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5/26/2018 ALgicaDoCisneNegro-Parte2-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/a-logica-do-cisne-negro-parte-2 1/43 não seguem tais restrições.  É preciso muito mais do que mil dias para que sepossaaceitarque um escritornão étalentoso,queum mercadonão que-  brará, que uma guerra não estourará, que um projeto é impossível,que um  país é "nosso aliado", que uma empresa não irá à falência, que um analista de títulos de uma corretora não éum charlatão ou que um vizinho não nos atacará. No passado distante, os humanos podiam fazer inferências com muito mais precisão e rapidez. Além do mais, hoje, as' fontes de Cisne Negro multiplicaram-se além da mensurabilidade.* No ambiente primitivo, elas eram limitadas às des- cobertas de novos animais selvagens, novos inimigos e a mudanças cli- máticas abruptas. Os eventos eram suficientemente passíveis de repetição  para que desenvolvêssemos um medo natural deles. O instinto de se fazer inferências muito rápido e de se "entrar em túneis" (ou seja, de se con- centrar em um número pequeno de fontes de incerteza, ou de causas de Cisnes Negros conhecidos) permanece bastante enraizado em nós. Esse instinto, em uma palavra, é nosso contratempo. A FALÁCIA NARRATIVA  A causa  do porquê -  Como  dividir  um cérebro  ao meio - Métodos efetivos de se apontar para  o teto - Dopamina ajudará você  a vencer - Deixarei  de dirigir motocicietas (mas não hoje] - Empírico  epsicóiogo? Desde quando? *  Claramente, eventos geodésicos ou ligados ao clima (como tornados e terremotos) não mudaram muito no último milênio, mas o que mudou foram as conseqüências socioe- conômicas de tais ocorrências. Hoje, um terremoto ou furacão resulta em conseqüências econômicas cada vez mais graves do que no passado por causa das relações interconectadas entre as entidades econômicas e a intensificação dos "efeitos em rede" que discutiremos na Parte Três. Questões que costumavam ter efeitos moderados resultam agora em um alto impacto. O terremoto de 1923 em Tóquio causou uma queda de um terço no PIE do Japão. Extrapolando a partir da tragédia de Kobe de 1994, podemos deduzir facilmente que as conseqüências de um terremoto igual em Tóquio resultaria em prejuízos muito maiores do que o anterior . Durante o outono de 2004, participei de uma conferência sobre estéti- ca e ciência em Roma, talvez a melhor locação possível para tal encon- tro, já que a estética permeia tudo lá, até o comportamento pessoal e o tom de voz das pessoas. Durante o almoço, um professor proeminente de uma universidade no Sul da Itália cumprimentou-me com extremo entusiasmo. Eu ouvira, mais cedo, sua apresentação apaixonada; ele era tão carismático, tão seguro e tão convincente que, apesar de não entender boa parte do que disse, me vi concordando plenamente com tudo que dizia. Eu conseguia entender apenas uma frase ou outra, já que meu conhecimento de italiano funcionava melhor em coquetéis do que em ambientes intelectuais e acadêmicos. Em um ponto durante o discurso, ele ficou vermelho de raiva - convencendo, assim, a mim (e à platéia:) de que estava definitivamente certo. Véspera de Thanksgiving: E o peru reviu seus conceitos acerca da humanidade... Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Corporation,2005-2010 For Evaluation Only.

A Lógica Do Cisne Negro - Parte 2

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    no seguem tais restries. preciso muito mais do que mil dias paraque sepossaaceitarque um escritorno talentoso,que um mercadono que-

    brar, que uma guerra no estourar, que um projeto impossvel, que umpas "nosso aliado", que uma empresa no ir falncia, que um analistade ttulos de uma corretora no um charlato ou que um vizinho no nosatacar. No passado distante, os humanos podiam fazer inferncias commuito mais preciso e rapidez.

    Alm do mais, hoje, as'fontes de Cisne Negro multiplicaram-se almda mensurabilidade.* No ambiente primitivo, elas eram limitadas s des-cobertas de novos animais selvagens, novos inimigos e a mudanas cli-mticas abruptas. Os eventos eram suficientemente passveis de repetio

    para que desenvolvssemos um medo natural deles. O instinto de se fazerinferncias muito rpido e de se "entrar em tneis" (ou seja, de se con-centrar em um nmero pequeno de fontes de incerteza, ou de causas deCisnes Negros conhecidos) permanece bastante enraizado em ns. Esseinstinto, em uma palavra, nosso contratempo.

    A F A L C IA N A R R A T IV A

    Acausa do porqu - Como dividirum crebro ao meio - Mtodos efetivos

    de se apontar para o teto - Dopamina ajudar voc a vencer - Deixarei dedirigir motocicietas (mas no hoje] - Emprico epsiciogo? Desde quando?

    * Claramente, eventos geodsicos ou ligados ao clima (como tornados e terremotos) no

    mudaram muito no ltimo milnio, mas o que mudou foram as conseqncias socioe-

    conmicas de tais ocorrncias. Hoje, um terremoto ou furaco resulta em conseqncias

    econmicas cada vez mais graves do que no passado por causa das relaes interconectadas

    entre as entidades econmicas e a intensificao dos "efeitos em rede" que discutiremos

    na Parte Trs. Questes que costumavam ter efeitos moderados resultam agora em um

    alto impacto. O terremoto de 1923 em Tquio causou uma queda de um tero no PIE doJapo. Extrapolando a partir da tragdia de Kobe de 1994, podemos deduzir facilmente que

    as conseqncias de um terremoto igual em Tquio resultaria em prejuzos muito maioresdo que o anterior.

    Durante o outono de 2004, participei de uma conferncia sobre estti-ca e cincia em Roma, talvez a melhor locao possvel para tal encon-tro, j que a esttica permeia tudo l, at o comportamento pessoal e otom de voz das pessoas. Durante o almoo, um professor proeminentede uma universidade no Sul da Itlia cumprimentou-me com extremoentusiasmo. Eu ouvira, mais cedo, sua apresentao apaixonada; eleera to carismtico, to seguro e to convincente que, apesar de noentender boa parte do que disse, me vi concordando plenamente comtudo que dizia. Eu conseguia entender apenas uma frase ou outra, jque meu conhecimento de italiano funcionava melhor em coquetisdo que em ambientes intelectuais e acadmicos. Em um ponto duranteo discurso, ele ficou vermelho de raiva - convencendo, assim, a mim(e platia:) de que estava definitivamente certo.

    Vspera de Thanksgiving: E o peru reviu seus conceitos acerca da humanidade...

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    Ele abordou-me durante o almoo para parabenizar-me por demons-

    trar os efeitos das ligaes caUsais que so mais prevalentes na mente

    humana do que na realidade. A conversa ficou to animada que fica-

    mos parados juntos pr6ximos mesa do buf, impedindo que os outros

    delegados chegassem perto da comida. Ele falava um francs carregado

    (gesticulando) e eu respondia em um italiano primitivo (gesticulando),

    e estvamos to empolgados que os outros convidados temiam inter-

    romper uma conversa to importante e animada. Ele identificava-se

    com meu livro anterior sobre aleatoriedade, uma espcie de reao de

    um operador raivoso contra a cegueira sorte na vida e nos mercados,

    que fora publicado na Itlia com o ttulo musical Giocati daI Caso.Tive

    a sorte de contar com um tradutor que sabia quase mais do que eu sobre

    o assunto, e o livro encontrou um pequeno grupo de seguidores entre

    os intelectuais italianos. "Sou um grande f de suas idias, mas sinto-me

    diminudo. Elas tambm so verdadeiramente minhas, e voc escreveu

    o livro que eu (quase) planejava escrever", disse. "Voc um homem de

    sorte; apresentou de forma to completa o efeito do acaso na sociedade

    e a superestimao do princpio de causa e efeito. Voc mostra o quanto

    somos burros de tentar sistematicamente explicarhabilidades."

    Ele parou, e ento completou, em um tom mais calmo: "Mas, mon

    cher ami, deixe-me dizer' quelque chose a voc [dito muito lentamente,

    com o polegar batendo nos dedos mdio e indicador]: se voc tivesse

    crescido em uma sociedade protestante onde dito que esforos so li-

    gados a recompensas e onde a responsabilidade individual enfatizada,

    nunca teria visto o mundo de tal maneira. Voc foi capaz de ver a sorte

    e separar causa e efeito por causa de sua origem mediterrnea oriental

    ortodoxa." Ele estava usando o francs cause.E foi to convincente que

    por um minuto concordei com sua interpretao.

    'verdades cruas. Ela distorce gravemente nossa representao mental do

    mundo, e particularmente aguda quando se trata de um evento raro.

    Perceba como meu atento colega viajante italiano compartilhava de

    minha militncia contra a interpretao excessiva e contra a superesti-

    mao da causa, mas foi incapaz de ver a mim e a meu trabalho sem uma

    razo, uma causa, afixada a ambos, como qualquer coisa que no parte

    de uma histria. Ele precisou inventar uma causa. Alm do mais, no

    estava consciente de ter cado na armadilha da causao, e eu prpriotambm no estava imediatamente consciente disso.

    A falcia narrativa aborda nossa capacidade limitada de olhar para

    seqncias de fatos sem costurar uma explicao nelas, ou, equivalen-

    temente, forar uma ligao lgica, uma flecha de relacionamento, sobre

    elas. Explicaes unem fatos. E tornam os fatos mais fceis de se lembrar;

    e os ajudam afazer mais sentido. Essa propenso pode dar errado quando

    aumenta nossa impresso de entendimento.

    Ns gostamos de histrias, gostamos de resumir e gostamos de simpli-

    ficar, ou seja, de reduzir a dimenso das questes. O primeiro dos pro-

    blemas da natureza humana que examinamos nesta seo, o que acaba-

    mos de ilustrar anteriormente, o que chamo de falcia narrativa. (Na

    verdade, uma fraude, mas para ser mais educado irei cham-Ia de fa-

    lcia.) A falcia est associada nossa vulnerabilidade em rela in-

    terpretao excessiva e nossa predileo por histrias compactas sobre

    Este captulo cobrir, como o anterior, um nico problema, mas aparen-

    temente em disciplinas diferentes. O problema da narratividade, apesar deextensamente estudado em uma de suas verses pelos psiclogos, no to

    "psicolgico": alguma coisa na maneira pela qual disciplinas so designadas

    mascara o fato de que , de maneira mais geral, um problema de informa-

    o. Apesar de a narratividade vir de uma necessidade biolgica arraigada

    de se reduzir a dimensionalidade, os robs tambm estariam inclinados a

    recorrer ao mesmo processo de reduo. A informao desejaser reduzida.

    Para ajudar o leitor a localizar-se: ao estudar o problema da induo

    no captulo anterior examinamos o que poderia ser deduzido sobre o no

    visto, o que reside fora do nosso conjunto de informaes. Aqui, olhamos

    para o visto, o que jaz dentro do conjunto de informaes, e examinamos

    as distores no ato de process-Ia. H muito a se dizer sobre o tpico,

    mas meu ngulo de abordagem diz respeito simplificao da narrativa

    do mundo ao nosso redor e a seus efeitos em nossa percepo do Cisne

    Negro e da incerteza incontrolvel.

    Caar antilgicas uma atividade prazerosa. Durante alguns meses, ex-

    perimenta":se a sensao titilante de que se acaba de entrar em um mun-

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    do novo. Depois disso, a novidade esmaece e os pensamentos retornamaos assuntos de sempre. O mundo novamente sem graa, at que seencontre outro tema que seja excitante (ou consiga colocar outro figuroem um estado de ira totl).

