas formas de convivência e fala

da liberdade de criar. E, finalmente, o discurso inadequado ao uso corrente mostra a

necessidade de uma linguagem adequada à produção de novos conhecimentos.

Doravante, passaremos a estudar o ramo pedagógico da Ciência da

Motricidade Humana: a Educação Motora.

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CAPÍTULO III 4 A EDUCAÇÃO MOTORA

4.1 Ramo Pedagógico da Ciência da Motricidade Humana.

Constatamos anteriormente, no primeiro capítulo desta monografia, que

a Educação Física tradicional considerou o corpo como um objeto, “(...) uma tábua rasa

preso ao sufocamento da repetição mecânica e das performances instituídas”. (...) O

espírito precisava de um corpo destro e, por isso, o adestrava (SÉRGIO, 1994, p. 70).

Diferente daquela tradicional Educação Física, Manuel Sérgio nos

apresentou a Educação Motora, sendo esta o ramo pedagógico da Ciência da

Motricidade Humana. E, de acordo com De Marco (1995, p. 100), a Educação Motora

“se preocuparia em educar aquilo que se faz mover, educar a motricidade, educar a

corporeidade, (...) educar, em última análise, o próprio homem”.

Contudo, os conhecimentos a serem ensinados pela Educação Motora,

à luz da Motricidade Humana, se fundamentam nas habilidades motoras e capacidades

físicas, porém não somente isso, pois a Educação Motora se preocupa em formar

sujeitos agentes ativos, fazedores de sua própria história. Além do mais, explora e

examina o esporte, o jogo, a luta, a ginástica, a educação especial, a reabilitação e a

ergonomia, no âmbito escolar, em busca do ser autônomo.

A Educação Motora, ao se ocupar do movimento tendo como princípio a formação autônoma, pode educar para a liberdade e para a cidadania. (...) O contexto da intervenção, da práxis, pode favorecer o espaço do exercício da liberdade com responsabilidade, espaço para falar, andar, observar, correr, decidir, saltar, agir, arremessar, ponderar, jogar... Enfim, espaço pedagógico destinado a aprender a ser mais (PEREIRA, 2006, p. 172).

Por ser o ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana, a

Educação Motora tem como lição o fato de “(...) proporcionar espaço e tempo ao

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movimento da transcendência a um ser consciente das suas limitações e que, ao

superá-las, encontra o sentido da vida” (SÉRGIO, 1994, p. 80).

O mesmo autor esclarece que a Educação Motora como ramo

pedagógico da Ciência da Motricidade Humana busca,

[…] o desenvolvimento das faculdades motoras imanentes no indivíduo, através da experiência, da autodescoberta e autodirecção do educando. Abrindo-o a um dinamismo intencional, criativo e prospectivo, a educação motora (ou Educação Física) propõe-lhe mais do que um saber fazer, um saber ser (1994, p. 162).

Nessa perspectiva, a Educação Motora tem como responsabilidade

garantir à criança, assim como também ao jovem, ao adulto e ao idoso, uma autêntica

Educação em um espaço onde o homem se forma pessoa, e que essa pessoa possa

reconhecer-se e que outras o reconheçam como consciência e liberdade. É nesse

momento que podemos afirmar segundo Sérgio (1994, p. 163) que (…) “a Educação

Motora é Educação”.

Todavia, a Educação Motora deve ser consolidada e reconhecida como

uma autêntica disciplina curricular e, de forma rigorosa, justificar-se enquanto ciência da

qual pertence, contribuindo na formação dos educandos, assim como as demais

disciplinas já reconhecidas, para que se concretizem os objetivos da educação e da

formação do ser humano que é de fato um ser complexo.

4.2 A passagem da Educação Física para a Educação Motora.

Pereira (2006) em sua tese de doutorado utiliza a dialética dos opostos,

que consiste em uma proposição, a tese, que ao ser negada, acaba por se formar numa

oposição, a antítese. Dessa relação forma-se a mediação (tese e antítese) que emerge

uma nova proposição mais evoluída: a síntese.

