A Musica No Cerebro Leonardo Cunha-2010

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  • A MSICA NO SEU CREBRO:

    a cincia de uma obsesso humana, livro de Daniel Levitin (2010) -

    Resenha*

    Leonardo Campos Mendes da Cunha1

    RESUMO So poucos livros editados no Brasil que tratam especificamente das relaes entre msica e

    crebro. Podemos destacar nas ltimas dcadas Jourdain (1998), Straliotto (1998, 2001), e

    Sacks (2007). A Msica no seu Crebro, de Daniel Levitin (no original, This is your Brain

    on Music, 2006), ocupa um importante lugar nas neurocincias da msica. Seu lanamento

    pela Civilizao Brasileira possibilitou alcanar um nmero maior de musicoterapeutas

    brasileiros. Em se tratando de um msico, engenheiro de estdio e produtor musical, alm

    de neurocientista, Levitin preconiza o estudo do processamento neurolgico por meio do

    repertrio musical cotidiano, enquanto foca a experincia prazerosa e a emoo despertada

    pela experincia musical. Seu livro utiliza uma linguagem simples se complementa com a

    escuta atenta das msicas comentadas. Objetivando um maior aprofundamento, esta resenha

    toma como guia as notas bibliogrficas comentadas ao final do livro, buscando, quando

    possvel, o acesso s fontes; e compe uma intertextualidade com os principais autores

    citados e com o campo das neurocincias da msica. Ao final, sabendo da importncia de

    uma cultura de acesso s fontes primrias, disponibilizado na Internet, um banco de dados

    on-line da reviso bibliogrfica desta resenha, atravs da ferrramenta Zotero.

    Palavras-Chave: Levitin; Msica; Crebro; Musicoterapia.

    * Anais do X ENPEMT Encontro de Pesquisa em Musicoterapia, Salvador-BA-BR, out. 2010

    1 Mestre em Etnomusicologia (Escola de Msica da Universidade Federal da Bahia - UFBA, 2008);

    Graduado em Musicoterapia (Universidade Catlica de Salvador, 2000); Graduado em Psicologia

    (UFBA, 2000); Pesquisador convidado do Laboratrio de Estudos em Movimentos tnicos

    (LEME/UFCG); Atualmente professor da Ps-Graduao em Musicoterapia das Faculdades Olga

    Mettig e presidente da Associao Baiana de Musicoterapia. Contato: [email protected].

  • Nas ltimas dcadas, as neurocincias, abrangendo vrias reas do conhecimento,

    parecem se constituir como bola da vez. Mapear o funcionamento cerebral tem ganhado o

    status de ltima fronteira o buraco negro da mente humana, ao que parece revolver a clebre frase de Einstein: Deus no joga dados com o Universo. No por acaso, a msica tem servido como estratgia cartogrfica para as neurocincias, a bola nmero oito que,

    quando tocada, rebate nas demais acertando vrias caapas, da memria linguagem, das

    emoes motricidade, da sensao cognio. Visto que a msica enreda atividades

    cerebrais complexas, de modo simultneo e com ampla difuso. Assim, o mapeamento

    neurolgico de um comportamento comum, como escutar uma cano, proporciona uma

    rica imagem hologrfica do funcionamento cerebral.

    Aps uma srie de publicaes internacionais nas ltimas dcadas que trazem em

    seus ttulos os termos msica e crebro, surge, com ar de Best Seller, o livro de Daniel

    Levitin This is your Brain on Music: the science of a human obsession (2006). Levitin ocupa um importante lugar nas neurocincias da msica, pelo conjunto de sua obra, que

    envolve estudos de neuroimagem, pesquisas no campo da psicologia cognitiva e foca temas

    que h dcadas atrs eram perifricos ao raciocnio cognitivista, como emoo e

    motricidade, ou pouco valorizados na musicologia, como o timbre e a imaginao musical.

    Esta obra de Levitin pode ser considerada tanto uma referncia para a introduo s

    neurocincias da msica, bem como um reflexo da experincia panormica do

    neurocientista, como msico, engenheiro de som e produtor musical. Assim se justifica a

    inteno de apresentar a resenha em um Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia,

    por tambm ser o musicoterapeuta, como diz Chagas (2008), um sujeito que discursa e atua

    no campo hbrido entre a cincia e a arte. Ademais, afora alguns compndios sobre a neurofisiologia do sistema auditivo e psicoacstica, so poucos livros editados no Brasil que

    tratam especificamente das relaes entre msica e crebro. Podemos destacar nas ltimas

    dcadas Jourdain (1998), Straliotto (1998, 2001) e Alucinaes Musicais, de Sacks (2007).

