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A DIVERSIDADE DE GÊNERO NA ESCOLA: UM DEBATE URGENTE
Jussara Aparecida Ribeiro1
Douglas Roberto Borella2
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo relatar as ações e atividades desenvolvidas em face da implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica desenvolvida durante o PDE (Programa de Desenvolvimento educacional) ofertado pela SEED/PR (Secretaria de Estado da Educação do Paraná). O Programa tem por objetivo promover a formação continuada de docentes do Quadro Próprio do magistério do Paraná, por meio do diálogo entre professores da educação básica e do ensino superior a fim de aperfeiçoar a prática pedagógica e promover uma educação de qualidade na escola pública. O Projeto foi elaborado buscando a promoção da diversidade humana por meio do debate e construção de uma proposta com o tema “Diversidade de Gênero” junto aos professores e funcionários do Colégio Estadual Industrial de Francisco Beltrão, Estado do Paraná.A intervenção prática foi desenvolvida por meio da realização de 8 encontros mensais com a participação de 13 professores. Nos encontros buscou-se a realização de diversas atividades, como leituras, debates, discussões, apresentação de vídeos, músicas, charges, propagandas publicitárias, entre outros materiais que envolvem questões de gênero para promover o estudo do tema e suas singularidades. Os resultados do estudo indicam que é urgente e necessário promover o debate sobre a diversidade, principalmente na escola, uma vez que o tema é permeado de preconceito e estigmas e a escola, como resultado de uma construção social, colabora com a propagação de preconceito, discriminação e desigualdades. Palavras-chaves: Diversidade; Gênero; Escola.
1Professora da Rede Estadual de ensino do Paraná, participante do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE, 2017). 2 Professor do Colegiado do Curso do Educação Física – Unioeste.
1 INTRODUÇÃO
Pensar a escola numa perspectiva da promoção da educação para a
diversidade humana implica em superar os inúmeros desafios que ainda
persistem neste campo, mas também, reconhecer a escola como um espaço
de convívio com a diferença e um dos lugares mais importantes para a
discussão e formação de atitudes.
Conforme Ortiz (2007), tratar da diversidade na escola requer
posicionar-se contra processos de discriminação e preconceitos e também
perceber que nos diferentes contextos históricos, políticos, sociais e culturais
algumas diferenças foram naturalizadas e inferiorizadas gerando tensões e
conflitos.
O mesmo autor ainda contribui dizendo que as sociedades são
marcadas pela diversidade e esta existe em situações históricas determinadas,
e encontra-se situada num contexto determinado. Toda diferença é produzida
socialmente e é portadora de sentido histórico (ORTIZ, 2007).
Com essa concepção, compreendemos que a diversidade está inserida
na cultura e esta é uma construção histórica criada pelos seres humanos em
decorrência de sua adaptação ao meio social nas diferentes épocas e modelos
de sociedade, e se constitui em meio a relações de poder politicamente
construídas.
Chauí (2000), recorrendo a antropólogos e autores como Marx, Kant,
dentre outros, nos mostra que a cultura tem vários significados como as obras
humanas que se manifestam em determinada civilização, mas também a
relação que os humanos estabelecem com os outros humanos, com o tempo e
com o espaço. A autora acrescenta ainda que a cultura representa as lutas
reais de seres humanos reais que produzem e reproduzem suas relações
sociais, se diferenciando da natureza e dos demais seres em diferentes classes
sociais.
A construção social da diversidade é muito mais complexa do que
simplesmente uma classificação do que é diferente, pois ela abrange uma série
de questões políticas, sociológicas, linguísticas que vai desde as
particularidades das comunidades à universalização de direitos.
No Brasil, de acordo com Gomes (2012), são os movimentos sociais,
principalmente os de caráter identitário (indígenas, negros, quilombolas,
feministas, dentre outros) que colocam na pauta social esses direitos à
diversidade. Esses movimentos atuam questionando a forma como a escola, o
Estado e as políticas públicas tratam a diversidade cobrando respostas
públicas e democráticas e reivindicando que a escola nos seus diferentes
níveis e modalidades considere a relação entre desigualdade e diversidade.
Como a escola é uma instituição social que está inserida na cultura,
produz e reproduz os valores presentes na sociedade propagando
discriminações e preconceitos, essas desigualdades sociais transformam-se
em desigualdades escolares. Neste contexto, o gênero enquanto construção
social do feminino e do masculino e elemento das relações sociais surgem
como uma dessas vozes silenciadas na sociedade e está presente
particularmente na escola.
Os padrões de comportamento pertencentes às culturas, como visto
anteriormente, durante muito tempo fundamentaram-se em argumentos
biológicos que reproduzem desigualdades sociais relevantes entre os sexos. A
diferença entre homem e mulher era abordada de forma naturalizada, pois a
diferença orgânica e fisiológica representava o corte simbólico entre homens e
mulheres.
Contribuindo com o exposto, Louro (1997, p. 41) comenta:
[…] a princípio, às distinções biológicas, a diferença entre os gêneros serviu para explicar e justificar as mais variadas distinções entre mulheres e homens. Teorias foram construídas e utilizadas para "provar" distinções físicas, psíquicas, comportamentais; para indicar diferentes habilidades sociais, talentos ou aptidões; para justificar os lugares sociais, as possibilidades e os destinos "próprios" de cada gênero.
Nesta perspectiva, Goellner (2007) nos lembra que se faz necessário
pensar também a produção cultural, o papel do corpo, a importância que tem a
linguagem nessa construção e como essas diferenças físicas se tornaram
desigualdades. A autora chama a atenção, salientando que o corpo faz parte
de um contexto histórico e não pode ser apenas natural. Ele é mutável e
suscetível a intervenções. As diferenças que hierarquizam homens e mulheres
estão constantemente sendo produzidas no meio social através de discursos,
filmes, músicas, revistas, livros, imagens, propagandas entre outras
(GOELLNER, 2007).