    Para mim, uma dessas antilgicas veio com a descoberta - graas literatura sobre cognio - de que, ao contrrio do que todos acreditam,no teorizar um ato - que teorizar corresponde ausncia de atividadevoluntria, opo "padro". necessrio um esforo considervel parase ver fatos (e lembrar-se deles) enquanto se abstm de julgamentos eresiste-se a explicaes. E essa doena da teorizao est raramente sobnosso controle: ela largamente anatmica, parte de nossa biologia, deforma que lutar contra ela exige que se lute contra o prprio ser.Assim,os preceitos dos antigos cticos de se abster de julgamentos vo contranossa natureza. Falar fcil, o que um problema da filosofia aconselha-dora que veremos no Captulo 13.

    Tente ser um ctico verdadeiro em relao s suas interpretaes eficar exausto em pouqussimo tempo. Voc tambm ser humilhado

    por resistir a teorizar. (Existem truques para se alcanar o ceticismo ver-dadeiro; mas preciso entrar pela porta dos fundos em vez de se fazerum ataque direto contra voc prprio.) Mesmo de uma perspectiva ana-tmica, impossvel para nosso crebro ver qualquer coisa de maneiracrua sem alguma interpretao. Podemos nem sempre estar conscientesdisso.

    Rac ion aliz a o post hoc.Em um experimento, psiclogos pediram quemulheres selecionassem entre 12 pares de meias-calas de nilon aquelasque preferiam. Ento, os pesquisadores perguntaram s mulheres as ra-zes para as escolhas. Textura, "sensao" e cor estavam entre as razes

    escolhidas. Todos os pares de meias-calas eram, na verdade, idnticos.As mulheres ofereceram explica.es adaptadas, post hoc. Ser que issosugere que somos melhores em explicar do que em entender? Vejamos.

    Uma srie de experimentos famosos em pacientes com crebros di-vididos oferece-nos provas fsicas- ou seja, biolgicas - convincentesdo aspecto automtico do ato de interpretao. Parece que h em ns umrgo que atribui sentido s coisas - apesar de que pode no ser to fcilobserv-Io com qualquer preciso. Vejamos como ele detectado.

    Pacientes com crebros divididos no possuem nenhuma conexoentre os lados direito e esquerdo do crebro, o que impede que a in-

    frmao seja compartilhada entre os dois hemisfrios cerebrais. Taispacientes so como jias, raros e inestimveis para pesquisadores. Voctem, literalmente, duas pessoas diferentes, e pode comunicar-se separa-damente com cada uma; as diferenas entre os dois indivduos oferecealguma indicao sobre a especializao de cada hemisfrio. Essa divisocostuma ser resultado de cirurgias para remediar condies mais srias,como epilepsia grave; no, os cientistas dos pases ocidentais (e da maio-ria dos orientais) no tm mais permisso para dividir crebros ao meio,mesmo que seja em busca de conhecimento e sabedoria.

    Agora digamos que voc tenha induzido algum com essa condioa executar uma ao -levantar o dedo, gargalhar ou pegar uma p -,

    para ter certeza de como ele atribui uma razo ao (quando na verda-de voc sabe que no h razo para tal alm de voc ter induzido a ao).Se voc pedir ao hemisfrio direito, que nesse caso est isolado do ladoesquerdo, que execute a ao, e depois pedir uma explicao ao outrohemisfrio, o paciente invariavelmente oferecer alguma interpretao:"Eu estava apontando para o teto para ...", "Eu vi algo interessante na

    parede", ou, se perguntar a este escritor, darei minha resposta usual:"Porque sou originalmente da cidade grega ortodoxa de Amioun, no

    Norte do Lbano", et cetera.Agora, se voc fizer o oposto, ou seja, instruir o hemisfrio esquerdo

    isolado de uma pessoa destra a executar uma ao e perguntar ao hemis-frio direito as razes por trs da ao, a pessoa lhe dir simplesmente"Eu no sei". Observe que o hemisfrio esquerdo onde geralmente resi-dem a linguagem e a deduo. Aviso o leitor faminto por "cincia" de queno tente construir um mapa neural: tudo que estou tentando mostrar a base biolgica dessa tendncia causalidade, e no sua localizao exa-

    ta. Existem razes para que suspeitemos dessas distines "crebro direi-to/crebro esquerdo" e generalizaes posteriores da cincia-pop sobrepersonalidade. Na verdade, a idia de que o crebro esquerdo controla alinguagem pode no ser to precisa: o crebro esquerdo parece ser mais

    precisamente onde reside o reconhecimento de padres, e pode controlara linguagem somente na medida em que a linguagem possui um atributode reconhecimento de padres. Outra diferena entre os hemisfrios que o crebro direito lida com novidades. Ele tende a ver sries de fatos(o especfico, ou as rvores) enquanto o esquerdo percebe os padres, ogestalt (o geral, ou a floresta).

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    MAIS VALEUM

    PASSARO NA

    NA MO DO QUE

    DOIS VOANDO

    o conhecimento crescente acerca do papel de neurotransmissores, as

    substncias qumicas que supostamente transportam sinais entre partes

    diferentes do crebro. Aparentemente, a percepo de padres aumenta

    com a concentrao da substncia dopamina no crebro. A dopamina

    tambm regula o humor e alimenta um sistema de recompensa interno

    no crebro (no de surpreender que seja encontrada em concentraes

    um pouco mais altas no lado esquerdo do crebro de pessoas destras do

    que no lado direito). Uma concentrao mais alta de dopamina parecediminuir o ceticismo e resulta em uma vulnerabilidade maior deteco

    de padres; uma injeo de levodopa, substncia usada para tratar pa-

    cientes com mal de Parkinson, parece aumentar esse tipo de atividade e

    diminuir a suspenso de crena do indivduo, que se torna vulnervel a

    toda sorte de modismos, como astrologia, supersties, economia e lei-

    tura de cartas de tar.

    Na verdade, enquanto escrevo estas palavras, h a notcia de um pro-

    cesso legal movido por um paciente contra o seu mdico, visando uma

    indenizao de mais de 200 mil dlares - quantia que o paciente, su-

    postamente, perdeu no jogo. O paciente alega que o tratamento para malde Parkinson a que foi submetido fez com que tivesse surtos de apostas

    descontroladas em cassinos. Descobriu-se que um dos efeitos colaterais

    da levodopa que uma pequena mas significativa minoria de pacientes

    transforma-se em jogadores compulsivos. Como tal jogatina associada

    ao fato de os pacientes verem o que acreditam que sejam padres claros

    em nmeros aleatrios, isso ilustra a relao entre conhecimento e aleato-

    riedade. O caso tambm mostra que alguns aspectos do que chamamos

    de "conhecimento" (e do que chamo de narrativa) so um mal.

    Novamente, aviso o leitor de que no estou me concentrando na do-

    pamina como a razo para nossa interpretao excessiva; em vez disso,meu ponto que h um correlato fsico e mental para tal operao e que

    nossas mentes so, em grande parte, vtimas de nossa corporificao f-

    sica. Nossas mentes so como prisioneiras, cativas da biologia, a no ser

    que consigamos realizar uma fuga inteligente. O que estou enfatizando

    a ausncia de controle sobre tais inferncias. Amanh, algum pode

    descobrir outra substncia qumica ou base orgnica para a percepo

    de padres, ou rebater o que disse sobre o interpretador do crebro es-

    querdo demonstrando o papel de uma estrutura mais complexa; mas isso

    Para ver uma ilustrao de nossa dependncia biolgica por histrias,

    considere o experimento a seguir. Primeiro, leia isso:

    Voc percebe algo estranho? Tente novamente:

    O cientista do crebro Alan Snyder, que vive em Sidney (mas tem so-

    taque da Filadlfia), fez a seguinte descoberta: se o hemisfrio esquerdo

    de uma pessoa destra for inibido (mais tecnicamente, dirigindo pulsos

    magnticos de baixa freqncia aos lobos frontotemporais esquerdos),

    o ndice de erro na leitura da frase anterior reduzido. A propenso a

    impor sentido e conceitos bloqueia a percepo dos detalhes que formam

    o conceito. No entanto, se forem dados choques no hemisfrio esquerdo

    das pessoas, elas tornam-se mais realistas - podem desenhar melhor e

    com mais verossimilhana. Suas mentes tornam-se melhores em ver osobjetos por si s, isentos de teorias, narrativas e preconceitos.

    Por que difcil evitar a interpretao? fundamental notar que,

    como vimos na vinheta do acadmico italiano, as funes cerebrais fre-

    qentemente operam alm da percepo. Voc interpreta quase tanto

    quanto executa outras atividades consideradas automticas e fora de seu

    controle, como respirar.

    O que faz com que no-teorizar consuma muito mais energia do que

    teorizar? Primeiro, existe a impenetrabilidade da atividade. Eu disse que boa

    parte dela acontece alm de nossa percepo: se voc no sabe que est fa-

    zendo a inferncia, como pode deixar de faz-Ia a no ser que permanea

    em um estado de alerta constante? E se precisa estar constantemente alerta,

    isso no cansativo? Tente fazer isso por uma tarde e veja o que acontece.

    Um pouco mais de dopamina

    Alm da histria do interpretado r do crebro esquerdo, temos mais

    evidncias fisiolgicas de nossa busca enraizada por padres, graas

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    no negaria a idia de que a percepo de causao possui uma fundao

    biolgica.

    cara de sorte que estava no lugar certo, na hora certa e reivindica crditopelo sucesso da empresa, sem fazer qualquer concesso sorte" repetidadez vezes por pgina, por quinhentas pginas. O livro inteiro pode sercomprimido com preciso, como acabei de fazer, em 29 'palavras (entre100 mil); voc poderia reproduzi-Io com fidelidade total a partir dessaessncia. Descobrindo o padro, a lgica da srie, no mais necessriomemorizar tudo. Voc armazena apenas o padro. E, como podemos ver

    aqui, um padro obviamente mais compacto que a informao bruta.Voc observou o livro e encontrou uma regra. Foi nesse sentido que ogrande probabilista Andrey Nikolayevich Kolmogorov definiu o grau dealeatoriedade; ele chamado de "complexidade de Kolmogorov".

    Ns, membros da variedade humana dos primatas, temos uma fomepor regras porque precisamos reduzir a dimenso das questes paraque possam entrar em nossas cabeas. Ou melhor, infelizmente, para que

    possamos esprem-las em nossas mentes. Quanto mais aleatria a infor-mao, maior a dimensionalidade, e, portanto, mais difcil resumi-Ia.Quanto mais voc resumir, mais ordem atribuda e menor ser a alea-

    toriedade. Portanto, a mesma condio que nos faz simplificar nos fora 'apen sa r que o mu nd o menos aleatrio do que realmente .

    E o Cisne Negro o que deixamos de fora na simplificao.Tanto os empreendimentos artsticos quanto os cientficos so pro-

    dutos da necessidade de se reduzir dimenses e de se infligir algumaordem nas coisas. Pense no mundo ao seu redor, carregado de trilhesde detalhes. Tente descrev-Io e ser tentado a tecer um fio condutorno que est dizendo. Uma novela, uma histria, um mito ou um con-to, todos possuem a mesma funo: poupam-nos da complexidade domundo e protegem-nos de sua aleatoriedade. Mitos atribuem ordem

    desordem da percepo humana e ao "caos da experincia humana" que percebido.Na verdade, muitas disfunes psicolgicas graves acompanham o

    sentimento de perda de controle - a capacidade de "compreender" -do ambiente do indivduo.

