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268 CHAUD, E. (Orgs.). Anais do VII Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual Goiânia-GO: UFG, FAV, 2014 ISSN 2316-6479 A COCRIAÇÃO DIGITAL PARA O DESIGN DE SUPERFÍCIE Lavínnia Seabra FAV/UFG Resumo Esse artigo apresenta um recorte da pesquisa de doutorado defendida esse ano e intitulada: Design de Superfície: processo poético mediado pelas redes sociais digitais. Será apresentado o conceito de cocriação e como essa ideia pode ser outra potencial opção de trabalho criativo e projetual ao Design de Superfície. Para isso, o material está dividido em três fases: 1- introdução ao tema e seu significado; 2 - contextualização da experimentação coletiva como parte de uma prática projetual; 3 - exemplificação do assunto com alguns trabalhos colaborativos digitais que já vêm ocorrendo e ampliando as possibilidades de inovação ao Design de Superfície. Palavras chaves: cocriação; design; superfície; experimentação; inovação. Abstract This article presents part of the doctoral research advocated that year and entitled: Surface Design: poetic process mediated by digital social networks. The concept of co-creation will be presented and how this idea could be another potential option of creative work, visual and projetual to the area of the Surface Design. For this, the approach is divided in three phases: 1 - introducing the topic and its significance; 2 – contextualization of collective experimentation as part of a design practice; 3 – exemplification this article with some possibilities for digital collaborative work that are already occurring and expanding the possibilities of thinking about innovation for Surface Design. Key words: co-creation; design; surface; experimentation; innovation. 1. A COCRIAÇÃO NO DESIGN DE SUPERFÍCIE: convergência para a inovação projetual O conceito de cocriação ou cocreation apareceu nos anos 2000, possivel- mente oriundo dos desdobramentos do conceito de coprodução desenvolvido nos anos de 1970. Segundo os autores Prahalad & Ramaswamy, (2004), a co- criação versa sobre a possibilidade de aproximar ou promover a interação entre empresa e consumidor criando o valor da empresa pelo consumidor; permitindo que o consumidor coconstrua uma experiência de serviço para a empresa se adequando ao seu contexto; unificando problemas e suas resoluções; “criando experiências e diálogos de forma a possibilitar uma estrutura personalizada e integrada; sendo, assim, diversificadas” 1 (PRAHALAD & RAMASWAMY, 2004, 1 Conceito publicado em JOURNAL OF INTERACTIVE MARKETING VOLUME 18 / NUMBER 3 / SUMMER 2004 Published online in Wiley InterScience (www.interscience.wiley.com). DOI: 10.1002/dir.20015, p. 08

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6479A COCRIAÇÃO DIGITAL PARA O DESIGN DE SUPERFÍCIE

Lavínnia SeabraFAV/UFG

ResumoEsse artigo apresenta um recorte da pesquisa de doutorado defendida esse ano e intitulada: Design de Superfície: processo poético mediado pelas redes sociais digitais. Será apresentado o conceito de cocriação e como essa ideia pode ser outra potencial opção de trabalho criativo e projetual ao Design de Superfície. Para isso, o material está dividido em três fases: 1- introdução ao tema e seu significado; 2 - contextualização da experimentação coletiva como parte de uma prática projetual; 3 - exemplificação do assunto com alguns trabalhos colaborativos digitais que já vêm ocorrendo e ampliando as possibilidades de inovação ao Design de Superfície. Palavras chaves: cocriação; design; superfície; experimentação; inovação.

AbstractThis article presents part of the doctoral research advocated that year and entitled: Surface Design: poetic process mediated by digital social networks. The concept of co-creation will be presented and how this idea could be another potential option of creative work, visual and projetual to the area of the Surface Design. For this, the approach is divided in three phases: 1 - introducing the topic and its significance; 2 – contextualization of collective experimentation as part of a design practice; 3 – exemplification this article with some possibilities for digital collaborative work that are already occurring and expanding the possibilities of thinking about innovation for Surface Design. Key words: co-creation; design; surface; experimentation; innovation.