A mesma autora recorreu a Hegel (1770/1831), filósofo moderno, para

que possamos compreender a passagem da Educação Física para a Educação Motora.

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“A Educação Física constitui a tese e tem na Motricidade Humana o seu elemento de

interpenetração dos contrários, que é a antítese” (2006, p. 165). Nesse momento

instaura-se uma contradição interna entre a Educação Física e a Motricidade Humana,

sendo que a Motricidade Humana, inicialmente, cumpriu a função de opor e de compor,

sem exclusão, por considerar que em tudo há uma conexão expressa na ação

recíproca. E é na junção desses elementos que podemos chamar de síntese.

“A Motricidade Humana, enquanto estatuto dessa mediação, atinge o ponto fulcral da dialéctica, porque a mediação permite o movimento dinâmico da negação e também da superação, superação que favorece a transformação. E é nesse momento que emerge a nova proposição oferecendo uma síntese, mais rica do que a antiga tese e, por conseguinte, alcançando a mudança qualitativa” (2006, p. 166).

Assim, considerando a Educação Motora como o ramo pedagógico da

Ciência da Motricidade Humana, torna-se correto afirmarmos que ela também

representa a mediação desse processo de contradições, identificada na síntese

proposta, sabendo que esta não é fixa e acabada, e considerando que compõe uma

realidade sempre em mudança e em devir; é provável que terá, um dia, a sua antítese.

De Marco (1995) relata que a Educação Motora não nega a Educação

Física no interior da escola, nem em suas vitórias ou derrotas, seus avanços ou

retrocessos, pois o que prioriza é transcender o já conquistado.

Manzoli (2008, p. 33) afirma que:

“A Educação Motora não emerge apenas para contradizer a Educação Física, ela é um elemento adjunto da transformação da Ciência da Motricidade Humana, portanto, revela a intervenção expressa em uma nova metodologia que se sustenta do novo paradigma complexo, sistêmico, incerto e global”.

Também, apresenta-se, nos tempos contemporâneos, como sendo uma

tentativa de instaurar uma Educação Física científica. Considera o movimento, no ponto

de vista funcional, em constante significado com relação à conduta do ser na sua

totalidade. (...) a Motricidade Humana é, e deve ser, uma ciência, porque apresenta métodos e técnicas, que não se confundem com os das outras ciências, e precisa de ser ensinada, tanto individualmente como socialmente (SÉRGIO, 1994, p. 77).

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A Educação Motora não surgiu apenas para contradizer a Educação

Física, mas sim como uma espécie de elemento associado à transformação, de uma

nova Educação Física. Enfim, é uma educação-não-somente-física, que revela com

precisão os contornos do novo paradigma, que é complexo, sistêmico, incerto e global.

“A Educação Motora é uma nova forma do pensamento pedagógico, que surge a

posteriori da Educação Física, projetando uma luz sobre as obscuridades e as

deficiências deixadas pelo conhecimento organizado sob o paradigma antigo,

nomeadamente, o moderno” (PEREIRA, 2006, p. 168).

Distancia-se da Educação Física tradicional no momento em que esta

evidencia as marcas do paradigma cartesiano-newtoniano, da concepção de homem

dualista e de um corpo como um mero objeto. Pois, diferente da Educação Física, a

Educação Motora não é a repetição mecânica do gesto, mas a compreensão do todo,

do valor dos sentimentos e das emoções, assim como é do desejo, da superação da

insegurança, do medo à coragem.

Apresentaremos a transição da Educação Física para a Educação

Motora, com o intuito de evidenciar a transcendência até então conquistada, o que

resulta, cada vez mais, no distanciamento do paradigma tradicional racionalista e

aproximação do paradigma emergente e complexo. E para explicarmos com

propriedade essa transição recorremos à Pereira (2006).

A Educação Física, sob a égide do paradigma tradicional racionalista,

ficou no passado. Temos agora o paradigma complexo e emergente que reconhece a

Educação Física como a pré-ciência da Motricidade Humana, e sugere a Educação

Motora, que é o ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana, como a nova

nomenclatura para a área.

