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ESSÊNCIA DO CATOLICISMO

A Essência Do Catolicismo (Karl Adam)

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  • ESSNCIA DO CATOLICISMO

  • KARL ADAM

    A ESSNCIADO

    CATOLICISMOTRADUO

    DE

    TASSO DA SILVEIRA

    19 4 2

    E D I T O R A V O Z E S L T D A.PETRPOLIS EST. DO RIO

  • I M P R I M A T U R P OR COMISSO ESPECIAL DO EXMO. E REVMO. SR. BISPO DE NITERI, D. JOSE PEREIRA A L VES. PETRPOLIS, 16-12-1941. FREI ATICO EYNG, O. F. M.

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

  • Introduo

    A verdade vos libertar (Jo 8, 32).

    Que o Catolicismo? Responder a esta pergunta no ser apenas mostrar o que o caracteriza e distingue das outras confisses crists, mas tambm, de maneira mais profunda e mais ntima, revelar-lhe a idia-matriz, a fonte de que derivam todas as energias que nele descobrimos, o princpio fundamental que domina e unifica, a alma que informa esse conjunto complexssimo a que chamamos o Catolicismo.

    Visto de fora, o Catolicismo apresenta o aspecto de uma reunio confusa, de uma mistura factcia, de uma acumulao de elementos heterclitos e mesmo opostos. No se lhe chegou a chamar uma complexio oppositorum, um amlgama dos contrrios? Neste conjunto formidvel descobriram-se nada menos que sete camadas de estratificaes radicalmente diferentes (1).

    Ao olhar do historiador das religies, os elementos de que se compe o Catolicismo parecem de uma riqueza to extraordinria, de uma variedade e heterogeneidade tais, que ele no pode coibir-se, antes mesmo de qualquer estudo aprofundado, de recusar-se a ver nisto o desenvolvimento orgnico do germe primitivo de vida religiosa, puramente evanglico, que o prprio Cristo haveria plantado. Vem-lhe, pelo contrrio, a idia de um denso emaranhamento de elementos evanglicos e no evanglicos, judaicos, pagos, primitivos, numa palavra, a idia de um formidvel sincretisnio, que acabou por englobar e fundir como lhe foi possivel todas as formas religiosas nas quais vasaram as almas inquietas as suas angstias e esperanas.

    1) F. H e i l e r , Der Katholizismus, seine Idee und seine Erscheinung, 1923, p. 12.

  • 6 Introduo

    Para o historiador das religies, o Cristianismo seria, desta sorte, utn microcosmo do mundo religioso (2).

    Quanto a ns, catlicos, nada teremos a dizer deste ponto de vista do historiador, desde que ele se mantenha estritamente em seu domnio o dos dados que a histria pode apreender e no tenha a pretenso de formular juizo a respeito do princpio deste conjunto religioso. No temos dificuldade nenhuma em reconhec-lo, pomos at nisso um pouco de orgulho: o Catolicismo no se confunde pura e simplesmente nem com a mensagem de Cristo, nem com o cristianismo primitivo, como se no confunde o carvalho da floresta com a semente que de comeo foi. Sua identidade no deve ser procurada na aparncia exterior: .orgnica. Podemos acrescentar mesmo que, dentro de um milnio ou mais, o Catolicismo aparecer ainda mais rico, mais diversificado em seu dogma, sua moral, sua legislao e seu culto do que o Catolicismo do nosso 20 sculo. Quem sabe se um historiador das religies do ano 5.000 no descobrir nele idias, produtos, formas tomadas fndia, China, ao Japo, e no verificar nele uma complexio opposito- rum mais violentamente marcada ainda? Sim, inegvel, o Catolicismo uma reunio de contrastes, porm contraste no contradio. A vida implica fora de expanso, desenvolvimento e contrastes. Alesmo no cristianismo tal como no-lo mostra a Escritura, mas especialmente na religio do Antigo Testamento, aparecem essa fora expansiva, esse desenvolvimento e esses contrastes. Trata-se apenas de crescimento e apario incessante de formas novas. Estaria viva a mensagem que trouxe o Cristo, o gro que semeou seria, porventura, verdadeira semente se houvesse permanecido o gro minsculo do ano 33, sem ter posto raizes, sem haver assimilado substncias estranhas, se no se houvera tornado, graas a elas, uma grande rvore, em cujos ramos podem pousar os pssaros do cu?

    No temos, pois, vontade nenhuma de perturbar a satisfao que encontra o historiador das religies em con-

    2) A. H a r n a c k , Die Aufgabe der theologischen Facultten u. die allgemeine Religionsgeschichte, em Reden u. Aufstze, 1904, tom. II, p. 170.

  • A d a m, A essncia do Catolicismo 7

    tar os ns do tronco do Catolicismo ou em etiquetar os vrios elementos estranhos que, com a sua fora vital, hauriu do solo e assimilou. O que lhe proibimos, isto sim, que pretenda haver encontrado, s porque enumerou esses elementos, a forma essencial, e mesmo que diga simplesmente que neles temos os elementos constitutivos do Catolicismo, como se fora a eles que devesse o Catolicismo a sua importncia histrica. O Catolicismo tem concincia de haver permanecido idntico a si-mesmo, tanto no presente como no passado; espontaneamente afirma que seus princpios essenciais aparecem desde o instante em que fez sua entrada no mundo, que o prprio Cristo foi quem insuflou o esprito de vida no jovem organismo e o dotou de todas as capacidades de desenvolvimento, que, no curso dos sculos, se desdobraram por uma espcie de adaptao espontnea s necessidades e exigncias sucessivas dos tempos e dos lugares. Nada existe no Catolicismo que lhe seja estranho ou no constitua o desenvolvimento do seu primitivo fundo.

    Da, a insuficincia de todas essas descries histricas. Elas mantm-se superfcie, no atingindo seno o invlucro exterior. Fazem lembrar aquelas idias excessivamente simples de certos polemistas apaixonados, para os quais o Catolicismo se resume na ambio de dominar, no culto aos santos ou no jesuitismo. Nem mesmo suspeitam da fonte profunda, de que irrompem sua vida e todas as suas manifestaes, e que constitue a sua unidade orgnica. Tocais-lhe os membros, falta-vos infelizmente o principal, o liame espiritual e vital! O processo do historiador assemelha-se o que de melhor se pode dizer tentativa dos sbios que pretendem haver explicado a vida de uma clula s com o haverem enumerado e descrito os diversos elementos de uma clula viva. Uma simples descrio est longe de ser uma explicao completa. Eis por que os estudos de pura descrio histrica das religies reclamam outro mtodo, capaz de dar-nos cientificamente a essncia, a alma do Catolicismo.

    Deste estudo cientfico, da prpria essncia do Catolicismo s capaz um catlico que viva de sua f. No possivel uma viso do interior se o corao a no est. A pura objetividade, a fria observao positiva em tal

  • 8 Introduo

    sentido nada podem, ou antes: a plena e completa realidade objetiva, s est em condies de verific-la quem por si mesmo esteja mergulhado na corrente da vida catlica, quem sinta, por sua prpria vida de todos os dias, as foras que animam o organismo gigantesco do Catolicismo e lhe do a sua realidade. Njio porventura a imagem de uma me mais familiar a quem viva junto dela e a envolva da sua afeio? O que h de mais ntimo nos sentimentos de uma me, a ternura e a profundeza do seu devotamento, no se demonstra, mas experimenta-se, vive-se. Desta sorte, s o catlico que cr e que ama pode penetrar no interior. S ele, graas ao que sente, ao que experimenta, ao que vive, ao que Pascal chama o esprito de finura", isto , a intuio de todo homem, s ele pode perceber essas foras intimas, essa potncia expansiva que constituem o Catolicismo.

    Procurar a essncia do Catolicismo o mesmo, pois, que explicitar o contedo da concincia catlica. No e no pretende ser outra coisa seno a simples anlise dessa concincia, a resposta a esta pergunta: Que que um catlico v em sua Igreja e como age esta sobre ele? Onde pe o crente as foras vivificantes, o corao, o centro do seu catolicismo?

    No sem razo que, mesmo bem para alm do crculo restrito dos crentes, a questo apaixona os espritos contemporneos. F. H e i 1 e r assinala com insistncia o interesse crescente que o Catolicismo excita (3): A Igreja Romana exerce hoje, diz ele, um forte poder de atrao sobre o mundo dos no-catlicos. Os mosteiros Beneditinos da Alemanha, em particular os de Beuron e de Maria Laach, tornaram-se verdadeiros centros de peregrinao para no-catlicos que a se entusiasmam pela liturgia catlica. No seio do protestantismo, o movimento Alta-Igreja caminha, se aproxima de cada vez mais da Igreja Romana; um de seus chefes j se integrou mesmo em seu seio. Na Inglaterra ainda mais extenso o movimento das converses. Conventos e mosteiros anglicanos passam inteiros para a Igreja Romana. Intensa propaganda catlica acentua esta simpatia pelo Catolicismo. A Igreja romana faz atualmente esforos considerveis

    3) F. H e i I e r, Op. cit., pg. 8.

  • 8 Introduo

    sentido nada podem, ou antes: a plena e completa realidade objetiva, s est em condies de verific-la quem por si mesmo esteja mergulhado na corrente da vida catlica, quem sinta, por sua prpria vida de todos os dias, as foras que animam o organismo gigantesco do Catolicismo e lhe do a sua realidade. N^o porventura a imagem de uma me mais familiar a quem viva junto dela e a envolva da sua afeio? O que h de mais ntimo nos sentimentos de uma me, a ternura e a profundeza do seu devotamento, no se demonstra, mas experimenta-se, vive-se. Desta sorte, s o catlico que cr e que ama pode penetrar no interior. S ele, graas ao que sente, ao que experimenta, ao que vive, ao que Pascal chama o esprito de finura, isto , a intuio de todo homem, s ele pode perceber essas foras ntimas, essa potncia expansiva que constituem o Catolicismo.

    Procurar a essncia do Catolicismo o mesmo, pois, que explicitar o contedo da concincia catlica. No e no pretende ser outra coisa seno a simples anlise dessa concincia, a resposta a esta pergunta: Que que um catlico v em sua Igreja e como age esta sobre ele? Onde pe o crente as foras vivificantes, o corao, o centro do seu catolicismo?

    No sem razo que, mesmo bem para alm do crculo restrito dos crentes, a questo apaixona os espritos contemporneos. F. H e i 1 e r assinala com insistncia o interesse crescente que o Catolicismo excita (3): A Igreja Romana exerce hoje, diz ele, um forte poder de atrao sobre o mundo dos no-catlicos. Os mosteiros Beneditinos da Alemanha, em particular os de Beuron e de Maria Laach, tornaram-se verdadeiros centros de peregrinao para no-catlicos que a se entusiasmam pela liturgia catlica. No seio do protestantismo, o movimento Alta-Igreja caminha, se aproxima de cada vez mais da Igreja Romana; um de seus chefes j se integrou mesmo em seu seio. Na Inglaterra ainda mais extenso o movimento das converses. Conventos e mosteiros anglicanos passam inteiros para a Igreja Romana. Intensa propaganda catlica acentua esta simpatia pelo Catolicismo. A Igreja romana faz atualmente esforos considerveis

    3) F. H e i 1 e r, Op. cit., pg. 8.

