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A PERSPECTIVA DO DIREITO À CIDADE E DA REFORMA URBANA NA REVISÃO DA LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO Nelson Saule Jr. (org.), Fernando Bruno, Gabriel Blanco, Cláudia Maria Beré, Paulo Romeiro, Raphael Bischof, Raquel Rolnik, Rosana Denaldi, Rosane Tierno novembro de 2008

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A PERSPECTIVA DO DIREITO À CIDADE E DA REFORMA URBANA NA REVISÃO DA

LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO

Nelson Saule Jr. (org.), Fernando Bruno, Gabriel Blanco, Cláudia Maria Beré,Paulo Romeiro, Raphael Bischof, Raquel Rolnik, Rosana Denaldi, Rosane Tierno

novembro de 2008

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cadernos pólis 10Organizador| Nelson Saule Jr.

Colaboradores| Fernando Bruno, Gabriel Blanco, Cláudia Maria Beré, Paulo

Romeiro, Raphael Bischof, Raquel Rolnik, Rosana Denaldi e Rosane Tierno

Assistentes| Isabel Ginters e Stacy Torres

Coordenação editorial| Veronika Paulics e Cecilia Bissoli

Revisão de texto| Beatriz Freitas

Editoração| Cecilia Bissoli

Ilustração da capa| Cecilia Bissoli

Impressão| Gráfica Maxprint

A Perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão da lei do parcelamento do solo/ Nelson Saule Jr., org.; Fernando Bruno ... [et al.] – São Paulo: Instituto Pólis, 2008.

112p. - (Cadernos Pólis; 10) 1. Solo urbano - Uso – Brasil. 2. Propriedade urbana – Brasil. 3. Lotea-mento – Brasil – Legislação. 4. Política urbana – Brasil. I. Saule Júnior, Nelson. II. Bruno, Fernando. III. Instituto Pólis.

CDU 347.235(81)

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Sumário

Introdução 5

O Direito à Cidade e a Revisão da Lei de Parcelamentodo Solo Urbano 7

Abertura e objetivos da Oficina Diálogos sobre a Revisão da Leide Parcelamento do Solo Urbano 30

Breve histórico e comentários sobre a Lei do Parcelamentodo Solo Urbano (Lei Federal n° 6.766/79) 32

As tipologias e os requisitos urbanísticos e ambientais doparcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00 42

As responsabilidades do Poder Público e do empreendedorno parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00 49

As competências dos entes federativos no parcelamento do solourbano – O papel do Município no Projeto de Lei n° 3.057/00 57

O tratamento da regularização fundiária na Revisão da Lei doParcelamento do Solo Urbano – Aspectos jurídicos 64

O tratamento da regularização fundiária na Revisão da Lei doParcelamento do Solo Urbano – Aspectos urbanísticos 71

A regulação dos instrumentos de regularização fundiária naRevisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano 82

Aspectos registrários da regularização fundiária na Revisão daLei do Parcelamento do Solo Urbano 96

Considerações finais 107

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Sobre os autores

Nelson Saule Jr. é advogado, doutor e mestre em Direito do Estado (direito ur-banístico) pela PUC-SP; coordenador da equipe Direito à Cidade do Instituto Pólis; presidente do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) e professor de Direi-to Urbanístico do Curso de Pós Graduação de Direito na PUP-SP.

Gabriel Blanco é advogado, especialista em direito urbanístico e regularização fundiária, foi Diretor da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB.

Paulo Romeiro é advogado, mestrando em direito urbanístico ambiental pela PUC-SP, integrante da equipe do Direito à Cidade do Instituto Pólis, fundador do Insti-tuto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) e conselheiro municipal da habitação no município de São Paulo.

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista especializada em planejamento e gestão da terra urbana; professora da FAU-USP e Relatora Especial para o Direito a Moradia da ONU.

Cláudia Maria Beré é promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo em São Paulo, especialista em Interesses Difusos e Coletivos pela ESMP-SP e mestre pela FAU-USP.

Fernando Bruno é mestre em direito urbanístico (PUC-SP), professor titular de di-reito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu (SP), membro titular do Conselho das Cidades, secretário-adjunto de desenvolvimento urbano e habitação do Município de Santo André.

Rosana Denaldi é doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP, especialista em Política Habitacional pelo Institute for Housing and Urban Development Studies (Holanda). É professora nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos. É consultora na área de política urbana e habitacional.

Raphael Bischof é graduado em Direito pela USP e é mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP. Atua como advogado em São Paulo, com ênfase em Direito Urbanístico, Licitações e Contratos de Administração Pública. Atualmente, trabalha para Gerência do Patrimônio da União.

Rosane Tierno é advogada, secretária executiva do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), consultora jurídica de Regularização Fundiária da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo.

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Introdução

A Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Lei Federal n° 6.766/79 – está sendo objeto de revisão no Congresso Nacional através do Projeto de Lei n° 3.057/00, que tem como objetivo estabelecer as normas gerais disciplinadoras de par-celamento do solo urbano e de regularização fundiária sustentável de áreas urbanas, visando ter como denominação lei de responsabilidade territorial.

O Projeto de Lei nº 3.057/00 disciplina as seguintes matérias sobre o parcela-mento do solo urbano: os requisitos urbanísticos e ambientais do parcelamento do solo urbano; as responsabilidades do empreendedor e do Poder Público na implantação e manutenção do parcelamento do solo; os requisitos e critérios sobre o conteúdo e para fins de aprovação do projeto do parcelamento do solo; as competências do Município e do Estado sobre licenciamento para parcela-mento do solo; as exigências para a adoção da licença urbanística e ambiental integrada, bem como para a entrega das obras e da licença final integrada; critérios para o registro do parcelamentos do solo; regras para os contratos, re-lações de consumo e direito do consumidor em parcelamento do solo; regula-rização fundiária sustentável em área urbana, regularização fundiária de inte-resse social e de interesse específico, demarcação urbanística e legitimação de posse, registro da regularização fundiária de interesse social; infrações penais, administrativas e civis sobre o parcelamento do solo; requisitos e critérios para implantação e regularização do loteamento com controle de acesso; critérios sobre o custo do registro dos títulos inerentes ao parcelamento e regularização fundiária de interesse social.

A lei federal de parcelamento do solo no âmbito da ordem jurídica urbana tem a mesma relevância que o Estatuto da Cidade, por dispor das diretrizes, critérios, procedimentos e instrumentos sobre o parcelamento do solo urbano para a implantação de núcleos, vilas, conjuntos habitacionais e bairros nas ci-dades. Essa legislação contém normas fundamentais para o desempenho das funções das cidades.

O Instituto Pólis tem participado do processo de revisão dessa legislação con-tribuindo com a formulação de subsídios e proposições sobre os diversos temas relativos ao parcelamento do solo e da regularização fundiária de assentamen-tos informais, com base na plataforma do Direito à Cidade e da Reforma Urbana.

Com o objetivo de contribuir com o processo de revisão dessa legislação, no dia 9 de maio de 2008 o Instituto Pólis organizou em São Paulo a Oficina Diálogos sobre a Revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que contou com a colaboração das urbanistas Raquel Rolnik e Rosana Denaldi, Dra. Cláu-dia Maria Beré (Promotora do Ministério Público do Estado de São Paulo), dos especialistas em direito urbanístico Nelson Saule Jr., Fernando Bruno, Gabriel Blanco, Rosane Tierno e Raphael Bischof, que trataram dos seguintes temas:

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Breve histórico e comentários sobre a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal n° 6766/79); As tipologias e os requisitos urbanísticos e ambientais do parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00; As responsabilida-des do Poder Público e do empreendedor no parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00; As competências dos entes federativos no parcela-mento do solo urbano – O papel do Município no Projeto de Lei n° 3.057/00; O tratamento da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano; A regulação dos instrumentos de regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano; e Aspectos registrários da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano. A Oficina contou com a presença de técnicos e gestores do Poder Público, técni-cos e profissionais liberais e de organizações não governamentais, lideranças de movimentos populares, pesquisadores e estudantes universitários.

Considerando que o Projeto de Lei nº 3.057 está em tramitação final na Câmara dos Deputados e vem sendo objeto de diversos debates públicos em nossas cidades, bem como em esferas públicas responsáveis pelas políticas de desenvolvimento urbano como o Conselho das Cidades, visando contribuir com a disseminação, apropriação e discussão sobre a Revisão da Lei do Parcelamen-to do Solo Urbano, os resultados desta Oficina e as contribuições feitas pela equipe Direito à Cidade do Instituto Pólis possibilitaram a elaboração desta pu-blicação – “A Perspectiva do Direito à Cidade e da Reforma Urbana na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano”.

Esta publicação contém a sistematização dos temas desenvolvidos e dos re-sultados das discussões realizadas na Oficina Diálogos sobre a Revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, pela qual agradeço o trabalho desenvolvido pelas estagiárias da equipe Direito à Cidade do Instituto Pólis, Stacy Torres e Isabel Ginters, bem como um artigo elaborado por Nelson Saule Jr. contendo uma análise crítica sobre o Projeto de Lei n° 3.057/00. Ao lado disso, propo-sições para serem incorporadas ao Projeto de Lei, com o intuito de que esse processo resulte em uma nova lei de parcelamento do solo urbano, que atenda aos preceitos da ordem jurídica urbana estabelecidos na Constituição Brasileira de 1988 e no Estatuto da Cidade, e seja um instrumento legal estratégico para a promoção do Direito à Cidade e da Reforma Urbana nas cidades brasileiras.

Nelson Saule Jr.

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O Direito à Cidade e a Revisão da Lei de Parcelamento do Solo UrbanoNelson Saule Jr.

A evolução da legislação de parcelamento do solo urbano

A finalidade da Lei de Parcelamento do Solo UrbanoAs periferias dos grandes centros urbanos são ilustrativas do processo de

implantação de loteamentos urbanos sem infra-estrutura urbana ou sem au-torização do Poder Público, o que resultou em uma ocupação sem padrões mínimos de qualidade ambiental de grande parte do território dessas cidades.

Na cidade de São Paulo, a Lei Municipal nº 2.611/23 definiu regras para a abertura de loteamentos, o que significava a associação da atividade de arruar com o uso e ocupação do lote. Esta lei municipal determinou-se à apresentação de um plano de loteamento após a obtenção de diretrizes. O plano deveria ser apresentado com curvas de nível de metro em metro, definindo o arruamento e os espaços livres, o nivelamento das vias e o sistema de escoamento das águas pluviais. Exigia-se a doação de áreas para o Poder Público: 20% para as vias e 5,7% ou 10% para espaços livres. O lote mínimo deveria ter 300 m2, com frente mínima de 10 metros.

Esta lei estabelecia que, se o arruador não observasse os critérios para aber-tura de rua, com a colocação da parte que lhe competia em infra-estrutura, po-deriam ser abertas ruas particulares, que no entanto não seriam consideradas ruas oficiais. Logradouros particulares foram se multiplicando na cidade, sobre-tudo na periferia, sem nenhum critério de articulação com as vias já existentes, sem nenhum cuidado especial quanto à declividade (na maioria das vezes mui-to acentuada), e sem nenhuma preocupação com os espaços públicos.

No final da década de 1930 o parcelamento do solo urbano passou a ser disci-plinado por meio de legislação federal. O Decreto-Lei n° 58, de 10 de dezembro de 1937, e o Decreto n° 3.079, de 15 de setembro de 1938, passaram a exigir dos loteadores obrigações referente a infra-estrutura e projeto de parcelamento do solo, e também dispor de regras contratuais sobre a compra de terrenos me-diante pagamentos em prestações – ambos não tiveram eficácia para conter a proliferação de loteamentos populares sem condições de habitação adequadas. A proibição de construção de habitações coletivas para população de baixa ren-da na região central da cidade de São Paulo, por exemplo, foi determinante para a proliferação de loteamentos populares na periferia sem autorização do Poder Público e sem atender às exigências da legislação de parcelamento do solo1.

Com o objetivo de reverter essa situação de deterioração das áreas urbanas, foi instituída a Lei Federal n° 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do

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solo urbano, contendo como normas gerais definições sobre Modalidades de parcelamento (loteamento ou desmembramento), Lote e infra-estrutura básica de parcelamento, Áreas passíveis de parcelamento para fins urbanos.

A Lei de Parcelamento do Solo Urbano disciplina as seguinte matérias: a) Modalidades de parcelamento| A lei define loteamento como a subdivi-

são de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação e logradouros públicos, ou ainda prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. A lei define como desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação das já existen-tes. A lei define parcelamentos de interesse público como aqueles vinculados a planos ou programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras, ou entidades públicas, bem como os destinados à regularização de parcelamento de assen-tamentos.

b) Requisitos urbanísticos para loteamento| A lei define como lote o terreno servido de infra-estrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanís-ticos definidos pelo Plano Diretor ou lei municipal para a zona em que se situa. A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída dos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. Nos parcelamentos situados nas zonas habitacionais decla-radas por lei de interesse social a iluminação pública, a energia elétrica pública e a pavimentação deixam de ser parte da infra-estrutura básica.

A lei determina que o parcelamento do solo urbano é admitido nas zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas no Plano Diretor ou aprovadas por lei municipal. A lei não contém a definição de zonas urbanas ou de expansão urbana, mas define as áreas que não podem ter parcelamento do solo urbano, tais como terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, terrenos em que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública e áreas de preservação ecológica.

A lei estabelece como requisitos urbanísticos para loteamento a necessidade de áreas destinadas a sistemas de circulação, implantação de equipamento ur-bano e comunitário, espaços livres de uso público (praças). Os lotes devem ter área mínima de 125 m2 e frente mínima de cinco metros. Quando se tratar de loteamento em áreas de urbanização específica ou para edificação de conjun-tos de habitação de interesse social o lote poderá ser menor, desde que através de legislação estadual ou municipal.

c) Responsabilidades do loteador e do Poder Público;d) Elementos do projeto de loteamento e desmembramento;e) Aprovação e registro do Parcelamento do Solo;f) Define as competências do Município e do Estado para o parcelamento

do solo urbano| Cabe ao Estado disciplinar por decreto a aprovação, pelos Mu-

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nicípios, de loteamentos e desmembramentos localizados em áreas de proteção especial, como as de mananciais, patrimônio cultural ou histórico, em mais de um Município, e em regiões metropolitanas, quando abranger área superior a 1 milhão de m2.

g) Relações contratuais: loteador e adquirentes de lotes| A lei disciplina as relações contratuais entre loteadores e compradores de lotes urbanos definin-do quais são os componentes dos compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão que valem como título para o registro da propriedade do lote adquirido. A lei admite nos parcelamentos populares a cessão de posse em que estiverem provisoriamente imitidas a União, os Estados e os Municí-pios, que tem caráter de escritura pública. A lei estabelece também medidas de proteção ao adquirente de lote urbano. No caso de loteamento que não foi registrado ou regularmente executado de acordo com o projeto aprovado na Prefeitura, o adquirente do lote pode suspender o pagamento das prestações restantes e notificar o loteador a cumprir com as suas obrigações.

h) O papel do Poder Público na Regularização de Parcelamento Irregular;i) Critérios específicos para a regularização de parcelamentos de interesse

social promovidos pelo Poder Público| A lei estabelece a competência para a Prefeitura Municipal regularizar loteamento ou desmembramento implantado de forma irregular pelo loteador.

Essa competência não exclui a responsabilidade do loteador na implantação de loteamento irregular.

j) Infrações e crimes de Parcelamento do Solo| A lei tipifica os crimes contra a Administração Pública referentes ao parcelamento do solo urbano: é crime dar início ou efetuar loteamento sem a autorização da Prefeitura, ou sem cumprir com as exigências do Poder Público determinadas na licença que aprovou a implantação do loteamento.

k) Requisitos para a modificação de área rural para área urbana para fins de implantação de parcelamento urbano| Esta alteração depende de prévia anuência do INCRA, se houver, do órgão metropolitano onde se localiza o Mu-nicípio, e da aprovação da Prefeitura Municipal.

A Lei de Parcelamento do Solo estabelece os padrões urbanísticos mínimos para implantação de loteamento urbano, tais como sistema viário, equipamen-tos urbanos e comunitários, áreas públicas, bem como as responsabilidades dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores) e do Poder Público, além de tipificar os crimes urbanísticos.

A Lei nº 6.766 substituiu o Decreto-Lei nº 58/37 para o parcelamento do solo urbano. O Decreto-Lei, que vigorou até 19 de dezembro de 1979, tinha como intenção maior proteger os compradores de lotes, por meio de pagamento parcelado do preço total, do que uma preocupação urbanística. Dessa forma, o parcelador deveria basicamente apresentar o plano de loteamento firmado pelo profissional habilitado e o modelo de contrato irretratável de compromis-so de venda e compra perante o Cartório de Registro de Imóveis competente

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e fazer registrar o primeiro. A partir do registro, poderia comercializar os lotes. A planta do parcelamento registrado deveria ser previamente aprovada pela Prefeitura Municipal, apenas para os parcelamentos urbanos (art. 1º, parágrafo 1º). Todavia, não eram dados critérios urbanísticos para esta aprovação.

A Lei nº 6.766/79 fixa os índices urbanísticos para a aprovação de parcelamen-tos urbanos em todo o território nacional. O parcelador deverá primeiramente aprovar a planta de parcelamento na Prefeitura Municipal (arts. 12 a 17) para posteriormente registrá-lo (arts. 18 a 24). O depósito do modelo de contrato, no Cartório de Registro de Imóveis, continuou obrigatório (arts. 25 a 36). A venda de lotes de parcelamento não registrado restou proibida (art. 37) e a conduta, criminalizada (arts. 50 e 51). Vale observar que, na hipótese de parcelamento de solo dentro de área metropolitana, em região de mananciais, ou se a gleba a ser parcelada perfizer mais de 10 milhões de m2 antes do registro, o lotea-mento deverá ser aprovado pela instância designada em lei estadual (art. 13).

O grande benefício trazido pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano foi reconhecer a competência dos Municípios para regularizar os parcelamentos feitos ilegalmente dentro de seus territórios (arts. 40 e 41). E trouxe ainda a possibilidade de parcelamentos especiais para a população de baixa renda (art. 4º, II, in fine).

A admissão de tamanhos de lotes diferenciados para loteamentos de interes-se social aprovados, mesmo não tendo alterado o regime jurídico para a produ-ção de moradias de interesse social, representou um avanço, na medida em que possibilitou a regularização, pelo Município, de casas populares construídas em parcelamentos informais.

A competência do Município na Lei do Parcelamento do Solo UrbanoA irregularidade do loteamento ocorre quando o loteador obtém a aprova-

ção do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, porém não executa as obras de infra-estrutura necessárias que constam do projeto de loteamento aprovado. Outra situação que caracteriza o loteamento irregular ocorre quan-do o loteador apresentou o projeto de loteamento para a aprovação do órgão público municipal competente sem atender às outras etapas necessárias para a sua implantação, nos termos da Lei nº 6.766/79, como a execução das vias de circulação do loteamento ou a demarcação dos logradouros públicos.

O loteamento é irregular em razão das irregularidades físicas ou urbanísticas, quais sejam, as que tocam à questão de ausência de infra-estrutura e de áreas públicas, e as irregularidades jurídicas, concernentes aos obstáculos existentes para o registro do loteamento, consistentes, principalmente, na incorreção do título de propriedade da gleba.

Os loteamentos irregulares são parcelamentos do solo urbano que obtiveram aprovação do Poder Público municipal, mas que não foram executados confor-me o ato administrativo da aprovação. Os loteamentos clandestinos são aqueles

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que não obtiveram nenhuma aprovação por parte do Poder Público municipal e surgem diante da inércia da Administração Pública em fiscalizá-los.

Uma situação de irregularidade muito comum ocorre quando a ocupação de área que foi objeto de parcelamento do solo com a aprovação do projeto de loteamento no Poder Público não atende ao traçado oficial do loteamento. Ge-ralmente são ocupadas as áreas destinadas às vias de circulação, áreas verdes e equipamentos comunitários e as casas são construídas em desacordo com a divisão dos lotes.

Os conjuntos habitacionais promovidos por órgãos e instituições do Poder Público, responsáveis pela execução de programas habitacionais, muitas vezes são construídos sem atender às exigências da Lei de Parcelamento do Solo e da legislação municipal de uso e ocupação do solo. Situação comum é a falta de infra-estrutura ou do registro público do empreendimento no Cartório de Registro de Imóveis competente.

O estabelecimento de normas e procedimentos para o parcelamento do solo urbano é de competência do Município. Segundo a Constituição Federal, nos termos dos incisos I e VIII do Artigo 30, é competência do Município legislar so-bre assuntos de interesse local e promover, no que couber, adequado ordena-mento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Se o Município tem a atribuição constitucional para condicionar o exercício do direito da propriedade urbana aos objetivos, diretrizes e metas da política urbana municipal decorrente desta atribuição, cabe ao Município, no próprio Plano Diretor em que este for obrigatório, por exemplo, dispor dos critérios, instrumentos e procedimentos para efetuar a regularização dos loteamentos irregulares existentes em seu território.

Neste sentido, Toshio Mukai, Alaor Caffé Alves e Paulo José Villela Lomar têm o mesmo entendimento sobre a competência do Município para dispor sobre a aprovação do parcelamento do solo urbano:

Apesar de fixar normas urbanísticas genéricas, padrões mínimos válidos para todo o território nacional, o ato de aprovação do parcelamento do solo urbano continua sendo de exclusiva competência do Município (ou do Distrito Federal), em atenção ao peculiar interesse local na matéria (art. 15, II, da CF), salvo nas hipóteses exaradas no Artigo 13, em que esse ato de apro-vação implicará, na sua formação, a anuência prévia do Estado2.

A competência exclusiva do Município não se refere apenas à edição de normas para aprovação do loteamento urbano, mas também às regras para regularizá-lo, porque se trata de um assunto de predominante interesse local.

A aprovação, a disciplina e a regularização do parcelamento do solo urba-no são de competência municipal, sendo inválida qualquer exigência feita por parte de outros entes políticos, inclusive com relação às regras condicionadoras do registro imobiliário criadas pelos órgãos do Judiciário, responsáveis pelas corregedorias dos cartórios; estes devem promover o necessário para que as

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normas que editam, a respeito da regularização de loteamentos, não interfiram na autonomia do Município.

Os Municípios, por meio do Plano Diretor ou de lei municipal específica (se o Plano Diretor não for obrigatório), devem estabelecer a política de regulariza-ção de loteamentos irregulares, que pode incluir as seguintes medidas3:

• Delimitação das áreas com grande concentração de loteamentos irregula-res, ou de loteamento irregular com elevada densidade populacional, como as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS.

• Exigir do Poder Público, para os loteamentos irregulares delimitados como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, um plano de urbanização contendo normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e edificações com-patíveis com a realidade da ocupação existente, como principal instrumento de regularização do loteamento irregular.

A delimitação dos loteamentos irregulares como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS no Plano Diretor, para o estabelecimento de um plano de urbani-zação com normas de urbanização específicas, atende à exigência do Artigo 3° da Lei n° 6.766, pelo qual somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas de expansão urbana, ou de urbanização especí-fica, assim definidas pelo Plano Diretor ou aprovadas por lei municipal.

A delimitação das Zonas Especiais de Interesse Social em áreas com grande concentração de loteamentos irregulares, ou com loteamentos populares com elevada densidade populacional, caracteriza uma zona urbana de urbanização específica, possibilitando o estabelecimento de normas de parcelamento, uso e ocupação do solo e edificação específicas, no plano de urbanização, para fins de regularização de loteamentos irregulares. A atribuição preponderante do Mu-nicípio, na regularização de loteamentos e conjuntos habitacionais, não signi-fica reduzir a importância das demais instituições públicas. No Poder Judiciário, a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça tem papel relevante para a institui-ção de provimento, simplificando os procedimentos de registro de loteamen-tos e conjuntos habitacionais irregulares. As Varas Especializadas de Registros Públicos, mediante portarias internas, podem também simplificar os critérios e procedimentos administrativos e judiciais para fins de regularização fundiária4.

As possibilidades de regularização fundiária na Lei de Parcelamento do Solo com base nas modificações da Lei n° 9.785, de 29/01/99

Através da Lei n° 9.785, de 29 de janeiro de 1999, as alterações feitas na Lei n° 6.766/79 atenderam ao objetivo de constituir instrumentos voltados à proteção do direito à moradia, mediante a proteção da segurança da posse da população moradora de assentamentos urbanos informais (conjuntos habita-cionais e loteamentos populares destinados à população de baixa renda)5.

Cacilda Lopes, em sua dissertação sobre as legislações de parcelamento do solo urbano, tem o seguinte entendimento sobre as modificações feitas na Lei nº 6.766/1979 pela Lei nº 9.785/99:

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[...] Constatamos que as alterações introduzidas pela Lei no 9.785/99 na Lei no 6.766/79, no tocante à flexibilização das normas quando o Estado promover empreendimentos imobiliários, tiveram como intuito minimizar a ausência, por longos anos, de investimentos em programas habitacionais. Isso em um quadro de profundas mudanças econômicas, que ocasiona o aumen-to de pessoas que não conseguem obter, mesmo com o trabalho, a garantia de habitação digna. O Estado, ao perceber que o modelo de acesso à terra no Brasil privilegia apenas determinadas classes sociais, o que não conseguiu atender a uma classe numerosa de miseráveis, promove alterações na legislação, instituindo um modelo dual de acesso a lotes: um para os pobres e outro para a classe média, já reproduzido em outros momentos da História. Uma legislação de parcelamento do solo que exclui determinadas classes sociais do acesso legal à terra causa grande impacto na produção dos espaços urbanos. A parcela da sociedade que não consegue obter habitação pelo modo tradicional de aquisição de lotes fica sujeita a outras formas de apropriação do espaço urbano. Dessa forma, são criados os espaços das favelas, dos cortiços, dos loteamentos clandestinos e irregulares e espaços mais privilegiados, como os loteamentos regulares, sem falar daqueles que não têm acesso a nenhuma dessas formas de moradia, vi-vendo em ruas, praças, marquises e viadutos6.

Além da Lei n° 6.766/79, também foram alteradas a lei de registros públicos e a lei sobre desapropriações de interesse público.

Um dos principais benefícios trazidos pelas alterações feitas na Lei de Parce-lamento do Solo Urbano foi respeitar a competência constitucional atribuída aos Municípios para regularizar os parcelamentos do solo feitos ilegalmente dentro de seus territórios. E trouxe ainda a possibilidade de parcelamentos es-peciais para a população de baixa renda. Esta alteração na Lei de Parcelamen-to do Solo Urbano representa um avanço, na medida em que não estabelece restrições e impedimentos à regularização, pelo Município, de casas populares construídas em parcelamentos informais.

De acordo com as modificações feitas, a regularização somente será permiti-da para parcelamentos em zona urbana ou de expansão urbana, ressalvados os índices urbanísticos estabelecidos pela legislação municipal para a zona. Por-tanto, a localização do parcelamento em zona urbana ou de expansão urbana deve ser entendida como um primeiro critério para a aprovação de novo lotea-mento ou para a regularização daqueles implantados irregularmente.

Na alteração feita pelo Artigo 3°, que acrescenta o parágrafo 6° no Artigo 2°, institui as Zonas Habitacionais de Interesse Social (ZHIS) como instrumento de regularização fundiária. Estas zonas devem ser declaradas por lei municipal. Outro instrumento estabelecido é a zona de urbanização específica para fins de parcelamento do solo urbano. Esta zona deve ser definida pelo Plano Diretor ou por lei municipal. As ZHIS, ou as zonas de urbanização específicas, podem ser instituídas também como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS.Outra medida importante é o reconhecimento das regularizações de parcela-mento e de assentamentos como de interesse público. De acordo com o Artigo 53, são considerados de interesse público os parcelamentos vinculados a planos e programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do Distrito Federal, ou de entidades autorizadas por lei, em especial as regularizações de parcelamentos e de assentamentos.

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Por meio dessa norma, os conjuntos habitacionais executados pelo Poder Público que apresentem irregularidades com relação ao parcelamento, uso e ocupação do solo são considerados passíveis de regularização fundiária, tan-to no aspecto urbanístico como no aspecto jurídico, englobando a regulari-zação do empreendimento no Cartório de Registro de Imóveis. Para as ações e intervenções destinadas à regularização dos loteamentos não será exigível documentação que não seja a mínima necessária e indispensável aos registros nos cartórios competentes, vedadas as exigências e as sanções pertinentes aos particulares, especialmente aquelas que visem garantir a realização de obras e serviços, ou que visem prevenir questões de domínio de glebas, que se pre-sumirão asseguradas pelo Poder Público responsável nos termos do parágrafo único do Artigo 53-A.