1. A COCRIAÇÃO NO DESIGN DE SUPERFÍCIE: convergência para a inovação projetual

O conceito de cocriação ou cocreation apareceu nos anos 2000, possivel-mente oriundo dos desdobramentos do conceito de coprodução desenvolvido nos anos de 1970. Segundo os autores Prahalad & Ramaswamy, (2004), a co-criação versa sobre a possibilidade de aproximar ou promover a interação entre empresa e consumidor criando o valor da empresa pelo consumidor; permitindo que o consumidor coconstrua uma experiência de serviço para a empresa se adequando ao seu contexto; unificando problemas e suas resoluções; “criando experiências e diálogos de forma a possibilitar uma estrutura personalizada e integrada; sendo, assim, diversificadas”1 (PRAHALAD & RAMASWAMY, 2004,

1 Conceito publicado em JOURNAL OF INTERACTIVE MARKETING VOLUME 18 / NUMBER 3 / SUMMER 2004 Published online in Wiley InterScience (www.interscience.wiley.com). DOI: 10.1002/dir.20015, p. 08

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6479p. 8). Na prática, a criação colaborativa envolve negociação cuidadosa, deci-

sões tomadas em conjunto, uma comunicação efetiva e aprendizagem mútua. Contudo, para Augusto de Franco (2010), a ideia de cocriação se manifesta

potencialmente aplicável, com a tecnologia da informação. Assim, um dos primeiros e bons exemplos sobre cocriação é a própria Wikipédia que apresenta vários significados construídos pelos usuários. Ainda, para o mesmo autor, a cocriação é idear e projetar interativa e coletivamente propostas que conectam para um mesmo ponto. Ou seja, algo que, quando distribuído, provoca novas mudanças que instigam outros a fazerem parte desse processo. Para ele, a cocriação é basicamente:

“[...] um processo composto por tentativas recorrentes de estabelecer e restabelecer congruências múltiplas e recíprocas entre ideias que mutam quando interagem, nem sempre se aproximando e se fundindo, mas frequentemente se distanciando e que podem ser novamente modificadas na interação para se combinar e reagir “quimicamente” umas com as outras em novas combinações gerando novas “substâncias” (novas ideias substantivas)” (FRANCO, sem página, 2012).

São possibilidades de abertura a novas interações entre usuários em constante processo, que incluem o desafio de construir outros cotidianos, buscando dialogar e compreender as múltiplas dimensões de uma nova realidade expandida pela tecnologia da informação. Os trabalhos colaborativos são, nesse contexto, processos em construção constante. Cada usuário, com papel de colaborador e interagente, é responsável pela produção de novas materializações de ideias. Por meio das facilidades proporcionadas pelas tecnologias interativas digitais, cada interator estabelece novas ligações com a universalidade de um grupo de sujeitos com diversificados aspectos. Em constante processo, os resultados dessa construção colaborativa digital são conjuntos de elementos propostos pela individualidade de cada colaborador e coconstrutor, mas, que inseridos num espaço coletivo, expandem-se, transformando-se em propostas visuais plurais com aspectos muito peculiares e, como proposta nesse artigo, inovadores, passíveis de aplicação ao Design de Superfície.

1.1. DESIGN DE SUPERFÍCIE: uma área de pesquisa em grande ascensão

“A superfície é compreendida como ente bidimensional por que se apresenta com características de plano, que pode estar descolado de outro objeto e assumir forma livre, expressando sempre o desdobramento de um plano no espaço. Por exemplo, as esculturas em chapas de ferro, elas possuem consistência física para garantir sua existência como objeto, mas sua maior característica é o

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6479material em duas dimensões que será sempre muitas vezes maior que a terceira

dimensão que poderá haver, comumente percebidas como texturas táteis, ou até relevos, mas sempre bidimensionais”, como nos coloca a pesquisadora de design de superfície Evelise Anicet Ruthschilling, em entrevista pessoal (Porto Alegre, março, 2014).

O termo Surface Design foi cunhado com o surgimento da Surface Design Association – SDA, em 1977, nos Estados Unidos, como uma decorrência da arte e do design têxtil. Foi trago para o Brasil pela designer Renata Rubim no fim dos anos 80. No I Encontro Nacional de Design de Superfície, ocorrido em 1991, em Porto Alegre, RS, foi decidido em assembleia, se utilizar a expressão Design de Superfície no Brasil, com uma concepção mais ampla, estendendo a superfícies de todos os materiais e também em ambientes virtuais. Em 2005, o CNPq reconheceu o Design de Superfície como uma especialidade do design no Brasil.

No Núcleo de Design de Superfície da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - NDS, fundado em 1998 e coordenado pela professora e designer Dra. Evelise Anicet Ruthschilling, que as discussões e pesquisas sobre essa área têm proporcionado um trabalho investigativo denso e difundido por todo o país e exterior.

