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Colônia do Iguá, Itaboraí, Leprosário
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VII Simpsio Nacional de Histria Cultural
HISTRIA CULTURAL: ESCRITAS, CIRCULAO,
LEITURAS E RECEPES
Universidade de So Paulo USP
So Paulo SP
10 e 14 de Novembro de 2014
A NOVA JERIC MALDITA: EMBATES E LUTAS CONTRA A INSTALAO DA COLNIA DO IGU, EM ITABORA/RJ (1935-
1938)
Luiz Maurcio de Abreu Arruda*
A pesquisa que desenvolvemos busca analisar os impactos poltico-sociais
ocorridos antes e durante a construo do primeiro e nico leprosrio do Estado do Rio
de Janeiro, privilegiando o movimento de resistncia contra sua instalao no municpio
de Itabora.
A regio em destaque alimentou, durante a primeira metade do sculo XX, a
ideia de reflorescimento poltico-econmico, influenciada por um perodo ureo de
grande pujana econmica, quando ocupou importante papel na economia fluminense
durante os sculos XVIII e XIX.
Os ndices do ano de 1936, referentes s municipalidades destacam que Itabora:
Municpio que j completou centria, teve poca de culminante
prosperidade, no passado imperial, decaindo com o trmino do regime
escravista.
(...)Dia vir, porm, em que voltaro aos ureos tempos. Mesmo porque
o renascimento j comeou, e se completar com o saneamento da
baixada. (Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de
Janeiro, 1944:258)
* Mestre em Histria Poltica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor da rede
municipal de Rio Bonito. Contato: [email protected]
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Ao analisarmos a historiografia sobre a formao da cidade de Itabora,
identificamos a formao de um eixo analtico baseado em um trip que fundamenta a
ideia de decadncia econmica do muncipio, associado a epidemias de malria1;
ampliao da malha ferroviria e carncia de mo de obra devido abolio da
escravatura.
Por apresentar conexo com a pesquisa que empreendemos, destaco os impactos
que as chamadas febres de macacu ocasionaram na memria local. A ttulo de
exemplificao, destaco o discurso feito pelo Prefeito Joo Augusto de Andrade em julho
de 1949, no momento da inaugurao da instalao do servio de Fora e Luz na cidade
de Itabora:
(...) bem certo quando se diz que, talvez de todos os municpios do
Estado, nenhum houve, como Itabora, cuja decadncia se acentuasse
tanto. As febres palustres irrompendo como vulco das margens do Rio
Macacu, derramaram suas larvas malargenas pelas regies
circunvizinhas, de tal modo que se diz at as rvores, atacadas pelo
terrvel anofelino, sacudiam trementes os galhos moribundos. (FOLHA
DE ITABORA, 1949:4)
Pesquisas recentes relativizam a ideia de decadncia econmica da regio de
Itabora, assim como as consequncias das epidemias e sua associao ao declnio e
estagnao econmica da rea. ( COSTA, 2013) . Entretanto, o que interessa ressaltar
em nosso trabalho, que, na memria e historiografia local, as doenas epidmicas foram
um elemento primordial para a percepo de decadncia do municpio. E exatamente
contra a possibilidade de uma contaminao2 pela lepra, provocada pela instalao de
um leprosrio, que se organizaro as lideranas do municpio, na dcada de 1930.
Poucas so as informaes que tratam da situao da lepra no Estado do Rio de
Janeiro na Primeira Repblica. importante destacar que, de acordo com Laurinda
Maciel, todos os hospitais de lzaros e asilos existentes no pas at o incio do sculo XX,
1 Trata-se da epidemia de maior impacto registrada por memorialistas e historiadores locais. Inicia-se no
final da dcada de 1820, denominada de febres de macacu e apontada como uma das principais causas de declnio econmico da regio.
