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// Revista da Faculdade de Direito // edição 5 // número 5 // 1º semestre de 2018 97 A INVIABILIDADE DA MANUTENÇÃO DA SUBS- TITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA NO ICMS APÓS A DECISÃO DO STF NO RE 593.849/MG Carlos Eduardo Pereira Dutra* e Erick Willian Pertussatto** *Graduado no Curso de Direito pelo Cen- tro Universitário Curitiba, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Professor do curso de especialização em Direito e Processo Tributário da PUC-PR e de Gestão Tributária da FESP-PR. ** Graduado no Curso Direito pela PUC-PR, Especialista em Direito Tributário Empresa- rial e Processual Tributário pela PUC-PR. Resumo O presente trabalho tem por objetivo primordial analisar os efeitos práticos da decisão do Supremo Tribunal Fede- ral no RE 593.849/MG, a qual prestigiou o direito dos contribuintes à restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior a presumida. Através do exame da regra-matriz de incidência do ICMS sobre operações mercantis e do texto constitucional aplicável, debateremos acerca das decisões da Suprema Corte sobre a substituição tributária progressiva, com especial atenção àquelas que discutiram a constitucionalidade do instituto e àquelas que discutiram o direito de restituição dos contribuintes quando a base de cálculo presumida mostrou-se maior do que a base de cálculo real. Entendemos que, além do direito à restituição, a recente decisão do STF possibilitará a cobrança, pelo fisco, de complementação do valor do ICMS pago e, apesar do seu caráter louvável, poderá inviabilizar a manutenção do regime de substituição tributária progressiva no ICMS. Palavras-chave: ICMS. Tributação. Desenvolvimento. Substituição tributária progressiva. Supremo Tribunal Fede- ral. Restituição. Presunção. Abstract This paper mainly seeks to analyze the Supreme Federal Court (STF) ruling on the RE 593.849/MG case practical effects, which favored the taxpayers right to have restituted the ICMS overpaid in advance on the tax substitution system, if the effective transaction value is inferior to the presumed one. Through exams on the matrix rule of the ICMS application over commercial transactions and on the applicable rules of the Constitution, we will debate about the Supreme Court rulings on progressive tax substitution system, with due attention to those which debated the constitutionality of the system, and those which debated the taxpayer’s right to restitution when the tax base revealed to be inferior to the effective assessment base. We also argue that, aside to the right to restitution, the recent STF ruling will allow the Tax Office’s supplementary collection on the underpaid ICMS and as such, despite it’s praiseworthy intentions, may will make it impossible for the ICMS progressive tax substitution system to live on. Key-words: ICMS. Taxation. Development. Supreme Federal Court. Constitution. Restitution. Presumption.

A INVIABILIDADE DA MANUTENÇÃO DA SUBS- TITUIÇÃO …

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// Revista da Faculdade de Direito // edição 5 // número 5 // 1º semestre de 2018

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A INVIABILIDADE DA MANUTENÇÃO DA SUBS-TITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA NO ICMS APÓS A DECISÃO DO STF NO RE 593.849/MGCarlos Eduardo Pereira Dutra* e Erick Willian Pertussatto**

*Graduado no Curso de Direito pelo Cen-tro Universitário Curitiba, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Professor do curso de especialização em Direito e Processo Tributário da PUC-PR e de Gestão Tributária da FESP-PR.** Graduado no Curso Direito pela PUC-PR, Especialista em Direito Tributário Empresa-rial e Processual Tributário pela PUC-PR.

ResumoO presente trabalho tem por objetivo primordial analisar os efeitos práticos da decisão do Supremo Tribunal Fede-

ral no RE 593.849/MG, a qual prestigiou o direito dos contribuintes à restituição da diferença do ICMS pago a mais

no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior a presumida.

Através do exame da regra-matriz de incidência do ICMS sobre operações mercantis e do texto constitucional

aplicável, debateremos acerca das decisões da Suprema Corte sobre a substituição tributária progressiva, com

especial atenção àquelas que discutiram a constitucionalidade do instituto e àquelas que discutiram o direito de

restituição dos contribuintes quando a base de cálculo presumida mostrou-se maior do que a base de cálculo real.

Entendemos que, além do direito à restituição, a recente decisão do STF possibilitará a cobrança, pelo fisco, de

complementação do valor do ICMS pago e, apesar do seu caráter louvável, poderá inviabilizar a manutenção do

regime de substituição tributária progressiva no ICMS.

Palavras-chave: ICMS. Tributação. Desenvolvimento. Substituição tributária progressiva. Supremo Tribunal Fede-

ral. Restituição. Presunção.

AbstractThis paper mainly seeks to analyze the Supreme Federal Court (STF) ruling on the RE 593.849/MG case practical

effects, which favored the taxpayers right to have restituted the ICMS overpaid in advance on the tax substitution

system, if the effective transaction value is inferior to the presumed one. Through exams on the matrix rule of the

ICMS application over commercial transactions and on the applicable rules of the Constitution, we will debate

about the Supreme Court rulings on progressive tax substitution system, with due attention to those which debated

the constitutionality of the system, and those which debated the taxpayer’s right to restitution when the tax base

revealed to be inferior to the effective assessment base. We also argue that, aside to the right to restitution, the

recent STF ruling will allow the Tax Office’s supplementary collection on the underpaid ICMS and as such, despite

it’s praiseworthy intentions, may will make it impossible for the ICMS progressive tax substitution system to live on.

Key-words: ICMS. Taxation. Development. Supreme Federal Court. Constitution. Restitution. Presumption.

// A inviabilidade da manutenção da substituição tributária progressiva no ICMS após a decisão do STF no re 593.849/MG // Carlos Eduardo Pereira Dutra e Erick Willian Pertussatto

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1. INTRODUÇÃO

OCMS (Imposto sobre circulação de mercadorias

e serviços) é um dos tributos com maior relevân-

cia econômica no nosso sistema tributário, sendo

também um dos tributos mais relacionados à guerra fiscal.

O seu estudo é deveras complexo em virtude das diversas

nuances em cada legislação estadual, com regulamentos

bastante extensos e confusos. Por essas e outras razões é

um imposto que sempre suscita controvérsias doutrinárias

e jurisprudenciais.

O presente trabalho tem o foco de perquirir a substituição

tributária progressiva (ou “para frente”) no ICMS, que é, em

apertada síntese, um regime de arrecadação que imputa ao

substituto a obrigação de recolher o ICMS que seria de-

vido pelo substituído, em virtude de fato jurídico tributário

que deva ocorrer no futuro. Ou seja, é uma antecipação do

pagamento do ICMS sobre operação a ser possivelmente

realizada no futuro, por outrem.

O regime enseja um grande número de controvérsias. Bus-

caremos analisar as mais importantes decisões da nossa

Suprema Corte sobre o assunto, com destaque para aque-

las que debateram a constitucionalidade do regime e para

aquelas que debateram o direito de restituição dos contri-

buintes quando a base de cálculo presumida se mostrou

maior do que a base de cálculo real.

Por último, tentaremos expor os efeitos práticos que consi-

deramos mais significativos oriundos da decisão do Supremo

Tribunal Federal no RE 593.849/MG, a qual prestigiou o direito

dos contribuintes à restituição da diferença do ICMS pago a

mais no regime de substituição tributária para frente se a base

de cálculo efetiva da operação for inferior a presumida.