    Dessa forma o lanamento da traduo brasileira A Msica no seu Crebro: a cincia de uma obsesso humana (LEVITIN, 2010) pela Civilizao Brasileira - trs anos aps a edio portuguesa (2007) vem possibilitando alcanar um nmero maior de estudantes e profissionais musicoterapeutas e a populao brasileira, de modo geral.

    A Msica no seu Crebro difere de algumas outras publicaes mais tcnicas de

    Levitin. A linguagem simples que o autor utiliza admitida como uma estratgia para no

    intimidar um pblico para alm dos especialistas em neurocincias da msica ou dos

    musiclogos. Levitin preconiza o estudo do processamento neurolgico por meio do

    repertrio musical cotidiano, enquanto foca a experincia prazerosa e a emoo despertada

    pelo ato de fazer/escutar msica. Assim, a leitura deste livro se complementaria com a

    escuta atenta das msicas comentadas2.

    Para os leitores j iniciados em pesquisas sobre as temticas abordadas, o livro

    apresenta ao final um tesouro: a lista bibliogrfica comentada, rica para uma reviso de

    literatura sobre msica, psicologia e neurocincias. Nesta, Levitin, alm de localizar alguns

    conceitos e achados cientficos, faz uma distino entre as publicaes com carter mais

    introdutrio e outras que exigem do leitor um conhecimento tcnico, estas ltimas marcadas

    com um asterisco. Objetivando um aprofundamento crtico, a presente resenha toma estas

    notas bibliogrficas como guia para reviso, buscando, sempre que possvel, o acesso s

    fontes primrias. Prope ento, formar uma intertextualidade com os principais autores

    citados e com o terreno das neurocincias da msica, alm de enfatizar conhecimentos teis

    ao campo da utilizao da msica como terapia.

    2 Trechos das msicas citadas podem ser escutados no web site de Levitin, em um link interativo sobre o

    livro This is your Brain on Music .

    Acesso em 15 de Maio de 2010.

  • A tentativa de compreenso do que seria a msica e porque gera tanto fascnio nas

    pessoas o fio condutor desta obra. Em alguns momentos, dialogando com outros

    neurocientistas, Levitin questiona a existncia ou no de uma base biolgica que explicasse

    a simultnea ubiquidade e antiguidade da msica. H desde autores que defendem a

    inutilidade da msica, como um simples acidente da evoluo ou subproduto da fala

    (PINKER, 1999), outros que hipotetizam que msica e linguagem compartilhariam a

    mesma origem filogentica, e, portanto os mesmos circuitos neurais (PATEL, 2007), e

    ainda aqueles neodarwinianos que afirmam que a msica teria uma funo evolutiva na

    medida em que permitiria ao macho cortejar cantar a fmea (MILLER, 2000, 2001) ou ao grupo social se manter unido por um ritual musical. Ser que determinadas regies e caminhos evoluram em nosso crebro especificamente para produzir e ouvir msica? (LEVITIN, 2010, p.15).

    O que os estudos de Levitin e outros neurocientistas vo indicar que as atividades

    e o processamento musicais mobilizam quase todas as reas do crebro identificadas at o

    momento, indo de encontro antiga e simplista idia, de que a arte e a msica so processadas no hemisfrio direito do crebro, e a linguagem e a matemtica, no esquerdo (LEVITIN, 2010, p.15). E isso tem estimulado de uma maneira espantosa, por exemplo, o

    uso da msica para recuperar funes neurolgicas lesionadas. Ao mesmo tempo em que

    vem acontecendo uma explorao comercial do poder da msica em torno, por exemplo, do chamado Efeito Mozart sobre a inteligncia humana.

    Independentemente de argumentos a favor de uma perspectiva inata nature ou a favor de uma aquisio cultural nurture3, a leitura de Levitin faz pensar que a msica, assim como a linguagem, est estruturalmente inscrita no crebro. A despeito das atividades

    musicais envolverem funes globais, alguns estudos neuroanatmicos, e outros utilizando

    tcnicas de neuroimagem PET, SPECT, fMRI evidenciam a existncia de redes neurais especializadas no processamento musical (BHARUCHA, 2000; JANATA, PETR;

    GRAFTON, 2003; PERETZ, 2003). Essas redes acontecem desde o ouvido mdio, nas

    conexes que se estendem das clulas ciliadas cocleares para encontar correspondentes no

    crtex auditivo primrio, onde, no caso do tom musical (frequncia), h uma organizao

    tonotpica44.