2 Segundo Charles Rosenberg a viso de contaminao frequentemente se associa ideia de contgio
pessoa a pessoa. Esta associao to forte que, entre os leigos atravs da histria, o prprio termo
epidemia e contgio tornaram-se sinnimos. Entretanto, contaminao tambm poderia implicar
desordem em um sentido mais geral: qualquer evento ou agente que viesse subverter uma configurao
saudvel estabelecida. (ROSENBERG, 1992:258)
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eram de iniciativa privada e na sua maioria sob administrao da Igreja Catlica, visto
seu carter mais caritativo que propriamente curativo. (MACIEL, 2007:34-35)
At o final da dcada de 1920, no encontramos registros oficiais referentes a
censo de leprosos no Estado do Rio, com exceo das pesquisas realizadas pelo Dr. Paes
de Azevedo, que efetuou um levantamento censitrio entre os municpios de Saquarema
e Cabo Frio em 1916 por serem locais endmicos. (SOUZA-ARAJO, 1956:572-573)
O ideal profiltico no combate lepra era baseado no cdigo sanitrio de 1923
(decreto n 16300/1923), que estabeleceu como algumas de suas medidas a notificao
obrigatria do caso, o exame peridico dos comunicantes e o isolamento do leproso, que
podia ser nosocomial ou domiciliar. A finalidade desta legislao foi estabelecer um
protocolo a ser seguido em todo territrio nacional, contudo nem todos os estados
adotaram essas diretrizes.
O modelo preconizado pelas principais autoridades mdicas ligadas profilaxia
da lepra, em termos de isolamento institucional, era o tipo colnia agrcola. O principal
argumento de seus defensores era transmitir aos doentes a ideia de que ali renasceria a
esperana como espao de cura e tratamento, atravs de mecanismos que amenizassem
o sofrimento. Este modelo trazia em seu escopo um projeto de auto-suficincia e
humanizao do espao destinado ao confinamento dos doentes, aproveitando
elementos da natureza que conjugariam trabalho, lazer, higiene e conforto. (SOUZA-
ARAJO, 1956:247-250 & WEAVER, 1939:21-30)
Apesar de o armamento profiltico do Estado do Rio de Janeiro no oferecer a
estrutura que o Distrito Federal detinha na dcada de 1930, vlido destacar a iniciativa
de sanitaristas e leprlogos na consolidao de um sistema de controle da doena que se
realizou de forma mais objetiva a partir do apoio federal ao Estado do Rio de Janeiro na
construo do leprosrio do Igu.3
Alguns atores envolvidos no cenrio poltico estadual se engajaram na luta por
polticas pblicas capazes de conter o avano da lepra. Nesse sentido, julgo importante
3 O Estado de So Paulo foi pioneiro no que se refere s polticas de sade relacionadas lepra. Atravs
de aes que antecedem o Plano Nacional de Combate Lepra em 1935, o estado j havia inaugurado
cinco instituies para isolamento de leprosos: a Colnia de Santo Angelo em 1928; o Asilo-Colnia
Pirapitingui e o Sanatrio Padre Bento em 1931; em abril de 1932, o Asilo-Colnia de Cocaes e em
abril de 1933, o Asilo-Colnia Aymors.
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destacar a figura de Luiz Palmier4, deputado estadual representante do municpio de So
Gonalo. Sua campanha em favor do combate doena e, principalmente, na assistncia
aos filhos dos leprosos se justifica por sua participao na Sociedade Fluminense de
Assistncia aos Lzaros e Defesa contra a Lepra, entidade filantrpica na qual ocupou
cargos de direo.
Em 1932, numa das sesses da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Niteri, Dr.
Luiz Palmier apresentou pela primeira vez seu artigo O Problema da Lepra no Estado
do Rio, chamando a ateno para a situao calamitosa na qual se encontravam os
leprosos no Estado fluminense, especialmente em sua Capital. Considerou, sobretudo, a
situao de mendicncia, j que desprovidos de qualquer amparo social colocavam em
risco a populao de modo geral. Segundo seu estudo, nenhum hospital os recebia e
para muitos a soluo eram as cadeias pblicas. (PALMIER, 1935)
A soluo do problema veio atravs da iniciativa do Governo Federal, por meio
do ento Ministro da Educao e Sade Pblica, Gustavo Capanema. Este, no final de
1934, destinou ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ento chefiado pelo Interventor
Ary Parreiras, a quantia de 200 contos de ris para aquisio do terreno onde seria
construdo o leprosrio. (GAZETA DE NOTCIAS, 1935:2)
Em julho de 1935, ocorreram as Primeiras Jornadas Mdicas do Estado do Rio
de Janeiro na cidade de Campos, organizadas pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de
Niteri. Neste evento, foram apresentados vrios trabalhos evidenciando a situao da
lepra no Estado do Rio. Destacamos a explanao feita pelo Dr. Galdino do Valle Filho:
(...)A Baixada Fluminense me parece ser a zona mais acometida.