De maneira alguma essa norma isenta o Poder Público de implantar a infra-estrutura e os equipamentos urbanos no conjunto habitacional. Esta obrigação tem fundamento tanto no direito da população beneficiária como consumido-res, em função do contrato celebrado com o Poder Público, como no respeito ao direito à moradia. Esses fundamentos devem ser observados nos processos de regularização, de modo que a população atendida tenha uma moradia ade-quada, uma vez que a urbanização, visando à melhoria das condições habita-cionais, é um dos componentes da regularização fundiária.

Estatuto da Cidade e o Direito à Cidade – Preceitos norteadores da Revisão da Lei do Parcelamento do Solo

O Estatuto da Cidade é a lei federal de desenvolvimento urbano que dispõe sobre os princípios e as diretrizes fundamentais da política de desenvolvimen-to urbano. Com base na competência concorrente da União em legislar sobre direito urbanístico, as diretrizes previstas no Artigo 2° do Estatuto da Cidade se configuram como as normas gerais de direito urbanístico. Considerando que as normas de parcelamento do solo urbano fazem parte das normas do regime do direito urbanístico, estas normas devem observar as diretrizes da política de desenvolvimento urbano prevista no Estatuto da Cidade.

Neste sentido, a Revisão da Lei do Parcelamento do Solo deve ser promovida em consonância com os princípios e as diretrizes da política de desenvolvi-mento urbano nos termos das normas constitucionais da política urbana (em especial, os Artigos 182 e 183 da Constituição Federal) e das normas previstas no Estatuto da Cidade.

A Lei de Parcelamento do Solo urbana deve conter normas de ordem pública e interesse social que direcionem o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental, de modo que sejam respeitados os princípios da função social da propriedade e os das funções sociais da cidade.

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Para o atendimento do princípio das funções sociais da cidade, a Lei do Parcela-mento do Solo deve conter normas que sejam voltadas ao pleno desenvolvimen-to do direito a cidades sustentáveis nos termos previstos no Estatuto da Cidade.

Com o Estatuto da Cidade ocorre um profundo impacto no direito à cidade, que deixa de ser um direito reconhecido somente no campo da política e passa a ser um direito reconhecido no campo jurídico. O direito à cidade adotado pelo direito brasileiro o coloca no mesmo patamar dos demais direitos de defesa dos interesses coletivos e difusos, como, por exemplo, o direito do consumidor, do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, da criança e do adolescente, da economia popular.

O Estatuto da Cidade define o direito a cidades sustentáveis como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, e a gestão democrática por meio da participação da popu-lação e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Esta definição jurídica do Direito à Cidade contém uma característica se-melhante à do direito ao meio ambiente, por estabelecer que os seus compo-nentes, como a moradia, devem ser assegurados para as presentes e futuras gerações. Esta definição retrata que o Direito à Cidade é um direito coletivo ou difuso dos habitantes da cidade. Por exemplo, qualquer habitante de uma co-munidade tradicional existente em uma cidade que esteja ameaçada de perder sua memória ou identidade poderá demandar a proteção dos direitos desta co-munidade com base no Direito à Cidade definido no Estatuto da Cidade. Devido a esta definição jurídica, têm proteção jurídica com base no Direito à Cidade:

• os grupos de habitantes e as comunidades que tenham formado a identi-dade e a memória histórica e cultural da cidade;

• os grupos sociais e comunidades que vivem em assentamentos urbanos in-formais consolidados que podem demandar, do Poder Público, ações e projetos de urbanização e regularização fundiária de interesse social.

O Direito à Cidade é o paradigma para a observância das funções sociais da cidade, que serão respeitadas quando as políticas públicas assegurarem, às pes-soas que vivem nas cidades, o acesso à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

As funções sociais da cidade, como princípio constitucional dirigente da polí-tica urbana, foram introduzidas na Constituição Brasileira pelo caput do Artigo 182 de forma vinculada com a garantia do bem-estar de seus habitantes. Com esta vinculação dos objetivos, o interesse em que as funções sociais da cidade sejam plenamente desenvolvidas é dos habitantes da cidade, o que abrange qualquer pessoa, qualquer grupo social. Com isso, não há o estabelecimen-to de categorias entre os cidadãos pelo fator econômico, abrangendo todos

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os habitantes como cidadãos, independentemente da origem social, condição econômica, raça, cor, sexo, ou idade. O desenvolvimento das funções sociais da cidade, por ser do interesse de todos os habitantes da cidade, se enquadra na categoria dos interesses difusos, pois todos os habitantes são afetados pe-las atividades e funções desempenhadas nas cidades: proprietários, morado-res, trabalhadores, comerciantes e migrantes têm como contingência habitar e usar um mesmo espaço territorial. Logo, a relação que se estabelece entre os sujeitos é com a cidade, que é um bem de vida difuso.

O reconhecimento institucional e jurídico do Direito à Cidade como preceito que deve balizar a política urbana à luz do desenvolvimento sustentável aponta para a construção de uma nova ética urbana, em que os valores da paz, da jus-tiça social, da solidariedade, da cidadania, dos direitos humanos predominem no desempenho das atividades e funções da cidade, de modo que estas sejam destinadas à construção de uma cidade mais justa e humana.

O respeito ao Direito à Cidade é o principal indicador para verificar em que estágio de desenvolvimento das funções sociais estão as cidades brasileiras. Quanto maior for o estágio de igualdade, de justiça social, de paz, de democra-cia, de harmonia com o meio ambiente, de solidariedade entre os habitantes das cidades, maior será o grau de proteção e implementação do Direito à Cidade.

Com relação ao princípio da função social da propriedade, devem ser consi-deradas diretrizes da Lei de Parcelamento do Solo Urbano as seguintes diretri-zes da política de desenvolvimento urbano, previstas nos seguintes incisos do Artigo 2° do Estatuto da Cidade:

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou inadequado em relação à infra-estrutura urbana;d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos gera-dores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utili-zação;f) a deterioração das áreas urbanizadas;g) a poluição e a degradação ambiental;

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

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IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos ge-radores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimô-nio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de im-plantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edi-lícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendi-mentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.

A Revisão da Lei de Parcelamento do Solo deve incorporar essas diretrizes como normas gerais de parcelamento do solo urbano, de modo que esta lei seja adequada à nova ordem jurídica urbana.

Matérias da Revisão da Lei de Parcelamento do Solo UrbanoNo ano de 2007, o Projeto de Lei nº 3.057/00, que altera a Lei de Parce-

lamento do Solo Urbano, foi aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, cujo relator foi o deputado Renato Amary (PSDB-SP), e necessita ser aprovado no plenário da Câmara dos Deputados. Este projeto de lei ainda precisa ser apreciado pelo Senado Federal.

O Projeto de Lei nº 3.057/00 tem como objetivo estabelecer as normas gerais disciplinadoras de parcelamento do solo urbano e de regularização fundiária sustentável de áreas urbanas, visando ter como denominação lei de responsa-bilidade territorial. O Projeto de Lei n° 3.057/00 inicialmente trata das defini-ções jurídicas dos seguintes temas:

• área urbana e área urbana consolidada;• das modalidades de parcelamento do solo urbano: loteamento, desmem-

bramento, condomínio urbanístico;• infra-estrutura básica e complementar;• licença urbanística e ambiental integrada;• gestão plena do Município em parcelamento do solo;• zonas especiais de interesse social e assentamentos informais;• empreendedor de parcelamento do solo urbano;• regularização fundiária sustentável em área urbana;• regularização fundiária de interesse social;• regularização fundiária de interesse específico;• demarcação urbanística e legitimação de posse.

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O Projeto de Lei disciplina os seguintes matérias sobre os requisitos urbanís-ticos e ambientais do parcelamento do solo urbano:

• as responsabilidades do empreendedor e do Poder Público na implantação e manutenção do parcelamento do solo;

• os requisitos e critérios sobre o conteúdo e para fins de aprovação do pro-jeto do parcelamento do solo;

• as competências do Município e do Estado sobre licenciamento para parce-lamento do solo, as exigências para a adoção da licença urbanística e ambiental integrada, bem como para a entrega das obras e da licença final integrada;

• critérios para o registro do parcelamentos do solo;• regras para os contratos, relações de consumo e direito do consumidor em

parcelamento do solo;• regularização fundiária sustentável em área urbana, regularização fundiá-

ria de interesse social e de interesse específico, demarcação urbanística e legi-timação de posse, registro da regularização fundiária de interesse social;

• infrações penais, administrativas e civis sobre parcelamento do solo;• requisitos e critérios para implantação e regularização do loteamento com

controle de acesso;• critérios sobre o custo do registro dos títulos inerentes ao parcelamento e

regularização fundiária de interesse social.

Temas estratégicos do Direito à Cidade e da Reforma Urbana no Projeto de Lei n° 3.057/00 – Revisão da Lei de Parcelamento do Solo

Adoção dos princípios e diretrizes da política de desenvolvimento urbano

Conforme aludido acima, as normas de parcelamento do solo urbano devem estar subordinadas aos princípios e às diretrizes da política urbana estabele-cidas na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. Neste sentido a Lei do Parcelamento do Solo deve adotar os princípios da função social da proprieda-de urbana e da cidade, a garantia do direito a cidades sustentáveis e do direito à moradia e, em especial, as seguintes diretrizes:

• prevalência do interesse público sobre o interesse privado;• ocupação prioritária dos vazios urbanos, respeitados os espaços territoriais

especialmente protegidos;• oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços pú-

blicos adequados aos interesses e necessidades da população local;• adoção de padrões de expansão urbana compatíveis com os limites da

sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

• justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urba-nização;

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• recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;

• regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

Infra-estrutura básica adequada ao Direito à Moradia e o Direito à CidadeNos termos do Artigo 2º, inciso XVIII, do Projeto de Lei, a infra-estrutura

básica é definida como equipamentos de abastecimento de água potável, dis-posição adequada de esgoto sanitário, distribuição de energia elétrica e sistema de manejo de águas pluviais.

Pata atender ao Direito à Moradia e ao Direito à Cidade é necessário ser incluída na infra-estrutura básica a iluminação pública e a pavimentação. A pa-vimentação deve ser entendida de forma genérica, visando garantir a acessibi-lidade e a mobilidade das pessoas aos loteamentos e conjuntos habitacionais.

Obrigatoriedade de percentual de reserva de terra para HIS nos parcelamentos de solo e/ou empreendimentos

A criação de percentuais de obrigatoriedade de reserva do território para Habitação de Interesse Social é outro instrumento importante que deve ser utilizado para garantir a oferta de terra para HIS nos Municípios brasileiros. Para tanto, é extremamente importante que este tema seja incluído como obrigatório na Revisão da Lei de Parcelamento de Solo. Atualmente, a Lei nº 6766/79 determina que 20% da gleba seja destinada ao sistema viário, 10% ao uso institucional e 5% a áreas verdes, sendo omissa para o tema da terra para habitação. Caso seja adotado no Brasil, o percentual deveria ser determinado pelo plano municipal, de acordo com as necessidades do Município.

Como contrapartida aos benefícios individuais que serão gerados ao proprietário e ao empre-endedor do parcelamento do solo urbano, devido à atividade econômica do empreendimento imobiliário, cabe ao Poder Público exigir do proprietário e do empreendedor uma contrapartida que resulte em benefício social para toda a coletividade. A destinação de um percentual da área objeto do parcelamento do solo visa atender às necessidades de moradia social nas cidades brasileiras, um dos componentes essenciais dos princípios norteadores da política urbana, os princípios da função social da propriedade urbana e das funções sociais da cidade.

Contribuições urbanísticas obrigatórias são também adotadas na Espanha, na Holanda, no Canadá e em diversos países europeus.Assim, através desse instrumento de obrigatoriedade, todos os empreendimen-tos destinados à alta e à média renda devem obrigatoriamente destinar um percentual da gleba para a produção de Habitação de Interesse Social.De acordo com o Artigo 10 do Projeto de Lei, sem prejuízo de outras obrigações previstas na Lei, a legislação municipal pode exigir do empreendedor:

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II – doação de área para implantação de programas habitacionais de interesse social ou de recursos para fundo municipal de habitação.Esta proposta terá pouco impacto para a produção do HIS. É necessário defender a seguinte emenda no Artigo 10:

§ 4º Os parcelamentos do solo para fins urbanos deverão ter no mínimo 10% da área parce-lada destinada a parcelamentos de interesse social.§ 5º Fica facultado ao empreendedor destinar as áreas para implantação de parcelamento de interesse social em áreas demarcadas pelo Município como zonas especiais de interesse social para a produção de habitação de interesse social.

Inclusão da modalidade de parcelamento de interesse socialEsta modalidade não está prevista, sendo importante a sua inclusão para um

tratamento diferenciado com relação a financiamentos, prestação dos serviços de fornecimento de água, energia elétrica e responsabilidades de manutenção da infra-estrutura. O Projeto de Lei admite uma modalidade mais branda de parcelamento, o de pequeno porte, mas não regulamenta a produção de par-celamentos para fins de HIS. No aspecto dos assentamentos informais de baixa renda, o Projeto de Lei regulamenta somente as ações curativas de regulariza-ção fundiária, deixando a descoberto as atividades vinculadas à produção de lotes e unidades habitacionais de interesse social.

Proposta de novo inciso no Artigo 2o: Parcelamento de Interesse Social: são parcelamentos do solo executados por meio de empreendimentos habitacio-nais de interesse social, com base em planos e programas habitacionais vin-culados à política habitacional de interesse social estabelecida pelo Município, pelo Plano Diretor ou lei municipal específica.

Proposta de emenda no Artigo 3o: Admite-se o parcelamento do solo de inte-resse social nas modalidades loteamento, desmembramento, conjuntos habi-tacionais unifamiliares e multifamiliares, ou condomínio urbanístico, localiza-dos preferencialmente em ZEIS, bem como suas variantes definidas nesta Lei.

Plano de expansão urbana como condição de extensão do perímetro urbano

Há a necessidade de definição de zona de expansão urbana no Projeto de Lei e a inclusão da obrigatoriedade do plano de expansão urbana no Artigo 7o Deve constar da revisão da Lei Federal nº 6.766/79 que os planos de expansão tornem-se obrigatórios na abertura de qualquer novo loteamento que se en-contre em uma zona de expansão urbana. Nestes planos de expansão deve ser determinada, ainda, a obrigatoriedade de percentual de doação de terra para implementação de HIS.

O marco regulatório do parcelamento do solo – tanto nacional como local –, com sua visão privatista (gleba a gleba) e rentista (percentuais fixos, sem rela-ção com os diferentes sítios urbanos e situações municipais quanto à necessi-dade de infra-estrutura e equipamentos), tem incidido de forma negativa tanto no processo de expansão adequada das cidades quanto na disponibilização de terras para moradia.

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Na experiência internacional de planejamento urbano, raros são os países de-senvolvidos que prescindem de um planejamento da expansão urbana, no qual já se predefinem os sistemas viários e de mobilidade básicos, assim como o di-mensionamento e a localização de equipamentos, áreas verdes e áreas de lazer.

Integração entre legislação ambiental e urbanísticaA revisão da Lei nº 6.766/1979 precisa considerar a integração entre as legis-

lações ambientais e urbanísticas nos aspectos que dizem respeito à produção de novos parcelamentos e à regularização de parcelamentos existentes, inclusi-ve integrando os licenciamentos, de forma a agilizar os processos de aprovação das habitações que atualmente são muito complicados e demorados.

De forma mais geral, outro elemento com grande impacto na relação entre a produção habitacional e o desenvolvimento urbano é a fragmentação da regu-lação do território em dimensões que não dialogam – esse é o caso da gestão ambiental versus gestão urbanística. As gestões ambientais e urbanísticas que incidem sobre os mesmos territórios, em uma superposição de fatores, muitas vezes são contraditórios. Há também regras que não dialogam, agravadas pela existência de esferas de controle e fiscalização verticalizadas, correspondentes a cada um desses setores. Tais esferas de controle e verticalização exercem, por meio de suas gerências e superintendências regionais, poderes e propriedades sobre o espaço urbano muitas vezes conflitantes. A ausência de instrumentos modernos de gestão urbana que incorporem a dimensão ambiental em sen-tido amplo é largamente sentida no território. A inexistência de um marco regulatório único, que trate a questão ambiental e a questão urbana de forma integrada, e a fragmentação da regulação do território em dimensões que não dialogam, acabam provocando ações perversas para o desenvolvimento urbano e a preservação ambiental. Em grande parte do território brasileiro verifica-se a incapacidade de romper os ciclos de expansão periférica e de ocupação das áreas ambientalmente frágeis. Uma das características do mercado formal de habitação do Brasil é sua pouca abrangência. A maior parte da população de baixa renda não consegue ter acesso a essa produção de mercado. Conseqüen-temente, a maior parte da produção habitacional do país se faz à margem da lei, nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado.

Mas a reflexão sobre a legislação ambiental, que persiste até os dias atuais, ainda é muito pontual e fragmentada. São leis com visões setorialistas que visam apenas à conservação – marcadas por um viés anti-urbano – e não re-fletem a necessidade de construção de um modelo de cidade ambientalmente sustentável. Com a legislação existente não é possível conciliar no ambiente urbano a reflexão sobre exclusão social e necessidade de saneamento com a discussão da preservação ambiental. É preciso pensar em um novo marco re-gulatório urbanístico e ambiental único que trabalhe com toda a diversidade do território brasileiro, e reflita modelos de ocupação urbana do território que dialoguem com esta diversidade.

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Dos condomínios urbanísticos e loteamentos com controle de acessoÉ necessário impor limites de tamanho para esta modalidade de parcelamen-

to. Deve ser incluído o seguinte inciso no Artigo 2o:

XII – condomínio urbanístico: a divisão de imóvel com área total não superior a 50.000 m2 em unidades autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideais das áreas de uso comum dos condôminos, sendo admitida a abertura de vias de domínio privado e veda-da a de logradouros públicos internamente ao perímetro do condomínio;XV – condomínio urbanístico integrado à edificação: a modalidade de condomínio em imóvel com área total não superior a 50.000 m2 em que a construção das edificações é feita pelo em-preendedor, concomitantemente à implantação das obras de urbanização.

Com relação ao loteamento com controle de acesso (loteamento fechado), pelo Artigo 124 do Projeto de Lei está prevista esta modalidade do loteamento, bem como dos loteamentos fechados existentes serem regularizados sem ne-nhuma compensação. Deve ser previsto para os loteamentos fechados existen-tes que a regularização seja condicionada a compensações urbanas, tais como produção de HIS, regularização fundiária de HIS, implantação de infra-estrutu-ra, equipamentos públicos, ciclovias, implantação de áreas verdes, praças e par-ques. Sobre novos loteamentos fechados a lei não deve admitir esta modalidade.

A competência preponderante do Município para legislar sobre regularização fundiária

O Projeto de Lei deve dispor de forma clara que a competência para o es-tabelecimento das normas de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano e edificação para fins de regularização fundiária é do Município, que deverão ser respeitadas pelos agentes e órgãos públicos dos demais entes federativos.

O Município é o principal ente federativo para tratar da política urbana de acordo com o pacto federativo estabelecido na Constituição Federal (arts. 30, VIII, e 182). O Estatuto da Cidade atribui ao Plano Diretor, que é uma lei mu-nicipal, tratar da política e dos instrumentos de regularização fundiária, com base nas diretrizes estabelecidas nos incisos XIV e XV do Artigo 2°. A atual Lei do Parcelamento do Solo, através do Artigo 40, atribui à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal a competência para regularizar loteamento ou desmem-bramento não autorizado ou executado sem atender às determinações do li-cenciamento do Poder Público.

Tratamento diferenciado para novos parcelamentos e regularização fundiária

A lei precisa conter um tratamento diferenciado entre as normas que tratam dos critérios, das exigências, do processo e procedimento, dos instrumentos para a promoção de novos parcelamentos do solo urbano e as normas que tra-tam da regularização fundiária de interesse social de assentamentos urbanos que se caracterizam como parcelamentos informais, irregulares ou clandestinos.

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A lei, para ter eficácia, não pode estabelecer os mesmos critérios e exigências para a implantação de um novo parcelamento do solo e para a regularização fundiária de interesse social de parcelamentos do solo consolidados, como por exemplo exigir o mesmo tamanho de lote mínimo, o mesmo percentual de áre-as destinadas a uso público ou de uso comum, como os equipamentos públicos e comunitários, ou o mesmo percentual para as vias públicas.

Adoção de regimes especiais de zoneamento para assentamentos urbanos de interesse social

A lei deve adotar como diretriz da regularização fundiária de interesse social a constituição, pelos Municípios, de regimes normativos especiais de zonea-mento de assentamentos urbanos de interesse social, através da aplicação do instrumento da Zona Especial de Interesse Social, para as situações no qual a localização e a característica do assentamento urbano de interesse social objeto da regularização fundiária apresente sobreposições ou conflitos entre legislações urbanas, ou entre a legislação urbana e a legislação ambiental

A lei federal de parcelamento do solo urbano deve prever que as normas ur-banísticas e ambientais, estabelecidas nesses regimes especiais de zoneamento de interesse social, devem prevalecer sobre as demais legislações urbanas e ambientais, como forma de eliminar os entraves e obstáculos existentes, em especial para o licenciamento urbanístico e ambiental integrado para fins da regularização fundiária dos assentamentos urbanos de interesse social.

Através desses regimes especiais de zoneamento, que podem ser formaliza-dos pelos Municípios com a instituição legal do instrumento das Zonas Espe-ciais de Interesse Social e, quando for o caso, dos planos de regularização fun-diária de interesse social, serão estabelecidas normas especiais urbanísticas e ambientais de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano compatíveis com o assentamento urbano consolidado, que viabilizem a regularização necessária para o reconhecimento do Direito à Cidade e Direito à Moradia do grupo social que vive no assentamento.

A lei federal de parcelamento do solo deve estabelecer os conteúdos básicos desses regimes especiais de zoneamento de assentamentos urbanos de inte-resse social, em que devem ser observados para o licenciamento urbanístico e ambiental em especial:

• os parâmetros urbanísticos e ambientais específicos para fins de regulari-zação do parcelamento;

• os padrões de habitação e edificação;• os percentuais e critérios específicos para a regularização das vias de circu-

lação, das áreas destinadas a uso público ou de uso comum, e dos equipamen-tos urbanos e comunitários.

Esta medida é necessária para eliminar um dos principais obstáculos e entra-ves dos processos de regularização fundiária de interesse social, que é a exis-tência de diversas legislações urbanas e ambientais da União, do Estado e do

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Município que estabelecem normas de uso e ocupação do solo contraditórias e conflituosas para uma mesma área urbana onde esteja localizado um assen-tamento urbano de interesse social. Essas legislações ou normas conflituosas praticamente impedem o licenciamento urbanístico e ambiental dos assenta-mentos para fins de regularização fundiária. O caso mais comum é o conflito existente entre a legislação ambiental que considerada áreas urbanas consoli-dadas ocupadas por favelas, ou outros tipos de assentamento de população de baixa renda ou tradicional, como área de preservação permanente.

Em alguns casos, como através do Plano Diretor, os Municípios reconhecem na legislação urbana que estas áreas se consolidaram como um assento urbano de interesse social, mediante sua demarcação como áreas ou zonas de interesse social, ou áreas ou zonas especiais de urbanização ou regularização específica.

Considerando que a lei federal de parcelamento do solo deve dispor de normas gerais de parcelamento do solo, é fundamental que seja prevista como norma geral a prevalência das normas urbanísticas e ambientais de parcelamento uso, ocupação e edificação, constituídas pelos regimes especiais de zoneamento de assentamentos urbanos de interesse social instituídos pelos Municípios, para solucionar as sobreposições e os conflitos existentes nas legislações urbanas e ambientais, em especial para viabilizar o licenciamento urbanístico e ambiental desses assentamentos.

Da obrigação de iniciativa do Poder Público para promover a regularização fundiária de interesse social

A lei deve prever as situações nas quais o Poder Público tem a obrigação de ter a iniciativa de promover a regularização fundiária de assentamentos urbanos de interesse social. Esta obrigatoriedade deve ser estabelecida para os parcelamentos relacionados a planos ou programas habitacionais de iniciativa de órgãos da Administração Direta ou Indireta vinculados aos Municípios, Es-tados, Distrito Federal e União, que se caracterizem como irregulares, tais como conjuntos habitacionais e loteamentos populares.

A obrigatoriedade de iniciativa deve ser estabelecida para a regularização fundiária de assentamentos urbanos de interesse social, localizados em áreas públicas de domínio da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, consi-derados já consolidados e que tenham direitos reais constituídos, como por exemplo o direito à concessão de uso especial para fins de moradia, ou defini-das como Zonas Especiais de Interesse Social pelo Plano Diretor ou lei munici-pal para fins de regularização fundiária de interesse social.

No caso da regularização fundiária de assentamento urbano de interesse social localizado em áreas particulares, como as favelas, nas quais os posseiros tenham direitos reais constituídos através do usucapião urbano ou ordinário, a lei deve prever que o Poder Público tem a obrigação de prestar ou viabilizar os serviços de assistência técnica, jurídica e social para a população de baixa renda.

Existe um elevado número de conjuntos habitacionais e de loteamentos po-pulares promovidos por órgãos, instituições e empresas habitacionais vincula-

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dos a Municípios, Estados e União que foram implantados de forma irregular, sem atender à Lei do Parcelamento do Solo Urbano.

A atual Lei do Parcelamento do Solo, com base nessa realidade, considerou de interesse público os parcelamentos vinculados a planos ou programas habitacio-nais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do Distrito Federal, ou entidades autorizadas por lei, em especial as regularizações de parcelamentos e de assenta-mentos nos termos do Artigo 53-A. Através deste artigo é previsto um tratamen-to especial para viabilizar o registro do assentamento objeto da regularização.

Para reverter esse quadro de irregularidade de um elevado número de em-preendimentos habitacionais de interesse social promovidos pelo Poder Público nas cidades brasileiras, a Lei do Parcelamento do Solo deve prever a obrigação de o Poder Público promover a regularização fundiária dos assentamentos ur-banos que estejam nessa situação.

Esta obrigação deve ser estendida para as áreas públicas ocupadas por po-pulação de baixa renda ou tradicionais, que tenham constituído direitos reais de posse ou moradia por provisão constitucional ou legal, como o direito à concessão de uso especial para fins de moradia.

Esta medida é necessária para assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana pública, do Direito à Moradia estabelecido na Constituição Federal, bem como do Direito à Cidade previsto no Estatuto da Cidade.

Da iniciativa de entidades civis para promover a regularização fundiária de interesse social

A lei deve prever o direito de iniciativa de solicitar, exigir, ou, quando for o caso, de promover a regularização fundiária de interesse social às pessoas, ou às suas organizações legalmente criadas, que tenham direitos reais constituí-dos nos assentamentos urbanos de interesse social, seja em razão de atende-rem aos requisitos legais de posse de área urbana, para fins de reconhecimento do Direito à Moradia ou da propriedade (no caso de área urbana particular), ou por terem adquirido lotes urbanos ou unidades habitacionais.

A lei dever prever o direito de iniciativa para os beneficiários da regularização fundiária de forma individual ou coletiva. Este direito deve ser reconhecido às associações de moradores da comunidade ou de cooperativas habitacionais regularmente constituídas, com personalidade jurídica e autorização expressa de seus representados, bem como para associações civis sem fins lucrativos que tenham como atribuição estatutária prestar serviços e promover medidas administrativas, jurídicas e judiciais para fins de regularização fundiária de as-sentamentos urbanos de interesse social.

A Constituição Federal, através dos incisos XVII e XVIII do Artigo 5°, assegura que é plena a liberdade de associação para fins lícitos, bem como que a criação de associações e cooperativas, na forma da lei, independe de autorização.

Esta medida é voltada ao fortalecimento da cidadania da população de baixa renda ou tradicional que vive em assentamentos urbanos, assegurando seu

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direito de reivindicar a proteção e o reconhecimento de seus direitos de posse, propriedade ou moradia legalmente constituídos, através da promoção da re-gularização fundiária desses assentamentos perante o Poder Público (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário).

Das contrapartidas da regularização fundiária de assentamentos urbanos de média e alta renda

A Lei do Parcelamento do Solo Urbano deve tratar da regularização fundiária de assentamentos urbanos de média e alta renda, como por exemplo os lote-amentos fechados, os condomínios civis verticais e horizontais, os clubes de campo e as chácaras transformadas em loteamentos urbanos.