  • \ d o m, A cssfncia do Catolicismo 9

    para reunir os cristos separados do Oriente e do Ocidente. No tmulo de so Bonifcio fundou-se uma associao que visa a unio das diversas confisses crists... Certas da vitria, vozes catlicas anunciam a ruina prxima do protestantismo". Heiler viu justo ao verificar o despertar do Catolicismo, mesmo entre os incrus, mas engana-se ao falar da certeza da vitria coni que anunciaramos a ruina prxima do protestantismo. A palavra vitria" profana, de maneira nenhuma religiosa. Reduziria a religio a um negcio de partido. Religio implica

    humildade, respeito, reconhecimento e alegria, mas ex- clue qualquer pretenso a uma vitria. O que ser do protestantismo segredo de Deus. Depende dele que o Ocidente saia de sua disperso, do seu esmigalhamento, para reunir-se fraternalmente, como outrora, no seio da Igreja, me comum. Tudo o que podemos fazer dar testemunho da verdade, pedindo a Deus que se digne abrir os coraes e pr de cada vez mais Iimpidamente no campo de viso espiritual dos melhores entre ns a tarefa que se impe de maneira to urgente. Consiste esta em fazer desaparecer, de uma vez para sempre, o rasgo perpetuamente doloroso que h sculos nos mantm separados uns dos outros, em criar uma nova unidade espiritual, uma ptria religiosa, e em assentar por esta forma o nico fundamento possive! de uma reconstruo, de uma ressurreio da velha Europa. Com grata satisfao, verificamos que a concincia de to premente dever se torna cada vez mais viva, e que i passou o tempo em que se considerava o Catolicismo como um amlgama de tolice, de superstio e de esprito de domnio.

    Pode-se atribuir a es

  • 10 Introduo

    entre todas as formaes polticas, econmicas e religiosas, no foi tocada pelo tempo e continua jovem como nos primeiros dias. Vemos, por assim dizer, com os nossos prprios olhos, tocamos com o dedo o que escrevia o clebre historiador ingls M a c a u l a y a respeito da incompreensvel e indestrutvel fora de vida do Catolicismo (4): No h e no houve jamais sobre a terra obra devida sabedoria dos homens que merea, tanto quanto a Igreja Catlica romana, deter nossa ateno. Sua histria reiga os dois grandes perodos da civilizao humana. No existe mais nenhuma outra instituio que se possa reportar aos tempos em que do Panteo subia o incenso dos sacrifcios e em que, no anfiteatro de Vespasiano, pulavam os tigres e os leopardos. J se comparou a lista dos papas com as mais orgulhosas famlias reais de antanho. Esta lista nos faz remontar, por uma srie ininterrupta, do papa que, no sculo XIX, coroou Napoleo, ao que, no VIII sculo, sagrou Pepino o Breve... A Repblica de Veneza era o mais antigo dos Estados. Modernssima com relao ao Papado, ela contudo desapareceu, ao passo que o Papado continua. Continua a viver, no em estado de decadncia, ou como um simples vestgio do passado, mas em pleno vigor e em toda a fora da juventude. Ainda hoje a Igreja catlica envia, at aos paises mais afastados do mundo, mensageiros de sua f, no menos ardentes do que os que desembarcaram na Inglaterra em companhia de Agostinho. Ainda hoje, os Papas sabem resistir aos soberanos hostis to corajosamente quanto a tila resistiu Leo Magno. Nada anuncia o fim prximo da sua longa soberania. A Igreja romana viu comearem todos os poderes e todas as confisses que atualmente existem. No ousaramos garantir que no os ver acabar. Ela era grande e cheia de honras muito antes que os Saxes pusessem o p na Inglaterra e os Francos tivessem transposto o Reno, quando a eloquncia grega brilhava ainda em Antioquia e os dolos eram adorados no templo de Meca. Poder ainda existir em toda a sua fora quando, um dia, at aqui vier um viajante da Nova Zelndia, e, ao meio do imenso deserto de runas, instalado sobre um pilar demolido da ponte de Lon-

    4) Essay on L. von Rankes History of the Popes.

  • A d .1 ni, A essGnda do Catolicismo I I

    dres, desenhar as ruinas da catedral de So Paulo. O que, no meio do deserto do presente, atrai nosso olhar, , com efeito, essa perenidade, esse vigor que a tudo afronta, essa eterna juventude da velha, velhssima Igreja. Da, naturalissimamente, da parte de muitos, os melhores, esta pergunta: de onde lhe vem tal fora de vida? pode ela comunic-la ao Ocidente enfermo? e o querer? e o far?

    A segunda razo a atrair para o Catolicismo a ateno do homem contemporneo, do homem da guerra e da Revoluo, de ordem ntima, resultado da observao aprofundada que cada um pode fazer de si mesmo. A caracterstica do homem moderno ser um desenraizado. histria cabe mostrar como chegou ele a esse estado. O grito do XVI sculo Los von der Kirche (nada de Igreja), provocava por uma lgica fatal o Los von Christus (nada de Cristo), do XVIII, depois o Los von Gott" (nada de Deus) do XIX sculo. Por esta forma a vida interior moderna viu-se cortada do seu mais indispensvel, mais profundo princpio, do que a fazia mergulhar no Absoluto, no Ser dos Seres, no valor dos valores. A vida perdeu seu verdadeiro, seu grande sentido, seu impulso interior para o Alio, seu mpeto de amor eficaz e possante que s o Divino pode suscitar. Em lugar do homem ancorado no Absoluto, firmado em Deus e, por isto, forte e rico, passmos a ter o homem independente e autnomo.

    Alm disso, renunciando, pela sua revoluo religiosa, comunho dos fiis da Igreja, a essa vida de interao mtua dos crentes, cortou ele a segunda das raizes que

    serviam a alimentar-lhe a vida: o lao da comunidade. Privou-se da unio estreita no sofrimento e na alegria,

    na orao e no amor, que se traduz pelo Vs e o Ns,

    a unio primitiva com esta unidade que desborda toda personalidade, na qual pode cada um beber indefinidamente para renovar as prprias foras, c sem a qual per

    manece esteril e ressequido. Em nenhuma outra con

    fisso ou religio, a comunho na vida, na ao e no so

    frimento, na orao e no amor, o crescimento e a forma

    o pela unio fraternal, se apoiam to firmemente sobre

    o dogma, a moral e o culto como na Igreja catlica. A

    ruptura da comunidade religiosa provocou naturalmente

  • 12 Introduo

    o afrouxamento dos laos da comunidade social, e corrompeu, por este mesmo motivo, as fontes profundas dc uma humanidade sadiamente constituda e forte, da humanidade na mais plena acepo do vocbulo.

    O homem autnomo tornou-se, na verdade, o homem isolado. Acentua-se ainda mais a desagregao. Desde que o progresso da cultura destronou a razo, quer dizer, o pensamento que unifica, que percebe o todo, e a substituiu por esse conhecimento que se aplica ao pormenor e que desperdia, a personalidade do homem, sua unidade espiritual, desmoronou numa confuso de foras e de funes. No mais se fala de alma, porm de processos psicolgicos. A concincia, o Eu, o substrato das energias vitais, tudo isto desaparece de mais em mais do pensamento filosfico contemporneo. Depois que Kant e sua escola fizeram do Sujeito transcendente o legislador autnomo do mundo do Objeto, e at da prpria concincia emprica, depois que, em lugar da objetividade das coisas e do Eu, se passou a f

  • A d a in, A essncia do Catolicismo 13

    tal do que toda essa fria filosofia. Ele clama com todas as suas foras pela vida, a vida plena, inteira, pessoal. Est cansado de negar, quer poder afirmar. A ao, a vida, tem necessidade de afirmaes ntidas, de posies francas e audazes.

    Ser, pois, surpreendente que esse homem tome pelo Catolicismo um interesse que no simplesmente especulativo, acadmico? Mostraremos minuciosamente que o Catolicismo e o que o distingue das outras confisses crists essencialmente tese, afirmao, aferio de todos os valores e realidades do cu e da terra. As confissc3 no-catlicas se colocam todas, no no terreno de uma afirmao firme e absoluta, mas no da negao, da supresso, da escolha subjetiva. A histria do Catolicismo a da afirmao sem restries, rigorosa, completa, da inteira realidade da revelao, da plenitude do Espirito de Deus, que se propagou no Cristo com toda a sua fora de desenvolvimento. D a resposta decisiva, absoluta, completa vida interior do homem sob todos os aspectos, fornecendo-lhe as suas bases verdadeiras. Antes de nada mais, a afirmao absoluta do primeiro fundamento do nosso ser, Deus vivo, Deus no sentido pleno, Deus da fora criadora e da justia, e no apenas o Deus- Pai das crianas e dos pecadores, e ainda menos simplesmente o Deus da filosofia e do deismo, que tem medo aos milagres, ou o Deus dos acomodatcios; o Cristo tambm completo, o Cristo em quem Deus se nos revelou, o Cristo em duas naturezas, o Homem-Deus em quem o Cu e a Terra se unem, e no somente o Cristo-Bom Pastor do Salo ou o Cristo exttico dos crculos de escol; a comunidade completa igualmente, isto , o conjunto da humanidade da terra, na qual enxergamos o prprio Cristo.

    A comunidade o s dado primitivo que permite s individualidades crists o ser e o crescer. Ora, a personalidade deve desenvolver-se toda inteira: no apenas o sentimento de piedade, mas a fria razo que examina; no apenas a razo, mas tambm a vontade enrgica e ativa; no apenas o homem interior e espiritual, mas o homem exterior e sensivel. O Catolicismo, na sua essncia integral, responde completamente e fortemente ao homem todo. O Catolicismo , numa palavra, a religio positiva, essencilmente tese, afirmao no sentido pleno

  • 14 Introduo

    do vocbulo e sem nenhuma supresso, ao passo que todas as outras confisses no-catlicas so essencialmente anttese, essencialmente combate, contradio, negao (7). Por isso tambem, sendo a negao por si mesma infecunda, no possuem elas, pelo menos em medida igual, a fora fecunda, criadora. Toda a histria do Catolicismo a est para testemunh-lo.

    Deste positivo o homem contemporneo sente que tem necessidade, e comea a voltar os olhos para o Catolicismo. Quem sabe se ele no ser em seu favor? Bons espritos convidam a que se olhe para esse lado, ou, pelo menos, a que.se mostre m2is largueza de alma para ver o catolicismo sem prejuizos. Soederblom, arcebispo protestante de Upsala, conhecido pelos seus estudos de filosofia e de histria religiosa, no teme escrever, para atrair a ateno dos seus crentes (8): O cristianismo romano representa, no seu verdadeiro fundo, algo de diverso do desejo de dominar, do culto aos santos e do jesuitismo. Constitue, na realidade, um tipo de piedade, diferente daquele do cristianismo evanglico, mas completo em seu gnero, direi mesmo, mais completo do que o tipo evanglico. Ns todos continmos muito pouco no sentido do

    grandioso projeto de Schleiermacher, de uma apologtica que estudasse a essncia das diversas religies e confisses histricas. Tal crtica nada teria de comum com as querelas confessionais, mas, sim, em nome do principio

    fundamental, se insurgiria contra as contrafaes que,

    nessas igrejas, vo de encontro sua essncia. Ainda

    recentemente, queixava-se H e i I e r (9) de conhecerem

    to pouco os protestantes o verdadeiro catolicismo. A po

    lmica protestante no v habitualmente seno certas pare

    des exteriores da catedral catlica com as suas fendas e o

    7) T e r t u l i a n o dizia j a respeito dos mesmos: nihil enim interest illis, licet diversa tractantibus, dum ad unius veritatis ex- pugnationem conspirent (de praescript., c. 41). Schisma est enim unitas ipsa (C. 42). Santo Agostinho, da mesma forma: dissen- tiunt inter se, contra unitatem omnes consentiunt (Serm. 47, 15, 27).

    8) N. S f f i de r b l om, Religionsprobleme, I, 1910, n. 4 (citado por Heiler). S o e d e r b l o m est frente do movimento que impele unio de todas as Igrejas e confisses crists.

    9) H e i I e r, op. cit., p. 5.