    Nos captulos I e II, o autor faz uma dissecao da msica, postulando o que ele

    reclassificou como oito parmetros perceptivos sonoros/musicais, pois acrescenta a

    reverberao aos demais: intensidade, altura, contorno, durao, andamento, timbre e

    localizao espacial. As pesquisas revisadas sugerem que estas dimenses teriam mecanismos neurocognitivos relativamente autnomos, permitindo estudos cientficos

    individualizados, como atributos separados da msica (LEVITIN, 1998). A combinao

    entre esses parmetros e o estabelecimento de relaes significativas, pela experincia

    cultural, d origem a conceitos musicais mais elevados como mtrica, tonalidade, harmonia e melodia (LEVITIN, 2010, p.26), o que em parte vai ao encontro das teorias

    modulares aplicadas msica. Peretz e Coltheart (2003) propem um modelo modular de

    processamento musical, onde a entrada de dados acsticos dividida em blocos de

    organizao tonal (codificao tonal, anlise intervalar e anlise do contorno meldico),

    organizao temporal (anlise rtmica e anlise mtrica) e organizao acstica para a

    3 O Cognitive Neuroscience of Music, livro editado por Peretz e Zatorre (2003), tem na sua Parte I uma

    srie de estudos que discutem as origens da msica, tratando questes evolutivas, os achados sobre a

    predisposio msica na infncia, e a influncia cultural. Esta uma obra central nas Neurocincias da

    Msica, citada por Levitin como tambm contendo fontes primrias sobre a neuroanatomia da percepo

    e cognio musical. 4 Isso quer dizer, as frequncias so decodificadas por endereamentos fsicos especficos na cclea e no

    crtex auditivio primrio (Cf. SHAMMA, 2004).

  • anlise do discurso fonolgico. A suposio destes seis mdulos independentes advm de

    estudos sobre leses cerebrais em que, por exemplo, o sujeito consegue reproduzir clulas

    rtmicas complexas anlise rtmica - mas perde a capacidade de perceber ou marcar o pulso de uma msica anlise mtrica. Tambm, como acontece na Afasia de Broca, a fala prejudicada, mas o sujeito mantm sem nenhum prejuzo a capacidade de cantar55 . Muitos

    destes parmetros musicais podem ser manejados separadamente ou em pequenos conjuntos

    para eliciar outros comportamentos, posto que estejam associados em esquemas

    mnmicos/perceptivos, numa rede de interconexes que comportam componentes visuais,

    planejamentos motores, associaes emotivas, grupos lxicos e semnticos. Essas

    associaes em grande parte acontecem de modo inconsciente e automtico, de modo que a

    experincia musical, seja escutando um CD, assistindo a um filme, ou cantando, percebida

    como uma totalidade. O que a experincia faz, seguindo os princpios psicolgicos da

    gestalt, destacar pequenos grupos perceptivos (BREGMAN, 1994) e atribuir, numa

    perspectiva fenomenolgica, formas, estruturas e sentidos.

    Levitin inicia o captulo III A Msica e a Mquina Mental questionando o dualismo descartiano da diviso entre mente e crebro. No se vinculando estritamente nem

    a uma corrente funcionalista nem localizacionista, mapeia o neuroprocessamento musical

    como uma atividade excntrica, paralelstica e com ampla distribuio funcional, em que o

    maior potencial de ao est na conectividade da rede neural. O ato de ouvir msica comea

    nas estruturas subcorticais (ncleos cocleares, tronco cerebral e cerebelo) e avana para o

    crtex auditivo bilateralmente. Acompanhar uma msica ou estilo musical familiar aciona

    outras regies, como o hipocampo o centro da memria e subsees do lobo frontal. Acompanhar o ritmo, marcando com os ps ou apenas mentalmente, mobiliza as redes

    cerebelares de regulao temporal. J o ato de fazer msica, cantando ou tocando algum

    instrumento mobiliza tambm os lobos frontais no planejamento do comportamento, bem como o crtex motor lobo parietal e o crtex sensorial, para a percepo ttil, por exemplo, da digitao de um instrumento. A leitura de uma partitura mobiliza o crtex

    visual lobo occipital, assim como recordar uma letra ou simplesmente ouvir uma cano envolvem centros da linguagem, como as reas de Broca e Wernicke, e outras reas nos

    lobos temporal e frontal. As emoes despertadas pela msica envolvem estruturas do

    chamado sistema lmbico, como o vermis cerebelar e a amgdala (LEVITIN, 2010, pp.100-