Portanto, dentro desse contexto, o Design de Superfície é uma atividade criativa que tem crescido muito nos últimos anos, devido a uma crescente demanda do mercado por inovação no desenvolvimento de objetos cotidianos diversificados que explorem novas texturas e tecnologias que estão surgindo. Como a professora ainda afirma: O Design de Superfície hoje não se limita à inserção de desenhos, cores e texturas sobre um substrato, mas à função principal de conferir qualidades às superfícies que também se expande ao virtual e digital [...] (RUTSCHILLING, 2008, p. 43-44). Ou seja, hoje essa área deve ser compreendida para além de projetos bidimensionais; pois, a tridimensionalidade tem se tornado uma característica expressiva e também muito explorada em projetos inovadores.

Nesse panorama, utilizar-se de outras potencialidades técnicas, bem como, das tecnologias digitais para a produção de novas ideias para essa área, é compreender que estamos diante de diferentes possibilidades interessantes de trabalho contemporâneas. Isso corresponde a outras maneiras de construção criativas proporcionadas pelas facilidades tecno-digitais, como os dispositivos móveis e toda a sua estrutura física que permite a materialização de novos modos de produção tanto do conhecimento quanto do sentido.

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6479E, para contextualizar que a ideia de cocontribuição não faz parte apenas do

hoje; áreas como a arte e a moda já costuravam entre si, possibilidades de trabalho colaborativas e que proporcionaram, já no início do século XX, interessantes propostas que acabaram influenciando a inovação no desenvolvimento de novas ideias visuais e objetos cotidianos tanto para consumo quanto para apreciação estética.

1.2 . A COCONTRIBUIÇÃO ENTRE ARTE E MODA

Mesmo que tenha sido na área da administração que a ideia de cocriação tenha ganhado notoriedade, a arte e a moda já realizavam em meados do século XX, trabalhos que podem ser interpretados como propostas colaborativas no desenvolvimento de novas ideias visuais e objetos que satisfaziam o gosto popular. Alguns estilistas e artistas plásticos em parcerias, como a da estilista Elza Schiaparelli (1890 -1973) com o pintor Salvador Dalí (1904 – 1989), souberam explorar, de maneira muito promissora e coconstrutiva, o desenvolvimento e o lançamento de propostas estéticas muito interessantes.

Numa simbiose plástica, os dois desenvolveram não somente adornos com funções pré-determinadas, mas peças que proclamavam um mundo diferente e provocavam o olhar para outras funções distintas dos objetos cotidianos. Aspecto próprio do surrealismo, período com um ideal peculiar sobre as transformações diárias interferindo na forma como as pessoas deveriam se perceber e compreender o mundo. Esses dois visionários promoveram, combinando o poder das subjetividades com as reações emocionais, uma revolução na produção visual.

O Vestido-Rasgo, de 1917, criado através dessa parceria, por exemplo, tinha essa função. Representando falsos rasgos através da técnica de impressão na superfície do vestido, mas, rasgos originais na capa sobreposta à cabeça, o objetivo era questionar o verdadeiro papel da roupa – ou seja, não apenas um objeto decorativo do corpo, mas um objeto político e representativo. Os rasgos verdadeiros na capa demonstravam o ato de desvendar e esconder esse corpo, numa tentativa de refletir sobre os acontecimentos do período em que a peça foi lançada, época em que os regimes fascistas entremeavam o cotidiano da sociedade europeia, conforme é apresentado pelo curador e historiador da moda, Richard Martin, (1987). Provocativa, a peça traduzia o espírito de angústia e convidava a uma reflexão intensa sobre a situação sociocultural e política dos tempos difíceis provocados pela Primeira Grande Guerra.

A arte era ferramenta difusora de um pensamento crítico à sociedade da época, mostrando as agonias e as desilusões dos jovens durante um período

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6479de recessão e conflitos. Com certa carga de desabafo, a moda também não se

limitava às criações austeras como nos tempos de espartilhos e aglomerados de tecidos. A visualidade criada por ela, juntamente com a linguagem das artes visuais, anunciava outros tempos e tentava expandir o poder da indumentária, assim como, sua forma de produção, comercialização e criação. Desse modo, “O fazer chega a um fim quando seu resultado é experimentado como bom – e essa experiência vem não por mero juízo intelectual e externo, mas na percepção direta” (DEWEY, 2010, p. 258).