  • r\ il ;i :ii, A essncia do Catolicismo 15

    seu aspecto surrado pelo tempo, no passo que as maravilhosas obras de arte do interior lhe ficam escondidas. As formas mais vivas c mais puras do catolicismo ficaram, tanto vale dizer, desconhecidas da simblica protestante. Tanto a viso do conjunto quanto a viso do interior lhe so igualmente interditas".

    Se isto acontece com relao ao Catolicismo entre os telogos protestantes, ser de espantar que nos meios estranhos aos estudos teolgicos, cultos ou no, reine uma completa ignorncia do verdadeiro catolicismo, ignorncia de que se queixam os mais clarividentes protestantes? Ela que a fonte dos peiores prejuizos, dessa indiferena, dessa antipatia, mesmo desse desprezo pela vida religiosa catlica; ela que acentua essa lamentavel ciso e diviso entre a parte catlica e protestante do pas. O mestre da histria da Igreja e do dogma entre os protestantes, H a r n a c k, escreve a tal respeito (10): "Os estudantes, ao sair do colgio, sabem um pouco de tudo relativamente histria da Igreja, porm, quasi sempre, pude muitas vezes verific-lo, sem ligao nem vista de conjunto e, pois, sem nenhuma verdadeira inteligncia. Conhecero, porventura, at os sistemas gnsticos e toda sorte de mincias perfeitamente inteis para eles, mas da Igreja Catlica, a mais fenomenal criao religiosa e poltica da histria, absolutamente nada sabem. Fabricam a respeito dela idias desarticuladas, vagas e muitas vezes ridculas. Como nasceram as grandes instituies do Catolicismo, o papel que desempenharam na vida da Igreja, por que funcionam de maneira to segura e impressionante, so coisas que constituem, pelo que vejo,

    para todos, salvo raras excees, terra incgnita.

    Nosso dever introduzir nessa terra incgnita os jo

    vens estudantes, que nela no viveram desde a infncia,

    que no fruiram do seu sol nem comeram do seu po.

    Inutil observar que, nisto, escrupulosamente se evitar

    toda polmica que no seja indispensvel, como tudo o

    que possa ferir o sentimento religioso dos que no tm a nossa f. De outro lado, preciso no esquecer que o

    mais nobre, mais elementar dever do que pesquisa pro-

    10) A. H a r n a c k , j4us Wissenschaft u. Leben, I, p. 96 e seg.

  • 16 Introduo

    fcssar, confessar. O que, na sinceridade de sua alma, graas s luzes trazidas pelos meios cientficos de que dispe, premido pela evidncia da verdade, descobriu de decisivo, de verdadeiro e real, deve reconhec-lo como tal. Deixemo-nos dos Talvez que s im ... ou dos De um lado ... Do outro la d o .... Ou um sim ou um no. E neste sentido que estas conferncias devem ser abordadas. A cada um de ns aplica-se a palavra do Senhor: A verdade libertar-vos-...

  • Ca p i t u l o I

    Cristo na IgrejaEis que estarei convosco at ao fim dos sculos. (Mt 28, 20).

    Se perguntamos Igreja catlica: que concincia tens, que dizes de ti mesma, que pretendes ser? os seus mais autorizados Doutores de todos os sculos respondem-nos: A Igreja a realizao do reino de Deus na terra: A Igreja de hoje, a Igreja atual o Reino do Cristo e o Reino dos cus, emocionado proclama santo Agostinho (De Civit. Dei, XX, 9, I). O Reino dos cus, o Reino de Deus que o Cristo anuncia aps a profecia de Daniel (VII, 9-28) e que, semelhante ao gro de mostarda, cresce e se desenvolve, e, semelhante ao fermento, penetra e leveda o mundo, e, semelhante a um campo, contm, a um s tempo, o trigo e o joio at ao fim da colheita, esse Reino dos Cus a Igreja o encontra realizado em si mesma. Tem concincia de ser a manifestao do novo, do sobrenatural, do divino que aparece no Reino de Deus, a manifestao da Santidade. Sob a aparncia das coisas que passam, ela a realidade sobrenatural, nova, trazida terra pelo Cristo, o divino que se apresenta sob invlucro terrestre. E como foi na pessoa do Cristo que a plenitude dessa divindade se comunicou de maneira criadora, so Paulo, o apstolo dos Gentios, exprime o seu mais profundo Mistrio quando, empregando uma frmula familiar ao pensamento grego, chama a Igreja o corpo do Cristo (1 Cr 13, 27; Col 1, 18, 24; Ef 1, 22; 4, 12): Todos, com efeito, fomos batizados num s esprito para formar um s corpo, sejamos

    judeus ou gregos, sejamos escravos ou livres, fomos todos saciados de um s esprito (1 Cr 12, 13).

    O Cristo, o Senhor, , propriamente falando, o Eu da Igreja. A Igreja o corpo penetrado, animado das energias vivificantes de Jess. Esta unio do Cristo com a

    A essncia 2

  • 18 Cap. I. Cristo na Igreja

    Igreja to intima, to indissolvel, to natural e to essencial que so Paulo, em suas Epistolas aos colossen- ses e aos efsios, chama, em termos prprios, ao Cristo a cabea do corpo da Igreja. E preenchendo a funo da cabea unida ao corpo que Cristo faz do organismo da Igreja um todo completo, que a si mesmo se basta. No se concebe o Cristo e a Igreja separados um do outro, como se no concebe a cabea separada do seu corpo (Cl 1, 18; 2, 19; Ef 4, 15 sg). Esta doutrina da vida do Cristo na Igreja, da orgnica, essencial ligao da Igreja com o Cristo ponto fundamental da mensagem crist. Desde Orgenes, at ao pseudo-Dionsio, passando por santo Agostinho e continuando at santo Tomaz de Aqui- no, e depois at ao nosso M oe h 1 e r, o Mestre de Tubin- ga (1), esta convico o ponto central da doutrina catlica sobre a Igreja. Apraz-lhes repetir sob todas as formas a frase que santo Agostinho emprega para celebrar a unidade misteriosa do Cristo e da Igreja: os dois no so mais do que um", um corpo, uma carne, uma s e mesma pessoa, "um homem, "um s Cristo, o Cristo total. Para dar seu verdadeiro sentido a essas relaes do Cristo com a Igreja, a essa unidade intima entre ambos, e traduzi-la de maneira impressiva, nada melhor do que a imagem do noivado entre o Cristo e a Igreja, que s. Paulo, ao gosto das imagens caras a muitos profetas (Os 1, 3; Jr 2, 2; Is 54, 5) emprega pela primeira vez (2 Cr 11, 2). Segundo so Paulo, a Igreja a noiva do Cristo, pela qual ele se entregou morte. Na mesma ordem de idias, o autor do Apocalipse celebra o Noivado do Cordeiro, e fala da noiva que est pronta. Foi da que, mais tarde, a teologia mstica catlica extraiu esta idia audaz: o Cristo, esposo e senhor, e a Igreja, sua esposa, por uma unio ntima, do luz os filhos da vida nova.

    Esta realidade sobrenatural da Igreja se manifesta, em primeiro lugar, nas suas mais autnticas criaes: seu dogma, sua moral e seu culto.

    1) A. Mceh l e r (1796-1838), professor na Universidade de Tubinga, um dos telogos mais notveis do sculo 19. Suas principais obras, A Unidade da igreja e a Simblica" foram traduzidas em francs. G o y a u publicou-lhes excertos em "La pense chrtienoe".

  • A d ii in, A cRsncia do Catolicismo 19

    Seu Dogma pretende no scr mais do que a proposio feita nossa f, pela Igreja, infalivcl no seu ensino, da verdadeira revelao do Cristo, j jubilosa mensagem que nos traz toda a preciosa realidade, toda a plenitude de vida que ao mundo do espao e da tempo desceu com o Verbo incriado.

    Os dogmas da Cristologia propriamente dita revelam- nos a pessoa do Homem-Deus, o reflexo da Majestade de Deus na figura de Jess. Os da Redeno descrevem-nos sua atividade redentora manifestada pela sua vida, paixo e morte, e, finalmente, tambem a sua postura direita do Pai. Os dogmas da Trindade conduzem- nos fonte primeira desta vida divina, no seio do Pai, re- ligando o aparecimento de Jess no tempo sua nascena eterna no interior da Trindade. Os dogmas mario- lgicos ensinam-nos as relaes de Maria, a Me de Jess, com a humanidade de seu Filho e com sua obra redentora. Os ensinamentos sobre a graa afirmam a gratuidade absoluta da redeno de Jess e fornecem-nos os fundamentos dos sentimentos novos de que devem ser animados os que foram resgatados: amor, paz, alegria no Esprito Santo. Quanto aos dogmas da Igreja, dos sacramentos e dos sacramentais, dizem-nos de que maneira, praticamente, esta vida, que surde do Cristo, comunicada aos homens de todos os paises e de todos os tempos. Os dogmas dos novssimos mostram-nos em Jess o juiz e o consumador que, depois de haver cumprido a obra da redeno, pe todo o seu poder nas mos do Pai afim de que "Deus seja tudo em todas as coisas.

    Trazem assim todos os dogmas da Igreja catlica a marca do Cristo; exprimem um aspecto da sua revelao e nos pem sob os olhos, em toda a extenso do seu desenvolvimento histrico, o Cristo vivo, Salvador, Rei, Juiz.

    O mesmo se d com a moral e o culto da Igreja catlica.

    A idia fundamental da educao dada pela Igreja, de todo o seu ensino, sua prdica e sua disciplina, a de fazer do crente um outro cristo, de "model-lo pelo Cristo, segundo a expresso dos santos Padres. E tal e to elevado ideal que d moral catlica a sua unidade. No h duas morais na Igreja, porque no se trata nunca seno de edificar o Cristo. O que varia, quasi indefini-

    2

  • 20 Cap. I. Cristo na Igreja

    damente, so as vias de acesso a esse fim nico, vias to variadas quanto os homens mesmo que se devem erguer para o Cristo e nele transformar-se. Muitos no chegam a traar em si mesmos seno um leve e assaz confuso esboo da imagem do Cristo. Em compensao, assim como a natureza se compraz, por vezes, em fazer aparecer o melhor dela mesma em alguns exemplares de todos os pontos de vista perfeitos, em lhes comunicando, por assim dizer, o suprfluo de suas energias, de igual maneira, na Igreja, acontece que a plenitude do Cristo, a riqueza de sua graa se manifesta, em todas as pocas, neste ou naquele dos seus santos, em feixes luminosos, em prodgios de abnegao pessoal e de caridade para com os outros, de pureza, de humildade, e de devotamento. A obra do professor Merkle sobre Os educadores religiosos na Igreja catlica (2) permitir, mesmo a homens que no participem de nossa f, o fazerem uma idia da seriedade profunda e da herica fora que a Igreja catlica tem desdobrado atravs das idades para tentar realizar essa imagem do Cristo, para introduzir o seu esprito no homem que no mais do que carne e sangue, para incarnar Jess em cada um.

    A mesma atividade, a mesma plenitude do Cristo, respira o culto, a liturgia da Igreja.

    Cada uma das oraes da liturgia termina pela tradicional concluso: Per Dominum nostrum Jesum Christum (por nosso Senhor Jess Cristo), como cada reunio litr- gica, desde o santo Sacrifcio da missa at ao mais sim

    ples gesto de orao, relembra o Cristo (vfivrjou;

    X q io tov ). Mais ainda: a liturgia catlica no somente um relembrar filial do Cristo, mas uma real participao, sob formas sensveis misteriosas, de Jess e de sua fora redentora, um contacto reconfortante da borla de sua tnica, um contacto libertador das suas santas chagas, eis o verdadeiro sentido, o sentido profundo da liturgia catlica: tazer de toda a vida do Cristo uma realidade presente, sensivel e operante. Assim, no batismo, ao olhar da

    2) Religise Erzieher der katholischen Kirche aus den letzten vier Jahrhunderten, Leipzig, S. d. E uma srie de captulos sobre os mais notveis "educadores catlicos, a comear de Santa Teresa e at Newman.