Cuidam no momento os poderes pblicos de crear no Estado o seu
leprosario. No se pode regatear aplausos de to iniciativa. Discute-se,
no entretanto, o local para sua instalao. O ponto lembrado, ao que
parece, pela Higyene Estadual, a estao de Venda das Pedras da
Leopoldina Railway, no 5 Distrito do municpio de Itaborahy. Levanta-
se, porem contra a ida um grande clamor da populao. E foroso
reconhecer toda a procedncia da impugnao. (Ibidem, 3)
4 Luiz Palmier foi um poltico fluminense atuante no municpio de So Gonalo. Era formado em
Medicina e participou ativamente em movimentos intelectuais e filantrpicos do Estado do Rio de
Janeiro na primeira metade do sculo XX.
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Chama a ateno o fato de Itabora nesse momento ser apontado como possvel
escolha para instalao do leprosrio. Reconhecendo a iniciativa do governo estadual,5
Dr. Galdino enaltece o empreendimento, porm denuncia um grande clamor da
populao local demonstrando a insatisfao contra a construo do leprosrio. A
retrica presente neste trecho evidencia sua possvel intencionalidade em dar
visibilidade ao descontentamento de lideranas locais, pois nenhum peridico da capital
do Estado do Rio de Janeiro noticiou esses acontecimentos.6
O municpio que receberia a Colnia j havia sido escolhido 4 meses antes das
Jornadas Mdicas de Campos, conforme relatrio enviado ao Diretor de Sade Pblica
do Estado do Rio de Janeiro, em 1 de fevereiro de 1935. Neste documento, consta que o
terreno a ser adquirido deveria seguir as diretrizes do Plano Nacional de Combate Lepra
e, para isso, foram consultados os Drs. Ernani Agrcola (chefe dos Servios Sanitrios
Federais nos Estados), Joaquim Motta (assistente da Inspetoria de Lepra e Doenas
Venreas no Distrito Federal) e o Dr. Tefilo de Almeida (Diretor do Hospital-Colnia
de Curupaiti). (Arquivo Pessoal Capanema, FGC.35.09.02: 473)7. As diretrizes
encontravam pleno apoio na gesto de Gustavo Capanema que logo aps assumir o
Ministrio da Educao e Sade em 1934, realizou uma mudana na estrutura que
orientava a sade pblica do Brasil, possibilitando a presena mais efetiva da Unio nos
Estados.
No relatrio elaborado pelos mdicos supracitados, so sugeridos trs
municpios avaliados por aspectos tcnicos presentes em cada regio: Maric, embora
mais perto da capital, possua superfcie baixa, o que facilitaria a estagnao das guas e
alm disso possua grandes reas de cultivo; Saquarema tinha a vantagem de ter os
maiores ndices da doena e estar prximo das estradas de ferro e de rodagens, mas foi
5 A partir do Plano Nacional de Combate Lepra que comeou a ser delineado em 1934 e concludo em
1935, foi possibilitada a construo e reforma de leprosrios por todo o Brasil, aumentando ainda mais
o poder simblico em torno da instituio como soluo para o problema da lepra e assim o Estado
estaria protegendo os sos e consolando os leprosos.
6 Era comum a imprensa do Distrito Federal noticiar os assuntos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro
por diversos fatores. Um deles era devido proximidade geogrfica e muitos polticos atuantes na esfera
fluminense trabalharem na edio desses jornais. Outra razo seria que as faces oposicionistas
fluminenses no encontrando espao na imprensa do Estado, veiculavam suas ideias nos jornais da
capital federal. (FERREIRA & LAMARO, 1985:23-40)
7 Vale salientar que dos trs mdicos consultados, dois deles participaram da elaborao do Plano
Nacional de Combate Lepra.