    Existe outra razo ainda mais profunda para nossa inclinao a narrar, eela no psicolgica. Tem a ver com Oefeito da ordem no armazenamen-to e no acesso informao em qualquer sistema, e merece ser explicada'aqui por causa do que considero os problemas centrais da probabilidade

    e da teoria da informao.O primeiro problema que a informao custa caro para ser obtida.O segundo problema que a informao tambm cara de ser arma-

    ze nad a - como imveis em Nova York. Quanto mais ordenada, me-nos aleatria, mais padronizada e narratizada for uma srie de palavrasou smbolos, mais fcil ser armazenar essa srie na mente de algum ouescrev-Ia em um livro para que os netos possam l-Ia algum dia.

    Finalmente, custa caro manipular e recuperar informao.

    Com tantos neurnios - 100bilhes (e ainda contando) -, o sto bem grande, de forma que as dificuldades, provavelmente, no vm delimitaes na capacidade de armazenamento, podendo ser apenas pro-

    blemas de indexao. A memria consciente, ou funcional, aquela quevoc est usando para ler estas linhas e compreender seu significado, bem menor que o sto. Considere que a memria funcional enfrentedificuldades para guardar um simples nmero de telefone com mais desete dgitos. Mude um pouco as metforas e imagine que sua conscincia uma mesa na biblioteca do Congresso: no importa quantos livros a

    biblioteca contenha e mantenha disponveis para consulta, o tamanho de

    sua mesa estabelece algumas limitaes de processamento. Compresso vital para o desempenho' de trabalho consciente.

    Imagine uma coleo de palavras coladas umas nas outras para cons-tituir um livro de quinhentas pginas. Se as palavras forem puramentealeatrias, retiradas do dicionrio de forma totalmente imprevisvel, vocno ser capaz de resumir, transferir ou reduzir as dimenses do livrosem perder algo importante dele. Voc precisa de 100 mil palavras paracarregar a mensagem de 100 mil palavras aleatrias com voc em sua

    prxima viagem Sibria. Agora imagine o contrrio: um livro preenchi-do com a frase "O presidente da [insira aqui o nome de sua empresa] um

    O novelista parisiense Georges Perec quis se livrar da narrativa etentou escrever um livroto grande quanto o mundo, Ele precisou se conformar c om um r egistro exaustivo do q ueaconteceu na Place Saint-Sulpice entre 18 e 20 de outubro de 1974. Ainda assim, o relato

    no foi to completo, e ele acabou com uma narrativa.

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    Aqui, o platonismo nos afeta de novo. O mesmo desejo de ordem,interessantemente, aplica-s aos empreendimentos cientficos - s que,diferentemente da arte, o propsito (declarado) da cincia obter a ver-dade, e no proporcinar uma sensao de organizao ou fazer com quevoc se sinta melhor. Tendemos a usar o conhecimento como terapia.

    R E C O R D A E S D E C O I SA S N O E X A T A M E N T E P A S S A D AS

    Mas a memria e a direo do tempo podem se confundir. A narra-tividade pode afetar perversamente a recordao de eventos passadosda seguinte maneira: tendemos a lembrar mais facilmente os fatos denosso passado que se encaixam em uma narrativa, enquanto tendemosa negligenciar outros que no aparentam desempenhar um papel causalnessa narrativa. Considere que nos lembramos de eventos em nossamemria sabendo o tempo todo a resposta do que aconteceu depois.literalmente impossvel ignorar informaes posteriores ao resolverum problema. Essa incapacidade simples de recordar no a seqnciareal dos eventos e sim uma reconstruo dela far com que, em retros-

    pecto, a histria aparente ser muito mais explicvel do que realmentefoi-ou .

    A sabedoria convencional defende que a memria como um dispo-sitivo de gravao seqencial, como um disquete de computador. Na rea-lidade, a memria dinmica - no esttica -, como um papel no qualnovos textos (ou novas verses do mesmo texto) sero gravados con-tinuamente, graas ao poder da informao posterior. (Em um insight

    notvel, o poeta parisiense do sculo XIX Charles Baudelaire comparoua memria a um palimpsesto, uma espcie de pergaminho no qual tex-tos antigos podem ser apagados e textos novos podem ser escritos sobreeles.) A memria mais como uma mquina de reviso dinmica queserve a si prpria: voc lembra da ltima vez que recordou o evento e,sem perceber, muda a histria a cada recordao posterior.

    Assim, usamos memrias ao longo de linhas causais, revisando-asinvoluntria e inconscientemente. Renarramos continuamente eventos

    passados sob a luz do que nos parece fazer sentido lgico, depois que taiseventos ocorrem.

    Atravs de um processo chamado reverberao, uma memria cor-responde ao fortalecimento de conexes a partir de um aumento da ati-vidade cerebral em um setor especfico do crebro - quanto maior aatividade, mais intensa a memria. Apesar de acreditarmos que a me-mria seja fixa, constante e conectada, tudo isso est muito distante daverdade. O que faz sentido segundo informaes obtidas posteriormen-te ser lembrado com mais nitidez. Ns inventamos algumas de nossasmemrias - um ponto sensvel nos tribunais, j que foi provado quemuitas pessoas inventaram histrias de abuso infantil por terem ouvidoteorias sobre o assunto.

    Para ver a fora da narrativa, considere a seguinte afirmao: "O rei mor-reu e a rainha morreu." Compare-a com "O rei morreu e depois a rainhamorreu de tristeza". O exerccio, apresentado pelo romancista E. M. Fors-ter, mostra a distino entre a mera sucesso de informaes e uma tra-ma. Mas observe a armadilha que h aqui: apesar de termos acrescentadoinformao segunda afirmao, reduzimos efetivamente a dimenso dototaL A segunda frase , de certa forma, muito mais leve de se carregar emais fcil de ser lembrada; temos agora uma nica pea de informaoem vez de duas. Como podemos lembr-Ia com menos esforo, podemos

    tambm vend-Ia a outras pessoas, ou seja, comercializ-Ia melhor comouma idia empacotada. Isso, resumindo, a definio e a funo de uma

    narrativa.

    Para ver como a n~rrativa pode levar a um erro na avaliao de pro-babilidade, faa o seguinte experimento: d a uma pessoa uma histria dedetetive bem escrita - por exemplo, um livro de Agatha Christie com umpunhado de personagens que podem ser plausivelmente considerados cul-pados. Agora pergunte a ela sobre as probabilidades de cada personagemser o assassino. A menos que o examinado escreva as porcentagens paramanter um controle exato, elas devem somar bem mais do que 100 por

    cento (at bem mais do que 200 por cento em um bom livro). Quanto me-lhor for o escritor da histria de,detetive, mais alto ser esse nmero.

    Nossa tendncia a perceber - a impor - narratividade e causalidadeso sintomas da mesma doena - reduo de dimenso. Alm do mais,como a causalidade, a narratividade possui uma dimenso cronolgicae conduz percepo do fluxo temporaL A causalidade faz com que otempo flua em uma nica direo, e a narrativa faz o mesmo.

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    A narrativa do louco

    Ns temos um excesso prejudicial de formas possveis de interpretar

    eventos passados.Considere o comportamento de pessoas paranicas. Tive o privilgio

    de trabalhar com colegas que sofrem de distrbios paranides latentesque vmtona ocasionalmente. Quando a pessoa muito inteligente, ela

    pode impressionar com as interpretaes mais improvveis, mas comple-tamente plausveis, de uma observao completamente incua. Se digo"Temo que...", em referncia a um estado indesejvel do mundo, eles

    podem interpretar a afirmao literalmente, que estou de fato sentindomedo, disparando um episdio de medo por parte do paranico. Uma

    pessoa atingida por tal distrbio pode reunir os detalhes mais insignifi-cantes e construir uma teoria elaborada e coerente que explique por queh uma conspirao contra ela. E se voc reunir, digamos, dez pessoasparanicas, todas no mesmo estado delusrio episdico, elas apresenta-

    ro dez interpretaes distintas, mas coerentes, dos eventos.

    Quando eu tinha cerca de 7 anos, minha professora mostrou aos alu-nos uma pintura de um grupo de franceses pobres da Idade Mdia emum banquete oferecido por um de seus benfeitores, que pelo que lembroera algum rei benevolente. Eles levantavam os pratos de sopa boca. A

    professora perguntou-me por que estavam com os narizes nos pratos,e respondi: "Porque no ensinaram bons modos a eles." "Errado", res-

    pondeu. "O motivo porque esto famintos." Senti-me burro por noter pensado nisso, mas no conseguia entender o que tornava uma ex-

    plicao mais provvel do que a outra ou por que no estvamos os doiserrados (no havia utenslios de prata na poca, ou muito pouca, o que

    parece ser a explicao ma-isprovvel).Alm de nossas distores perceptivas, existe um problema na prpria

    lgica. Como possvel que algum no tenha pista alguma e ainda assimconsiga defender um conjunto de pontos de vista perfeitamente plau-sveis e coerentes que esto de acordo com as observaes e respeitamtodas as regras possveis da lgica? Considere que duas pessoas possamter crenas incompatveis baseadas nos mesmos dados. Ser que isso sig-nifica que existam famlias possveis de explicaes e que cada uma delaspossa ser igualmente perfeita e coerente? Certamente no. Pode-se ter

    um'milho de maneiras de se explicar as coisas, mas a explicao verda-deira nica, estando ou no ao nosso alcance.

    Em um argumento famoso, o lgico W. V. Quine mostrou que exis-tem famlias de interpretaes logicamente consistentes e teorias que po-dem se encaixar em uma srie especfica de fatos. Esse insight deveriaavisar-nos de que a simples ausncia de disparate pode no ser suficiente

    para fazer com que algo seja verdadeiro.

    O problema de Quine est relacionado dificuldade enfrentada porele ao traduzir afirmaes entre lnguas diferentes, simplesmente porque possvel interpretar qualquer sentena em uma infinidade de maneiras.(Observe aqui que algum que se detenha em mincias pode encontrarum aspecto auto-anulatrio na escrita do prprio Quine. Pergunto-mecomo ele espera que compreendamos essa questo especfica em umaquantidade no infinita de maneiras.)

    Mas isso no significa que no possamos falar sobre causas; existemmaneiras de se escapar da falcia narrativa. Como? Fazendo conjecturas erealizando experimentos, ou como veremos na Parte Dois (infelizmente),

    fazendo previsestestveis. Os experimentos psicolgicosque discuto aquifazem isso: selecionam uma populao e realizam um teste. Os resultadosdeveriam permanecer iguais no Tennessee, na China e at na Frana.

    Se a narratividade faz com que vejamos eventos passados como se fossemmais previsveis, mais esperados e menos aleatrios do que realmenteforam, ento deveramos ser capazes de fazer com que isso funcionasse anosso favor como uma terapia contra algumas das feridas causadas pelaaleatoriedade.

    Digamos que um evento desagradvel, como um acidente automo-bilstico pelo qual voc se sinta indiretamente responsvel, deixe-o comuma sensao desagradvel que no vai embora. Voc torturado pelo

    pensamento de que causou ferimentos aos seus passageiros; permane-ce continuamente consciente de que poderia ter evitado o acidente. Sua

    Esse tipo de teste evita tanto a falcia narrativa quanto boa parte da parcialidade confirma-

    t6ria, j que os testadores so obrigados a levar em considerao no s6 os fracassos, mas

    tambm os sucessos de seus experimentos,

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    outra manchete. medida que os valores dos ttulos do Tesouro dos Es-tados Unidos caram (eles flutuam o dia todo, portanto no havia nada

    de especial nisso), a Bloomberg N ews tinha uma nova razo para a queda:

    a captura de Saddam (o mesmo Saddam). s 13h31, publicaram o novo

    boletim: TITULOS DO TESOURODOS EUA CAEM;CAPTURADE HUSSEIN

    AUMENTAA ATRAAoDE RECURSOSDE RISCO.