Como diretriz para a regularização fundiária desses assentamentos urbanos deve ser estabelecida a obrigatoriedade dessa regularização ser onerosa. A re-gularização fundiária onerosa pode ocorrer através de contrapartidas urbanas.

O Estatuto da Cidade estabelece como diretrizes da política urbana, nos termos dos incisos IX e XI do Artigo 4°, respectivamente: a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, e a recuperação dos investimen-tos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos.

A Lei do Parcelamento do Solo deve determinar que a regularização fundiária de assentamentos urbanos de média e alta renda deve ser feita de forma one-rosa aos beneficiários da regularização, de modo a atender a essas diretrizes da política urbana, bem como ao princípio da igualdade mediante um tratamento diferenciado entre as populações de baixa renda e alta renda nessa matéria.

O Estatuto da Cidade já prevê o instituto da outorga onerosa de alteração de uso do solo urbano, que pode ser aplicado para a regularização dos loteamen-tos urbanos implantados em zonas de expansão urbana ou mesmo em zonas rurais, como uma das formas de contrapartida proporcional aos impactos que esses empreendimentos geram no sistema viário, no trânsito e na demanda de infra-estrutura, equipamentos e serviços públicos da cidade.

O estabelecimento de contrapartidas urbanas para fins de regularização fun-diária de assentamentos urbanos de interesse social, ou para a produção de habitação de interesse social, é plenamente justificável para atender ao princí-pio das funções sociais da cidade, de modo a contribuir com a política urbana e habitacional do Município.

A legislação federal que versa sobre os imóveis da União dispõe que os ins-titutos do aforamento, da concessão de direito real de uso, ou da cessão de imóveis objeto de regularização fundiária de assentamentos de média e alta renda, localizados em imóveis da União, deverão ser outorgados de forma one-rosa para os beneficiários da regularização (ver a Lei Federal n° 9.636/98 e a Lei Federal n° 11.481/07).

Além de prever a aplicação da outorga onerosa de alteração do uso do solo prevista no Estatuto da Cidade para fins de regularização fundiária desses as-sentamentos, a lei deve prever como contrapartidas urbanas:

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• a destinação de recursos financeiros para a regularização fundiária de as-sentamentos urbanos de interesse social;

• a destinação de áreas urbanas para projetos de habitação de interesse so-cial com base no Plano Diretor do Municípios;

• a promoção de projetos de habitação de interesse social.

Da simplificação do registro da regularização fundiáriaA Lei do Parcelamento do Solo deve estabelecer normas voltadas a simplificar

as exigências e os procedimentos para o registro público de imóveis públicos ou privados objeto de processos de regularização fundiária de assentamen-tos urbanos de interesse social. O atendimento a esse objetivo dar-se-á pela adoção dos institutos da demarcação urbanística prevista na legislação federal que versa sobre a regularização fundiária de imóveis da União (Artigo 6° da Lei Federal n° 11.481/07) e pela legitimação de posse.

A lei deve eliminar os entraves para a abertura da matrícula da área urbana objeto da regularização, como por exemplo aceitar fotos aéreas para a iden-tificação da situação fática da forma de ocupação da área urbana, e reduzir e simplificar a documentação exigida para instruir o processo do registro do imóvel. A lei também deve simplificar o registro dos títulos jurídicos objeto da regularização fundiária, em especial da sentença judicial do usucapião urbano individual ou coletivo, dos termos administrativos de concessão de direito real de uso, da concessão de uso especial para fins de moradia individual ou coleti-va, bem como do contrato do direito de superfície.

Com relação ao custo do registro dos imóveis objeto da regularização fun-diária de interesse social, o pagamento de taxas e emolumentos tem sido o principal entrave para viabilizar o registro dos direitos reais legalmente consti-tuídos em favor das populações de baixa renda ou tradicional.

Neste sentido a lei deve assegurar a gratuidade dos registros de regulariza-ção fundiária de interesse social, assim como da lavratura da escritura pública e do primeiro registro de direito real constituído em favor do beneficiário da regularização fundiária de interesse social.

O Estatuto da Cidade estabelece como uma das diretrizes da política urbana, nos termos do inciso XV do Artigo 2°, a simplificação da legislação de parcela-mento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta de lotes e unidades habitacionais. Essa diretriz deve ser aplicada no tratamento da regularização fundiária de in-teresse social, de modo a reduzir os custos dos processos dessa modalidade de regularização fundiária, bem como para viabilizar a regularização plena com o registro dos parcelamentos do solo e dos títulos dos direitos reais nos Cartórios de Registros de Imóveis.

A gratuidade do registro da regularização fundiária já esta prevista na Lei Federal n° 10.932, de 3 de agosto de 2004, bem como no Artigo 12 da lei federal sobre a regularização fundiária dos imóveis da União (Lei Federal n°

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11.481/07), que alterou o Artigo 290-A da lei de registros públicos (Lei Federal nº 6.015/73) nos seguintes termos: Devem ser realizados independentemente do recolhimento de custas e emolumentos:

I – o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fun-diária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar; II – a primeira averbação de construção residencial de até 70 m2 (setenta metros quadrados) de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de interesse social. § 1º O registro e a averbação de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo independem da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários.§ 2º Considera-se regularização fundiária de interesse social para os efeitos deste artigo aquela destinada a atender famílias com renda mensal de até 5 (cinco) salários mínimos, promovida no âmbito de programas de interesse social sob gestão de órgãos ou entidades da administra-ção pública, em área urbana ou rural.

Como o Projeto de Lei está retirando a gratuidade através do Artigo 136 e dos incisos II e III do Artigo 138, faz-se necessária uma proposta de emenda: suprimir o Artigo 136 e os incisos II e III do Artigo 138.

Programa Oficina Diálogos sobre a Revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (9 de maio de 2008) Breve histórico e comentários sobre a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal n° 6.766/79)Gabriel Blanco

As tipologias e os requisitos urbanísticos e ambientais do parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00Raquel Rolnik

As responsabilidades do Poder Público e do empreendedor no parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00Cláudia Maria Beré

As competências dos entes federativos no parcelamento do solo urbano – O papel do Município no Projeto de Lei n° 3.057/00Fernando BrunoO tratamento da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Projeto de Lei n° 3.057/00)Nelson Saule Jr. e Rosana Denaldi

A regulação dos instrumentos de regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Projeto de Lei n° 3.057/00)Raphael Bischof

Aspectos registrários da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcela-mento do Solo Urbano (Projeto de Lei n° 3.057/00)Rosane de Almeida Tierno

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Documentos consultados

PublicaçõesManual de Regularização Fundiária Plena – Secretaria Nacional de Programas

Urbanos – Ministério das Cidades, Brasília, Distrito Federal, 2007.Manual de Regularização Fundiária em Terras da União – Secretaria do Patri-

mônio da União – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasília, Distrito Federal, 2006.

LegislaçõesLei do Parcelamento do Solo Urbano – Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979;Estatuto da Cidade – Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001;Lei do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – Lei n° 11.124, de 16

de junho de 2005;Lei de Registros Públicos – Lei n° 6.015, de 1973;Leis sobre Bens da União – Lei n° 11.481, de 31 de maio de 2007, e Lei n° 9636,

de 15 de maio de 1998;Aforamento gratuito – Decreto-Lei nº 9.760/1946;Concessão de Direito Real de Uso Gratuita – Decreto-Lei nº 271/1967;Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia – Medida Provisória

2.220/2001;Cessão de Uso Gratuita – Lei nº 9.636/1998.Projetos de Lei

Projeto de Lei Federal n° 3057/2000. WebSites

www.cidades.gov.brwww2.camara.gov.br

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Abertura e objetivos da Oficina Diálogos sobre a Revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano

Nelson Saule Jr.

Sou coordenador da Área Direito à Cidade do Instituto Pólis, que tem par-ticipado do processo de Revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano na Câmara dos Deputados como membro da coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana. O Projeto de Lei nº 3.057/00 visa à revisão da Lei do Parce-lamento do Solo Urbano (Lei n° 6.766/79). No ano de 2007, este Projeto de Lei foi aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, constituída para a análise dos projetos de lei sobre o parcelamento do solo urbano, cujo relator foi o deputado Renato Amary (do PSDB de São Paulo). O Projeto de Lei nº 3.057/00 ainda precisa ser aprovado no plenário da Câmara dos Deputados e posteriormente ser analisado pelo Senado Federal. Este Projeto de Lei con-tém várias proposições que necessitam ser aprofundados por meio de debates públicos, tais como: as modalidades de parcelamentos (loteamento, condomí-nios urbanísticos, loteamento com controle de acesso), requisitos urbanísticos e ambientais para o parcelamento do solo urbano, as competências dos entes federativos sobre o parcelamento do solo urbano e regularização fundiária, a regularização fundiária de interesse social e as exigências urbanísticas e am-bientais, os aspectos registrários do parcelamento do solo e da regularização fundiária, as responsabilidades contratuais e o direito do consumidor referente ao parcelamento do solo urbano.

A realização desta Oficina tem como finalidade promover o debate público sobre o papel da legislação do parcelamento do solo como instrumento da po-lítica urbana, com base no tratamento desta política na Constituição brasileira e no Estatuto da Cidade.

Através dessa Oficina temos como perspectiva analisar com maior profun-didade se o tratamento no Projeto de Lei nº 3.057/00, sobre a implantação de novos parcelamentos do solo urbano e da regularização fundiária de interesse social, é a mais adequada para o desenvolvimento sustentável de nossas cida-des, de modo a identificar quais são os temas que ainda precisam ser desen-volvidos para que essa legislação de parcelamento do solo urbano possa ser realmente adequada em face da realidade das nossas cidades, tais como: os processos de ocupação do território através dos empreendimentos imobiliários que geram impacto na mobilidade e no acesso às vias de circulação, equipa-mentos e áreas públicas ou de proteção ambiental (loteamentos fechados), o crescimento das ocupações de terras, e da formação de assentamentos infor-mais como as favelas.

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Temos como expectativa que no decorrer dos trabalhos seja inicialmente feita uma análise da atual Lei do Parcelamento do Solo Urbano e, depois, das temáticas relacionadas à revisão desta legislação, referentes às modalidades do parcelamento do solo, aos requisitos urbanísticos e ambientais do parce-lamento do solo urbano, da responsabilidade do Poder Público, o tratamento, as atribuições, as responsabilidades dos entes federativos no parcelamento do solo urbano, e do tratamento da regularização fundiária de interesse social (requisitos urbanísticos e ambientais, instrumentos de regularização fundiária e registro da regularização fundiária).

Paulo Romeiro

Eu me chamo Paulo Romeiro, sou do Instituto Pólis. Estamos aqui hoje para realizar essa Oficina para analisarmos o Projeto de Lei da Revisão da Lei de Par-celamento do Solo Urbano (Lei n° 6.766/79), que é o Projeto de Lei n° 3.057/00 em tramitação no Congresso Nacional. E podemos dar início aos trabalhos.

A primeira exposição será do doutor Gabriel Blanco, que nos dará um breve histórico e comentários sobre a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n° 6.766/79). A intenção de iniciarmos a manhã com essa abordagem de um breve histórico sobre a Lei do Parcelamento do Solo Urbano é de termos uma visão sobre o papel e a forma como está disciplinado em nosso ordenamento jurídico o parcelamento do solo urbano, de modo a subsidiar uma comparação com o tratamento proposto no Projeto de Lei n° 3.057/00 que está em tramitação no Congresso Nacional, para depois tratarmos sobre as modalidades de parcela-mento do solo urbano e os instrumentos de regularização fundiária (questão registrária). Então, sem mais delongas, gostaria de convidar Gabriel Blanco a iniciar sua posição.

E agradecer, claro, a presença de todos e todas, e a presença do Gabriel Blan-co, que será de grande valia para os objetivos da Oficina. Obrigado, Gabriel.

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Breve histórico e comentários sobre a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal n° 6766/79

Gabriel Blanco

O tema que nos coube abordar diz respeito a um breve histórico da Lei nº 6.766/79, e nesse sentido vamos pontuar algumas questões que achamos im-portantes. Bom, por tratar-se de um breve histórico, receio não ser possível falar da propriedade desde os tempos das cavernas, como eu havia pensado, porque aí seria uma longa história! Então, vamos partir de um período mais recente da realidade brasileira. Nesse sentido, considero um marco importante o ano de 1888. Isso por quê? Porque no Brasil ocorre a abolição da escravatura. Qual é a implicação deste fato na ocupação territorial urbana e na regularização fun-diária? Diretamente, pouco ou nada, indiretamente, muito. Estamos tratando de uma mudança de modelo de produção, de um modelo que sai do agrícola e começa a migrar para um outro modelo de desenvolvimento econômico, e a partir daí o Brasil sofre um processo de imigração, são 3 milhões e 300 mil imigrantes que chegam como mão-de-obra assalariada, temos uma mudança do sistema, de modelo, uma mudança que passa da exploração escravocrata para a exploração assalariada. Há, portanto, um aperfeiçoamento do sistema capitalista, e isso gera uma mudança de ocupação também territorial.

Passados 40 anos do fim do regime escravocrata, essa mudança, aliada a uma série de outros fatores da produção e do sistema econômico como um todo, começa a provocar um crescimento mais acelerado de nossas cidades. É a década de 1930, caracterizada como o início de uma mudança urbanística, ten-do como reflexo o início do inchaço das cidades, a migração campo-cidade.

Passa-se a ter a necessidade de oferecimento de um determinado produto, e esse produto é a terra para moradia. Começa então a expansão territorial das cidades com os parcelamentos do solo e a venda de terrenos a prestação, o que para a época é uma novidade.

O surgimento dessa nova modalidade contratual, a compra e venda de ter-renos em prestações, sem a presença de um arcabouço legal regulamentador, acaba por permitir a construção de relações contratuais leoninas, ou seja, todo o direito ao vendedor e nenhuma segurança ao comprador. Temos nesse perí-odo, por exemplo, duas cláusulas contratuais: uma cláusula resolutiva que diz que, ocorrendo a simples mora no atraso das prestações, o contrato se rompe, e uma cláusula de decaimento, em que o promissário comprador inadimplente perde todas as prestações pagas. O que dá amparo a esse comportamento? O Código Civil de 1916 era utilizado para esta fundamentação, com base no

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Artigo 134 e no Artigo 1088. Havendo a cláusula de arrependimento, se a pes-soa pagava o que foi combinado integralmente, ao final do pagamento quem vendeu podia se arrepender e falar: “Não, eu não quero mais fazer o negócio”, e rompia o contrato. Evidentemente que quem pagou tinha o direito de receber todas as prestações que foram pagas, mas imaginem a situação, depois de 10 anos você tem de devolver o imóvel, valorizado, e ficar só com aquele dinheiro pago, sem correção monetária e tal. Nós estamos falando de 1930. Havia, por-tanto, uma situação de muita insegurança.

Em decorrência dessa situação de insegurança à qual eram submetidos os adquirentes de imóveis, nós temos a elaboração de um Projeto de Lei que foi apresentado à Câmara dos Deputados, na época pelo deputado Valdemar Fer-reira, e que começou a tramitação legislativa, mas em 1937, na vigência do go-verno Getulio Vargas. Esse Projeto de Lei é convertido no Decreto-Lei nº 58/37. Caracteriza-se esse decreto como um importante passo no sentido de garantir maior segurança nessas relações contratuais, relativas à negociação, à transa-ção imobiliária de lotes vendidos em prestações, frutos de um parcelamento do solo. O Decreto-Lei nº 58, entretanto, não dispôs sobre normas de urbani-zação das cidades, não havia essa preocupação em 1937; ainda, esse “boom” da expansão dos loteamentos, do crescimento das cidades, não era uma coisa que se antevia, portanto, o foco do Decreto está na segurança dos contratos. Em 15 de setembro de 1938 foi editado o Decreto 3.079, que regulamenta o Decreto-Lei n° 58/37.

Seguindo a seqüência de legislações editadas, vamos verificar que em 1939, portanto dois anos depois do Decreto-Lei nº 58, temos o Decreto-Lei nº 4.857, que trata da lei de registros públicos, e é nessa lei que vamos verificar a pre-sença de aspectos disciplinares da legislação sobre loteamentos. Ela prevê a obrigatoriedade da inscrição do memorial para os imóveis urbanos ou rurais, e prevê a averbação dos contratos de promessa de venda de terrenos loteados.

No mesmo ano de 1939 temos a edição do Código de Processo Civil, que nos Artigos 345 e 346 estabelece a forma de impugnação a ser feita nos registros de loteamento e trata também da execução específica de promessas através da ação de adjudicação compulsória, ou seja, aquele que pagou integralmente o valor avençado, mas o loteador se recusa a fornecer o título definitivo de proprieda-de, terá o direito de se socorrer de uma ação que se chama ação de adjudicação compulsória, pela qual o juiz conferirá ao adquirente o título de propriedade.

Em 1949, por meio da Lei nº 649 – estamos falando de 12 anos depois –, há uma alteração ao Decreto-Lei nº 58/37, através da qual os contratos sem cláu-sula de arrependimento, bem como os compromissos de compra e venda de imóveis não loteados, desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem ao com-promissário direito real oponível a terceiros. Essa legislação exige a inscrição, mas já o compromisso de compra e venda é elevado, com esse ato, ao patamar de direito real, ou seja, um direito oponível a qualquer pessoa, a terceiros.

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Temos em 1967, portanto 30 anos depois do Decreto-Lei nº 58/37, a edição do Decreto-Lei nº 271, o qual traz definições quanto à figura do loteamento, sanando algumas dúvidas com relação ao desmembramento. Introduz também a possibilidade de sansão penal aos promotores de loteamentos irregulares, ainda muito incipiente, fundamentada em uma equiparação à figura do incor-porador, prevista na Lei nº 4.591/64 (Lei de Condomínio), ou seja, utiliza-se de uma analogia com esta legislação para impor uma sansão ao loteador. Não é preciso explicar por que ela não foi eficaz nem muito aplicada.

O Decreto-Lei nº 745/69 também promoveu uma alteração no Decreto-Lei nº 58/37, estabelecendo que a constituição em mora do compromissário com-prador depende de prévia interpelação, ou seja, é mais uma garantia ao ad-quirente de lote, ao comprador, no sentido de que não basta simplesmente a caracterização do inadimplemento, tem de haver a interpelação, a notificação dessa demora, para que só então possa ser acionado judicialmente para que se imponha a rescisão contratual.

Chegamos então à Lei nº 6.766/79, ou seja, podemos observar que nesse período todo, desde o Decreto-Lei nº 58 de 1937, a questão urbanística não era objeto de tratamento por parte da legislação federal – o foco se centrava na questão do direito do adquirente, das relações pessoais, da relação negocial.

Em 1977 é apresentada ao Senado, através do senador Otto Cyrillo Lehman, o projeto que veio a culminar com a edição da Lei nº 6.766/79, que em de-corrência disso também ficou conhecida como Lei Lehman. Do que trata essa lei? Trata do parcelamento do solo para fins urbanos, fixando diretrizes gerais, traz uma série de definições conceituais, apresenta uma estrutura que orienta quanto à implantação de loteamentos urbanos, estabelece diretrizes dos go-vernos municipais, passa a regular inteiramente a matéria concernente aos lo-teamentos urbanos, derrogando o Decreto-Lei nº 58/37, no que diz respeito à aplicação ao meio urbano. O Decreto-Lei nº 58/37 continua vigendo para fins rurais.

A Lei de Parcelamento do Solo nº 6.766/79 traz o mérito de abordar aspec-tos civis, urbanísticos, administrativos e penais, identificando-se como uma lei extremamente inovadora, uma lei que vai abarcar toda essa gama: direito civil, direito urbanístico, direito penal. Trata-se de uma norma de ordem pública, im-pondo novo caráter às relações civis do loteamento e remembramento urbano, ou seja, na realidade tem-se a partir daí uma norma que vai gerir a questão do parcelamento do solo sobre o enfoque do interesse público e, portanto, regrado conforme uma série de diretrizes estabelecidas pelo Poder Público.

Entre as várias definições, encontramos na lei a seguinte conceituação: será admitido parcelamento do solo para fins urbanos, em zonas urbanas, expansão urbana e urbanização específica, assim definidos pelo Plano Diretor ou apro-vados por lei municipal. Esta expressão “Plano Diretor” foi introduzida mais recentemente, em 1999, e é uma alteração ao texto original, que não falava em Plano Diretor.

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Temos assim que, 20 anos depois, com a edição da Lei nº 9.785/99, introduz-se a questão do Plano Diretor, que terá seu grande momento com a edição do Esta-tuto da Cidade dois anos após, ou seja, o tema Plano Diretor já estava na pauta. Da forma como disciplinado, poderá haver parcelamento do solo em zona urba-na, zona de expansão urbana, ou em áreas definidas no Plano Diretor ou em lei específica, ou seja, em área rural também poderá haver parcelamento para fins urbanos, desde que haja um planejamento, desde que haja uma indicação legal.

Estados, Distrito Federal e Municípios poderão estabelecer normas comple-mentares, relativas ao parcelamento do solo municipal, para adequar o previsto nesta lei às peculiaridades regionais e locais, ou seja, todos podem estabelecer normas além da União, mas conforme o seu peculiar interesse, seja ele regional ou local; isto é, o Estado vai estabelecer as regras regionais e o Município, o regramento local. Isso está de acordo com a Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu Artigo 24 que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito urbanístico, ou seja, de forma concorrente, então poderá cada um fixar as suas normas dentro da sua compe-tência, a União fixando normas urbanísticas de âmbito geral. Na esfera local, o Município estabelece as regras para o seu ordenamento territorial, com funda-mento no Artigo 30, I, da Constituição Federal, respeitando as diretrizes gerais.

Podemos verificar na Constituição Federal que o Município possui esta com-petência de ordenamento territorial, de competência para parcelar, definir o sistema viário, percentuais de área pública.

A lei traz definições quanto ao que é loteamento, o que é desmembramento, o que é lote, e aqui nós temos uma certa problemática. O que é loteamento? É divisão de gleba em lotes com abertura de rua. Desmembramento, o que é? É divisão de gleba em lotes sem modificação do sistema viário, sem modificação do logradouro público.

A lei não tratou do desdobro; qual é a diferença entre desmembramento e desdobro? O conceito de desdobro diz respeito à divisão de um lote; nesse caso não temos um desdobramento, procedimentos distintos, mas a lei fala só em divisão de gleba; então, quando se tem uma gleba de 1 milhão de m2 e se pretende a divisão em dois terrenos, isso é um desdobro ou isso é um des-membramento? Temos então de nos amparar na distinção entre o conceito de gleba e o de lote. Nesse ponto a lei federal estabelece qual é o conceito de lote, dizendo que é um terreno servido de infra-estrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor ou lei municipal (novamente aqui a introdução de Plano Diretor na legislação). Portanto, vamos ter de buscar resguardo na legislação municipal, que melhor defina o conceito local quanto à distinção entre gleba e lote. Concretamente, se tivermos apenas o conceito de infra-estrutura, podemos ter uma gleba de 1 milhão de m2 com uma avenida na frente, com água, esgoto e tudo o mais, sendo assim servida de infra-estrutura. Então o conceito de lote e de gleba pode gerar confusões na aplicação da lei.

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A infra-estrutura básica dos parcelamentos também vem definida, especifi-cando o que são os equipamentos urbanos: escoamento de água, iluminação pública, esgotamento sanitário, estabelecendo uma diferenciação quanto à infra-estrutura básica para loteamentos de interesse social, nesse caso rebai-xando as exigências que estão especificadas. Esse aspecto também é alteração da Lei nº 9.785/99.

Bom, em relação aos requisitos, as áreas destinadas a sistemas de circulação e implantação de equipamentos comunitários, ou seja, as áreas públicas que qualquer loteamento tem de destinar, terão de ser proporcionais à densidade de ocupação. Antes a redação da Lei nº 6.766 dizia que era de 35% o percentual de área pública que haveria de ser destinada, ou seja, do Oiapoque ao Chuí era o mesmo índice para todo o território nacional. Na prática esse regramento sempre provocou um questionamento quanto à sua constitucionalidade, uma vez que disciplinava como regra geral algo que se caracteriza como específico. Com a alteração introduzida pela Lei nº 9.785/99, estabeleceu-se como parâ-metro a proporcionalidade com relação à densidade, índice este que deverá ser estabelecido no Plano Diretor.

O que se pode constatar, pelo menos até alguns anos atrás, é que a maioria dos Municípios não havia definido esse parâmetro, acabando por aplicar os 35% por força do costume, em face da inexistência de regramento próprio. Agora, com a edição dos Planos Diretores, o ideal é que isso esteja disciplinado.

Estabelece a Lei nº 6.766/79 que o lote mínimo é de 125 m2, mas a própria lei abre uma exceção para fins de parcelamento do solo por meio de loteamento de interesse social, caso em que poderá se ter como resultado lotes de 60 m2, 80 m2, 90 m2 ou 100 m2, amparada essa possibilidade, portanto, no texto do diploma sob análise e na legislação municipal, especialmente o Plano Diretor.

Outra polêmica diz respeito à faixa de proteção de córregos: ao longo de águas correntes e dormentes, será obrigatória a reserva de um faixa não edifi-cável de 15 metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação especí-fica. A Lei nº 6.766 estabelece a faixa de 15 metros, o Código Florestal fala em 3o metros. Qual prevalecerá? O direito ambiental ou o direito urbanístico? Essa é uma polêmica que permite a elaboração de uma tese do doutorado e que vem sendo tratada no processo de discussão do Projeto de Lei nº 3.057, que trata da revisão da Lei nº 6.766/79.

Caberia aqui, entre os vários aspectos controversos, definir o que significa “legislação específica”. O Código Florestal é legislação específica, a legislação ambiental é uma legislação específica; uma legislação específica é uma legisla-ção local do Município que trata especificamente de um aspecto qualquer?

Quanto ao sistema viário, deverá esse se articular com o restante da malha viária da cidade. A legislação municipal definirá para cada zona em que se divide o território os usos permitidos, urbanísticos, parcelamento e ocupação do solo, ou seja, essa também é uma nova redação trazida pela Lei nº 9.785/99 e, portanto, remete a um ordenamento próprio do Município, define o que são

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os equipamentos comunitários, os equipamentos públicos (educação, cultura e lazer). Essa legislação também tirou a questão dos dutos da faixa dos 15 me-tros, estabelecendo que isso fica a critério das diretrizes. Então, em princípio, podem ser menos de 15 metros ou podem ser muito mais que 15 metros – em face de um duto da Petrobras, um duto da Congás, um duto de água, para cada caso pode-se ter uma distância de segurança específica. Vê-se assim que esse tópico não mais se encontra definido na legislação federal, ficando a critério das normas técnicas pertinentes.

Para aprovação de loteamento: haverá que se ter as diretrizes expedidas, que vigorarão durante quatro anos. Existem questionamentos quanto a esse prazo, por alguns entenderem ser esse muito longo, posto que nesse período de quatro anos a legislação do Município pode mudar, mas é o que está hoje estabelecido na Lei 6.766/79. Se o projeto de parcelamento for aprovado pelo Município, com prazo de execução, e ele não for executado no prazo estabele-cido no cronograma, ele caduca, ou seja, ele perde a validade. Nessa situação, se o loteador quiser implantar esse empreendimento, terá de passar por uma nova aprovação e, se nesse período houve mudança na legislação, terá de se adequar ao novo regramento jurídico. Verifica-se assim que o fator caducidade é um aspecto importante, com conseqüências jurídicas.

Voltando à questão do desmembramento. É importante chamar a atenção ao seguinte aspecto: durante muito tempo, muitos Municípios entendiam que em desmembramento não havia exigência de área pública, porque não era lo-teamento, que exige os 35%; quanto ao desmembramento a lei silencia, mas a lei diz que se aplique ao desmembramento as disposições urbanísticas vigentes para a região. Então, para cada região, para cada local, cabe verificar o que a legislação municipal fala sobre desmembramento; na ausência, aplicam-se as disposições urbanísticas para os loteamentos; então, evidentemente que não se exigirão 35% de um desmembramento, porque não se tem a abertura de um sistema viário, mas pode-se exigir os 15%, 10% de área pública, 5% de área institucional. Estamos trabalhando com 35% de forma genérica, o Município pode estabelecer outra porcentagem, pois essa é matéria da sua competência, relacionada ao interesse local.