  • A d a ui, A essncia do Catolicismo 21

    conciCncia crist, o sangue do Cristo derramado na cruz que cscorre sobre a alma, purifica-a de todas as enfermidades do pecado original e a penetra de sua prpria fora vital santificante, para dela fazer um homem novo, regenerado, uin filho de Deus. Na confirmao, Jess envia o seu Consolador", o Esprito de Fora e de F, alma crist que desperta, para fazer desse filho de Deus uin soldado. No sacramento da Penitncia, Jess, o Salvador misericordioso, consola a alma, entristecida do seu pecado, dizendo-lhe: Vai, teus pecados te so perdoados. Pelo sacramento da Extrema-Uno, o Bom Samaritano se aproxima do leito do pobre doente e derrama nesse corao ferido um vigor novo, ao mesmo tempo que o esprito de sacrifcio. No sacramento do matrimnio, faz com que o amor do homem e da mulher participem do seu amor profundo, fiel at morte, pelos seus, pela comunidade crist, pela Igreja. Enfim, na imposio das mos da ordenao sacerdotal, transmite os seus plenos poderes de Messias, seu poder de beno aos que escolheu como discpulos, afim de continuar, pelo seu ministrio, a fazer com que saiam do imprio da morte homens novos, filhos de Deus.

    Os sacramentos nos do a certeza sensivel, garantida pela prpria palavra de Jess e a prtica dos apstolos, de que Jess continua a operar em meio de ns a cada curva importante, alegre ou triste, de nossa pequena existncia. No altar do casamento, no bero conio no leito de dor, nos momentos de crise e de penosos trancos, Jess ai est, sob o vu da graa sacramental, a est como amigo e consolador, como mdico das feridas da alma e do cofpo, para dar-nos a verdadeira felicidade. Santo Tomaz de Aquino (3) descreveu de maneira particularmente luminosa esta penetrao constante da vida inteira do cristo pela f dos sacramentos e do Salvador. Goethe disto fala com emoo no VII livro da segunda parte de "Dichtung und Wahrheit. Termina por esta reflexo notvel: E dizer que esse conjunto espiritual to bem organizado foi deslocado pelo Protestantismo, que dele no conserva como autntica seno uma parte mnima, rejeitando todo o resto a ttulo de ser inveno posterior! De

    3) Summa theol. 3 p. q. 65 art. 1.

  • 22 Cap. 1. Cristo na Igreja

    que modo a indiferena com que olhamos para alguns dentre eles poderia preparar-nos para considerar os outros com o respeito devido ao que vem de Deus?

    E, no entanto, os sacramentos, por mais santos que sejam, no so ainda o que h de mais profundo e maissanto. Jess liga-se de tal maneira aos seus crentes, toativa, to penetrante a sua graa, que ele se d a si mesmo, pessoalmente, como uma realidade ativa e benfica. Jess comunica aos seus sua realidade ntima, o que ele tem de mais precioso, o seu eu, a sua personalidade divina. Comemos o seu corpo, bebemos o seu sangue. Ama Jess de tal forma os seus, que no se contenta com o vivific-loS com a sua graa e a sua fora, anima-os realmente da sua pessoa humano-divina, pe-se em comunho de carne e sangue com eles, une-os ao seu ser como a rama ao cepa da vinha. No, em verdade, no fomos abandonados como orfos neste mundo. Sob a aparncia do po e do vinho, o Mestre continua a viver emmeio dos seus discpulos, o Senhor em meio do seupovo, at que do alto do cu ele retorne em toda a sua majestade. O sacramento do altar o memorial mais possante, mais profundo, mais ntimo do Senhor, espera do seu glorioso retorno. Malgrado as centenas ou milhares de anos, malgrado a sucesso dos povos e das civilizaes, Jess no poderia ser esquecido. Nenhum corao, na terra, nem mesmo o de nenhum pai ou de me nenhuma, tem sido amado to verdadeiramente, to fielmente, to fortemente e com devoo tamanha, por milhes e milhes de seres humanos, quanto o corao de Jess.

    Nos sacramentos, especialmente no do altar, aparece da maneira mais patente a idia fundamental da Igreja: a incarnao do Cristo em seus fiis. Por isto mesmo, um catlico acharia que pretender encontrar a origem, no somente deste ou daquele rito exterior, mas do contedo prprio e do sentido dos sacramentos, em crenas e ritos estranhos ao cristianismo, talvez mesmo nos mistrios do paganismo, seria ver as coisas muito pela superfcie. Os sacramentos da Igreja nos reportam, pelo contrrio, vida crist das origens, a realizao sensvel da idia central que encontramos desde as origens crists de uma unio indissolvel com o Cristo, de um ser no Cristo em continuidade at hoje. Na doutrina mstica dos

  • A d a m , A essncia do Catolicismo 23

    sacramentos, o Cristo compreendido imediatamente como o Senhor da comunidade fiel, como o princpio invisvel de fora e de atividade. Assim se traduz de maneira concreta a idia fundamental da Igreja: o Cristo que continua a viver nela, a incarnao do divino no humano.

    Dogma, moral e liturgia manifestam, acabamos de mostr-lo, antes de nada mais a concincia que tem a Igreja de ser o corpo do Cristo.

    Esta mesma concincia inspira tambem suas regras e instituies, os mtodos e procedimentos pelos quais a Igreja traduz sua vida sobrenatural e, antes de tudo, a idia que ela prpria faz de sua autoridade e de sua doutrina dos sacramentos.

    Depois de haver mostrado a vida sobrenatural na Igreja, assinalemos a forma especial sob a qual essa vida se nos apresenta.

    A Igreja, dizamos, pretende ser simplesmente o corpo do Cristo, a manifestao do seu ser humano-divino na histria. Segue-se da que o Cristo glorificado a verdadeira fonte original de todos os seus poderes; todos aqueles de que a Igreja faz uso s so exercidos em nome do Cristo e, num sentido ultra-verdadeiro e profundo, lhe pertencem.

    Por isto, a constituio da Igreja inteiramente aristocrtica, vinda do alto, do prprio Cristo, e de maneira nenhuma democrtica. Nela, a autoridade, o poder, no vem de baixo, da comunidade, porm de cima, do Cristo. De Deus, tornado visvel pelo Cristo, decorre, por intermdio dos apstolos, todo poder, na Igreja. Ouamos o velho telogo da frica, Tertuliano, exprimir de maneira impressiva essa origem: A Igreja vem dos apstolos, os apstolos do Cristo, e o Cristo, de Deus (de przescript. 37). No era em seu prprio nome, porm como embaixadores e representantes do Cristo que os apstolos agiam: Quem vos escuta, escuta-me; e o que me despreza, despreza Aquele que me enviou (Lc 10, 16; Mt 10, 40). Os apstolos, por sua vez, como no-lo mostram os escritos do Novo Testamento, em particular as Epstolas pastorais (4), aps haverem fundado alguma nova comuni-

    4) Cf. Tito I, 5; IV Timot. IV, 14; 2* Timot. I, 6; Atos dos Apst. XX, 28.

  • 24 Cap. I. Cristo na Igreja

    dade, impunham as mos aos primcios, quer dizer, aos

    recem-convertidos, para fazer deles os chefes ( tiqoeo-

    rtzc) que, em seu lugar, deviam pascer o rebanho de Deus, segundo a expresso to bela e impressiva de s. Pedro (1 Pd 5, 2). No eram, pois, as comunidades as depositrias, os sujeitos de plenos poderes apostlicos, mas, sim, os que eram escolhidos, em nome do Cristo, pelos apstolos, para em seu lugar exercerem a funo de Ancios, de Presidentes, de Bispos. Aps a morte dos apstolos, eram ainda esses Ancios que, pela imposio das mos, transmitiam seus poderes e ordenavam as novas comunidades em torno dos que haviam sido, por essa forma, investidos em misso. As comunidades, verdade, davam seus sufrgios e opinies no sentido de designar aqueles aos quais tais poderes seriam confiados, mas os poderes mesmo eram exclusivamente de origem apostlica. Eram comunicados pelos Epscopos, que, por sua vez, os tinham recebido dos apstolos. Testemunha-o toda a antiga literatura crist. Encontramos o desenvolvimento desta idia, j particularmente evidente e considerada clssica, numa obra do primeiro sculo, a primeira Epstola de s. Clemente (ad Cor 44, 3).

    A autoridade, na Igreja, repousa sobre a sucesso apostlica, sobre a continuao dessa misso que os apstolos haviam recebido do Cristo e que se transmite pela imposio das mos. Essa misso apostlica, transmitida de Bispo a Bispo at nossos dias, outra coisa no . no fun

    do, seno o pleno poder messinico de Jess. Pela via da

    sucesso apostlica, ele se propaga e estende, distri

    buindo aos homens a verdade e a graa de Jess. Por de

    trs da autoridade da Igreja , pois, o prprio Jess que

    devemos ver. Segundo a expresso da teologia, o Cris

    to a causa principalis de todas as funes que a

    Igreja exerce, a fonte primeira de sua fora sobrenatu

    ral e de sua ao; o homem no seno a causa instru

    mental" de tudo o que o prprio Cristo ensina, santifica

    e ordena. Assim, em toda funo, em todo ministrio da Igreja, a personalidade humana, o indivduo como tal,

    desaparecem. Em lugar da pessoa mesma do ministro,

    a fora redentora de Jess, espalhada no corpo mstico do Cristo, que age. Quando ela se exprime e se faz sensvel,

  • A d a m , A crsCncia do Catolicismo 25

    chama-se ministrio eclesistico, servio do Cristo essencialmente, quer dizer, servio s executado em nome do Cristo, segundo sua ordein, e que s da autoridade do Cristo que toma seu sentido. Evidentemente, a personalidade do ministro que se compenetra das intenes do Cristo contribuir poderosamente para dar ao exterior um carater edificante e santificante, mas a substncia mesma do seu ministrio, o fundo de sua atividade, totalmente independente da sua superioridade ou da sua fraqueza pessoal. No ele, com efeito, no a sua personalidade que prega, batiza e ordena na Igreja, somente o Cristo. A concepo da autoridade e das funes na Igreja decorre, pois, diretamente dessa doutrina fundamental da penetrao, da animao da Igreja pelo seu Senhor. No devemos ver nisto uma espcie de emprstimo, estranho ao Evangelho, feito s religies pags, ou, mesmo, ao direito judaico ou romano, mas, pelo contrrio, a expresso da pura doutrina evanglica: E o Cristo que prega, o Cristo que batiza. A Igreja no tem outra pretenso seno a de conservar o grande pensamento cristo primitivo, segundo o qual nela no h seno uma nica autoridade legitima, um nico mestre, um s autor e distribuidor da graa, um s Pastor: o Senhor, o Cristo.

    No constitue, pois, a concepo da autoridade e das

    funes na Igreja nada de hirto, de mumificado, mas uma

    direo da vida e da atitude do crente para o Cristo, e

    s para o Cristo. Entre o Cristo e o fiel, nenhuma autori

    dade humana, nenhuma pessoa estranha se interpe. E

    diretamente do prprio Cristo que devem descer s almas

    a verdade, a graa e a vida divinas. A Igreja assegura pre

    cisamente por iimis paradoxal que possa parece: esta

    afirmao pelo seu carater impessoal, a liberdade da

    personalidade crist. Preserva da dominao espiritual e

    da pretenso a se erigirem em mediadores indispensveis

    que poderiam ter certas personalidades. Colocando dire

    tamente em face um do outro o Cristo e o fiel, a interven

    o da Igreja no separa, pois, une, pelo contrrio, ou

    antes, protege e assegura essa misteriosa e maravilhosa

    comunicao entre o Cristo e a alma. Protege e assegura

    o contacto e a permuta de vida entre a cabea e os seus membros.

