A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Decisão de Inconstitucionalidade

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    1/34

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    A INTANGIBILIDADEDACOISAJULGADADIANTEDADECISODEINCONSTITUCIONALIDADE:

    IMPUGNAO, RESCISRIAEMODULAODEEFEITOS

    THEINTANGIBILITYOFRESJUDICATAWHENFACEDWITHADECISIONOFINCONSTITUTIONALITY: OBJECTION, RELIEF

    FROMJUDGMENTANDMODULATIONOFTHEEFFECTS

    LUIZGUILHERMEMARINONIPs-Doutorado na Universit degli Studi di Milano. Visiting Scholar na Columbia University. Diretor do

    Instituto Iberoamericano de Direito Processual. Membro do Conselho da International Association ofProcedural Law. Professor Titular da Universidade Federal do Paran.

    [email protected]

    Recebido em: 20.09.2015

    Aprovado em: 20.11.2015

    READODIREITO:Processual; Constitucional

    RESUMO:O autor analisa, neste texto, a distinoentre a fora obrigatria da parte decisria dedecises de controle de constitucionalidade dasleis e da sua ratio decidendi. Estuda, tambm, apossibilidade de se impugnar, pela ao rescis-ria, decises que desrespeitam a ConstituioFederal.

    PALAVRAS-CHAVE: Decisum Ratio decidendi Controle difuso e concentrado da constituciona-lidade Vinculativdiade Ao rescisria.

    ABSTRACT: In this text, the author analysesthe distinction between the binding force ofthe operative part of decisions controllingthe constitutionality of the laws and its ratiodecidendi. It also examines the possibility ofchallenging, by means of an action for relieffrom judgment, decisions that fail to abide bythe Federal Constitution.

    KEYWORDS: Decisum Ratio decidendi Diffuseand centralised control of constitutionality Binding effect Action for relief from judgment.

    SUMRIO:1. A impugnao fundada em deciso inconstitucionalidade no Cdigo de ProcessoCivil de 2015: a afirmao dos precedentes constitucionais 2. A ao rescisria fundadaem violao de norma jurdica (art. 966, V, do CPC/2015) 3. A tese de que no h inter-pretao controvertida de norma constitucional. Crtica 4. A adoo de interpretaodepois dita inconstitucional pelo STF: reforo da evidncia de que a norma judicial no se

    confunde com o texto legal e, assim, no pode ser rescindida por norma posteriormente

    RePro_251.indb 275 22/12/2015 16:06:56

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    2/34

    276 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    elaborada pela Corte Suprema 5. No h distino entre deciso proferida em controleconcentrado e controle difuso para efeito de rescindibilidade de coisa julgada 6. O verda-

    deiro fundamento da rescisria: retroatividade do ius supervenienssobre a coisa julgada 7. A previso de hiptese de rescisria baseada em ulterior deciso de inconstitucionalidadeno Cdigo de Processo Civil de 2015 8. O caso Metabel v.Unio Federal: a no admissode ao rescisria baseada em ulterior precedente do STF mediante a afirmao da garan-tia constitucional da coisa julgada material 9. Casos em que se admite ao rescisriabaseada em violao de norma constitucional 10. Modulao de efeitos e coisa julgada.

    1. A IMPUGNAOFUNDADAEMDECISOINCONSTITUCIONALIDADENOCDIGODEPROCESSOCIVILDE2015: AAFIRMAODOSPRECEDENTESCONSTITUCIONAIS

    Os arts. 475-L, 1. e 741, pargrafo nico, do CPC/1973 davam ao execu-tado a possibilidade de se defender, respectivamente mediante impugnao eembargos do executado Fazenda Pblica , com base na alegao de o ttuloexecutivo estar fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionaispelo STF, ou fundado em aplicao ou interpretao da lei ou ato normativotidas pelo STF como incompatveis com a Constituio Federal. Tais artigos,quando mal interpretados, evidenciavam um atentado contra a legitimidade do

    juzo de constitucionalidade do juiz ordinrio. Representavam desconsidera-o do controle difuso e violao da intangibilidade da coisa julgada.

    O CPC/2015, no art. 525, 12, afirma que considera-se tambm inexigvela obrigao reconhecida em ttulo executivo judicial fundado em lei ou atonormativo considerado inconstitucional pelo STF, ou fundado em aplicao ouinterpretao da lei ou do ato normativo tido pelo STF como incompatvel coma Constituio Federal, em controle de constitucionalidade concentrado oudifuso. Porm, logo depois, no 14 do mesmo art. 525, deixa-se claro que adeciso do STF deve ser anteriorao trnsito em julgado da deciso exequenda.

    Portanto, no apenas a deciso que declara a inconstitucionalidade denorma que pode obstaculizar a execuo, mas tambm as decises proferidascom base nas tcnicas da interpretao conforme e da declarao parcial deinconstitucionalidade sem reduo de texto. Ademais, podem ser invocadastanto as decises em controle concentrado quanto as decises firmadas emsede de controle difuso.

    As decises proferidas no controle concentrado de inconstitucionalidadetm eficcia erga omnese, por isso, obviamente no podem ser negadas porqualquer juiz ou tribunal. O problema que os tribunais e juzes no esto

    sujeitos apenas eficcia erga omnes que diz respeito parte dispositiva da

    RePro_251.indb 276 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    3/34

    277MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    deciso , mas tambm eficcia obrigatria dos fundamentos determinan-

    tes (ratio decidendi) da deciso. Note-se que h diferena entre aplicar normaj declarada inconstitucional e aplicar norma cuja inconstitucionalidade estpositivada nos fundamentos determinantes de deciso que declarou a incons-titucionalidade de outra norma. Se h declarao de inconstitucionalidade dedeterminada norma municipal, os fundamentos que determinaram a conclu-so da sua inconstitucionalidade devem ser observados quando se est diantede norma de outro Municpio, mas dotada da mesma substncia.1Alis, s emcasos desta espcie que importar o tema dos precedentes obrigatrios ou daeficcia obrigatria dos fundamentos determinantes da deciso.

    Quando se afirma que a deciso proferida em controle difuso tambm podeobstaculizar a execuo da deciso, demonstra-se exatamente a importnciados fundamentos determinantes da deciso proferida pelo STF. Ora, evidenteque o 12 do art. 525 no est preocupado com a parte dispositiva da deci-so proferida em recurso extraordinrio, uma vez que esta interessa apenas spartes que litigaram no caso que lhe deu origem. Quando se diz que a decisoexequenda pode ser impugnada quando tiver se pautado em norma considera-da inconstitucional pelo STF ou se fundado em aplicao ou interpretao denorma tida pelo STF como incompatvel com a Constituio Federal (art. 525, 12, do CPC/2015), obviamente se est a falar dos fundamentos determinan-

    tes ou da ratio decidendida deciso do STF.Portanto, a deciso proferida em recurso extraordinrio, para ser invoca-

    da para obstaculizar a execuo, deve ter as caractersticas de um precedenteconstitucional, em que os fundamentos determinantes ou a ratio decidendies-tejam delineados.2De modo que o Cdigo de Processo Civil de 2015, quan-do abre oportunidade para a impugnao invocar deciso do STF anterior deciso exequenda, afirma claramente a eficcia obrigatria dos precedentesfirmados pelo STF.

    preciso advertir, porm, que a adoo da lei ou da interpretao j de-claradas inconstitucionais pelo STF pode no ter sido essencial para a con-denao. por isto que, apresentada a impugnao, o exequente deve ter aoportunidade de demonstrar que, ainda que a deciso houvesse observado oprecedente do STF, a sentena teria sido de procedncia.

    1. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. 4. ed. 2015. Captulo III, item3.5.

    2. MARINONI, Luiz Guilherme.Julgamento nas Cortes Supremas. So Paulo: Ed. RT, 2015.

    Esp. captulos 2 e 6.

    RePro_251.indb 277 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    4/34

    278 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    De modo que o acolhimento da impugnao no consequncia necessria da

    no observncia do precedente constitucional. A obstaculizao da execuo exigejuzo no sentido de que a no adoo da norma ou da interpretao declaradas in-

    constitucionais pelo Supremo conduziria modificao do sinal da sentena, que,

    de procedncia, passaria a ser de improcedncia. Se o desrespeito ao precedente

    do Supremo Tribunal Federal no impuser a alterao da sentena, mas admitir

    apenas a modificao da sua fundamentao, no h como acolher a impugnao.

    2. A AORESCISRIAFUNDADAEMVIOLAODENORMAJURDICA (ART.966, V, DOCPC/2015)

    Segundo o art. 485, V, do CPC/1973, a sentena de mrito, transitada emjulgado, pode ser rescindida quando violar literal disposio de lei. Dianteda incontestvel necessidade de se ressalvar a coisa julgada contra a alteraoda interpretao dos tribunais, o STF editou a Smula 343, que afirma nocaber ao rescisria por ofensa a literal disposio de lei quando a decisorescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretao controvertida nostribunais. Em um dos acrdos que deram origem a essa smula, frisou oseu relator, o Min. Victor Nunes Leal, que a m interpretao que justifica ojudicium rescindensh de ser de tal modo aberrante do texto que equivalha

    sua violao literal. Lembrou, ainda, que a Justia nem sempre observa, naprtica quotidiana, esse salutar princpio, que, entretanto, devemos defender,em prol da estabilidade das decises judiciais.3

    A Smula 343 no diz o que violao literal de lei, mas deixa claro que adeciso que se funda em lei de interpretao controvertida nos tribunais nopode ser objeto de ao rescisria. Isto por uma razo compreensvel: que, seos tribunais divergiam sobre a interpretao da norma, a deciso que adotouuma das interpretaes legitimamente encampadas pela jurisdio no podeser vista como deciso que violou literalmente disposio de lei, que, assim,

    suscetvel de ser desconstituda mediante ao rescisria.De modo que a smula, em vez de encontrar um critrio positivo para in-

    dicar quando h violao literal de lei, preferiu trabalhar com um requisitocapaz de evidenciar quando no h violao literal de lei. Disse, ento, que adeciso que aplica lei que tinha interpretao controvertida nos tribunais noest sujeita ao rescisria.