    Portanto,. era a mesma captura (a causa) explicando um evento e seu

    oposto exato. Claramente, no pode ser isso; os dois fatos no podemestar relacionados.

    Ser que os jornalistas vo toda manh enfermaria para receber uma

    dose diria de dopamina para que possam narrar melhor? (Repare que a

    palavra doping, usada para designar as drogas ilegais tomadas por atletas

    para melhorar o desempenho, tem a mesma raiz que dopamina.)

    Isso acontece o tempo todo: uma causa proposta para que voc en-

    gula a notcia e para tornar as coisas mais concretas. Depois da derrota

    de um candidato em uma eleio, oferecero a "causa" do descontenta-

    mento dos eleitores. Qualquer causa concebvel aceitvel. A mdia, no

    entanto, faz grandes esforos para que o processo seja "completo", comseus exrcitos de confirma dores de fatos. como se desejassem estar er-

    rados com preciso infinita (em vez de aceitarem estar aproximadamente

    corretos, como um escritor de fbulas).

    Repare que na ausncia de outras informaes sobre algum que venha

    a encontrar voc tende a recorrer nacionalidade e ao passado da pessoa

    como atributos salientes (como o acadmico italiano fez comigo). Como

    sei que essa atribuio ao passado fajuta? Fiz meu prprio teste emprico

    checando quantos operadores com um histrico igual ao meu que experi-

    mentaram a mesma guerra se tornaram empiristas cticos, e no encontrei

    nenhum em meio a 26 pessoas. A questo da nacionalidade ajuda voc a

    criar uma tima histria e satisfaz sua fome pela atribuio de causas. Ela

    parece ser o depsito de lixo para onde todas as explicaes vo at que al-

    gum desencave outra mais bvia (como, por exemplo, algum argumento

    evolucionrio que "faa sentido"). Na verdade, as pessoas tendem a enga-

    nar a si prprias com suas autonarrativas de "identidade nacional" - o

    que foi provado como sendo uma obra de fico em um artigo revelador

    escrito por 65 autores e publicado na revista Scence. ("Traos nacionais"

    podem ser timos para filmes e podem ajudar muito nas guerras, mas so

    noes platnicas que no possuem qualquer validade emprica - mas

    mente fica criando situaes alternativas que se ramificam de uma rvore

    principal: se no tivesse acordado trs minutos mais tarde que o de cos-

    tume, teria evitado o acidente. No foi sua inteno ferir os passageiros,

    mas ainda assim sua mente infestada por remorso e culpa. Pessoas em

    profisses com alta aleatoriedade (como no mercado financeiro) podem

    sofrer mais do que o necessrio com o efeito txico dessas feridas retros-

    pectivas: eu deveria ter vendido minha carteira de aes quando estava

    no valor mais alto; eu deveria ter comprado aquela ao anos atrs porcentavos e agora estaria dirigindo um conversvel cor-de-rosa et cetera.Se

    voc um profissional, pode sentir que "cometeu um erro" ou, pior ain-

    da, que "erros foram cometidos", quando deixou de fazer o equivalente

    a comprar o bilhete de loteria premiado para seus investidores, e sentir a

    necessidade de desculpar-se por sua estratgia de investimento "impru-

    dente" (ou seja, que parece imprudente em retrospecto).

    Como possvel livrar-se desse latejar constante? No tente evitar vo-

    luntariamente pensar a respeito do evento: isso quase certamente pio-

    rar a situao. Uma soluo mais apropriada fazer com que o evento

    parea mais inevitvel. Ei, ele estava destinado a acontecer e parece ftilagonizar sobre isso. Como possvel fazer isso? Bem, com uma narrati-

    va. Pacientes que passam 15 minutos por dia escrevendo um relato dos

    problemas dirios realmente se sentem bem a respeito do que os afligiu.

    Voc sente-se menos culpado por no ter evitado certos eventos; sente-se

    menos responsvel. As coisas parecem ter sido predestinadas.

    Se voc trabalha em uma profisso carregada de aleatoriedade, como

    veremos, possvel que sofra os efeitos desgastantes dessa constante rea-

    valiao das aes passadas em termos do que ocorreu posteriormente.

    Manter um dirio o mnimo que se pode fazer nessas circunstncias.

    Cultivamos um desdm incapacitante pelo abstrato.

    Certo dia, em dezembro de 2003, quando Saddam Hussein foi captu-

    rado, a Bloomberg News exibiu a seguinte manchete s 13h01: TITULOS

    DO TESOURODOS EUA SOBEM;CAPTURADE HUSSEINPODENAo CONTERTERRORISMO.

    Sempre que ocorre uma movimentao no mercado, a mdia Sente-se

    obrigada a oferecer uma "razo". Meia hora depois tiveram que editar

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    ainda assim, por exemplo, tanto os ingleses quanto os no-ingleses acredi-tam em um "temperamento nacional" ingls.) Empiricamente, sexo, clas-se social e profisso parecem ser melhores previsores do comportamentode algum do que a nacionalidade (um homem da Sucia mais parecidocom um homem de Togo do que com uma mulher da Sucia;um filsofodo Peru mais parecido com um filsofo da Esccia do que com um faxi-neiro do Peru e da em diante).

    O problema do excesso de causao no reside no jornalista, e sim nopblico. Ningum pagaria 1 dlar para comprar uma srie de estatsticasabstratas que lembram uma palestra universitria entediante. Queremosouvir histrias, e no h nada de errado nisso - exceto que deveramosconferir com mais ateno se a histria oferece distores conseqenciaisda realidade. Serpossvel que fbulas e histrias estejam mais prximas darealidade do que a ABC News e suas notcias conferidas com todo o cui-dado? Apenas considere que os jornais tentam obter fatos impecveis, mastecem-nos em uma narrativa de tal forma que transmitam a impresso decausalidade (e de conhecimento). Existem conferidores de fatos, mas no

    de intelectos. Infelizmente.Mas no h razo para isolar os jornalistas. Acadmicos em disciplinasnarrativas fazem o mesmo, mas adornam o processo com uma linguagemmuito mais formal- ir~mos alcan-los no Captulo 10,sobre predio.

    Alm da narrativa e da causalidade, jornalistas e intelectuais pbli-cos do tipo que lida com pequenos pedaos de informao no tornamo mundo mais simples. Em vez disso, quase que invariavelmente fazemcom que o mundo parea mais complicado do que . Na prxima vez que

    pedirem a voc que discuta acontecimentos mundiais, alegue ignorncia euse os argumentos que ofereci neste captulo levantando dvidas em rela-o visibilidade da causa real. Diro que voc "analisa demais" ou que "complicado demais". Tudo que V9cestar dizendo que no sabe!

    at~no por meio de assuntos sensacionais. A maneira de se remediarisso por intermedirio da metanlise de estudos cientficos, na qual umsuperpesquisador perscruta toda a literatura, que inclui os artigos menosdivulgados, e produz uma sntese.

    Vejamos como a narratividade afeta nossa compreenso do Cisne Ne-gro. A narrativa, assim como o mecanismo associado de salincia do fatosensacional, pode atrapalhar nossa projeo das probabilidades. Obser-ve o seguinte experimento conduzido por Kahneman e Tversky, a duplaapresentada no captulo anterior: os examinados eram profissionais demeteorologia, a quem pediram que imaginassem os seguintes cenrios eestimassem suas probabilidades.

    a. Uma enchente gigantesca em algum lugar nos Estados Unidos naqual mais de mil pessoas so mortas.

    b. Um terremoto na Califrnia, causando uma enchente gigantesca, naqual mais de mil pessoas so mortas.

    Os respondentes estimaram que o primeiro evento seriamenosprovvelque o segundo. Um terremoto na Califrnia, no entanto, uma causapron-tamente imaginvel, o que aumenta muito a disponibilidade mental - e,conseqentemente, a probabilidade estimada - do cenrio da enchente.

    Da mesma forma, se eu perguntasse a voc quantos casos de cncer depulmo devem ocorrer no pas, voc forneceria um nmero, digamos meiomilho. Agora, se em vez disso eu perguntasse quantos casos de cncer de-vem ocorrer por causado fumo, provvel que voc me desse um nmeromuito maior (eu diria que esse nmero seria mais do que o dobro do pri-meiro). Acrescentar opo r ca us atorna essasquestes muito mais plausveis,e muito mais provveis. Cncer decorrente do tabagismo parece mais pro-vveldo que cncer sem uma causa ligada a ele- uma causa no especifi-cada significaque no h causa.

    Retorno ao exemplo da trama de E. M. Forster do comeo do captu-lo, mas do ponto de vista da probabilidade. Qual dessas duas afirmaes

    parece mais provvel?]oey pareda ter um casamento feliz. Ele matou a esposa.

    Agora, se voc pensa que a cincia um tema abstrato livre de sensa-cionalismo e distores, trago notcias srias. Pesquisadores empricosencontraram evidncias de que cientistas tambm so vulnerveis a nar-rativas, enfatizando ttulos e concluses "sensuais" e chamativas'em vezde questes mais substanciais. Eles tambm so humanos e conquistam

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    inicialmente que as pessoas reagem exageradamente a resultados de baixa

    probabilidade quando se discute o evento com elas, quando se faz com queadquiram conscincia desses resultados. Se perguntar a algum, por exem-

    plo, "Qual a probabilidade de se morrer em um acidente areo?", elas iro

    aument-Ia. No entanto, Slovic e seus colegas descobriram, em padres de

    seguros, negligncia aos eventos altamente improvveis nas compras de se-

    guros. Eles chamam isso de "preferncia por seguro contra pequenas perdas

    provveis" - custa das menos provveis, mas de impacto maior.Finalmente, depois de anos procurando por testes empricos de nosso

    desprezo pelo abstrato, encontrei pesquisadores em Israel que fizeram os

    experimentos que eu estava esperando. Greg Barron e Ido Erev oferecem

    evidncias experimentais de que agentes minimizam pequenas probabili-

    dades quando se envolvem em experimentos seqenciais nos quais eles

    pr p rio s de riv am as pr ob ab ili da de s, quando no lhes fornecem as probabili-

    dades. Se voc retirar uma bola de uma urna com um nmero muito pe-

    queno de bolas vermelhas e um nmero grande de bolas pretas, e se no

    possui idia das propores relativas, provvel que subestime o nmero

    de bolas vermelhas. apenas quando lhe fornecem a freqncia das

    bolas vermelhas - digamos, informando-o de que trs por cento das bo-

    las so vermelhas - que voc a superestima na deciso de sua aposta.

    Passei muito tempo me perguntando como podemos ser to mopes

    e imediatistas e ainda assim consigamos sobreviver em um ambiente que

    no inteiramente do Mediocristo. Um dia, observando a barba grisa-

    lha que me faz parecer dez anos mais velho do que sou e pensando sobre

    o prazer que tenho em exibi-Ia, percebi o seguinte: o respeito pelos mais

    velhos em muitas sociedades pode ser um tipo de compensao por nossa

    memria de curto prazo. A palavra senado vem de senatus, que significa

    "envelhecido" em latim; xeque em rabe significa igualmente um membro

    da elite dominante e "ancio". Ancies so repositrios de aprendizado in-dutivo complicado que incluem informaes sobre eventos raros. Ancies

    podem nos assustar com histrias - por isso que ficamos superexcita-

    dos quando pensamos sobre um Cisne Negro especfico. Fiquei animado ao

    descobrir que isso tambm verdade no reino animal: um trabalho publi-

    cado na Sciencemostrou que matriarcas de elefantes desempenham o papel

    de superconselheiras sobre eventos raros.Aprendemos por meio da repetio - custa de eventos que no acon-

    teceram anteriormente. Eventos que so no passveis de repetio so

    Joe y pa re cia ter um ca sa me nto fel iz. Ele ma tou a es po sa pa ra fic ar co m

    sua herana.