2. A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NO ICMS

A substituição tributária em matéria de ICM/ICMS já estava

prevista desde 1983, com a Lei Complementar nº 43/1983.

Entretanto, começou a ser objeto de maiores discussões após

o advento da Emenda Constitucional nº 3/1993, a qual acres-

centou o §7º ao artigo 150 da Constituição Federal de 1988:

Art. 150. (...) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de

obrigação tributária a condição de responsável pelo paga-

mento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva

ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferen-

cial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato

gerador presumido.

A substituição é uma das modalidades de responsabilidade

tributária. O substituto, apesar de não ter realizado o fato

jurídico tributário, é posto na posição de verdadeiro sujei-

to passivo da obrigação tributária, sendo responsável pelo

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adimplemento do débito tributário e pelo cumprimento das

obrigações acessórias. Não se pode olvidar que o substi-

tuto deve estar de algum modo vinculado ao fato jurídico

tributário, a fim de que ele possa ressarcir-se de algum meio

junto ao substituído.1

Na substituição tributária para frente parte-se do pressu-

posto que o fato jurídico tributário ocorrerá nos moldes des-

critos na hipótese tributária no futuro. Tributa-se fato que

ainda não aconteceu (e que poderá nunca vir a acontecer),

utilizando-se uma base de cálculo presumida.

Hugo de Brito Machado entende, entretanto, que a verda-

deira substituição tributária ocorre tão somente quando a

atribuição de responsabilidade corresponda a operações

antecedentes ou concomitantes. No caso da denominada

substituição tributária para frente, o fato jurídico tributário

não acontece em momento anterior ao pagamento pelo

substituto, mas em momento posterior, a quantia paga pelo

substituto seria uma simples antecipação do imposto.2

A substituição tributária para frente foi disciplinada pela Lei

Complementar nº 87/1996, em seus artigos 5º, 6º, 7º e 8.

Dispositivos, aliás, que contêm vários comandos de consti-

tucionalidade duvidosa, conforme veremos adiante.

Não obstante as diversas inconstitucionalidades apontadas

pela doutrina em relação ao regime de substituição tributária

progressiva, as autoridades fazendárias o utilizam largamente,

sob o argumento da “comodidade do controle nas operações

realizadas” em conjunto com a “garantia da arrecadação”.3

Insta salientar que nos casos de o fato jurídico tributário

presumido não vir a acontecer, deve ser assegurada a ime-

diata e preferencial restituição da quantia paga, nos exatos

termos do dispositivo constitucional.

E quando o fato jurídico tributário acontecer, todavia, com

o valor da operação diferente daquele previsto na base de

cálculo presumida? Essa situação demandará uma análise

mais aprofundada à luz da recente decisão do Supremo Tri-

bunal Federal sobre o assunto.

3. AS POSIÇÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ACERCA DO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

PROGRESSIVA EM MATÉRIA DE ICMS

Com o intuito de evitar maiores delongas desnecessárias,

restringiremos a nossa análise às decisões mais notórias

do Supremo Tribunal Federal acerca da substituição tribu-

tária progressiva em matéria de ICMS, haja vista se tratar de

conteúdo eminentemente constitucional e, por conseguin-

te, ser a Suprema Corte a dar a decisão final sobre o tema.

3.1. O julgamento do RE 213.396-5/SP

Em um primeiro momento, no julgamento ocorrido em 03 de

agosto de 1999 do RE 213.396-5/SP, de relatoria do Ministro

Ilmar Galvão, o plenário do Pretório Excelso reconheceu, por

maioria de votos (vencidos os Ministros Carlos Velloso, Mar-

co Aurélio e Sepúlveda Pertence), a legitimidade do regime

de substituição tributária para frente do ICMS. Conquanto

o julgamento tenha ocorrido no ano de 1999, insta ressaltar

que a ação foi ajuizada em janeiro de 1992. Portanto, não

se analisou a constitucionalidade do regime com base na

Emenda Constitucional nº 3 de 1993, a qual acrescentou o

i. Sobre estas categorias, vide NA-DER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, p. 135

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parágrafo 7º ao artigo 150 da Constituição Federal.

Desde aquela época o principal argumento utilizado por

aqueles que defendiam a ilegitimidade do regime de substi-

tuição tributária para frente no ICMS é que não se pode exigir

tributo sobre fato jurídico tributário que ainda não ocorreu.

Neste sentido, aduz Roque Antonio Carrazza:

Ora, a Constituição veda a tributação baseada em fatos

de provável ocorrência. Para que o mecanismo da substi-

tuição tributária venha adequadamente utilizado é preciso

que se estribe em fatos concretamente ocorridos; nunca

em fatos futuros, de ocorrência incerta. Esta é uma barreira

constitucional inafastável, pois integra o conjunto de direi-

tos e garantias que a Lei Maior confere ao contribuinte. É

ela que – sistematicamente – não admite que haja a chama-

da substituição tributária “para frente”.4

Expressiva parcela dos doutrinadores tributários brasilei-

ros, destacando-se aqui Geraldo Ataliba e Aires Fernandino

Barreto, entendem que “se o fato tributável ainda não suce-

deu, a exigência do tributo, sob fundamento de mera pro-

babilidade de seu acontecimento, importa em violação da

Constituição”5, desrespeitando, mormente, os princípios da

segurança jurídica, tipicidade tributária, capacidade contri-

butiva e, particularmente em relação ao ICMS, o princípio

da não-cumulatividade. Discorreremos brevemente sobre

as alegadas ofensas a cada um desses princípios.

Segundo Roque Antonio Carrazza, “a absurda figura da res-

ponsabilidade tributária por fato futuro” afronta o princípio

da segurança jurídica, em sua dupla manifestação: certeza

do direito e proibição do arbítrio. “Este princípio, aplicado

ao direito tributário, exige que o tributo só nasça após a

ocorrência real (efetiva) do fato imponível”.6

Seguindo essa linha de raciocínio, o mesmo autor entende

que o princípio da tipicidade tributária corrobora, de for-

ma determinante, para a segurança jurídica do contribuin-

te. Conforme seu escólio, o princípio da tipicidade impõe

que a exigência do tributo só será válida quando realizada

no mundo fenomênico o pressuposto de fato previsto em

lei. Caso não realizado o fato jurídico tributário, cumprindo

integralmente os elementos do suposto fato legal, o lança-

mento e a arrecadação do tributo não serão válidos7. Como

a substituição tributária para frente tributa fato que ainda

não aconteceu, de acordo com este entendimento, haveria

violação ao princípio da tipicidade tributária.

Por outro lado, haveria violação ao princípio da capacidade

contributiva, “por importar oneração de patrimônio daquele

que é o destinatário legal tributário na medida de fato de

outrem e não na medida revelada pelo fato tributário a seu

cargo”8. Isto é, o substituto suporta carga tributária levan-

do-se em consideração fato-signo presuntivo de riqueza do

substituído. O substituto é responsabilizado pelo pagamen-

to de tributo originado de operação mercantil a ser realizada

por outrem, não sendo aferida, portanto, a sua capacidade

contributiva, mas a do substituído.

Por fim, o regime da substituição tributária progressiva tam-

bém apresentaria ofensa ao princípio da não-cumulatividade.