    3. Para corrigir interpretao de lei, possivelmente errnea, no cabe ao rescisria

    (STF, RE 50.046, 2. T., rel. Min. Victor Nunes Leal).

    RePro_251.indb 278 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    5/34

    279MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    Porm, o real problema da dico da norma do art. 485, V, do CPC/1973

    o de que ela um simples reflexo de uma teoria da interpretao h muitosuperada. S h como pensar em violao literal de lei quando se supe quea interpretao judicial pode declarar a norma contida na lei, nos moldes doformalismo interpretativo. Segundo a teoria formalista, a interpretao, en-quanto atividade, tem natureza cognitiva. O juiz, ao interpretar, investigariao significado do texto legal e ento o descreveria.4Haveria interpretao paraafirmar o que est implicitamente gravado no texto. Esse tipo de interpretaotem ao seu lado as ideias de completude e coerncia do direito. Portanto, ojuiz no atua com qualquer discricionariedade. Ao decidir, sempre est presoa uma norma preexistente. De modo que a interpretao, enquanto produto, um mero enunciado descritivo, sujeito ao teste da verdade e falsidade; hapenas uma interpretao correta.5Bem por isso, possvel aceitar que o juiz,ao decidir, pode negar a norma preexistente ou violar a lei.

    Sucede que no mais se aceita, no plano da teoria do direito, a ideia de queh um significado unvoco intrnseco ao texto legal. A norma no est no textolegal e no h uma relao de sinonmia entre o texto legal e o resultado ob-tido com a atividade interpretativa.6Descabe imaginar que possvel investi-

    4. Secondo la teoria che converremo di chiamare cognitivistica ma talora della for-malistica la quale risale alle dottrine giuridiche dellIlluminismo, linterpretazione(ivi inclusa quella giudiziale) atto di scoperta o conoscenza del significato (GUA-STINNI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffr, 2011. p. 409).

    5. GUASTINNI, Riccardo.A interpretao: objetos, conceitos, teorias.Das fontes s normas.So Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 139 e ss.

    6. Sovente si dice e si scrive, impropriamente, che linterprete scopre il significato del-le norme. In realt n linterprete scopre, n la sua attivit ha per oggetto delle nor-me. Vediamo di chiarire, incominciando con ci che si cela sotto il verbo scopriree passando poi ao sostantivo norma. (...) chiaro perci che il vocabolo scoprire,

    cos come usato nellespressione linterprete scopre il significado di una norma, del tutto improprio, ed anzi dannoso alla chiarezza, perch occulta riassumendolein una sola parola tre attivit diverse che possono essere presenti tutte, o possononon essere tutte presenti, nellattivit dellinterpretazionne. Dobbiamo perci correg-gere lespressione corrente riformulandola cos: linterprete rileva, o decide, o propo-ne il significato di una norma, ovvero compie pi duna di queste attivit. Ma questacorrezione non basta. Infatti anche il vocabolo norma ingannevole. Linterpreterileva, o decide, o propone il significato da attribuire a un documento, costituito dauno o pi enunciati, di cui il significato non affato precostituito allattivit dellin-terprete, ma ne anzi il risultato; prima dellattivit dellinterprete, del documentooggetto dellinterpretazione si sa solo che esprime una o pi norme, non quale questa

    norma sia o quali queste norme siano: norma significa semplicemente il significado

    RePro_251.indb 279 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    6/34

    280 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    gar (atividade-interpretao) para declarar a norma (resultado-interpretao).

    Exatamente por isso equivocado pensar que a interpretao pode violar a lei.A lei no detm a norma; essa reconstruda pelo juiz a partir do texto, deelementos extratextuais da ordem jurdica e por meio de diretivas interpre-tativas e valoraes.7A lei e o resultado-interpretao nada mais so do queenunciados, com a diferena de que a primeira um enunciado do discursodas fontes e o segundo um enunciado do discurso do intrprete. 8Ningummais acredita na correspondncia biunvoca entre lei e interpretao, na medi-da em que, como adverte Guastini, toda disposio legal mais ou menos vagae ambgua, de modo que sempre tolera diversas e conflitantes atribuies designificado. De uma nica disposio legal podem derivar vrios resultados in-terpretativos ou uma multiplicidade de normas, sempre conforme as diversasinterpretaes possveis.9

    A percepo da inexistncia de correspondncia biunvoca entre disposioe interpretao leva, como consequncia lgica, ao abandono dos mitos dosentido exato da lei e da garantia da unidade do direito objetivo e faz ver quea funo da Corte Suprema somente pode ser a de definir o sentido do direitopara garantir a igualdade perante o direito. O valor constitucional tuteladopelo sistema de precedentes das Cortes Supremas no a unidade do direito,antigo mito atrs do qual se esconderam instncias autoritrias dos mais va-

    riados gneros, porm a igualdade, realizada empiricamente mediante a vincu-lao dos tribunais e juzes ao direito delineado pela Corte, dependente daevoluo da vida social, aberto ao dinamismo de um sistema voltado atuao

    che stato dato, o viene deciso di dare, o viene proposto che si dia, a un documen-to che si ritiene sulla base di indizi formali esprima una qualche direttiva dazione.Lespressione corrente deve perci essere correta, perch non sia ambigua, cos: lin-terprete rileva, o decide, o propone il significato di uno o pi enunciati precettivi,rilevando, o decidendo, o proponendo che il diritto ha incluso, o include, o includer

    una norma (TARELLO, Giovanni. L interpretazione della legge. Milano: Giuffr, 1980.p. 61, 63-64).

    7. WRBLEWSKI, Jerzy. Lenguaje jurdico e interpretacin jurdica.Sentido y hecho en el de-recho. Mxico: Fontamara, 2008. p. 136 e ss.

    8. GUASTINNI, Riccardo. Interpretare e argomentare... cit., p. 65.

    9. GUASTINNI, Riccardo. Disposio vs.Norma.Das fontes s normas. So Paulo: QuartierLatin, 2005. p. 34. (...) molte disposizioni quase tutte le disposizioni, in verit hanno un contenuto di significato complesso: esprimono non gi una sola nor-ma, bens una molteplicit di norme congiunte. Ad unnica disposizione possonodunque corrispondere pi norme congiuntamente (GUASTINNI, Riccardo. Interpretare

    e argomentare... cit., p. 65-66).

    RePro_251.indb 280 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    7/34

    281MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    de princpios fundamentais munidos de inesgotvel carga axiolgica e atento

    devida percepo das diferenas.

    10

    Isso significa que a deciso judicial s pode violar a norma que resulta dainterpretao. No por outro motivo que o art. 966, V, do CPC/2015 deixoude lado a ideia de violao a literal disposio de lei (art. 485, V, do CPC/73)e fala em violao de norma jurdica. Uma deciso pode violar norma defi-nida em precedente de Corte Suprema ou norma que deriva de texto legal queno suscita dvida interpretativa. Quando h disputa ou controvrsia sobre ainterpretao ou a respeito da norma que se deve extrair do texto s se podepensar em ao rescisria aps a Corte Suprema ter definido a norma vlida oua interpretao adequada. Antes disso h interpretao controvertida nos tri-bunais, de modo que no h racionalidade em sancionar a deciso que adotouum ou outro resultado-interpretao ou norma.

    Lembre-se que, h muito tempo, foi estendido o significado de violaoliteral de lei, demonstrando-se que a prpria razo para a rescisria em casode violao literal de lei infraconstitucional no poderia excluir a admissoda rescisria em caso de violao literal de norma constitucional. Portanto, oraciocnio antes desenvolvido se aplica hiptese em que se pretende rescindirdeciso que interpretou norma constitucional.

    O que torna a questo problemtica e interessante que os tribunais, in-clusive o STJ e o STF, aps terem passado a admitir a rescisria em caso deviolao literal de norma constitucional, enxergaram uma diferena quali-tativa na violao da norma constitucional diante da violao da norma infra-constitucional, ou melhor, uma diferena de natureza entre a interpretao danorma constitucional e a interpretao da norma infraconstitucional, como sea norma constitucional apenas admitisse uma nica interpretao ou exigisseuma interpretao correta, ao contrrio da norma infraconstitucional, queabriria oportunidade a vrias interpretaes ou a interpretaes razoveis.

    Porm, no existe motivo para supor que apenas uma dada qualidade de

    norma a norma constitucional pode exigir uma nica interpretao. Oponto tem grande relevncia a interpretao sempre uma compreenso euma reconstruo normativa. No h qualquer razo para entender que a in-terpretao constitucional seja diversa da interpretao infraconstitucional noque tange aos seus resultados. A necessidade de coerncia impe essa obser-vao: ou h interpretao correta da Constituio e da legislao infracons-

    10. SILVESTRI, Gaetano. Le Corti Supreme negli ordinamenti costituzionali contemporanei.Le

    Corti Supreme, Milano: Giuffr, 2001. p. 45.

    RePro_251.indb 281 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    8/34

    282 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    titucional porque, ao fim e ao cabo, tem-se a sempre um interpretar , ou

    no h possibilidade de uma nica interpretao correta em qualquer dessesplanos normativos. Sustentar-se a necessidade de interpretao correta noplano constitucional e de interpretao razovel no plano infraconstitucio-nal constitui evidente contradictio in terminis, porque o ato de interpretar ums no que tange compreenso de normas jurdicas.

    3. A TESEDEQUENOHINTERPRETAOCONTROVERTIDADENORMACONSTITUCIONAL. CRTICA

    O STF e o STJ j decidiram no sentido de que a Smula 343 somente seaplica aos casos em que a deciso se fundou em lei infraconstitucional. Afirma--se que a lei constitucional no uma lei qualquer, mas a lei fundamental dosistema, que no pode gerar duas ou mais interpretaes razoveis, pormapenas uma interpretao juridicamente correta.11

    Contudo, equipara-se interpretao correta interpretao proferida peloSTF. Nesta linha, toda e qualquer deciso que adote interpretao posterior-mente contrariada por pronunciamento do STF, ainda que prolatado em recur-so extraordinrio, deciso que, para o efeito de ao rescisria, viola normaconstitucional, e, assim, deve ser inapelavelmente desconstituda.