    Claramente, a segunda afirmao parece mais provvel primeira vista,

    o que puro engano lgico, j que a primeira, sendo mais abrangente, pode

    acomodar mais causas, como ele ter matado a mulher porque ficou louco,

    porque ela o traiu com o carteiro e com o instrutor de esqui, porque entrou

    em um estado delusional e confundiu-a com um previsor financeiro.

    Tudo isso pode levar a patologias em nossas tomadas de deciso.Como?

    Simplesmente imagine que, como foi demonstrado por Paul Slovic

    e seus colaboradores, as pessoas so mais inclinadas a pagar por seguro

    contra terrorismo do que por um seguro simples (que cobre, entre outras

    coisas, o terrorismo).

    Os Cisnes Negros que imaginamos, discutimos e que nos preocupam

    no se parecem com aqueles que provavelmente sero Cisnes Negros.

    Preocupamo-nos com os eventos "improvveis" errados, como veremos

    a seguir.

    A primeira questo sOQre o paradoxo da percepo do Cisne Negro a

    seguinte: por que alguns Cisnes Negros so ampliados por nossas mentes

    quando o tpico do livro que, em geral, ignoramos os Cisnes Negros?

    A resposta que existem duas variedades de eventos raros: a) os Cisnes

    Negros narrados, aqueles que esto presentes no discurso corrente e sobre

    os quais voc provavelmente ouvir a respeito na televiso, e b) aqueles so-

    bre os quais ningum fala, pois fogem dos modelos - aqueles que voc sen-

    tiria vergonha de discutir em pblico porque no parecem plausveis. Posso

    dizer com segurana que faz parte da natureza humana que as incidnciasde Cisnes Negros sejam superestimadas no primeiro caso e gravemente su-

    bestimadas no segundo.

    Na verdade, os compradores de bilhetes lotricos superestimam as

    chances de ganhar porque visualizam uma recompensa muito grande -

    na verdade, so to cegos s probabilidades que tratam probabilidades de

    um em mil e de um em 1 milho quase da mesma forma.

    Boa parte da pesquisa emprica concorda com o padro de supetestima-

    o e subestimao de Cisnes Negros. Kahneman e Tversky demonstraram

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    ignorados antes de ocorrerem e superestimados depois (por algum tem-po). Aps um Cisne Negro, como o 11 de Setembro de 2001,as pessoasesperam que ele volte a ocorrer, quando na verdade as chances de issoacontecer foram incontestavelmente reduzidas. Gostamos de pensar so-

    bre Cisnes Negros especficose conhecidos, quando na verdade a prprianatureza da aleatoriedade reside em sua abstrao. Como disse no Prlo-go, ela a definio errada de um deus.

    O economista Hyman Minsky v os ciclos de exposio a riscos na eco-nomia respeitarem um padro: estabilidade e ausncia de crises encorajama exposio a riscos, complacncia e conscincia reduzida da possibilida-de de problemas. Ento h uma crise, que deixa as pessoas em estado dechoque e temerosas de investirem seus recursos. Estranhamente, tantoMinsky e sua escola, chamada de ps-keynesiana, quanto seus oponentes,os economistas libertrios "austracos", fizeram a mesma anlise, s que o

    primeiro grupo recomenda a interveno governamental para amenizaro ciclo,enquanto o segundo acredita que servidores civis no deveriam serescolhidos para lidar com tais questes. Enquanto as duas escolasde pensa-mento parecem lutar entre si, ambas enfatizam a incerteza fundamental e

    posicionam-se alheias aos departamentos econmicos mais convencionais(apesar de possurem grandes nmeros de seguidores entre homens de ne-gcios e no-acadmicos}. Sem dvida, essa nfase na incerteza fundamen-tal incomoda os platonizadores.

    Todos os testes de probabilidade que discuti nesta seo so importan-tes; mostram como somos enganados pela raridade dos Cisnes Negros,mas no pelo papel desempenhado por eles no agregado, seu impacto.Em um estudo preliminar, o psiclogo Dan Goldstein e eu submetemosestudantes da London Business School a exemplos de dois domnios:Mediocristo e Extremisto. Selecionamos altura, peso e nmero de visi-

    tas por website na Internet; Os an,alisados foram bons em avaliar o papelde eventos raros em ambientes nos moldes do Mediocristo. Mas suasintuies falharam quando se tratava de variveis alheias ao Mediocris-to, mostrando que somos efetivamente inbeis na estimao intuitivado impacto do improvvel, como a contribuio de um grande best seller venda total de livros. Em um experimento, eles subestimaram em 33vezes o efeitode um evento raro.

    A seguir veremos como somos afetados por essa ausncia de com-preenso.

    Na verdade, informaes estatsticas abstratas no oscilam tanto quantoa anedota - independentemente do nvel de sofisticao da pessoa. Da-rei alguns exemplos.

    o beb italiano. No fim da dcada de 1970, um beb caiu em um fossona Itlia. A equipe de resgate no conseguiu tir-Io do buraco e a criana

    permaneceu no fundo do poo, chorando sem parar. Compreensivel-mente, a Itlia inteira acompanhava os freqentes boletins de notcia. Osgritos da criana provocavam pontadas agudas de culpa nos membros daequipe de resgate, impotentes, e nos reprteres. Seu retrato foi exibidocom destaque em revistas e jornais, e mal era possvel caminhar pelo cen-tro de Milo sem ser lembrado de sua provao.

    Enquanto isso, a guerra civil prosseguia ferozmente no Lbano, comintervalos ocasionais no conflito. Em meio prpria confuso, os libane-sestambm ficaram absortos pelo destino da criana. Da criana italiana.A 9 quilmetros de distncia, pessoas morriam vtimas da guerra e cida-

    dos eram ameaados por carros-bomba, mas o destino da criana italia-na estava entre os principais interesses da populao do bairro cristo deBeirute. "Veja como aquela pobre coisinha fofa", falavam para mim. Ea cidade inteira demonstrou alvio com o resgate final.

    Como Stalin, que tinha algum conhecimento sobre o negcio da mor-talidade, supostamente disse: "Uma morte uma tragdia; 1 milho estatstica." Estatsticas permanecem silenciosas dentro de ns.

    O terrorismo mata, mas o maior assassino continua sendo o clima,responsvel por cerca de 13 milhes de mortes ao ano. Contudo, o terro-rismo gera indignao, o que faz com que superestimemos a probabilida-

    de de um ataque terrorista em potencial- e reajamos com mais violn-cia quando um ataque ocorre. Sentimos a ferida dos danos causados pelohomem mais do que a dos causados pela natureza.

    Central Park. Voc est em um avio a caminho de um longo fim de se-mana (etlico) na cidade de Nova York, sentado ao lado de um vendedorde seguros que, sendo um vendedor, no consegue parar de falar.Paraele,no falar a atividade que requer mais esforo. Ele diz a voc que o

    primo (comquem celebrar o feriado) trabalhou em um escritrio de

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    advocacia com algum que tem um cunhado cujo patro tem um irmogmeo que foi assaltado e assassinado no Central Park. verdade, o Cen-tral Park na gloriosa cidade de Nova York.Isso foi em 1989, se ele noest enganado (estamos em 2007). A pobre vtima tinha apenas 38 anos,era casado e tinha trs filhos, dos quais um nascera com um problemae precisava de tratamento especial no Centro Mdico de Comell. Trscrianas, das quais uma precisava de tratamento especial, perderam o pai

    por causa de uma visita tola ao Central Park.Bem, provvel que voc evite o Central Park durante sua estada.Voc sabe que pode obter as estatsticas da criminal idade na Web ou dequalquer brochura, em vez da informao anedtica de um vendedorcom incontinncia verbal. Mas voc no consegue evitar. Durante algumtempo, o nome Central Park evocar a imagem daquele pobre homem,que no merecia tal destino, deitado na grama poluda. Ser preciso mui-ta informao estatstica para anular sua hesitao.

    ncontros so os nicos em que no sofro de tenso nos ombros nem deacessos de raiva). Ela associada escola de pesquisas iniciada por DanielKahneman, Amos Tverskye seusamigos,como Robyn Dawese Paul Slovic.A sociedade composta principalmente por psiclogos empricos e cien-tistas cognitivos cuja metodologia se limita estritamente a executar expe-rimentos muito precisos e controlados (tal como a fsica)em humanos e afazer catlogos de como as pessoas reagem, com o mnimo de teorizaes.

    Elesbuscam regularidades. Observe que psiclogosempricos usam a curvana forma de sino para medir erros nos mtodos de testagem, mas, comoveremos mais tecnicamente no Captulo 15,essa uma das raras aplicaesadequadas da curva na forma de sino na cincia social,graas natureza dosexperimentos. J vimos esses tipos de experimentos neste captulo, com a

    .enchente na Califmia, e com a identificao da parcialidade confirmatriano Captulo 5. Os pesquisadores mapearam nossas atividades(grosso modo)em um modo duplo de pensamento, que separam como "Sistema 1"e "Sis-tema 2", ou o experiencial e o cogitativo.A distino objetiva:

    Conduzir motocicletas. Da mesma forma, a morte de um parente em umacidente de moto tem mais chances de influenciar sua atitude em relaoa motocicletas do que volumes de anlises estatsticas. Voc pode, semesforo algum, ver na Web as estatsticas de acidentes, mas eles no vm mente com muita facil~dade.Repare que eu dirijo minha Vespa verme-lha pela cidade, j que ningum em meu ambiente prximo sofreu umacidente recentemente - apesar de eu ter conscincia desse problemalgico, sou incapaz de tomar uma atitude.

    Mas no discordo daqueles que recomendam o uso de uma narrativapara manter a ateno. Na verdade, a conscincia pode estar ligada capa-cidade de elaborar algum tipo de histria sobre ns mesmos. S que acon-tece que a narrativa pode ser letal quando usada nos lugares errados.

    Sistema 1,o experiencial, no requer esforo e automtico, rpido, opa-co (no sabemos que o estamos utilizando), processado paralelamente eest sujeito a erros. o que chamamos de "intuio", o que executa osatos rpidos de proeza que se tornaram populares sob o nome de blink[piscar de olhos], inspirado no ttulo do best seller de Malcolm Gladwell.O Sistema 1 altamente emocional, precisamente por ser rpido. Produzatalhos, chamados de "heurstica", que nos permitem funcionar com ra-

    pidez e eficincia. Dan Goldstein chama a heurstica de "rpida e frugal".Outros preferem cham-Ia de "veloz e suja". Agora, os atalhos so certa-mente virtuosos, j que so rpidos, mas, s vezes, podem nos conduzir a

    erros graves. Essa idia central gerou uma escola de pesquisa chamada deabordagem da heurstica edos vieses(a heurstica corresponde ao estudodos atalhos e os vieses correspondem aos erros).

    A seguir irei alm da narrativa para discutir os atributos mais geraisdo pen-samento e do raciocnio por trs de nossa superficialidade incapacitante.Esses defeitos no processo de raciocnio foram catalogados e investigados

    por uma poderosa tradio de pesquisa representada por uma escola cha-mada de Sociedade de Julgamento e de Tomada de Decises (a rtica so-ciedade acadmica e profissional de que sou membro, e com orgulho; seus

    Sistema 2, o cogitativo, o que chamamos normalmente depensamento.Ele o que voc usa em uma sala de aula, pois exige esforo (at para osfranceses) e raciocnio, e lento, lgico, seqencial, progressivo e au-toconsciente (pode-se seguir os passos do prprio raciocnio). Cometemenos erros que o sistema experiencial e, como se sabe como se derivou

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    o resultado, possvel refazer os passos e corrigi-los de maneira adapta-

    tiva.A maior parte de nossos erros de raciocnio acontece quando usamos

    o Sistema 1,mas, na verdade, achamos que estamos usando o Sistema 2.Como? J que reagimos sem pensamento nem introspeco, a proprie-dade principal do Sistema 1 a falta de conscincia de estarmos utilizan-

    do-o.