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recusado por ficar a 3 km de uma usina e possuir lavoura prxima. A regio de Venda
das Pedras, em Itabora, ofereceu maiores vantagens porque era uma:
Zona alta, a margem da estrada de rodagem que segue para Rio Bonito
e a estrada tronco Norte-fluminense; alm disso, h o leito da Estrada
de Ferro Leopoldina. Possui 2/3 em superfcie elevada, com vegetao
abundante e tendo prximo o Rio Igu. (Idem, 576-598)
Os tcnicos apontaram as vantagens de Itabora, principalmente no aspecto da
localizao geogrfica do terreno, pois alm da proximidade com a capital (40 kms)
ficava em um posio privilegiada pela facilidade de acesso regio serrana e que
ligava Saquarema Cabo Frio. Com uma estao de trem prxima e com a estrada de
rodagem disponvel, o acesso fcil foi um dos principais fatores determinantes da escolha.
Foi mencionada tambm a possibilidade do Rio Igu ser utilizado como fonte de recurso
hdrico j que ficava a poucos metros do terreno. As caractersticas topogrficas
indicavam que 75% do terreno encontrava-se em superfcie plana, favorecendo o
saneamento e impedindo possveis focos de mosquitos.
Convm notar que no so apontadas as desvantagens principalmente no que
se refere ao municpio tambm possuir grandes reas de cultivo para exportao, como
publicado em documento pblico do mesmo perodo:
O movimento de exportao dos principais produtos do municpio,
aguardente e frutas, principalmente abacaxis e laranjas, aumentou
sensivelmente nos trs ltimos anos, tendo decrescido a indstria
pastoril. (Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de
Janeiro , 1936:258)
O reerguimento do municpio de Itabora ganhava flego na dcada de 1930,
principalmente pelo investimento de grandes produtores na regio e impulsionado pela
criao da Comisso de Saneamento da Baixada Fluminense em 1933, sob a direo
tcnica e administrativa do DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento). A
tnica principal desta instncia governamental era de solucionar a insalubridade das
baixadas alagadias, que era um tipo de terreno propcio disseminao das febres
palustres8, impossibilitando o desenvolvimento de atividade agrcola e agropecuria.
(GOS, 1939:33-36)
8 Febres palustres o nome popular dado malria, doena infecciosa febril aguda causada por parasito
unicelular, caracterizada por febre alta acompanhada de calafrios, suores e cefaleia, que ocorrem em
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Apesar de o municpio vivenciar nesse momento um papel secundrio no cenrio
poltico e econmico fluminense, as lideranas locais acreditavam que Itabora poderia
renascer e voltar a ocupar um lugar de destaque na poltica da velha Provncia. As
obras de saneamento possibilitariam a retomada do dinamismo econmico e poltico que
o municpio vivenciou durante grande parte do sculo XIX. Assim, a perspectiva da
instalao de um leprosrio em Itabora, seria um obstculo diante do movimento de sua
recuperao.
A luta contra o leprosrio em Itabora foi capitaneada por Roberto Pereira dos
Santos, mdico atuante no Distrito Federal e docente na Faculdade de Medicina de
Niteri. Nutria profunda ligao com sua terra natal, o municpio de Rio Bonito, vizinho
cidade de Itabora. Ao ter conhecimento que Itabora havia sido escolhida como local
para a instalao de um moderno leprosrio, Roberto Pereira dos Santos se posicionou
sumariamente contrrio a esta deciso do governo do Estado, tornando-se o principal
articulador de um movimento de resistncia. Esta luta o levou, inclusive, a se candidatar
a uma cadeira na cmara municipal de Rio Bonito nas eleies de 1936. (SANTOS, 1937)
Roberto Pereira dos Santos se lana em campanha contra o leprosrio,
convocando luta todos os itaborienses e riobonitenses, como demonstra seu discurso na
Cmara Municipal de Itabora:
(...) No politica a finalidade precipua da minha atitude; nem
interesseira a espontaneidade dos meus tos. Um movimento desta
ordem no pode macular-se nas trincas das competies partidrias,
pois indispensvel que no haja dissenses, a-fim-de se no empanar
o brilho da peleja. Somos todos fluminenses, unidos e coesos em torno
de um ideal nico e comum. No h aqui, portanto logar para discusses
de ortodoxias, e muito menos para dissenes de qualquer espcie.