    As decises que admitiram a desconstituio da coisa julgada, medianteo exerccio de ao rescisria baseada em pronunciamento do STF, contmfundamentao no convincente. Assim, por exemplo, acrdo relatado peloMin. Moreira Alves, que diz inexistir ofensa ao art. 5., XXXVI, da CF, sob ongulo da coisa julgada e da no aplicao da Smula 343, pela singela razode que o enunciado dessa smula se situa exclusivamente no plano da interpretao

    da legislao processual infraconstitucional (STF, Ag no AI 305.592-0, 1. T., j.20.02.2001, rel. Min. Moreira Alves).12

    11. STJ, EDiv no REsp 608.122, 1. Seo, j. 09.05.2007, rel. Min. Teori Zavascki.

    12. O STF j decidiu no ter competncia para definir se uma dada ao rescisria cabvel, nem mesmo socorrendo-se da Smula 343, porque tal julgamento no acar-reta, ao menos diretamente, exame de matria constitucional (art. 102, III, a, da CF).Assim: 1. As questes relativas aos pressupostos de cabimento de ao rescisriae aplicao da Smula 343 possuem carter eminentemente infraconstitucional,pois se fundam na legislao processual ordinria, hiptese em que eventual ofensa Lei Maior, se houvesse, seria indireta e, portanto, de apreciao invivel na viado apelo extremo. 2. Segundo jurisprudncia desta Corte, o recurso extraordinrio

    em ao rescisria deve ter por objeto a fundamentao do acrdo nela proferido

    RePro_251.indb 282 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    9/34

    283MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    Em outro caso, o STF chegou seguinte deciso: 4. Ao rescisria. Ma-

    tria constitucional. Inaplicabilidade da Smula 343 do STF. 5. A manutenode decises das instncias ordinrias divergentes da interpretao adotada peloSTF revela-se afrontosa fora normativa da Constituio e ao princpio da m-

    xima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ao rescisria por ofensa a

    literal disposio constitucional, ainda que a deciso rescindenda tenha se baseado

    em interpretao controvertida, ou seja, anterior orientao fixada pelo STF. 7.Embargos de declarao rejeitados, mantida a concluso da 2. T. para que oTribunal a quo aprecie a ao rescisria (STF, RE-ED 328.812, 2. T., rel. Min.Gilmar Mendes, DJ02.05.2008).

    Sustenta-se que a existncia de interpretaes divergentes, diante de normaconstitucional, no bice ao rescisria. Ou melhor, entende-se que pro-nunciamento do STF apto desconstituio das decises transitadas em jul-gado que lhe so contrrias, pouco importando se, a respeito da interpretaoda questo constitucional, havia controvrsia nos tribunais.

    Diz o Min. Gilmar Mendes, no acrdo referido por ltimo, que no amesma coisa vedar a rescisria para rever uma interpretao razovel de leiordinria que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras in-terpretaes de outros juzes e vedar a rescisria para rever uma interpretao delei que contrria quela fixada pelo STF em questo constitucional (STF, RE-ED328.812, 2. T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJ02.05.2008). Nesta passagem,resta ainda mais claro que no h preocupao com a negao da existncia deinterpretaes divergentes. Parte-se da premissa de que deciso do STF , porsi s, demonstrativo suficiente de violao literal de norma constitucional. Ofundamento da rescisria est na fora da deciso do STF, pouco importando sehavia dvida nos tribunais sobre a constitucionalidade da norma. Frisando-sea fora da deciso do STF, elimina-se a relevncia da existncia de interpreta-es divergentes e do prprio conceito de violao literal. Note-se que, nostermos de tal orientao, para que uma deciso possa ser desconstituda com

    base em violao literal de lei (art. 485, V, do CPC/1973) basta que decisodo STF, posterior ao trnsito em julgado da deciso rescindenda, a contrarie.

    e no as questes versadas na deciso rescindenda. 3. Agravo regimental improvi-do (STF, AI-AgRg 456.931/MG, 2. T., rel. Min. Ellen Gracie, DJU31.03.2006). Nomesmo sentido: STF, AI-AgRg 460.439/DF, Tribunal Pleno, rel. para acrdo Min.Seplveda Pertence, DJU 28.08.2006; STF, AI-AgRg 461.566/MG, 1. T., rel. Min.Carlos Britto, DJU 04.02.2005; STF, AI-AgRg 274.065/PE, 1. T., rel. Min. SydneySanches, DJU22.11.2002; STF, AI-AgRg 371.721/BA, 2. T., rel. Min. Nelson Jobim,

    DJU18.10.2002.

    RePro_251.indb 283 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    10/34

    284 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    No h dvida que a interpretao do STF deve prevalecer, submetendo os

    demais juzes. No h racionalidade em admitir que um juiz ordinrio possaatribuir a uma questo constitucional interpretao diversa da que lhe tenhadado o STF. Da a importncia da vinculao dos rgos judiciais s decises doSTF. Alis, a racionalidade do controle difuso depende do adequado empregoda tcnica vinculante, nos moldes do stare decisisestadunidense,13para o que

    13. A doutrina da stare decisis tem origem no direito ingls, decorrente da expressolatina stare decisis et non quieta movere. Porm, o tema da stare decisis em matriaconstitucional de todo desconhecido nesse sistema. Interessa, do ponto de vista do

    direito comparado, a anlise do sistema norte-americano. Nos Estados Unidos, a staredecisiscertamente tem uma matriz constitucional (FALLONJR., Richard. Stare decisisand the constitution: an essay on constitutional methodology, New York UniversityLaw Review76, 2001). Conforme a conceituam James Jr., Hazard e Leubsdorf, a dou-trina da stare decisis um comando mediante o qual as cortes devem dar o devidopeso ao precedente. Ela afirma que uma questo de direito j estabelecida deveria serseguida sem reconsiderao, desde que a deciso anterior fosse impositiva (JAMESJR.,Fleming; HAZARDJR., Geoffrey; LEUBSDORF, John. Civil procedure. 2. ed. Boston: LittleBrown & Co., 1992. p. 585). A essncia da doutrina da stare decisisnos EUA residena sua ligao umbilical com o princpio do Estado de Direito (rule of law). Aindamais enfaticamente, a Suprema Corte americana afirma que tal ligao com a rule of

    law se d porque ela assegura que o direito no se altere de forma errtica e permiteque a sociedade presuma que os princpios fundamentais esto fundados no direito(law) ao invs de nas inclinaes dos indivduos (Vasquez v. Hillery, 474 U.S. 254,265). O respeito dos precedentes internamente aos Tribunais conhecido como staredecisisem sentido horizontal. Contudo, foi s em 1958, na deciso do caso Cooper v.Aaron, em uma deciso unnime algo raro na Suprema Corte americana , que sedecidiu que a interpretao da dcima quarta emenda anunciada por esta Corte nocaso Brown the supreme law of the land, e o art. VI da Constituio faz com que estadeciso tenha efeito vinculante (binding effect) sobre os Estados (Cooper v. Aaron,358 U.S. 1, 1958). A se fez presente a ideia de deciso (da Suprema Corte) obriga-tria, vinculante, bindingpara todos os demais rgos do Poder Judicirio e para a

    Administrao Pblica, a qual passou a ser conhecida como stare decisis emsentidovertical. De um ponto de vista prtico, a stare decisisem sentido horizontal corres-ponderia nossa coisa julgada erga omnes em matria constitucional, j que impedea rediscusso da matria pelo Supremo Tribunal Federal. A stare decisisem sentidovertical idntica ao efeito vinculante que emana das decises do Plenrio do STF emmatria constitucional. Um dos maiores juristas do direito comparado da atualidade,o Prof. John Merryman, da Stanford Law School, afirmou que aqueles que no reco-nhecem a existncia da stare decisis no sistema da civil lawesto apenas se iludindoe compactuando com o que ele entende ser um verdadeirofolklore(MERRYMAN, JohnHenry. The civil law tradition. 2. ed. Stanford: Stanford University Press, 1997. p.147). Nos Estados Unidos inadmissvel que um rgo jurisdicional inferior desobe-

    dea quilo que a Suprema Corte j afirmou ser o direito (the law of the land). Como

    RePro_251.indb 284 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    11/34

    285MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    imprescindvel o desfazimento da confuso entre poder para controlar a cons-

    titucionalidade e poder para decidir de forma indiferente aos pronunciamentosdo STF. Se verdade que todo e qualquer juiz tem o dever-poder de controlara constitucionalidade, inegvel que este poder s pode ser exercido de formaracional quando submetido ao entendimento do STF.14

    Porm, isto no quer dizer que a interpretao do STF possa ou deva seimpor sobre as demais interpretaes judiciais pretritas, operando a destrui-o ou a nulificao de decises j transitadas em julgado. Sublinhe-se que oSTF (BGH) alemo j declarou, com amparo em decises do prprio TribunalConstitucional Federal (BVerfG), que uma alterao na interpretao do direi-

    to no serve de fundamento para a resciso da coisa julgada (BVerfGE2, 380,395, 405; BGH, Urteil vom 11. Mrz 1953 II ZR 180/52 BB 1953, 273; BAG,AP Nr. 1 zu 580 ZPO; BFHE 123, 310, 311 f.).15

    No obstante, a deciso relatada pelo Min. Gilmar Mendes, h pouco men-cionada, confere interpretao do STF a fora de alcanar as decises judi-ciais transitadas em julgado que lhe so distintas. O Min. Gilmar Mendes, emseu voto, afirma que, se ao STF compete, precipuamente, a guarda da Cons-tituio Federal, certo que a sua interpretao do texto constitucional deveser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrncia do efeito definitivo

    absoluto outorgado sua deciso. No estou afastando, obviamente, o prazodas rescisrias, que dever ser observado. H um limite, portanto, associado segurana jurdica. Mas no parece admissvel que esta Corte aceite diminuir aeficcia de suas decises com a manuteno de decises diretamente divergen-tes interpretao constitucional aqui formulada. Assim, se somente por meiodo controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos aps as questes terem

    sido decididas pelos Tribunais ordinrios, que o STF veio a apreci-las, a ao

    recentemente afirmou oJusticeKennedy ao decidir o caso Lawrence v. Texas, a dou-

    trina do stare decisis essencial para o respeito para com os julgamentos da Corte epara a estabilidade do direito (Lawrence v. Texas, 539 U.S. 558, 2003). Ressalte-seque o chamado efeito vinculante (binding effect), que subordina os demais rgos do

    Judicirio e da Administrao s decises da Suprema Corte, no tem fundamento nodireito positivo. Trata-se de concretizao do princpio do Estado de Direito (Rule ofLaw), fundamental para a estabilidade do direito.