Outro aspecto polêmico da Lei nº 6.766/79 diz respeito à intervenção do Estado, conforme prevista no Artigo 13, que estabelece que aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramen-tos. Antigamente a redação era diferente, no lugar de “disciplinar” constava a “anuência”, quando localizado em área de interesse especial (áreas de manan-cial, por exemplo); quando for área limítrofe de Municípios ou o parcelamento abranger mais de um Município; quando a área for superior a 1 milhão de m2, ou quando estiver localizado em região metropolitana. Neste ponto da região metropolitana reside o aspecto mais grave, posto que qualquer loteamento em área metropolitana terá de passar pelo Estado, ou seja, um loteamento de 10 mil m2 ou um de 100 mil m2 terá de passar pelo aval do Estado.

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Em que casos deverá haver uma interferência metropolitana? Nesse sentido, um julgado do Dr. Venicio Antonio Salles sustenta que a questão metropolitana só se justifica para questões de conflito, em que se precisa ter uma solução de caráter regional mais amplo; portanto, um loteamento que não tenha essa característica não precisa passar por uma análise metropolitana. Essa exigência caracteriza apenas mais um entrave nos procedimentos.

Com relação aos espaços públicos, eles não poderão ter a sua destinação alterada pelo loteador. Isso é importante porque, quando o loteador aprova, mas não registra, ele já está obrigado a cumprir aquilo que está desenhado na planta (o chamado concurso voluntário), independentemente do registro imobiliário. Qualquer alteração do projeto aprovado somente poderá ser feita através de uma análise por parte do Poder Público.

Com relação ao registro, é importante lembrar que há um prazo de 180 dias, após a aprovação, também sob pena de caducidade, ou seja, não registrado nos 180 dias, o projeto caduca e tem de ter nova aprovação, um novo alvará para poder reapresentar ao cartório. Importante a ressalva constante da lei, de que o título de propriedade do imóvel será dispensado quando se tratar de parcelamento popular destinado às classes de menor renda, sobre o qual incida processo de desapropriação com declaração de utilidade pública, ou seja, isso é para aqueles casos em que o Poder Público implantou um empreendimento de interesse social, desapropriou, mas o processo de desapropriação vai levar muitos anos até alcançar a condição de trânsito em julgado. Enquanto isso, não se consegue registrar, não se consegue regularizar, não se consegue emitir os títulos individualizados, porque não se tem o título de propriedade da área maior. Em face dessa problemática, foi introduzida pela Lei nº 9.785/99 a figura do registro do auto de imissão na posse (Lei nº 6.015/73, art. 167, I, n° 36), uma alteração que permite que, independentemente do título de propriedade, se consiga registrar o empreendimento de interesse social.

Merece destaque a questão da afetação versus desafetação, ou seja, desde a data do registro do loteamento passam a integrar o domínio do Município as vias e demais áreas públicas, ou seja, a partir do momento em que se registra, automaticamente se torna pública. Antigamente o loteador tinha de fazer um instrumento de doação, doando a praça, doando a rua. Com a edição da Lei nº 6.766/79 isso foi eliminado; registrado o parcelamento das áreas destinadas ao uso público, automaticamente elas se incorporam.

Em matéria de afetação do patrimônio público esse é o entendimento majo-ritário, mas existe entendimento contrário, que sustenta que a afetação não se dá apenas pelo registro, o que afeta é o uso, é o uso que dá uma afetação ao imóvel. Então, se você registrou um loteamento e esse loteamento nunca foi implantado, as áreas públicas projetadas nunca foram efetivamente afetadas. Essa é uma discussão que possui reflexos práticos em face de processos de regu-larização fundiária, principalmente quando se depara com uma ocupação terri-torial que se localiza sobre área pública de um projeto registrado em cartório.

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Encontramos mais uma disposição na Lei nº 6.766/79 que trata da cessão da posse, introduzida pela Lei nº 9.785/99. Esse instrumento é de suma importân-cia, verdadeira pérola, porque é o tipo de situação que, em face de uma deter-minada problemática, não encontra respaldo no arcabouço jurídico vigente. A solução advém da mudança do olhar jurídico, através da elaboração legislativa, que vem trazer uma solução para o caso concreto. Cria-se um instituto to-talmente diferente, que não existia no Direito, que passa a reconhecer que, independentemente da titularidade de domínio, pode-se aprovar um projeto, registrá-lo, transferir as unidades habitacionais, vendendo-as a terceiros, sem que se detenha a titularidade de domínio. De posse da autorização judicial para a imissão na posse, em decorrência de uma ação de desapropriação, e efetivado o seu cumprimento, o Poder Público poderá levar esse documento ao Registro de Imóveis e registrá-lo. Essa posse poderá ser cedida, não poderá o Poder Público vendê-la enquanto não se efetivar como titular de domínio. A lei vem e cria esse instituto da cessão da posse, cria essa figura de direito real, para garantir uma solução a uma problemática existente.

Encontramos a importante previsão legal na Lei nº 6.766/79, que garante que os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para registro. Portanto, aqui se está a dizer que o simples compromisso já permite o registro. É o que se observa no Artigo 41, ao esta-belecer que, regularizado o loteamento ou desmembramento, o adquirente de lote, comprovando o depósito de todas as prestações avençadas, poderá obter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de compra e venda devidamente firmado, ou seja, desnecessário a lavratura de escritura. Esse é um procedimento importante que a Lei nº 6.766/79 disciplinou.

Com relação ao cancelamento do registro, ele só pode ser feito por decisão judicial a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de con-trato, ou pelo requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, também com anuência da Prefeitura.

Quanto a qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento depen-derá de acordo entre o loteador e os adquirentes, especialmente os adquirentes diretamente atingidos, e dependerá de uma aprovação pela Prefeitura. Existem situações em que isso ocorre, ou seja, aprovado o loteamento, esse é alterado na sua configuração; nesse caso, tem-se de ter a anuência dos compromissá-rios compradores. Caso concreto na cidade de Mauá, Região Metropolitana de São Paulo, no loteamento Jardim América. Houve o procedimento judicial para alteração parcial do loteamento, para o que foi determinado pelo MM. Juiz que se colhesse a anuência dos adquirentes de lotes dos imóveis localizados apenas no entorno da área alterada.

No que tange à rescisão contratual por inadimplemento, reside aí uma outra polêmica que o Projeto de Lei nº 3.057 também está enfrentando, e cuja defini-ção está difícil de ser alcançada, posto que os interesses são muito conflituosos.

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A Lei nº 6.766/79 já dispõe, nos seguintes termos: em qualquer caso de resci-são por inadimplemento do adquirente as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas a cabo deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual em contrário. Logo em seguida, porém, vem o parágrafo que diz que não serão indenizadas as benfeitorias feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei, e sabemos que em loteamento popular 90% ou 100% das construções são feitas sem conformidade com a legislação, ou seja, o sujeito que ficou inadimplente, que investiu na construção de uma moradia, terá todo o seu investimento perdido, porque não será indenizado. Ocorre que nesse caso haverá uma apropriação e enriquecimento sem causa, ou seja, o loteador recebe o lote de volta juntamente com a benfeitoria.

A Lei nº 6.766 estabelece ainda que é proibido vender ou prometer vender parcelas do loteamento não registrado.

Caracterizada a irregularidade do parcelamento do solo, por qualquer um dos motivos elencados na Lei de Parcelamento do Solo, o adquirente do lote deverá (não é “poderá”) suspender o pagamento das prestações. Ou seja, essa medida, também extremamente inovadora da Lei nº 6.766, visa estabelecer uma puni-ção ao loteador faltoso, proibindo-o de continuar a receber. Com a suspensão do pagamento, o adquirente é beneficiado porque fica mais protegido com relação ao destino do dinheiro investido para a aquisição de um terreno.

O adquirente, entretanto, ao suspender o pagamento ao loteador, deverá passar a efetuar o depósito das prestações no Cartório de Registro de Imóveis. Desta forma estará garantido de que o recurso ficará ali depositado em uma conta-poupança. O problema é que na prática isso não funcionou muito bem, em conseqüência principalmente de uma falta de articulação entre Poder Exe-cutivo/ Cartório de Registro de Imóveis/ Poder Judiciário. A maior dificuldade talvez resida no desinteresse dos cartórios em recepcionar essa incumbência sem uma devida remuneração para tanto.

Na cidade de São Paulo funcionou relativamente bem essa previsão legal porque o Juízo Corregedor Permanente, da 1a Vara de Registros Públicos da Capital, editou o Provimento nº 09/80, da lavra do Dr. Narciso Orlandi Neto, baixando uma normatização que permitiu que a Prefeitura e a Caixa Econômi-ca do Estado de São Paulo promovessem os entendimentos a fim de agilizar o procedimento dos depósitos das prestações diretamente na Caixa Econômica, através da emissão de um carnê pela Prefeitura. Esse procedimento funcionou em vários casos, mas, na prática, Brasil afora, não funcionou muito, mas a déia é interessante.

Mais uma regra também de interesse do adquirente é que, após o reconhe-cimento judicial da regularidade do loteamento, o loteador terá de notificar o adquirente para que ele volte a pagar diretamente ao loteador. Quando o loteamento ou o desmembramento for regularizado pela Prefeitura, o loteador não poderá, a qualquer título, exigir o recebimento das prestações depositadas. Chama a atenção a possibilidade da regularização fundiária pela Prefeitura, em

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face da inércia ou dos atos procrastinatórios do loteador; ou seja, está discipli-nado que o Poder Público pode regularizar, faz parte da sua competência, em nome do interesse público. Agora temos no Projeto de Lei nº 3.057 em discus-são a possibilidade de criação de uma figura jurídica pela qual o Poder Público poderá assumir a regularização do loteamento. Isso já é possível desde 1979. Encontramos, portanto, na Lei nº 6.766 o amparo necessário que permite que o parcelamento do solo seja regularizado pelo Município. Agora, no Projeto de Lei nº 3.057, isso pode ficar mais claro, mais objetivo, não ficar na entrelinha, não ficar no meio do parágrafo, ganhando um capítulo, um maior status, mas no fundo entendemos que é praticamente a mesma coisa.

Desatendida pelo loteador a notificação, poderá a Prefeitura regularizar o loteamento ou desmembramento não autorizado, ou executado sem a obser-vância ou as determinações do ato administrativo de licença. Tendo a Pre-feitura promovido a regularização, todo o recurso investido para isso poderá ser resgatado do depósito realizado pelos adquirentes e, dessa forma, o Poder Público se ressarcir; isso está previsto na lei.

Está também previsto na Lei nº 6.766, com alteração trazida pela Lei nº 9.785/99, que o empreendimento regularizado tem de atender aos percentuais de área pública; quando isso não ocorrer, será cobrado do loteador, e este de-verá ressarcir a Prefeitura em pecúnia ou em área equivalente ao dobro da di-ferença entre o total das áreas públicas exigidas e as efetivamente destinadas.

A Lei nº 6.766/79 também trouxe um disciplinamento penal, estabelecendo que a realização de loteamento irregular caracteriza-se como um crime, como um crime contra a administração pública. Para os parcelamentos vinculados a planos habitacionais, por iniciativa de Prefeituras ou entidades autorizadas, presente a questão do interesse público nesses empreendimentos, para efeitos inclusive da cessão de posse do registro, do auto de imissão na posse, não será exigível a documentação que não seja a mínima necessária e indispensável; portanto, a lei diz que, se for de interesse social, não é necessário o mesmo rigor para o registro de imóveis. Decorre do texto da lei que, se for de interesse social, tem-se uma redução nas exigências do Artigo 18.

Muitos outros pontos poderiam ser levantados para uma melhor apreciação do conteúdo trazido pela Lei nº 6.766/79, mas a mensagem que se quer deixar é que essa legislação foi e ainda é um importante marco no avanço do enten-dimento e da fixação de regras para o parcelamento do solo no Brasil. Ainda que um pouco desatualizada, em virtude dos seus quase 30 anos de existência, a Lei nº 6.766/79 ainda tem muito a oferecer, basta ser mais bem explorada e interpretada.

Parafraseando Edésio Fernandes, o problema no Brasil não é de falta de leis, é de leitura. Uma boa leitura da Lei nº 6.766/79 pode nos revelar o enorme po-tencial de exploração que ela nos permite. Vamos trabalhar no seu aperfeiçoa-mento, principalmente no sentido de dinamizar os processos de regularização fundiária e garantir a produção de cidades sustentáveis, mais justas e fraternas.

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As tipologias e os requisitos urbanísticos e ambientais do parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00

Raquel Rolnik

Agradeço a oportunidade de mais uma vez fazer a discussão coletiva sobre essa lei, que considero fundamental, e muito pouco debatida. Desde logo já faço uma avaliação de que esse substitutivo que está na Câmara absolutamen-te não atende às necessidades urgentes que temos de rever, o marco legal na área de parcelamento do solo. Isto é uma preocupação muito grande que eu venho trazer aqui: as limitações desse substitutivo tem a ver com as limita-ções da história da construção dessa lei, e a maneira como ela foi sendo feita; mesmo assim, acho que vale uma reflexão coletiva de como é possível ainda intervir nesse processo. No ano 2000 o deputado Bispo Wanderval apresentou um Projeto de Lei, tentando juntar um monte de projetos de lei que estavam tramitando na Câmara já naquele momento, alterando aspectos particulares e específicos da Lei de Parcelamento do Solo, da 6.766, na verdade não só da 6.766, mas também da 9.785, que foi a revisão da 6.766. Todas as revisões da 9.785, várias coisinhas e coisas particulares foram apensadas, e então a partir daí começa a se propor o trabalho com um substituto integral que abranja o tema na sua totalidade; em 2001/02 a Comissão do Desenvolvimento Urbano fez um grupo de trabalho. Promoveu duas audiências públicas na Câmara, in-dicaram um relator e foi elaborado um substitutivo ao Projeto de Lei nº 3.057, de 2000, que é o tal Projeto de Lei do Bispo Wanderval.

Como em 2003 se organizou o Ministério das Cidades, a Secretaria de Pro-gramas Urbanos assumiu a missão de trabalhar a questão de política fundiá-ria, sobretudo através da diretoria de assuntos fundiários, que foi inicialmente ocupada pelo Edésio Fernandes e depois pelo Celso Carvalho. Nesse momento tem início uma interlocução do Ministério das Cidades com a Comissão de De-senvolvimento Urbano, intervindo em um processo em andamento que já tinha um substitutivo escrito. Basicamente, naquele momento a postura do Ministé-rio das Cidades, em função de uma demanda que veio de várias organizações e entidades da sociedade civil e principalmente também das Prefeituras, foi a de introduzir todo um capítulo sobre regularização fundiária na lei. Porque, até então, o substitutivo estava trabalhando o tema dos novos parcelamentos e não o tema da regularização fundiária, então o grande novo elemento de contri-buição, ali naquele momento, foi propor (e o relator daquele momento e a co-missão aceitaram) a idéia de que esse substitutivo precisava ter um título dois, da regularização fundiária. Porque, não preciso dizer aqui, apesar de termos

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instrumentos de reconhecimento dos direitos de posse, apesar do nosso orde-namento jurídico admitir a regularização fundiária, é praticamente impossível fazer regularização fundiária. Não se consegue chegar até o final em processo nenhum, porque, entre outras coisas, nós temos várias ordens jurídicas incidin-do sobre o tema; isso vale para a regularização, como vale também para os no-vos parcelamentos: o ordenamento urbanístico, a própria lei de parcelamento e seus desdobramentos, a legislação ambiental, e todo o ordenamento jurídico em torno do tema ambiental. Outra questão ainda é todo o ordenamento ju-rídico com relação à questão patrimonial e, particularmente, à questão regis-trária, leis de registros públicos, e tudo que fica em torno disso, e, outro ainda, é toda a questão que se refere aos direitos do consumidor, porque na verdade também estamos falando de transações, de compra e venda de uma merca-doria, e existe todo um novo ordenamento jurídico na área do consumidor.

Assim, temos o novo Código Civil, nova legislação de direito do consumidor, nova legislação no ordenamento ambiental, nova concepção também no orde-namento urbanístico a partir da Constituição e do Estatuto. Eu sou incapaz de dizer se temos ou não uma nova legislação na área de registros, e essas coisas não têm nenhum diálogo entre si, todas elas foram produzidas por suas respec-tivas corporações e não existe conversa entre elas. Uma desdiz o que a outra diz, e essas diferenças e incongruências são bastante aproveitadas e exploradas para obstaculizar qualquer coisa, assim acabam os processos não conseguindo ir até o fim; isso vale para os novos parcelamentos também, não apenas para regularização fundiária, mas no caso da regularização fundiária isso é particu-larmente grave. A proposta foi introduzir um novo título; a base desse novo título é o único pedaço da lei em que o Ministério, a partir de um processo do debate público, construiu uma proposta que não existia, totalmente nova. Assim, começou uma nova rodada de audiências públicas, seminários, nego-ciações com os atores envolvidos, sobretudo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), e os SECOVI nacionais, o Fórum Nacional de Reforma Urbana, entidades ambientalistas, alguns Ministérios Públicos Estaduais, par-ticularmente o Ministério Público do Estado de São Paulo, e o envolvimento também de gestores públicos municipais. A partir daí foi elaborado um pri-meiro substitutivo construído pelo então deputado Evilásio Farias, que depois saiu da Câmara para virar prefeito de Taboão da Serra. Depois disso, um novo substitutivo foi elaborado pelo relator Barbosa Neto do PSB.

Em 2005, durante esse processo, existiu uma intervenção liderada pelas en-tidades ambientalistas, mas também com muita participação da área de defesa dos direitos do consumidor, no sentido de exigir que esse processo passasse também pela comissão de meio ambiente e pela comissão de direitos do con-sumidor, em função de tocar nesses temas, para que não ficasse tramitando apenas na comissão de desenvolvimento urbano. Depois de muita negociação, para que não ficasse passando de comissão em comissão e demorasse mais 10 anos, se fez uma comissão única entre as comissões, e o deputado José Eduardo

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Martins Cardoso foi designado relator dessa comissão especial. Pulando aqui um pedaço dessa história, esta comissão não votou em tempo hábil o substi-tuto elaborado pelo deputado José Eduardo, houve um acordo entre lideranças partidárias para que o deputado Fernando Chucre e o deputado Zezéu Ribeiro pegassem do ponto onde a negociação estava, apesar de ela não ter sido for-malmente aprovada, e reapresentarem isso como um Projeto de Lei, o Projeto de Lei 20. Bom, depois o que acabou acontecendo é que o deputado Renato Amary do PSDB foi designado relator de novo de uma comissão especial, e essa comissão especial em dezembro de 2007 votou o substitutivo desse Projeto de Lei 20 elaborado pelo deputado Renato Amary.

Dentre as polêmicas geradas por esse projeto, aquela que gerou mais ten-sões foi a do tema ambiental e do tema ambiental em dois eixos, em duas questões. Primeiro: poder de aprovação de loteamento. Quem aprova? Área de meio ambiente ou área de urbanismo? Isso implica uma diferença de setores, mas implica também uma diferença de poderes, porque, em muitos casos, na área ambiental, a aprovação se dá no âmbito estadual, então há uma discus-são federativa, misturada com uma discussão temática com relação à questão ambiental. Sem nenhum conteúdo, a discussão é: quem manda e quem aprova. Segundo: do ponto de vista de conteúdo, a polêmica toda gira em torno da questão das APPs, das faixas das APPs – Áreas de Preservação Permanente, e da possibilidade ou não de que essas faixas possam ter qualquer tipo de trata-mento específico no âmbito urbano, mais específico do que o tratamento dado, genérico, do Código Florestal para todo o território nacional. Esse é o ponto polêmico de conteúdo com a questão ambiental. Há também um outro ponto muito importante, que é um ponto de conteúdo com relação à questão dos di-reitos do consumidor, na medida em que há uma diferença muito grande entre o setor de produção imobiliário de loteamento que quer tratar a mercadoria-lote como uma mercadoria diferente do conjunto das mercadorias abordadas pelos direitos do consumidor, cuidando da especificidade disso, e sobretudo reagimos muito à idéia de que o consumidor, ao desistir da compra do lote, possa receber por parte do loteador tudo o que pagou corrigido. Também toda a discussão em torno do que acontece com a construção que eventualmente o comprador fez sobre esse lote de que ele desistiu, a perda do lote, enfim, essa é a discussão central no campo dos direitos do consumidor, e esse é o segundo ponto polêmico de conteúdo.

Há uma grande discussão também sobre a questão registrária na medida em que há várias questões com relação ao problema do registro público; há uma pressão muito grande da área de registros púbicos e dos cartórios de assumir uma postura muito mais importante e protagonista em todo o processo, da abertura do loteamento até a venda, e na regularização e tudo que implica maior participação dessa área dentro do processo. Isto tem sido uma das fon-tes de tensão, e a segunda fonte de tensão é que no título da regularização fundiária há uma proposta que vem também desde 2003, de gratuidade do

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registro, do primeiro registro da regularização fundiária de interesse social, a qual os cartórios resistem a admitir e assumir que isso deva ser gratuito. Então a polêmica acabou contrariando nesses pontos.

A postura da Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, quando fui secretária de 2003 até 2007, foi tentar nesses pontos ter um po-sicionamento claro, defendê-lo etc. E foi tentar construir o título da regula-rização e construir um marco legal da regularização, na prática. Foi também tentar construir uma interface entre as várias legislações que incidem sobre a matéria e apresentarmos a idéia de que os Municípios não podem ser tratados como se fossem iguais e homogêneos, e se torna aplicável não apenas para este tema, mas para o desenvolvimento do nosso modelo federativo que chama de Município uma cidade de 800 habitantes eminentemente rural e chama de Município a cidade de São Paulo, com 10 milhões de habitantes, dentro de uma Região Metropolitana de 17 milhões. Todos têm a mesma competência, a mesma responsabilidade, e sabemos que isso é uma ficção, desenvolvimento da noção de Federação é uma idéia que vai muito além do problema do parce-lamento do solo, e nós tentamos ali dentro do parcelamento do solo construir, “roubando” ali da área da saúde a idéia de gestão plena, a idéia de que existem Municípios que têm uma estrutura de gestão, uma possibilidade de arrecada-ção de recursos, uma equipe técnica, secretarias e possibilidades de construção de um controle social por parte dos atores e segmentos que compõem a cidade, através de conselhos das cidades, conselhos de meio ambiente, conferências, que dão a estes possibilidade de gerir plenamente seu território. A idéia de gestão plena de Municípios que deveriam não ter de pedir licença nem para o Governo Estadual, nem para o Governo Federal, nem para ninguém, para poder cuidar do seu território obedecendo evidentemente à legislação Federal/ Estadual que incide sobre este.

A ela soma-se a idéia de gestão integrada, porque não é possível, não dá certo, podemos desistir de pensar em fazer uma gestão do território onde a área do meio ambiente trabalha de uma forma completamente separada da área do urbanismo; isso não é só um problema federativo, isso também acon-tece dentro das próprias Prefeituras muitas vezes; então a idéia de integrar e ter um olhar unificado, sociourbanístico ambiental sobre o território, por-que o território não está dividido em meio ambiente, urbanismo, saúde. É essa também a postura, digamos, defendida pelos Ministério das Cidades dentro do projeto, por isso a introdução da idéia de gestão plena, à qual houve uma enorme reação, sobretudo da área ambiental, que se estrutura através de um sistema (SISVAMA), termos de prestadores de serviços, burocracias, critérios, e sistemas políticos; não está disposta a que entrem outros atores no meio da história. Basicamente, o que contém o capítulo de novos parcelamentos, de novo com relação ao que já estava na 6.766 e na 9.785, é a questão da gestão plena, do licenciamento unificado; além disso, um dos objetivos fundamentais seria possibilitar o parcelamento de interesse social como uma atividade for-

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mal, regular, adequadamente inserida na cidade, toda uma idéia de introduzir o conceito de ZEIS e não de parcelamento de interesse social, mas de zona especial do interesse social, já amplamente inserido no âmbito urbanístico dos Planos Diretores, para se fazer um tratamento desse parcelamento dentro da cidade mais adequado. Estes foram os elementos, digamos, de inovação que entraram dentro dessa lei.

Tenho enormes dúvidas de que, mesmo aprovando esses pontos de que eu falei, das polêmicas na versão que eu mesma defendo com relação a condomí-nio, limitar, fazê-lo privado, botar área pública para fora, botar gestão plena, ter integração com a questão ambiental, o capítulo do título da regularização fundiária, tudo isso, mesmo se o substitutivo (coisa que não está garantido, muito ao contrário), mas, mesmo se todos esses pontos, gratuidade do registro, tudo, mesmo se esses pontos todos fossem conquistados, eu tenho uma enor-me dúvida da utilidade desta revisão.

A primeira com relação à regularização fundiária, a (relação) da regulari-zação fundiária é uma dúvida que eu gostaria de colocar para aqueles que estão envolvidos diretamente, todo dia fazendo regularização fundiária nas cidades: será que esse título da regularização fundiária realmente limpa a área e permite que se chegue até o fim? É de marco regulatório, novo, que a gente está precisando? Eu pergunto isso porque nós aprovamos um novo marco re-gulatório sobre regularização fundiária, por exemplo, de terrenos públicos da União; já faz um bom tempo, e eu não vi nenhum lote regularizado em terreno da União depois disso, então eu não sei se o nosso problema é revisar o marco regulatório ou não. Se for, se de fato for consensual entre os operadores da regularização que aquilo que está lá vai realmente permitir que a gente consiga chegar com regularização plena até o fim, então acho que o título regulariza-ção fundiária é um avanço e vale a pena lutar para aprová-lo! Com relação ao título dos novos parcelamentos eu tenho uma visão muito mais pessimista do que com relação ao título da regularização, mas pessimista no seguinte senti-do: acho que o projeto não toca no ponto que tinha de tocar, que é o seguinte: vamos lembrar – por que estamos fazendo uma revisão da Lei de Parcelamento do Solo?

Na minha opinião, nós temos de fazer uma revisão da Lei de Parcelamento do Solo para que possamos aumentar a oferta de terra urbanizada e bem localiza-da, boa do ponto de vista urbanístico e ambiental para as maiorias, para evitar a confusão que é a produção da cidade hoje. A pergunta então é: o que, neste projeto, aumenta as possibilidades de acesso à terra urbanizada, bem localiza-da, ambientalmente estruturada para abrigar a população de baixa renda, que é a maioria da população do país? Na minha opinião, esse projeto caiu na ar-madilha que vem desde a 6.766 e desde os primeiros marcos, que é a armadilha de uma visão privatista do processo: o loteamento é um ato unilateral de um proprietário de uma gleba que resolve fazê-lo, à hora que ele bem entender, e no lugar que ele bem entender; é claro, está no perímetro urbano ou não está

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no perímetro urbano, e ele, ao fazê-lo, obedece a determinadas regras e leis, mas, desculpa, gente, loteamento é produção de cidade e produção de cidade não é a soma de um monte de loteamentinhos, um aqui, outro ali, outro acolá, noves fora não vira cidade, noves fora não produz oferta de cidade para a po-pulação de baixa renda.

Tive a oportunidade de estudar o assunto, como é tratado em outras legisla-ções e em outros países, e pasmem, se a gente for ver como o tema é tratado na Alemanha, ou na Inglaterra, ou na Itália, ou na Espanha, a expansão urbana é projetada publicamente, ela é projetada independentemente de quem é o dono da terra e embaixo dela, e na hora de se projetar se define onde é viário, se define qual é o local da escola, da creche, do parque, e não é essa matemá-tica estúpida que temos aqui, que é 10% para isso, 15% para aquilo, 20% para aquilo e, na hora que qualquer Prefeitura procurar terreno para uma escola, não acha porque, ou é uma perambeira ou é em um lugar que não é um lugar em que está o povo, ou precisava de um espaço muito maior! Para fazer uma escola que já tivesse uma quadra decente, um teatro bacana e que servisse para toda a comunidade, esse modelo não nos fornece isso, e nunca nos fornecerá se continuarmos trabalhando com essa visão privatista.

Na Colômbia, hoje, só se aprova qualquer empreendimento em expansão urbana depois de ter um plano de expansão urbana; no plano de expansão urbana se desenham todos os espaços, todos os equipamentos públicos neces-sários; neste plano, detalhe, é obrigatório em qualquer lugar do país que pelo menos 25% da terra em qualquer expansão seja destinada para habitação de interesse social, seja em qualquer localização e em qualquer situação, e, mais, se distribui entre os proprietários atingidos pelo plano de expansão. Os custos da implantação do projeto de cidade: um proprietário acaba doando mais que 10% da sua terra para poder implantar, porque justamente o lugar da escola bacana, com a quadra, caiu na gleba de um, então esse vai doar 20% da gleba dele para fazer a escola, e o outro não vai doar nada para fazer equipamento público, mas vai doar o dinheiro para construir a tal escola, um vai doar a área para fazer o sistema viário principal, o outro vai dar o dinheiro para fazer a via, e vão entrar todos dentro de um projeto concertado.