Beauvoir (1967, p. 9), com a célebre frase: “Não se nasce mulher, torna-
se mulher,” mostrou ao mundo que a mulher não tem um destino biológico, ela
é formada dentro de uma cultura que define politicamente qual o seu papel no
seio da sociedade. Segundo Louro (1997), desde o seu início, a instituição
escolar que nos foi legada se incumbiu de separar os sujeitos através de vários
mecanismos de classificação que vão desde separar adultos de crianças, ricos
de pobres bem como meninos de meninas.
É indispensável questionar não somente o que se ensina, mas também
a forma como se ensina. Esses questionamentos estão em consonância com
documentos que apresentam diretrizes sobre o papel do Estado Democrático
brasileiro que norteiam a Educação. Segundo os Parâmetros Curriculares
Nacionais (1998), a escola é responsável por uma educação que envolva os
alunos no meio social, político e histórico do país buscando a cidadania como
forma de transformação da sociedade. O documento afirma também que a
escola deve valorizar a pluralidade cultural e posicionar-se contra qualquer
discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças,
de orientação sexual, de etnia ou outras características individuais e sociais
(PCNS, 1998).
As questões de gênero são abordadas em um caderno especial
chamado PCN- Temas Transversais- Orientação sexual (MEC, 1998). As
Diretrizes Curriculares de Gênero e Diversidade Sexual do Estado do Paraná
(2010), questiona a ideia de diretriz tradicional e propõe inventar propostas
pedagógicas que reflitam e problematizem os saberes normatizados e
naturalizados a respeito do gênero e da sexualidade. Também reconhece os
sujeitos dessas relações como sujeitos de classe, com direitos civis e sociais
que precisam ser garantidos nos espaços escolares.
Alguns dados que fazem repensar o modelo de educação brasileira,
conforme a Agência Brasil em 17/06/2009, pesquisa realizada em 501 escolas
públicas de todo o país, baseada em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos,
pais e mães, diretores, professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas
pessoas demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial, socioeconômico,
com relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração,
orientação sexual ou territorial.
De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente
Escolar, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - Fipe
(2009), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), 96,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a
pessoas com deficiências, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de
gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à
orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. A pesquisa conclui que
a maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O estudo
indica ainda que 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum
grupo social. Os deficientes mentais são os que sofrem maior preconceito com
(98,9%) seguido pelos homossexuais com (98,9%), ciganos (97,3%),
deficientes físicos (96,2%), índios (96,2%), pobres (94,9%), moradores da
periferia ou de favelas (94,6%), moradores da área rural (94,6%), e negros
(90,9%).
A respeito especificamente das questões de gênero, um dos dados que
retrata essa desigualdade entre homens e mulheres nos chama atenção,
conforme aduz Waiselfisz (2015): a) Nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010
foram assassinadas no país acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última
década. b) O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465,
que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de
mulheres vítimas de assassinato no país. A observação dos dados e os
estudos mostram que a imposição de padrões e a intolerância com a
diversidade tem gerado discriminação, ódio, preconceito e violência. E a
escola? Como tem lidado com essas questões sociais?
Contribuindo com a reflexão sobre a escola, Freire (2003) considera que
educar é construir, libertar homens e mulheres do determinismo, passando a
reconhecer o seu papel na história, considerando a sua identidade cultural na
sua dimensão individual e coletiva.
Nesse sentido, entende-se que o espaço escolar reproduz, produz, mas
também pode desconstruir relações que oprimem e construir relações que
libertem tendo em seus princípios a dignidade humana e a igualdade de
direitos.
Desta forma, eis que surgem os seguintes questionamentos: como o
Colégio Estadual Industrial de Francisco Beltrão-PR tem encarado esses fatos
no seu interior? Tem garantido em suas ações a reflexão o reconhecimento a
respeito da diversidade? E as relações de gênero, são discutidas? Como os
profissionais veem essa questão?
Nesta perspectiva, o objetivo deste estudo foi o de implementar um
Projeto de Intervenção Pedagógica aplicando uma proposta com o tema
diversidade de gênero, junto de professores e funcionários da Escola Estadual
Industrial do Município de Francisco Beltrão–PR.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Conforme a pesquisa relatada acima podemos afirmar que a
invisibilidade do outro vivida na escola exige dos educadores um exercício de
pensamento no sentido de criar possíveis estratégias pedagógicas que
dialoguem com as demandas sociais emergentes. Contribuindo com esse
pensamento Louro (2004), afirma que não basta apenas atribuir aos currículos
ou planos políticos pedagógicos disciplinas transversais, sem uma postura e
um compromisso ético dos educadores e gestores educacionais.
Para Ortiz (2007), a noção de diferença e diversidade encontra-se
associada e intimamente ligada à ideia do outro. Mas quem é o outro?
Neste sentido é oportuno lembrar os autores Duschaky e Skliar (2001),
que nos fazem pensar sobre o discurso a respeito da diversidade. Estes em
muitas ocasiões servem apenas para tranquilizar nossas consciências, pois se
disfarçam de democráticos fazendo uso de palavras da moda, nos dando a
ilusão de profundas transformações, mas que apenas renomeiam formas
tradicionais de dominação. Também propõem a reflexão sobre os estereótipos
que são reproduzidos nas práticas culturais que reforçam a hegemonia da
normalidade.
Com relação ao sistema educativo Duschakye e Skliar (2000, p. 165),
apresentam três versões discursivas do pensamento moderno e pós-moderno:
A primeira seria “o outro como fonte de todo o mal” que predominou nas relações culturais, sociais e políticas durante o século XX. Hobsbawn (1998) assinala que este foi o século mais mortífero da história, não só por causa da envergadura dos conflitos bélicos, mas pelos genocídios sistêmicos, as matanças étnicas, o apartheid, as ditaduras militares, a violência física e legalista contra os imigrantes etc (DUACHAKY; SKLIAR, 2001).
