Upload
hoangliem
View
217
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
A CLÍNICA PSICOLÓGICA COM AS INTERCORRÊNCIAS DA PEDAGOGIA
SURDA: O LUGAR DA LIBRAS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
EIXO: Processo de Escolarização do Surdo
Danielly Caldas de, OLIVEIRA, IFAL1 Simone Lorena, PEREIRA, UFS2
Resumo
Este trabalho teve como objetivo realizar uma reflexão acerca do lugar da Libras na educação de
surdos, a partir da experiência de um lugar não comum para essa discussão, a clínica
psicológica com as intercorrências da Pedagogia Surda. Para tanto, partimos de vivências no
atendimento da psicologia clínica entremeadas com discussões teóricas acerca da educação
bilíngue de surdos, na perspectiva da pedagogia surda. Percebemos que, é apenas o início de
uma discussão complexa, mas necessária para que o surdo possa além de ter acesso a uma
educação de qualidade, também tenha um espaço clínico que acolha sua subjetividade
independente da forma comunicativa que utilize.
Palavras-chave: língua de sinais, pedagogia surda, psicologia clínica
Palavras iniciais
É inegável a crescente visibilidade social da Libras na última década. Conquistas como
a aprovação da Lei 10.436, de 2002, que reconhece a Libras como língua e o Decreto 5.626,
de 2005, que dentre outras providencias determina a inserção da disciplina Libras em cursos
superiores, marcam este momento de crescente visibilidade. Assim, na atualidade é comum
que haja a exposição dessa língua, seja através de uma disciplina na graduação, seja na
educação básica com a presença do tradutor intérprete de Libras, ou até mesmo numa simples
conversa corriqueira entre falantes dessa língua. Diante dessa visibilidade suscitou-se a
seguinte pergunta: Qual o lugar que essa língua realmente ocupa na escolarização do aluno
surdo? A partir desse questionamento buscamos refletir sobre o lugar da Libras na educação
1 Graduação em Pedagogia (UFAL) e Psicologia (Centro Universitário CESMAC). Pós-graduada em Psicopedagogia (Centro Universitário CESMAC), Pós-graduanda em Problemas do desenvolvimento da criança e do adolescente (FADERGS/Instituto Lydia Coriat), professora de Libras do Instituto Federal de Alagoas, e Psicóloga Clínica. 2 Graduação em Letras, Pós-graduada em LIBRAS e Educação Especial, mestranda em Educação pela
Universidade Federal de Sergipe, bolsista CNPQ.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
de surdos, a partir da experiência de um lugar não comum para essa discussão, a clínica
psicológica.
Vivências de um consultório
Antes de dissertarmos sobre o papel da língua de sinais na educação de surdos é
necessário contextualizarmos a experiência do atendimento clínico à pessoa surda, e em
seguida apresentarmos alguns pontos sobre a pedagogia surda. Desta forma, pedimos licença
para uma de nós falar em primeira pessoa. Sou Danielly Caldas e aos 15 anos de idade
comecei a me interessar pela Libras, uma língua que exercia um fascínio aos meus olhos a
cada reunião em que me fazia presente na igreja. A partir desse momento fui me constituindo
tradutora intérprete de Libras no próprio exercício da profissão, sendo que, aos poucos, acabei
ultrapassando os limites daquela comunidade cristã e passei a atuar em outros espaços como:
associações, escolas, empresas etc. Foi quando chegou o momento de escolher um curso
superior e resolvi cursar Pedagogia, curso que aos meus olhos me subsidiaria a trabalhar com
surdos na Educação, mas – infelizmente - tive as minhas expectativas frustradas, pois foram
poucas as discussões voltadas para o trabalho com surdos. No entanto, também não posso
negar a significativa contribuição da Pedagogia para o meu trabalho na educação. Com o
passar do tempo fui me desvinculando da atuação profissional como tradutora intérprete de
Libras e educadora de surdos e passei a trabalhar como professora de Libras no Ensino
Superior. Mas algo ainda me faltava, a Psicologia, especificamente a Clínica, um antigo
desejo. Foi quando resolvi cursar Psicologia e finalmente cheguei à Clínica, a tão desejada
Clínica com Surdos. E foi esse lugar, que suscitou a curiosidade em questionar os aspectos do
lugar da Libras na escolarização do surdo.