Dos dualismos e fragmentação do humano (corpo e alma, sujeito e

objeto), dá-se o lugar para a unidade e complexidade humana. Assim, com o novo

paradigma, a Educação Física sai da simples área de atividades e passa a ser

identificada como área de conhecimento, no âmbito da Educação Motora.

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Não há mais na Educação Motora o fragmento entre a teoria e a prática,

mas sim a dialética conhecimento-práxis. Na concepção de homem, este deixa de

simplesmente movimentar-se e passa a movimentar-se intencionalmente. Há um

deslocamento de corpo objeto para o sujeito-agente-encarnado.

Abandona-se o paradigma tradicional da Educação Física, regido por um

sistema rígido e fixo, com objetivos previstos em si mesmos, relacionados às

capacidades de adaptação e a sistemas deterministas. Volta-se ao paradigma da

complexidade da Educação Motora, cujos sistemas são flexíveis, relacionados às

estratégias autônomas e às competências de gerir com responsabilidade os sistemas

abertos e complexos.

A Educação Física apresentou uma tendência em privilegiar a prática e

a técnica exacerbada, respondendo aos estímulos do meio, de forma reflexa e

automática, pela via do condicionalismo. Já a Educação Motora trabalha voltada ao

equilíbrio entre o teórico-prático/conhecimento-práxis, pautado na reflexão da ação,

reflexão na ação e reflexão sobre a ação.

Na Educação Motora não há a rigidez do padrão do comportamento

motor, radicado no movimento pré-estabelecido e estereotipado, pertencente à

tradicional Educação Física. Há, no entanto, operações motoras em constante

construção, com sentido e significado da ação intencional.

A Educação Motora deixa de lado a tendência em privilegiar somente a

eficiência dos gestos e a mecânica do movimento, traduzido num ritmo padronizado e

uniforme, passando a valorizar o processo de educação e de formação da pessoa,

traduzido no alargamento de todas as dimensões humanas, sendo essas: sociais,

psicológicas, biológicas e motoras, respeitando os limites individuais.

O novo paradigma da Motricidade prioriza a transcendência,

tecnologias/técnicas e sistemas abertos, complexos e não deterministas, diferente da

Educação Física tradicional que pensa no rendimento com um fim em si mesmo, em

técnicas excessivas, sistemas fechados e deterministas.

O professor da Educação Motora refuta a ação tradicional daquele que

só é transmissor de conteúdos e o aluno é o receptor que os registra, sendo o ensino

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um processo de transmissão e o aprendizado um processo de recepção das regras e

das técnicas, das diferentes modalidades desportivas. O professor da motricidade é o

mediador dos conteúdos, no sentido de orientar e de comunicar um saber-fazer-viver,

de forma partilhada com o educando, correspondendo a todas as dimensões da práxis

humana, tendo em vista um processo de desenvolvimento multi-dimensional, de

evolução e de transcendência.

E, por fim, a Educação Motora transcende da concepção de avaliação

baseada no controle excessivamente rígido da objetividade quantitativa e da qualidade

de performance para a concepção de avaliação permanente e formativa integrada a

todo o processo de ensino-aprendizagem, com rigor e responsabilidade. Construção e

elaboração de meios para detectar as evoluções dos aspectos objetivos, subjetivos e

intersubjetivos da educação e da formação humana.

Entretanto, em se tratando da práxis, não se pode acreditar no

abandono total e imediato de uma concepção em relação à outra, pois:

(...) sabe-se que os processos de transição e de mudança suscitam mediações, representadas pela complexidade da oposição e da composição, para perfazer a proposição e a materialização do novo, e ainda, solicitam e exigem uma acurada revisão de valores e de atitudes dos actores envolvidos nesse processo, sendo estas de ordem pessoal, paradigmática, política, cultural e histórica (PEREIRA, 2006, pp 231 232).