(Ibidem,17)
Em pouco tempo atraiu para seu intento a elite local que estava insatisfeita com
os impactos sociais e econmicos que resultariam para o municpio de Itabora a
instalao de um espao para tratamento e confinamento de leprosos. Todos aqueles que
eram contrrios a esta iniciativa, acreditavam que esse propsito estigmatizaria toda a
regio por conta da possibilidade de contgio do temvel mal. A rpida adeso
demonstrada atravs de uma carta aberta populao, de autoria do Juiz Pache de Faria,
padres cclicos, a depender da espcie do parasito infectante.
http://www.infectologia.org.br/publico/glossario?id=77 ( acessado em 24/11/2014).
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que manifestou seu apoio causa e prometeu colaborar em todas as instncias para
conseguir a transferncia do leprosrio para outra localizao. Em suas palavras:
(...) Ao seu lado est o POVO de Itabora, irmanado com os seus
conterraneos. A sua palavra autorizada juntamos o nosso esforo moral.
Em, mim cidado e juiz desta terra j to pobre pela maleita, que a aniquila, e pela verminose que suga, - encontrar toda a solidariedade,
porque desde os primeiros murmrios sobre a localizao dos
leprosrios neste municpio, que me coloquei na vanguarda dos
soldados que a combatem.
De p, em sinal de sentido, estou ao seu lado, pronto a ouvir e a
obedecer sua voz de comando. (O SO GONALO, 1936:3)
Alm do juiz, os polticos locais, superando querelas partidrias, aderiram
campanha contra o leprosrio, pois dos 11 vereadores que integravam o poder legislativo
municipal de Itabora, 7 assinaram o documento, alm das principais lideranas ligadas
ao poder local. Vereadores do muncipio de Rio Bonito, alm dos deputados: Capitulino
dos Santos; Antonio Leal e Gasto Reis que tambm assinaram o documento,
discursaram, prometendo buscar alianas em outros muncipios para reverter a deciso do
Executivo Estadual. (SANTOS, 1937:6-7)
O prefeito Joaquim Jos Soares e o vereador Manoel Alves de Castro, lder da
Cmara legislativa de Itabora, que integravam o grupo, eram prsperos fazendeiros e
produtores de gneros agrcolas, demonstrando que o interesse privado sobrepujava os
acordos e articulaes polticas firmados em perodo de campanha. (O SO
GONALO,1940:5)
A busca por um passado de glria e a crena no ressurgimento econmico do
muncipio so subsdios utilizados pelos insurgentes contra o leprosrio do Igu. A
colocao dos acontecimentos locais em evidncia uma tendncia na tradio da histria
local. comum entre os memorialistas e historiadores de provncia expressarem atravs
de seus registros que os processos ou acontecimentos ocorridos nos seus municpios so
da mais alta relevncia. (REZNIK, 2002)
No entanto, enquanto a resistncia se articulava arregimentando partidrios, as
obras do leprosrio avanavam e os primeiros pavilhes j comeavam a surgir para a
infelicidade daqueles que lutavam contra o empreendimento. Em 3 de dezembro de 1936,
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o Jornal A Noite9 noticiava o avano das construes e nenhum destaque foi dado
celeuma que ocorria nos bastidores do projeto. A matria enfatizou as questes referentes
s construes, dando nfase capacidade, infraestrutura e logstica, com total
silenciamento sobre as repercusses que a construo do leprosrio provocava.
Diferentemente do jornal A Noite, o Correio da Manh, de 24 de novembro de
1936, evidenciando total apoio ao governo do Estado, faz severas crticas ao movimento
contrrio ao leprosrio. Atravs de matria intitulada Uma Cidade de Leprosos no
Municipio de Itaborahy, deixava claro seu apoio instalao do leprosrio. Inicialmente
a matria destaca que as edificaes estavam bem adiantadas, com a construo de 6
pavilhes tipo Carville10. O redator vai pontuando alguns fatos relacionados a construo
apresentando reflexes como:
A construo do leprosario do Igu, mereceu desde logo, por parte de
elementos derrotistas, uma campanha injusta e sobretudo impatriota.