  • 26 Cap. 1. Cristo na Igreja

    Vale essa doutrina tanto para a misso doutrinal quanto para a misso sacerdotal e pastoral. O Ensinamento da Igreja repousa sobre a palavra do Senhor, no tendes seno um nico Mestre, o Cristo (Mt 23, 10). Quando o padre catlico anuncia a palavra de Deus, no um homem que prega, o prprio Cristo. Neste sentido, a prdica do Papa na Capela Sixtina, aos olhos da verdadeira f crist, no tem mais valor do que a do mais modesto cura da mais nfima aldeia. Porque no Pedro, nem Paulo, nem Pio, o Cristo que prega. Toda a histria das lutas da f crist dominada por esta convico de que o Cristo o Doutor nico na Igreja. Porque a sua prdica vem exclusivamente do Cristo, a Igreja pode ater- se firme e corajosamente mensagem do Cristo, que transmite. Eis por que ela no poderia pensar em modernizar-se, isto , em acompanhar o esprito do tempo. Seu ensinamento no e no quer ser mais do que a continuao, para os homens do seu tempo, da mensagem do Cristo, pregada pelos apstolos. A to urgente recomendao de s. Paulo a seu discpulo: Timteo, guarda o depsito que te foi confiado! (2 Tm 1, 14; 1 Tm 4, 18; 6, 14) o programa de toda a prdica da Igreja. Seu esprito tradicional e conservador decorre direta e logicamente do a que se poderia chamar seu fundamental Cristocentrismo.

    Por isto mesmo, sempre se manteve em guarda a Igreja contra a tirania das personalidades, das escolas, das correntes que porventura lhe quisessem impor a sua direo. Nunca jamais ela hesitou, quando lhe pareceu que a con- cincia crist dos fiis, a mensagem do Cristo conservada pela tradio, se achavam perturbadas ou ameaadas, em pronunciar-se at contra os mais brilhantes dos seus filhos, um Orgenes, um Agostinho mesmo. E de todas as vezes que, em lugar do fundo tradicional, do solo firme da histria dos dados cristos primitivos, da con- cincia crist que continua, foi a especulao, a pequena experincia pessoal, numa palavra, a pobre individualida- dezinha que pretendeu fazer-se portadora da mensagem de Cristo, a Igreja imediatamente pronunciou o seu antema. E esse antema, no hesitaria em pronunci-lo mesmo se um anjo vindo do cu trouxesse uma doutrina diferente da que lhe foi desde os apstolos transmitida. A

  • A d a m , A essncia do Catolicismo 27

    histria do ensinamento da Igreja outra no seno a de uma ligao tenaz ao Cristo, de um aprofundamento rigoroso da mensagem de Jess: No deveis ter seno um Mestre, o Cristo (5).

    O Cristo, o Senhor da comunidade crist, , na realidade, como acabmos de ver, o nico que ensina na Igreja. E tambm o nico que opera quando a Igreja administra os Sacramentos. E' preciso no conhecer essa doutrina fundamental para ousar escrever que na teoria escolstica da eficcia dos sacramentos reencontram- se as concepes primitivas de uma fora automtica atribuda a certas aes (6).

    A Igreja catlica ensina que os sacramentos agem ex opere operato, e no ex opere operantis, isto , que a graa sacramental produzida, no pelos esforos pessoais de boa vontade e de orao do que recebe o sacramento, mas pela eficcia objetiva do prprio signo sacramental. Em cada sacramento, algo h de exterior que posto (opus operatum). Entendamos por isto uma certa unio, especialssima, conforme a instituio feita pelo Cristo de uma coisa (a matria) e de uma ou vrias palavras (a forma). Desde que este rito seja cumprido de acordo com a inteno da Igreja, o sacramento existe e a graa sacramental opera como obra do Cristo (opus Christi), independentemente da parte de atividade com que contribue o que o recebe (opus operantis), e simplesmente porque foi administrado validamente. Pelo s fato de, em nome da santssima Trindade, ser a gua do batismo derramada sobre a cabea da criana que acaba de nascer, esla admitida na amizade de Deus; sem mais demora, abre-se o cu e a voz do Pai proclama: Tu s meu filho bem-amado!

    0 rito sacramental comunica efetivamente a graa da salvao, sem intervenes do sujeito, pelo menos quando se trata da entrada em graa de uma criana que ainda no se encontra em uso da razo. Ao adulto, no qual

    5) S t o. A g o s t i n h o : Christus est qui docet. Cathedram in caelo habet.. . schola ipsius in terra est et 9chola ipsius corpus ipsius est. Caput docet membra sua, lingua loquitur pedibus suis. Christus est qui docet: audiamus, timeamus, faciamus (De disc. christ.. 14, 15).

    6) H e i I e r, Op. cit., p. 12.

  • Cap. 1. Cristo na Igreja

    a concincia moral e religiosa despertou, necessria uma preparao subjetiva pelos atos de f, de penitncia e de arrependimento graa objetiva trazida pelo rito sacramental. A Igreia ensina que os esforos do adulto que recebe o sacramento no so a causa que produz ou atrai a graa (causa efficiens): constituem simplesmente uma preparao que pe em estado de receb-la (causa dispositiva). A causa produtriz exclusivamente o prprio Cristo, que, instituindo os signos sensiveis da graa, manifesta e oferece a vontade de distribu-la. Originariamente, in actu primo, a graa algo de dado, algo que, afora e acima de qualquer esforo do sujeito, conferido pelo rito sacramental. Esta graa, assim objetivamente oferecida, ser, porventura, eficazmente recebida em mim? Isto depender de minha disposio subjetiva. De fato, pois, a penetrao real da graa na minha alma no depende da graa apenas, mas resulta da colaborao de dois fatores: a graa do Cristo e a minha boa vontade. Pode-se, acaso, ver nesta doutrina sacramental algo da crena primitiva que atribue foras sobrenaturais a certos objetos estranhos?

    Falar de uma eficcia mgica do sacramento desprend-lo de sua raiz nica, o Cristo, exclusivo distribui

    dor da graa, e conferir-lhe uma existncia separada. O

    sacramento, assim, ao invs de ser o signo sensive! da gra

    a, tornar-se-ia uma fonte independente, dotada de fora

    sobrenatural, verdadeira feitiaria sagrada. Na realidade,

    o sacramento no existe por si mesmo. S tem o seu sen

    tido inteiro, e sua realidade, no Cristo e pelo Cristo. Santo

    Tomaz explica muito bem que ele no passa da causa ins

    trumental da qual o Cristo, distribuidor da graa, se ser

    ve; o signo, perceptvel aos sentidos, do qual ele utiliza

    a significao simblica para produzir na alma do crente

    efeitos sobrenaturais correspondentes a esse simbolo. E at mesmo, segundo a opinio escotista, sustentada em

    nossos dias por um bom nmero de telogos, no contm

    o signo sacramental nenhuma causalidade fsica ; cai

    a graa imediatamente de Jess na alma do crente; o sacramento mais no do que um signo que Jess quis tor

    nar exterior e sensivel, ao qual ligou, como a uma con

    dio moralmente determinante, a distribuio da sua gra

  • A d a m , A essncia do Catolicismo 29

    a. E um Eu o quero, s puro! que se tornou sensvel e eficaz.

    Algo de objetivo, de impessoal, permanece na doutrina catlica do sacramento. E verdade que depende a graa de Cristo, como de sua causa, no dos esforos religiosos c morais do sujeito, mas do signo sensvel, dado efetivamente. Por que assim acontece, no entanto? Porque nesse carater impessoal, objetivo, do sacramento, como no do ensinamento da Igreja, se manifesta o que ele tem de mais profundo, de mais ntimo, a saber, a sua ligao to especial com o Cristo, sua ao que vem simplesmente da plenitude do Cristo, seu poder santificante devido s fora do Cristo, porque, precisamente, no o que nela h de humano que santifica os homens, mas a fora do Cristo, unicamente. A graa do Cristo no se prende a atos humanos, f ou penitncia do pecador ou mesmo orao c ao sacrifcio das almas santas, unidas a Deus, das pessoas gratificadas de carismas, dos santos profetas, bispos ou padres; prende-se a algo de totalmente impessoal, a um signo morto que, por si mesmo, outra vantagem no oferece seno a de ser um signo querido pelo Cristo, uma autntica expresso de sua vontade de distribuir a graa. Esta frmula ex opere operato garante o que h de mais profundo no Cristianismo, aquilo pelo que lutou e sofreu so Paulo, a inteira gratuidade da graa e a doutrina segundo a qual o Cristo tudo em todos (nnnia et in onmibus Christus).

    Como a doutrina da objetividade do sacramento est no corao mesmo do cristianismo, evidentemente to antiga quant ele, to antiga quanto o corpo do Cristo, a Igreja.

    A teologia bblica insiste fortemente no sentido de mostrar que j em s. Paulo e em s. Joo encontramos esse carater de independncia do sacramento com relao pessoa, a ao ex operato, seno em termos expressos, pelo menos de maneira equivalente. Soa sua doutrina sacramental com timbre nitidamente semelhante ao do ensinamento catlico atual. E como poderia deixar de ser assim? Desde que Cristo o centro da atividade da Igreja, e que bem realmente de sua plenitude que tudo recebemos, desaparecem, por isto mesmo, todas as fontes puramente humanas da salvao. No h mais interme

  • 30 Cap. 1. Cristo na Igreja

    dirio humano, como observava santo Agostinho dirigindo-se aos Donatistas. S Cristo opera. Quando, na comunidade dos primeiTos cristos de Corinto, ligavam-se alguns a personalidades favorecidas de carismas, formando-se, assim, os partidos de Pedro, de Paulo, de Apoio, como se acreditassem alcanar a salvao de uma ou outra dessas personalidades humanas, s. Paulo ergueu-se, com todo o seu zelo de testemunha de Cristo, contra semelhante humanizao do Evangelho. Quem , pois, Apoio, quem Paulo? ministros por meio dos quais viestes a crer... Ningum pode assentar outro fundamento, seno o que j est assentado, quer dizer, Jess Cristo (1 Cor 3, 4). A doutrina catlica dos sacramento*; afirma simplesmente com firmeza esse fundamento de todo o cristianismo. Nas lutas, que duraram sculos, contra os Montanistas, os Novacianistas e os Donatistas, mais lar- de contra os Valdenses, os Albigenses e os Hussitas, a Igreja retomou sempre e sustentou a palavra de santo Agostinho: E por si mesmos que os sacramentos santificam, no pelos homens que os conferem. No so, com efeito, os homens que batizam ou absolvem, mas Cristo. Precisamente porque o Sacramento cristo, pelo seu ca- rater independente das pessoas, exclue toda mediao das autoridades humanas, garante as permutas imediatas de vida entre a cabea e os membros. Resulta da que em nenhuma parte a liberdade pessoal na vida religiosa to amplamente assegurada quanto no catolicismo. Como as folhas inumerveis de uma rvore, das quais nenhuma absolutamente se parece com a outra, as formas da piedade crist, nas quais se manifesta a vida catlica com o Cristo, so tambem, na sua variedade, inumerveis.

    Ainda algumas palavras sobre a funo pastoral, o poder de governar, na Igreja.