Sérgio define em um pensamento o momento oportuno para a Educação

Motora concretizar-se: “A Educação Motora há-de transformar-se num momento de

ruptura com os vários tipos de alienação. Criar, sendo natureza, não é obra da

natureza, mas da liberdade. E a liberdade define-se pelo risco e pelos possíveis... em

corpo e movimento!” (1994, p. 87).

E é por meio da ruptura, da transcendência, que poderá se consolidar e

concretizar a mudança paradigmática na área, partindo de toda a comunidade científica

e de todos os profissionais envolvidos. Acreditamos também que de nada adianta o

discurso inovador se o curso pedagógico resistir às mudanças, se não assimilar a

ruptura e não incorporar o novo. É necessário, no entanto, para uma verdadeira

dimensão social da formação humana, dar valor à articulação entre o domínio do saber-

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fazer e o do saber-ser-pedagógico, na perspectiva de transformação, de transformar

ação e transformar a própria práxis.

4.3 Indicadores da Educação Motora.

De acordo com Sérgio (1994), a Educação Motora reafirma e

fundamenta-se, epistemologicamente, como sendo uma ciência autônoma, que é a

Ciência da Motricidade Humana, estabelecendo harmonia entre organismo e o meio.

Ressalta o homem como ser de cultura a quem não chega uma natureza sem

horizontes de solidariedade, de aventura, de sonho, de transcendência. Ainda, ensina

que a formação do homem não pode explicar-se em termos de uma causalidade, pois

tudo se caracteriza pela sua plasticidade e capacidade independente de renovação.

A Educação Motora ensina que, no ser humano, o físico está integral e

superado e que o corpo é uma realidade biopsíquica e social. Refere também que é no

movimento da superação que o homem faz história e se reconhece história. Acentua

que o homem vive, convive e desenvolve-se corporalmente. Converge à criação e

fruição de uma cultura nova, que emerge a pulsão, o intuito, o desejo, que ultrapassa o

discurso médico-biológico, demasiado racionalizado e sujeito ao poder. E ainda,

compete a uma educação integral.

Contudo, podemos considerar que “a Educação Motora não ocorre por

acaso e o seu estudo científico traz ao processo vital humano uma fundamentação,

criadora de identidade, que permite contributos importantes à compreensão da vida

humana, em toda a sua amplitude e profundidade” (SÉRGIO, 1994, p. 78).

Podemos considerar que a Educação Motora visa à transcendência, à

superação e, por conta disso, deve fazer o aluno sentir necessidade da pergunta e do

movimento que o corporiza e, a partir da pergunta do aluno, o professor é oportunizado

a interrogar a si mesmo.

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Deve, ainda, ser clara a diferença entre o abstrato do somente intelectual

e o concreto do vivido, para que se possa viver o movimento da transcendência, rumo

ao verdadeiro sentido das aulas de Educação Motora.

Teorias como as do Manuel Sérgio afastam a Educação Física da

definição clássica de movimento, fazendo-nos refletir sobre a questão de que o homem

não se movimenta somente, mas sim transcende e tenta atingir por meio de sua

intencionalidade uma totalidade plena ainda desconhecida.

Chegamos ao ponto em que o cartesiano paradigma da simplicidade é

posto de lado, dando lugar à Educação Motora, que melhor representa e clarifica o

ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana.

Segundo Pereira (2006), a legitimidade da Educação Motora somente

será de fato consolidada quando políticos, professores e os ditos profissionais de

Educação Física souberem verdadeiramente o que pretende essa área de

conhecimento. Considerando que ela visa ao desenvolvimento da pessoa por meio da

Motricidade Humana, ao nos deparamos sem sua contribuição, a educação fica

incompleta, já que toda a vida humana decorre do movimento intencional. Ela enseja ao

educando a aquisição da autonomia e liberdade de expressão, sem que se esqueça da

ética.

Ao ser reconhecida por sua real importância e necessidade na formação

humana ela se mantém por si só nos currículos do sistema educacional, e não será

preciso que seja imposta por meio de uma lei determinada pelo Estado como sendo

apenas uma área de atividade dentro da escola.