    14. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. 4. ed. So Paulo: Ed. RT, 2015.

    15. BGH, Urteil vom 26. April 2006 IV ZR 26/05 OLG Bremen. No original: EinWandel der Rechtsauffassung ist kein Restitutions-grund (BVerfGE2, 380, 395, 405;BGH, Urteil vom 11. Mrz 1953 II ZR 180/52 BB 1953, 273; BAG, AP Nr. 1 zu

    580 ZPO; BFHE 123, 310, 311 f.).

    RePro_251.indb 285 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    12/34

    286 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    rescisria, com fundamento em violao de literal disposio de lei, instrumento

    adequado para a superao de deciso divergente (STF, RE-ED 328.812, 2. T.,rel. Min. Gilmar Mendes, DJ02.05.2008).

    O STF, na passagem acima descrita, afirma claramente a retroatividade dosseus pronunciamentos, tomados em controle difuso (mediante recurso extra-ordinrio, por exemplo), sobre a coisa julgada, sob o argumento de que asquestes submetidas ao controle difuso da constitucionalidade somente che-gam ao STF depois de muito tempo, quando algumas decises proferidas pelostribunais, interpretando a questo constitucional, j transitaram em julgado.

    Contudo, a circunstncia de uma questo constitucional chegar ao STF

    aps o trnsito em julgado de decises sobre a mesma questo certamente no motivo para a admisso da retroatividade do pronunciamento do STF sobrea coisa julgada. As decises que transitaram em julgado, tratando da questoconstitucional posteriormente interpretada de outra maneira pelo STF, expres-sam um juzo legtimo sobre a constitucionalidade. Este juzo nada mais doque resultado do dever-poder judicial de realizar o controle da constituciona-lidade. Ademais, o fato de a deciso transitar em julgado, antes de a questochegar anlise do STF, mera consequncia do sistema de controle da cons-titucionalidade brasileiro.

    A admisso da fora de pronunciamento do STF sobre a coisa julgada, aofundamento da sua natural e insuprimvel demora para se manifestar sobrea questo constitucional, significa a negao do sistema de controle difusoda constitucionalidade. Ao invs da retroatividade das decises do STF, seriaefetiva e praticamente mais conveniente obviamente se isto fosse juridi-camente possvel e conveniente no sistema brasileiro (o que evidentementeno )16 suprimir a possibilidade de o juiz ordinrio realizar o controle daconstitucionalidade.

    Note-se, alm disto, que a aceitao da retroatividade do pronunciamento

    do STF sobre as decises proferidas pelos tribunais significa colocar a coisajulgada sob condio ou em estado de provisoriedade, o que absolutamenteincompatvel com o conceito e com a razo de ser da coisa julgada. Ora, esteestado de indefinio nega o fundamento que est base da coisa julgada ma-terial, isto , os princpios da segurana jurdica e da proteo da confiana.

    16. Sobre as virtudes do controle difuso de constitucionalidade na organizao do rule oflawestadunidense e dos pases que o adotam, Henry J. Abraham, The judicial process

    An introductory analysis of the courts of the United States, England and France, 6. ed.,

    New York: Oxford University Press, 1993, p. 270-271.

    RePro_251.indb 286 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    13/34

    287MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    Alis, a coisa julgada no apenas condio para a proteo destes princpios,

    como tambm necessidade indispensvel para a existncia de discurso jurdicoe, portanto, de processo jurisdicional.

    Assim, at mesmo difcil para no se dizer contrrio aos fundamen-tos do direito definir a natureza do procedimento que culmina em decisoque fica sob a condio de o STF no a contrariar. Esta deciso, por no serdotada do devido recrudescimento, no configura verdadeira deciso final,mas sim mero juzo provisrio. Estar-se-ia diante de um processo jurisdicionalautnomo, pois no destinado a dar segurana a outra tutela ou situao tu-telvel, mas cuja tutela jurisdicional, apesar de satisfativa, seria suscetvel derevogao!17

    No STJ tambm existem decises no sentido de que pronunciamento doSTF constitui fundamento para a resciso da coisa julgada. Em acrdo profe-rido por estreita maioria, concluiu o STJ que, em matria constitucional, noh de se cogitar de interpretao razovel, mas sim de interpretao correta(STJ, EDiv no REsp 608.122, 1. Seo, j. 09.05.2007, rel. Min. Teori Zavascki).

    Porm, o que o STJ quer significar, quando fala em interpretao correta, que a interpretao correta a que vem do STF. Ou seja, sinnimo de inter-pretao correta interpretao do STF. Assim, uma vez proferida a decisocorreta, todas as outras que no lhe so conformes so incorretas, e, assim,sujeitam-se ao rescisria.

    A ideia de interpretao correta, infiltrada no mencionado acrdo do STJ, esclarecida no voto do Min. Teori Zavascki, particularmente na parte quefrisa que contrariar o precedente tem o mesmo significado, o mesmo alcance,em termos pragmticos, que o de violar a Constituio(...). nessa perspectiva,pois, que se deve aquilatar o peso institucional dos pronunciamentos do STF,mesmo em controle difuso. Nisso reside a justificao para se deixar de aplicar,na seara constitucional, o parmetro negativo da Smula 343, substituindo--se pelo parmetro positivo da autoridade do precedente. E a consequncia

    prtica disso que, independentemente de haver divergncia jurisprudencialsobre o tema, o enunciado da Smula 343 no ser empecilho ao cabimento

    17. A doutrina americana frisa que o propsito de um processo judicial no somentefazer justia material, mas trazer um fim controvrsia. importante que os

    julgamentos da Corte tenham estabilidade e certeza. No original: The purpose ofa lawsuit is not only to do substantial justice but to bring an end to controversy.It is important that judgments of the court have stability and certainty (JAMESJR.,Fleming; HAZARD JR., Geoffrey C.; LEUBSDORF, John. Civil procedure. Boston: Little,

    Brown & Co., 1992. p. 581).

    RePro_251.indb 287 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    14/34

    288 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    da ao rescisria (juzo de admissibilidade). Mais que cabvel, procedente,

    por violar a Constituio, o pedido de resciso da sentena (juzo rescindente),sendo que o novo julgamento da causa (juzo rescisrio), como corolrio lgico enecessrio, ter de se ajustar ao procedimento da Suprema Corte (STJ, EDiv noREsp 608.122, 1. Seo, j. 09.05.2007, rel. Min. Teori Zavascki).

    Na realidade, quando se admite que no h diferena entre contrariar pre-cedente constitucional que no existia poca em que a deciso foi proferida e violar a Constituio comete-se um equvoco que est na base da teoria dainterpretao, que seria potencializado mediante a suposio de que a nicainterpretao capaz de fazer ver a Constituio a do STF como se no hou-

    vesse controle difuso. Ora, a assimilao de precedente constitucional comnorma constitucional revela falta de distino entre enunciado do discursodo intrprete e enunciado do discurso das fontes. No h correspondnciabiunvoca entre Constituio e precedente constitucional, como clara e con-cretamente demonstra a possibilidade de revogao de precedente constitu-cional, inclusive de precedente que declarou a inconstitucionalidade de lei.18Um precedente do STF no declara a norma que sempre esteve contida naConstituio ou que sempre preexistiu interpretao judicial. O precedenteconstitucional atribui sentido Constituio ou o desenvolve de acordo coma evoluo da sociedade e dos seus valores. Da se poder falar em norma cons-

    titucional ou precedente constitucional como enunciados situados em planosdiversos, afastando-se a crena falaz de que existiria uma correspondncia biu-nvoca entre Constituio e interpretao do STF, nica que poderia fazer su-por que uma deciso legitimamente proferida por juiz incumbido de realizarcontrole difuso de constitucionalidade pode ser invalidada em virtude de ulte-rior deciso do STF que teria o efeito de declarar a inconstitucionalidade dalei em que a anterior deciso se fundou.

    No fosse isso, se ulteriorprecedente torna a coisa julgada rescindvel,no h deciso, tomada em controle difuso de constitucionalidade por juiz

    ordinrio, que tenha alguma utilidade. Sempre importar a deciso do STF.A deciso proferida em controle difuso, embora possa produzir efeitos desdelogo, sempre colocar o jurisdicionado em estado de espera, sujeitando-o a umadeciso mais do que intil; submetendo-o a uma deciso que, ao invs de resol-

    ver o litgio e criar uma confiana legtima, amplifica a litigiosidade latente e

    potencializa os males e as angstias decorrentes da pendncia da ao, deixando

    18. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios... cit., 4. ed. Captulo 3, itens 4

    e 5.

    RePro_251.indb 288 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    15/34

    289MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    perceptvel que o processo que se desenvolveu com custos de todos os matizes

    talvez fosse desnecessrio.

    19

    Perceba-se que tal raciocnio leva concluso de que uma deciso que pro-duz coisa julgada material, e legitimamente proferida pelo juiz, no geraqualquer proteo confiana nela depositada.20Ora, admitir esta conclusosignifica colocar o jurisdicionado na posio de algum que pode ser legitima-mente surpreendido depois de ter obtido deciso jurisdicional favorvel tran-sitada em julgado. No preciso dizer que isto viola, de forma escancarada, asegurana jurdica, princpio concretizador do Estado de Direito.