Diante das vivências mencionadas acima cheguei à Clínica sentindo-me privilegiada,
afinal a Libras já fazia parte da minha vida profissional há mais de 10 anos e a comunidade
surda reconhecia em mim essa competência linguística. Eu não estava sozinha no
estabelecimento deste lugar, pois meus alunos da disciplina Libras - graduandos em diferentes
áreas - comumente iniciavam o semestre compartilhando do mesmo entendimento: a fluência
em seria suficiente para subsidiar o trabalho com surdos. Assim, eles, ao contrário de mim se
colocavam numa situação de “desprivilégio”. Sobre esta questão Solé afirma:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
No dia-a-dia vi pais e também professores intimidados e desreconhecidos por serem acusados de não ter competência na língua de sinais. Nas escolas, quando os adolescentes surdos querem questionar a autoridade dos professores e testarem seus limites com a alteridade, em vez de questionarem o saber desses professores sobre as disciplinas ou a posição política destes como nas escolas de ouvintes, eles questionam a competência desses em língua de sinais. (SOLÉ, 2005, p. 70).
Encontrava-me imersa nesta realidade, apesar de conhecer de perto as diversas
histórias de vida dos surdos e suas diferentes relações com a linguagem. Assim, após uma
década de experiência como tradutora intérprete e professora, algo me parecia mais forte, a
sensação de que a fluência em Libras seria suficiente na escuta aos pacientes surdos. Porém,
como afirma Solé:
A competência na língua de sinais é importante, mas ela também tem servido para obturar uma falta de conhecimento ou uma incapacidade de questionamento por parte de alguns profissionais e um resquício de núcleo de poder dos sujeitos surdos, repetindo no social a relação que estabeleceram com suas mães, de domínio pela culpa. Também não podemos entender a língua oral ou de sinais como sendo a única via de inserção na linguagem. (SOLÉ, 2005, p. 70).
Diante desse contexto, foi necessário apenas os meus primeiros pacientes chegarem
para que eu começasse a questionar o que tenho denominado de sensação de privilégio. Mas
mesmo diante dos meus questionamentos, isso ainda me parecia estranho, pois o comum era
descobrir a Libras como uma forma de escuta e não se desfazer dela para realizar uma escuta
ao paciente surdo. Então, veio a minha primeira paciente ao consultório, uma menina com 8
(oito) anos de idade. Sua primeira fala chegou antes mesmo dela, pois foi trazida por uma
professora que a acompanhava no Atendimento Educacional Especializado da instituição na
qual trabalhávamos. A professora relatou que estabelecia com ela uma comunicação baseada
em Libras, já que os outros alunos desta turma se comunicavam por meio dessa língua
também, justificou a professora. Mas a docente reconhecia uma oralidade na menina. Em um
dos diálogos estabelecidos a educadora relata que a criança disse “Tia, fale, eu escuto!” Foi
assim que fui apresentada a minha primeira paciente, que dentre tantas queixas relatadas soou
mais alto aos meus ouvidos a fala, “Tia, fale, eu escuto!”. Eis um dos meus primeiros
conflitos, essa fala da menina já expressava um desejo de escolha pela linguagem oral?
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
Recebi pacientes surdos sem estruturação de língua alguma, desde crianças com 3 (três) anos
de idade a adultos com 40 (quarenta) anos de idade. Como faria uma escuta do sofrimento
daqueles pacientes? Para quê me serviria a Libras naquela escuta? Passei então a recorrer aos
escritos de Solé (2005) e Dolto (2002). A psicanalista francesa Françoise Dolto, em seu livro
Tudo é Linguagem, aborda um pouco da relação dos pais ouvintes e filhos surdos, e conclui
que:
Se eles puderem ensinar a linguagem dos sinais para seu filho, claro que isso é bom, mas se para começar ele puderem se comunicar à distância através de mímica e, de qualquer modo, entrar em contato com seu filho por todos os meios que não o verbal, audível, já é uma grande coisa. (DOLTO, 2002, p. 73)
Assim, estabelecer um canal de comunicação, seja ele qual for, parecia o viável na
tentativa de realizar uma escuta terapêutica. Trago alguns desses casos não com o objetivo de
discutir os casos em si e os encaminhamentos dados aos mesmos, mas para dizer que, foi
assim que me destitui do lugar de profissional privilegiada e me coloquei no lugar de artesã,
pois, como afirma Gueller et al (2013, p. 1), “podemos comparar o trabalho do psicanalista ao
de artesão ou mesmo ao de pesquisador, uma vez que as construções do projeto clínico
precisam ser feitas caso a caso [...]”. Precisei então me desfazer do meu principal instrumento
de trabalho para construir com aquele que me demandava uma escuta terapêutica um novo
instrumento, precisei escutar além da Libras. E precisei destituí-la do lugar que ocupava na
minha prática profissional, o lugar de “remédio milagroso”, como afirma SOLÉ (1995). Para
a autora, a língua de sinais é tomada por estes profissionais como um novo remédio milagroso
“[...] onde toda dificuldade relacional da vida intrafamiliar pode ser colocada apenas na
competência ou na falta de competência em língua de sinais” (SOLÉ, 1995, p.65). Vale
destacar, diante dessas vivências, que falar que esta língua não é um remédio milagroso não é
destitui-la do seu importante lugar de língua, mas sim refletir sobre a necessidade de ir além
do uso instrumental da língua, pois a comunidade surda possui contornos identitários e
culturais. Assim como o surdo pode sentir-se pertencente a comunidade que sinalizante
existem tantos outros que optam por outras formas de comunicação.