    101). No possvel afirmar em que medida o processamento musical especializado ou de

    que maneira msica, emoo, memria, motricidade e linguagem verbal se associam e

    compartilham circuitos neurais. Interessa particularmente, para o campo da musicoterapia,

    estudar as possibilidades neuroplsticas que as atividades musicais provocam. Dessa forma,

    os neurocientistas tm se dedicado em grande parte a investigar as diferenas anatmicas e

    funcionais no crebro dos msicos, bem como o mapeamento neuroimagtico de mudanas

    aps um perodo de treinamento musical.

    Como atribumos sentidos, significados e associamos emoes na experincia

    musical? Se a ideia da apreciao musical pairasse apenas sobre um recorte intelectivo,

    certamente no mobilizaria tanto fascnio, a ponto de Levitin, como provocao,

    subintitular seu livro como a cincia de uma obsesso humana. Paralelamente ao fato da msica se apoiar em uma estrutura, assim como a linguagem verbal, e apesar de podermos

    estabelecer uma anlise desta estrutura nos seus aspectos formais, h algo da relao do ser

    humano com a msica que irredutvel a uma compreenso teleolgica e analtica. Mesmo

    na musicologia, o que convencionamos chamar de Teoria da Msica, na viso de objetiva

    apenas ser uma descrio formal das intuies musicais de um ouvinte experiente em um idioma musical nos dizem Lerdahl e Jackendoff (1996, p.1 - traduo minha). Levitin,

    5 Nestes casos, uma teraputica possvel diminuir o tempo do discurso e imputar nas falas uma melodia,

    para que seja processada no hemisfrio colateral, tcnica conhecida como terapia de entonao meldica

    (Cf. SCHLAUG; MARCHINA; NORTON, 2008).

  • no primeiro captulo, adota a clssica definio do compositor Edgard Varse a msica como um conjunto de sons organizados mas no captulo quatro considera a necessidade de haver algo inesperado nessa organizao, ou a msica ser emocionalmente indiferente e robotizada. A apreciao est intimamente relacionada nossa capacidade de aprender a

    estrutura subjacente msica da qual gostamos [...] e prever o que vir em seguida (LEVITIN, 2010, p.129). A gerao e manipulao de expectativas tenses, relaxamentos, fugas e resolues est no centro tanto do processo de composio como de apreciao musical.

    Este argumento tem sido utilizado para explicar a emoo provocada pela msica

    como um efeito destas microestruturas (MEYER, 1961). Muitos neurocientistas esto

    tentando compreender como o crebro processa estas expectativas musicais e quais as

    particularidades de suas associaes significativas, provocando reaes emocionais. Certos

    estudos de Levitin e seus colaboradores esto focados na teoria de que existiriam, como

    extenso da memria, modelos subjacentes ou esquemas musicais, os quais comeam a se formar no tero e so elaborados, corrigidos e informados das mais diversas maneiras

    sempre que ouvimos msica (LEVITIN, 2010, p.134). Aos cinco anos, a maior parte das crianas j aprendeu a reconhecer as progresses de acordes de sua cultura. Existiriam

    esquemas de diversos elementos musicais: melodia, harmonia, timbre, etc. Levitin, a

    despeito de muitos autores enfatizarem a relao melodia-emoo, destaca outros elementos

    com grande poder de eliciar reaes emocionais, como o ritmo. Traz como exemplo o que

    os msicos costumam valorizar como groove, que significa em alguns momentos a extrao da mtrica linear, com antecipaes e retardamentos, o que gera bastante prazer em

    tocar. Por trs desta sensao, existe um mecanismo cerebral que cria, de modo

    encapsulado6 e subjacente, um modelo de pulso constante - um esquema - de modo que saibamos quando o msico est desviando deste (LEVITIN, 2006, p.172). Neste sentido o prprio conceito de emoo, na experincia musical, pode ser lido de uma maneira

    ampliada, desde as simples reaes fisiolgicas at a atribuio de sentidos e significados s

    emoes. Um sujeito que aprecia msicas com um bom balano pode experimentar um estado de humor eufrico, com respostas autonmicas correlatas, sem necessariamente

    atribuir um significado consciente a este estado. Ao mesmo tempo, outra msica

    experimentada pode provocar associaes mnmicas, conscientes ou inconscientes, com

    fatos significativos de sua vida, e ser difcil para este sujeito identificar o motivo pelo qual

    est chorando diante desta msica.