    Por outro lado, deixando-se o plano subjetivo (do jurisdicionado), im-

    perioso frisar que no h deciso estatal legtima que possa ser desfeita peloprprio Estado. A deciso em controle difuso de constitucionalidade to le-gtima quanto a deciso do STF. Ambas provm do Poder Judicirio e so legi-timadas pela Constituio. O equvoco no expresso, porm contido nas decisesque admitem o desfazimento da coisa julgada em virtude de ulterior precedente do

    STF, est em no perceber que admitir uma deciso fundada em lei posteriormente

    declarada inconstitucional no o mesmo que admitir eficcia a uma lei declarada

    inconstitucional.21Lembre-se que, conforme bem adverte Galvo Teles, respei-

    19. Como bem percebeu, em brilhante obra, Bruno Noura de Moraes Rgo, o inc. V doart. 485 do CPC/1973, usado como est sendo para rescindir julgados proferidos emsede de controle de constitucionalidade,serve para impedir a ao do controle difuso(RGO,Bruno Noura de Moraes.Ao rescisria e a retroatividade das decises de con-trole de constitucionalidade das leis no Brasil. Porto Alegre: Fabris, 2001. p. 352).

    20. Nessa linha, absolutamente correta a anlise de Leonardo Greco, no sentido deque rescisria que ressuscite questo de direito ampla e definitivamente resolvida no

    juzo rescindendo, com fundamento no art. 485, V, do CPC/1973, viola claramentea garantia da coisa julgada (GRECO, Leonardo. Eficcia da declarao erga omnesdeconstitucionalidade ou inconstitucionalidade em relao coisa julgada anterior. Re-

    lativizao da coisa julgada. Salvador: Podium, 2008. p. 251 e ss.). 21. Teresa Arruda Alvim Wambier e Jos Miguel Garcia Medina entendem que, no casode deciso de inconstitucionalidade, a deciso juridicamente inexistente. Escrevemos ilustres processualistas: Segundo o que nos parece, seria rigorosamente desneces-sria a propositura da ao rescisria, j que a deciso que seria alvo de impugnaoseriajuridicamente inexistente, pois que baseada em lei que no lei (lei inexistente).Portanto, em nosso entender, a parte interessada deveria, sem necessidade de se sub-meter ao prazo do art. 495 do CPC/1973, intentar ao de natureza declaratria, como nico objetivo de gerar maior grau de segurana jurdica sua situao. O interessede agir, em casos como esse, nasceria no da necessidade, mas da utilidade da obten-o de uma deciso nesse sentido, que tornaria indiscutvel o assunto, sobre o qual

    passaria a pesar autoridade de coisa julgada. O fundamento para a ao declaratria de

    RePro_251.indb 289 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    16/34

    290 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    tar a coisa julgada no significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional,

    mas reconhecer efeitos a um juzoprecedente sobre a inconstitucionalidade,diferente do juzo posteriormente feito na deciso de inconstitucionalidade doTribunal Constitucional.22

    Tambm no h como aceitar o argumento de que a retroatividade do pro-nunciamento do STF sobre a coisa julgada imprescindvel para fazer valer aplenitude da Constituio. No se pense que a resciso da coisa julgada funda-da em lei declarada inconstitucional constitui a afirmao da constitucionalidade

    sobre a inconstitucionalidade. A deciso, ainda que fundada em lei inconstitu-cional, constitucional. No fosse assim, no haveria sequer como admitir oprazo de dois anos para a propositura da ao rescisria.

    A deciso, mesmo que fundada em lei posteriormente declarada inconsti-tucional, manifestao legtima do Poder Judicirio.23A coisa julgada que

    inexistncia seria a ausncia de uma das condies da ao: a possibilidade jurdica dopedido. Para ns, a possibilidade de impugnao das sentenas de mrito proferidasapesar de ausentes as condies da ao no fica adstrita ao prazo do art. 495 doCPC/1973 (ARRUDAALVIMWAMBIER,Teresa; MEDINA, Jos Miguel Garcia. O dogma dacoisa julgada.So Paulo: Ed. RT, 2004. p. 43).

    22. TELES

    , Miguel Galvo. Inconstitucionalidade pretrita... cit., Nos dez anos da Consti-tuio. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987. p. 329.

    23. No sentido do descabimento de ao rescisria com base em ulterior declarao deinconstitucionalidade do STF, ver o acrdo do STJ assim ementado: Tributrio Ao rescisria Violao a literal disposio de lei FGTS Expurgos inflacionrios Smula 343 do STF Declarao ulterior de inconstitucionalidade Interpretaocontrovertida nos tribunais Indeferimento liminar da petio inicial. 1. No cabeao rescisria por ofensa a literal disposio de lei, quando a deciso rescindendase tiver baseado em texto legal de interpretao controvertida nos tribunais (Smula343 do STF). 2. Um dos pilares da segurana jurdica exatamente o respeito coisa

    julgada. Deveras, a eliminao da lei inconstitucional, em geral, deve obedecer os

    princpios que regulam a vigncia das leis, impedindo-as de retroagir. 3. Desta sorte,salvo manifestao expressa nos acrdos das aes de declarao de inconstitucio-nalidade, em controle concentrado, as decises judiciais anteriores no podem ficar merc de rescisrias, sob o fundamento de terem sido proferidas com base em leiinconstitucional. 4. Posicionamento diverso implica em violar dois institutos preserva-dos pela Constituio, um instrumental e outro substancial: a saber, a coisa julgada e asegurana jurdica. 5. Alis, no por outra razo que a Lei 9.868/1999, que regula adeclarao de inconstitucionalidade, reclama termo a quodos efeitos da deciso, ex-pressamente consignados no acrdo, consoante o disposto no art. 27 da referida Lei.6. A ratio essendida Smula 343 aplica-se in casu, por isso que se, poca do julgado,a lei estava em vigor, sem qualquer eiva de inconstitucionalidade, em prol do princ-

    pio da segurana jurdica prometida pela Constituio Federal, no se pode entrever

    RePro_251.indb 290 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    17/34

    291MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    cobre esta deciso imprescindvel tutela da segurana jurdica e prote-

    o do sistema de controle difuso da constitucionalidade, que no pode serusurpado do Poder Judicirio. Assim, equivocado relacionar afirmao daconstitucionalidade com relativizao da coisa julgada, uma vez que a coisajulgada , inegavelmente, uma afirmao da Constituio.24 Na realidade,bem vistas as coisas, o problema no est na opo entre privilegiar a plenitu-de da Constituio ou, ao invs, a certeza do direito declarado judicialmente,porquanto a certeza do direito declarado judicialmente (ainda que inconstitu-cional) ela prpria uma das formas de que se reveste a certeza constitucio-nal. Portanto, como conclui Rui Medeiros, a ressalva da coisa julgada tambmconstitui uma forma de assegurar a primazia da ordem constitucional.25

    Encontrar fundamento para a ao rescisria em pronunciamento do STFsignificaria mais do que a instituio de um controle da constitucionalidadeda deciso transitada em julgado significaria a reserva da autoridade para ainterpretao constitucional, destituindo-se os juzes ordinrios deste poder.

    Se o STF deve zelar pela uniformidade da interpretao da Constituio,isto obviamente no quer dizer que a sua interpretao tenha o poder paradissolver a coisa julgada material. Alis, se a interpretao do STF pudesseimplicar desconsiderao da coisa julgada, o mesmo deveria acontecer quando

    a interpretao da lei federal se consolidasse no STJ. No se diga que a dife-rena entre as duas situaes est em que, no caso da declarao de inconsti-tucionalidade, a coisa julgada se funda em lei invlida, enquanto uma decisocontra a lei ou que lhe negue vigncia supe lei vlida.26Ora, como j foi dito,no admitir a rescisria a partir de pronunciamento do STF no significa atri-buir efeitos a uma lei inconstitucional, mas sim ressalvar os efeitos de um juzo

    violao quela pelo acrdo que a prestigiou. 7. Agravo regimental improvido (STJ,AgRg no Ag 461.196/DF, 1. T., rel. Min. Luiz Fux, DJ02.12.2002).

    24. A resciso seria, assim, um veculo de restaurao do controle concentrado sobreo controle difuso e no apenas a defesa da supremacia da Constituio. Seria, porassim dizer, um modo de fazer prevalecer os valores do controle concentrado sobreos valores do controle difuso. Seria prevalecer a generalidade sobre a especificidade.Tal concepo deve ser afastada, j que o controle difuso continua a ser a regra e graas a ele que se torna possvel a defesa dos direitos e garantias individuais (RGO,Bruno Noura de Moraes.Ao rescisria e a retroatividade das decises de controle deconstitucionalidade das leis no Brasil...cit., p. 355).

    25. MEDEIROS, Rui.A deciso de inconstitucionalidade.Lisboa: Universidade Catlica Ed.,1999. p. 550.

    26. STJ, REsp 127.510, 2. T., rel. Min. Ari Pargendler, DJU02.03.1998.

    RePro_251.indb 291 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    18/34

    292 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    constitucional que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional pela

    Corte Suprema.Chega-se, assim, ao momento propcio para se desnudar o equvoco. Se aao rescisria proposta com base em precedente do STF, o seu fundamentono violao de norma constitucional. O fundamento encontrado, mas no ex-pressamente revelado, ius superveniensou direito superveniente. Porm, como curial, o ius superveniens no pode ter efeito retroativo sobre a coisa julgada.

    Portanto, a Smula 343 tambm deve ser aplicada nos casos de resoluode questo constitucional. A tentativa de eliminar a coisa julgada que resultoude uma dvida de constitucionalidade no s elimina o mnimo que o cidado

    pode esperar do Poder Judicirio que a estabilizao da sua vida aps o en-cerramento do processo , como tambm coloca em xeque a legitimidade dosjuzes e tribunais para o controle difuso da constitucionalidade.