(...) A campanha derrotista levantada contra o futuro leprosrio do Igu,
chefiada por um vereador do municipio de Rio Bonito, ferindo at a
autonomia do seu municipio. O sr. Novaes pertencente a corrente
poltica do deputado Capitulino Santos, no o acompanha na ingrata
misso de combater uma obra de tamanho alcance social.(CORREIO
DA MANH, 1936:5)
Tendenciosamente, a notcia tem uma clara funo de desmoralizar o grupo que
lutava contra a instalao do nosocmio, apontado como elementos derrotistas que se
levantavam contra uma obra de tamanho alcance social. 11
As negociaes e a diversidade de interesses, por parte dos atores, em torno da
continuidade do projeto de Igu, demonstram que o perodo posterior Constituio de
9 O peridico A Noite era propriedade de Guilherme Guinle, que representava um grupo de investidores
estrangeiros. Em 1936, este jornal alm de outros empreendimentos comandados pelo grupo, aumentou
consideravelmente sua vendagem, adotando uma poltica situacionista e livre de ataques pessoais.
(FERREIRA:2001)
10 O modelo Carville de pavilhes inspirado no Leprosrio Carville, construdo em 1921, entre Nova
Orleans e Baton Rouge no Estado de Louisiana, EUA. O seu modelo tornou-se referncia pelo propsito
de abrigar todos os leprosos do pas e a existncia de uma estrutura de cidade, onde todos os setores
eram divididos para o uso de sos e doentes.
11 Segundo Carlos Eduardo Leal no possvel assegurar com certeza se a posio do Jornal Correio da
Manh era coincidente com as diretrizes da poltica varguista, pois desde sua fundao em 1901, por
Edmundo Bitencourt, o peridico refletiu oscilaes em termos de crticas e apoio situao. mais
provvel que durante o Estado Novo, o controle da censura sobre a matria publicada fizesse com que
esta refletisse em todos os momentos os interesses do governo. (ABREU, 2001)
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1934, proporcionou um palco de imprevisibilidade poltica, evidenciando que o
legislativo estadual era um espao de confronto de projetos e interesses.
Em sesso ocorrida na Cmara Municipal de Itabora, o vereador Nilo Torres
menciona a aprovao de um requerimento feito em sesso anterior, para que se
telegrafasse aos deputados Federais Adalberto Crrea, Bandeira Vaughan e Prado Kelly,
agradecendo-os pela elaborao de projeto Cmara Federal que transferia a construo
do leprosrio do Igu para outra regio. Alm disso, tambm deveria se telegrafar para o
Presidente da Repblica; o Ministro da Educao e Sade Pblica; Cmara Federal;
Legislativo Estadual; Governador do Estado; e a Imprensa do municpio de So Gonalo,
das capitais dos Estados e do restante do pas. Essa articulao local demonstra a
montagem de uma fora-tarefa para desestabilizar a continuidade das construes.
No final de outubro de 1936, correspondncias trocadas entre o Ministro
Gustavo Capanema e o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Protgenes Guimares,
j evidenciavam graves fissuras na continuidade da construo do hospital Colnia. O
Ministro chegou a pedir ao Governador do Estado do Rio, a realocao do leprosrio,
sinalizando as reclamaes locais e indicando que o Governo Federal aceitaria a remoo
do projeto para outra localidade, a fim de resolver o imbrglio poltico, desde que o
Governo do Estado arcasse com os custos que j haviam sido gastos. Em menos de trs
dias, o Governador recusava o pedido, minimizando as insatisfaes locais. (Arquivo
Pessoal Capanema, FGV. FGC 35.09.02)
Em novembro de 1936, o movimento atingiu seu momento de maior flego,
atravs de um projeto federal que buscou modificar sistematicamente o rumo das
edificaes, transferindo o nosocmio para outra localidade, com aproveitamento do
terreno e edificaes em uma Estao Experimental Agrcola.