Segundo os mesmos autores este controle da alteridade aparece
também como violência interna através de leis costumes e moralidades, da
fabricação de estereótipos e de sua utilização para garantir uma
homogeneização de identidades antes já existentes numa forma velada de
diluir os conflitos. A modernidade inventou uma lógica binária para denominar o
outro como componente negativo: marginal, indigente, louco, deficiente,
drogado, homossexual, estrangeiro, etc.
Na educação, "o outro como fonte de todo mal" assumiu distintas formas, expressamente violentas ou repentinamente excludentes, porém todas implicaram uma tentativa de descartar o componente negativo, o não idêntico, nas palavras de Adorno (DUSCHAKI; SKLIAR, 2001).
Para os autores, a segunda forma ocorre quando:
Os outros como sujeitos plenos de uma marca cultural: onde entende-se que as pessoas que pertencem a um mesmo grupo cultural vivessem de forma homogênea, harmônica. Como se não houvesse relações de poder e hierarquia na sua constituição. Faz uma severa crítica ao multiculturalismo que de maneira geral ensina a diversidade cultural e não a educação da alteridade. [...] Os outros estão ao alcance das mãos, porém afastados, marcados em fotos, pinturas, músicas, teatros, bandeiras, festas escolares, etc. (DUSCHAKI; SKLIAR, 2001, p. 168).
Já a terceira forma se expressa quando:
O outro como alguém a tolerar propõe o repensar sobre as ambiguidades que o discurso da tolerância expressa. Do mesmo modo que é um ponto de partida para a vida social também pode retirar das pessoas o comprometimento ético frente ao social e ao Estado, transformando-se em indiferença.[...] A tolerância pode materializar a morte de todo diálogo e, portanto, a morte do vínculo social, sempre conflitivo. A tolerância, sem mais, despoja os sujeitos da responsabilidade ética frente ao social e ao Estado, da responsabilidade institucional de assumir a realização dos direitos sociais. O discurso da tolerância na mão das políticas públicas, bem poderia ser o discurso da delegação das responsabilidades, à
disponibilidade das boas vontades individuais ou locais (DUCHASKI; SKLIAR, 2001, p. 173).
Os mesmos autores finalizam com uma reflexão, que é impossível a
tarefa de educar para quem pretende formatar o outro ou regular-lhe o
pensamento e a sensibilidade, mas que para muitos é possível educar
deixando o outro ser ele mesmo.
Concordando com os autores acima, Louro (2011, p. 5) afirma que:
A tolerância é associada ao diálogo e ao respeito e, portanto, parece insuspeita. Mas pensemos atentamente: quem tolera? E quem é tolerado? A noção de tolerância costuma ser ligada à condescendência, à permissão, à indulgência — atitudes que são exercidas, quase sempre, por aquele ou por aquela que se vê como superior.
Quanto às diferenças de gênero a mulher também aparece na história
como o outro. Segundo Beauvoir (1970), esta categoria do outro é antiga e
original como a consciência. Nas mais antigas mitologias e sociedades
primitivas já existia uma dualidade: a do Mesmo e a do Outro. Esta divisão não
foi estabelecida inicialmente tendo como base a divisão dos sexos, pois a
alteridade seria uma categoria fundamental do pensamento humano. Nenhuma
coletividade, portanto, se definiria como Uma sem colocar imediatamente a
Outra diante de si. O sujeito afirma-se como essencial fazendo do outro o
objeto, mas a descoberta pela consciência do Outro sobre a reciprocidade das
relações tira o sentido absoluto da ideia de Outro e se descobre a relatividade.
Para a autora:
Só que a outra consciência lhe opõe uma pretensão recíproca: em viagem, o nativo percebe com espanto que há, nos países vizinhos, nativos que o encaram, eles também, como estrangeiro; entre aldeias, clãs, nações, classes, há guerras, potlatchs, tratados, lutas que tiram o sentido absoluto da ideia do Outro e descobrem-lhe a relatividade; por bem ou por mal os indivíduos e os grupos são obrigados a reconhecer a reciprocidade de suas relações (BEAUVOIR, 1970, p. 12).
A autora segue mostrando que a mulher é determinada em relação ao
homem e não o homem em relação a ela, portanto entre os sexos não há a
reciprocidade. Para ela as mulheres sempre estiveram subordinadas ao
homem e se colocam como inessencial. Assim, Beauvoir (1970, p. 12) sustenta
que:
Como se entende, então, que entre os sexos essa reciprocidade não tenha sido colocada, que um dos termos se tenha imposto como o único essencial, negando toda relatividade em relação a seu correlativo, definindo este como a alteridade pura? Por que as mulheres não contestam a soberania do macho? Nenhum sujeito se coloca imediata e espontaneamente como inessencial; não é o Outro que definindo-se como Outro define o Um; ele é posto como Outro pelo Um definindo-se como Um. Mas para que o Outro não se transforme no Um é preciso que se sujeite a esse ponto de vista alheio. De onde vem essa submissão na mulher?
A própria autora responde a estas indagações perpassando por vários
campos do conhecimento humano como a biologia, psicanálise, materialismo
histórico, literatura, sociologia, filosofia e sexologia. Descobriu que através
desses conhecimentos vão se produzindo e se moldando uma forma de pensar
sobre a mulher e que essas diferenças vão sendo mantidas no âmbito social e
cultural. Distingue o componente social do sexo feminino de seu aspecto
biológico.
Seguindo esse pensamento se faz necessário a compreensão do termo
gênero.
Sobre o termo gênero Carvalho e Tortato (2009), compreendem que ele
tem muitos significados conforme as diferentes correntes teóricas, abordagens
e focos de análises que existem sobre a construção social do feminino e do
masculino pela sociedade e pela cultura.