    4. A ADOODEINTERPRETAO DEPOISDITAINCONSTITUCIONALPELOSTF: REFORODAEVIDNCIADEQUEANORMAJUDICIALNOSECONFUNDECOMOTEXTOLEGALE, ASSIM, NOPODESERRESCINDIDAPORNORMAPOSTERIORMENTEELABORADAPELACORTESUPREMA

    Como antes dito, a admisso da resciso da coisa julgada em virtude deulterior pronunciamento do STF se baseia na ideia de que uma lei inconsti-tucional no produz efeitos. Esta tese no percebe que admitir uma decisofundada em lei posteriormente declarada inconstitucional no o mesmo queadmitir eficcia a uma lei declarada inconstitucional. Como bvio, respeitara coisa julgada no significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional, masreconhecer efeitos a um juzo anterior, diferente e sobretudo legtimo sobre aconstitucionalidade.27

    importante perceber que, quando se parte da premissa de que lei incons-

    titucional no produz efeitos para fundamentar a rescindibilidade da decisojudicial, no se faz a distino entre o enunciado do discurso da fontes e oenunciando do discurso do intrprete, ou seja, no se faz a distino entre dis-posio (texto legal) e norma (resultado-interpretao).28Simplesmente no se

    27. TELES, Miguel Galvo. Inconstitucionalidade pretrita... cit., Nos dez anos da Consti-tuio. p. 329.

    28. (...) la norma non cosa ontologicamente diversa dalla disposizione: semplicimen-te la disposizione interpretatae pertanto riformulata, o, da un altro punto di vista,

    un enunciato (interpretante) di cui linterprete assume la sinonmia con lenunciato

    RePro_251.indb 292 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    19/34

    293MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    tem em conta que a coisa julgada material opera como lex specialis, separando

    a disciplina do direito feito valer em juzo da disposio geral e abstrata.

    29

    O equvoco chega a ser curioso quando cometido em mbito preocupadocom o direito processual constitucional. Isso porque a teorizao da distin-o entre texto e norma, de grande importncia para o desenvolvimento dateoria do direito, serviu-se do exemplo da interpretao conforme comomola propulsora.

    Realmente, a elaborao terica que culminou na dissociao entre dispo-sitivo legal e norma teve origem em uma questo prtica, surgida na Itlia poca em que a Corte Constitucional iniciou os seus trabalhos. Quando a Cor-

    te Constitucional italiana efetivamente comeou a funcionar depois de umatraso de quase dez anos devido s suspeitas em relao ao judicial review,um dos primeiros problemas que teve que resolver foi o da identificao doobjeto do juzo de inconstitucionalidade. A Corte entendeu que o objeto dojuzo de inconstitucionalidade no o texto da lei, mas a norma que por eleexpressa. A partir da se introduziu uma separao estrutural entre texto e nor-ma, que trouxe dois benefcios bastante significativos. Permitiu-se a declaraoda inconstitucionalidade da interpretao, sem se declarar a inconstitucionali-dade do texto legal respectivo, e favoreceu-se a interpretao de adequao dalei Constituio.30

    No por acaso que um dos primeiros e principais trabalhos acerca da im-portncia da dissociao entre dispositivo legal e norma foi escrito por VezioCrisafulli, discpulo de Santi Romano, que se tornou um dos mais importantesconstitucionalistas italianos do sculo XX, tendo sido nomeado membro daCorte Constitucional em 1968. O trabalho de Crisafulli foi publicado poucosanos depois do despertar do problema prtico no seio da Corte Constitucio-nal.31Em essncia, concluiu Crisafulli que a relao disposio/norma no de correspondncia biunvoca, tal e como se sugere mediante o postulado danorma verdadeira ou da interpretao correta. Para demonstrar a sua tese,argumentou que existem disposies complexas, que contm proposies

    interpretato (la disposizione) (GUASTINNI, Riccardo. Interpretare e argomentare... cit.,p. 65).

    29. PISANI, Andrea Proto. Appunti sul giudicato civile e sui suoi limiti oggettivi. Rivista diDiritto Processuale, 1990. p. 390.

    30. CHIASSONI, Pierluigi. Disposicin y norma: una distincin revolucionaria.Disposicin. vsnorma. Lima: Palestra, 2011. p. 8.

    31. CRISAFULLI, Vezio. Disposizione (e norma). Enciclopedia del diritto, 1964.

    RePro_251.indb 293 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    20/34

    294 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    inseparveis de que podem derivar duas ou mais normas; que h disposies

    equvocas, que expressam normas hipotticas, ou seja, duas ou mais normasalternativamente; e que cabe distinguir a disposio-norma da norma-orde-namento (ou norma vivente), sendo a primeira o significado originrioe literal de uma disposio, identificado mediante uma interpretao centradasobre a disposio isoladamente considerada, e a segunda o significado atualda disposio, luz do sistema normativo, em sua abstrata objetividade, e tam-bm, em certa medida, na efetividade da sua concreta realizao.32

    O desenvolvimento terico da dissociao entre texto legal e norma teveorigem na inteno de se conservar o texto legal, excluindo-se apenas as in-

    terpretaes constitucionalmente invlidas, bem como fortaleceu a prxis dainterpretao de adequao do sentido do texto Constituio. Lembre-se, ali-s, de que antes do esclarecedor trabalho de Crisafulli, Luigi Montesano haviapublicado Norma e formula legislativa nel giudizio costituzionale, em queapresentou uma tese reducionista e extremamente rigorosa em face do controlede constitucionalidade, segundo a qual o texto legal que abre oportunidade ainterpretaes no conformes Constituio deve necessariamente ser decla-rado inconstitucional.33

    32. CHIASSONI, Pierluigi. Disposicin y norma: una distincin revolucionaria.Disposicin. vsnorma... cit. p. 12-13.

    33. Montesano concluiu dizendo que o sistema que procurou delinear significa, em ter-mos prticos, que a Corte, quando nega a inconstitucionalidade, porm ao mesmotempo revisa a frmula legislativa em busca de aplicaes contrrias Constituio,no pode obrigar o legislador a melhorar esta frmula, nem tampouco obrigar os

    juzes a se absterem destas aplicaes, mas deve considerar-se impotente para de-fender a Constituio deste perigo ou elimin-lo de vez, declarando inconstitucionala lei equivocadamente formulada (MONTESANO, Luigi. Norma e formula legislativanel giudizio costituzionale. Rivista di diritto processuale, p. 539, 1958). A posio de

    Montesano nunca prevaleceu e a Corte Constitucional, no final dos anos 50, j tra-balhava com as ditas sentenas interpretativas de acolhimento, declarando a incons-titucionalidade de determinadas interpretaes do texto legal. (CHIASSONI, Pierluigi.Disposicin y norma: una distincin revolucionaria.Disposicin. vs norma... cit., p. 9).Recorde-se que o importante trabalho de Tullio Ascarelli (Giurisprudenza costitu-zionale e teoria dellinterpretazione, Rivista de diritto processuale, 1957, p. 351 e ss.),que contribuiu para o desenvolvimento da questo terica da dissociao entre dis-posio e norma a partir do mesmo problema prtico ento vivido pela Corte Cons-titucional, aponta para sentido diametralmente oposto ao de Montesano: Quandoanalisa a constitucionalidade de uma lei, o juiz constitucional se depara sempre comum texto que deve interpretar e que equvoco. A univocidade pode ser apenas das

    aplicaes concretizadas e no pode referir-se ao texto em funo do qual se quer

    RePro_251.indb 294 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    21/34

    295MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    Lembre-se que o 12 do art. 525 do CPC/2015 fala em interpretaode lei

    ou ato normativo tido pelo STF como incompatvel com a Constituio. Ora,se a interpretao enunciado do discurso dos juzes (norma judicial), o quese tem, diante de ulterior aps a formao da coisa julgada deciso do STFque declara a inconstitucionalidade de determinada interpretao, nada maisdo do que dois enunciados vlidos e legtimos sobre uma mesma questoconstitucional. No, como disse Crisafulli, uma norma verdadeira ou umainterpretao correta uma correspondncia binivoca , que sustentaria arescindibilidade da coisa julgada.

    5. NOHDISTINOENTREDECISOPROFERIDAEMCONTROLECONCENTRADOECONTROLEDIFUSOPARAEFEITODERESCINDIBILIDADEDECOISAJULGADA

    Como evidente, no h qualquer razo para distinguir deciso proferidaem ao direta de inconstitucionalidade de deciso tomada em recurso extra-ordinrio quando se pensa na possibilidade de rescindibilidade de coisa julga-da com base em ulterior pronunciamento do STF.

    A deciso proferida no controle concentrado, assim como a deciso pro-

    ferida no controle difuso, no pode negar a coisa julgada. Ambas so inter-pretaes judiciais ulteriores coisa julgada, embora a deciso proferida nocontrole difuso no tenha eficcia erga omnes, mas apenas eficcia obrigatriaou vinculante em relao aos seus fundamentos determinantes. Sucede queisto no tem qualquer importncia para o efeito de se ter como invlida umadeciso antecedente, revestida por coisa julgada material. A deciso de incons-titucionalidade proferida no controle concentrado, no obstante tenha eficciaerga omnes, obviamente no tem eficcia retroativa.

    A diferenciao das decises proferidas nos controles concentrado e difu-

    so, para efeito de rescindibilidade da coisa julgada, faria supor que a decisode inconstitucionalidade algo distinto de uma deciso judicial ou de umadeciso interpretativas de uma questo constitucional. A deciso de inconsti-tucionalidade proferida em ao direta nada mais do um juzo sobre a consti-tucionalidade, que, por isso mesmo, no pode se sobrepor a um anterior juzo

    estabelecer a norma objeto da anlise. Qualquer texto pode dar lugar a interpretaesdivergentes e, portanto, formulao de normas distintas. Uma dessas poder serinconstitucional, diversamente de outras (ASCARELLI, Tullio. Giurisprudenza costitu-

    zionale e teoria dellinterpretazione. Rivista de diritto processuale, p. 356-357, 1957).

    RePro_251.indb 295 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    22/34

    296 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    tambm legtimo sobre a constitucionalidade, tutelado pela coisa julgada. No

    possvel negar a coisa julgada sob a equivocada desculpa de se ter encontradouma norma verdadeira ou uma interpretao correta, que jamais poderiater sido negada para no se violar a Constituio. Como j dito, a resciso dacoisa julgada fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional noconstitui afirmao da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade, jque a certeza do direito declarado judicialmente, ainda que inconstitucional, uma das formas de que se reveste a certeza constitucional.34

    6. O VERDADEIROFUNDAMENTODARESCISRIA: RETROATIVIDADEDOIUS

    SUPERVENIENSSOBREACOISAJULGADANo pode haver dvida que, se uma norma gera dvida constitucional, ex-

    pressa pela circunstncia de existir dvida interpretativa no controle difusoda constitucionalidade realizado pelos juzes e pelos tribunais, a deciso queadota uma das interpretaes razoveis no pode ser rescindida. Na realidade,pouco importa, para efeito de rescindibilidade, se a norma constitucional ouinfraconstitucional, j que ambas podem gerar dvida interpretativa e, nestadimenso, excluir a ao rescisria.