Portanto, defendemos a Educação Motora inserida no contexto escolar.

4.4 A Educação Motora na escola.

Para início da discussão, especificamente referente à Educação Motora

inserida no contexto escolar, façamos entender que a Ciência da Motricidade Humana

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preocupa-se também em estudar a explicação e a compreensão das condutas motoras.

A conduta motora ou ação é o que se observa à luz de uma determinada teoria e, neste

caso, à luz da Ciência da Motricidade Humana.

De acordo com Pereira (2006, p. 173), (...) a conduta motora traduz o comportamento motor que é o movimento do homem no tempo e no espaço, movimento intencional portador de significado, expressando vivência e convivência, realizando-se por meio de uma concreta dialéctica entre o interpessoal e o intrapessoal, regida por um dinamismo integrador e totalizante. A Educação Motora, ao se ocupar do movimento tendo como princípio a formação autônoma, pode educar para a liberdade e para a cidadania. E não vamos esquecer que qualquer expressão humana radica, necessariamente no corpo em acto. O contexto da intervenção, da práxis, pode favorecer o espaço do exercício da liberdade com responsabilidade, espaço para falar, andar, observar, correr, decidir, saltar, agir, arremessar, ponderar, jogar… Enfim, espaço pedagógico destinado a aprender a ser mais.

Podemos considerar que a educação se refaz constantemente na práxis,

pois só assim as teorias apresentam valores, proporcionando e favorecendo

possibilidades de o homem se formar pessoa consciente e com liberdade. E, segundo

Tojal (2004), a práxis para a Educação Motora é a teoria que deve traduzir-se em uma

conduta motora, que pode ser ensinada e deve ensinar a problematizar, sendo a teoria

que se faz prática, que se deva levar a adquirir uma cultura motora.

Segundo Pereira (2006), o processo de educação, visando à formação

do homem, deve organizar o conhecimento de maneira que ensine a compreensão da

condição humana inserida no mundo. Isso quer dizer que é preciso encorajar ações que

possam, de fato, romper com a prática mecânica centrada somente no aspecto

biologizante (no físico tão-só), resultante da teoria da ciência médica; além de romper

com a prática militar e com o excessivo desportivismo expresso apenas em um conjunto

de regras e técnicas, objetivando somente a vitória, na tentativa de produzir o

supercampeão.

E, para tal objetivo ser atingido, a práxis pedagógica tem como

princípios norteadores a educação e a formação do ser humano, traduzidos numa ação

intencional, que devem assegurar-se numa base sólida de conhecimento.

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A Educação Motora em sua práxis pedagógica, à luz da Ciência da

Motricidade Humana, visa à educação e à formação da criança, do jovem, do adulto e

do idoso, ultrapassando uma simples razão de ser, como uma justificativa e um fim em

si mesma. Portanto:

Promover uma autêntica práxis pedagógica em Educação Motora, ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana, no seio desse processo, significa fazer diagnósticos, que nada mais são que interpretar os sinais de uma apurada leitura da realidade, no intuito de desvelar o estado do contexto em que será realizada a intervenção, para a partir daí conjecturar hipóteses e definir estratégias, no sentido de pôr em prospectiva as mudanças e as transformações, levando em consideração a organização dos conteúdos e a respectiva seriação, as metodologias de ensino/aprendizagem e os processos de avaliação (PEREIRA, 2006, p. 225).

Pereira (2006) diz que há na realidade vivida profissionalmente e na

realidade da práxis pedagógica dos professores uma espécie de ajustamento entre o

saber e o fazer, já refutável, amparado pelo paradigma racionalista/tradicional e o

saber/fazer, já aceitável, à luz do paradigma emergente/complexo.

Para tanto, o professor de Educação Motora deve empenhar-se em

corporizar valores e assumir seu papel de intelectual autêntico, considerando que a sua

qualificação intelectual é imprescindível ao desempenho da sua profissão.