Nos termos do artigo 155, §2º, inciso I da Constituição Fede-

ral, o ICMS: “será não-cumulativo, compensando-se o que

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for devido em cada operação relativa à circulação de mer-

cadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado

nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito

Federal”. Assim, a compensação em cada operação do valor

das incidências tributárias anteriores visa evitar a chamada

tributação em cascata, fazendo com que a tributação inci-

dente sobre o produto final corresponda à soma das incidên-

cias ocorridas ao longo de todo o ciclo circulatório.9

Todavia, no caso do regime de substituição tributária para

frente, o ICMS tornar-se-ia cumulativo, pois, nas palavras

de Ives Gandra da Silva Martins, “não havendo na legisla-

ção norma autorizando o industrial a creditar-se pelo tributo

recolhido antecipadamente em relação ao insumo, tributará

a mercadoria por ele produzida – diferente da que deu cau-

sa ao regime da antecipação –, de maneira plena.”10

Muito embora a pertinência dos argumentos difundidos

pela doutrina majoritária acerca da inconstitucionalidade

do regime de substituição tributária progressiva, o Minis-

tro Ilmar Galvão (relator), em seu voto no julgamento do

RE 213.396-5/SP, refutou cada uma das ofensas supra-

mencionadas (exceto a ofensa ao princípio da segurança

jurídica).

Em primeiro lugar, o Ministro aduziu que não haveria que se

falar em violação ao princípio da capacidade contributiva,

pois o ICMS se trata de imposto indireto, no qual, apesar de

o contribuinte de direito ser o obrigado por lei a pagar o tri-

buto, é o consumidor ou adquirente o contribuinte de fato,

que realmente irá suportar a carga tributária. Desse modo,

segundo ele, é a capacidade contributiva do consumidor

que deve ser considerada.

Em segundo lugar, fundamentou ser descabida a alegação

de ofensa ao princípio da não-cumulatividade, pois, no pre-

ço do produto transmitido do industrial ao varejista em caso

de substituição tributária para frente, não se embute mais

do que se embutiria na hipótese de operações regulares,

não sujeitas ao regime de substituição, bem como inexis-

tiria “risco de que o imposto exigido do consumidor final

venha a ser superior ao montante decorrente da aplicação

da alíquota máxima do tributo”.11

Em terceiro lugar, arguiu que os princípios da legalida-

de e da tipicidade foram devidamente cumpridos, haja

vista o regime ter sido instituído por lei, no caso lei do

Estado de São Paulo, com observância dos dispositivos

constitucionais e da lei complementar que regulamentou

a substituição tributária.

Por fim, além de contrapor as alegadas ofensas aos prin-

cípios citados anteriormente, o relator afirmou que seria

impossível a ocorrência de confisco em regime de substi-

tuição tributária para frente no ICMS, vez que o substituto

se reembolsaria do imposto pago quando do recebimento

do preço pelo substituído, o qual, por sua vez, também se

reembolsaria ao receber o preço final do consumidor.

Motivando-se na doutrina do Professor Marco Aurélio Gre-

co, o Ministro Ilmar Galvão afirmou que para se reconhe-

cer a legitimidade do regime da substituição tributária para

frente deveriam estar presentes três requisitos: a necessi-

dade, a adequação e a proporcionalidade.

Acerca destes requisitos, destacamos a lição de Marco Au-

rélio Greco citada no voto do relator:

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O primeiro consiste em verificar se aquele evento que foi

considerado como fase preliminar para fins de antecipação

atende ao requisito da necessidade em relação ao evento

final (fato “gerador”); a fase preliminar será necessária se,

inexistindo esta, não existirá o fato “gerador”. (...)

O segundo consiste na verificação de adequação acima

mencionada e por ele caberá verificar se aquele evento que

se reputa preliminar já apresenta elementos que permitam

prever com certo grau de certeza o evento final (o fato “ge-

rador”). (...)

O terceiro é o conceito de proporcionalidade ou proibição

do excesso, segundo o qual a dimensão pecuniária impos-

ta no momento da antecipação deve ser proporcional à di-

mensão final que resultaria da ocorrência do fato tributável.

(...) E a proibição do excesso corresponde à cláusula explí-

cita da devolução do valor recebido a maior.12

Tratando-se a situação julgada (RE 213.396-5/SP) de exi-

gência antecipada do ICMS, incidente sobre automóveis

distribuídos à concessionária e relativo à operação subse-

quente de venda do bem ao consumidor final, do fabrican-

te, na qualidade de substituto tributário, o Ministro relator

discorreu que o regime de substituição tributária para frente

preencheu os três requisitos: 1) necessidade: a venda do

automóvel a concessionária constitui verdadeira etapa pre-

liminar do fato tributável (a venda do automóvel ao consu-

midor final); 2) adequação: é possível prever, com razoável

margem de segurança, a posterior alienação do automóvel

ao consumidor final pela concessionária; 3) proporcionali-

dade: o preço a ser exigido na operação final é previsível,

pois objeto de tabela fornecida pelo fabricante.

Nesse sentido, a Suprema Corte, através do julgamento do

RE 213.396-5/SP, reconheceu a legitimidade do regime de

substituição tributária progressiva em matéria de ICMS, a

qual foi ratificada em 12 de setembro do ano de 2000, por

ocasião do julgamento do RE 269.572-6/MG, de relatoria

do Ministro Marco Aurélio.

3.2. O julgamento da Adi 1.851-4/AL

Em um segundo momento, o Pretório Excelso enfrentou a

questão da possibilidade ou não de restituição da diferença

do ICMS, cobrado através do regime de substituição tribu-

tária para frente, quando a operação subsequente se reali-

zar com valor inferior ao anteriormente presumido.

O debate foi suscitado em sede de Ação Direta de Inconsti-

tucionalidade nº 1.851-4/AL, na qual novamente o Ministro

Ilmar Galvão foi relator, com o fim precípuo de se reconhe-

cer a inconstitucionalidade da cláusula segunda do Convê-

nio ICMS 13/1997, que possuía a seguinte redação:

Cláusula segunda – Não caberá a restituição ou cobrança

complementar do ICMS quando a operação ou prestação

subsequente à cobrança do imposto, sob a modalidade da

substituição tributária, se realizar com valor inferior ou su-

perior àquele estabelecido com base no artigo 8º da Lei

Complementar 87, de 13 de setembro de 1996.

A princípio, o plenário do Supremo Federal, em manifes-

tação realizada no dia 03 de setembro de 1998, concedeu

medida liminar para suspender a vigência da cláusula supra-

citada. Nesta ocasião, argumentou o relator que o Confaz

teria desnaturado por completo o sentido da norma prevista

no §7º do artigo 150 da Constituição Federal ao se admitir

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a restituição do imposto pago tão somente na hipótese de

inocorrência da operação subsequente ou quando realizada

sob o regime de isenção, dispensando-a nas hipóteses de

operações posteriores por valor abaixo ou acima da base

de cálculo presumida.

Tal manifestação foi bastante elogiada por grande parte da

doutrina, a qual já difundia a necessidade de restituição do

valor pago a título de ICMS quando se verificar que a base de

cálculo presumida teria sido superior à base de cálculo real.