De certo modo, numa tentativa de dialogar com os acontecimentos socioculturais e políticos, a moda e a arte, com suas propostas de criação visual, composições cromáticas e conteúdos através de parcerias colaborativas, traziam e, ainda trazem para o suporte – roupa, o conceito ilustrado ora através de técnicas manuais de tingimento, ora por meio das técnicas mecânicas de reprodução imagética, ora no próprio entrelaçamento dos fios e, hoje, através de processos mais avançados derivados das tecnologias digitais, expande o olhar, assemelhando-se a resultados fotográficos. O fato é que a moda sempre fez parte de uma forma peculiar de manifestação do tempo e, conjugada à arte, a criação do vestuário dissipava e, em muitas propostas atuais, dissipa uma forma de se expressar única, pois eleva o objeto vestível a uma categoria peculiar, onde cultura, modos e ideais aglomeram-se expandindo a ação vestir para uma ação de exposição dos sentimentos vigentes no período, de forma que podemos antever, nessas circunstâncias, outros modos e outras categorias visuais de cobertura do corpo.

Como nos fala (PRECIOSA, 2005), a moda, numa forma singular de congregação de ideias e sensações, antecipa o novo. A autora, em certo momento, faz um raio X de nosso espaço cotidiano, sugerindo-nos maneiras, estilos e formas a serem utilizados. Escolhemos o que melhor nos definirá ou, pelo menos, nos mostrará enquanto imagem social. E, nessa dinâmica, vem a arte com sua produção única de significados, criando repentinamente outras possibilidades e inventando outras atmosferas possíveis. Como, a autora coloca: a arte desfaz os nós do consenso, desentroniza formas-padrão de existência, [...] desembaça nosso olhar tão acostumado, rendido às uniformidades (id, ibid, p.55).

É, portanto, nessa perspectiva colaborativa entre áreas com aspectos imbricados entre si, que encontramos formas múltiplas de apresentação e questionamento dos pensamentos e do próprio tempo, rumo a caminhos desconhecidos e que serão desbravados somente por nós. Abaixo, o vestido denominado Rasgo criado dentro dessa atmosfera de produção visual instigante e já, tão colaborativa. Com silhueta

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6479simples, o vestido produzido em tecido de cor branca traduzia o sentimento da

época, de muita insatisfação e recessão econômica.

Figura 01. Vestido Rasgo-Ilusão, 1937. Uma colaboração entre Schiaparelli e Salvador Dalí. Disponível em: <http://bikemibrahimoglu.blogspot.com/2010_04_01_archive.html>.

Acesso em 20/02/2012.

Nesse contexto, entende-se que os elementos constituintes do objeto criado, no caso, o VESTIDO RASGO, pautados nessa hibridização de conceitos e processos de criação multifacetados, sustenta a subjetivação do pensamento, conferindo singularidade à peça criada a partir da colaboração entre diferentes formas de pensamento e do próprio fazer.

2. EXPERIMENTAÇÃO COLETIVA COMO PARTE DA PRÁTICA PROJETUAL

Para praticar novas formas de trabalho é importante que paradigmas sejam quebrados, que os antigos conceitos, como por exemplo, a não participação do sujeito como parte do processo, sejam observados de maneira nova, sendo possível a criação de novos conceitos e, acima de tudo, que estejamos realmente preparados para ver o mundo de uma maneira diferente.

O processo criativo de um trabalho combina habilidades e aspectos que, às vezes, convergindo ou divergindo, ampliam o pensamento, categorizando direções a serem tomadas. Isso gera objetos e conteúdos dentro de uma estrutura de interconexões com diferenciadas etapas, sejam momentâneas ou experimentais, como encontramos em muitos trabalhos de artes visuais, sejam

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6479pré-definidas ou fixadas, como podemos ver em muitos projetos nas áreas do

Design de Moda e do próprio Design de Superfície, por exemplo.Segundo, (MOURA, Mônica, 2008, p. 71), “O design é em sua essência

um processo criativo e inovador, provedor de soluções para problemas de importância fundamental para as esferas produtivas, tecnológicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais”. Desse modo, observando, por exemplo, o termo OPEN DESIGN criado pelo professor e pesquisador Dorival Campos Rossi (2012), é possível compreender que estamos diante de uma nova possibilidade de trabalho em design fortalecida pela potencialidade das tecnologias digitais. Pois, para ele, esse termo, sendo a junção de open source (código aberto) com o design, é uma ampliação das formas de trabalho que permite a criação integrada e colaborativa mediada pela internet; ou seja, são inovações eficazes se aplicadas como parte, agora, essencial do processo de produção tanto de objetos quanto de sentidos.