    O Evangelho de s. Joo (21, 15 s) refere que o Cristo ressuscitado, dirigindo-se ao apstolo Pedro, disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas! No so as suas prprias ovelhas que Pedro encarregado de apascentar, so as ovelhas do Cristo. O poder pastoral aparece, por esta forma, claramente, em s. Joo, como uma funo de lugar-tenente, como um poder a ser exercido em nome do Cristo. E , alis, neste sentido que dele usa s. Paulo com relao ao incestuoso de Co-

  • A d n m, A essncia do Catolicismo 31

    rinto: em nome de nosso Senhor Jess Cristo e com todo o poder do mesmo Senhor Jess Cristo que ele o entrega a Satanaz para a morte da carne, afim de que o esprito se salve no dia do Senhor Jess (1 Cor 5, 3 s). Todas as medidas disciplinares da Igreja so inspiradas pela idia de que devem ser tomadas em nome e na fora de Jess. Contudo, a funo pastoral na Igreja, o poder de governar, no se exerce, como o poder doutrinal e sacerdotal, imediatamente sobre as realidades sobrenaturais dadas de uma vez para sempre na revelao do Cristo, isto , sobre as realidades do Dogma e do Sacramento. Tem por objeto a introduo dessas realidades sobrenaturais na vida prtica, a aplicao das normas e dos valores cristos na vida dos povos e dos indivduos. Ora, como esta vida de dia a dia se desenvolve e modifica, no poderia a Igreja pretender que cada uma de suas medidas de governo esteja, de maneira absolutamente certa, na linha e no esprito de Jess. E possivel que, segundo a observao vrias vezes feita por sto. Agostinho, nas prescries do governo da Igreja algo de humano, de muito humano, consiga insinuar-se, e que nelas se notem erros e falhas. Se tais medidas particulares, porm, podem parecer lamentaveis, o fim perseguido, os princpios inspiradores nem por isto deixam da manifestar,- para o fiel, o esprito autntico do Cristo, seu amor e sua fora. O catlico sabe que a autoridade da Igreja reveste o princpio absoluto da Verdade, da Justia e do Amor. Para ele est resolvido o problema que de maneira to aguda prope Dostoiewski na sua lenda do Grande Inquisidor, ou, melhor, no romance Os irmos Karamasoff, que no lendrio, seno, em parte, problema que consiste em perguntar-se se no ser a autoridade humana sinnimo de opresso. Pois bem, sim! toda autoridade puramente humana necessariamente tirania, quer se exera por meio de um s ou por meio de uma multido. S na teocracia se v o homem livre do homem, porque s nela serve ele no ao homem, mas a Deus. Explica-se por esta forma o mistrio, desconcertante para quem olha de fora, da obedincia filial com que o crente aceita as prescries da Igreja, e que lhe faz submeter docilmente seu prprio pensamento e vontade vontade do Cristo, que dirige a

    Igreja. Por este meio o crente deliberadamente alarga o

  • 32 Cap. I. Cristo na Igreja

    seu eu estreito e mesquinho, confundindo-o com o eu da Igreja. No se trata de modo nenhum de obedincia de cadaver ou de mentalidade de escravo, mas de um ato verdadeiramente religioso, pois que representa submisso absoluta vontade de Jess, que opera na Igreja. Tal obe-r dincia no nem urna covardia nem uma fraqueza, mas, sim, um ato de fora e generosidade, um ato viril e altaneiro mesmo em face dos tronos. Em sua leal fidelidade, ele vai at ao sacrifcio dos bens da terra, mesmo da vida: um sacrifcio de si mesmo ao Cristo que anima a Igreja. Nessa fidelidade se mostra a nobreza do sangue que corre nas artrias do crente.

    Se amanh uma tempestade desabar sobre as comunidades crists, ou tiverein elas de derramar seu sangue para confessar sua f, no sei se todos se mantero firmes e fiis na sua unio ao mesmo Cristo, se os laos que, em tempos calmos, bastavam para mant-las unidas entre si, no se partiro em mil bocados como falripas de palha dispersas pelo vento. Mas sei que, quanto ao lao que une a Igreja e seus membros, nenhum esprito mau poder romp-lo, porque ele no da terra. Foi tranado pelo Senhor" da Igreja, pelo Deus feito homem, o Cristo- Jess.

  • C a p i t u l o II

    A Igreja, corpo do CristoA Igreja seu corpo, a

    plenitude daquele que enche tudo em todos (Ef 1, 23).

    Se a Igreja o reino de Deus e o corpo do Cristo, sua primeira caracterstica ser a de ser sobrenatural, celeste. Por essa face, a Igreja se situa no invisivel, no espiritual, no eterno. Acabmos de mostr-lo na primeira conferncia. A Igreja, porm, no somente invisivel. Se o reino de Deus, no constitue uma simples juxtaposio acidental, mas, sim, uma comunidade cujos membros so ligados cabea e entre si mesmos. Tal organizao necessariamente visivel. Corpo do Cristo, essencialmente algo de orgnico, isto , de coordenado e subordinado, um organismo visivel. Esta, a segunda particularidade da Igreja. O divino na Igreja no , como certos autores antigos ou recentes possivelmente imaginam, uma espcie de entidade santificante com uma existncia independente, e que vem de maneira invisivel pousar sobre um c outro. Nela, o divino como que se objetivou, fez-se carne numa comunidade enquanto comunidade.

    Em outros termos: a graa redentora de Jess, tal como se aplica por intermdio da Igreja, no se prende a uma pessoa enquanto tal, no se manifesta numa individualidade, mas, sim, essencialmente, numa comunidade, num conjunto de pessoas. O esprito de Jess no se introduz neste mundo contingente por meio de individualidades dotadas de carismas, mas exclusivamente na e pela comunidade; manifesta-se sobretudo pela unidade que cria na multido. O veculo, se assim se pode dizer, do Esprito de Jess , pois, a Igreja, no enquanto multido de indivduos, enquanto soma de pessoas cada uma das quais animada desse esprito, mas a Igreja enquanto forma

    A essncia 3

  • 34 Cap. 11. A Igreja, corpo do Cristo

    uma unidade de crentes, uma comunidade distinta das pessoas particulares que a compem. Esta unidade nova, esta comunidade, o dado cristo primitivo, no formado, nascido do agrupamento livre ou forado dos iiis, no repousando sobre a boa vontade dos fiis individualmente considerados e no fruindo, assim, seno de uma existncia derivada, secundria, mas algo que, na sua prpria essncia, dado antes das individualidades crists, espcie de essncia transpessoal, unidade superior da qual se no poderia dizer que resulta dos fiis cristos que a compem. No so os fiis que fazem a existncia da comunidade, , antes, o inverso que se verifica, ou seja, a comunidade que faz com que os indivduos, enquanto cristos, existam. A comunidade crist, a Igreja enquanto comunidade, o dado primeiro, ao passo que a personalidade crist, vale melhor dizer: a Igreja enquanto soma de pessoas crists s depois que vem. E o mesmo que dizer que a Igreja no nasceu no dia em que Pedro e Paulo, Tiago e Joo compreenderam, cada um por seu lado, o mistrio de Jess, sua personalidade hu- mano-divina, e, conjugando a sua f em Jess, fundaram uma comunidade que se chamou crist; mas que j existia em germe, virtualmente antes que Pedro e Joo se houvessem tornado crentes. Como Todo, como comunidade, como unidade orgnica, a Igreja uma instituio divina. Porque, no seu fim ltimo, verdadeiramente a unidade de todos os homens que deviam ser resgatados, o cosmos dos homens, a humanidade como todo, a multido como unidade, e tudo isto realizado pela santa humanidade de Jess.

    primeira vista pode esta idia surpreender; , no entanto, a nica que explica o lado visivel da Igreja, e nos d o sentido de sua histria. Se, como a Igreja o proclama, Cristo o Deus-Homem, redentor da Humanidade e ele o de fato para realizar sua obra, deve ligar a Deus, reconciliar, no estes ou aqueles indivduos, mas a Humanidade como Todo. A misria da humanidade de- caida, a essncia do pecado original que sobre ela pesava. consistia em que o lao sobrenatural que a prendia a Deus desde a sua criao, e graas ao qual ela era capaz de realizar a plenitude, a perfeio de seu ser, e de atingir ao seu destino esse lao tinha sido rompido

  • Ad a m, A essndn do Catolicismo 35

    pelo pecado de Ado. No foi apenas Ado que se separou de Deus, mas, sim, nele, e por ele, a Humanidade inteira. E este um dos dogmas fundamentais do Cristianismo, do qual j encontramos alguns vestgios nos escritos judaicos, posteriores ao canon das Sagradas Escrituras, c claramente formulado como dogma cristo, sobretudo por so Paulo. Este dogma do pecado de nossos primeiros pais, que se tornou o pecado original, e de nossa redeno pelo homem novo, o Cristo, o ncleo central de todo o Cristianismo. Constitue o fundamento da to forte e comovente considerao de que no devemos olhar a humanidade como a soma dos seres que nascem uns dos outros e se sucedem; nem mesmo como o conjunto dos homens que, tendo um pai comum e, pois, fazendo parte de uma s e mesma espcie, entre si mesmos se unem. E preciso representar-nos a humanidade como um s homem. Os homens so, com efeito, de tal forma unidos e dependentes uns dos outros, em sua natureza, em seu ser tanto espiritual quanto corpreo, em seus pensamentos, suas vontades, seus sentimentos e seus atos; de tal forma solidria sua vida inteira, com suas virtudes e seus erros, que mister consider-los como um Todo, como uma Unidade, como um Homem nico para o plano divino da Redeno. No o homem individual, mas a inteira Humanidade, exprimindo-se sob milhes de formas nos indivduos, que constitue o homem total, a plenitude de todos os homens, que existe desde h milhares de anos e que por milhares de anos ainda existir. Assim que no h seno um homem, o Homem total, e que o erro e o destino de um indivduo no so somente o seu erro e o seu destino pessoais, mas, sim, repercutem na Humanidade inteira, na propor3o do papel distribuido pela Providncia a esse indivduo no funcionamento e na marcha do organismo imenso que a Humanidade constitue.

    Pensamentos que parecem, ou, antes, ainda h puco pareciam bastante estranhos mentalidade moderna. O individualismo da alma ocidental, que veio a flux com o Renascimento, e em seguida o desmembramento e a ato- mizao, se se pode dizer, do homem e de suas potncias, sobretudo essa exorcizao da Coisa, do Objeto, de uma realidade fora do Sujeito, que penetrou no pensamento

    3

  • moderno em sequncia a Kant, e o subjetivismo sem saida, que da resultou, fizeram-nos perder a concincia de nosso ser e antes de tudo mais do verdadeiro fundamento do nosso ser, isto , da Humanidade que nos gera, nos conduz e nos contm. Encerramo-nos nos limites do nosso Eu, e no mais encontramos o caminho da Humanidade, do Homem completo, total. A categoria Humanidade tornara-se estranha ao nosso pensamento. No mais pensvamos, no mais vivamos seno na categoria do Eu. A Humanidade como Todo, como Plenitude, precisava ser de novo descoberta.

    Vemos agora pouco a pouco desenhar-se uma orientao diversa do pensamento moderno sem falar das profundas mudanas que tambem se notam do ponto de vista puramente filosfico nas teorias do conhecimento. Devemos atribu-lo persistente gestao do pensamento cristo mais autntico (1). Devemos tambem ver nisto, em parte,* a influncia do socialismo e da Grande Guerra.

    Sentimo-nos pouco vontade no estreito eremitrio do nosso Eu e procuramos fugir-lhe. Descobrimos, ento, que no somos ss, mas que ao nosso lado, conosco, em torno de ns, e em ns, h a Humanidade. No sem surpresa verificamos que fazemos parte dela, que lhe estamos ligados por uma comunidade de ser e de destino e uma solidariedade obrigatria, e que s assim nosso prprio Eu poder desenvolver-se plenamente, e que s inserindo- nos nessa Humanidade e vivendo por ela que nos tornaremos verdadeiramente homem. E esta atitude nova do pensamento permite apreciar melhor a extraordinria importncia do dogma catlico fundamental do primeiro homem, Ado, e do homem novo, o Cristo, ambos representando a Humanidade. Em Ado, o primeiro homem, chamado participao da vida divina, se continha aos olhos do Deus Criador a Humanidade toda inteira. Aps se haver desviado do fim sobrenatural que Deus primitivamente lhe designara, a Humanidade, como um planeta que saisse de sua rbita, se ps a girar ein verdadeiro turbilho, em torno de si mesma. O Eu tornou-se o ponto central dos seus desejos e esforos, e Deus, fonte primei-

    30 Cap. II. A Igreja, corpo do Cristo

    1) Cf. R. Q u a r d i n i, Vom Sinn der Kirche, 1922, p. 2 sgs., 7 sgs.