Cabe, no entanto, ao educador, como presença-consciente-no-mundo, a

responsabilidade de ensinar os educandos e as educandas a ser e a mover-se-no-

mundo com autonomia e liberdade. E, para atingir tal objetivo, faz-se necessário utilizar-

se dos profissionais da Educação Motora, pois esta, sendo de natureza pedagógica, se

materializa no âmbito da intervenção educacional e na real função de educar. Sendo

assim, justifica-se a sua inserção no contexto das ciências da educação, porque “(...)

formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de

destrezas” (FREIRE, 2004, p. 14).

Nessa dimensão compete também à Motricidade Humana:

(...) se constituir e se fortalecer como unidade científico-pedagógica do conhecimento básico de toda e qualquer expressão da cultura de movimento, que se manifesta no desporto, no esporte, no jogo, na luta, na dança, na ginástica, entre outros. A Ciência da Motricidade Humana

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tem como objecto de estudo a acção motora, a saber, o corpo em acto. E ocupa-se do movimento que é a parte de um todo, movimento esse do ser humano finito, carente e não-especializado, que busca a transcendência. Com efeito, por ser a Motricidade Humana o sentido desse todo, presente nas dimensões fundamentais do ser humano, é que temos que garantir uma Educação Motora de excelente qualidade (PEREIRA, 2006, p. 164).

É de suma importância rever, interpretar e compreender o que se

praticava no paradigma racionalista e quais suas consequências. Há também que,

necessariamente, estabelecer novas relações de organização, sob os princípios do

paradigma emergente que passam a nortear os saberes/conhecimentos, de maneira a

alterar e transformar os processos de intervenção pedagógica, desencadeando novas

ações, resultando, assim, em novas consequências.

Diante do quadro proposto pela Educação Motora, ramo pedagógico da

Ciência da Motricidade Humana, e da realidade vivida pela Educação Física tradicional,

podemos constatar que a Educação Física não apresenta a termologia mais apropriada

e nem subsídios suficientes que superem a proposta da Educação Motora para a nossa

área, pois, afinal, a Educação Física remete apenas ao físico tão-só. Porém, não haverá

mudança concreta se somente mudar sua nomenclatura, portanto, é necessário

também que, como já dissemos anteriormente, os profissionais da área mudem de

atitude em relação aos aspectos ontológicos, epistemológicos e políticos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente Monografia, que tem como tema A Ciência da Motricidade

Humana e a Educação Física, foi apresentada com o intuito de estudar a própria

Ciência da Motricidade Humana e seus pressupostos filosóficos e epistemológicos.

Também, para melhor ser compreendida, estudamos a Educação Física tradicional,

ainda vigente, seus problemas e limitações para relacioná-la com a Ciência da

Motricidade Humana e saber se esta poderia contribuir com a área escolar e quais

seriam essas contribuições.

Iniciamos nossos estudos, no primeiro capítulo, sob a temática intitulada

A Educação Física, no panorama da nossa realidade. Esse capítulo apresentou a

Educação Física no contexto da realidade e mostrou a dificuldade dela em definir sua

identidade e o seu objeto de estudo, como também os problemas que enfrenta de

ordem epistemológica, ontológica e política. Identificamos ainda em nossa área a falta

de definição de uma matriz teórica do conhecimento. Ainda, observamos uma abissal

separação do corpo (sensível) e da alma (inteligível), traduzida como dualismo

antropológico cartesiano.

Diante dos problemas expostos identificamos que a área da Educação

Física encontra-se em crise, uma crise paradigmática que necessita de uma ciência que

possa legitimar a área. No entanto, este presente estudo direciona-se à Motricidade

Humana, pois ela vem com o propósito de preencher, digamos, um vazio deixado pela

Educação Física.

No segundo capítulo, apresentamos a Ciência da Motricidade Humana,

defendida por Manuel Sérgio. Considerando o quadro atual da Educação Física, a

Ciência da Motricidade Humana nos mostrou a necessidade de mudança paradigmática

e propôs o corte epistemológico, para que a área efetive um rompimento com o seu

passado clássico e com o paradigma racionalista, passando para uma nova

perspectiva, uma nova ordem científica.