Em consonância com essa tese, impende citarmos as pala-

vras de Hugo de Brito Machado:

A operação de venda posterior, praticada pelo contribuinte

substituído, é que concretiza o fato gerador do imposto,

e tem uma expressão econômica real. Tem-se, então, de

considerar a diferença entre a dimensão econômica do fato

gerador previsto, e a dimensão econômica do fato gera-

dor realizado. E como o imposto somente é efetivamente

devido sobre o fato gerador realizado, é a grandeza ou ex-

pressão econômica deste que há de prevalecer. Em outras

palavras, o imposto há de ser a final calculado tendo-se em

vista a alíquota e a base de cálculo a estas concernentes.

Admitir-se que a base de cálculo do ICMS para fins de pa-

gamento antecipado pelo substituto seja definitiva, é admi-

tir o estabelecimento de pauta, procedimento que, embora

ainda largamente praticado pelos Estados, já há muito foi

repelido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.13

No tocante às pautas fiscais, ou seja, planilhas de preços de

mercadorias e serviços elaboradas pelo fisco, destacam-se

as decisões proferidas no RE 78.577/SP, de relatoria do Mi-

nistro Cordeiro Guerra, e no RE 92.679, de relatoria do Mi-

nistro Leitão de Abreu, as quais rechaçaram a sua utilização

para aferir a base de cálculo do ICMS, exceto nos casos

em que, em processo regular, não ficar demonstrado o valor

real da operação que decorrer da saída da mercadoria.

Segundo Aires Fernandino Barreto, caso se mantenha a base

de cálculo presumida em detrimento do valor real da opera-

ção, importaria em graves agressões à Constituição, mor-

mente porque desnaturaria o vínculo entre base de cálculo e

critério material do imposto, haja vista que o valor da base de

cálculo não corresponderia ao valor da operação mercantil.

“O valor presumido não é fruto da operação mercantil, mas,

do arbitramento (melhor seria, do arbítrio), do Fisco”.14

Nesse esteio, de acordo com a doutrina, a restituição ime-

diata e integral, na dicção do §7º do artigo 150 da Consti-

tuição Federal, do valor antecipadamente recolhido a mais

com suporte em base de cálculo superior a real “é impera-

tivo jurídico, econômico e moral, e, ainda, é a única solução

que revela coerência orgânica ao sistema de tributação.”15

Todavia, conquanto a posição da vasta doutrina sobre tema

e a concessão de liminar para suspender a vigência da cláu-

sula do referido Convênio, o plenário do Supremo Tribunal

Federal decidiu, no dia 08 de maio de 2002, por maioria de

votos, vencidos os Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e

Marco Aurélio, por declarar a constitucionalidade da cláusula

segunda do Convênio ICMS nº 13, de 21 de março de 1997.

Antes de perquirirmos os motivos dessa decisão, ressaltamos

que os critérios para a aferição da base de cálculo presumida

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estão previstos na Lei Complementar nº 87/1996, mais espe-

cificamente no seu artigo 8º, inciso II e §§ 2º, 3º e 4º.

Consoante o relator, Ministro Ilmar Galvão, apesar de o fato

gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo serem ob-

jeto de presunção, eles não possuem caráter de proviso-

riedade, devendo ser considerados definitivos, exceto no

caso de o fato gerador presumido não se realizar. Desse

modo, não haveria que se falar em imposto pago a maior ou

a menor, em virtude do preço pago pelo consumidor final do

produto ou serviço.

Outrossim, acrescenta o relator, que, caso se admitisse o con-

trário, inviabilizaria o próprio instituto da substituição tributária

para frente do ICMS, haja vista que eliminaria a praticidade de

não precisar fiscalizar um sem-número de contribuintes.

Por outro lado, não se pode olvidar do voto vencido do Mi-

nistro Marco Aurélio, no qual preconizou que a não restitui-

ção da diferença do ICMS para o contribuinte se revelaria

como verdadeiro enriquecimento sem causa por parte do

Estado. Ademais, acrescentou o Ministro que, não obstan-

te o dever de restituição não estar expresso no §7º do ar-

tigo da Constituição Federal para os casos de diferenças

da base de cálculo presumida com a real, não se pode dar

interpretação literal, gramatical, verbal do dispositivo cons-

titucional, o qual é voltado para a proteção do contribuinte.

Diante desse julgamento, cabe fazermos uma ressalva: “o STF

reconheceu que a Constituição não obriga os Estados à resti-

tuição, mas evidentemente não afirmou existir na Constituição

qualquer vedação a que essa devolução aconteça.”16 Isto é,

não se estabeleceu que a não-restituição seria obrigatória.

3.3. O julgamento do RE 593.849/MG

Em um terceiro e mais recente momento, a Suprema Cor-

te novamente voltou a debater a mesma questão quanto à

possibilidade ou não da restituição da diferença do ICMS.

Trata-se do julgamento do RE 593.849/MG, de relatoria do

Ministro Edson Fachin, ocorrido em 19 de outubro de 2016,

no qual ficou decidido pelo plenário, por maioria de votos,

vencidos os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli e Gilmar

Mendes, em revogar parcialmente o precedente firmado na

ADI 1.851 e declarar devida a restituição do ICMS, pago a

mais por força de antecipação pelo regime da substituição

tributária progressiva, caso a base de cálculo real da opera-

ção tiver sido inferior a presumida.

Pertinente, para perscrutarmos com maior afinco, a citação

da ementa do acórdão deste histórico recurso extraordinário:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.

DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE

MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRI-

BUTÁRIA PROGRESSIVA OU PARA FRENTE. CLÁUSULA DE

RESTITUIÇÃO DO EXCESSO. BASE DE CÁLCULO PRESU-

MIDA. BASE DE CÁLCULO REAL. RESTITUIÇÃO DA DIFE-

RENÇA. ART. 150, §7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

REVOGAÇÃO PARCIAL DE PRECEDENTE. ADI 1.851.

1. Fixação de tese jurídica ao Tema 201 da sistemática da

repercussão geral: “É devida a restituição da diferença

do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Servi-

ços – ICMS pago a mais no regime de substituição tri-

butária para frente se a base de cálculo efetiva da ope-

ração for inferior à presumida”.

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// A inviabilidade da manutenção da substituição tributária progressiva no ICMS após a decisão do STF no re 593.849/MG // Carlos Eduardo Pereira Dutra e Erick Willian Pertussatto

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// Revista da Faculdade de Direito // edição 5 // número 5 // 1º semestre de 2018

2. A garantia do direito à restituição do excesso não invia-

biliza a substituição tributária progressiva, à luz da manu-

tenção das vantagens pragmáticas hauridas do sistema de

cobrança de impostos e contribuições.

3. O princípio da praticidade tributária não prepondera na

hipótese de violação de direitos e garantias dos contribuin-

tes, notadamente os princípios da igualdade, capacidade

contributiva e vedação ao confisco, bem como a arquitetu-

ra de neutralidade fiscal do ICMS.

4. O modo de raciocinar “tipificante” na seara tributária não

deve ser alheio à narrativa extraída da realidade do proces-

so econômico, de maneira a transformar uma ficção jurídi-

ca em uma presunção absoluta.

5. De acordo com o art. 150, §7º, in fine, da Constituição da

República, a cláusula de restituição do excesso e respecti-

vo direito à restituição se aplicam a todos os casos em que

o fato gerador presumido não se concretize empiricamente

da forma como antecipadamente tributado.

6. Altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI

1.851, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, de modo que

os efeitos jurídicos desse novo entendimento orientam

apenas os litígios judiciais futuros e os pendentes submeti-

dos à sistemática da repercussão geral.

7. Declaração incidental de inconstitucionalidade dos artigos

22, §10, da Lei 6.763/1975, e 21 do Decreto 43.080/2002,

ambos do Estado de Minas Gerais, e fixação de interpreta-

ção conforme à Constituição em relação aos arts. 22, §11,

do referido diploma legal, e 22 do decreto indigitado.

8. Recurso extraordinário a que se dá provimento.

Consoante o relator, Ministro Edson Fachin, não se deve

interpretar restritivamente o artigo 150, §7º da Constituição

Federal, impossibilitando a restituição da diferença do ICMS

pago a mais em virtude do regime de substituição tributária

para frente, quando a base de cálculo presumida for superior

a real, tão somente porque não há a expressa previsão de

restituição neste caso. A restituição do excesso buscaria evi-

tar o enriquecimento sem causa do fisco e a injustiça fiscal,

inaceitável em um Estado Democrático de Direito.

Já o Ministro Luís Roberto Barroso fundamenta em seu voto

que se tributar a maior, quando é perfeitamente possível se

utilizar a base de cálculo do valor real da operação, violaria

o princípio da capacidade contributiva. Outrossim, segundo

o mesmo Ministro, haveria violação ao princípio da razoa-

bilidade, vez que não haveria congruência entre a realidade

material e a previsão normativa.

Salienta-se, também, o voto do Ministro Marco Aurélio, o

qual sempre se posicionou a favor da restituição (inclusive

no julgamento da ADI 1.851, na qual foi voto vencido). Se-

gundo ele, a base de cálculo presumida seria uma estima-

tiva e não uma base de cálculo definitiva. Não se poderia

dissociar o recolhimento do tributo da relação jurídica que

o norteou. Além disso, frisou que a base de cálculo pre-

sumida é unilateralmente fixada pelo fisco, a qual, por tal

motivo, muitas vezes, apresenta-se como valor superior

ao real, havendo prejuízo aos contribuintes, caso não se

possibilitasse a restituição.

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// A inviabilidade da manutenção da substituição tributária progressiva no ICMS após a decisão do STF no re 593.849/MG // Carlos Eduardo Pereira Dutra e Erick Willian Pertussatto

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Por outro lado, os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli e

Gilmar Mendes, votos vencidos, utilizam-se da mesma li-

nha de raciocínio prevalecente no julgamento da ADI 1.851

para motivar as suas dissonâncias, segundo a qual o dever

de restituição do excesso do ICMS inviabilizaria o próprio

instituto da substituição tributária para frente, haja a vista o

grande número de contribuintes a serem fiscalizados.

Por fim, não se pode olvidar que foram modulados os efei-

tos desta decisão para orientar todos os litígios judiciais

pendentes submetidos à repercussão geral e os casos fu-

turos oriundos da antecipação de pagamento do ICMS de

fatos jurídicos tributários presumidos realizados após aque-

le julgamento.

Cabe, agora, perquirirmos os consideráveis efeitos desta

histórica decisão da Suprema Corte, os quais serão objeto

do próximo tópico.

4. OS EFEITOS DA DECISÃO DO RE 593.849/MG PELO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Consoante ao já exposto, a decisão do RE 593.849/MG al-

terou o precedente firmado na ADI 1.851, o qual orientava a

jurisprudência pátria por mais de 14 (quatorze) anos.

Enquanto que no julgamento da ADI 1.851 entendeu-se que

o fato gerador presumido, no caso da substituição tributá-

ria progressiva, não era provisório, mas sim definitivo, não

dando ensejo à restituição ou complementação do imposto

pago, bem como se entendeu que admitir o contrário obs-

taculizaria as vantagens do instituto de reduzir a máquina-

-fiscal e a evasão fiscal a dimensões mínimas; no julgamen-

to do RE 593.849/MG entendeu-se que a base de cálculo

presumida seria uma mera estimativa, não sendo, portanto,

definitiva, dando ensejo à restituição (e complementação?)

referente às diferenças entre a base de cálculo presumida e

a real, bem como se entendeu que tal restituição não invia-

bilizaria a substituição tributária progressiva.

O direito de restituição dos contribuintes do valor pago a

maior, através da antecipação do pagamento do ICMS pelo

regime de substituição tributária para frente, quando a base

de cálculo presumida tiver sido maior do que a real foi um

dos grandes anseios, em matéria de ICMS, defendidos pela

doutrina majoritária.

Entretanto, a tão almejada e consagrada decisão do Supre-

mo Tribunal Federal que privilegiou esse direito dos contri-

buintes acarretará diversos outros efeitos práticos.

Em primeiro lugar, tendo em vista que o ICMS é o imposto que

mais gera arrecadações aos cofres públicos, é notório que os

Estados deixarão de arrecadar, ou melhor, terão que restituir

uma imensa quantia aos contribuintes, fato que poderá preju-

dicar ainda mais as graves situações econômicas que muitas

das Unidades da Federação estão enfrentando atualmente.

Contudo, será objeto deste trabalho a análise de outros três

efeitos não tão evidentes: 1) como se dará essa restituição

aos contribuintes? 2) haverá a possibilidade dos Estados

cobrarem a complementação do imposto pago quando a

base de cálculo presumida for menor do que a real? 3) ain-

da existem motivos para se manter o regime de substituição

tributária progressiva?

Os subtópicos a seguir serão dedicados a responder estas

questões.

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4.1. A forma como deve se dar a restituição aos contri-

buintes

Antes de tentarmos responder a essa primeira questão,

impende ressaltar que já há uma previsão legal quanto à

restituição do ICMS pago através do regime de substitui-

ção tributária para frente. Todavia, trata-se da hipótese em

que o fato jurídico tributário presumido não se realizou. Esta

forma de restituição vem disciplinada pelo artigo 10 da Lei

Complementar nº 87/1996, in verbis:

Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à

restituição do valor do imposto pago por força da substitui-

ção tributária, correspondente ao fato gerador presumido

que não se realizar.

§ 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deli-

beração no prazo de noventa dias, o contribuinte substituí-

do poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto

do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos

critérios aplicáveis ao tributo.

§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão

contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo

de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao es-

torno dos créditos lançados, também devidamente atuali-

zados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.

Por outro lado, o artigo 150, §7º da Constituição Federal

assegura “a imediata e preferencial restituição da quantia

paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Segundo Roque Antonio Carrazza, contrariando o que está

previsto no diploma maior, “o art. 10 da Lei Complementar

87/1996 absolutamente não garante a ‘restituição’, mas ape-

nas o direito de lançar na escrita fiscal do contribuinte os cré-

ditos correspondentes ao ICMS recolhido a maior.” Para que

haja a efetiva restituição, ela deveria se dar em dinheiro, in-

dependentemente do preenchimento de outros requisitos.17

Outrossim, “é possível que esta sistemática sequer atenda

aos seus interesses, no caso de não ter condição de, efe-

tivamente, aproveitar o referido crédito (compensação na

escrita ou transferência a terceiros).”18 Como exemplo, po-

demos citar as empresas exportadoras, as quais não terão

como utilizar estes créditos, pois não pagam ICMS.