Se aprovarmos o substitutivo nesses termos, estaremos perdendo uma opor-tunidade de avançar nesse debate na linha da Constituição e no Estatuto da Cidade, e eu queria terminar para dizer que, na verdade, a Lei de Parcelamento, ela fecha o ciclo da renovação da ordem jurídica na área urbanística, aberto com Constituição e o Estatuto, esse elemento é o elemento que compõe esse quadro, só que nós não estamos compondo esse quadro no espírito da Cons-tituição e do Estatuto, que é o espírito de construir a função social da cidade e da propriedade. Outro problema, uma Lei de Parcelamento do Solo que tem 140 artigos, 80 páginas, duvido de alguém que já a leu inteira e sabe tudo o que está dentro dela, em todos os artigos, em todas as linhas etc. Isso é uma outra questão, uma lei que nem os especialistas conseguem ler e entender; eu,

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que estou trabalhando com essa lei há cinco anos, tem partes que eu não sei dizer o que tem dentro, não entendo, não é possível, então imagina um cidadão qualquer, quer dizer, nós estamos de fato capturados por uma lógica que é a lógica histórica de produção da cidade que é hermética.

Finalmente, não podemos deixar de comentar que, nas cidades brasileiras, as definições de regulação de uso e ocupação de solo são lideradas pelo setor privado, pelo mercado de produção da cidade, seja ele mercado de produção de loteamento – que é a situação mais comum do Brasil –, seja de incorporação imobiliária. O grande processo de valorização imobiliária no país (não pode-mos olhar o país como se fosse São Paulo) se dá na passagem da terra rural para a terra urbana, através do loteamento. Isto é generalizado no país inteiro, nos Municípios de todos os portes e tamanhos! No processo de incorporação imobiliária com coeficientes maiores, que é mais complexo, também ali se dá um grande processo de valorização, mas o arroz com feijão é o loteamento e a passagem do rural para o urbano. As regras de como se dá essa passagem, o processo decisório de definição dessas regras é produzido no interior de um circuito que envolve Prefeitura, governo local, Câmaras Municipais, um circuito que é absolutamente capturado por uma interlocução apenas como setor de produção de mercado. A grande dificuldade na reelaboração desta lei é justa-mente superar esta ótica privatista, voltada única e exclusivamente para uma idéia de regulação da produção de um produto, na direção de se pensar a pro-dução da cidade como espaço coletivo de vida e de exercício de direitos.

Neste sentido, um pacto básico, mínimo, com 10 regras, e não 300, ainda está por se fazer!

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As responsabilidades do Poder Público e do empreendedor no parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei n° 3.057/00

Cláudia Maria Beré

O Ministério Público fez muita oposição ao Projeto da Lei, no final do primei-ro mandato do Presidente Lula, quando ocorreu um grande esforço do Governo para aprovar o Projeto de Lei nº 3.057, em virtude de vários problemas.

Em primeiro lugar, em função de questões relacionadas ao direito do consu-midor. Na parte contratual, há tantos conflitos entre os termos do Projeto de Lei e o Código do Consumidor, que eu não sei até que ponto é interessante para os empreendedores ter tantas cláusulas que podem ser considerados leoninas e que acabarão por ser questionadas judicialmente. Talvez seja melhor ter um contrato mais equilibrado e que vá prevalecer.

Outra questão a respeito da qual havia oposição do Ministério Público era a questão do registro imobiliário e essa parte foi retirada do Projeto, o que foi muito salutar, porque ela também não estava equacionada devidamente.

Há também oposição à figura dos condomínios urbanísticos, loteamentos com fechamento de acessos. Eu concordo com a professora Raquel Rolnik, quando ela diz que é importante haver uma regulação federal sobre a matéria, uma norma geral para orientar os Municípios, só que me parece que a norma geral ficou muito permissiva, com anistias e sem maiores especificações.

E, por fim, outra questão que era objeto de muita preocupação no Ministério Público, sobretudo dos promotores do meio ambiente – a questão ambiental.

Outra observação que eu gostaria de fazer com relação ao total do Projeto é que eu acho muito interessante a evolução que nós tivemos com relação aos dispositivos de caráter criminal. Observamos pela experiência que nós temos muitas ações ajuizadas contra pessoas que são empreendedores de má-fé, que realmente já estão se lançando em um negócio para obter lucro fácil, já têm “laranjas”, não têm nenhum bem em seu nome, quando recebem o dinheiro já se preocupam em botar em nome de outras pessoas, têm patrimônio em nome de outras pessoas. Pela nossa experiência com as ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público, e vendo, também, ações ajuizadas por alguns Municí-pios, verificamos que, no final de tudo, nós ganhamos as ações, mas acabamos não levando nada. Temos um título para executar, alguém foi condenado a regularizar ou foi condenado a indenizar, mas, na hora em que é ajuizada a execução, não achamos bens do executado, ele não cumpre a obrigação impos-ta na sentença, não conseguimos cobrar a indenização ou a obrigação de fazer a regularização. A obrigação não cumprida se converte em perdas e danos, que também é um valor patrimonial, e nós também não conseguimos recu-

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perar esse valor. Logo, somente o temor da punição criminal pode inibir essas pessoas, pois, mesmo que elas consigam disfarçar seu patrimônio, e se furtar à responsabilização civil, elas sofrerão a responsabilização criminal.

Podemos perceber que houve realmente a previsão de mais tipos penais, inclusive tipos penais destinados ao administrador que aprovar irregularmente um parcelamento, o que é uma evolução. Contudo, embora as penas tenham sido aumentadas, elas continuam baixas. O que acarreta isso? Se a pena for bai-xa e o réu for primário, o réu terá direito à suspensão condicional do processo, isto é, o processo fica suspenso sem que o réu chegue a ser condenado. Assim, não serão aplicados os efeitos da condenação aos parceladores processados criminalmente. Seria muito importante disciplinar em lei algum mecanismo que impedisse a suspensão do processo, permitindo chegar a uma condenação penal, que permitisse a imposição de uma pena restritiva de liberdade.

Ontem mesmo eu participei de uma audiência, em juízo, em uma ação civil pública, e a juíza de uma das Varas da Fazenda Pública falava: “Olha, isso aqui é um absurdo, o que esses loteadores fazem é terrível e não acontece nada com eles, a gente não vê loteador preso, a gente não vê ninguém pagar por nada”. Essa é uma idéia generalizada entre as pessoas que trabalham na Justiça, embo-ra não seja totalmente verdade, porém o número de casos em que há punição é tão pequeno que acabamos achando que nunca acontece. Posso testemunhar que já vi caso de loteador preso, sim, e também caso de loteador condenado.

Outro dispositivo inovador na parte criminal prevê que, quem implantar lo-teamento clandestino e for condenado, perderá a área onde foi feito o lotea-mento. Isso é muito interessante. Vocês viram como a nossa cidade se mobili-zou quando foi feito aquele “Bazar do Abadia”, saiu no jornal, houve milhares de pessoas na fila etc. Ele ocorreu em função de uma medida que foi adotada por um juiz criminal, que decretou o perdimento de todos os bens do trafican-te. Por que não se faz isso com ralação à questão do parcelamento do solo? Sem dúvida é um grande avanço a previsão de perdimento da área, pois ele obrigará o Município a regularizar o parcelamento, já que a área passará a lhe pertencer. Isto é uma evolução, sem dúvida, mas faltou prever o perdimento dos valores havidos em função da venda de lotes e dos pagamentos feitos para o loteador, devendo ocorrer, inclusive, o perdimento de bens adquiridos com aquele dinheiro, que é o que aconteceu no caso do Abadia. Algumas vezes conseguimos localizar bens adquiridos com o produto do crime. Não é sempre que isso acontece, mas eu tenho um caso recente em que o loteamento foi feito em junho, julho e agosto e, em setembro, o loteador comprou uma casa. Ora, é evidente que uma pessoa que não tinha outra renda desviou aquele valor que era para comprar a gleba e executar obras de infra-estrutura para o seu patrimônio pessoal, e essa casa foi penhorada em uma execução de ação civil pública. Se ainda houver tempo, seria muito interessante incluir na lei novas previsões de perdimento.

Bom, em relação ao nosso tema específico, as responsabilidades do empre-endedor e do Poder Público, eu tenho uma observação a fazer. A experiência

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é uma grande professora, e nesses quase 30 anos de Lei nº 6.766 pudemos ver uma série de problemas relacionados à sua aplicação, e muitos desses proble-mas, sem dúvida, foram incorporados no Projeto de Lei e tratados de alguma forma. Porém, nem todos; eu acho que faltou alguma coisa.

O primeiro aspecto que eu acho bastante interessante no Projeto de Lei é a definição de empreendedor. Houve uma evolução, sem dúvida, com a inclusão da definição de empreendedor no Artigo 2°. Na Lei nº 6.766 há um dispositivo segundo o qual todas as pessoas responsáveis pelo loteamento são conside-radas um grupo econômico e são solidariamente responsáveis pela obrigação. Isso foi mantido na lei, é um dispositivo excelente, sempre utilizado quando ajuizamos uma ação civil pública. Porém, a explicitação de quem são essas pes-soas, contida no Projeto de Lei, é uma evolução: o empreendedor responsável pela implantação do parcelamento pode ser o proprietário do imóvel, quando é ele quem faz o parcelamento, isso é evidente e era bastante simples; há ainda uma definição muito boa ou uma obrigação muito boa estabelecida no Projeto de Lei, quando ele fala do compromissário comprador.

Essa inovação é importante, porque os proprietários sempre tentavam se exi-mir de qualquer responsabilidade quando eles vendiam a área para alguém, e era esse comprador quem promovia o parcelamento. E é muito importante que, quando houver a venda da gleba, fique estabelecido que o proprietário que vende se sub-roga nas obrigações do comprador caso o contrato seja desfeito. Isso é muito importante, porque vemos inúmeros casos de parcelamentos clan-destinos promovidos ou por pessoas físicas ou por associações que compram a gleba à prestação e, em algum momento, param de pagar o proprietário do terreno, que ajuíza ação de rescisão contratual cumulada com reintegração na posse. O proprietário sempre soube que aquela área seria parcelada. Às vezes, é o próprio proprietário que recebe as prestações diretamente dos adquirentes, não recebendo de uma pessoa só, recebendo de várias. Porém, ele entrava com essa ação contra o compromissário comprador, rescindia o contrato e queria despejar todos os adquirentes, gerando inúmeros problemas. Essa sub-rogação é uma inovação extremamente salutar.

Temos também como empreendedor a entidade da administração pública, direta ou indireta, a pessoa contratada pelo empresário, e a cooperativa ha-bitacional ou a associação de moradores, quando autorizadas pelo titular do domínio, ou associação de proprietários ou compradores que assumam a res-ponsabilidade pela implantação do parcelamento. Também essas figuras devem ser analisadas em conjunto com a questão do compromissário comprador. Se a cooperativa habitacional ou a associação foi autorizada pelo proprietário a fa-zer o loteamento, e está comprando a terra à prestação, será aplicado o mesmo dispositivo citado anteriormente para o caso de eventual rescisão contratual, prevendo a sub-rogação das obrigações.

Há na lei, também, um capítulo dispondo sobre as responsabilidades do em-preendedor e do Poder Público na implantação e na manutenção do parcela-

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mento que, com relação ao empreendedor, não traz grandes novidades. Ele menciona a demarcação dos lotes e das áreas públicas, das unidades autôno-mas, implantação do sistema viário, infra-estrutura.

Cumpre fazer uma observação sobre a manutenção das áreas transmitidas ao Município, até seu recebimento final pela Prefeitura. Há um problema muito grande, que continua omisso na lei, e que ocorre quando o interesse na implan-tação do parcelamento do solo é exclusivo do empreendedor, não existe uma diretriz ou um planejamento municipal que preveja o crescimento naquela di-reção ou a necessidade de implantação daquele tipo de parcelamento na ci-dade. Mas, quando o empreendedor quer promover o parcelamento, ele acaba conseguindo sua aprovação, já que a lei prevê que a licença é um ato vinculado, e que o empreendedor que atenda a todos os requisitos da lei terá o direito de implantar o loteamento. Assim, uma vez implantado aquele loteamento, que foi feito no interesse exclusivo do empreendedor, teremos a criação de novas áreas públicas, sem o estabelecimento de que aquelas áreas sejam entregues urbanizadas para o Município. As novas áreas públicas, não urbanizadas, geram grandes problemas desde que as cidades começaram a crescer muito, pois a falta de urbanização das áreas públicas acaba levando à sua invasão, ques-tão que não foi devidamente equacionada no Projeto de Lei. O loteador não é obrigado a urbanizar aquela área ou a entregar aquela área ocupada, a área fica desocupada e sabemos bem que, conforme o tipo de loteamento que for feito lá, se for um loteamento de alto padrão, dificilmente haverá uma invasão, porque haverá muita gente cobrando uma fiscalização da Prefeitura, cobrando medidas etc. Porém, não sendo esse o caso, acabaremos tendo novas invasões.

Esse é um problema que a experiência demonstrou e que eu não vi devida-mente tratado. Vemos os empreendedores preocupados em dizer quais são as suas obrigações, muito preocupados também em estabelecer as obrigações do Poder Público, dos concessionários e permissionários de distribuição de ener-gia, de água. Porém, quanto à questão da urbanização das novas áreas públicas criadas, o Projeto de Lei é omisso.

Não vejo muito interesse em falar mais sobre a responsabilidade do empre-endedor, acho que o assunto que deve ser comentado é, de fato, a respon-sabilidade do Poder Público. Apesar de o Projeto de Lei conter um capítulo denominado responsabilidade do empreendedor e do Poder Público, claro que as responsabilidades vão muito além do que está tratado no capítulo, pois a lei inteira perpassa as responsabilidades do Poder Público com relação ao parce-lamento do solo. Evidentemente, temos aquelas responsabilidades clássicas de fazer a certidão de diretrizes e a aprovação.

E aqui passamos para a questão da licença urbanística e ambiental integrada. Eu, como promotora de justiça, trabalho nessa área de habitação e urbanismo e meio ambiente desde 1991, trabalhei quatro anos em Mairiporã, quatro anos em Diadema e agora eu estou há cinco anos em São Paulo. Neste trabalho encontrei realidades institucionais absolutamente diferentes. Em São Paulo

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temos essa megaestrutura do funcionalismo público, com setores altamente especializados, com muitos técnicos qualificados e que também contam com várias especializações diferentes. É uma realidade diferente, pois trata-se da maior cidade do país, e que não é reproduzida, com certeza, em nenhuma ou-tra cidade; estamos diante de um aparato institucional bastante eficiente. Em Diadema também havia um aparato institucional muito bom, uma estrutura que realmente funcionava, com pessoas qualificadas. Em Mairiporã, contudo, era um “deus-nos-acuda,” era o horror dos horrores, trabalhei lá de 1991 a 1995. Nesse período, havia um cargo de secretário de Desenvolvimento Ur-bano e resolveram criar um cargo de diretor de Desenvolvimento Urbano a ser provido por concurso. No concurso realizado, foi aprovado um candidato que recebeu muitos pontos porque já estava na Prefeitura, em um cargo de confiança, não concursado, e que, evidentemente, estava sendo processado como loteador que implantou um empreendimento clandestino. Não consigo imaginar nada pior do que isso, é “a raposa tomando conta do galinheiro,” e ainda por cima com uns poucos funcionários despreparados. E isso porque Mairiporã é uma cidade próxima a São Paulo, tem certo número de habitantes, tem uma arrecadação de IPTU razoável, até em virtude dos condomínios fe-chados na Serra da Cantareira. Imaginem nos rincões mais distantes como é a estrutura do setor responsável pelas aprovações de parcelamentos7. Então essa é uma preocupação muito grande, porque pessoas mal-intencionadas acabam sendo as primeiras a buscar uma qualificação mínima e criar no Município um conselho municipal de habitação, um órgão executivo, para poder tomar conta do licenciamento sozinhas. Essa é a grande, grande preocupação que eu tenho com relação à licença integrada.

Eu já vi muitas pessoas criticarem o Ministério Público, muita gente defen-dendo a municipalização do licenciamento, e eu acho essa questão muito di-fícil, porque temos realidades muito heterogêneas entre os Municípios, alguns Municípios não têm condições de fazer um licenciamento municipal.

Bom, feito esse desabafo, eu acho que a própria experiência é quem mos-tra a dificuldade na implementação do licenciamento integrado. Aprovado o Projeto de Lei do jeito que está, teremos muito trabalho. É certo que houve a inclusão, como eu já falei, de um tipo penal relacionado ao próprio funcionário público que fizer a aprovação indevida, mas são penas pequenas, os processos demoram, e se uma pessoa fizer essa aprovação indevida e chegar mesmo a ser processada criminalmente, quanto tempo será que vai demorar para conseguir tirar essa pessoa de uma Prefeitura? Eu acho, assim, uma questão bastante preocupante.

Outra questão que eu acho interessante mencionar é que o Município vai ter uma responsabilidade bastante interessante introduzida no Projeto de Lei chamada de intervenção. Quando o Município perceber que não está sendo respeitado o cronograma de obras do loteamento aprovado, ele poderá fazer a notificação, tal como já existe, para que o loteador supra essa falta, e, não

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suprida a falta, haverá a indicação de um interventor para tomar as providên-cias cabíveis. Com relação ao loteamento com atraso nas obras, a matéria está bastante disciplinada, mas temos também um parágrafo que prevê a interven-ção no caso do loteamento clandestino. Quanto a este último, não há minúcias sobre como a intervenção se dará, e sabemos que os problemas maiores estão nos loteamentos clandestinos. Fica essa dúvida: como será feita a intervenção quando houver o loteamento clandestino?

Atualmente temos um instituto, que será mantido, que é o depósito das par-celas em cartório. Assim, o Município faz a intervenção e informa aos adqui-rentes que deverão fazer o depósito no cartório. Ocorre que, hoje em dia, esse depósito no cartório só é admitido quando o loteador é também o proprietário da gleba. No entanto, em geral, nos loteamentos clandestinos, isso não aconte-ce. Logo, esse caminho não poderá ser tomado, os oficiais do cartório recusam o depósito judicial das prestações quando o loteador não é o proprietário da gleba. Para conseguir fazer isso é necessário ajuizar uma ação civil pública e pedir a autorização para o juiz. A burocracia é bem maior, há menos praticidade na adoção do instituto. A questão do depósito, nesse caso, também não foi mencionada ao longo do Projeto de Lei, não há previsão de sua possibilidade e, sem essa previsão, certamente os cartórios vão continuar recusando os de-pósitos e, sobre a fiscalização do loteamento clandestino, que é o mal maior, continuaremos a ter uma legislação mais vaga.

Outra questão que eu acho interessante é a responsabilidade do Poder Públi-co na regularização. Atualmente, a regularização é tratada de uma forma mui-to curta na Lei nº 6.766. O Artigo 40 prevê que, verificando que o loteamento não está corretamente licenciado ou implantado, o Poder Público poderá fazer a regularização, e foi uma luta muito grande do Ministério Público, nas ações civis públicas, para conseguir que a jurisprudência firmasse a posição no senti-do de que esse é um poder-dever, que o Município tem de fazer, ele é obrigado. Agora que temos o tratamento da regularização fundiária no Projeto de Lei, dizendo que ela pode ser iniciada por várias pessoas diferentes, essa questão fica prejudicada, pois não foi mantido um dispositivo semelhante, dizendo que o Poder Público tem essa obrigação.

Além do Poder Público, a iniciativa da regularização fundiária sustentável é facultada aos beneficiários, às cooperativas habitacionais, ao setor privado responsável pela implantação, e não temos nenhum dispositivo dizendo que, se esses outros legitimados não tomarem as providências, o Poder Público tem de promover a regularização. Teremos de continuar fazendo raciocínios elabora-dos para concluir que, em virtude da omissão na fiscalização, o Município tem a obrigação de reparar o dano e promover a regularização, quando seria bastante salutar que isso já estivesse previsto, ou seria até interessante prever em que hipóteses ele estaria obrigado a fazer a regularização, já que, em algumas cir-cunstâncias, realmente não é o mais recomendado que a obrigação recaia so-bre o Município. Esse é o caso dos loteamentos em frações ideais, que acabam

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compondo chácaras ou casas de bom padrão. Será que o Poder Público tem de ter a obrigação de fazer a regularização fundiária? Acredito que não, porque os interessados têm ampla condição de fazer isso, mas perdeu-se essa oportuni-dade de explicitar algo que na lei atual está funcionando, ou então colocar um “deverá” bastante claro, e até dizendo em quais condições isso deve ser feito8.

Outra questão interessante relacionada a esse poder-dever é essa questão da demarcação urbanística e legitimação da posse, porque aqui o Projeto de Lei diz que o Poder Público deve fazer, então temos o dispositivo expresso. Isso é muito importante porque, quando a lei manda fazer, tem de fazer. Porém, muitas vezes, quando a lei não manda fazer, o Poder Público não quer fazer. Então seria importante que, com relação à regularização, houvesse um artigo semelhante. No caso das ZEIS, por exemplo, o Poder Público deverá fazer, o “deve” está expresso, e na regularização não há esta explicitação. A Defensoria Pública ajuizou ações civis públicas adotando tese segundo a qual, nos casos em que o Plano Diretor previu que uma área já ocupada é ZEIS, o Poder Público tem a obrigação de editar o decreto e fazer a regularização. É uma tese bas-tante interessante, que ainda não foi apreciada por nenhum juiz, sustentando que o Plano Diretor prevê que determinada área é ZEIS; o Plano Diretor prevê com se dará a regularização nas ZEIS; logo, o Poder Público é obrigado a fazer a regularização das ZEIS, tal como ele próprio previu. A tese é interessante, porém sua implementação é um pouco difícil, porque o Plano Diretor paulis-tano prevê um grande número de ZEIS, havendo dificuldade operacional para a edição simultânea de tantos planos de urbanização. Talvez o Plano Diretor tivesse de fazer um cronograma, ou prever um prazo, porque o fato de haver a dificuldade operacional de regularizar todas as ZEIS ao mesmo tempo não pode ser desculpa para o Município não regularizar nenhuma.

Eu sei que eu estou só criticando e não estou dizendo como deve ser feito. Só estou querendo alertar para o fato de que é necessário um mecanismo para encaminhar essa área que é decretada como ZEIS para a regularização fundi-ária, mas sem colocar tantas obrigações de curto prazo que desencorajem o Município de gravar áreas ocupadas como ZEIS.

Acho que eu não vou me alongar mais e, se houver mais perguntas, no deba-te poderemos falar sobre isso. Destaco que eu não fiz uma análise minuciosa da Lei, porque eu procurei cotejar a minha experiência prática com os dispositivos que são usados com mais freqüência nas ações civis públicas.

Com relação aos loteamentos clandestinos, entendo que a questão da inter-venção não ficou devidamente explicitada, o Projeto de Lei fala genericamente que se aplicam as demais normas. Esta aplicação, porém, se mostra difícil, pois no caso do loteamento irregular existe um cronograma de obras, pode-se cons-tatar facilmente que a obra que deveria estar pronta em abril ainda não está feita em maio. Já no parcelamento clandestino, apresenta outras dificuldades, com a implantação em local inadequado, ou a falta de título de propriedade, causas que impossibilitam o próprio pedido de licenciamento. Quem loteia já

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sabe que não vai conseguir obter a licença porque a área é contaminada, a área tem alta declividade, a área é de proteção ambiental. Então, a interven-ção, que se aplica no que couber, está muito vaga, já que, nos casos citados, a intervenção só poderia ser para desfazer o loteamento. A solução não é fácil. Outro problema é dos loteamentos que já estão feitos e já estão consolidados. Nesses loteamentos seria mais indicada a regularização, pois eles não estão em execução. Então, essas normas da intervenção não são aplicáveis, os lo-tes já estão pagos e não haverá recursos à disposição do interventor. Por isso eu acho que seria interessante que a intervenção fosse explicitamente disci-plinada no caso do loteamento clandestino e, como eu falei, a explicitação é boa porque dá a oportunidade de dizer quando ela é obrigatória, seria possível excluir, eventualmente, alguma situação da obrigatoriedade. Por fim, eu acho que justamente o caso que é mais difícil é o que está menos regulado no caso da intervenção, pois haverá muito mais casos com necessidade de intervenção para empreendimentos clandestinos do que para empreendimentos com atraso de obras, mas a regulação prevista no Projeto de Lei se aplica melhor nos casos de atraso de obras.

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As competências dos entes federativos no parcelamento do solo urbano – O papel do Município no Projeto de Lei n° 3.057/00

Fernando Bruno

Gostaria de iniciar estes meus comentários no ponto onde a Dra. Cláudia concluiu; ou seja, a obrigatoriedade ou vinculação que se pode estabelecer quanto à política urbana. Tenho convicção de que sim, a começar pela notifi-cação para o parcelamento ou edificação compulsórios, estipulado pelo Artigo 182. Ou seja, se presentes as condições objetivas, em um dado Município, que levem à impossibilidade de acesso à terra urbanizada, o “poderá” que consta no parágrafo 4º deve sempre ser lido como “deverá”. É a já consagrada idéia do “poder-dever”, tão bem esclarecida por diversos administrativistas. Evidente-mente, o Município onde houver um mercado ao menos razoável, e acessível à toda a população, pode optar por não implementar o instrumento. Os demais, se não o fizerem, estão (seus dirigentes, evidentemente) sujeitos mesmo à res-ponsabilização, por ofensa à ordem urbanística.

Em primeiro lugar, um comentário acerca da participação dos poderes locais, das Prefeituras, no processo de discussão do Projeto de Lei nº 3.057: foi quase nula nas etapas anteriores (desde 2000) e agora, em 2007, muito pequena; e ainda assim eram sempre os mesmos Municípios: Taboão, Suzano, Santo André, Diadema. As capitais, por meio do Poder Público, simplesmente não intervie-ram, até agora, nesse processo. Quanto às entidades de representação como FNP (Frente Nacional de Prefeitos), a CNM (Confederação Nacional dos Municí-pios), elas não são exatamente para ficar negociando interesses dos Municípios, seu papel é de coordenação, para abrir portas a que os Municípios – não exa-tamente os 5.562 municípios brasileiros –, ou pelo menos os Municípios onde o parcelamento do solo, dada a sua escala, é um problema realmente muito impactante, deveriam eu acho que estar pelo menos preocupados com o tema. É impressionante, porque a gente já viu isso acontecer na história recente. É só ver o exemplo da legislação de licitações públicas, onde vários dispositivos da lei de licitação ofendem a autonomia municipal, mas, por outro lado, os Muni-cípios não se articulam, o tempo passa, e simplesmente todo mundo se sujeita. Assim, entendo que ainda é possível, seja no plenário da Câmara, ou mesmo no Senado, ainda há tempo, se a gente detectar questões cuja aplicabilidade para os Municípios será muito complicada, e, se houver alternativa melhor, acho, re-pito, que ainda há tempo de a gente se articular, de a gente atuar nesse sentido.

Para falar de autonomia, eu estou falando de Município, mas temos os três entes da Federação, aliás, os quatro, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios. Evidentemente a nossa preocupação maior é com relação à even-

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tual ofensa que o Projeto de Lei pode trazer, quando promulgado, à autonomia dos Municípios, então o nosso foco é a autonomia municipal. Portanto, é bom ter um pouquinho fresco na cabeça um conceito de autonomia e Federação. A discussão sobre Federação pode se dar sobre vieses os mais diversos: históricos, políticos, econômicos e até mesmo culturais. Mas a gente tem de ter também muito claro o conceito jurídico de autonomia, que deflui do ordenamento ju-rídico brasileiro e do ordenamento constitucional brasileiro. Cada Federação é uma Federação. No caso brasileiro, se a gente for examinar a maneira como a Constituição organiza a forma de Estado, a nossa Federação, a nossa forma de Estado, vamos concluir algo próximo disso, que a autonomia dos entes fe-derativos no Brasil é: (i) a capacidade para a auto-organização, organização dos seus serviços, dos seus servidores etc.; e (ii) para o estabelecimento de um ordenamento jurídico próprio, um ordenamento jurídico especifico às suas peculiaridades, a partir da distribuição de competências dada pela Constitui-ção Federal. No Brasil (não que outras Federações não tenham isso) há um acento maior no fato de que a forma de Estado que nós chamamos Federação é também uma técnica, mas uma técnica para quê? Para o cumprimento dos objetivos fundamentais do nosso Estado.