    Portanto, a ao rescisria que se dirige contra deciso que tratou de ques-

    to prejudicial sobre a qual recaa divergncia interpretativa no fundada emviolao de norma, mas em ius superveniens. Isto se torna evidente quando sepercebe que esta rescisria no se preocupa com o teor da deciso rescindenda,ou seja, com a circunstncia de a deciso ter ou no violado manifestamenteuma norma, bastando para a procedncia do pedido apenas um pronuncia-mento do STF com sinal contrrio ao da deciso rescindenda.

    Sustenta-se que a ao fundada em violao literal de lei (art. 485,

    V, do CPC/1973) ou em violao de norma jurdica (art. 966, V, do

    CPC/2015) porque no h, nem poderia haver, ao rescisria amparada em

    ius superveniens.

    7. A PREVISODEHIPTESEDERESCISRIABASEADAEMULTERIORDECISODEINCONSTITUCIONALIDADENOCDIGODEPROCESSOCIVILDE2015

    De acordo com o 15 do art. 525 do CPC/2015, se a deciso referida no 12 for proferida aps o trnsito em julgado da deciso exequenda, caber ao

    34. MEDEIROS, Rui.A deciso de inconstitucionalidade... cit., p. 550.

    RePro_251.indb 296 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    23/34

    297MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    rescisria, cujo prazo ser contado do trnsito em julgado da deciso proferida

    pelo STF.A norma do novo Cdigo de Processo Civil merece muita ateno, pois ela irremediavelmente inconstitucional. Note-se que, se o 14 do art. 525 corre-tamente exclui a possibilidade de superveniente deciso de inconstitucionali-dade obstaculizar a execuo da sentena, o 15 admite a sua invocao comosustentculo de ao rescisria. Trata-se de duas normas claramente contradi-trias, de modo que a segunda s pode ser compreendida como resultado deuma insero descuidada, dessas que so feitas em uma lei de grande amplitu-de no apagar das luzes da discusso parlamentar.

    Ora, a admissibilidade de alegao de deciso de inconstitucionalidade pos-terior formao da coisa julgada uma exceo sua intangibilidade, poucoimportanto se a alegao admitida para inibir a execuo ou para funda-mentar a ao rescisria. Obstaculizar a executabilidade da sentena negaro ttulo executivo ou a coisa julgada que a sustenta. Recorde-se que a coisajulgada sempre foi considerada um fundamento lgico-jurdico da execuo(definitiva).35Da mesma forma, como ainda mais evidente, ao rescisriacom base em posterior declarao de inconstitucionalidade uma macro exce-o intangibilidade da coisa julgada material.

    Portanto, haveria racionalidade na admisso da alegao de posterior deci-so de inconstitucionalidade apenas se isto no constitusse exceo intangi-bilidade da coisa julgada material. Assim, exatamente porque no se estaria aafetar a coisa julgada material em qualquer dos casos, a admisso da deduoda posterior deciso de inconstitucionalidade em ao rescisria, e no emimpugnao, seria mera opo legislativa.

    No obstante, como tanto a obstaculizao da execuo, quanto a rescin-dibilidade com base em ulterior deciso do STF obviamente constituem exce-o intangibilidade da coisa julgada material, exigiria-se outra resposta dolegislador. Seria necessrio argumentar, como nica sada para a legitimaoda norma do 15, que a intangibilidade da coisa julgada se coloca apenas noplano processual, no estando garantida pela Constituio Federal.

    Esse raciocnio ainda mais absurdo do que o antecedente. A coisa julgadaest claramente garantida no art. 5., XXXVI, da CF. Nenhuma lei pode dar ao

    35. ANDOLINA, Italo. Cognizione ed esecuzione forzata nel sistema della tutela giurisdi-zionale. Milano: Giuffr, 1983. p. 36 e ss; MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipa-tria, julgamento antecipado e execuo imediata da sentena. So Paulo: Ed. RT, 1996.

    p. 40 e ss.

    RePro_251.indb 297 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    24/34

    298 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    juiz poder para desconsiderar a coisa julgada material, at porque nenhum juiz

    pode negar deciso de membro do Poder Judicirio. A intangibilidade da coisajulgada material essencial para a tutela da segurana jurdica, sem a qual noh Estado de Direito, ou melhor, sem a qual nenhuma pessoa pode se desen-volver e a economia no pode frutificar.

    Nem se diga, nessa altura, que a alegao de deciso de inconstitucionali-dade constituiria uma exceo constitucionalmente legtima intangibilidadeda coisa julgada, argumentando-se que a resciso da coisa julgada fundada emlei posteriormente declarada inconstitucional seria uma afirmao da constitu-cionalidade sobre a inconstitucionalidade. sempre importante advertir que agarantia da coisa julgada no resguarda os efeitos de uma leiinconstitucional,porm ressalva os efeitos de um juzoconstitucional que aplicou uma lei pos-teriormente declarada inconstitucional pelo STF.

    Tudo isso significa que os juzes e tribunais no devem aplicar o 15 do art.525 do CPC/2015, dada a sua inescondvel e insupervel inconstitucionalida-de. Alis, como ser visto a seguir, o STF recentemente declarou a impossibili-dade de ao rescisria baseada em ulterior precedente da sua lavra exatamen-te sob o fundamento de que isso configuraria violao da garantia constitucionalda coisa julgada material.

    8. O CASOMETABELV.UNIOFEDERAL: ANOADMISSODEAORESCISRIABASEADAEMULTERIORPRECEDENTEDOSTF MEDIANTEAAFIRMAODAGARANTIACONSTITUCIONALDACOISAJULGADAMATERIAL

    O STF, recentemente, julgou recurso extraordinrio que definiu a questodo cabimento de ao rescisria fundada em precedente do STFposterior deciso rescindenda.36Decidiu-se expressamente sobre a aplicao da Smula343 do STF37em ao rescisria fundada em violao de norma constitucionale sobre se a admisso da ao rescisria, baseada em posterior precedente do

    STF, compatvel com a tutela da coisa julgada material.O precedente firmado neste recurso extraordinrio revogou o entendimen-

    to que at ento prevalecia no STF,38declarando que deciso do STF, ulterior

    36. STF, RE 590.809, Plenrio, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurlio.

    37. Essa smula diz que no cabe ao rescisria por ofensa a literal disposio de lei,quando a deciso rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretao contro-vertida nos tribunais.

    38. STF, RE-ED 328.812, 2. T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJ02.05.2008.

    RePro_251.indb 298 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    25/34

    299MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    ao trnsito em julgado da deciso, no pode servir de fundamento para a ao

    rescisria. Declarou-se, ainda, que a Smula 343 aplicvel em ao rescis-ria fundada em violao de norma constitucional, de modo que, quando hdivergncia interpretativa poca da prolao da deciso rescindenda, a aorescisria no vivel. Decidiu-se, ademais, que a invocao de precedenteconstitucional ulterior formao da coisa julgada, para o efeito de rescindi--la, incompatvel com a garantia constitucional da coisa julgada material. Ouseja, no s ressalvou-se a coisa julgada em face de precedente constitucionalem sentido diverso, com ainda afirmou-se que a coisa julgada garantida pelaConstituio Federal.

    O recurso extraordinrio foi provido por sete votos a dois. Os MinistrosMarco Aurlio, Celso de Mello, Luiz Fux, Rosa Weber e Ricardo Lewandowskiadotaram o fundamento de que novo entendimento ou precedente do STF nopode constituir base para a resciso de deciso que com ele confronta. A Min.Carmn Lcia disse que a deciso rescindenda, por ter se pautado em enten-dimento que prevalecia no STF na poca em que proferida, no poderia serrescindida. O Min. Toffoli reconheceu a decadncia da ao rescisria e no semanifestou sobre a questo da possibilidade da desconstituio de deciso combase em precedente ulterior do STF. Os Ministros Gilmar e Teori dissentiramdo fundamento da maioria, reafirmando as suas antigas posies.39

    Disse o relator, Min. Marco Aurlio: a rescisria deve ser reservada asituaes excepcionalssimas, ante a natureza de clusula ptrea conferidapelo constituinte ao instituto da coisa julgada. Disso decorre a necessria inter-pretao e aplicao estrita dos casos previstos no art. 485 do CPC, includoo constante do inc. V, abordado neste processo. Diante da razo de ser doverbete [Smula 343 do STF], no se trata de defender o afastamento damedida instrumental a rescisria presente qualquer grau de divergnciajurisprudencial, mas de prestigiar a coisa julgada se, quando formada, o teorda soluo do litgio dividia a interpretao dos Tribunais ptriosou, com maior

    razo, se contava com ptica do prprio Supremo favorvel tese adotada.Assim deve ser, indiferentemente, quanto a ato legal ou constitucional, porque,

    em ambos, existe distino ontolgica entre texto normativo e norma jurdica.Essa passagem deixa clara a aplicabilidade da Smula 343 mesmo em caso deinterpretao de norma constitucional. Aplicando-se a Smula 343, decidiu--se que no cabe ao rescisria, fundada em violao de norma constitucio-

    39. STF, RE-ED 328.812, 2. T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJ02.05.2008; STJ, EDiv no

    REsp 608.122, 1. Seo, j. 09.05.2007, rel. Min. Teori Zavascki.

    RePro_251.indb 299 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    26/34

    300 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    nal, quando poca em que a deciso foi proferida havia controvrsia sobre

    a interpretao da norma.Mas o STF, ao firmar o precedente, no s tratou da aplicabilidade da Smu-la 343, ao enfatizar que novo entendimento do STF no pode ser visto comofundamento de ao rescisria, a Corte Suprema tambm declarou a tutelaconstitucionalda coisa julgada material. Nas palavras do Ministro relator: Noposso admitir, sob pena de desprezo garantia constitucionalda coisa julgada,a recusa apriorstica do mencionado verbete [Smula 343 do STF], como se arescisria pudesse conformar os pronunciamentos dos tribunais brasileiros com

    a jurisprudncia de ltimo momento do Supremo, mesmo considerada a interpreta-

    o da norma constitucional.