Para as pesquisadoras foram os estudos feministas que buscaram
desnaturalizar a condição da mulher na sociedade e problematizaram a ideia
de que determinadas características são da natureza feminina e outras da
natureza masculina. Como, por exemplo: delicadeza, sensibilidade, obediência,
afetividade, ser mãe, seriam da essência da mulher, enquanto agressividade e
competitividade seriam essencialmente masculinas, como se estivesse na
carga genética.
Já, na opinião de Scott (1995, p. 72):
No seu uso mais recente, o “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que queriam insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de
termos como “sexo” ou “diferença sexual”. [...] o gênero sublinhava também o aspecto relacional das definições normativas das feminilidades [...]. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir através de estudo inteiramente separado.
Conforme as Diretrizes Curriculares de Gênero e Diversidade sexual
(2010, p. 12):
O feminismo adquiriu uma enorme importância “ao questionar a organização sexual, social, política, econômica e cultural de um mundo profundamente hierárquico, autoritário, masculino, branco e excludente”. O feminismo como movimento social e político, inicialmente, pode ser pensado como o momento no qual as mulheres reivindicaram visibilidade, espaços na vida social, cultural e política, denunciando a dominação sexista, ideológica e cultural dos homens.
Carvalho e Tortato (2009), também concordam que ao limitar o conceito
de gênero nas diferenças sexuais desconsidera-se toda a aprendizagem social
que se inicia ainda hoje antes do nascimento com as expectativas criadas
pelos pais e pelo meio assim que sabem o sexo do bebê. E isso se reflete
desde a escolha da decoração do quarto até a forma como a mãe se comunica
com o bebê em seu ventre.
Essa concepção também é defendida por Louro (1997, p. 21):
O argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que a relação entre ambos decorre dessa distinção, que é complementar e na qual cada um deve desempenhar um papel determinado secularmente, acaba por ter o caráter de argumento final, irrecorrigível. Seja no âmbito do senso comum, seja revestido por uma linguagem “científica”, a distinção sexual serve para compreender e justificar a desigualdade social. Diante desses argumentos faz-se necessário uma distinção entre sexo e gênero.
Conforme as Diretrizes Curriculares de Gênero e Diversidade Sexual
(2010, p. 12), existe uma diferenciação entre os dois termos:
Sexo: características referentes a questões biológicas e anatômicas que distingue macho e fêmea. Não determina a orientação sexual de uma pessoa. [...] Gênero: construção cultural que procura demarcar oposição entre o sexo biológico. Também é uma categoria de análise relacional criada com o propósito de explicar a “condição feminina” nas relações sociais e questionar a ideia reducionista de natureza, a qual durante muito tempo definiu homem e mulher limitando seu desenvolvimento total.
Louro (1997), complementa dizendo que esse conceito de gênero como
relacional, além de ser analítico também é político, pois, leva em conta o
contexto em que os indivíduos estão inseridos, as relações de poder, as
crenças, as etnias etc. Segundo a autora, é no campo social que se
reproduzem as relações de desigualdades entre os sujeitos. Louro (1997, p. 22
e 23) segue lecionando:
O conceito passa a ser usado, então, com um forte apelo relacional já que é no âmbito das relações sociais que se constroem os gêneros. Deste modo, ainda que os estudos continuem priorizando as análises sobre as mulheres, eles estão agora, de forma muito mais explícita, referindo-se também aos homens. [...], o conceito passa a exigir que se pense de modo plural.
Como e porque compreender isso na escola?
A esse respeito vale lembrar Os Cadernos Secad - Gênero e
Diversidade Sexual na Escola (2007), onde deixam claro que a preocupação
como os sujeitos e suas relações de gênero e sexo sempre estiveram
presentes nas políticas públicas brasileira e no sistema educacional, mas estes
tinham o propósito de fazer da escola um espaço de disciplinamento e
ajustamento heteronormativo de pessoas. Enfatizam que é muito recente a
inclusão dessas questões numa perspectiva que vise problematizar a lógica
hegemônica que produz e reproduz desigualdades. Somente a partir da década
de 70 o movimento feminista consegue por algumas ações dentro das escolas
e nas décadas seguintes vários estudos são realizados a respeito das
condições das mulheres na sociedade brasileira, com isso amplia-se as ações
na educação.
Sobre isso, Louro (2004, p. 110) salienta que:
Desde então, no Brasil e no exterior, em consequência das críticas aos processos escolares como formadores e reprodutores de desigualdades sociais, emergiram discussões acerca da necessidade de se elaborarem pedagogias feministas ou práticas educativas não sexistas. Trata-se de um debate ainda em curso, feito a partir de diferentes posições teórico-metodológicas e de uma multiplicidade de encaminhamentos, proposições e limites.
Bello e Luzzi (2009), também contribuem com esse debate afirmando
que a temática de gênero e diversidade sexual já acontecem no espaço
escolar, principalmente quando há “problemas” com alunos e alunas
homossexuais que obrigam a escola a sair da rotina. E que essas conversas
muitas vezes cheias de moralismos, de posições religiosas, de senso comum,
não fazem a reflexão e acabam por reforçar a discriminação e a exclusão de
inúmeros estudantes do espaço escolar. Uma exclusão invisível e aceita que
só é vista quando os sujeitos conscientes de seus direitos os exigem.
Em relação a isso, Louro (1997) comenta que historicamente a escola de
certa forma coloca para fora sujeitos que resistem a normatização de suas
identidades sexuais e de gênero, a partir de padrões hegemônicos, assim
como também exclui quando tratam de outras identidades como raciais ou de
classes que também são consideradas sem valor pela sociedade.
Louro (1997, p. 57):
Concebida inicialmente para acolher alguns - mas não todos- ela [a escola]foi, lentamente, sendo requisitada por aqueles/as aos/às quais havia sido negada. Os novos grupos foram trazendo transformações à instituição. Ela precisou ser diversa: organização, currículos, prédios, docentes, regulamentos, avaliações iriam, explícita ou implicitamente, ''garantir” – e também “produzir”– as diferenças entre os sujeitos.