Por outro lado, em Federações onde há uma diversidade, um corte muito profundo do ponto de vista regional, de língua, de costumes, de religião etc., o acento talvez seja maior na preservação das grandes diversidades dentro da unidade. Eu costumo dar o exemplo do Canadá, o qual tem ali no meio o Que-bec, o Estado Quebec, com outra tradição cultural, outra língua, outros costu-mes, uma diversidade muito forte. O Canadá se organiza como uma Federação, cujo objetivo principal é manter a unidade naquela diversidade; outras, como é o caso brasileiro, onde as diferenças não são tão vincadas, a Federação é também uma técnica, então eu até grifo, porque a gente tem de ter em men-te que a autonomia, ela não existe como um privilégio do ente federativo, a autonomia existe para quê? Para facilitar o cumprimento dos objetivos funda-mentais do Estado, entre os quais a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais, tanto os individuais como os coletivos, função social da cidade, a Federação tem de ajudar para que eles sejam mais bem cumpridos, para que eles sejam mais bem atingidos, é técnica, portanto, também.

Uma muito rápida classificação das competências dos entes federativos aponta vários desdobramentos. Dei uma simplificada, então você pode falar de competências quanto ao objeto, quer dizer, como opera a competência material, que é o desenvolvimento de políticas públicas, serviços etc., e quanto àquelas legislativas, que é exatamente você criar regras próprias dentro do seu territó-rio. Quanto à distribuição, ou pelo menos quanto à atribuição que a Constitui-ção dá para cada ente, você pode ter algumas competências privativas, onde a Constituição diz de maneira direta ou não: “Olha, essa competência é privativa, indelegável e intangível, de tal ente federativo”, e aquelas concorrentes, as que mais vão nos preocupar. Estas, as concorrentes, são aquelas competências onde

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todos os entes federativos participam em graus diversos, de maneiras diversas, mas participam, do regramento, participam da construção daquela ordem ju-rídica e é principalmente esta última que vai nos preocupar, porque a compe-tência legislativa concorrente, (concorrente não no sentido de concorrer, mas de se somar), afluindo para o mesmo tema, compreende a competência para legislar sobre o direito urbanístico, está ali no inciso I do Artigo 24: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislarem concorrentemente sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico”. E onde entra o Município? Ele também participa da competência concorrente, mas por força do Artigo 30, inciso II, também da Constituição Federal.

Já vi gente defendendo que o Projeto de Lei nº 20 não é uma lei de direito ur-banístico, é uma lei de ordenamento territorial, portanto cai lá na competência privativa da União, mas não vamos avançar para isso, só deixo claro minha dis-cordância. Outra competência legislativa concorrente que consta no Artigo 24 é relacionada diretamente ao meio ambiente, que também muito nos interessa: legislar sobre floresta, caça, pesca, fauna, conservação da natureza etc. Como acontece então essa competência que eu estou chamando de legislativa con-corrente? Isso é também importante para nós. A União vai estabelecer normas gerais – esse conceito é muito importante para nós, daqui a pouco eu vou ten-tar dizer o que é norma geral – e a norma geral não pode excluir a competência suplementar dos Estados, quer dizer, não pode inviabilizar que os Estados, e também os Municípios como a gente vai ver daqui a pouco, legislem também em função das suas peculiaridades. Agora o Município aparece: compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local – competência privativa. E, em segundo: suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Do ponto de vista do Município, esse inciso II, a competência suplementar, é a outra face da moeda chamada norma geral; então você tem de um lado norma geral e, de outro lado, a competência, observada a norma geral, que a gente já vai tentar conceituar. Então, os Estados e também os Municípios, estes por força do Artigo 30, vão suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, e o que couber é o seu interesse local. De outro lado, o que é uma competência material – pelo menos a princípio – é promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante o planejamento e o controle do uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Então, um enunciado in-correto é esse: a União pode legislar o quanto quiser e cada Município apenas aplicar a legislação federal. Não é isso, até por conta do conceito do interesse local, mas vamos ver o que é essa idéia de norma geral.

O Projeto de Lei se denomina norma geral, ele começa dizendo o seguinte: “Esta é a norma geral de parcelamento do solo”. Então, o que são normas ge-rais? São declarações principiológicas, princípios; estabelecer 125 m2 de lote, será que é um princípio? Estabelecer que tem de ser 15% de reserva de área pública é um princípio? Não me parece, mas também não vamos ser tão radi-cais assim. Tais declarações principiológicas, que cabe à União editar, restrita

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ao estabelecimento de diretrizes nacionais, sobre certos assuntos, que deverão ser respeitados pelos Estados-membros, observado o interesse local pelos Mu-nicípios, na feitura de suas respectivas legislações, através de normas particu-larizadas que as detalharão de modo que possam ser aplicadas direta e ime-diatamente às relações e situações concretas, aos seus destinos e respectivos âmbitos políticos. Não estou dizendo ainda que algo, ou muito ou pouco, ou isso ou aquilo do Projeto de Lei ofende a autonomia municipal, estou apenas colocando algumas coisas que nós todos temos de ter em mente na hora de fazer a leitura do 3.057, por enquanto é só isso.

Agora, então, vamos ver algumas questões que de tempos em tempos são levantadas como potencialmente podendo ofender a autonomia municipal, potencialmente podendo estabelecer situações que seriam, como eu disse no começo, mais bem estabelecidas no âmbito local, mais bem estabelecidas, mais eficazes para atender então às finalidades do Estado brasileiro, em especial à função social da cidade, o Direito à Moradia do Artigo 6º e todos os outros direitos fundamentais. Então eu separei três, mas outras podem também ser questionadas: (i) a questão da gestão plena, uma reflexão sobre gestão plena; (ii) a questão das situações onde o licenciamento ambiental se dará pelos Esta-dos, pelos Estados federados; e (iii) a questão de prazos e procedimentos para o licenciamento integrado. Como a Raquel já colocou aqui de manhã, a gestão plena é um conceito, esta lá no Artigo 2º, é o inciso 24. O Projeto de Lei portan-to define e aparta dois tipos de Municípios, aqueles que têm e aqueles não têm gestão plena, mas qual é a principal diferença? Nós já vamos comentar também em detalhes, mas a principal diferença se refere a poder, o Município de gestão plena poder fazer o licenciamento urbanístico e ambiental em um grau bem mais elevado, pode trabalhar e modificar alguns standards com relação a tama-nho de lote, reserva etc., em ZEIS, acho que basicamente são essas as principais diferenças atribuíveis ao Município de gestão plena. Será que separar Municí-pios entre gestão plena e gestão não-plena, do ponto de vista jurídico, e olhan-do para as diferenças concretas (econômicas, sociais etc.) entre os Municípios, por conta dos conceitos que eu dei antes, será que é possível você fazer essa se-paração? Sim, eu acredito que é perfeitamente possível fazer isso, não vou nem entrar no mérito se é bom ou se é ruim, é perfeitamente admissível fazer isso.

O primeiro ponto é que a gestão plena não é uma categoria inacessível a nenhum Município brasileiro, é só observar as condições: Plano Diretor, atuali-zado conforme o Estatuto da Cidade, órgãos colegiados e deliberativos de con-trole social das políticas urbana e ambiental, e órgãos executivos específicos de gestão, também das políticas urbana e ambiental. A categoria de gestão plena e o cumprimento de tais condições não é algo inviável. Seria, sim, inacessível se tivéssemos aqui um critério, como, por exemplo, só pode ser de gestão plena Municípios com mais de 20 mil habitantes; só pode ser de gestão plena Mu-nicípios que têm um PIB tal, ou receitas orçamentárias de tal volume; nestes casos, com certeza, a diversidade não estaria sendo respeitada. Por outro lado,

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alguém pode argumentar no sentido de que ter um órgão executivo específico é muito oneroso, alguns – aliás, muitos – Municípios sobrevivem a duras pe-nas do ponto de vista financeiro, e ter um órgão colegiado e deliberativo não é fácil. Isso não é argumento, até porque, eu não coloquei aqui no slide mas está no Artigo 2º, tais condições podem ser supridas pela articulação entre os Municípios via consórcios públicos como esta lá na Lei nº 11.107, a lei dos consórcios públicos, não há nenhum impedimento a que todos os 5.562 Muni-cípios, se assim o desejarem, ascendam então à categoria de gestão plena. Mas o mais importante: a gestão plena, ou os três itens que a expressam, estão, sim, diretamente relacionados às finalidades do Estado. De fato, é só conferir: nós temos ali planejamento, o Plano Diretor é o veículo por excelência da definição da função social da propriedade urbana e da função social da cidade, direi-tos fundamentais inequívocos. Da mesma forma, temos ali o controle social, a democracia participativa, uma das finalidades do Estado brasileiro, e, por fim, temos órgãos executivos, a fim de que se cumpra o princípio da eficiência, conforme o Artigo 37 da Constituição, ou seja, o Estado existe para cumprir o princípio da eficiência, e para ser eficiente na política urbana e ambiental você tem de ter órgãos executivos próprios. Então, se você relaciona esses critérios com aquilo que a gente espera do Estado brasileiro, não há nenhum problema com relação à gestão plena.

Talvez o mais importante, o que pode fazer um Município de gestão plena e o que não pode o de gestão não-plena? Ele pode fazer o licenciamento inte-grado, com uma ressalva que eu vou comentar daqui a pouco, e que, por falta de nome melhor, chamei de condições especiais de aspectos ambientais; já vou comentar daqui a pouco. A gestão plena autoriza a que o Município admita em seu território o condomínio urbanístico, e, mais ainda, estabeleça uma série de condições à sua implantação. Ainda, a gestão plena vai igualmente permitir ao Município flexibilizar aqueles parâmetros que eu já havia comentado, de tama-nho de lotes e de reservas de áreas públicas para as ZEIS novas. Porém, uma coisa que eu até agora não entendi, a meu ver uma incoerência: assentamentos informais consolidados até a data da promulgação da Lei podem ser regulari-zados, inclusive pelo Município que não tem a gestão plena, mas ele não pode diminuir o percentual de reservas de áreas públicas, que esta lá no Artigo 8º; se não for gestão plena, não pode diminuir o tamanho do lote. Evidentemente, tudo isso se resolve quando ele tiver a gestão plena, sabemos que se resolve, eu estou dizendo que há uma incoerência, uma coisa meio estranha do ponto de vista da lógica interna da Lei, a gente espera que todos tenham a gestão plena, aqueles que tenham problemas de assentamentos informais, com carência de infra-estrutura, com problemas pontuais, todos sejam resolvidos, via gestão plena, mas há um problema aí.

O outro caso que eu queria deixar para discussão é um pouquinho mais gra-ve, eu diria, mesmo para um Município de gestão plena. Em certas situações, ele deverá se submeter ao licenciamento ambiental do Estado, ele vai fazer o

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seu licenciamento integrado, ambiental e urbanístico, mas mesmo Municípios de gestão plena, em certas situações, terão que se submeter, como eu disse, ao licenciamento ambiental estadual. E que casos são esses? Parcelamentos (i) em áreas iguais ou maiores que 1 milhão de m2; (ii) localizadas em mais de um Município, então aí deixa de ser interesse local, o que é mais ou menos óbvio; (iii) com vegetação secundária em estágio médio e avançado de regeneração do bioma Mata Atlântica, então também você pode ter a justificativa de um interesse que não é só o local, interesse de todo o bioma, não tem problema, de toda a abrangência geográfica do bioma; e (iv) o inciso II, cujo impacto ambien-tal direto ultrapassa os limites territoriais de um ou mais Municípios, também não há nenhum questionamento de que isso suplanta o interesse local. Mas o problema é a parte final do dispositivo “de acordo com tipificação previamente definida por lei estadual ou por Conselho Estadual de Meio Ambiente”. Que, de fato, o impacto ambiental direto que ultrapasse os limites territoriais de um ou mais Municípios deve ser submetido ao licenciamento estadual, acho bastante aceitável, o que eu não me parece correto é deixar aberta uma porta para que um regulamento, de um órgão executivo, por mais participativo que ele seja, tipifique e determine quando é interesse local e quando não é interesse local. Então eu não estou nem dizendo a parte inicial, o impacto ambiental direto ultrapassa os limites, tudo bem, agora você delegar a definição concreta do in-teresse local para um órgão regulamentar, ainda que relevante (extremamente relevante), ou seja, um Conselho Estadual de Meio Ambiente, eu acho bastante preocupante. Evidentemente, se ele fizer a regulamentação que ofenda a auto-nomia municipal, você pode questionar a regulamentação dele, mas evidente-mente é muito complicado uma lei outorgar a um conselho esse poder, ou seja, a um conselho do Executivo, a capacidade de dizer: nessa situação há interesse local, nessa situação não há interesse local. Prefiro a fórmula atual onde você vê caso a caso.

Uma terceira ordem de questões, que de tempos em tempos voltam como possivelmente ofendendo a autonomia municipal, é tudo aquilo que se refira à definição de prazos, procedimentos; por exemplo, prazo para expedir licença integrada, que é de 90 dias, a não ser que a lei municipal dê outro prazo. Mas tem alguns dispositivos nessa linha que chamam bastante a atenção, e uma especialmente que chamou muito a minha atenção, um procedimento, uma determinação dada pela norma geral que, na minha opinião, com certeza vai muito além do caráter de norma geral, não poderia fazê-lo, pelo menos não da maneira como fez. Trata-se do Artigo 25, a autoridade licenciadora – supondo Município de gestão plena, a autoridade licenciadora é o Município – deve deferir a solicitação de diretrizes, declarando a impossibilidade de implantação do empreendimento em razão do disposto no Artigo 5° ou se caracterizadas as seguintes situações: (i) inadequação do empreendimento ao Plano Diretor, sem problemas; e (ii) situação jurídica do imóvel que possa comprometer a implantação do empreendimento ou prejudicar os adquirentes de lotes e co-

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munidades autônomas, perfeito também. O problema não são os dois incisos, o problema é que está enunciado o Artigo 25 como aquilo que a gente chama de numerus clausus. Em outras palavras, a autoridade licenciadora só pode indeferir com base nestas hipóteses; inevitavelmente, quando você indeferir por outro motivo, o empreendedor vai também argüir: não, você, Município, não pode fazer isso. Vou dar um exemplo, aliás até um pouco puxando pelos alertas que a Raquel fez aqui para a gente: você quer suspender as aprovações, todas elas, aquilo que a gente chama de sursis urbanístico; vou suspender o li-cenciamento de todo e qualquer parcelamento do solo aqui no meu Município, em um determinado território ou no Município como um todo, por qualquer motivo, por exemplo quando vai rever todo a legislação. Lembro muito bem do caso de Botucatu, que teve de tomar essa atitude uns oito anos atrás. Então não pode o Município fazer isso, está cerceando o direito do empreendedor, só poderia fazer nas duas situações estipuladas pelo Artigo 25. Isso cerceia o exercício da autonomia municipal, as peculiaridades que podem surgir em cada Município no processo de ocupação e de parcelamento do solo, então eu peguei muito mais isso aí como um exemplo. Se você tem em mente o conceito de norma geral, o conceito de autonomia, na leitura desse “catatau” de 75 páginas, a gente vai “pescando” coisas e outras que só vão aparecer na hora da aplicação, na hora do desenvolvimento das legislações municipais. Então umas conclusões possíveis e rápidas: (i) a gestão plena, pelo menos na minha opinião, por si, ela não ofende a autonomia municipal; (ii) aquela questão do licenciamento – uma norma geral não pode delegar a outro ente federativo a capacidade de restringir o exercício de competências; e (iii) certos procedimen-tos, essa coisa final, podem ser suplementados pelos Municípios sob pena de ofender a autonomia municipal, principalmente na questão de prazo. Quanti-tativos são, em uma norma geral, sempre algo complicado, é sempre algo que deve ser evitado ao máximo, norma geral tem de dar princípios, tem de dar diretrizes, tem de dar conceitos, não tem de dar números, ou pelo menos tem de evitar ao máximo dar números.

Então, o que eu queria passar para vocês era muito mais aí uma maneira de ler, um outro mundo é possível, uma outra forma possível de se fazer a leitura do Projeto de Lei, e sempre a gente está fazendo novas leituras, novas conclu-sões, mas a gente tem de estar integrado no processo, é aquilo que eu falei no começo, em especial com relação aos Municípios, algumas coisas só vamos perceber lá na frente na hora que for desenvolver a nossa legislação específica ou na hora da aplicação. Os cidadãos, mas acima de tudo os poderes locais, não podem deixar passar, porque depois, para mitigar, vocês sabem, é muito mais caro e é muito mais demorado.

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O tratamento da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Aspectos jurídicos

Nelson Saule Jr.

Inicialmente eu vou tratar dos aspectos principais abordados no Projeto de Lei n° 3.057/00 sobre a regularização fundiária. No Projeto de Lei são estabelecidas definições sobre a regularização fundiária sustentável, de interesse social, de interesse especifico. No meu entender há uma incorporação no Projeto de Lei da concepção da regularização fundiária estabelecida no Estatuto das Cidades.

A definição de regularização fundiária prevista no Projeto de Lei faz uma associação tanto dos componentes jurídicos como urbanísticos, ambientais e sociais. No âmbito desta definição está estabelecida uma responsabilidade pri-mordial do Poder Público em promover a regularização fundiária de interesse social ou de interesse específico. A previsão da regularização dos assentamen-tos informais no Projeto de Lei visa atender os preceitos do Direito à Moradia, das funções sociais da propriedade e das cidades, e a interface do Direito à Moradia com o direito ao meio ambiente.

Na definição da regularização fundiária de interesse social, que é voltada aos assentamentos informais, ocupados predominantemente por população de baixa renda, são considerados duas situações: as áreas onde tenham os di-reitos reais já constituídos, na qual os moradores têm direito, por exemplo, ao usucapião urbano ou usucapião ordinário nas áreas privadas. No caso das áreas públicas, as áreas passíveis do reconhecimento do Direito à Moradia, pela concessão de uso especial para fins de moradia, são aquelas cujo período de cinco anos de ocupação para fins de moradia tenham ocorrido até 31 de julho de 2001. O outro componente previsto no Projeto de Lei diz respeito às áreas definidas como Zonas Especiais de Interesse Social. O Projeto de Lei considera estas duas situações para ser admitida a regularização fundiária de interes-ses social: nas áreas com direitos reais constituídos com base na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade; ou nas Zonas Especiais de Interesse Social definidas pelo Município.

A definição de regularização fundiária do interesse específico compreende as áreas urbanas que não forem consideradas de interesse social, abrangendo os condomínios, os loteamentos de renda média e renda alta que não se caracte-rizam como parcelamentos ou assentamentos de população de baixa renda.

Uma questão importante também que eu queria ressaltar no Projeto de Lei é a compreensão sobre infra-estrutura básica e infra-estrutura complementar, que deverá ser considerada para efeito da regularização fundiária. A infra-es-

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trutura básica compreende os equipamentos de abastecimento de água potá-vel, o esgoto sanitário, a distribuição da energia elétrica e o sistema de manejo de águas pluviais. Qualquer regularização fundiária com intervenção física, ur-banística, tem de ter esses componentes básicos; os demais vão depender de o Município estabelecer essas exigências na sua legislação como infra-estrutura complementar.

Nós temos defendido que tanto a iluminação pública como a pavimentação devem ser consideradas também infra-estrutura básica, tanto para os novos parcelamentos como também para efeito da regularização fundiária. Essa pro-posição não foi contemplada até o momento e a iluminação pública e a pavi-mentação estão colocadas como infra-estrutura complementar, o que significa que estão excluídas das obrigações básicas para a promoção de qualquer par-celamento do solo, a não ser que o Município defina na sua legislação que esses componentes também sejam considerados infra-estrutura básica.

O Projeto de Lei contém uma definição de assentamentos informais: são aqueles localizados ou em áreas públicas ou privadas, são as ocupações de parcelamentos (regulares) ou clandestinos, ou outros processos informais de lotes ocupados predominantemente para fins de moradia e que tenham sido implantados sem autorização do titular de domínio ou sem aprovação do Poder Público, ou que tenham sido implantados em desacordo com o estabelecido na licença ou também sem ter o registro imobiliário do parcelamento do solo. Essas definições, a meu ver, são adequadas com base nos preceitos da política urbana.

Um aspecto que cabe ressaltar do Projeto de Lei é o da regularização fun-diária ser considerada uma política fundiária que integra a ordem urbanística ,tendo como objetivos a promoção do Direito à Moradia e do direito a cidades sustentáveis. A política de regularização fundiária é entendida como uma po-lítica integrada à política urbana que será desenvolvida no Município. Uma diretriz importante da regularização fundiária que eu queria ressaltar é o da participação da população, interessada no processo de regularização.

Sobre a questão de gênero, o Projeto de Lei assegura a preferência para a mulher na titulação do imóvel ou da moradia. Uma medida importante para impedir o aumento de assentamentos informais necessários de regularização fundiária é o da ampliação do acesso à terra urbanizada. A medida estabeleci-da para viabilizar essa ampliação de acesso à terra urbanizada nos termos do Artigo 10 do Projeto de Lei é a seguinte: sem prejuízo de outras obrigações previstas na lei, a legislação municipal pode exigir do empreendedor doação de área para implantação de programas habitacionais de interesse social ou de recursos para fundo municipal de habitação.

A nossa proposta é bem mais avançada, determinando a obrigação de os empreendedores destinarem um percentual de 10% da área objeto do parce-lamento para a promoção de parcelamento de interesse social, o que resultaria na implantação de lotes urbanizados com infra-estrutura e demais componen-tes na própria área onde fosse aberto esse empreendimento. Como alternativa,

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o empreendedor poderá destinar este percentual mínimo de 10% nas áreas definidas como Zonas Especiais de Interesse Social, através dessas exigências para novos parcelamentos do solo urbano.

Os empreendedores passariam a ter a obrigação de destinar uma parte des-sas áreas para a implementação de lotes urbanizados voltados à população de baixa renda. Entendo que é uma contrapartida adequada pela apropriação da mais-valia pelo uso da cidade para fins econômicos, visando assegurar que o mercado destine áreas para suprir problemática da falta de acesso à terra ur-banizada nas cidades. Esta medida também se justifica devido ao montante de recursos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento para a produção de habitação de interesse social. Se não houver oferta de terra urbanizada, os con-juntos habitacionais serão implantados em áreas de periferia e com carência de infra-estrutura e serviços públicos. Para modificar essa lógica da ocupação das cidades, é um ponto da legislação não tratar de forma adequada a ampliação de oferta de terra urbanizada dotada de infra-estrutura e serviços públicos.

Sobre o papel do Município, tratado no período da manhã, eu quero ressaltar que o Projeto de Lei, pelo Artigo 79, dispõe claramente que cabe ao Município disciplinar por legislação municipal a regularização fundiária, que deve conter, além dos critérios e exigências, os procedimentos para fins da regularização fundiária. Essa atribuição ao Município é muito importante que esteja na lei federal de parcelamento do solo urbano, que deve prever as exigências para a emissão da licença urbanística e ambiental integral, mecanismos de controle social e as formas de compensação cabíveis.

Essa é uma questão importante, principalmente pensando nas compensa-ções muitas vezes ambientais ou nas contrapartidas que vão poder ser exigidas de forma onerosa quando se tratar de regularização de parcelamentos que não são de interesse social. Neste caso a regularização fundiária tem de ser onerosa no sentido de exigir contrapartidas dos atuais proprietários dos imóveis ou do empreendedor, e essa contrapartida deve ser onerosa. Essas compensações, contrapartidas, quem define pelo Projeto de Lei é o Município. Então essa é uma questão importante que o Projeto de Lei está deixando bem claro que cabe ao Município estabelecer essas exigências e essas compensações.

Entendo como adequado à lei federal de parcelamento do solo prever quais tipos de compensações urbanas poderão ser exigidas pelo Poder Público para a regularização de condomínios e loteamentos fechados de média e alta renda, tais como: a destinação de recursos financeiros para a regularização fundiária de assentamentos urbanos de interesse social; a destinação de áreas urbanas para projetos de habitação de interesse social com base no Plano Diretor do Município; a promoção de projetos de habitação de interesse social.

Uma outra questão comentada de manhã, sobre o Projeto de Lei atribuir que a iniciativa da regularização fundiária não é somente do Poder Público. Eu particularmente acho essa medida correta, ao possibilitar que os outros seg-mentos possam também ter iniciativa da regularização fundiária. Por exemplo:

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se a associação dos moradores de um assentamento que está irregular pode ter iniciativa para regularização, com certeza essa iniciativa significa provocar o próprio Poder Público para fazer a regularização fundiária. Eu entendo esta medida positiva, do direito de promover a regularização fundiária, não ficar li-mitada e restrita ao Poder Público. Se o Poder Público tiver a iniciativa exclusiva, ninguém mais poderá ter a iniciativa de exigir ou de viabilizar a regularização fundiária. Eu considero mais importante possibilitar que os moradores, através de suas associações e cooperativas, que tenham promovido algum empreen-dimento habitacional, ou o próprio empreendedor privado, responsável pela implantação do loteamentos, também possam ter iniciativa da regularização fundiária, o que não exclui as obrigações e responsabilidades do Poder Público dentro do processo da regularização.

Outra questão tratada no Projeto de Lei diz respeito ao papel do plano de regularização fundiária. De acordo com o Projeto de Lei, cabe ao Município estabelecer por lei quais são os componentes desse plano de regularização fundiária. Cabe à legislação municipal estabelecer quais são os requisitos, os padrões de uso e ocupação do solo dessa área, as áreas passíveis de consoli-dação, as medidas que devem ser tomadas para adequar a infra-estrutura. O Município pode disciplinar os componentes e os conteúdos do plano de regu-larização fundiária e esses conteúdos do plano devem ser estabelecidos por uma lei municipal. Uma questão também importante que a lei estabelece é de a regularização fundiária poder ser feita por etapas. Eu considero esta medida um avanço para fins de viabilizar o processo da regularização fundiária.

Uma questão também abordada pela manhã, referente ao pacto federativo na questão da regularização fundiária, diz respeito à necessidade de o Mu-nicípio promover a licença urbanística e ambiental integrada. Para algumas situações será necessária a licença ambiental do Estado, e essas situações são as mesmas referentes a qualquer novo parcelamento do solo urbano. Estas si-tuações se referem ao Município não ter ainda gestão plena, da área objeto do parcelamento do solo estar localizada em mais de um Município, de uma área que terá um impacto supramunicipal. Estas situações que exigem a licença am-biental do Estado também foram consideradas para a regularização fundiária, o que significa que nessas situações será necessária uma licença ambiental para a regularização fundiária, principalmente se o Município não tiver gestão plena. Eu entendo que o Projeto de Lei deveria adotar estas exigências para o Muni-cípio poder emitir a licença urbanística e ambiental para o parcelamento do solo urbano. No caso da regularização fundiária, o Município deve ter a com-petência plena para promover a regularização fundiária nos termos do Artigo 40 da atual Lei de Parcelamento do Solo, mediante um auto de regularização fundiária que pode se configurar como o plano de regularização fundiária.

Na questão temporal da regularização fundiária há uma previsão que consi-dero positiva. Pelo Projeto de Lei a regularização jurídica da situação do imóvel, da situação dominial, pode ser precedente, concomitante ou pode ser super-

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veniente à elaboração ou à implantação do plano de regularização fundiária. O fato de o plano da regularização fundiária estar sendo elaborado ou estar em uma fase de implantação não gera impedimento para que a regularização da situação dominial possa estar sendo já resolvida no processo da regularização fundiária.

Sobre o tratamento no Projeto de Lei sobre a regularização fundiária de in-teresse social, esta regularização se caracteriza como de interesse social quan-do há uma regularização feita pelo Poder Público que seja em áreas defini-das como Zonas Especiais de Interesse Social definidas no Plano Diretor e lei municipal. Pelo Projeto de Lei, todos os assentamentos informais que vão ser objeto de uma regularização fundiária, para ser considerados assentamentos de interesse social, necessitam estar demarcados, delimitadas como ZEIS pelo Município, pelo Plano Diretor ou por uma lei municipal.