Não há dúvidas que a possibilidade de se creditar na escrita

fiscal, com o prazo de noventa dias para o Estado deliberar,

nos termos do supracitado dispositivo legal, não atende à exi-

gência constitucional de imediata e preferencial restituição.

A imediata e preferencial restituição prevista no texto cons-

titucional não significa uma devolução automática, sem

quaisquer obstáculos, mas, tão somente, uma devolução

em prazo razoável, observadas cautelas mínimas para que

o fisco possa averiguar a veracidade dos fatos informados

pelos contribuintes.19

Nesse sentido, conquanto exista previsão no artigo 10 da

Lei Complementar nº 87/1996, no caso de o contribuinte

pedir a restituição das diferenças pagas a maior, através

da antecipação do ICMS pelo regime de substituição tribu-

tária progressiva, referentes à base de cálculo presumida

que se realizou em um valor menor, a restituição deverá ser

imediata e preferencial, isto é, a restituição deverá ocorrer

em dinheiro e em um prazo razoável, respeitando-se, dessa

forma, o disposto na nossa lei maior.

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4.2. A possibilidade de cobrança pelo estado da comple-

mentação do icms pago a menor

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu

o direito dos contribuintes em pedir a restituição do ICMS,

pago em regime de substituição tributária para frente, quan-

do a base de cálculo presumida for maior do que a base de

cálculo real. Entretanto, e quando a base de cálculo real for

maior que a presumida, haveria a possibilidade do fisco em

cobrar a complementação do ICMS pago a menor?

Não obstante essa questão não ter sido objeto de decisão

do Pretório Excelso, ela foi suscitada durante os votos de

alguns dos Ministros e todos aqueles que entraram nesse

mérito chegaram a uma única conclusão: sim, é possível o

fisco cobrar a complementação do ICMS pago a menor.20

De igual forma, entendemos que a conclusão não pode ser

outra.

Conforme muito bem esclarecido pelo Ministro Teori Zavas-

cki21, o cerne da discussão é se o vocábulo “presumido”,

que a Constituição traz em seu artigo 150, §7º, é provisório

ou definitivo, isto é, se o fato gerador presumido e a sua

base de cálculo são meras estimativas, dependendo da

base de cálculo real para sua aferição, ou se o fato gerador

presumido e a sua base de cálculo são definitivos, sendo,

portanto, irrelevante a base de cálculo real da operação.

Ficou decidido (na nossa opinião, acertadamente) que a

base de cálculo presumida não é definitiva, mas sim provi-

sória, uma estimativa, a qual dependerá da futura realização

do fato jurídico tributário para se aferir o valor real da ope-

ração. E somente esta pode ser a base de cálculo do ICMS:

o valor real da operação. Qualquer outra base de cálculo

diferente não se coadunaria com o texto constitucional e,

desse modo, não poderia ser admitida.

Nas palavras de Aires Fernandino Barreto: “não se trata de

ser devido o tributo, pela simples realização do fato que se

presumiu. Definitivamente, não. Trata-se, isto sim, de ser devi-

do tributo, nos estritos termos em que ocorreu. Não em con-

dições diversas da sua concreta ocorrência. Não em valores

diferentes dos realmente praticados na operação mercantil.”22

Neste mesmo sentido, Humberto Ávila aduz que “a CF/88

não permite um abandono total do fato gerador subsequen-

te, como se poderia apressadamente pensar”, sopesando

que “embora seja escolhido um novo fato gerador (saída

da mercadoria na fase inicial do ciclo econômico), o ponto

de referência para o dimensionamento da obrigação tribu-

tária com substituição continua sendo o fato gerador que

presumidamente vai ocorrer em fase subsequente do ciclo

econômico.”23

Caso se admitisse uma base de cálculo diferente do valor

real da operação, não haveria correspondência entre o cri-

tério material da regra-matriz de incidência do ICMS, neste

caso realizar operações mercantis, e a base de cálculo, o

que, além de descaracterizar a natureza do tributo, seria

veementemente inconstitucional.

Logo, é a base de cálculo real referente ao fato jurídico tri-

butário posteriormente realizado que deve ser considerada

tanto para fins de restituição ao contribuinte quanto para

fins de cobrança pelo fisco.

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Um dos argumentos mais fortes utilizados pelos Ministros

da Suprema Corte para assegurar o direito dos contribuin-

tes à restituição foi a vedação do enriquecimento sem cau-

sa por parte do fisco. Ora, esta vedação deve ser aplicada

tanto para o fisco como para os contribuintes.

Nessa toada, Roque Antonio Carrazza pontua que “a Fa-

zenda Estadual, de sua parte, tem o dever jurídico de arre-

cadar exatamente o que lhe é devido a título deste imposto.

Nem mais, nem menos.”24

Desse modo, não só seria possível a cobrança pelo fisco es-

tadual da complementação do ICMS pago a menor, como

seria um dever seu realizar tal cobrança, haja vista que esta-

mos diante de um interesse público de arrecadar exatamente

o que é devido com tributos para os cofres públicos.

Conquanto exista essa possibilidade/dever dos Esta-

dos na cobrança da complementação do ICMS quando

a base de cálculo presumida tiver sido menor do que o

valor real da operação, não se pode olvidar que se trata

de hipóteses excepcionais.

De acordo com a ressalva feita pelo Ministro Marco Auré-

lio em seu voto na decisão em comento, é o próprio órgão

fazendário unilateralmente que estima o valor da base de

cálculo presumida. Nesse esteio, não é crível que haja a es-

timativa de um valor menor do que o usualmente praticado

no mercado. Muito pelo contrário, a tendência é estimarem

valores consideravelmente maiores.25

Ademais, caso os Estados comumente estimassem valores

menores aos reais, eles não teriam defendido a tese pela

permanência do entendimento de que o fato gerador pre-

sumido era definitivo, não dando ensejo à possibilidade de

restituição ou complementação.

Não obstante tais fatos, caso se verificar que a base de

cálculo presumida tiver sido menor que o valor real da ope-

ração, no regime de substituição tributária progressiva,

indubitavelmente há a possibilidade/dever das Fazendas

Públicas Estaduais em cobrar a complementação do ICMS

pago a menor.

4.3. A ausência de motivos para a continuidade do regime

de substituição tributária progressiva no ICMS

Por fim e talvez o mais importante dos efeitos de ordem

prática da recente decisão do Supremo Tribunal Federal so-

bre a substituição tributária para frente, perscrutaremos os

motivos de existência de tal regime de tributação e se eles

ainda subsistem.

Preliminarmente, precisamos examinar quais seriam as jus-

tificativas para a existência deste regime tão questionável.

Tais justificativas podem ser sintetizadas nas palavras do

Ministro Ilmar Galvão, proferidas por ocasião do julgamento

da ADI 1.851, senão vejamos:

(...) visa o instituto evitar, como já acentuado, a necessidade

de fiscalização de um sem-número de contribuintes, centra-

lizando a máquina-fiscal do Estado num universo considera-

velmente menor, e com acentuada redução do custo opera-

cional e conseqüente diminuição da evasão fiscal. Em suma,

propicia ele maior comodidade, economia, eficiência e ce-

leridade na atividade estatal ligada à imposição tributária.26

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Insta salientar que um dos fundamentos utilizados para ne-

gar o direito à restituição pelos contribuintes em sede da

ADI 1.851 foi que a restituição inviabilizaria o instituto da

substituição tributária progressiva, pois implicaria no retor-

no ao regime de apuração mensal do ICMS e no abandono

de um instrumento capaz de viabilizar a tributação de seto-

res de difícil fiscalização e arrecadação.