Bello e Luzzi (2009) complementam esse pensamento dizendo que
historicamente de certa forma a escola molda os sujeitos ensinando aqueles
que se contrapõe ao padrão estabelecido, o preço da exclusão e àqueles que
ficam, como devem se comportar.
3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DO PROJETO
3.1 Contextualização da Pesquisa
A implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica foi realizada
com professores e funcionários do Colégio Estadual Industrial de Francisco
Beltrão, Paraná.
O Projeto foi apresentado aos professores e funcionários em julho de
2017, e as atividades com os cursistas iniciaram no dia 10 de agosto,
terminando no dia 26 de outubro de 2017, totalizando 32 horas.
O grupo de estudos foi composto por 13 pessoas, sendo 11
professoras, uma Agente Educacional II e um Agente Educacional II.
A Unidade Didática foi elaborada com o objetivo de promover uma
reflexão acerca de diversos temas atrelados à diversidade humana e o roteiro
do curso envolve momentos de debate, reflexão e realização de atividades.
No primeiro momento foi aplicado um questionário (pré-teste) como
diagnóstico para verificar os conhecimentos prévios dos participantes a
respeito das questões de gênero. O questionário foi elaborado com perguntas
abertas, onde o cursista deveria assinalar uma alternativa. Nas questões 08,
13, 14, 15 e 16 poderiam ser assinaladas mais de uma resposta. As atividades
que seguiram foram realizadas com o objetivo de mostrar a realidade sobre as
desigualdades de gênero presentes no Brasil.
No segundo momento foram desenvolvidas diversas atividades como:
leituras, vídeos e músicas para mostrar a historicidade das desigualdades de
gênero e como elas foram sendo construídas pela cultura através das
instituições sociais e as mídias em geral.
O terceiro momento foram discutidas questões que envolvem o conceito
de gênero, como surgiu e a necessidade de compreendê-lo como relacional,
bem como sua aplicabilidade na escola. Também foi questionado o papel da
escola frente a esses desafios.
No quarto momento foi realizado o encerramento dos encontros com
avaliação das aulas e aplicação do questionário pós-teste, momento em que
foram retomados os questionamentos iniciais para que os/as cursistas
pudessem avaliar se houve apropriação do conhecimento proposto inicialmente
e se a temática desenvolvida foi relevante para contribuir com o trabalho na
escola.
3.2 Resultados e Discussão
Após a realização dos encontros, das discussões realizadas, das leituras
feitas com professores e funcionários, foi aplicado o questionário (pós-teste)
para identificar possíveis mudanças de concepção acerca das questões de
gênero e avaliar as contribuições do curso, na aquisição de conhecimento
sobre os temas postos em debate.
A partir da quinta questão foram efetuadas indagações sobre
conhecimentos a respeito de gênero e as diversas peculiaridades que compõe
o tema. As respostas foram analisadas e resultaram nos seguintes dados:
Em relação ao conceito de gênero, o questionário buscou verificar a
concepção dos participantes do projeto acerca do seu conhecimento pessoal
sobre o termo. No questionário pré-teste verificou-se que os participantes
possuem concepções diferentes e, algumas incorretas, sobre o verdadeiro
significado do termo “gênero”. No questionário pós-teste observou-se uma
mudança de pensamento muito relevante, onde a grande maioria das pessoas
conseguiram compreender a questão de gênero como uma criação cultural.
Gráfico 1. Concepções sobre Gênero.
Fonte: elaborado pelos Autores (2017).
Mais do que uma distinção entre os sexos, o gênero representa uma
produção cultural, onde, o papel do corpo faz parte de um contexto histórico, no
qual as diferenças físicas hierarquizam homens e mulheres e estão
constantemente sendo produzidas no meio social através de discursos, filmes,
músicas, revistas, livros, imagens, propagandas entre outras.
Neste sentido, Carvalho e Tortato (2009), compreendem que o termo
“Gênero” apresenta muitos significados conforme as diferentes correntes
teóricas, abordagens e focos de análises que existem sobre a construção
social do feminino e do masculino pela sociedade e pela cultura. Uma
construção relacional onde homens e mulheres representam papeis definido
pela sociedade que interferem na maneira de relacionar-se entre os sexos.
6 6
1 1
12
0 0
2
4
6
8
10
12
14
Feminino emasculino
Criaçãocultural
Desigualdadeentre os sexos
Re
spo
stas
Alternativas
pré-teste
pós-teste
Desta forma, Louro (1997), complementa dizendo que esse conceito de
gênero como relacional, além de ser analítico também é político, pois, leva em
conta o contexto em que os indivíduos estão inseridos, as relações de poder,
as crenças, as etnias etc. Segundo a autora, é no campo social que se
reproduzem as relações de desigualdades entre os sujeitos.
A pesquisa também procurou investigar se os participantes do estudo
consideravam relevante a abordagem do tema “Diversidade de Gênero” na
escola.
No questionário pré-teste as respostas apuradas indicaram uma
divergência de opiniões sobre a questão. É oportuno anotar que nenhuma das
pessoas assinalou que não considera importante a abordagem do tema. Já no
questionário pós-teste, depois dos debates e estudos efetuados nos encontros
observou-se uma mudança de posicionamento em relação ao debate de
gênero na escola, onde a maioria das pessoas passou a considerar muito
importante a realização do debate.
Gráfico 2. Abordagem da Diversidade de Gênero na escola.
Fonte: elaborado pelos Autores (2017).
Comparando as respostas dos participantes do projeto, nos
questionários pré e pós-teste, houve uma mudança de posicionamento em
relação à abordagem das questões de gênero na escola.