Diante do exposto, a prática clínica com surdo me leva a corroborar com a seguinte fala do psicanalista Contardo Calligaris:
A experiência certamente ajuda na conduta das curas, mas, de qualquer forma, seria bom que guardássemos sempre alguns elementos do espírito do debutante: a curiosidade, a vontade de escutar e, por que não, calor de
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
quem, a cada vez, acha extraordinário que alguém lhe faça confiança.” (CALLIGARIS, 2008, p. 40)
Destarte, o lugar da Libras na clínica com surdos encontra-se diretamente relacionado
ao lugar desta língua no desejo do surdo e dos que o cercam. Assim posso afirmar que, a
clínica com surdos não se restringe apenas a ter ou não ter competência em Libras. Mas dizer
isto não é deixar de admitir a importância dessa língua na constituição subjetiva de muitos
surdos e no trabalho clínico com eles.
A pedagogia surda: o bilinguismo transpassado pelos saberes surdos.
A partir da vivência no consultório percebe-se que, a língua de sinais é vista, por
muitos, como uma espécie de solução para todos os problemas. Mas o uso instrumental da
sinalização aliada a falta de conhecimento sobre a diferença visu-cultural desse grupo resulta
em uma visão muito restrita diante da complexidade da inclusão do surdo seja no campo
educacional ou clínico. Daí a importância de transcender a questão puramente linguística e
compreender a cultura e a identidade surda, que servem de base para a Pedagogia Surda.
A cultura pode constituir-se como um lugar de negociação de sentidos, de luta por
poderes e significados, possibilitando a ressignificação da surdez como uma diferença cultural
e não um problema patológico. No momento em que o surdo passa a fazer parte da cultura
surda e a interagir com seus pares apresenta-se a possibilidade não de ser tornarem aceitáveis
aos ouvintes, mas de se aceitarem em sua diferença.
Ao descobrir-se como parte de uma cultura, o surdo se manifesta, e movimenta o que existir ao seu redor e no seu interior. A história de um surdo é a história de muitos. É a história de uma comunidade que luta desde sempre pela queda do muro que a segrega e impede que os ventos da valorização penetrem nos campos em que habitam. É uma história de luta pela valorização linguística, lutando contra as amarras da opressão à língua de sinais, e contra a imposição da língua oral (ROSA, 2011, p. 149).
O contato surdo-surdo, possibilita o processo identificatório que resulta nas
identidades surdas. Essas identidades são (re) construídas no dia-a-dia, principalmente,
através da interação com os seus pares permitindo ao surdo o empoderamento do chamado
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
“ser surdo”3 que trata do ato da subjetivação nesse processo de diferenciação. Fala-se em
identidades no plural por não serem fixas, imutáveis e desprovidas de ambiguidades,
tornando-se assim, múltiplas.
A identidade não é presa a um modelo único, indivisível; pelo contrário, a diversidade dos indivíduos existentes na esfera social e escolhas pessoais. Identidades surdas são como o ar que sacode as folhas das árvores. É o ar que os surdos respiram, inspiram, transpiram (ROSA, 2012, p. 21-22).
É fato que, a língua de sinais além de ser um instrumento de comunicação apresenta-se
como a principal característica identitária dos surdos sendo o que torna surdos e ouvintes
diferentes culturalmente. Sá (2006, p. 130-131) complementa afirmando que é “um dos
principais elementos aglutinantes das comunidades surdas, assim, um dos elementos
importantíssimos nos processos de desenvolvimento da identidade surda/de surdo e nos de
identificação dos surdos entre si” (SÁ, 2006, p. 130-131). Diante disso, percebe-se a
importância da língua de sinais para a constituição da identidade dos surdos já que é através
do processo discursivo que ela é (re) construída, ou seja, é por meio da língua de sinais que o
surdo narra a si e comunica-se com o mundo a sua volta.