Contudo, perante a tradicional Educação Física, Manuel Sérgio nos

aponta a Educação Motora, sendo esta o ramo pedagógico da Ciência da Motricidade

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Humana, que considera o homem em sua totalidade, como um ser complexo. Esse

tema foi tratado no terceiro capítulo desta Monografia.

Considerando a temática presente e o estudo realizado nesta

Monografia, podemos afirmar que a Educação Física ainda apresenta resquícios da

visão de corpo fragmentado, presente no paradigma cartesiano. Porém, não podemos

considerar mais o ser humano apenas como um físico tão-só, pois sabemos agora que

somos o todo, por isso, uma Educação Física que se preocupa somente com o físico,

com a divisão de corpo e mente/alma, é insuficiente para a formação humana, tornando

necessária uma ruptura com o paradigma cartesiano.

Não devemos mais aceitar uma Educação Física que se subordina e se

restringe aos imperativos da razão e que delega ao corpo a condição de instrumento,

de máquina e de objeto. Devemos agir no âmbito dessa Educação Física e decretar a

crise paradigmática, pois somente haverá mudança se identificarmos e assumirmos a

crise pela qual passa a nossa área para mudar a visão cartesiana de homem, ao

concluir que o homem não é unicamente um corpo, tampouco uma junção de partes,

mas um ser complexo, repleto de sentido e significado.

O ser humano só alcança a transcendência à medida que se junta a um

meio definido, confunde-se com projetos e empenha-se continuamente neles, para que

conquiste novas maneiras de viver e de sobreviver, de se relacionar com os outros, de

criar e recriar a cultura.

Contudo, o homem passa a acreditar em um novo futuro, em um novo

homem, em uma nova sociedade política, em uma nova escola, em uma nova formação

humana na educação para o trabalho, para a saúde e para o lazer. Assim, ao romper

com a educação do físico, será concebida uma nova perspectiva para o ser humano

que dança, que faz ginástica, que joga, que luta e que pratica o Esporte. Porém, dessa

vez, na presença de um paradigma bem definido: o da Ciência da Motricidade Humana.

E para se chegar a tal patamar é necessário que haja uma ruptura, que

poderá consolidar e concretizar a mudança paradigmática na área, partindo de toda a

comunidade científica e de todos os profissionais envolvidos, levando em consideração

que de nada adianta o discurso inovador se o curso pedagógico resistir às mudanças,

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se não assimilar a ruptura e não incorporar o novo. Para isso, temos que começar a dar

valor à articulação entre o domínio do saber-fazer e o do saber-ser-pedagógico, na

perspectiva de transformação, de transformar ação e transformar a própria práxis.

A Ciência da Motricidade traz consigo seu ramo pedagógico, a

Educação Motora que deve ser consolidada e reconhecida como uma autêntica

disciplina curricular. Deve também, de forma rigorosa, justificar-se enquanto ciência da

qual pertence, contribuindo na formação dos educandos, assim como as demais

disciplinas já reconhecidas, para que se concretizem os objetivos da educação e da

formação do ser humano.

No entanto, de acordo com Pereira (2006), a legitimidade da Educação

Motora somente será de fato consolidada quando políticos, professores e os

profissionais de Educação Física souberem, necessariamente, o que pretende essa

área de conhecimento. Sem ela, o desenvolvimento da pessoa fica incompleto, uma vez

que toda a vida humana decorre do movimento intencional. A Educação Motora traz ao

educando a aquisição da autonomia e liberdade de expressão, sem que se esqueça da

ética.

A partir do momento em que a Educação Motora passar a ser

reconhecida por sua real importância e necessidade na formação humana, se manterá

por ela mesma nos currículos do sistema educacional e não será preciso que seja

imposta por meio de uma lei determinada pelo Estado como sendo apenas uma área de

atividade escolar.