    Lembre-se do erro de ida-e-volta, nossa tendncia a confundir "ne-nhuma evidncia de Cisnes Negros" com "evidncia de nenhum CisneNegro"; ele demonstra o Sistema 1 em funcionamento. Voc precisa fa-zer um esforo (Sistema 2) para anular a primeira reao. Claramente, aMe Natureza faz com que voc utilize o rpido Sistema 1 para livrar-sede problemas, para que voc no se sente e reflita se realmente existe umtigre o atacando ou se uma iluso de tica. Voc corre imediatamente,antes de se tornar "consciente" da presena do tigre.

    As emoes so consideradas a arma que o Sistema 1 usa para direcio-nar-nos e forar-nos a agir rpido. Ele media a anulao de erros muitomais eficientemente do que nosso sistema cognitivo. Na verdade, neuro-

    bilogos que estudaram o sistema emocional mostram como ele costumareagir presena do perigo muito antes de que tenhamos conscinciadele - sentimos medo e c,omeamos a reagir alguns milissegundos antesde perceber que estamos encarando uma cobra.

    Boa parte do problema da natureza humana reside em nossa inca-pacidade de usar muito o Sistema 2, ou de us-lo de forma prolongada,sem que se precise tirar longas frias na praia. Alm disso, costumamossimplesmente nos esquecer de us-lo.

    'servamos muito bem as funes cerebrais. Algumas pessoas tentam iden-tificar o que se chama de correlatos neurais, por exemplo, das tomadas dedecises, ou, mais agressivamente, os "substratos" neurais da memria.O crebro pode ser um equipamento mais complicado do que pensamos;fomos enganados repetidas vezes no passado por sua anatomia. Mas po-demos, contudo, calcular regularidades executando experimentos preci-sos e completos sobre como pessoas reagem sob certas condies, e man-

    ter um registro do que observamos.Para um exemplo que justifique o ceticismo em torno da confiabi-lidade incondicional da neurobiologia e vingue as idias da escola em-

    prica de medicina qual Sextus pertencia, consideremos a intelignciados pssaros. Li diversas vezes em vrios textos que o crtex onde osanimais "pensam", e que criaturas com os maiores crtices so as maisinteligentes - ns, humanos, temos o maior crtex, seguidos por execu-tivos de bancos, golfinhos e nossos primos, os macacos. Bem, aconteceque alguns pssaros, como os papagaios, possuem um alto nvel de inteli-gncia, equivalente ao dos golfinhos, mas que a inteligncia dos pssarosest correlacionada ao tamanho de outra parte do crebro, o estriato.Portanto a neurobiologia, com seu atributo de "cincia pura", pode svezes, mas nem sempre, engan-lo com uma afirmao redutiva, plato-nizada. Fico impressionado que os "empricos", cticos quanto a ligaesentre anatomia e funo, tiveram tal insight - no de se surpreenderque sua escola tenha desempenhado um papel muito pequeno na histriaintelectual. Como empirista ctico, prefiro os experimentos da psicologiaemprica aos exames de ressonncia magntica com base em teorias dosneurobilogos, mesmo que os primeiros aparentem ser "menos" cient-ficos para o pblico.

    Observe que os neurobilogos fazem, grosso modo, uma distino simi-lar que feita entre o Sistema 1 e o Sistema 2, s que operam segundolinhas anatmicas. Essa distino estabelece diferenas entre partes docrebro, a parte cortical, que supostamente usamos para pensar e que nosdistingue dos outros animais, e o crebro lmbico, de reao rpida, quecompartilhamos com outros mamferos e o centro das emoes.

    Como emprico ctico no quero ser o peru, de forma que no querome concentrar somente em rgos especficos no crebro, j que no ob-

    Concluirei dizendo que a incompreenso do Cisne Negro pode ser lar-gamente atribuda ao uso do Sistema 1, ou seja, de narrativas, e ao sen-sacional- assim como o emocional- que nos impe um mapa erradoda probabilidade dos eventos. No dia-a-dia, no somos suficientementeintrospectivos para que percebamos que compreendemos um pouco me-nos do que est acontecendo do que seria justificvel a partir de uma ob-servao imparcial de nossas experincias. Tambm tendemos a esquecer

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    a noo dos Cisnes Negros logo aps a ocorrncia de um deles - j queso abstratos demais para ns -'-, concentrando-nos, em vez disso, noseventos especficos e vvidos que nos ocorrem facilmente. Ns nos preo-cupamos com Cisnes Negros, s que com os errados.

    Deixe-me inserir o Mediocristo nisso. No Mediocristo, as narrativasparecem funcionar - o passado provavelmente ceder nossa inquisi-o. Mas no no Extremisto, onde no h repetio, e onde necessrio

    suspeitar constantemente do passado furtivo e evitar a narrativa fcil ebvia.Considerando que tenho vivido basicamente privado de informaes,

    senti com freqncia que vivo em um planeta diferente do dos meus co-legas, o que, s vezes, pode ser doloroso ao extremo. corno se tivessemum vrus controlando seus crebros que os impede de ver as coisas dire-tamente - o Cisne Negro depois da esquina.

    A maneira de se evitar os males da falcia narrativa preferir a expe-rimentao a contar histrias, a experincia histria e o conhecimentoclnico s teorias. Certamente, o jornal no pode conduzir um experi-mento, mas pode escolher um relatrio e no outro - existem pesquisasempricas suficientes que se pode apresentar e interpretar -, corno estoufazendo neste livro. Ser emprico no significa manter um laboratriono poro: apenas urna pJ.:edisposiomental que prefere certa classe deconhecimento a outras. No me probo de usar a palavra causa, mas ascausas que discuto so especulaes ousadas (apresentadas corno tais) ouresultados de experimentos, no histrias.

    Outra abordagem fazer previses e manter urna tabela do que foiprevisto.

    Finalmente, pode haver urna forma de se usar urna narrativa - maspor um bom motivo. Somente um diamante pode cortar um diaman-

    te; podemos usar nossa capacidade de convencer com urna histria quetransmita a mensagem certa - o que os contadores de histria parecemfazer.

    At agora discutimos dois mecanismos internos por trs da cegueiraaos Cisnes Negros: a parcialidade confirmatria e a falcia narrativa. Os

    prximos captulos abordaro um mecanismo externo: um defeito nomodo como recebemos e interpretamos eventos registrados e um defeitona maneira como agimos em funo deles.

    V IV EN D O N AA N T EC M A R A D A ES PE RA N A

    Como evitar bebedouros - Escolha seu cunhado - O livro favorito de Yevge-

    nia - O que os desertos podem e no podem dar - Sobre evitara esperan-

    a - EIdesierto de Ias trtaros - As virtudes do cmara lenta

    Pressuponha que, como Yevgenia, suas atividades dependam de umasurpresa em forma de Cisne Negro - que voc seja um peru ao contr-rio. Atividades intelectuais, cientficas e artsticas pertencem provn-cia do Extremisto, onde h urna concentrao acentuada de sucesso,com um nmero muito pequeno de vencedores reivindicando grande

    parte do total. Isso parece aplicvel a todas as atividades profissionaisque considero no montonas e "interessantes" (ainda estou procu-

    rando por um nico contra-exemplo, uma atividade no montonaque pertena ao Mediocristo).

    Reconhecer o papel dessa concentrao de sucesso e agir de acordo fa-zem com que sejamos punidos duas vezes:vivemos em uma sociedade naqual o mecanismo de recompensa baseado na iluso do regular; nossosistema hormonal tambm precisa de resultados tangveis e estveis. Eletambm pensa que o mundo estvel e bem-comportado, pois tem umfraco pelo erro da confirmao. O mundo mudou rpido demais paranossa estrutura gentica. Somos alienados de nosso ambiente.

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    projetos que oferecem essas coisas. Voc est com problemas. Aconteceo mesmo com todos os cientistas, artistas e pesquisadores perdidos nasociedade, em vez de viverem em uma comunidade isolada ou em umacolnia de artistas.

    Todas as manhs voc deixa s~u apartamento apertado no East Village,em Manhattan, para ir ao laboratrio na Rockefeller University, na altu-ra da rua Sessenta e po~cos, no East Side. Voc retoma tarde da noite eas pessoas em seu crculo social perguntam se teve um bom dia, s poreducao. No laboratrio, as pessoas tm mais tato. claro que no teveum bom dia; voc no descobriu nada. Voc no um relojoeiro. Seun o

    descobrir nada muito valioso, pois parte do processo de descoberta- ei, voc sabe onde n o procurar. Outros pesquisadores, conhecen-do seus resultados, tentariam evitar seu experimento especial, desde queuma publicao seja suficientemente atenciosa a ponto de considerar seu"nada descoberto" uma informao e o publique.

    Enquanto isso, seu cunhado vendedor em uma empresa da WallStreet e sempre recebe comisses altas - e constantes. "Ele est indomuito bem", voc ouve, especialmente de seu sogro, com um nanosse-gundo pequeno e pensativo depois de falar - o que faz com que voc

    perceba que ele acaba de fazer uma comparao. Uma comparao invo-

    luntria, mas ele a fez.Feriados podem ser terrveis. Voc depara com seu cunhado em reu-

    nies de famlia e, invariavelmente, detecta sinais de frustrao incon-fundveis por parte de sua mulher, que por um instante teme ter casadocom um perdedor, antes de se lembrar da lgica de sua profisso. Masela precisa lutar contra o primeiro impulso. A irm dela no pra defalar sobre a reforma que esto fazendo e sobre o papel de parede novo.

    No carro, a caminho de casa, sua mulher estar um pouco mais silencio-sa do que de costume. O mau humor ser um pouco acentuado porqueo carro que est dirigindo alugado, pois voc no tem condies de ar-

    car com uma garagem em Manhattan. O que voc deve fazer? Mudar-separa a Austrlia, tornando as reunes de famlia menos freqentes, outrocar de cunhado, casando-se com algum que tenha um irmo menos"bem -sucedido"?

    Ou ser que deveria passar a se vestir como um hippie e tornar-se de-safiador? Isso pode funcionar para um artista, mas no funciona to facil-mente para um cientista ou executivo. Voc est em um beco sem sada.

    Voc trabalha em um projeto que no oferece resultados imediatos ouconstantes; durante todo o tempo, as pessoas ao seu redor trabalham em

    Resultados substanciais positivos, pelos quais recebemos uma grande re-compensa ou nada, prevalecem em diversas profisses, incluindo as queso imbudas de uma idia de misso, como buscar com determinao(em um laboratrio malcheiroso) a cura elusiva do cncer, escrever umlivro que mudar o modo como as pessoas vem o mundo (enquantomal d para pagar as contas), fazer msica ou pintar cones em miniaturaem trens do metr e considerar isso uma forma elevada de arte, apesardas diatribes do antiquado "acadmico" Harold Bloom.

    Sevoc um pesquisador, precisar publicar artigos sem importnciaem publicaes "prestigiosas" para que outros lhe digam ol, ocasional-mente, quando os encontrar em conferncias.