Após essa rápida contextualização chegamos a educação bilíngue de surdos que, na
perspectiva da pedagogia surda, leva em consideração os saberes e práticas pertencentes a
cultura surda. Parte-se do princípio que, o bilinguismo defende a importância dos sujeitos
surdos terem contato com a língua de sinais o mais cedo possível, pois favorece o
desenvolvimento integral do indivíduo. Assim, a inclusão do surdo na escola comum, deve ter
a língua de sinais como primeira língua e a língua portuguesa como segunda, na modalidade
escrita. Porém, tem-se que possibilitar a qualidade da aquisição e do domínio dessas línguas,
pois o fato de estarem presentes na escola não garante a educação bilíngue.
A pedagogia surda, pautada filosofia da diferença4, viabiliza o acesso aos saberes
surdos contribuindo para a desconstrução da ideia de incompletude contida nos discursos do
etnocentrismo ouvintista5 instaurando-se como uma luta cultural.
3 [...] efeitos da composição e da recomposição de forças, práticas e relações que operam para transformar o sujeito em suas variadas formas ou jeitos de ser sujeito surdo, em seres capazes de tomar a si próprios como os sujeitos de suas próprias práticas e das práticas de outros sobre eles (PERLIN, REIS, 2012, p. 42). 4 De qualquer forma, a filosofia da diferença pode ser incluída nos espaços da formação de professores. Ela rechaça qualquer apego ao diferencialismo vazio, que nada tem de diferença, mas que vê o outro como uma questão de diminuição, de inferioridade, de deficiência. A filosofia da diferença também é responsável por uma
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
Na perspectiva cultural surda, essa pedagogia enfatiza aspectos culturais como a língua de sinais, que é um elemento importante para o surdo se sentir independente e em condições de debater com os ouvintes. É uma pedagogia feita com experiências visuais, com experiências que são constantes na cultura dos surdos. Contém elementos para a constituição da identidade de surdos com construções de significados culturais [...] Contém o currículo próprio para a Educação dos Surdos, um currículo predominantemente cultural, isto é, com elementos que permitam ao surdo conhecer o mundo e interagir com ele. Contém a História Cultural dos Surdos, isto é, serve-se de sujeitos surdos, de personagens surdos que transmitem saberes cultuais apropriados para os processos de relações de poder predominantes na sociedade. É a pedagogia do mesmo, da identidade linguística dos Surdos. É a pedagogia que volta e reverbera permanentemente. (Skliar, 2003) (PERLIN; MIRANDA, 2011, p. 107).
E mais, é uma pedagogia que não se acomoda nem ousa persuadir o outro a deixar de
ser, não conduz a obliteração, a exclusão. É fato que, as necessidades linguísticas dos surdos
devem ser levadas em consideração no processo educativo, mas não vazias de si, pois
correrão o risco de reforçar as representações da alteridade deficiente ou anormal6. Isso
significa que, se o oralismo estiver presente nas práticas pedagógicas e de atendimento
clínico, por exemplo, poderá fortalecer a integração, a assimilação e o modelos clínico
assistencialista. Desta forma, torna-se cada vez mais claro que, educação bilíngue de surdos
vai além das questões linguísticas senão corre-se o risco da utilização de pedagogias calcadas
no diferencialismo7, pois leva ao enfraquecimento do surdo como sujeito.
A língua de sinais, portanto, apresenta-se como uma prática importante para o
desenvolvimento simbólico e cognitivo do surdo, mas é imprescindível que seja associada aos
valores e práticas da cultura surda. Essa constatação pode contribuir para a percepção que não
existe uma receita ou uma solução simples solução, pois o contexto de inclusão dos surdos é
mudança linguística não só nas mudanças ocorridas na interação social, mas também possivelmente no que refere à teorização para a formação do professor. (PERLIN; MIRANDA, 2011, p. 108)
5 É a ideia dos sujeitos adversários que não aceitam os sujeitos surdos como diferença cultural e sim que eles tem que se moldar um modelo ouvinte, isto é, os surdos devem imitar os ouvintes falando e ouvindo (STROBEL, 2012, p. 100). 6 A alteridade deficiente, anormal, resulta assim numa invenção que parece referir-se a um outro concreto, mas que hoje só tem sentido se se afasta desse outro concreto – se é que ele existe – e se volta furiosa para a mesmidade. (SKLIAR, 2003, p.153) 7 O diferencialismo presente na educação dos surdos, de que Skliar fala, visa excluir o aspecto cultural dos surdos considerando-o como desnecessário e colocando uma cultura que não pertence ao surdo; isso acaba gerando sujeitos incapazes de escolhas de vida, e, por isso mesmo, indivíduos incapazes. (PERLIN; MIRANDA, 2011, p. 105)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
complexos e tem suas nuances. E ao esquivar-se dessa simplificação impede-se que, a surdez
seja encoberta pelo discurso da deficiência que hostiliza e entorpece a diferença fazendo com
que, o corpo “defeituoso” do surdo seja mais importante do que o direito de construção da
subjetividade e da crença na capacidade da pessoa surda.