    Entretanto o mecanismo mnemnico que est por trs das associaes entre msica,

    linguagem e emoes pouco conhecido. As prprias teorias da memria mantm alguns

    pontos bem divergentes. A viso relacional ou construtivista defende que a memria

    arquiva informaes a respeito das relaes entre os objetos e as ideias, mas no

    necessariamente os detalhes perceptuais do prprio objeto. Na carncia de elementos

    sensoriais, ns acionaramos pela memria uma construo da realidade com base nestas

    relaes. A principal teoria antagonista sustenta a hiptese da preservao dos registros,

    como se a memria fosse um gravador.

    Segundo Levitin (2010, p.153),

    a msica desempenha um papel importante neste debate porque como observaram os psiclogos da gestalt h mais de cem anos as melodias se definem por relaes de altura (um ponto de vista construtivista), mas, apesar disso, so

    construdas por alturas precisas (ponto de vista da preservao de registros, mas

    somente se as alturas estiverem codificadas na memria).

    O autor defende a ideia de que a msica seria um bom exemplo para testar uma

    teoria que englobasse os dois pontos de vista, ou mesmo para confrontar com as teorias da

    6 Levitin realizou estudos que reforam a hiptese de que a memria do tempo de performance de uma

    msica absoluta (LEVITIN; COOK, 1996).

  • categorizao, do prottipo, e com as novas teorias que vm surgindo, coletivamente

    chamadas de modelos mnemnicos de mltiplos traos. Certos elementos da experincia musical podem ser codificados como traos mnemnicos absolutos ao mesmo tempo em

    que o ato de escutar msica construtivo, tendo por base esquemas categoriais

    internalizados, resgatando alguns traos e perdendo outros. Neste sentido, o obstculo

    memria no est geralmente na perda da capacidade de registrar e armazenar informaes,

    mas em poder encontrar a chave certa para acess-la e configurar adequadamente os circuitos neurais (LEVITIN, 2010, p.186). Os modelos mnemnicos dos mltiplos traos explicariam, portanto, porque certas msicas tm o poder de evocar lembranas arcaicas.

    Partem do princpio de que o contexto codificado juntamente com os traos mnemnicos, a msica que voc ouviu em diferentes ocasies de sua vida codificada paralelamente aos

    fatos e acontecimentos dessa poca (LEVITIN, 2010, p.187). Se for uma pista exclusiva, ou seja, uma msica que voc no houve mais desde essa poca, bem provvel que possa

    evocar diversas lembranas, muitas delas com forte associao emocional.

    No captulo VI, Levitin trata de relaes entre msica e emoo, a partir de redes

    subcorticais, localizadas, em grande parte, no chamado crebro reptiliano. Uma rede

    paralela de ativaes no sistema mesolmbico explicaria o poder da msica em desencadear

    experincias de prazer e recompensa. Para o autor, a existncia de circuitos paralelos ao

    ouvido-crtex auditivo evidencia que muito da experincia de prazer e emoo atravs da

    msica se d de maneira inconsciente ou supostamente livre do controle consciente. Trainor e Schimidt (2003) propem que a forte ligao entre msica e emoo se d pelo

    fato de que pais, ou cuidadores, frequentemente utilizam a msica para se comunicarem

    emocionalmente com suas crianas, antes delas serem capazes de compreender a linguagem

    verbal7. Neste sentido, a ligao entre emoo e msica precederia o campo da significao.