Nesta perspectiva, a compreensão da escola como instituição social que
está inserida na cultura, produz e reproduz os valores presentes na sociedade
propagando discriminações e preconceitos é particularmente necessária para
8
4
1
11
2
0 0
2
4
6
8
10
12
Considero muito Considero Neutro
Res
po
stas
Alternativas
Pré-teste Pós-teste
superar os inúmeros desafios que ainda persistem neste campo, mas também,
reconhecer a escola como um espaço de convívio com a diferença e um dos
lugares mais importantes para a discussão e formação de atitudes. Assim, é
possível retomar a concepção de Chauí (2000), que afirma que a cultura
representa as lutas reais de seres humanos reais que produzem e reproduzem
suas relações sociais, se diferenciando da natureza e dos demais seres em
diferentes classes sociais.
E a escola, como objeto desta construção cultural têm a tendência de
trazer para dentro da sua estrutura os comportamentos criados pela sociedade.
Em relação a isso, Louro (1997) comenta que historicamente a escola de
certa forma coloca para fora sujeitos que resistem a normatização de suas
identidades sexuais e de gênero, a partir de padrões hegemônicos, assim
como também exclui quando tratam de outras identidades como raciais ou de
classes que também são consideradas sem valor pela sociedade.
Também foi solicitado que os participantes do estudo indicassem
palavras que melhor identificam o que é ser homem. No questionário pré-teste
as respostas obtidas apontaram que as palavras que definem o ser homem
devem estar ligadas a comportamentos positivos como emotividade,
sensibilidade, responsabilidade paterna entre outros. O que chama atenção
para as respostas é que quatro pessoas assinalaram que não existem palavras
para definir o homem, pois ele deve ser o que quiser. Oportuno observar que
mesmo antes do estudo sobre diversidade de gênero nenhum dos participantes
apontou as palavras como dominador e racional, geralmente relacionadas ao
comportamento masculino.
No questionário pós-teste houve uma significativa mudança nas
respostas do grupo onde todos responderam que ser homem significa ser o
que quiser.
Na análise das respostas é possível verificar que a concepção do grupo
em relação ao conceito do “Ser Homem” é basicamente o mesmo, pois a
maioria respondeu tanto no questionário pré-teste quanto no pós teste que o
homem pode ser o que ele quiser, desnaturalizando os conceitos de
agressividade, competitividade, racionalidade, virilidade entre outras
características atribuídas ao sexo masculino. Tais atribuições, segundo
Carvalho e Tortato (2009) figuram no meio social como se essas características
fossem uma carga genética adquirida no momento da formação biológica de
feminino ou masculino.
No entanto, quando o grupo foi questionado sobre a expectativa da
sociedade em relação ao homem as respostas demonstraram uma concepção
diferente. No questionário pré-teste a grande maioria das respostas indicaram
que a sociedade espera que os homens tenham atitudes comportamentais
ligadas à autoridade, a virilidade, a racionalidade. Outra resposta que obteve
diversas indicações apontou comportamentos ligados à promiscuidade e um
número pequeno de respostas indicaram que a sociedade espera que o
homem seja o que quiser. Com a realização dos estudos e debates, ficou
evidente que a sociedade espera que o homem seja racional e autoritário.
Gráfico 4. Expectativa da sociedade em relação ao homem.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
As respostas denunciam que a sociedade moderna ainda cultiva
estereótipos produzidos culturalmente onde são atribuídas características de
comportamento e personalidade baseados nas diferenças biológicas de sexo,
onde a diferença orgânica e fisiológica representa um corte simbólico entre
homens e mulheres.
Louro (1997) problematiza a questão da distinção biológica para
diferenciar os gêneros, relatando que a sociedade buscou justificar a distinção
entre homens e mulheres construindo teorias para indicar padrões de
comportamento relativos a cada sexo. Nesta perspectiva, mais uma vez se
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Racionalidade Promiscuidade Seja o que quiser
Res
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Alternativas
Pré-teste Pós-teste
observa a questão de gênero como uma construção cultural determinando o
comportamento social voltado para um padrão pré-estabelecido.
Buscando efetuar uma troca de papeis entre conceitos ligados à mulher
e homem perante a sociedade o próximo questionamento perguntou aspectos
relacionados às palavras que identificam a mulher e a expectativa da
sociedade em relação à profissão, relacionamento e o comportamento
feminino.
As respostas evidenciaram, num primeiro momento, que a mulher atual
não mais se vê como dona de casa frágil e submissa, mas como alguém que
pode e deve fazer o que quiser. No entanto, em relação à expectativa da
sociedade, o estudo demonstrou que, como o homem, a existência feminina
está atrelada a estereótipos criados culturalmente.
De fato, a mulher ocupa uma posição social inferior na sociedade,
posição esta que mantém fortes nexos com a divisão sexual do trabalho. “Essa
divisão resulta de uma correlação de forças antagônicas entre homens e
mulheres e dos valores diferentemente atribuídos ao trabalho feminino e
masculino” (SECADI, 2007).
Esta desvalorização do trabalho feminino tem raízes históricas. A figura
feminina sempre esteve associada a trabalhos domésticos, comportamento
este que ainda vem sendo reproduzido nos dias atuais.
No gráfico horizontal é possível verificar os estereótipos criados
socialmente para identificar e diferenciar o gênero masculino do feminino. Note-
se que a mulher possui características que impõe uma situação de obediência
e submissão ao homem, enquanto a este são impostas características de
dominação.
Gráfico 5. Características do feminino e masculino.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
Nesta perspectiva, movimentos sociais como o feminismo adquirem
enorme importância, pois buscam romper modelos impostos social, cultural e
politicamente onde ao homem é dado o direito de fazer tudo o que quiser e a
mulher resta obedecer à dominação sexista. “O feminismo como movimento
social e político, inicialmente, pode ser pensado como o momento no qual as
mulheres reivindicaram visibilidade, espaços na vida social, cultural e política
[...]” (DCE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL, 2012).