E, na contemporaneidade, esses mecanismos produtivos são comparados à liquidez das ideias e da própria informação, lembrando o pensamento de Zygmunt Bauman (2001), ao explicar sobre a fluidez do cotidiano e suas transformações sem tempo e nem espaço definidos. O cotidiano e suas transformações estão e são conectadas às necessidades dos usuários, agora, unidos e construtores em redes de conexões abertas, como apresentam (CASTELLS, Manuel, 2008; LÉVY, Pierre 1999; RHEINGOLD, Howard, 1996; SANTAELLA, Lúcia, 2010). Desse modo, a efemeridade de tais relações gera o anseio pela mudança para se adaptar às novidades, produzindo valores e programas que sempre devem ser revisados.

A formação de novas ideias hoje se encontra em lugares abertos, espaços fluidos, contínuos e não-lineares, que se reorganizam segundo o contexto de cada um. Este fato faz com que os mecanismos de produção e manifestação das novidades necessitem de transdisciplinaridade desafiando uma organização hierárquica, criando sistemas rizomáticos e distribuídos. Ou seja, como explicam Deleuze e Guatarri (2004): Todo rizoma compreende linhas de segmentariedade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc; mas também compreende linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar (DELEUZE & GUATARRI, 2004, p. 18). As linhas se segmentam e vão reordenando as possibilidades de novas orientações, novas direções. De certo modo, esse aspecto influencia e modifica constantemente o cotidiano, forçando a uma produção colaborativa intensa. A rede de conexões só se amplia na medida em que novas rupturas e interconexões vão surgindo. E, claro, com os mecanismos digitais isso só se expande e subverte as formas de trabalho tradicionais.

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64793. EXEMPLOS COLABORATIVOS DIGITAIS

Com as facilidades potencializadas pela Internet, é possível encontrar práticas colaborativas crescentes onde os usuários podem fazer parte de uma experiência diferenciada, como é o caso do QUIRKY2 - site que proporciona a contribuição sobre as ideias postadas no ambiente digital, como, por exemplo: o usuário posta uma ideia inicial - o desenvolvimento de um dispositivo para ligar vários aparelhos domésticos, à medida que novos usuários vão entrando e comentando, esse objeto que precisa ser voltado para o consumidor final, vai ganhando melhorias e sendo redesenhado.

Como nos confirma a crítica de arte e cultura Suely Rolnik (1996), nessa era de globalização, onde as individualizações se tornaram cada vez mais exacerbadas, é inconsciente não ansiar por outras formas de expressão e poder dar conta de um novo status de mudança que nos apresenta para o outro e para o nosso meio. Abaixo, uma imagem que ilustra o site colaborativo QUIRKY.

 

Figura 2. Interface Gráfica do site https://www.quirky.com/.

Logo no início um produto à mostra que pode ser melhorado com a contribuição dos usuários cadastrados.

Outro site interessante e que funciona dentro do conceito de cocriação e cocontribuição, bem como formando uma rede de pessoas interconectadas via computadores – dispositivos móveis ou não, é o PROTAGONIZE3 – nele, um capítulo de livro é lançado e cada novo usuário poderá continuar a história iniciada, construindo um novo capítulo, portanto, não se sabendo ao certo, o seu final. Ainda, nessa mesma estrutura de trabalho, o de cocriação, o site

2 https://www.quirky.com/ Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/mercado/site-de-criacao-coletiva-rende-ate-para-quem-comenta-23072012-11.shl

3 http://www.protagonize.com/Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/mercado/site-de-criacao-coletiva-rende-ate-para-quem-comenta-23072012-11.shl>

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6479WIKIPAINT4 proporciona aos usuários a experiência de, a múltiplas mãos,

desenvolver elementos imagéticos que podem ser modificados em tempo real por outro usuário conectado no ambiente. Nesse sentido, os autores (GARTON, HAYTHORNTHWAITE & WELMAN 1997, p.1) afirmam que “quando uma rede de computadores conecta uma rede de pessoas e organizações, isso é uma rede social”5. E, portanto, ainda afirmam os autores, que todo esse conteúdo refere-se àquilo que é trocado pelos pares envolvidos nos processos de interação. Abaixo, uma imagem que ilustra o site PROTAGONIZE.