O lugar da Libras na educação de surdos: reflexões sobre a clínica psicológica
com as intercorrências da Pedagogia Surda.
Diante dessas discussões percebemos que, a educação de surdos apenas com a presença
das duas línguas (português e libras), com a ausência das questões culturais e identitárias, não
tem favorecido o acesso ao desenvolvimento das complexidades cognitivas dos alunos surdos,
pois as escolas ainda tem como preocupação central no ensino das palavras. Desta forma, os
surdos são alijados de poderem realmente fazer parte desse processo. E com trajetórias
escolares tão difíceis aprendem a ocultar o sofrimento e acabam constituindo, por exemplo,
formações imaginárias a partir da internalização de estigmas e preconceitos. E são esses
estudantes que vão para os consultórios sendo recebidos por profissionais que, muitas vezes,
os recebem com a expectativa do privilégio de dominarem em grau maior ou menos a língua
de sinais, quando muitos surdos ainda estão flutuando em meio a cultura ouvinte e a cultura
surda, perdidos diante das diversas identidades.
A Pedagogia Surda defende, além dos saberes surdos, mas a possibilidade do surdo ser
quem ele é. Que possa empoderar-se de si, de suas histórias e ter o contato com a língua de
sinais e a partir daí posicionar-se diante dos enunciados. A pedagogia surda proporciona um
espaço de luta em que o surdo, juntamente com seus pares, luta pelo reconhecimento cultural
da comunidade surda ou pelo direito de “falar” na tentativa de aproximar-se daqueles com
quem compartilha o sentimento de pertencimento.
Por fim, observou-se que, a língua de sinais apresenta-se como uma prática importante
para o desenvolvimento simbólico e cognitivo do surdo, mas é imprescindível que seja
associada aos valores e práticas da pedagogia surda. Essa constatação pode contribuir para a
percepção que não existe uma receita ou uma simples solução, pois o contexto de inclusão dos
surdos é complexo e tem suas nuances. E ao esquivar-se dessa simplificação impede-se que, a
surdez seja encoberta pelo discurso da deficiência que hostiliza e entorpece a diferença
fazendo com que, o corpo “defeituoso” do surdo seja mais importante do que o direito de
construção da subjetividade e da crença na capacidade da pessoa surda.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959
Realização:
REFERÊNCIAS
CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e
curiosos. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2008.
DOLTO, Françoise. Tudo é linguagem. São Paulo: Matins Fontes, 1999.
GUELLER, Adela Stoppel, et al. Esclarecimento aos pais e familiares das pessoas com autismo
sobre a especificidade do trabalho psicanalítico. 2013. Disponível em:
http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/correio/222_anexo1.pdf . Acesso em 10 de ago. de 2015.
PERLIN, Gladis; REIS, Flaviane. Surdos: cultura e transformação contemporânea in PERLIN,
Gladis; STUMPF, Marianne (Org.). Um olhar sobre nós surdos: leituras contemporâneas.
PERLIN, Gladis; MIRANDA, Wilson. A performatividade em educação de surdos in SÁ, Nídia de
(Org). Surdos: qual escola? Manaus: Editora Valer e Edua, 2011.
ROSA, Emiliana Faria. Educação de surdos: entre a realidade e a utopia in SÁ, Nídia de (Org).
Surdos: qual escola? Manaus: Editora Valer e Edua, 2011.
ROSA, Emiliana Faria. Identidades surdas: o identificar do surdo na sociedade in PERLIN, Gladis;
STUMPF, Marianne (Org.). Um olhar sobre nós surdos: leituras contemporâneas. Curitiba, PR:
CRV, 2012.
SÁ, Nídia Regina Limeira. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006.
SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
SOLÉ, Maria Cristina Petrucci. O Sujeito Surdo e a Psicanálise: uma outra via de escuta. Porto
Alegre: editora da UFRGS, 2005.
STROBEL, Karin Lílian. Os sobreviventes das políticas surdas: opressão da cultura surda e de seus
valores linguísticos da educação in PERLIN, Gladis; STUMPF, Marianne (Org.). Um olhar sobre nós
surdos: leituras contemporâneas. Curitiba, PR: CRV, 2012.