O próximo questionamento colocou em evidência a situação descrita no
gráfico 5, ao indagar se a sociedade impõe um padrão normativo de
comportamento que dita os papéis sociais que são referentes ao homem e os
que são referentes à mulher. As respostas dadas antes e depois da aplicação
do projeto de intervenção confirmam que a sociedade é marcada pela
imposição de regras e comportamentos limitados pelas diferenças sexuais.
Neste sentido Carvalho e Tortato (2009) problematizam a situação afirmando
que, ao limitar de gênero nas diferenças sexuais desconsidera-se toda a
aprendizagem social.
Louro (1997), por sua vez, assinala que a relação entre homens e
mulheres se relacionam em função desta diferenciação sexual e a imposição
de papéis a cada um é determinado e construído socialmente justificando a
desigualdade social.
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Res
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Estereótipos
Expectativa em relação ao homem expectativa em relação à mulher
A diferenciação sexual também gera situações de preconceito,
discriminação e exclusão social. A indagação seguinte procurou investigar a
opinião do grupo sobre o assunto. Importante relatar que a resposta dos
entrevistados evidencia o conhecimento sobre a existência de discriminação,
sobretudo no âmbito escolar, onde as pessoas que se contrapõe aos padrões
estabelecido socialmente estão sujeitos à discriminação e exclusão social por
parte daqueles que se comportam de acordo com as regras (BELLO; LUZZI,
2009).
Saber que existe discriminação e preconceito não basta. É necessário
se posicionar contra os mecanismos opressores, que geram discriminação e
preconceito, a fim de derrubar barreiras e construir uma sociedade justa e
plural.
Na mesma linha de pesquisa o estudo procurou avaliar se os
participantes se reconhecem como preconceituosos.
Gráfico 6. Grau de preconceito dos participantes do estudo.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
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s
Grau de preconceito
pré-teste pós-teste
A análise das respostas permite efetuar algumas considerações. O
preconceito existe. É fato. Ela acontece cotidianamente e muitas vezes nem é
percebido. Discursos carregados de ódio, letras de música marcadas por
estereótipos, violência, imposição de papéis, são formas de preconceito que
acontecem na sociedade. Muitas pessoas não se consideram preconceituosas,
no entanto carregam estigmas e comportamentos que evidenciam um caráter
preconceituoso.
Oportuno se faz apontar aqui os resultados da pesquisa pela Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas - Fipe (2009), a pedido do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que conclui que a
maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O estudo
indica ainda que 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum
grupo social, entre eles o grupo LGBT.
Diante de uma sociedade que caminha rumo à modernidade, a
consciência da existência de diferenças e multiplicidade sociais surge junto
com a necessidade de regular e estabelecer parâmetros de aceitação dessas
diferenças. Nesta perspectiva é urgente a busca por respeito e reconhecimento
das diferenças e do pluralismo social de uma forma livre e espontânea, sem a
imposição de leis e procedimentos formais (SENNETT, 1999).
A pesquisa procurou ainda identificar se escola colabora no
desenvolvimento de habilidades e interesses diferentes em alunos e alunas,
afirmando que existe diferenciação entre o tratamento dado a meninos e
meninas na escola. As respostas obtidas por meio do questionário pré-teste
indicam que a maioria das pessoas participantes do grupo de estudo acreditam
que existe diferenciação de tratamento entre meninos e meninas em âmbito
escolar.
No pós-teste não foram verificadas mudanças relevantes de opinião.
Gráfico 7. Diferença no tratamento de meninos e meninas.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
Nas respostas dadas pelos participantes é possível verificar que, mesmo
antes do estudo oportunizado pelo projeto de intervenção, a maioria acreditava
na afirmativa compreendendo, assim, que a diferenciação por sexo ocorre
também dentro da escola. Esta, como sendo um produto cultural também
absorve os costumes e as regras impostas pela sociedade. E a percepção
desta situação é evidente porque é reflexo dos comportamentos verificados na
sociedade em geral.
Neste contexto, a escola produz e reproduz os valores presentes na
sociedade propagando discriminações e preconceitos. A questão de gênero,
enquanto construção social do feminino e do masculino e elemento das
relações sociais, surge como uma dessas vozes silenciadas na sociedade e
está presente particularmente na escola.
Nesta perspectiva o debate sobre a diversidade de gênero na escola é
uma necessidade urgente. Bello e Luzzi (2009), afirmam que este temática de
gênero e diversidade sexual já é observada no espaço escolar, principalmente
quando há “problemas” com alunos e alunas homossexuais que obrigam a
escola a sair da rotina.
Quando a escola sai da sua zona de conforto é que essas conversas
acontecem, muitas vezes cheias de moralismos, de posições religiosas, de
senso comum, que, ao não propor uma reflexão acabam por reforçar a
discriminação e a exclusão de inúmeros estudantes do espaço escolar. Uma
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3 2
8
3
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Completamenteverdadeira
Verdadeira Nem falsa nemverdadeira
Res
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Alternativas
Série 1 Série 2
exclusão invisível e aceita que só é vista quando os sujeitos conscientes de
seus direitos os exigem.
Diante disso, imperiosos afirmar que a invisibilidade do outro vivida na
escola exige dos educadores um exercício de pensamento no sentido de criar
possíveis estratégias pedagógicas que dialoguem com as demandas sociais
emergentes. No entanto, essa reflexão precisa ultrapassar a simples atividade
de apenas atribuir aos currículos ou planos políticos pedagógicos disciplinas
transversais, sem uma postura e um compromisso ético dos educadores e
gestores educacionais (LOURO, 2004).
Para isso, é preciso considerar a experiência escolar como fundamental para que tais conceitos se articulem, ao longo de processos em que noções de corpo, gênero e sexualidade, entre outras, são socialmente construídas e introjetadas. Uma experiência que apresenta repercussões na formação identitária de cada indivíduo, incide em todas as suas esferas de atuação social e é indispensável para proporcionar instrumentos para o reconhecimento do outro e a emancipação de ambos (SECAD, 2007).