Conquanto entendermos que esse fundamento não é capaz

de negar o direito à restituição dos contribuintes, concorda-

mos plenamente que esta restituição irá inviabilizar a con-

tinuidade do regime da substituição tributária para frente.

A substituição tributária progressiva tem como foco cen-

tralizar a fiscalização em uma pessoa jurídica só, ao invés

de fiscalizar uma cadeia bastante extensa de contribuintes.

Agora, com a existência do direito de restituição dos contri-

buintes e do dever de cobrança da complementação pelo

fisco quando a base de cálculo presumida divergir do valor

real da operação, não há mais a possibilidade de se fis-

calizar um único contribuinte. Sempre será necessária a

fiscalização de todos os contribuintes da cadeia, a fim de

evitar restituições indevidas ou cobranças de impostos em

valores menores ao devido.

Note-se que somente não haveria direito à restituição ou

dever de cobrança quando a base de cálculo presumida

correspondesse exatamente ao valor real da operação, tra-

tando-se, claramente, de hipóteses raríssimas.

Segundo Eduardo Maneira, a substituição tributária tem um

único objetivo: atender à praticidade tributária. E, assim,

continua o autor:

O princípio da praticidade tem por finalidade tornar o direi-

to exeqüível, isto é, aproximar a norma jurídica da realidade

que pretende regular. Em termos de tributação, a praticida-

de manifesta-se em técnicas de fiscalização e arrecadação

que, amparadas em presunções, tornam possível a tributa-

ção em massa de modo célere e menos oneroso. De nada

adiantaria instituir-se um tributo por uma lei cuja obediência

por parte do contribuinte e cuja fiscalização por parte da

Fazenda fosse impraticável no mundo real.

(...)

Em vez de se fiscalizarem milhares pontos de venda de

cigarro, fiscalizam-se duas ou três indústrias tabagistas;

em vez de se fiscalizarem milhares de pontos de bebida,

fiscalizam-se cinco ou seis fábricas de cerveja; em vez de

se exigir de milhares de produtores rurais a emissão de

nota fiscal e o recolhimento do ICMS pela venda do leite,

exigem-se tais obrigações dos poucos laticínios existentes,

e assim por diante.

Por outro lado, João Luiz Coelho da Rocha aduz que as jus-

tificativas para a criação da substituição tributária para frente

foram o exercício de uma boa fiscalização do ICMS e o ob-

jetivo de redução de atos sonegatórios. Contudo, ressalta:

“tal sistema não pode ferir, atingir, amesquinhar os princípios

tributários basilares à nossa ordem constitucional.”28

Foram por estes motivos, mesmo que contrariando esse

princípio da praticidade tributária, que se privilegiou o direi-

to dos contribuintes à restituição do valor pago a maior. O

direito de ser tributado a partir de uma base de cálculo que

corresponda à realidade do fato jurídico tributário realizado

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é muito mais relevante do que a praticidade tributária, haja

vista que estamos diante de uma garantia de limitação ao

poder de tributar constitucional.

Contudo, apesar de a decisão do Supremo Tribunal Federal

corretamente assegurar esse direito de restituição aos con-

tribuintes, isso afetará a própria viabilidade do instituto da

substituição tributária progressiva.

Não se pode olvidar que esta inviabilidade foi devidamen-

te percebida pelo Ministro Teori Zavascki, voto vencido no

julgamento da decisão em discussão, de acordo com o ex-

certo abaixo:

A base de cálculo, nessa forma de substituição tributária, já

não será “o valor da prestação ou da operação” (art. 8º, I,

da LC 87/1996), como ocorre em operações ou prestações

concomitantes ou antecedentes. Será, sim, o valor a ser

fixado segundo os critérios estabelecidos no inciso II do

art. 8º da LC 87/1996. E o será, portanto, definitivamen-

te, como decidiu o STF na ADI 1851. Se provisório fosse,

ele exigiria a indispensabilidade da verificação de todas as

operações individualmente, seja para retribuir o que fos-

se pago a mais, seja para permitir ao fisco exigir diferen-

ças por recolhimento menor. Em outras palavras, negando

qualquer consequência prática ao instituto da substituição

tributária progressiva, que tem assento constitucional.29

Concordamos com as palavras do Ministro Teori Zavascki,

no sentido de que haverá, a partir de agora, a necessida-

de de fiscalização de todas as operações individualmente,

mesmo que sujeitas ao regime de substituição tributária

progressiva. Todavia, isso não pode ser um fundamento

para negar o direito dos contribuintes à restituição, o qual

deve ser garantido segundo uma interpretação constitucio-

nal mais apropriada.

Noutra toada, o Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto

no julgamento em comento, reconhece que no ano de 2002,

época do julgamento da ADI 1.851, o fisco não tinha ins-

trumentos eficazes para se dimensionar o valor efetivo de

cada operação, nos casos sujeitos ao regime de substitui-

ção tributária para frente. Portanto, admitiu que a decisão

no sentido de não garantir o direito à restituição pelos con-

tribuintes foi uma medida pragmática para se evitar tanto a

sonegação como um ônus excessivo na fiscalização. Toda-

via, o Ministro reconhece também que os recursos e técni-

cas de fiscalização evoluíram muito nos últimos quatorze

anos e que atualmente já não é tão árduo se verificar o valor

real de cada operação.30

Destacamos essas importantes observações feitas pelo

Ministro Luís Roberto Barroso pelas seguintes razões (as

quais, já adiantamos, estamos de pleno acordo): primeiro,

o Ministro preconiza que a decisão da ADI 1.851, a qual ne-

gou o direito de restituição aos contribuintes, foi uma medi-

da pragmática (e, portanto, na nossa concepção, não levou

em consideração todos os argumentos jurídicos); segundo,

o Ministro reconhece a evolução dos instrumentos de fis-

calização que o fisco tem à disposição (logo, não é mais

imprescindível a utilização do regime de substituição tribu-

tária progressiva para ser possível a fiscalização e evitar a

sonegação dos contribuintes).

Atualmente o fisco possui diversos mecanismos para fis-

calizar o contribuinte e evitar a evasão fiscal. A substituição

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tributária para frente é um instrumento arcaico, de constitu-

cionalidade questionável (haja vista se tributar fato jurídico

tributário que ainda não se realizou e pode nunca se realizar),

que não é o meio mais eficaz para se evitar a sonegação.

Destarte, com o advento da decisão do RE 593.849/MG,

não subsistem mais as justificativas e vantagens ao fisco

que deram nascimento ao instituto da substituição tri-

butária progressiva no ICMS. Além de existirem outros

mecanismos mais eficazes para se evitar a sonegação,

as Fazendas Estaduais terão a obrigatoriedade de fisca-

lizar todas as operações mercantis individualmente e não

mais uma única e singela operação, tornando tal regime

injustificável.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 593.849/MG

foi, com certeza, um marco histórico nos direitos dos con-

tribuintes do ICMS sujeitos ao regime de arrecadação por

substituição tributária progressiva.