Figura 3. Interface gráfica do site http://www.protagonize.com

Portanto, com a ampliação desses espaços sociais digitais, estamos vivenciando a transformação da infraestrutura comunicacional, promovendo um novo ambiente produtivo e criativo que pode ser pensado como base projetual para ser aplicado ao Design de Superfície. Noções como sociedade da informação e sociedade do conhecimento, redes de interconexões mediadas por computador, fazendo referência às pesquisas dos autores (CASTELLS, 2008; HAYTHORNTHWAITE, 2005 e RHEINGOLD, 1996), reforçam a percepção de que estamos construindo um aglomerado de indivíduos hiperinformados, hipercomunicativos. Mas como salienta Judith Donath (1998), esse aspecto constrói uma realidade efêmera: nomes são trocados temporariamente e características não são persistentes. Assim, “um dos mais importantes aspectos da cultura digital é que esse espaço codificado numericamente permite que as pessoas explorem papéis e relacionamentos que seriam fechados para elas (...) o anonimato encoraja” (DONATH, 1998, p. 2). De certo modo, essa nova forma

4 http://wikipaint.org/Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/mercado/site-de-criacao-coletiva-rende-ate-para-quem-comenta-23072012-11.shl>

5 Tradução nossa.

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6479de produção informacional digital tornou-se uma espécie de regra que rege o

comportamento social contemporâneo. Nesse cenário, Deleuze e Guatarri (ibid), contribuem formulando o conceito de desterritorialização, ideia que concerne a uma produção rizomática sem território ou eixos definidos – espaços lisos. Não há mais um único centro de produção, mas, sim, um conjunto de ramificações que vão proliferando novos elementos, ideias e a própria informação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas das muitas potencialidades de ampliação na utilização da ideia de cocriação visual como mais uma forma de trabalho para o Design de Superfície, estão os aspectos como agilidade no processo de criação, personalização constante de imagens ou ideias visuais, contribuição de profissionais de diversas áreas situados em qualquer parte do mundo, flexibilidade na articulação de ferramentas, criação possível em qualquer lugar, desterritorializada, e, ao mesmo tempo, representativa do público online auxiliada por dispositivos móveis acessados à internet, entre outros aspectos.

O cotidiano contemporâneo vem proporcionando aos sujeitos – colaboradores e coconstrutores de novas possibilidades de comunicação e criação, agora, em redes de conexões digitais, experiências expandidas. As atividades assumem uma construção coletiva, onde todos fazem parte de um processo rizomático.

Ao mesmo tempo em que estamos imersos em conexões inesperadas, somos cercados por situações pré-estabelecidas e pré-programadas nos espaços digitais. Fenômenos aparentemente caóticos, privados de regras visíveis e claras, contêm dentro de si o germe do optimum, da ordem e da perfeição. Pode ser pensada assim, a rede de conexões digitais que de forma muito espontânea estabelece um conjunto de possibilidades criativas que se expandem para diversos outros usuários interatores nos processos de construção de novas experiências instigantes. Portanto, a necessidade de viver em comunidade, na atualidade, não mais se traduz somente nas formas fechadas em si mesmas. O trabalho em rede digital trata das experiências comuns entre indivíduos, assumindo seu papel de protagonistas de suas próprias iniciativas. Desse modo, estamos diante da ideia dos “project sharing” ou projetos compartilhados.

Dentro dessa estrutura de pensamento, os trabalhos colaborativos podem e possuem aspectos potenciais para serem aplicados no Design de Superfície. Isso, pois, a cocriação é uma ideia expandida que possibilita um trabalho

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6479criativo mais dinâmico e ampliado. Algo capaz de proporcionar maior inovação

aos projetos que venham a ser desenvolvidos pelo Design de Superfície. Em redes de conexões digitais, esse processo pode ser ainda mais vantajoso, pois qualquer usuário, de qualquer parte do mundo, com conhecimentos específicos ou não em desenho ou materiais, pode contribuir de alguma forma. A rede de informações cocriadas pode auxiliar na melhoria e no desenvolvimento de ótimos trabalhos inovadores e essenciais à contemporaneidade, principalmente em se tratando do Design de Superfície.

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Minicurrículo

Lavínnia Seabra – Doutora em Artes pela Universidade de Brasília-UnB (2014); Mestre em Cultura Visual pela FAculdade de Artes Visuais/UFG (2007); graduação em Design de Moda pela mesma Instituição (2001) e professora efetiva na Faculdade de Artes Visusai/FAV/UFG, desde 2009. Atua no curso de Design de Moda e Licenciatura à distância no curso de Artes Visuais.