O estudo também procurou analisar se os participantes do estudo
acreditam que as causas que levam ao comportamento agressivo estão
relacionadas ao nascimento ou as pessoas aprendem a ser violentas no
ambiente em que vivem.
As respostas obtidas evidenciaram que a maior parte do grupo acredita
que as pessoas aprendem a ser violentas conforme o ambiente em que vivem.
Gráfico 8. Causas que levam ao comportamento agressivo.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
Esta questão evidenciou que a proposta e Intervenção foi positiva
porque, após a aplicação do projeto, os participantes puderam compreender a
questão da construção social e cultural dos comportamentos humanos,
atrelados à ideia de dominação e autoritarismo do papel masculino na
sociedade.
A investigação também procurou avaliar a opinião dos participantes,
sobre a educação dos homens e das mulheres e sua contribuição para
perpetuar as desigualdades e gerar violência. Num primeiro momento as
respostas evidenciaram que grande parte das pessoas concorda com a
afirmativa. Depois dos estudos realizados por meio do projeto de intervenção
houve uma modificação de percepção da maior parte do grupo que concorda
que a educação sexista pode perpetuar as desigualdades e gerar
comportamentos violentos.
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violentos conformeo ambiente
nem todos sãoviolentos
a violencia é umfato natural
todas as respostassão verdadeiras
Res
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Alternativas
pré-teste pós-teste
Gráfico 9. Educação de homens e mulheres e sua contribuição para gerar
violência e desigualdade.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
No gráfico é possível perceber uma significativa mudança de opinião
dos entrevistados antes e depois da aplicação do projeto de intervenção. No
desenvolvimento das atividades os cursistas conseguiram compreender como
a diferenciação por sexo impõe a desigualdade e gera comportamentos
violentos.
Sobre a violência contra mulheres resta oportuno retomar os dados que
retratam a desigualdade e antagonia entre os sexos. Waiselfisz (2015) aponta
que: a) Nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país
acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. b) O número de
mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um
aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de
assassinato no país. A observação dos dados e os estudos mostram que a
imposição de padrões e a intolerância com a diversidade tem gerado
discriminação, ódio, violência.
Neste contexto é importante evidenciar as palavras de Louro (1997) que
assegura que, “Seja no âmbito do senso comum, seja revestido por uma
linguagem científica”, a distinção sexual serve para compreender e justificar a
desigualdade social.
Por fim, os participantes do projeto realizaram uma avaliação das
atividades e as respostas estão dispostas no gráfico abaixo:
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10
12
Concordatotalmente
Concorda Neutro
pré-teste
pos-teste
Gráfico 10. Avaliação da Intervenção Pedagógica.
Fonte: elaborado pelos autores (2017).
O grupo de estudos avaliou positivamente a implementação do Projeto
de Intervenção Pedagógica. Os itens avaliados guardam relação com os temas
abordados nos encontros, a diversificação dos materiais utilizados e a
metodologia utilizada nos estudos, debates e reflexões. De maneira geral, a
avaliação apontou que o curso apresentou conceitos que vão de bom à ótimo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutir questões de gênero não é uma tarefa fácil, principalmente
porque exige uma tomada de posição que, muitas vezes, pode indicar uma
opinião opressora e discriminatória. No entanto, é um diálogo necessário, se
quisermos construir uma sociedade justa e igualitária.
A escola é um espaço privilegiado de luta, no qual é de
suma importância o reconhecimento dos mecanismos que sustentam o fazer
escolar em suas práticas cotidianas. Desta forma, temas como a “diversidade
de gênero” devem estar presentes no cotidiano escolar, uma vez que a escola
é um produto cultural e como tal, tem a tendência de reproduzir os mecanismos
de exclusão de preconceito. A escola não é um mundo isolado. As relações
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Insuficiente Suficiente Bom Muito Bom Ótimo
Temas abordados Diversificação de materiais
Metodologia Utilizada
sociais interferem no fazer pedagógico e os problemas sociais são
incorporados pela escola.
Nesta perspectiva, percebe-se a importância dos educadores estarem
cada vez mais preparados para enfrentar os desafios de promover uma
educação pautada no respeito à diversidade e no fim da intolerância e do
preconceito, buscando apenas a promoção da vida, sem rótulos, sem estigmas,
sem estereótipos.
Desta forma, a implantação do projeto de Intervenção pedagógica
promoveu um debate sobre a diversidade de gênero propondo uma reflexão e
aprofundamento teórico de professores e funcionários acerca do tema e suas
singularidades.
As atividades propostas nos encontros permitiram aos participantes
compreender que nos diferentes contextos históricos, políticos, sociais e
culturais algumas diferenças foram naturalizadas e inferiorizadas gerando
tensões, conflitos e situações de preconceito e intolerância.
Assim, o objetivo central do projeto foi atingido, pois os participantes
compreenderam o conceito de gênero, desmistificando a simples diferenciação
por questões biológicas, e a necessidade de tratar destas questões em âmbito
escolar a fim de desnaturalizar a imposição dos papéis do feminino e do
masculino, além de dar condições de assumir um posicionamento contra os
processos de discriminação e preconceito.
As questões de gênero estão muito presentes nos dias atuais, seja nas
mídias, nas redes sociais e também na escola. Desta forma, o assunto deve
ser objeto de reflexão, no sentido de criar mecanismos para diminuir
preconceitos e discriminações e garantir a igualdade entre os sexos.
Neste sentido, a implantação do Projeto de Intervenção Pedagógica
colaborou para criação de uma consciência mais plural entre os participantes
do estudo.
No entanto, a ideia não pode parar com a conclusão deste projeto. Ela
deve ser difundida e ampliada aos educadores dos diversos níveis de ensino.
Assim, deixamos como sugestão de estudo a continuação deste projeto
aumentando sua rede de alcance, ampliando também para professores dos
anos iniciais do ensino fundamental que, assim como nós, possuem o sonho de
ver a sociedade ser transformada através da educação.
RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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