  • A d a m , A essncia do Catolicismo 37

    ra de sua vida espiritual, lhe apareceu como um fardo. No dia em que colheu o fruto da rvore da cincia do Bem e do Mal, Ado se fez o primeiro homem autnomo, do ponto de vista moral e religioso. O homem, desde ento, no mais tinha necessidade seno do seu frgil Eu como fonte de foras espirituais. Abandonou a Fonte, em fluxo eterno, da gua vivificante e tentou cavar em seu Eu uma pobre cisterna. As guas dessa cisterna no tardaram a esgotar-se. O homem adoeceu, morreu da procura do seu prprio eu. A humanidade inteira ficou com ele ferida de morte. Foi ento que, conforme o decreto eterno do conselho de amor mantido por Deus, apareceu o Homem novo, o Homem da unio nova, duradoura, infrangivel, com Deus, o Cristo, o Senhor. Em

    sua pessoa, continha-se a Humanidade que se havia desviado; o homem arrancado pela raiz vida divina se viu de novo ligado, de maneira definitiva e normal, a Deus, Vida de toda vida, Fora, Verdade, ao Amor personificados. A Humanidade no apenas este ou aquele indivduo, eu ou tu apenas, mas a Humanidade tomada como um todo, a unidade de todos os homens era restituda, de sua lamentvel disperso, de seu esmigalha- mento, ao Deus vivo. O homem total se via restabelecido, unido a Deus de maneira duradoura e de tal forma que, doravante, no mais poderia, enquanto Humanidade. por nenhuma espcie de erro, ser outra vez arrancado a essa vida divina. Assim, o Cristo, em sua pessoa divino- humana, a humanidade nova, o novo comeo, o homem total no sentido pleno do vocbulo (2).

    No prprio mistrio da Incarnao, j se encontrava, de direito, a Igreja como comunidade orgnica. Os indi-

    2) Entre os Padres da Igreja, nenhum melhor do que Santo Agostinho ps em relevo a unidade do Cristo e dos crentes. E nessa unidade que ele v o carater essencial da Igreja: Cum ille caput, nos membra, unus est Filius Dei (in ep. Joan., tr. 10, 3). Aliter enim est in nobis, tanquam in templo suo, aliter autem, quia ct nos ipse sumus, cum secundum id, quod ut caput nostrum esset, homo factus est, corpus ejus sumus (in Joan. Ev. tr. 111,5). Et nos Ipse est (serm. 133, 8). Ille caput cum ceteris mem- bris unus homo est. Et cum ascendere nemo potest, nisi qui in ejus corpore membrum ipsius factus fuerit, impletur: quia nemo ascendit, nisi qui descendit... igitur jam non duo, sed una caro

    (serm. 91, 6, 7).

  • vduos inumerveis, a massa de todos os resgatados, so doravante, em sua mtua ligao interior, em sua interdependncia vital, em sua comunidade orgnica so realmente o corpo do Cristo, absolutamente inseparaveis dele por toda a eternidade.

    Eis como, luz do dogma da Redeno, devemos re- presentar-nos as coisas: no foi somente no dia em que Pedro, Joo e Paulo comearam a crer em Jess, que nasceu a Igreja. Ela existia j realmente quando o Verbo de Deus se uniu Humanidade, quer dizer, ao conjunto dos homens que seriam resgatados para formar uma Natureza divino-humana. A Incarnao, com o seu fim determinado de Redeno universal, , para o fiel catlico, o fundamento, o princpio orgnico dessa comunidade nova a que chamamos a Igreja. O corpo do Cristo e o Reino de Deus j eram algo de objetivo, de realmente realizado, pelo fato de o Verbo fazer-se carne para a salvao de todos os homens (3).

    E mister que nos penetremos dessas idias dogmticas fundamentais se quisermos apreciar com exatido a noo de Igreja em toda a sua extenso e profundidade. S deste ponto de vista poderemos plenamente compreender por que to preponderante nela a idia de comunidade, e por que motivo no resulta a comunidade da turbamulta dos crentes. Ela algo de transpersonal, a Unidade que penetra, domina a Humanidade resgatada. No constitue, pois, como se v, nada de vago ou de indeterminado: a unidade interior concreta da humanidade resgatada e unida ao Cristo. O que caracteriza a Igreja catlica compreender ela, no apenas estes ou aqueles indivduos, mas, sim, o homem total (4).

    Da, duas importantssimas consequncias. J assinalmos a primeira: o orgo do Esprito de Jess Redentor

    3) S t o. A g o s t i n h o : Dominus autem securus moriens dedit sanguinem suum pro ea, quam resurgens haberet, quam sibi jam conjunxerat in utero virginis. Verbum enim sponsus et sponsa caro humana; et utrumque unus Filius Dei et idem Filius ho- minis, ubi facrus est caput Ecclesiae, ille uterus Virginis Maria: thalamus ejus, inde processit tamquam sponsus de thalamo suo (In Joan. Ev. tr. 8, 4).

    4) Encontrar-se-, de outro ponto de vista, uma justificao desta concepo na obra de G. R e n a r d. La thorie de flnsti- tution, Essai ontologie juridique, Paris, 1930.

    38 Cap. II. A Igreja, corpo do Cristo

  • A d a m , A essncia do Catolicismo 38

    feito homem, sua incorporao, sua manifestao visivel, no uma personalidade particular, mas a comunidade como tal, no o Eu, mas o Ns. O Esprito do Cristo realiza-se na comunidade, no Ns. A visibilidade da Igreja no consiste apenas na visibilidade dos seus membros individualmente considerados, mas na visibilidade de sua unidade, de sua comunidade. Ora, quem diz comunidade, unidade que domina os membros, diz coordenao e interdependncia de partes. E aqui est a segunda consequncia do dogma da Incarnao redentora. Esta unidade no Cristo no puramente mecnica, resultante de juxtaposio, mas, sim, orgnica, comportando diferenciao interna. Como todo organismo superior, o corpo do Cristo deve dispr de membros e orgos com seus respectivos papis e funes, os quais, por sua vez, do ao corpo sua constituio especial e servem uns aos outros. J so Paulo, o primeiro apstolo que emprega & expresso corpo do Cristo, claramente se explica a este respeito na Epistola aos Corntios (1 Cor 12): H diversidade de dons, mas o Esprito o mesmo; diversidade de ministrios, mas o mesmo o Senhor; diversidade de operaes, mas o mesmo Deus que opera em todos. Porque, como um e tem vrios membros, e como todos os membros do corpo, no obstante a sua diversidade, formam um corpo apenas, o mesmo acontece com o Cristo. . . Vs sois o corpo do Cristo e seus membros, cada um de sua parte. Deus estabeleceu na Igreja, primeiramente, apstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro lugar, doutores, e em seguida os que tm o dom dos milagres, depois, os que tm os dons de curar, de assistir, de governar, de falar diversas lnguas. Acha, pois, o apstolo claramente que esta comunidade consti- tue, por essncia, um organismo diferenciado, que o corpo opera pelas diferentes funes dos seus diferentes membros, e que , portanto, o s e mesmo Esprito do

    Cristo que se conserva na unidade dessa plenitude. Evidentemente, so Paulo ainda no fala da distino teolgica precisa entre as diferentes funes vitais de um organismo. Esta s foi introduzida pelo desenvolvimento posterior da especulao teolgica. Precisou, com efeito, o progresso do pensamento, que certos dons, tais como o do apostolado, o do ensino, o do governo, pertencem

  • constituio mesma da Igreja, que sem eles se no pode conceber, ao passo que outros tais como o de profecia, o dos milagres, o das lnguas, provm de uma espcie de superabundante plenitude de vida crist, e so antes sinais e manifestaes da vida crist do que funes essenciais.

    E bem de so Paulo, contudo, a doutrina que faz do corpo do Cristo um ser organizado, agindo essencialmente por orgos diversos, embora permanecendo interiormente uno pelo Esprito do Cristo, que o anima. Consti- tue ela parte fundamental da mensagem crist que nos foi transmitida.

    Onde se encontra, de maneira mais precisa, esta organizao dos membros no corpo do Cristo, esta unidade no mltiplo, esta multido na unidade?

    Faamos, antes do mais, uma primeira observao: desde que , no o indivduo, o particular, mas a Unidade, a comunidade que se faz depositria do Espirito de Jess, e uma vez que a sua visibilidade consiste sobretudo na visibilidade dessa Unidade essencial, o organismo vi- sivel da Igreja exige, precisamente para ser visivel, um princpio real de unidade. De alguma forma dever nele traduzir-se e manifestar-se a unidade transpessoal de todos os fiis a um s tempo, e ele proteger essa unidade que conduz e conserva. E o Papa que lhe a expresso visivel e o penhor permanente. Deste ponto de vista, fcil compreender-se que o Papado exprime da maneira mais pura a forma essencial da Igreja. Fossem mudos os Evangelhos a respeito da vocao de Pedro, como rocha sobre a qual a Igreja ser construda, como guardio das chaves, como paetor de ovelhas e cordeiros, ainda assim o princpio essencial de vida divina, que reside na Igreja, pela lgica mesma da vida, que impele todo ser a desen- volver-se plenamente, haveria feito surgir o papado. Nele, com efeito, a comunidade crist procura e encontra a concincia de sua essencial unidade; ele se percebe e a si mesmo se prope como o Reino uno, o corpo uno de Cristo na terra. O fiel jamais considera o Papa como uma grandeza subsistente independentemente dessa unidade, como uma espcie de personalidade, semelhante a Moiss ou Elias, dotada de um carisma, de um pleno poder supra-terreno. O Papa , para todo fiel, a incarnao

    40 Cap. II. A Igreja, corpo do Cristo

  • Ad a m , A cssncia do Catolicismo 41

    visivel da unidade da Igreja, esse princpio real, objetivo, no qual toma forma a humanidade resgatada e constituindo uma unidade definida. Para ele, no Papa, se torna visivel a unidade dos irmos. O olhar passa, desse jeito, por sobre as fronteiras dos povos e das civilizaes, por sobre os mares e os desertos. A imensa cristandade, as relaes de interdependncia espiritual entre seus membros, sua grande e santa comunidade de amor se mostram visiveis no Papado como uma nobre e sublime realidade. Pode-se assim compreender que nem os abusos desse poder pontifical, nem a fraqueza humana de alguns dos que usaram a tiara so bastantes a roubar-lhe o respeito e o amor ao papado em si mesmo. Quando, respeitosamente, ele beija a mo ao Papa, tem concincia de estar osculando todos os seus irmos que no Papa se reunem; di- lata-se-lhe o corao at ao corao da cristandade inteira, da unidade na plenitude.

    E, por sua vez, o Papa ensina, age, luta, sofre em nome dessa unidade. Pode, sem dvida, visto que, segundo a sbia disposio da Providncia, ao mesmo tempo bispo da comunidade de Roma, baixar decretos e decises que s visem e atinjam a Igreja de Roma. Quando, porm, como Papa que fala, como sucessor de Pedro, exprimindo, na qualidade de depositrio visivel e de penhor da unidade, a plenitude definida do corpo de Cristo, ele o princpio no qual a unidade transpessoal do corpo do Cristo se faz realidade visivel neste mundo. Fala, no como um dspota, como um soberano absoluto no sentido antigo, mas, sim, como chefe da Igreja, em relao interior e vital com o conjunto do organismo da Igreja. No Mie ser permitido, como a uma ptia de Delfos, decidir questes de f ao sen bel-prazer ou segundo suas idias pessoais. Pelo contrrio, como expressamente o diz o Conclio do Vaticano, ele em concincia e estritamente obrigado a no promulgar, depois de os haver distinguido, seno os dados revelados, contidos na concincia escrita e no escrita da Igreja, nas fontes da f que so a Sagrada Escritura e a Tradio.