Na tentativa de equacionar esse desafio, o deputado federal Adalberto Correa e
seus correligionrios, apresentaram o Projeto 483, que continha a seguinte instruo:
corrigir uma anomalia na localizao do leprosrio em zona, at aqui, absolutamente
indme do mal de Hansen. A instalao do leprosrio em local que no apresentava
incidncia da doena passou a ser a principal argumentao daqueles que se posicionavam
contra a localizao do leprosrio em Itabora, uma vez que representava um ataque direto
ao relatrio tcnico. Dados epidemiolgicos que apontavam Itabora e regies vizinhas
como muncipios isentos lepra, foram a principal arma utilizada pelo grupo que
apresentou o projeto 483. Alm deste argumento cientfico, as principais lideranas do
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movimento evocavam as razes econmicas da questo, destacando que a velha
comuna (Itabora) com as obras de saneamento da baixada voltaria a florescer.
Em resposta, o Dr. Ernani Agrcola destacou que no se justificava essa reao,
pois os protestos na verdade estavam vinculados a preconceitos ancestrais, manipulados
habilmente por aproveitadores. Segundo o leprologista, o estigma em torno da doena
seria o principal obstculo para a construo de novos leprosrios. Agrcola chama a
ateno para o interesse poltico neste imbrglio. (Revista de Combate Lepra, 1938:156-
158)
Em 11 de maro de 1937, o Ministro Gustavo Capanema foi convocado pela
Comisso de Sade Pblica da Cmara Federal, para prestar esclarecimentos referentes
construo do leprosrio de Igu e o Plano Nacional de Combate Lepra. O relatrio que
resultou da convocao do Ministro demonstra que em maro de 1937, ainda havia
espaos de questionamento s aes do Governo Federal, panorama fundamentalmente
modificado a partir da decretao do Estado Novo.
As manobras polticas para transferir o local de construo do leprosrio bem,
como a manuteno do projeto, demonstram em uma escala reduzida, que o perodo entre
a Constituio de 1934 e novembro de 1937, representou um momento de disputas de
poder na esfera municipal, refletindo-as a nvel estadual e federal. (DELGADO &
FERREIRA, 2011:31-34). Atravs de anlise do sistema partidrio de um dos municpios
que compem um aglomerado de 48 do Estado do Rio de Janeiro na dcada de 1930, pode
ser identificado que mesmo com sua autonomia quase nula, o perodo constitucional
(1934-1937) demonstrou ser de luta poltica e o poder local mobilizou-se em defender
seus interesses.
Em 14/03/1937, o Jornal a Noite noticiou as articulaes polticas para que o
Projeto 483 fosse vetado:
Aberta a sesso de hoje da Camara e lida a acta, falou o Sr, Bandeira
Vaughan. O deputado fluminense, a proposito de retificar aquela acta,
combateu a atitude do Sr. Protegenes Guimaraes, Governador do
Estado do Rio, telegraphando aos representantes estaduaes para que
votem contra o projeto que extingue o leprosario de Igu, no mesmo
Estado.(A NOITE, 1937)
O grupo contrrio ao projeto 483, liderado pelo Governador Protgenes
Guimares, atingiu seu objetivo. O projeto foi rejeitado pela Comisso de Finanas e
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Agricultura da Cmara Federal, ou seja, o projeto sequer foi colocado em votao, o que
significou um duro golpe ao grupo que lutava contra a instalao do leprosrio em
Itabora.
Com a decretao do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, os partidos e o
Parlamento foram abolidos, destituindo seus interlocutores polticos. O governo federal
passou a intervir nos estados mediante a nomeao dos interventores, assumindo o poder
orientado por uma nova Constituio.12
A partir dessa nova orientao poltica, terminava a continuidade de experincias
democrticas ocorridas entre 1934 e 1937. E a reboque, veio o silncio sobre as discusses
em torno do leprosrio do Igu, uma vez que seus principais atores foram destitudos de
suas funes quer fossem do poder municipal, estadual ou federal. O Jornal O So
Gonalo que por diversas vezes publicou artigos e atuou como um verdadeiro
termmetro durante a tentativa de transferncia do leprosrio, no publicou mais uma
linha sequer sobre o andamento das obras ou sobre as insatisfaes locais por conta de
sua instalao. O peridico s voltaria a veicular uma pequena nota, informando: No dia
20 de agosto de 1938, ocorreu em Itabora a inaugurao do leprosrio do Igu.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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