A outra forma de tipificar uma regularização fundiária de interesse social diz respeito aos assentamentos que tenham constituídos direitos reais a po-pulação moradora. Por exemplo, uma área onde já tenha configurado o direito ao usucapião urbano ou ordinário ou a concessão de uso especial para fins de moradia; nesses casos não há uma exigência de que essas áreas têm de ser de-marcadas como ZEIS, a própria situação fática que gera o direito já caracteriza esses assentamentos como de interesse social. Com relação à regularização fundiária em Unidades de Conservação, o Projeto de Lei dispõe que deverá ser observada a legislação do Sistema Nacional de Conservação – SNUC.

Essa é uma discussão importante referente ao tratamento da questão am-biental na regularização fundiária. Na parte da regularização fundiária do in-teresse social, o Projeto de Lei estabelece algumas restrições e obstáculos à regularização. Por exemplo, o Artigo 86 estabelece que o plano de regulariza-ção fundiária é quem define os parâmetros urbanísticos e ambientais sobre as unidades, na definição da metragem dos lotes, das vias de circulação, as áreas destinadas a uso público. Ocorre que este mesmo artigo determina a observân-cia de requisitos urbanístico e ambientais previstos na parte do parcelamento do solo urbano.

Uma delas diz respeito à metragem de 125 m2, que é a metragem mínima. Para o Município alterar essa metragem, somente será possível se o Município tiver gestão plena. O Município pode delimitar uma área necessária de regula-rização fundiária de interesse social como ZEIS, mas, se não tiver gestão plena, essa ZEIS não terá nenhuma eficácia. Outro grave obstáculo é da exigência de serem destinados 15% da área objeto da regularização fundiária com per-centual mínimo da área como de uso público. A exigência deste percentual de 15% inviabilizará a regularização fundiária de todas as favelas na cidade de São Paulo, por exemplo. O Projeto de Lei deve estabelecer esta definição como ma-téria do plano de regularização fundiária. A redução desse percentual dos 15% tem de ser estabelecida no plano de regularização fundiária, tanto a redução das faixas de APP como o percentual de áreas públicas.

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O Projeto de Lei estabelece que não é possível a regularização fundiária de áreas de risco. É muito importante o Projeto de Lei caracterizar o que são áreas de risco.

Outro aspecto do Projeto de Lei sobre a regularização fundiária de interes-se social é da realização das obras para implantação da infra-estrutura e dos equipamentos comunitários poder ser realizada mesmo antes de concluída a resolução jurídica da situação dominial. Como muitas vezes a questão dominial vai demorar mais para ser regularizada, em razão da existência de processos ju-diciais, esta situação não vai impedir a regularização urbanística, a intervenção urbanística, dentro do processo da regularização.

Sobre a manutenção da infra-estrutura em áreas objeto de regularização fundiária de interesse social, o Projeto de Lei de forma adequada estabelece que no caso dos condomínios formados pelo usucapião urbano coletivo, ou pela concessão de uso especial para fins de moradia, a manutenção do sistema viário nesse caso fica sobre a responsabilidade do Poder Público e não dos moradores, porque, pela nova proposta da lei, quando se constitui qualquer condomínio urbanístico, quem vai ficar responsável pela manutenção do siste-ma viário é o próprio condomínio.

Uma medida prevista no Projeto de Lei para assegurar recursos para a regula-rização fundiária de interesse social, e desta política ser incorporada no plane-jamento da cidade, diz respeito à obrigação das propostas para implantação da infra-estrutura e dos equipamentos comunitários serem feitas em consonância com o plano anual, com o PPA, com a LDO, e também com disponibilidade no orçamento. Isso significa que no planejamento da cidade devem se previstos os recursos para implementação da regularização fundiária de interesse social.

Com relação ao tratamento da regularização fundiária de interesse especí-fico, o Projeto de Lei estabelece que cabe à autoridade licenciadora responsá-vel pelo processo de regularização exigir as contrapartidas. A mencionada no Projeto de Lei é a outorga onerosa de alteração de uso prevista no Estatuto da Cidade. Os Municípios com condomínios e loteamentos fechados, situados nas áreas rurais, poderão definir essas áreas como área específica de regularização específica sem alterar o perímetro urbano. O Município poderá exigir contra-partidas onerosas desses proprietários, dessas áreas ou do empreendedor, e as próprias compensações ambientais também podem ser estabelecidas pela autoridade licenciadora.

Uma questão peculiar, na regularização fundiária de interesse específico, diz respeito à possibilidade de redução tanto dos percentuais de áreas públicas, mesmo não sendo de interesse social, e também da área mínima dos 125 m2. Também se estabelece essa possibilidade da redução, mesmo sendo de interesse específico. Nesse caso, o processo de regularização terá custo para o Poder Público, que poderá exigir todo o montante despendido para regularizar o par-celamento do responsável por aquela irregularidade.

Ainda sobre a regularização fundiária de interesse específico, o Projeto de Lei, no Artigo 115, permite a transformação dos condomínios civis que foram

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implantados até a vigência da nova lei em condomínios urbanísticos. Abre-se uma possibilidade de os condomínios que foram implantados com base na legislação civil, por exemplo os conjuntos habitacionais, serem transformados em condomínios urbanísticos e os clubes de campo que foram implantados antes da lei serem transformados em loteamentos. Neste caso, o Projeto de Lei deve assegurar que as áreas de uso comum dos condomínios já afetados como de uso público não sejam incorporados por esses novos condomínios. É necessário que o Projeto de Lei, nestes casos, obrigue a compensação urbana e a remuneração do uso privado dos sistemas viários já existentes, quando se tratar de condomínios já implantados.

O Projeto de Lei permite a legalização dos loteamentos antigos, implanta-dos anteriormente à atual Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal n° 6.766/79), que foram implantados sem nenhum tipo de registro. Para serem regularizados é necessário que haja de fato uma infra-estrutura básica im-plantada e também será necessário que todos os lotes originais do loteamento tenham sido vendidos, porque esse é um dos grandes problemas, você tem uma grande quantidade de loteamentos que foram aprovados e não foram implan-tados. Muitos deles estão hoje em áreas estratégicas na cidades, em áreas que podem servir para o processo de valorização imobiliária. Existe uma discussão jurídica se estes loteamentos, para ser regularizados, devem atender às exigên-cias da atual Lei do Parcelamento do Solo Urbano ou às exigências anteriores a esta lei? Pelo Projeto de Lei, estes loteamentos serão regularizados com base no que foi aprovado na época, desde que realmente todos os lotes tenham sido vendidos, configurando um loteamento de fato consolidado.

E por fim uma previsão que também vale a pena ressaltar – a previsão no Projeto de Lei no Artigo 128. Quando a Prefeitura Municipal for credora de dívida de IPTU e outros tributos, mas principalmente de IPTU que incida sobre o lote ou unidade autônoma de um proprietário ou de uma gleba, a Prefeitura não poderá recusar como pagamento da dívida a dação desse lote para fins de liquidar o débito. É uma forma de o Poder Público adquirir lotes para efeito de uma regularização fundiária.

Enfim, estas são as questões principais abordados no Projeto de Lei, eu par-ticularmente considero necessárias as modificações acima mencionadas para um aprimoramento do tratamento da regularização fundiária, de modo que ela seja viabilizada em nossas cidades. Sobre a questão feita pela Raquel Rolnik de manhã, eu entendo que devemos incluir estas modificações para podermos defender a aprovação desse Projeto de Lei. É fundamental que a lei federal de parcelamento do solo urbano venha a disciplinar toda essa parte da regulari-zação fundiária, para evitar qualquer dificuldade, obstáculos no processo da regularização tanto no aspecto administrativo como no aspecto judicial e no aspecto registrário.

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O tratamento da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Aspectos urbanísticos

Rosana Denaldi

Agradeço o Pólis pelo convite para estar aqui debatendo. Eu combinei com os demais colegas que eu apresentarei uma visão mais panorâmica da aplicação da lei para promover a regularização de assentamentos precários. Os outros dois colegas advogados, Raphael e Rosane, vão tratar com mais profundidade do tema, e o Nelson já discutiu vários aspectos importantes dessa lei. Minha apresentação será estruturada da seguinte forma: primeiramente vou, muito rapidamente, lembrar quais são, do meu ponto de vista, as principais dificulda-des para promover a regularização fundiária de assentamentos do tipo favela. Em seguida, vou citar alguns avanços desta lei, e, a pedido do Nelson, vou focar a questão da regularização em APPs. Vou concluir apontando algumas limita-ções e incertezas, sendo que a principal incerteza se relaciona menos com texto e conteúdo da lei e mais com a sua aplicação.

A primeira das dificuldades para promover a regularização se relaciona com as características físicas destas áreas. Não é novidade para ninguém aqui que a maioria das favelas ocupa áreas desprezadas pelo mercado imobiliário ou que apresentam graves problemas fundiários. Muitas favelas ocupam áre-as ambientalmente sensíveis, lindeiras a córregos e rios, em encostas de alta declividade, APPs, APMs ou ainda áreas impróprias à ocupação, como áreas de proteção de oleodutos, faixas de transmissão de energia, e as utilizadas como “lixão”. Poucas são as favelas que ocupam áreas adequadas à ocupa-ção, que não apresentam problemas ambientais ou fundiários. Portanto, para regularizar teremos de tratar destes complexos problemas ambientais. Outra grande dificuldade é a questão da regularização do domínio das áreas, e esta dificuldade não se resolve no âmbito desta lei. O instrumento da demarcação urbanística previsto neste Projeto de Lei pode ajudar, mas a solução passa por equacionar complexos problemas de estrutura fundiária e registrária das terras. Esta questão da regularização do domínio das áreas é problema. Eu não sei se vocês sabem, mas, de acordo com o Ministério da Cidade, vários processos de financiamento no âmbito do PAC não foram assinados justamente porque os Municípios não conseguiram equacionar a situação de domínio de áreas ocupadas por favela e não conseguiram apresentar para a Caixa Econômica Federal a documentação exigida. O problema se relaciona tanto com o domínio de áreas públicas como de áreas privadas. A regularização do domínio destas áreas muitas vezes não se resolve apenas pelo Municípios e cartórios, depende de tramitações no Judiciário.

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Outra dificuldade se relaciona com o marco legal existente, que é insuficien-te. Apesar de o Estatuto da Cidade definir a regularização como uma questão de direito, ou seja, ela é uma questão de garantia de direito, ela não aprofunda a sua aplicação. O Estatuto da Cidade traz os instrumentos mas não discute como se aplicam. É no marco legal municipal que se define como regularizar. Cabe lembrar que cidades como Recife, Belo Horizonte e Diadema já promo-viam a regularização de favelas, e para tanto instituíram as ZEIS (Zonas Espe-ciais de Interesse Social) muito antes da edição do Estatuto da Cidade. Na ver-dade, o que viabiliza hoje a regularização são possibilidades legislativas que são editadas pelos Municípios, como as leis de ZEIS e as AEIS, que são insuficientes. Não cabe, por exemplo, à esfera municipal tratar de certas questões ambientais como APPs e APMs, assim como definir competência dos entes federativos. Na minha opinião, falta autonomia municipal para promover a regularização. No caso do Estado de São Paulo, e até recentemente, o Município urbanizava a favela, aprovava seu plano de regularização e enviava para registro, e o cartório exigia a anuência do Governo do Estado de São Paulo, o que significava enviar o projeto para o GRAPROHAB; na maioria das vezes este órgão não se mani-festava e a favela ficava sem regularização. Recentemente, o Governo Estadual editou um Decreto que reconhece a competência municipal para regularizar e aprovar o plano de regularização.

Outras questões se relacionam com as dificuldades de registro, tema que será tratada pela Rosane, e com a falta de articulação da legislação urbanística e ambiental. Vou retomar esta questão depois.

Vamos falar um pouco sobre os avanços trazidos pelo Projeto de Lei nº 3.057. O primeiro avanço se relaciona com o estabelecimento de um marco legal. O Projeto de Lei diz como alguns instrumentos se aplicam, trata do processo e das condições para promover a regularização. O Nelson lembrou, por exemplo, que o Projeto de Lei define quais obras de urbanização devem ser executadas para promover a regularização, sendo que, no mínimo, devem ser executadas obras de infra-estrutura e saneamento básico. Define possibilidades de proce-dimento para regularização. Admite, por exemplo, que a execução das obras de urbanização pode ocorrer durante o processo de regularização do domínio da área. Muitos governos municipais entendem que não devem executar obras de urbanização e de saneamento básico em áreas particulares. O Projeto de Lei deixa clara a possibilidade e apresenta mecanismos como ressarcimento de despesas. Reforça a necessidade de estabelecer parâmetros especiais de parce-lamento e uso solo.

Muitos destes procedimentos estavam previstos em leis municipais, mas agora ganham respaldo de uma lei federal.

Outro avanço se relaciona com a definição das competências dos entes fe-derativos e, em especial, com a maior autonômica conferida ao Município. O Projeto de Lei deixa claro que quem faz o licenciamento urbanístico e ambien-tal é o Município e que é este que deve estabelecer procedimentos, tipos de

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compensação, parâmetros urbanísticos. Acho que avança também em relação à questão da demarcação urbanística, facilitando a regularização da situação de domínio. Não resolve todas as situações de regularização de domínio, mas contribui. Avança. O Projeto de Lei também aponta uma coisa que é muito importante, que é a necessidade de integrar o licenciamento ambiental e urba-nístico. Eu concordo que o texto de lei registre que é necessário integrar o li-cenciamento ambiental e urbanístico, mas esta é uma questão muito complexa e de difícil execução. Este é um objetivo que estamos perseguindo, mas ainda predomina a visão setorial.

Eu acho que é positivo afirmar que não apenas governos podem promover a regularização, ou seja, acho que é positivo afirmar que a regularização pode ser de iniciativa, por exemplo, dos movimentos. Na prática, vai depender muito da ação governamental, e sem o envolvimento dos governos dificilmente aconte-cerá a regularização, mas, como estratégia para dar legitimidade aos movimen-tos e fortalecer suas reivindicações, é muito válido. Eu acho que é bom que se deixe claro na lei, que não só o setor público pode tomar a iniciativa.

Vamos discutir algumas limitações e incertezas. Eu não vou falar de todos os aspectos. Alguns aspectos que eu anotei aqui para falar já foram tratados pelo Nelson. A primeira questão se relaciona com a autonomia municipal. Por um lado fica mais claro a competência municipal para regularizar, por outro lado não está claro como o município promoverá o licenciamento urbanístico e ambiental. Eu vou voltar a essa questão depois. Outra questão é a viabilidade desse licenciamento urbanístico e ambiental e a questão da aplicação da Reso-lução CONAMA nº 369 e de como a lei trata dessa questão da regularização em áreas de APP. Eu acho que o texto não está bom, mas poderia ficar como está. Eu acho que nós não temos condições, por mais que isso fosse necessário, de rever a questão da aplicação da Resolução CONAMA. Para melhorar precisaria construir um novo pacto com os ambientalistas e acho pouco provável que isto ocorra. Estamos falando de ambientalistas que estão no Judiciário, Executivo, Legislativo e organizações não governamentais. O melhor seria não citar a Re-solução CONAMA, porque não está sendo aplicada e não se sabe se conseguire-mos aplicar para regularizar as favelas. Acho que tem uma questão para o final que é essa questão da falsa dicotomia meio ambiente versus urbanização.

Então vou começar falando um pouquinho dessa questão do licenciamento urbanístico e ambiental. Vamos tentar entender como se dará o licenciamento urbanístico e ambiental integrado e como será tratada a questão das APPs. Pri-meiramente vamos falar de quando não tem APP. O que é o licenciamento ur-banístico e ambiental? O Fernando Bruno discute que essa lei já autoriza o Mu-nicípio a fazer o licenciamento ambiental e eu acho que não é isso que vai ser entendido. Por exemplo, em Santo André, onde o licenciamento ambiental foi municipalizado, o órgão responsável pelo meio ambiente afirmava, no período de elaboração do Plano Diretor, que não seria possível integrar o licenciamento urbanístico e ambiental porque o marco regulatório não permitiria. Lá em San-

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to André, que é tudo governo municipal – não é governo estadual e municipal –, nós não conseguimos juntar estas coisas. Bom, o que vale? Vale o que está neste Projeto de Lei ou o que consta nas demais leis e resoluções? Precisamos entender e estudar melhor esta questão. O que é esta licença? Quem licencia? Será integrado o licenciamento? O que é esta integração? Teremos a integração dos licenciamentos? Será necessário rever a legislação ambiental para viabili-zar esta integração? Defendo que se mantenha a integração no Projeto de Lei porque precisamos caminhar nesta direção, mas é preciso entender a real pos-sibilidade de aplicação deste conceito com o marco regulatório existente e o posicionamento dos ambientalistas. Estou apontando aqui algumas incertezas com relação à prática dessa legislação, até porque a tendência é haver uma pressão mais forte dos ambientalistas para tornar essa lei ainda mais restritiva. É bom a gente saber que, do jeito que está, já vai ser difícil aplicar.

Ainda tratando deste tema é preciso lembrar que poucos são os Municípios preparados institucionalmente ou com vontade política para promover o li-cenciamento ambiental. Posso estar desatualizada, mas acho que até o final do ano passado só Santo André tinha o licenciamento ambiental municipaliza-do. Então acho que essa lei não autoriza automaticamente a municipalização do licenciamento ambiental e, se ela não autoriza automaticamente, signifi-ca que, para acontecer a integração que está escrita na lei, o Município terá de municipalizar o licenciamento ambiental. Isso não será uma coisa simples. Grande parte destes Municípios não está preparada. Acho que o licenciamento ambiental não está municipalizado na cidade de São Paulo. O que vai aconte-cer nestes casos em que o licenciamento ambiental não está municipalizado? Vamos integrar uma coisa que acontece no âmbito do governo do Estado com outra que acontece no Município? O princípio está correto, mas na prática não sei se vai acontecer. Eu não sou uma especialista nessa área, mas acho que não será simples, de fácil aplicação. Não estamos conseguindo aplicar a Resolução CONAMA nº 369, que é mais clara.

No que diz respeito à APP, é preciso entender qual será o papel do Município. Quando o Município for responsável pelo licenciamento ambiental, provavel-mente será menos difícil regularizar um assentamento que ocupa APP. Quando o licenciamento ambiental não for municipalizado, terá de pedir a anuência do governo do Estado. Vai ser mais ou menos a mesma coisa da aplicação da Resolução CONAMA, ou seja, o que eu estou querendo dizer é que nós vamos necessariamente integrar coisas que estão acontecendo no âmbito estadual e no âmbito municipal, ou ter de acelerar esse processo de descentralização do licenciamento ambiental. Onde está o problema? Entendo que o problema está também na resistência do setor ambiental – qualquer que seja ele: ONGs, go-vernos, judiciários – de regularizar favelas, de entender a favela como passivo ambiental. Provavelmente seria mais fácil equacionar esta integração e regula-rização se não existisse essa resistência, que não pode ser subestimada porque torna mais difícil a aplicação desses instrumentos.

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Nós discutimos muito se deveríamos ou não colocar o conteúdo da Resolu-ção no Projeto de Lei. No final concluímos que é melhor não estar no corpo da lei porque sua aplicação precisa ser testada e porque não estamos conseguindo aplicar a Resolução. E, mesmo não colocando no corpo da lei, é a Resolução CONAMA que está valendo e deve ser observada para promover a regulariza-ção de assentamentos precários em APPs. Cabe ressaltar que, na minha opi-nião e na opinião de vários outros colegas, a Resolução não é aplicada porque existe muita resistência à sua aplicação. O Governo do Estado de São Paulo não estava aplicando, ou seja, não estava analisando e aprovando o “Plano de Regularização Fundiária Sustentável”. O setor de meio ambiente do Estado de São Paulo autoriza a execução de obras viárias e de saneamento em APPs, mas entende que não deveria aprovar o “Plano de Regularização Fundiária Sus-tentável”. Conclui-se que a maioria dos Municípios não tem ainda esta atri-buição, competência, e que o Governo do Estado não deseja tê-la. O Governo do Estado de São Paulo tem estimulado a municipalização do licenciamento e tem respondido da seguinte forma: “Quem tem de tratar de regularização é o Município. Os Municípios que se apressem e que firmem convênio com o Estado para promover o licenciamento ambiental e aplicar a Resolução CONA-MA”. A impressão que eu tenho é de que o Estado não quer pôr a mão nisso. Eu vinha para cá com o Maurício, de Peruíbe, que também estava me dizendo isso. Se não houver disposição para aplicar a Resolução CONAMA, significa que teremos autorização para iniciar as obras do PAC mas não teremos como regularizar estas obras. Vamos condenar à informalidade estes assentamentos. Mas, mesmo com o PAC, com esse volume de recursos enorme, com o governo do Estado interessado porque também tem recursos do PAC, e com Municípios de todos os partidos querendo promover a regularização, o Governo do Estado consegue resolver internamente esse conflito.

Não vamos conseguir sair do lugar se não discutirmos a favela como passivo ambiental e não construirmos um pacto em torno da aplicação da Resolução. Talvez seja o caso de buscar um entendimento na Justiça. Outras questões se-rão tratadas pelo Raphael e pela Rosane. Destaquei esta questão ambiental porque está diretamente relacionada à questão da autonomia municipal para promover a regularização de favelas. E isto eu acho que não dá para resolver apenas com redação, no corpo da lei.

Precisamos integrar a gestão urbana e ambiental e isto não é uma tarefa fácil porque predomina a visão setorial, e, apesar do grande avanço relacionado com a formulação de novos instrumentos urbanísticos ou ambientais, estes foram pensados setorialmente. São muitos os assentamentos localizados em áreas ambientalmente sensíveis. Esse mapa aqui é de Santo André. Deve estar desa-tualizado, mas mostra que a grande maioria das favelas apresenta alguma res-trição ambiental. Tudo que está em vermelho, tudo o que está em roxo tem al-gum problema de restrição ambiental, ou seja, a maioria dos núcleos. O mesmo acontece na Baixada Santista e em outros Municípios do ABC. São Bernardo tem

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muita coisa em área de manancial, que é um problema diferente. Diadema tem muita favela urbanizada em APP. O Wagner de Diadema está aqui e pode falar sobre isto. Para fazer avançar os processos de regularização, teremos de discu-tir como aplicar a Resolução CONAMA e vencer a resistência à sua aplicação.

Por exemplo, a Resolução deixa claro que excepcionalmente pode-se admitir uma faixa de preservação menor que 15 metros, porém isto é de difícil entendi-mento pelo setor ambiental. Em Santo André, onde o licenciamento é municipa-lizado e o prefeito que nomeia o secretário de Habitação é o mesmo que nomeia o secretário responsável pelo órgão ambiental, nós não conseguimos construir um entendimento interno. A equipe técnica insistia na desocupação da faixa de 15 metros. O ideal teria sido entender que a aplicação da lei depende de um diag-nóstico urbanístico, social e ambiental integrado, e que estas definições devem considerar as especificidades e características de cada APP e assentamentos.

Sobre compensação ambiental é preciso refletir do que se trata e quando deve ser exigida. Vejam esta favela no Rio de Janeiro. O que é compensação ambiental no caso desta urbanização? Olhando a imagem parece óbvio que não será plantar algumas árvores. Quem vai decidir sobre isto? Com que olhar? Neste caso de Diadema, esta favela foi totalmente urbanizada na década de 1980 e se localiza em um setor urbano densamente ocupado.

Esta aqui é a favela do Jardim Cristiane, em Santo André. Este é um caso de aplicação da Resolução CONAMA. Vejam este projeto que é co-financiado pelo BNDES e não se desenvolve apenas nos limites da favela. O projeto prevê a urbanização da favela, a execução de importante viário de ligação regional, a construção de coletor tronco de esgoto para impedir que o esgoto deste setor urbano continue sendo encaminhado para o córrego, recupera uma praça e recupera a faixa de 15 metros da APP.

Não conseguimos, até o final do ano passado, aprovar o Plano de Regulariza-ção Fundiária Sustentável no Governo Estadual. A Secretaria de Habitação en-frentou dificuldades para obter a licença prévia expedida por órgão ambiental municipal. Foram muitas as exigências do órgão municipal. Uma das exigências feita pelo órgão ambiental foi a prospecção de áreas com risco arqueológico. Neste caso, totalmente desnecessária. Isto porque, como eu disse, o licencia-mento ambiental é municipalizado e estamos falando de procedimentos em uma única esfera de governo.

O alerta que eu queria deixar é o seguinte: eu acho que do ponto de vista da regularização fundiária este Projeto de Lei traz avanços, trata da regularização, mas eu temo a aplicação dela, como temia a aplicação da Resolução CONAMA. A Resolução CONAMA não está sendo aplicada. Uma grande incerteza é como será viabilizado o licenciamento urbanístico e ambiental integrado e como será apli-cado no caso de regularizações de favela em APPs do tipo margem de córregos. Vou encerrar. Existem outros entraves para promover a regularização e muitas outras questões que precisam ser discutidas. Acho que devemos defender o li-cenciamento urbanístico e ambiental integrado, mas temo que não seja aplicado.

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Comentários1. Só um comentário que na questão entre quem regulariza e quem defende

a preservação e a recuperação ambiental, eu estava refletindo esses dias, que a diferença que existe entre os dois é mais ou menos a diferença que existe entre o DNA do homem e do chimpanzé, não vou dizer quem que é um e quem que é o outro, pode ser o ambientalista ou o urbanista, é 99,8% do DNA de quem defende a preservação ambiental e de quem defende a regularização é idênti-co, nós temos 0,2% de diferenças que acabam na verdade inviabilizando uma série de coisas e ao mesmo tempo impedindo que a gente avance naquilo que todos nós desejamos, qual seja, políticas sérias de revitalização das APPs, todos nós queremos isso, todos nós queremos as APPs que sobraram revitalizadas, revegetadas, renaturalizadas, mas a gente fica com no caso de 0,2% do DNA, a gente não consegue avançar nem de um lado nem do outro, esse é mais um comentário. Eu queria na verdade, em cima da fala do Nelson, lembrar um pou-quinho o Artigo 124, o Nelson falou do 115, eu queria lembrar um pouquinho o 124 também, Nelson, que fala do loteamento com controle de acesso, apesar de ele estar colocado completamente fora das modalidades de parcelamento do solo ou está lá no fim, meio que escondido, o loteamento com controle de acesso, na prática eu creio que ele vai, como já existe isso de maneira avas-saladora, principalmente em cidades grandes como São Paulo, vários bairros, é só andar no Butantã, você vê vários e vários loteamentos, aprovados como loteamentos, e que no dia seguinte se implanta ao controle de acesso, eu acho que esse dispositivo 124, Nelson, vai acabar funcionando também como uma espécie de anistia ou de regularização de interesse específico, apesar de estar previsto, está descrito como: “É possível implantar doravante loteamentos de controle de acesso”. Esse 124 vai acabar sendo usado também como uma forma de anistiar, de regularizar aquilo que, pelo menos na minha opinião, é irregular, e na opinião do Ministério Público de São Paulo, em vários casos, também é irregular, que é o loteamento com controle de acesso; não é exatamente uma regularização, mas acaba entrando nesse hall também, na minha opinião.

2. Rosana, você sabe que eu, analisando esse aspecto da regularização fun-diária no Projeto de Lei, eu já estava achando limitadíssimo por conta da li-mitação dos 15 metros, a gente que trabalha em favela há muitos anos, São Paulo tem 2 mil favelas, a grande maioria está em beira de córregos, se for respeitar os 15 metros a gente acaba com a favela e assim resolve um grande problema, mas eu tinha uma certa esperança na questão da municipalização do licenciamento, e essa foto, essa situação que você mostra do Cristiane, é completamente preocupante, quer dizer, qual é a saída na verdade? Pelo que está apontado nós não vamos resolver com esse Projeto de Lei a questão da regularização fundiária das favelas, absolutamente, eu não estou sentindo isso, eu não sei como resolver essa questão de fato, colocar a favela como passivo ambiental, eu acho que seria uma solução, mas acho que nós não conseguimos isso junto aos ambientalistas, aí eu pergunto: nós vamos com esse Projeto de

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Lei conseguir regularizar as favelas? E a maior parte das favelas está em áreas APP, a gente não pode, tem de ser realista, pelo menos nesta cidade aqui, sim, eu não sei como que é no restante das cidades, então eu de fato estou muito preocupada com isso.