    De outro lado, da essncia mesma da Igreja como unidade transpessoal, e, por este motivo, da essncia do papado, que o Papa no possa ser considerado como o simples delegado da Igreja e o porta-voz da opinio ge

  • ral. Se o Ns da comunidade crist no resulta do conjunto dos membros, por mais forte razo no se confunde com eles. Constitue uma unidade transpessoal situada num Deus feito homem, um princpio de organizao que age em si e por si, uma espcie de princpio de ser com a sua atividade prpria, o Papa, em quem o Cristo quis que esse Ns tomasse forma visvel. O Papa governa, pois, em virtude de um direito prprio, independente, ex sese, o que vale dizer: em sua ao ele no de nenhum ponto de vista dependente de qualquer funo que seja do corpo de Cristo, nem do consenso do episcopado, nem dos bispos em particular, nem dos outros fiis, embora lhe seja obrigatrio discernir, captar a doutrina revelada na tradio sempre viva (5). Ele no somente um Pastor ao lado de outros, , antes, o s Pastor que recebeu do Pastor Supremo, o Messias, a misso de pascer as ovelhas (cf. Jo 21, 15 s). Da mesma maneira, no apenas uma das pedras do sagrado edifcio da Igreja, no lhe mesmo apenas a primeira pedra, o rochedo (cf. Mt 16, 18), sobre o qual todas as outras pedras repousam. E dele que todo o edifcio tira a sua existncia e solidez. O novo Cdigo de Direito cannico acentua esta idia de maneira particularmente enrgica quando fala (can. 218, 1, 2) desse pleno poder do Papa que independente de toda autoridade humana e se exerce de maneira imediata no apenas sobre as Igrejas particulares, mas sobre todos os Pastores e fiis (suprema et plena potestas jurisdictionis in universam Ec- clesiam).

    O que o Papa para a Igreja universal -o tambem o Bispo, em sentido anlogo, para a comunidade particular a ele confiada, a sua diocese. E a expresso, a realizao de sua unidade interior, o amor, que se tornou vi- sivel, dos membros da comunidade uns pelos outros, a comunho e a interdependncia, que se fizeram sensiveis, dos fiis (Moehler). Por isto, para um catlico, no h vocbulos mais respeitveis na terra do que os de Papa e Bispo. Nas pocas em que o mundo inteiro animava o sentido catlico, nenhuma honra parecia bastante grande, nenhum ornamento bastante precioso para o Papa ou

    42 Cap. II. A Igreja, corpo do Cristo

    5) Cf. S c h e e b e n, Dogmatik, t. 1, livro 1, C. 11.

  • A d a ni, A essncia do Catolicismo 43

    o Bispo. Nada disto sc dirigiu ou se dirige pessoa mesma do Papa e do Bispo ningum melhor do que o catlico distingue entre a pessoa e a funo tudo isso

    se dirigia exclusivamente ao seu carater e sua funo sublime, que consiste em representar e guardar a unidade do corpo do Cristo na terra. Quem, assistindo a uma missa solene celebrada pelo Bispo, e, suspenso de to extraordinrio desdobramento de pompa e magnificncia, de to grandiosas ceremnias em torno da pessoa do Bispo, s visse nisto uma reproduo, um resduo das ceremnias da corte de Roma e de Bizncio, estaria percebendo apenas uma face da verdade. A idia viva, muitas vezes in- conciente, que inspira toda essa magnificncia, a alegria do crente em presena de sua Igreja, de sua possante unidade, da afirmao da comunho com seus irmos no mesmo corpo do Cristo personificado em seu Bispo e como que nele realizado pelo carater episcopal. Um s Deus, uma s f, um s amor, um s homem: tal o pensamento que anima todo o esplendor das ceremnias e impele a dar-lhes forma grandiosa e impressionante. E uma preocupao e uma inveno do amor, do amor pelo Cristo e pelos irmos unidos nele.

    luz desta grande idia do Papado e do Episcopado como que por si mesmas se esvaem as objees que frequentemente nos fazem em nome da humildade e do amor fraternal que o Cristo exige dos primeiros representantes da autoridade em sua Igreja. Nas palavras pelas quais aplanou Jcss a discusso dos apstolos a respeito da preeminncia entre eles, sups-se encontrar o mais decisivo argumento interno contra a pretenso de ter sido o Papado institudo pelo prprio Jess (6). Mostravam- se os apstolos descontentes pela pergunta formulada pela me dos filhos de Zebedeu, que os desejaria ver um direita, outro esquerda do Senhor. Chama-os Jess: Sabeis que os que so reconhecidos como chefes das Naes as governam como Senhores, que sobre elas exercem os grandes seu imprio. Entre vs no deve ser assim; o que quiser ser grande entre vs dever fazer-se vosso servidor; e o que quiser ser o primeiro entre vs, deve fazer-se o escravo de todos. Porque o Filho do ho-

    6) F. H e i 1 e r, Op. cit., p. 40.

  • mem veio, no para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de um grande nmero (Mc 10, 42 s).

    Aqui, evidentemente, repele Jess, com relao a seus discpulos, o exerccio brutal da autoridade dos monaT- cas do seu tempo, particularmente no mundo pago. Os discpulos de Jess sero reconhecidos, no por essa ambio de domnio, mas pelo seu anelo de servir. No Reino de Deus, nada de querer ser Senhor nem autoridade que se faa sentir brutalmente, mas apenas um Servio amoroso e um Amor humilde. Os terrros mesmos claramente indicam que o Senhor pretende excluir de sua Comunidade, no toda espcie de autoridade, mas somente a que se mostra brutal e desptica. Tal sentido mais claro ainda aparece se o compararmos com a passagem de so Lucas (22, 24), que assim transforma o logion de so Marcos: Que o maior de entre vs seja como o ltimo, e o que governa como o que serve. E, pois, evidente que, na comunidade dos seus discpulos, deve haver os que sejam maiores e governem . A recomendao de humildade e de amor fraternal vem contra o abuso egoista do princpio de autoridade, e de maneira nenhuma contra o prprio princpio. De que maneira, sem isso, poderia Jess dar-se a si mesmo como o tipo do amor, servo dos irmos, quando se apresenta, na mesma proporo, e com certa nfase, como o Filho do homem, isto , como o Senhor do futuro, do juizo, como o que de todo o poder dispe. Asim como o seu amor servo dos irmos no exclue sua eminente dignidade de Filho do homem, seu mandamento de humildade e de amofr aos irmos no exclue a hierarquia. Ver na idia de primado uma contradio direta da recomendao de Jess sobre a humildade e o amor, com ela inconcilivel, seria dar falsa interpretao ao pensamento do Mestre. Pelo contrrio: esta palavra do Cristo s se explica e plenamente realiza quando bem se compreende a idia do Papado e do Episcopado: o cargo do soberano Pontificado, considerado do ponto de vista da realidade sobrenatural da Igreja, outra coisa no sendo seno o amor que se fez uma pessoa, a unidade, que se tornou visivel, na caridade do corpo de Cristo na terra. Em si mesmo, precisamente o contrrio de um poder desptico, deve sua origem, no violncia e ao orgulho, mas cari-

    44 Cap. II. A Igreja, corpo do Cristo

  • Ad a m, A essncia do Catolicismo 45

    dade. O encargo do Papa e do Bispo o pleno poder divino a servio da caridade.

    As concincias catlicas, verdade, acharo por vezes um pouco rude e exclusivo o acento das advertncias pontifcias. E so Paulo que exclama: 'Vou bater-vos a vara! (1 Cr 4, 21). Por vezes mesmo a sua excomunho repercutir atravs do mundo com o mesmo tojn e o mesmo estilo empregados por so Paulo quando excluiu o incestuoso da comunidade de Corinto. Mesmo assim, essa caridade que se irrita e bate continua sendo caridade, caridade pela comunidade que deve ser preservada.

    O Papa tem, pois, o primado da Caridade. Na Igreja, nenhuma hierarquia tem o direito de ser outra coisa que no a caridade. Desgraado do Pontfice que abusasse do seu primado de caridade para faz-lo servir a fins egoistas, satisfao de ambio pessoal, de alguma cupidez, ou de outras paixes humanas! Pecaria contra o corpo do Cristo, violentaria o Cristo. Ele sujeito ao julgamento exatamente como o ltimo dos membros do Cristo. Que terrivel no lhe ser a palavra que lhe dirija o Cristo no dia do juizo: Pedro, tu me amas? amas-me mais do que estes outros? Eis, com efeito, o grande, o precioso privilgio do seu cargo: amar a Cristo e a seu corpo mais do que os outros, realizar o ttulo de honra que o Papa so Gregrio Magno a si mesmo se conferira de Servo dos Servos de Deus. Os que detm a autoridade, declara Pio XI, em sua primeira Encclica Arcanum Dei, so simplesmente os servidores do bem pblico, os servos dos Servos de Deus, e, a exemplo do Senhor, dos fracos sobretudo, dos que esto na misria (7).

    O encargo pontifcio , antes de tudo, servio comunidade, caridade, devotamento. Desde que no est mais o cargo em jogo, que no mais se trata do Papa ou do Bispo, mas simplesmente da sua pessoa privada, no tem mais posto na Igreja. Aplica-se ento a palavra de Je- ss: Vs sois todos irmos" (Mt 23, 8). Na Encclica que acabmos de citar, o Papa Pio XI pe eni forte re-

    7) Santo Agostinho compraz-se em mostrar na autoridade eclesistica o servio da caridade. Cf. principalmente C. F a u s t. 22, 56: prajsur.t, non ut prasint, sed ut prosint; C. ep. Pa r m. , 3. 3, 16: sic praest fratribus, ut eorum servum se esse meminerit.

  • 46 Cap. II. A Igreja, corpo do Cristo

    levo esta idia: S neste reino existe verdadeira igualdade de direitos, so todos providos da mesma grandeza e nobreza, conferida pelo mesmo precioso sangue do Cristo". No reino do Cristo, no existe seno uma espcie de nobreza, a da alma. O que traz a tiara possue, verdade, o carisma que dele faz o rochedo sobre u qual se ergue a Igreja, mas tal privilgio no existe em seu proveito, mas, sim, no de seus irmos. Pessoalmente, no tem mais direitos cristos, nem menos obrigaes do que o mais pobre dos caminheiros. Ele tambem, e antes de todos os outros, devedor da misericrdia de Deus, tem necessidade das oraes dos seus irmos. Se est carregada de pecados a sua concincia, tambem ele deve submeter-se ao tribunal da penitncia, mesmo que seja diante do mais simples dos Irmos menores. E se fosse tentado acaso, a exemplo dos filhos de Zebedeu, a clamar ao Senhor: Senhor, fazei-me sentar vossa direita ou vossa esquerda, em vosso reino, o guia de sua alma deveria responder-lhe: No sabeis o que pedis. Podeis beber o clice de Jess? A todo espirito sem preveno, a histria da Igreja d testemunho da seriedade e austeridade que tantos Papas puseram no cumprimento do dever do seu cargo. Aostra-nos tambem ela que a elevao das suas funes, longe de ter sido incompatvel com a humildade, a caridade e o devotamento, conduziu-os, pelo contrTio, mais profunda vida interior. Dir-se-, talvez, que estes ou aqueles Papas, do X sculo ou do Renascimento, pagaram seu tributo fraqueza humana. Confessemos que, em verdade, eles