    A ementa do acrdo consignou que o verbete 343 da Smula do Supremodeve ser observado em situao jurdica na qual, inexistente controle concen-trado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance danorma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo,ptica coincidente com a revelada na deciso rescindenda.40Ou seja, a ementaressalvou a possibilidade de a ao rescisria ser utilizada com base em decisoproferida em controle concentrado. Porm, no obstante a circunstncia deo prprio relator ter abordado esta questo de passagem, sem defini-la, a ques-to de se a deciso proferida em controle concentrado constitui base para ao

    rescisria no foi posta para julgamento ou, ainda, no constitua fundamentosuficiente para se decidir se precedente do STF, firmado em sede de controleincidental, pode determinar a desconstituio da coisa julgada.

    Sublinhe-se o que disse o prprio relator, Min. Marco Aurlio: Na origem,o acrdo foi rescindido para conform-lo deciso deste Tribunal no sentidode o alcance do princpio da no cumulatividade no autorizar o lanamentode crditos do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI em decorrnciada aquisio de insumos isentos, no tributados ou sujeitos alquota zero.V-se no se tratar de referncia a ato por meio do qual o Supremo assentou,

    com eficcia maior, a inconstitucionalidade de norma. Estivesse envolvida de-clarao da espcie,poderia at cogitar, com muitas reservas, do afastamento doverbete em favor do manejo da rescisria apenas para evitar a vinda balhaindiscriminada de deciso judicial, transitada em julgado, fundada em normaproclamada inconstitucional, nula de pleno direito.Mas no este o caso oraexaminado. Pretende-se, na realidade, utilizar a ao rescisriacomo mecanis-mo de uniformizao da interpretao da Carta, particularmente, do princpio

    40. STF, RE 590.809, Plenrio, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurlio.

    RePro_251.indb 300 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    27/34

    301MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    constitucional da no cumulatividade no tocante ao Imposto sobre Produtos

    Industrializados IPI,olvidando-se a garantia constitucional da coisa julgadamaterial.41O relator foi incisivo ao dizer que no estava envolvida decisoproferida em controle concentrado e, mais do que isso, que, caso estivesse en-volvida, a cogitao sobre ao rescisria poderia ser feita com muitas reser-vas. Ora, se uma questo reconhecida como fora do julgamento (estivesseenvolvida) e admitida como no decidida (poderia at cogitar, com muitasreservas), ela certamente constitui obiter dictum.

    De qualquer forma, as mesmas razes que impedem a retroatividade dadeciso proferida em recurso extraordinrio sobre a coisa julgada impedem aretroatividade da deciso proferida em controle concentrado. Ora, se ulteriordeciso de inconstitucionalidade, ainda que proferida em ao direta, tornara coisa julgada rescindvel, no haver deciso, tomada em controle difuso deconstitucionalidade, dotada de alguma utilidade; a coisa julgada sempre serprovisria e sujeita a condio resolutiva, o que uma contradio em termos.Lembre-se que a deciso judicial, mesmo que fundada em lei posteriormentedeclarada inconstitucional, manifestao legtima do Poder Judicirio e quea coisa julgada que cobre esta deciso imprescindvel tutela da seguranajurdica e proteo do sistema de controle difuso da constitucionalidade.

    9. CASOSEMQUESEADMITEAORESCISRIABASEADAEMVIOLAODENORMACONSTITUCIONAL

    A ao rescisria tem pleno cabimento em caso de manifesta violao denorma jurdica (art. 966, V, do CPC/2015). Diante da dissociao entre textolegal e norma e da funo contempornea do STF de definir o sentido do di-reito constitucional federal, norma jurdica , alm da deciso firmada em aodireta, precedente constitucional. Significa que cabe ao rescisria quando adeciso nega deciso proferida em ao direta ou precedente constitucional,

    tenham estes afirmado a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade. A de-ciso que se nega a adotar precedente ou deciso do STF que afirmou a cons-titucionalidade tambm deciso que viola manifestamente norma jurdica e,assim, sujeita-se a ao rescisria.

    Note-se que, quando se negadeciso proferida em ao direta, preceden-

    te ou ainda smula do STF, possvel falar em violao de norma, o que

    certamente no ocorre quando realizado juzosobre a questo de consti-

    41. STF, RE 590.809, Plenrio, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurlio.

    RePro_251.indb 301 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    28/34

    302 REVISTADEPROCESSO2016 REPRO251

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    tucionalidade e, aps o encerramento do processo, o STF fixa norma em

    sentido contrrio.Como se v, cabe ao rescisria quando h negao de norma dotada de

    efeito vinculante, o que, obviamente, no poderia ser outra coisa que no vio-lao manifesta de norma jurdica. No h como negar que, nestas hipteses,viola-se uma norma que vincula o contedo da deciso do juiz. O juiz ou otribunal que, apesar do pronunciamento vinculante do Supremo, decide emsentido contrrio, profere deciso que viola manifestamente o sentido que aCorte Suprema atribuiu ao direito.

    Porm, h tambm violao manifesta de norma jurdica, nos termos do art.

    966, V, do CPC/2015, quando a interpretao do texto to fcil e simples quea violao da norma jurdica quase que se confundecom a negao do texto. Nose pretende retomar, aqui, a discusso plantada por Hart sobre os enunciadosque, no texto legal, esto em zonas de penumbra e de luz.42Afirma-se, em de-terminada concepo terica, que em todo texto legal h enunciados que estona zona de luz e enunciados que esto na zona de penumbra, sendo que so-mente os ltimos reclamam valorao e deciso, ao passo que os primeiros sonormas pr-definidas, que podem ser simplesmente descritas. No obstante,como demonstra Wrblewski, os problemas penumbrais so uma instnciade dvidas interpretativas que no podem escapar da valorao do intrprete.43

    Assim, a soluo da questo sobre se a norma clara ou duvidosa tambmdepende de valorao, constituindo uma fase do raciocnio interpretativo, que,uma vez superada, d ao intrprete a possibilidade de chegar num resultadoque advm imediatamente do texto ou confere-lhe a oportunidade de, median-te nova valorao, decidir sobre o seu sentido.44A clareza obviamente no algo que deflui objetivamente do texto. No um predicado do texto, mas ofruto do entendimento daquele que o l. Clareza ou obscuridade so sentidosatribudos a um texto legal pelo intrprete.45

    42. HART, Herbert. The concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1993.

    43. WRBLEWSKI, Jerzy. Transparency and doubt. Understanding and interpretation inpragmatics and in Law. Law and Philosophy, 1988. p. 322 e ss.

    44. Una disposizione chiara, in relazione a un qualche problema da risolvere e a unqualche caso concreto da disciplinare, soltanto dopoaverla interpretata (o compresa,o come dir si voglia (CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dellinterpretazione giuridica.Bolo-gna: Il Mulino, 2007. p. 62).

    45. No mesmo sentido, afirma Taruffo que, em face da necessidade de definio a respeitode se o caso fcil ou difcil, o problema das opes interpretativas reproposto

    integralmente, e no est resolvido nem esclarecido pela distino [casos fceis e

    RePro_251.indb 302 22/12/2015 16:06:57

  • 7/26/2019 A Intangibilidade Da Coisa Julgada Diante Da Deciso de Inconstitucionalidade

    29/34

    303MEIOSDEIMPUGNAODASDECISESJUDICIAIS

    MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da deciso de inconstitucionalidade: impugnao,rescisria e modulao de efeitos. Revista de Processo. vol. 251. ano 41. p. 275-307. So Paulo: Ed. RT, jan. 2016.

    Contudo, se atribuir clareza valorao, de modo que o resultado-interpre-

    tao nunca apenas descrio, mas sempre norma jurdica ao contrrio doque supem os tericos da zona de luz , no h como negar que determi-nados textos no suscitam controvrsia nos tribunais. No se discute acerca danorma que deflui destes textos. Quando isso ocorre, ou melhor, quando no hcontrovrsia nos tribunais sobre a interpretao de uma disposio, a decisoque lhe confere interpretao contrria pode ser submetida a ao rescisriasob o fundamento de violar manifestamente norma jurdica (art. 966, V, doCPC/2015).

    10. MODULAODEEFEITOSECOISAJULGADAComo bvio, no importa que a ressalva da coisa julgada diante da deciso

    de inconstitucionalidade no esteja expressamente afirmada pela Constitui-o brasileira, semelhana do que ocorre no art. 282, 3, da Constituio daRepblica Portuguesa. Recorde-se que, segundo o art. 282, 3, da ConstituioPortuguesa, diante da declarao de inconstitucionalidade com fora obrigat-ria geral, ficam ressalvados os casos julgados, salvo deciso em contrrio doTribunal Constitucional quando a norma respeitar a matria penal, disciplinarou de ilcito de mera ordenao social e for de contedo menos favorvel ao

    arguido. Como observa Rui Medeiros, a Constituio portuguesa (art. 282, 3,primeira parte) reconhece que o sacrifcio da intangibilidade do caso julgados deve ter lugar nos casos extremos em que imperativos de justia o justifiquem. partida, uma simples alterao no plano normativo ou hermenutico no jus-tifica, perante situaes de fato invariveis, o afastamento da deciso transitadaem julgado.46

    Frise-se que a coisa julgada instituto imprescindvel afirmao do PoderJudicirio e do Estado de Direito, alm de garantia do cidado estabilidadeda tutela jurisdicional, corolrio do direito fundamental de ao e do princpio

    da proteo da confiana.47

    Portanto, o n. 3 do art. 282 da Constituio de

    difceis; ncleo de luz e zona de penumbra] em exame (TARUFFO, Michele. La Cortedi Cassazione e la legge. Il vertice ambiguo. Saggi sulla Cassazione civile. Bologna: IlMulino, 1991. p. 93).

    46. MEDEIROS, Rui.A deciso de inconstitucionalidade... cit., p. 547-548.

    47. (...) quando a Constituio [portuguesa] (art. 282, 3) estabelece a ressalva dos ca-sos julgados, isso significa a imper