    Se administra uma corporao pblica, as coisas estavam timas antesde ter acionistas, quando voc e seus scios eram os nicos proprietrios,

    alm de capitalistas empreendedores e espertos que compreendiam re-sultados irregulares e a natureza oscilante da vida econmica. Mas agorah um analista de ttulos de 30 anos que pensa lentamente, em uma firmano centro de Manhattan, e que "julga" seus resultados e interpreta-osexcessivamente. Ele gosta de recompensas rotineiras, e a ltima coisa quevoc pode fornecer so recompensas rotineiras.

    Muitas pessoas trabalham toda a vida com a impresso de que esto fa-zendo algo certo, mas que pode no apresentar resultados slidos duran-te muito tempo. Elasprecisam ter a capacidade de adiar continuamente agratificao para sobreviver a uma dieta contnua de crueldade dos iguais

    sem que sejam desmoralizadas. Parecem idiotas para os primos, parecemidiotas para os colegas e precisam de coragem para seguir em frente. Norecebem nenhuma confirmao, nenhuma validao, no so cercadas

    por alunos bajuladores nem recebem um Nobel nem nada. "Como foiseu ano?", esta pergunta desperta um pequeno mas controlvel espasmode dor dentro delas, j que quase todos os anos parecero ter sido des-

    perdiados aos olhos de quem observa sua vida do exterior. Ento bang,acontece o evento importante que traz a grande vingana. Ou ele podenunca acontecer.

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    Acreditem em mim, difcil lidar com as conseqncias sociais da

    aparncia de fracasso constante ..Somos animais sociais; o inferno so os

    outros.

    s instinto animal, que pede recompensas imediatas. Portanto, no finaldas contas, somos um pouco melhores que os animais - mas talvez no

    muito. E no o tempo todo.

    Nossas intuies no so adequadas a no linearidades. Considere a vida

    em um ambiente primitivo onde processo e resultado esto intimamen-te conectados. Voc tem sede; beber algo proporciona a satisfao ade-

    quada. Ou mesmo em um ambiente no to primitivo, quando voc se

    envolve na construo de, digamos, uma ponte ou uma casa de pedra,

    mais trabalho resultar em resultados mais aparentes, ento seu humor

    melhorado pela constncia de uma resposta visvel.

    Em um ambiente primitivo, Orelevante o sensacional. Isso aplicvel

    ao conhecimento. Quando tentamos reunir informaes sobre o mundo ao

    nosso redor, tendemos a ser guiados pela biologia, e nossa ateno flui sem

    esforo rumo ao sensacional - no tanto para o relevante quanto para o

    sensacional. De alguma forma, o sistema de orientao deu errado em nos-

    so processo de coevoluo com o habitat - ele foi transplantado para um

    mundo no qual o relevante muitas vezes maante, no-sensacional.

    Alm do mais, pensamos que se, digamos, duas variveis so ligadas

    causalmente, ento uma entrada constante em uma varivel deveria sem-

    pr e gerar um resultado na outra. Nosso aparato emocional projetado

    para a causalidade linear. Por exemplo, se estudar todos os dias, voc

    espera aprender proporcionalmente aos estudos. Se voc acha que no

    est chegando a lugar algum, suas emoes faro com que fique desmo-

    ralizado. Mas a realidade moderna raramente nos d o privilgio de uma

    progresso satisfatria, linear e positiva: voc pode pensar sobre um pro-

    blema durante um ano e no prender nada; ento, a no ser que se sinta

    desencorajado pelo vazio dos resultados e desista, algo lhe ocorrer em

    umlampejo.

    Pesquisadores passaram algum tempo lidando com essa noo de gra-

    tificao; a neurologia tem nos iluminado sobre a tenso entre as idias

    de recompensas imediatas e adiadas. Voc prefere uma massagem hoje

    ou duas na semana que vem? Bem, a novidade que a parte lgia da

    mente, a mais "elevada", que nos distingue dos animais, pode anular nos-

    A situao-pode se tornar um pouco mais trgica - o mundo bem mais

    no linear do que pensamos e do que os cientistas gostariam de achar.Com linearidades, as relaes entre as variveis so claras, acentuadas

    e constantes - portanto, platonicamente fceis de se entender em uma

    nica frase, como "Um aumento de 10 por cento no dinheiro depositado

    no banco corresponde a um aumento de 10 por cento na renda na forma

    de juros e em um aumento de 5 por cento na solicitude por parte do ban-

    queiro pessoal". Se voc tem mais dinheiro no banco, recebe mais juros.

    Relaes no lineares podem variar; talvez a melhor forma de descrev-Ias

    seja dizer que no podem ser expressas verbalmente de uma maneira que

    faa jus a elas. Observe a relao entre prazer e beber gua. Se estiver em

    um estado de sede agoniante, uma garrafa d'gua aumenta significativa-

    mente seu bem-estar. Mais gua significa mais prazer. Mas e se eu desse avoc uma cisterna d'gua? Claramente, o bem-estar torna-se rapidamente

    insensvel a outras quantidades. Na verdade, se eu lhe desse a opo entre

    uma garrafa e uma cisterna, voc preferiria a garrafa - portanto, o prazer

    diminui com quantidades adicionais.

    Essas relaes no lineares so abundantes na vida. Relaes lineares

    so verdadeiramente a exceo; s nos concentramos nelas nas salas de

    aula e em livros-texto porque so fceis de entender. Ontem tarde ten-

    tei olhar ao meu redor com novos olhos para catalogar as coisas lineares

    que pudesse encontrar ao longo do dia. No encontrei nada, assim como

    algum que caa quadrados ou tringulos no conseguiria encontr-Iosem uma floresta tropical - ou, como veremos na Parte Trs, no mais

    do que algum que procura por aleatoriedades em curvas na forma de

    sino conseguiria encontr-Ias em fenmenos socioeconmicos.

    Voc joga tnis diariamente sem qualquer melhora e de repente co-

    mea a ganhar do profissional.

    Seu filho no parece ter problemas de aprendizado, mas no demons-

    tra querer falar. A diretora da escola pressiona-o a comear a considerar

    "outras opes", ou seja, terapia. Voc discute com ela, sem resultados

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    (ela , supostamente, a "especialista"). Ento, de repente, a criana co-mea a compor frases elaboradas, talvez um pouco elaboradas demais

    para a idade. Repito que a progresso linear, uma idia platnica, no a norma.

    cllsideraes desaparecem porque sua mente est voltada para coisasmuito maiores e melhores. Mas isso no significa que a pessoa protegidade buscas materialistas torne-se imune a outras dores, as geradas pelodesrespeito. Com freqncia, os caadores de Cisnes Negros sentem ver-gonha, ou so forados a sentir vergonha, por no co.~tri~urem. "Voctraiu aqueles que tinham grandes esperanas em voce , dlzem-Ihes, au-mentando-o sentimento de culpa. O problema de recompensas irregula-

    res no est tanto na falta de renda envolvida, mas na hierarquia social, aperda de dignidade e as humilhaes sutis prximas ao bebedouro.Minha grande esperana ver algum dia a cincia e os tomadores de

    decises redescobrirem o que os antigos sempre souberam: que a moedamais valiosa que temos o respeito.

    Mesmo economicamente, os caadores individuais de Cisnes Negrosno so os que ganham dinheiro. O pesquisador Thomas Astebro de-monstrou que os retornos gerados por invenes independentes (levan-do em conta o cemitrio) so muito menores do que os gerados pelocapital em investimento de risco. Alguma cegueira s probabilidades ouuma obsesso com o prprio Cisne Negro positivo necessria para ofuncionamento de empreendedores. O capitalista que investe com risco que fica com os shekels. O economista William Baumol chama isso de"um toque de loucura". Tal idia pode realmente ser aplicvel a todos osnegcios concentrados: quando se observa o registro emprico, percebe-se que no s os capitalistas que investem com risco saem-se melhor doque os empreendedores, mas tambm que editores saem-se melhor queescritores, vendedores saem-se melhor que artistas e que a cincia se saimelhor do que cientistas (cerca de 50 por cento dos artigos cientficos eacadmicos, que exigiram meses, s vezes anos, de esforos, nunca sorealmente lidos). Apessoa envolvida em tais apostas paga em uma moe-

    da diferente do sucesso material: esperana.

    Ns preferimos o sensacional e o extremamente visvel, o que afeta a ma-neira pela qual julgamos os heris. Existe pouco espao em nossa cons-cincia para heris que no apresentam resultados visveis - ou para osheris que se concentram no processo em vez de nos resultados.

    No entanto, aqueles que alegam que preferem o processo aos resultadosno esto dizendo toda a verdade, presumindo, claro, que sejam mem-

    bros da espcie humana. Ouvimos com freqncia a meia mentira de queescritores no escrevem pela glria, que artistas criam pelo bem da arte,

    porque a atividade "a prpria recompensa". verdade que tais atividadespodem gerar um fluxo constante de auto-satisfao. Mas isso no significaque artistas no desejem alguma forma de ateno nem que no estariam

    melhor se fossem um pouco divulgados; no significa que escritores noacordem cedo nas manhs de domingo para conferir se o The New York Times Book Review fala so~re seu trabalho, mesmo que isso seja muito im-

    provvel, ou que no fiquem checando a caixa de correio esperando rece-ber aquela to aguardada resposta do The New Yorker.At um filsofo docalibre de Hume passou algumas semanas doente, de cama, depois que suaobra-prima (que mais tarde passou a ser conhecida como sua verso do

    problema do Cisne Negro) foi duramente atacada por um crtico de inteli-gncialimitada - que estavaerrado e no entendera nada do que fora dito

    pelo filsofo, como bem sabia Hume.

    Isso comea a doer quando voc v um colega, a quem despreza, ir aEstocolmo para receber o Nobel. -

    A maioria das pessoas envolvidas nas buscas que chamamos de "con-centradas" passa a maior parte do tempo esperando pelo grande dia que(em geral) nunca chega.

    verdade que isso desvia sua mente das trivialidades da vida _ ocappuccino que est quente ou frio demais, o garom lento ou intrusivodemais, a comida com muito ou pouco tempero, o quarto caro de hotelque - .

    nao se parece propnamente com a foto anunciada - todas estas

    Natureza humana, felicidade e recompensas irregulares

    Investigarei aqui a idia principal por trs do que os pesquisadores cha-mam de felicidade hednica.

    Faturar 1 milho de dlares em um ano e nada nos nove anos ante-riores no proporciona o mesmo prazer que ter o total dividido igual-mente ao longo do mesmo perodo, ou seja, 100 mil dlares por ano

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    durante dez anos consecutivos. O mesmo aplica-se ordem inversa

    - faturando uma quantia alta no primeiro ano e depois mais nada pelo

    perodo restante. De alguma forma, o sistema de prazer ficar saturado

    rapidamente, e no sustentar o equilbrio hednico como no caso de

    uma restituio total de impostos. Na verdade, a felicidade depende

    muito mais do nmero de instncias de sentimentos positivos, chama-

    dos pelos psiclogos de "influncia positiva", do que da intensidade

    deles quando ocorrem. Em outras palavras, boas-novas so, antes de

    tudo, boas-novas; oquanto so boas importa muito pouco. Assim, parater uma vida agradvel, voc deveria espalhar essas pequenas "influn-

    cias" ao longo do tempo da maneira mais homognea possvel. Muitas

    notcias moderadamente boas so preferveis a uma nica notcia mui-to boa.

    Infelizmente, pode ser ainda pior para voc ganhar 10 milhes de d-

    lares e depois perder nove do que no ganhar nada! verdade que voc

    pode terminar com 1 milho (comparado a nada), mas poderia ter sido

    melhor no ter obtido absolutamente nada. (Pressupe-se, claro, que

    voc se importa com recompensas financeiras.)