Ao reconhecer o direito de restituição do ICMS pago a mais

em regime de substituição tributária para frente quando a

base de cálculo real da operação se mostrar inferior a pre-

sumida, não só se atendeu aos anseios dos contribuintes,

como também se prestigiou a tese há muito deendida pela

doutrina majoritária.

Não obstante o caráter louvável da decisão, é importante

considerarmos os seus efeitos práticos, os quais vão muito

além da simples garantia de restituição de valores pagos a

maior pelos contribuintes.

Assegurada a restituição, é essencial que ela seja imediata

e preferencial, conforme prevê o artigo 150, §7º da Consti-

tuição Federal. Isto é, ela não deve ser automática, porém

deve ser em um prazo razoável e em dinheiro.

Por outro lado, a tese defendida pela Suprema Corte possi-

bilita que o fisco cobre a diferença do ICMS pago a menor

quando se verificar que o valor real da operação foi superior

à base de cálculo presumida, a fim de que se evite o enri-

quecimento sem causa por qualquer uma das partes.

Por fim, talvez um dos efeitos práticos mais relevantes, a

decisão da Suprema Corte inviabilizou a continuidade com

o regime de substituição tributária progressiva em maté-

ria de ICMS. Além de não se revelar como um instrumento

atualmente eficaz para evitar a evasão fiscal, a obrigatorie-

dade em fiscalizar todas as operações da cadeia mercantil

e não só uma única operação, extinguiu o principal motivo

de existência e vantagem da substituição tributária para

frente. O instituto tornou-se inócuo.

REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires Fernandino. Substitui-

ção e responsabilidade tributária. Revista de Direito Tribu-tário, São Paulo: RT, vol. 43, p. 73/96, 1989.

ÁVILA, Humberto. Imposto sobre a circulação de mercado-

rias - ICMS. Substituição tributária. Base de cálculo. Pauta

fiscal. Preço máximo ao consumidor. Diferença constante

entre o preço usualmente praticado e o preço constante da

pauta ou o preço máximo ao consumidor sugerido pelo fabri-

cante. Exame de constitucionalidade. Revista Dialética de

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeuhttp://www.usjt.br/revistadireito/

// A inviabilidade da manutenção da substituição tributária progressiva no ICMS após a decisão do STF no re 593.849/MG // Carlos Eduardo Pereira Dutra e Erick Willian Pertussatto

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Notas

1 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 372.

2. MACHADO, Hugo de Brito. A substituição tributária no ICMS e a questão do preço final. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 67, p. 64, abril 2001.

3. LOPES FILHO, Juraci Mourão. O direito de abatimento do ICMS pelo contribuinte substituído e o regime da substituição tributária com retenção anteci-pada. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 72, p. 106, set. 2001.

Direito Tributário, São Paulo, n.123, p. 122-134, dez. 2005.

BARRETO, Aires Fernandino. Substituição tributária e resti-

tuição de diferenças de base de cálculo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.84, p. 7-32, set. 2002.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitu-cional tributário. 29ª ed. rev., ampl. e atual. até a Emenda

Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros, 2013.

CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16. ed. rev. e ampl. São

Paulo: Malheiros, 2012.

GRECO, Marco Aurélio. Substituição Tributária, IOB, apud

Voto do Ministro Ilmar Galvão, RE nº 213.396-5/SP.

LOPES FILHO, Juraci Mourão. O direito de abatimento do

ICMS pelo contribuinte substituído e o regime da substitui-

ção tributária com retenção antecipada. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 72, p. 106-114, set. 2001.

MACHADO, Hugo de Brito. A substituição tributária no

ICMS e a questão do preço final. Revista Dialética de Di-reito Tributário, São Paulo, n. 67, p. 57-72, abril 2001.

MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo

de Brito. Constitucional. ICMS. Substituição tributária para

frente. Preço final diverso do previsto na antecipação. ADI

1.851/AL. Efeitos. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.157, p. 95-106, out. 2008.

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antecipação e o ICMS. Revista Dialética de Direito Tribu-tário, São Paulo, n. 176, p. 93-110, maio 2010.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 12.

ed. São Paulo: Dialética, 2012.

ROCHA, João Luiz Coelho da. ICMS - a restituição imediata

do valor recolhido a mais na substituição tributária ‘para a

frente’. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo,

n. 64, p. 99-104, jan. 2001.

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4. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29ª ed. rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 523 e 524. 5. ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires Ferdinando. Substituição e responsabilidade tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: RT, vol. 43, p. 73/96, 1989. 6.CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS..., p. 375.

7. Idem, p. 386 e 387. 8.ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires Fernandino. Op. cit., p. 73/96. 9.MARTINS, Ives Gandra da Silva. Substituição tributária por antecipação e o ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 176, p. 95, maio 2010. 10. Idem, p. 98. 11. Voto do Ministro Ilmar Galvão, inteiro teor do Acórdão RE 213.396-5/SP, p. 24. 12. GRECO, Marco Aurélio. Substituição Tributária, IOB, apud Voto do Ministro Ilmar Galvão, RE nº 213.396-5/SP, p. 20 e 21. 13.MACHADO, Hugo de Brito. A substituição tributária..., p. 65. 14. BARRETO, Aires Fernandino. Substituição tributária e restituição de diferenças de base de cálculo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.84, p. 29, set. 2002. 15.ROCHA, João Luiz Coelho da. ICMS - a restituição imediata do valor recolhido a mais na substituição tributária ‘para a frente’. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 64, p. 104, jan. 2001. 16. MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Constitucional. ICMS. Substituição tributária para frente. Preço final diverso do pre-visto na antecipação. ADI 1.851/AL. Efeitos. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.157, p. 98, out. 2008. 17. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS..., p. 383 e 384. 18. MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 226. 19. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS..., p. 382. 20. Nesse sentido os Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux, p. 53, 57 e 66 do inteiro teor do Acórdão RE 593.849/MG. 21. Inteiro teor do Acórdão RE 593.849/MG, p. 55. 22. BARRETO, Aires Fernandino. Op. cit., p. 31. 23. ÁVILA, Humberto. Imposto sobre a circulação de mercadorias - ICMS. Substituição tributária. Base de cálculo. Pauta fiscal. Preço máximo ao consu-

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midor. Diferença constante entre o preço usualmente praticado e o preço constante da pauta ou o preço máximo ao consumidor sugerido pelo fabricante. Exame de constitucionalidade. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.123, p. 123, dez. 2005. 24. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS..., p. 387. 25. Voto do Ministro Marco Aurélio, inteiro teor do Acórdão RE 593.849/MG, p. 83. 26. Voto do Ministro Ilmar Galvão, ADI 1.851-4/AL, p. 33. 27. MANEIRA, Eduardo. Da substituição tributária para a frente no ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 95, p.57-58, ago. 2003. 28. ROCHA, João Luiz Coelho da. Op. cit., p. 103-104. 29. Voto do Ministro Teori Zavascki, inteiro teor do Acórdão RE 593.849/MG, p. 47 e 48. 30. Voto do Ministro Luís Roberto Barroso, inteiro teor do Acórdão RE 593.849/MG, p. 40.

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