É necessário rever, interpretar e compreender o que se praticava no

paradigma racionalista e quais suas consequências para se estabelecer novas relações

de organização, sob os princípios do paradigma emergente que passam a nortear os

saberes/conhecimentos, de maneira a alterar e transformar os processos de

intervenção pedagógica, desencadeando novas ações, resultando, assim, em novas

consequências.

A Ciência da Motricidade Humana tem como objeto de estudo a

Motricidade Humana, reconhece a Educação Física como sua pré-ciência e apresenta a

Educação Motora como seu ramo pedagógico, que supera e transcende a Educação

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Física, deixando de lado o dualismo antropológico cartesiano e passando para o

paradigma da complexidade. Seu estudo é voltado ao movimento intencional,

espontâneo, livre, permitindo a transcendência. Constitui-se pela percepção, tomada de

consciência, expressão por parte do movimento que possibilita a busca da superação,

preocupando-se, dessa forma, com o indivíduo na sua integridade, complexidade, o que

representa a sua corporeidade. Portanto, podemos afirmar que a Motricidade Humana

tem algo a contribuir com a educação de forma geral, na formação desse ser humano

que almejamos. Contribuir para formar o cidadão fazedor de mudanças, tanto na vida

quanto no seu meio e sociedade.

Diante da proposta exposta no presente estudo referente à Educação

Motora, ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana, e da realidade vivida pela

Educação Física tradicional, podemos constatar que a Educação Física não apresenta

a termologia mais adequada e nem subsídios suficientes que superem a proposta da

Educação Motora para a nossa área, pois, afinal, a Educação Física remete apenas ao

físico tão-só. Porém, além da mudança de sua nomenclatura, é necessário também que

os profissionais da área mudem de atitude em relação aos aspectos ontológicos,

epistemológicos e políticos.

Neste caso, podemos dizer que a Educação Motora, grosso modo, é um

termo que transmite a ideia de motor, por isso, sua nomenclatura ainda precisa ser

revista até chegar a um nome conivente com o ramo pedagógico da Ciência da

Motricidade Humana e que possa abranger todo seu significado.

Todavia, mesmo com esse pensamento em mente e diante do quadro

atual da Educação Física apresentado e das possibilidades da Ciência da Motricidade

Humana, podemos afirmar que a expressão e os conhecimentos específicos da área de

Educação Motora são os mais indicados para termos como parâmetros, como

paradigma, por considerar que esta traz em seus conhecimentos as condutas motoras.

Acreditamos também que a Educação Física não deve permanecer com a mesma

nomenclatura pelo fato de ocorrer, provavelmente, a volta ao passado e, caso isso

ocorra, não se libertará do dualismo até então existente. Mas não devemos, no entanto,

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negá-la totalmente, pois se trata da pré-ciência da Motricidade Humana. É hora de re-

significar a Educação Física!

Num relato pessoal de minha prática pedagógica no contexto escolar

posso afirmar que, mesmo diante de toda problemática existente na escola, como a

falta de materiais de trabalho, estrutura insuficiente, falta de incentivo por parte do

município (no caso Cambé) e de interesse pela aprendizagem por parte dos educandos,

acredito que podemos sim inserir a Educação Motora no lugar da tradicional Educação

Física e obter resultados positivos em nossa práxis pedagógica. Temos que começar a

mudança partindo do professor, assim, a evolução do educando é consequência de um

processo. No exercício da docência na Educação Básica, em muitos casos, quando

mudei de atitude, de acordo com os conhecimentos aprendidos pela Ciência da

Motricidade Humana, obtive resultados positivos e percebi a necessidade de inserir,

definitivamente, esse paradigma global e complexo na escola, pois a Ciência da

Motricidade Humana tem respondido aos problemas que a tradicional Educação Física

não conseguiu responder.

Temos de ajudar a mudar a concepção e a visão das pessoas por meio

de mudança de atitude e da práxis dos profissionais da área para mostrar que não

somos somente educadores de físicos, pois fazemos parte do processo de formação e

de educação de humanos que se movimentam intencionalmente, inseridos numa

motricidade que implica complexidade e de um ser humano uno, rumo a ser mais e

mais feliz.

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