    Portanto, de um ponto de vista contbil estritamente definido, queposso chamar aqui de "clculo hednico", no compensa jogar em bus-

    ca de uma nica grande vitria. A Me Natureza destinou-nos a obter

    prazer de um fluxo constante de recompensas pequenas, mas freqentes

    - um pouco aqui e um pouco ali. Considere que, durante milhares de

    anos, nossa maior satisfao vinha na forma de comida e gua (e outra

    coisa mais privada), e que, apesar de termos uma necessidade constantedessas coisas, atingimos a saturao muito rpido.

    O problema, obviamente, que no vivemos em um ambiente em que

    os resultados so obtidos de forma regular - os Cisnes Negros dominam

    boa parte da histria huma?a. uma pena que a estratgia adequada

    para o ambiente atual possa no oferecer recompensas internas e reaespositivas.

    A mesma propriedade reversa aplicvel infelicidade. melhor reu-

    nir toda a dor em um perodo curto do que espalh-Ia por um perodomais longo.

    Contudo, algumas pessoas acham possvel transcender a assimetria de

    dores e prazeres, escapar do dficit hednico, colocar-se fora desse jogo

    - e viver com esperana. Mas h boas-novas, como veremos a seguir.

    Para Yevgenia Krasnova, uma pessoa poderia amar um livro, no mximo

    alguns - mais do que isso seria uma forma de promiscuidade. Aqueles

    que falam sobre livros como se fossem produtos no so autnticos, da

    mesma forma que as pessoas que colecionam conhecidos podem ser super-

    ficiais nas amizades. Um romance que voc gosta como um amigo. Voc

    l e rel o livro, passando a conhec-Io melhor. Como um amigo, voc o

    aceita como , sem julg-lo. Perguntaram a Montaigne "por que" ele e o es-critor Etienne de Ia Botie eram amigos - o tipo de pergunta que lhe fazem

    em um coquetel como se voc soubesse a resposta, ou como se houvesse

    alguma resposta a saber. Foi tpico de Montaigne responder: "Parce que

    c'tait lui, parce que c'tait mot (porque era ele e porque era eu). Da mes-

    ma forma, Yevgenia diz que gosta daquele livro "porque ele ele e porque

    eu sou eu". Certa vez, Yevgenia chegou a abandonar a aula de um profes-

    sor na escola porque ele analisou o livro e violou a regra dela. No se fica

    sentado sem fazer nada enquanto analisam profundamente seus amigos.

    Ela era uma aluna muito teimosa.

    O livro que Yevgenia tem como amigo Il deserto dei tartari, de DinoBuzzati, um romance que era bastante conhecido na Itlia e na Frana

    durante a infncia de Yevgenia, mas que, estranhamente, ningum que

    ela conhecia na Amrica ouvira falar a respeito. Seu ttulo em ingls foi

    traduzido erroneamente como The Tartar Steppe, em vez de The Desert

    of the Tartars.

    Yevgenia encontrou Il deserto aos 13 anos, na casa de campo dos pais,

    onde passavam o fim de semana, em uma pequena cidade a 200 quilme-

    tros de Paris, onde os livros russos e franceses da famlia multiplicavam-

    se sem as limitaes de espao do apartamento abarrotado de Paris. Ela

    estava to entediada no campo que nem conseguia ler. Ento, uma tarde,abriu o livro e foi tragada por ele.

    Giovanni Drogo um homem promissor. Ele acaba de se graduar na

    academia militar com a patente de suboficial e a vida ativa est apenas

    comeando. Mas as coisas no acontecem como planejadas: sua primeira

    misso de quatro anos em um posto remoto, a fortaleza Bastiani, prote-

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    gendo a nao dos trtaros que podem realizar uma invaso pelo desertona fronteira - uma posio no muito desejvel. A fortaleza fica a alguns

    dias a cavalo de distncia da cidade; no h nada exceto aridez ao redor

    - nada do agito social que um homem daquela idade poderia esperar.

    Drogo acha que a misso no posto remoto temporria, uma forma de

    cumprir o dever antes que surgissem posies mais atraentes. Mais tarde,

    de volta cidade, no uniforme impecavelmente passado e com seu porte

    atltico, poucas damas resistiriam a ele.

    O que h para Drogo fazer nesse buraco? Ele descobre uma brecha,

    uma forma de ser transferido depois de apenas quatro meses - e decide

    us-Ia.

    Contudo, no ltimo minuto, Drogo olha para o deserto pela janela

    do consultrio mdico e decide prolongar a estada. Algo nas paredes do

    forte e a paisagem silenciosa o seduzem. A atrao do forte e a espera

    pelos atacantes, pela grande batalha contra os ferozes trtaros, tornam-se

    gradualmente sua nica razo de existir. A atmosfera em todo o forte de

    expectativa. Os outros homens passam o tempo observando o horizonte

    e esperando o grande acontecimento do ataque inimigo. Esto to con-

    centrados que, em ocasies raras, conseguem detectar o animal perdi-do mais insignificante que aparece na margem do deserto e confundi-Io

    com um ataque inimigo.,

    Como era de se esperar, Drogo passa o resto da vida prolongando sua

    estada, adiando o comeo da vida na cidade - 35 anos de pura esperan-

    a, gastos no fascnio da idia de que um dia, das montanhas remotas

    que nenhum humano jamais atravessou, os atacantes surgiro finalmen-

    te, ajudando-o a dar o melhor de si.

    No fim do livro, vemos Drogo morrendo em uma estalagem de beira

    de estrada enquanto o evento pelo qual esperou toda a vida acontece. Ele

    o perdeu.

    que voc deseja demais que acontea. Drogo est obcecado e cego pelapossibilidade de um evento improvvel; a ocorrncia rara sua raison

    d'tre. Aos 13 anos, quando descobriu o livro, mal sabia Yevgenia que

    ela prpria passaria uma vida inteira interpretando o papel de Giovanni

    Drogo na ante cmara da esperana, aguardando o grande evento, fazen-

    do sacrifcios por ele e recusando estgios intermedirios, os prmios de

    consolaD.Ela no se incomodava com a doce armadilha da expectativa: para ela,

    era uma vida que valia a pena ser vivida; valia a pena viver na simplici-

    dade catrtica de um nico propsito. Realmente, "tome cuidado com

    o que deseja": ela pode ter sido mais feliz antes do Cisne Negro de seu

    sucesso do que depois.

    Um dos atributos de um Cisne Negro uma assimetria nas conse-

    qncias - sejam elas positivas ou negativas. Para Drogo, as conseqn-

    cias foram 35 anos gastos na antecmara da esperana por apenas algu-

    mas poucas horas de glria distribudas aleatoriamente - que ele acabou

    perdendo.

    Yevgenia leun deserto diversas vezes; at aprendeu italiano (e talvez te-nha casado com um italiano) para que pudesse l-lo no original. Mas

    nunca teve coragem de reler o fim doloroso.

    Apresentei o Cisne Negro como o outlier, o evento importante que

    no se espera que acontea. Mas considere o oposto: o evento inesperado

    Repare que no havia nenhum cunhado no crculo social de Drogo. Ele

    teve a sorte de contar com companheiros em sua misso. Era membro de

    uma comunidade na entrada do deserto cujos membros olhavam aten-

    tamente para o horizonte, juntos. Drogo tinha a vantagem da associao

    com colegas e da privao de contato social com outras pessoas de fora

    da comunidade. Somos animais locais, interessados em nossa vizinhana

    imediata - mesmo que as pessoas longe de ns nos considerem idiotas

    completos. EssesHomo sapiensso abstratos e distantes e no nos importa-

    mos com eles porque so pessoas com quem no queremos nos depararem elevadores nem estabelecer contato visual. s vezes, a superficialida-

    de pode funcionar a nosso favor.

    Pode ser uma banalidade dizer que precisamos dos outros para mui-

    tas coisas, mas precisamos deles muito mais do que nos damos conta,

    especialmente para dignidade e respeito. Na verdade, temos pouqussi-

    mos registros histricos de pessoas que conquistaram qualquer coisa ex-

    traordinria sem essa validao dos colegas - mas temos a liberdade de

    escolher nossos colegas. Se olharmos para a histria das idias, veremos

  • 5/26/2018 A L gica Do Cisne Negro - Parte 2

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    escolas de pensamento formando-se ocasionalmente e produzindo obrasincomuns e impopulares for da escola. Voc ouve sobre os esticos, oscticos acadmicos, os cnicos, os cticos pirrnicos, os essnios, os sur-realistas, os dadastas,'os anarquistas, os hippies e os fundamentalistas.Uma escola permite que algum com idias incomuns com a possibilida-de remota de uma recompensa encontre companhia e crie um microcos-mo isolado dos outros. Os membros do grupo podem ser banidos junto s- o que melhor do que ser banido sozinho.

    Caso voc se envolva em uma atividade que depende do Cisne Negro, melhor ser parte de um grupo.

    teto do quarto com 14 rachaduras, assim como o prdio branco caindoaos pedaos no outro lado da rua, com 63 janelas, todas necessitando delimpeza profissional.

    Nero dizia que, quando bebia, ficava vontade com o italiano, entoYevgeniadeu-lhe uma cpia deIl deserto. Nero no lia romances - "Ro-mances so divertidos de se escrever, no de se ler", dizia. Assim, deixouo livro na mesa-de-cabeceira durante algum tempo.

    Nero e Yevgenia eram, de certo modo, como noite e dia. Yevgenia iapara a cama ao amanhecer, pois trabalhava em seus manuscritos noite.Nero levantava ao amanhecer, como a maioria dos operadores, mesmonos fins de semana. Ento, trabalhava por uma hora em sua obra, Tratadosobre probabilidade, e no tocava mais nela depois disso.Elevinha escre-vendo havia uma dcada e sentiu pressa de termin-Ia somente quandosua vida foi ameaada. Yevgenia fumava, Nero preocupava-se com a sa-de epassava pelo menos uma hora por dia na academia de ginstica ou na

    piscina. Yevgenia relacionava-se com intelectuais e bomios; Nero costu-mava sentir-se confortvel com operadores safos e homens de negciosque nunca tinham ido faculdade e falavam com sotaque do Brooklyn

    carregadssimo.Yevgenia nunca compreendeu como um classicista e po-liglota como Nero relacionava-se com aquele tipo de gente.E o pior eraque Yevgenia tinha um desprezo exagerado por dinheiro digno da QuintaRepblica francesa, a no ser que estivesse disfarado com uma fachadaintelectual ou cultural, e ela mal conseguia suportar aqueles sujeitos doBrooklyn com dedos grossos epeludos e contas bancrias gigantescas. Osamigos ps-Brooklyn de Nero, por sua vez, consideravam-na arrogante.(Um dos efeitos da prosperidade foi uma migrao constante de pessoassafas do Brooklyn para Staten Island e Nova Jersey.)

    Nero tambm era elitista, insuportavelmente elitista, mas de uma for-

    ma diferente. Eleseparava as pessoas que conseguiam ligar ospontos, nas-cidas no Brooklyn ou no, das que no conseguiam, independentementedo nvel de sofisticao e de escolaridade.

    Alguns meses mais tarde, depois de livrar-se de Yevgenia (com extre-mo alvio), Nero abriu Il deserto e foi tragado pelo livro. Yevgenia teve a

    prescincia de que, como ela, Nero iria se identificar com Giovanni Dro-go, personagem principal de Il deserto. E foi o que aconteceu.

    Nero, por sua vez, comprou caixas da traduo (ruim) em ingls do li-vro e passou a dar cpias a qualquer pessoa que dissesse ol educadamen-

    Yevgenia conheceu Nero Tulip no saguo do Hotel Danieli, em Veneza.Ele era um operador que vivia entre Londres e Nova York. Na poca,operadores de Londres iam pa