    Para Levitin, os bebs experimentam o mundo de uma maneira sinestsica sons, cheiros, cores - e com poucas distines. Com o processo de maturao, trilhas neurais vo

    evoluindo para redes especializadas. possvel ento que a msica e a fala tenham comeado em todos ns com as mesmas origens neurobiolgicas, regies e redes neurais

    especficas (LEVITIN, 2010), e com a intensificao da experincia, puderam criar trilhas musicais e lingusticas prprias. Contudo estas continuariam a compartilhar certos recursos,

    como defende Patel (PATEL, 2003). Em sua hiptese do recurso compartilhado de

    integrao sinttica8 , Patel tenta responder questo levantada pelas teorias modulares da

    msica (PERETZ; COLTHEART, 2003) se as operaes neurais subjacentes ao

    processamento sinttico na lngua so nicas para esse domnio. Os estudos da amusia

    congnita (PERETZ, 2003), em que normalmente no se observam alteraes na linguagem

    verbal, vo reforar o argumento que existe uma rede neural anatomicamente separada para

    o processamento musical. Assim como a afasia de Broca, em que o sujeito consegue cantar,

    sugere a mesma disitino neurolgica entre linguagem e msica. Contudo, tcnicas de

    neuroimagem vo mostrar justaposies destas redes em tarefas de processamento sinttico.

    Apesar das justaposies ou interconexes neurais, ou dos dois sistemas serem generativos,

    ou ainda podermos utilizar conceitos da lingustica ou da semitica para fazer referncia

    msica, fato que msica e linguagem tm naturezas muito distintas. Entretanto, uma

    questo parecer ter se fixado mais no campo da filosofia e de semitica, sem contudo achar

    muito tempo de explorao nas neurocincias: podemos considerar a msica um recurso

    simblico?

    7 Este artigo no est na lista de referncias bibliogrficas de Levitin (2010). Incluo nesta reviso com o

    objetivo de fazer um contraponto s teorias sobre msica e emoo levantadas pelo autor. Em sua lista de referncias, Levitin cita apenas outro artigo de Trainor (TRAINOR; WU; TSANG, 2004) sobre a memria de grande durao das crianas relacionada ao tempo e ao timbre 8Este artigo apresenta em primeira mo a construo de Patel da SSIRH - Shared Syntatic Integration

    Resource Hypothesis

  • Finalmente, o livro A Msica no seu Crebro vem reforar a ideia que a escuta

    musical constri relaes abstratas, associa sentidos e est longe de ser passiva, seja em

    termos psicolgicos como fisiolgicos. Janata9(1997) realizou um experimento que

    mapeava por EEG a atividade eltrica de pessoas escutando ou imaginando msica, sendo

    quase impossvel saber, pelos dados colhidos, se faziam referncia a uma ou a situao.

    Igualmente, no documentrio My Music Brain (NATIONAL GEOGRAPHIC CHANNEL, 2008), ficou famoso o experimento de Daniel Levitin com o msico e

    compositor Sting. Enquanto ele escutava uma de suas canes favoritas de Miles Davis, centros cerebrais responsveis pela motricidade eram disparados, estando Sting dentro de

    uma cmara de exame de neuroimagem. Do ponto de vista da atividade ou anatomia

    cerebral, no existe diferena entre imaginar e escutar msica, o que uma grande chave do

    poder de ativao neurolgica da msica.

    A catalogao completa e reviso bibliogrfica das referncias usadas por Daniel

    Levitin, alm de artigos correlacionados esto, a partir deste trabalho, disponibilizadas no

    grupo on-line do Zotero: resenha_musica_no_seu_cerebro. Pensando na realidade da

    pesquisa em Musicoterapia, acredito que as resenhas possam ampliar seu sentido na medida

    em que uma comunidade de pesquisadores delas se aproveite, e faa contribuies pblicas

    facilmente acessveis pela Internet.

    REFERNCIAS

    BHARUCHA, J. J. Neural Nets, Temporal Composites, and Tonality. In: Foundations of

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    BREGMAN, A. S. Auditory Scene Analysis: the perceptual organization of sound.

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    CHAGAS, M. Musicoterapia: desafios entre a modernindade e a contemporaneidade.

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    LERDAHL, F.; JACKENDOFF, R. A Generative Theory of Tonal Music. MIT Press,

    1996.

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    9 Janata (1997) tem outro experimento interessante, em se tratando de uma coruja, que diz respeito a um

    fenmeno psicoacstico oriundo da srie harmnica. Segundo Levitin (LEVITIN, 2010, cap.1) ele liga

    eletrodos ao colculo inferior de uma coruja enquanto toca um trecho da melodia de Danbio Azul,

    retirando as frequncias fundamentais. Concluiu que os neurnios do colculo inferior desta ave, j nas

    primeiras etapas da audio restauravam as fundamentais, disparando descargas que, transcodificadas

    para um pequeno amplificador, tocavam a melodia perdida.

  • LEVITIN, D. J. Memory for Musical Attributes. In: Foundations of Cognitive

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