3. Wagner Bossi: A minha pergunta é um pedido de esclarecimento, com re-lação àquele artigo, eu não sei o número dele, você comentou, loteamento não implantados e que eles estariam para regularizar, precisariam estar com todos os lotes vendidos, lembra disso que você falou? Eu não sei se eu entendi direito, nesse caso, se todos os lotes estiverem vendidos, o que vai servir de marco para a aprovação seria a lei anterior, ou seja, a lei da época em que ele se implantou, ou não é isso? Enfim, essa é uma discussão que eu tenho visto sempre assim, o que é que você usa para regularizar um loteamento? A lei que vigia na época que ele ocorreu, mesmo que irregularmente, ou que está na época que você vai regularizar; então, se ele estivesse com todos eles vendidos, aí você poderia usar a lei anterior, ou não? É isso que eu queria entender melhor, como funciona, e isso é o que está no Projeto de Lei que você está colocando, né? Quer dizer, se vingar o Projeto de Lei do jeito que está, ele vai dar uma diretriz, pelo menos para essa polêmica, mas eu não entendi como é que isso se resolve, por favor.

4. Nelson: Bom, essa questão mais específica do artigo 117, só para ficar mais claro, no que ele está disciplinando, diz respeito àqueles loteamentos que foram parcelados de forma regular, quer dizer, eles foram regularmente par-celados anteriormente à Lei nº 6.766, mas não têm registro, para efeito do registro do parcelamento, não existe o registro no próprio Cartório de Imóveis, por exemplo, então, para efeito de fazer o registro do parcelamento no próprio Município e depois no cartório, estão se colocando as exigências, que são a infra-estrutura básica prevista na lei, que seria o Projeto de Lei, quer dizer, a infra-estrutura básica que é aquela que eu mencionei, na minha exposição, en-tão precisa ter aquela infra-estrutura básica, e a segunda é que todos os lotes originais do parcelamento tenham sido vendidos, isso para efeito do registro desse parcelamento, que regularmente seja considerado anterior à legislação do parcelamento do solo com uma área que foi implantada de forma regular, mas, se é para essas situações que a lei disciplinou essa possibilidade do regis-tro, e essa regularização pode ser feita ou totalmente ou parcialmente, você pode usar quadras específicas que têm então os lotes todos vendidos, então pode ser por aquela coisa de etapas; se todos os lotes estiverem vendidos na-quela área, aí você faz a possibilidade do registro daquela área. Mas é para os parcelamentos anteriores à 6.766, que tenham sido considerados aprovados pelo Poder Público. É, são vários loteamentos, que têm várias cidades.

Sobre essa questão dos loteamentos com controle de acesso, que seria de certa maneira introduzir aqui, não é o condomínio urbanístico, é o loteamento fechado que se coloca como uma possibilidade, se colocou de fato essa previ-

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são e eu concordo que, na verdade, essa figura de certa maneira é para regu-larizar situações já existentes quanto à possibilidade de você legalizar os lotea-mentos fechados que não tem a característica de um condomínio urbanístico, principalmente aí com relação às exigências que estão sendo estabelecidas no próprio Projeto de Lei e que se corre o risco realmente de você estabelecer uma privatização dos territórios nas cidades.

Antes estava, eu acho que a redação está mais sutil, porque antes ela era mais descarada, que, se permitiam os moradores daquele, até de áreas que não tivessem já a característica de loteamentos fechados, poderiam decidir por uma assembléia de fechar o bairro e aí se apropriar das áreas públicas, dos equipamentos, das áreas verdes implantadas em uma determinada região, isso a agente conseguiu retirar, mas ainda o que ficou foi para viabilizar a implan-tação de novos parcelamentos com essa característica e uma regularização desses loteamentos fechados, eu concordo que esse é um ponto preocupante.

E aí não existem limites e aí eu acho que essa questão da caracterização des-ses loteamentos e dos condomínios urbanísticos é uma das preocupações, e na legislação federal pelo menos não se estabeleceu qual é o limite de tamanho do que configura agora; eu particularmente entendo que o Município tem com-petência para disciplinar quais seriam as características para se definir o que é um condomínio urbanístico, até na verdade o Projeto de Lei coloca que só será possível implantar os condomínios urbanísticos se tiver gestão municipal plena, que isso pressupõe ter Plano Diretor, enfim, eu acho que de certa maneira essa legislação está fazendo um pouco como foi o Estatuto da Cidade, ela está colo-cando arena de implementação e de efetivação dentro de um processo político nos Municípios que vai possibilitar um avanço tanto para regular e disciplinar as possibilidades de uma forma mais adequada do uso e apropriação de seu território como também de viabilizar um tratamento mais adequado para os assentamentos já consolidados.

Só que eu considero que um componente importante que nós vamos ter como um desafio, que nos processos dos Planos Diretores a gente não avançou, é para a efetivação tanto do processo da regularização fundiária como uma perspectiva de você realmente viabilizar novos desenhos da cidade, projetos da cidade mais adequados, de formas sustentáveis, nós vamos ter de apostar em outras formas de gestão que eu particularmente aposto. Acredito que, por exemplo, seria muito importante pensar nessa modalidade do consórcio públi-co em uma perspectiva de estabelecer uma gestão mais integrada e articulada dos Municípios, e nesse consórcio você tem uma perspectiva, a meu ver, da regularização fundiária e do parcelamento de solo, trazer o Estado para o con-sórcio, porque há essa possibilidade, não é um consórcio intermunicipal, você traz o Estado, e você traz a União também, porque uma boa parte das cidades brasileiras, uma boa parte aí dos territórios é pública e da União, pega cidades litorâneas, e você pega cidades do Norte, cidades amazônicas, muitas terras são públicas, onde vai ter os processos aí de produção e crescimento das cidades.

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Então eu entendo que essa seria a forma de tentar enfrentar esses desafios, que não seriam somente para o parcelamento de solo, mas também para o próprio planejamento e gestão desses territórios dessas cidades.

Apostar nesse modelo que hoje nós temos do Pacto Federativo; tem real-mente uma articulação e vamos dizer uma construção, vamos dizer assim, de um arranjo institucional claro e com uma definição de que os três entes fede-rativos estão atuando conjuntamente para um determinado fim, porque hoje é só conflito, não é esse o pacto que está estabelecido, com raras exceções; às vezes, quando se têm arranjos políticos, aí você consegue que o Governo fale com o Município, mas não é essa a tradição, eu vejo que a gente pode avançar na gestão das cidades, eu pelo menos vejo que essa possibilidade da eficácia de toda a política que está sendo construída a partir de um marco legal da Cons-tituição e do Estatuto da Cidade, pelo menos eu tenho essa leitura.

Considerações finaisEntão, qual é a saída? Eu acho que temos de separar a lei e a aplicação da

lei. Eu acho que nós precisamos da lei. O Estatuto da Cidade apresenta instru-mentos, mas não trata da sua aplicação. É importante ter um marco legal, é importante ter a regularização sendo tratada em um Projeto de Lei que trata de parcelamento de solo. O problema não está na lei, o problema estará na aplica-ção dela. Eu tenho a mesma incerteza, por exemplo, com relação à aplicação da Resolução CONAMA. A Resolução não saiu do jeito que a gente queria, seria di-fícil regularizar com a Resolução CONAMA, mas seria possível. Nós não estamos regularizando, não porque a Resolução CONAMA não permita, mas é porque existe uma resistência enorme do setor ambiental e porque falta capacitação institucional, capacitação dos técnicos e dirigentes dos nossos governos. Assim, acho que temos de batalhar para esse Projeto de Lei ficar legal e ser aprovado; agora, ter Projeto de Lei não é a única condição para conseguir regularizar. A saída não está só na lei, mas ela precisa ser formulada e aprovada.

Agora nós vamos ter de iniciar já a discussão da sua aplicação. Acho que precisamos de um concerto. Precisamos reunir os três entes federativos, di-ferentes setores, setor ambiental e urbano, buscar o envolvimento da esfera nacional e construir um entendimento com relação à aplicação da CONAMA e principalmente com relação à aplicação desse Projeto de Lei, inclusive antes de ele ser aplicado, começando já, para quando for aprovado a gente conseguir de fato aplicá-lo. Porque essas questões que eu levantei, eu não acredito que elas sejam solucionadas dentro do Projeto de Lei, não acredito. Acho que poderiam ter sido tratadas de outra forma. Por exemplo, eu acho que a largura da faixa de proteção da APP não deveria ser 15 ou 30 metros. Eu acho que em alguns casos é zero e em outros podem ser 50 ou 100 metros. Um diagnóstico inte-grado deveria indicar isto.

Só que se a lei ou a Resolução não definisse um número, provavelmente não seria aprovada. Vários colegas que estão aqui presentes acompanharam

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as discussões para a elaboração da Resolução e também do Projeto de Lei e sabem que a resistência é muito grande. É há discordância do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério Público, da Procuradoria dos Estados. É preciso remeter para a construção do pacto, não será possível resolver no corpo da lei ou que não estiver pactuado. Avançamos muito com a edição do Estatuto da Cidade e com o SISNAMA. O problema é que essas coisas não dialogaram, não dialogaram enquanto política, enquanto arcabouço jurídico institucional. Elas estão totalmente desgrudadas.

Tanto eu me coloco como parte disso, não como observadora de fora. No passado nós urbanizamos e regularizamos assentamentos que não deveriam ter sido consolidados; faltou enxergar a questão ambiental e trazer isso para nossa área de habitação. Acho também que o setor ambiental não enxerga essa questão da ilegalidade da cidade, da favela, do urbano. Precisamos juntar tudo isso. E esta visão setorial está presente nos setores Executivo, Legislativo e Judiciário e em todas as esferas de governo, assim como dentro e fora destes. Então eu acho que a gente vai ter de construir um entendimento com relação a isso na sociedade.

Acho que ajudaria ter pressão popular. Uma coisa que dificulta é que infeliz-mente as lideranças e as comunidades afetadas estão pouco envolvidas com a discussão. Às vezes o cadastro é entendido como documento de regularização. Esta questão é pouco compreendida pelos moradores de assentamentos precá-rios. É um assunto bastante complexo, abstrato, muito técnico para ser enten-dido, e eu acho que ajudaria a pressão popular do Movimento de Moradia, das pessoas que moram nessas áreas. Uma maior conscientização sobre o problema ajudaria a construir um pacto em torno da aplicação de Projeto de Lei.

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A regulação dos instrumentos de regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Projeto de Lei n° 3.057/00Raphael Bischof

Com a criação do Ministério das Cidades, em 2003, os Municípios passaram a ter um claro interlocutor em nível federal para a discussão de temas atinentes à regularização fundiária de assentamentos em seus territórios. No caso do Mu-nicípio de Santo André não foi diferente. Após anos de implementação de uma política municipal de regularização fundiária de seus assentamentos informais, avanços nos marcos legais adotados9 e a montagem de estrutura institucional, técnica e financeiramente habilitada, os resultados derivados da regularização fundiária mantinham-se modestos, significativamente aquém dos avanços ob-servados nas ações de urbanizações de favelas, por exemplo.

Por essa mesma razão, a equipe técnica do Município lançou-se a discutir conjuntamente com a equipe do Ministério das Cidades, outros Municípios na Região Metropolitana de São Paulo e, eventualmente, com outros interlocuto-res do processo de discussão do Projeto de Lei de revisão da norma de parce-lamento do solo urbano. Mais do que partícipe do processo, o Município, como tantos outros representados por seus representantes, buscava alternativas de provocação política de um debate inexorável na agenda da Reforma Urbana no país. Com efeito, as contribuições das experiências de regularização fun-diária de Municípios para o Projeto de Lei constituíram em certa medida um verdadeiro desabafo de repercussão política na discussão em curso. A discussão que se colocava evidenciava as limitações das competências municipais em frente às prementes necessidades de equacionamento do passivo urbanístico apresentado nas cidades brasileira. E, sobretudo, revelava a situação de mi-lhares de Municípios no país, ou seja, ainda que correspondentes a cidades de médio porte, com algum grau de avanço institucional, mas do ponto de vista burocrático ainda bastante diferentes das estruturas existentes nas grandes metrópoles nacionais.

Em síntese, após anos de intenso trabalho, buscando concluir processos de regularização fundiária de áreas públicas e particulares, o Poder Público muni-cipal deparou-se com um momento político duplamente propício em virtude da existência de um novo interlocutor de nível federal especializado na matéria para implementar o então recém-aprovado Estatuto da Cidade – o Ministério das Cidades e, em especial, a Diretoria de Assuntos Fundiários – e da revisão de um marco legal federal de parcelamento do solo urbano no Congresso Nacional.

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Até recentemente, a regularização fundiária prevista na lei federal reduzia-se fundamentalmente a desdobramentos criados a partir do Artigo 40 da Lei nº 6.766/79, e, em seguida, das alterações introduzidas naquele diploma federal pela Lei nº 9.785/99.

No caso específico da regularização fundiária, o Estatuto da Cidade, promul-gado em 2001, trouxe o usucapião coletivo como novidade. Os demais insti-tutos, mais do que inovadores em termos instrumentais para a regularização, representaram uma orientação política dada ao regime jurídico, bem como cui-dou de uniformizar as experiências adotadas nas mais diversas localidades do país. Mesmo o direito de superfície retomava a idéia trazida pelo Decreto-Lei nº 271/67, registrando-se, contudo, que o país não possuía, em 1967, a clareza daquilo que seria o “direito de laje”, algo tão comezinho à vida cotidiana das favelas três décadas depois.

Além da lei federal, no mesmo ano fora aprovada a Medida Provisória nº 2.220/01, a qual previa a concessão de uso especial para fins de moradia, repe-tindo as disposições vetadas do Estatuto pelo então Presidente Fernando Hen-rique Cardoso, acrescendo-se, no entanto, um condicionante temporal para o seu reconhecimento.

Não se pretende olvidar ao Estatuto a sua devida relevância na construção de uma ordem urbanística, mas, efetivamente, seu papel com relação à regulariza-ção foi o de reafirmá-la (uma vez que fora afirmada pela alteração legislativa de 1999) como uma política habitacional.

Algumas funções já almejadas pelo Estatuto no sentido de reestruturar o ordenamento espacial das cidades brasileiras, entretanto, só puderam ser veri-ficadas no texto da lei. E dessa forma a leitura e a discussão de um Projeto de Lei buscando a revisão do marco legal de parcelamento do solo urbano merece relevo. Com efeito, a propositura configura-se na grande oportunidade de revi-são do sistema de tutela jurídica de propriedade e posse no espaço urbano que, eventualmente, poderia mitigar os efeitos indesejados da estrutura fundiária posta nas cidades (e altamente definidora de qualquer política pública sobre o espaço).

O Projeto de Lei nº 3.057/00, sobretudo seu último substitutivo, não repre-senta propriamente tal reestruturação. Mas, de fato, sua discussão pública pe-rante o Congresso Nacional deve ser compreendida como uma oportunidade histórica. O contexto de elaboração e discussão das propostas permitiu (e ainda permite) a ampla participação popular nas audiências públicas. Mesmo assim, a representação de diferentes grupos de interesse se deu de maneira desigual. Movimentos de Moradia participaram em pequena escala (comparativamente à repercussão que a lei teria para a produção de novas habitações); setores empresariais estiveram sempre presentes e em maior número; e os movimen-tos ambientalistas participaram de maneira absolutamente difusa, não apre-sentando qualquer interlocutor representativo de uma posição (nem sequer o próprio Ministério do Meio Ambiente).

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Mesmo assim, sob a perspectiva de participação de um Município (o que, no caso de Santo André, se fez a partir da discussão do terceiro substitutivo), o quinto substitutivo apresentado ao Projeto de Lei representou concessões de todos os lados. Movimentos de Moradia, empresários, governos, ambientalis-tas, entidades de defesa dos consumidores, representantes dos cartórios, enfim, todos os segmentos representados nesses anos de discussão pública foram de fato ouvidos. E o texto da propositura, com todas as limitações que apresente para redundar cidades menos segregadas, é inegavelmente fruto dessas con-cessões de todos os lados. E persiste a necessidade de participação sob pena de não se pôr a termo o debate político entre os grupos de interesse ali repre-sentados, ou, ainda, de se abandonar a chance de propor alguma alteração estrutural no regime jurídico de tutela do espaço urbano.

Sucintamente, pode-se dividir a regularização fundiária em três planos. O primeiro seria o plano real, percebido diuturnamente por todos os moradores da cidade. É a cidade tal como ela se apresenta de fato. Outro plano seria o desenho urbano oficialmente reconhecido pelo Município. Grosseiramente, corresponderia ao cadastro imobiliário dos Municípios. Os assentamentos pre-cários e irregulares dificilmente compõem a definição oficial do território de cada Município. São áreas conhecidas, por vezes tratadas com intervenções urbanísticas, mas raramente reconhecidas oficialmente como lotes individua-lizados e logradouros. Há, ainda, um terceiro plano, que é aquele definido pelo desenho da cidade ditado pelo registro de imóveis. E esse, no sistema brasileiro, sobrepõe-se aos demais do ponto de vista da proteção jurídica. Mais do que a posse (que é um fato qualificado juridicamente e origem de alguns direitos), a propriedade é um direito que se opera com plenitude10 e segurança jurídica quando o imóvel está registrado.

Raríssimos são os casos na “cidade informal” em que esses três planos coin-cidem. Isso permitiria uma metáfora do problema fundiário brasileiro, tal qual ele se coloca na atualidade, como o momento em que se torna impossível de disfarçar a sujeira varrida sob o tapete. No lugar de “sujeira”, o que foi varrido e esquecido em porções obscuras do território foram o laconismo de sistema de registro imobiliário, a irrelevância da moradia para os pobres urbanos para o planejamento burocrático da cidade e a ocupação predatória do espaço ur-bano pelos empreendedores. Com efeito, durante décadas os parcelamentos do solo nas cidades brasileiras estiveram desprovidos de um planejamento urbano capaz de enxergar a cidade dotada de uma organicidade, representada por uma interatividade de espaços e fluxos, os assentamentos precários (sejam eles da forma que se manifestem: favelas, loteamentos irregulares, cortiços etc.) surgiram como resposta à ausência de um ordenamento espacial eficiente e realista. Como tais, tornam-se hoje uma realidade imposta nas cidades médias e grandes, não restando outra alternativa senão a sua regularização – con-forme a possibilidade de consolidação urbanística. Por essa razão, no título referente à regularização fundiária, institutos visando mitigar tal assincronia

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entre realidade, desenho oficial e situação registral, surgiram no Projeto de Lei nº 3.057/00 como importantíssimas novidades para o processo de regulariza-ção. São eles os instrumentos da demarcação urbanística e da legitimação da posse. Alheio a este título (mas igualmente configurando uma regularização fundiária), vislumbra-se também o instrumento da intervenção.

Tais instrumentos permitem o acompanhamento de intervenções urbanís-ticas da respectiva legalização da ocupação. E, o que parece fundamental, demarcação urbanística e a conseqüente legitimação de posse prestigiam a situação de fato. Ou seja, a partir do plano da realidade posta e irreversível, adaptam-se os demais planos (do desenho oficial e da documentação de domí-nio útil ou propriedade plena dos imóveis).

No caso de parcelamentos do solo propostos por empreendedores particu-lares e não executados conforme projeto aprovado, o Projeto de Lei prevê a figura do interventor, ao qual restaria a função de tomar a iniciativa necessária à regularização urbanística e fundiária do parcelamento. Também representa inovação normativa, cuja aplicação e diferenciação com relação à regulariza-ção de loteamentos promovida pelos Poderes Públicos ainda é desconhecida.

A figura do interventor é prevista, sinteticamente, para os casos em que o loteador não toma as providências para a conclusão da implantação da infra-estrutura necessária para que o parcelamento do solo possa ser habitado. Em tese, não se estaria falando de loteamento clandestino, em que o loteador não seria o proprietário da gleba e a quem caberia responsabilização pelo parcela-mento irregular somente. A princípio, a situação parece dirigida ao loteamento irregular, na qual o interventor substitui um loteador conhecido e legítimo para concluir aquilo que fora previsto.

Com relação à demarcação de posse, trata-se da delimitação do perímetro sobre o qual deverá se dar o trabalho de regularização. A competência para demarcar é do Poder Público, aproximando-se muito mais à função de manter o padrão urbanístico da cidade do que propriamente de defender direitos de consumidores (adquirentes de lotes).

Especificamente quanto ao instituto da demarcação, apesar de a legislação patrimonial da União prevê-la, sua aplicação ainda não é consolidada, tam-pouco pacífica perante os registros imobiliários. Os demais institutos são novos no ordenamento brasileiro, restando, no entanto, uma esperança quanto à sua capacidade de alteração significativa do tema pela propositura.

Ainda com relação à regularização fundiária dentro do Projeto de Lei, faz-se fundamental colacionarem-se os repúdios a ele direcionados. Entre eles, as moções do Conselho Nacional de Meio Ambiente e da Associação Nacional de Meio e Ambiente e Município, ambas contrárias ao Projeto, principalmente em virtude dos potenciais prejuízos que representariam ao meio ambiente.

A questão ambiental relacionada à regularização fundiária de assentamen-tos precários é prevista no Projeto de Lei nº 3.057/00 remetendo à Resolução CONAMA nº 369/06.

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Se do ponto de vista lógico-sistêmico do ordenamento jurídico tais regras permitirem diálogo entre a favela e o meio ambiente, sob o aspecto prático não foi registrada até a presente data qualquer aprovação de intervenção em fa-vela para sua regularização fundiária. Isso, mesmo após passados mais de dois anos de sua aprovação e considerados os recursos investidos massivamente nos assentamentos a partir de 2007, após o anúncio do Programa (federal) de Aceleração do Crescimento.

O Plano de Regularização Fundiária Sustentável a que se refere o Projeto de Lei tornou-se praxe nas leis municipais de regularização fundiária (ainda que a denominação seja diferente). A propositura apenas confirma uma tradição de trabalho das legislações referentes às ZEIS que, desde os anos 1980 e 1990, vêm sendo implementadas em Diadema, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre, Santo André, Santos, e mesmo em São Paulo.

Cabe no entanto afirmar que o plano, tal como apresentado no Projeto de Lei, não corresponde exatamente àquele plano de regularização fundiária sustentá-vel discriminado na Resolução CONAMA nº 369/1006, cujo escopo é mais amplo.

O tema da regularização, durante a discussão do Projeto de Lei, foi muito uti-lizado como fator de barganha política para negociação e concessão de posi-ções dos grupos envolvidas no debate político que ganhou corpo no Congresso. Mas, de fato, a regularização da forma como prevista no quinto substitutivo gera mais discórdias do ponto de vista formal (especialmente, redação e or-ganização do título) do que material. Do ponto de vista material, a ameniza-ção da rigidez imposta ao tratamento ambiental da regularização foi proposta abandonada, de maneira a manterem-se os avanços obtidos para o tema nos aspectos registrários e federativos.

Entre os avanços a merecerem destaque estão a diferenciação da regulari-zação fundiária de interesse social, a qual prescindiria de procedimentos e exi-gências impensáveis à realidade institucional das Prefeituras (principais imple-mentadoras das políticas de regularização) e dos próprios assentamentos. Resta ainda ressaltar a necessidade de lei municipal específica, prevista no Projeto.

De certa maneira, o Projeto de Lei buscou aproximar duas implicações ine-rentes aos processos de regularização fundiária. Se de um lado a regularização trabalha com a garantia do Direito à Moradia, de outro é crescente a preocu-pação que os processos de regularização demonstram com a efetiva integração urbanística do assentamento ao tecido urbano de seu entorno. Dessa maneira, é interessante observar os avanços experimentados nessas duas diferentes fa-cetas dos processos de regularização.

A necessidade de interesse especifico, que é a restante, aqui eu acho que chega na principal distinção, eu acho que seria importante a gente trabalhar na análise do Projeto de Lei, quer dizer, quando a gente fala de regularização fundiária, a gente está falando na verdade de duas coisas implicadas na regula-rização. Uma coisa é a segurança de posse junto do morador, que é o benefici-ário, é a família que vai ter título, vai ter ou a concessão, ou a propriedade pelo

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meio do usucapião. Outra coisa é você definir o que vai ser esse parcelamento, quer dizer, isso do ponto de vista do morador é importante também. Agora, é importante que ele não seja despejado de lá, então a primeira coisa, e talvez o objetivo fundamental da regularização fundiária seja a segurança da posse.

Esse segundo objetivo pode ser talvez um pouco menos importante para o morador, mas ele é extremamente importante para os órgãos públicos, quer dizer, a gente ter uma tutela, um território, é fundamental, e é isso que eu queria um pouco distinguir com vocês na análise dos instrumentos que estão aqui, essas coisas não têm andado casadas. Então às vezes a pessoa consegue ganhar uma ação de usucapião, ou não consegue porque não está urbanizada, não está regularizada, esse tipo de coisa, essa distinção eu acho importante a gente fazer.

Eu não sei se está claro propriamente o que é definição do desenho urbano, mas é aquela coisa da gente ter um, enfim, quando a favela não é regularizada, ela não entra para o mapa oficial da cidade, ela não entra no cadastro imobiliá-rio da cidade, não entra para o registro de imóveis, aquilo lá fica como uma gle-ba, pode ser no Guia de São Paulo, está lá como área verde, ou está como outra área, ou está como uma gleba em divisa, enfim, aquilo lá passa a ser uma gleba toda dividida com lotes, terrenos viários, praças, campo de futebol, seja que for.

Nos instrumentos de titulação, especificamente o Projeto de Lei não trouxe, limpando um pouco o que os substitutivos anteriores estavam prevendo, que eles estavam trazendo os tipos de concessão e tudo o mais, ele não discri-mina propriamente esses instrumentos de concessão, mas ele, enfim, são os instrumentos que a gente trabalha e que o Projeto de Lei de forma alguma vai atrapalhar, quer dizer, o CDRU – Concessão de Direito Real de Uso, que já era utilizado pelos Municípios muito antes da Medida Provisória de 2001, muito antes do Estatuto da Cidade, que já é uma previsão legal desde 1967.

A concessão de uso especial para fim de moradia, que também não está prevista especificamente como instrumento de regularização fundiária pelo Projeto de Lei, está prevista pela Medida Provisória.

De novo a gente entra em uma discussão de gestão, que é de aplicação disso e menos de previsão legal, quer dizer, optou-se na discussão do Projeto de Lei tirar isso do texto da lei especificamente de regularização fundiária para que isso fosse aplicado de fato, quer dizer, as dificuldades não estão em ficar rea-firmando isso na lei, porque daí existe problema.

As dificuldades estão muito mais na aplicação disso; vou citar três exemplos para vocês, aliás, dois, eu não vou citar nomes de Prefeituras, mas o Patrimônio da União tinha parecer da consultoria até pouco tempo atrás, até a lei de 2007, que reviu todo o Patrimônio da União, o parecer da consultoria, enfim, da Ad-vocacia Geral da União impedia a aplicação da CUEM em terras da União até a edição da lei em 2007, quer dizer, a gente teve uma posição que era puramente aplicação, puramente entendimento jurídico, e que impedia; isso é repetido em outros Municípios.

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Os argumentos podem ser vários, usa-se como argumento falta de regula-mentação, falta disso, falta daquilo, enfim, usa-se de algum artifício jurídico para não permitir aplicação, quer dizer, a falta de previsão desses instrumentos no Projeto de Lei é uma coisa que absolutamente conversada com o Ministério das Cidades e outros participantes, quer dizer, não chega a ser um problema a falta de reafirmar isso na lei, o problema está sendo aplicação mesmo, quer dizer, São Paulo tem isso, Santo André tem isso, a gente tem problemas de aplicação até, inclusive, por pareceres jurídicos, aplicação de entendimentos jurídicos sobre isso.

Autorização de Uso, um pouco do que já existe na norma brasileira, mas que é repetida na Medida Provisória, Direito de Superfície, que é trazido pelo Estatuto da Cidade, e pouca gente lembra na hora que isso é um instrumento válido e passível de se utilizado no caso de regularização de favela, e lembrando o usucapião.

Usucapião que, individualmente ou plúrima, ou a ação plúrima que já era aplicada, mas que principalmente se a gente considera um usucapião individu-al ele tem resultados muito pequenos com relação ao volume de regularidade que a gente trabalha, eu acho que a grande novidade que a gente tem é o usucapião coletivo.

No usucapião coletivo a gente tem mais novidades que eu acho que são im-portantes, eu já entro nelas na seqüência, e eu estou colocando outras formas de negociação, porque quem trabalha com regularização tem todos os tipos de negociação; às vezes você consegue encontrar o proprietário, consegue, enfim, os compradores fazem uma indicação compulsória, enfim, tem vários caminhos que não estão fechados nesse tipo de negociação.

Tem outras formas em que existem parcelamentos de áreas particulares que a gente consegue titular de outras formas que não estão aí.

Primeiro eu falei da titulação e aí eu queria falar do aspecto do desenho urbano dessa ocupação, quer dizer, a gente vai ter três, eu queria colocar uns elementos aí que vão definir o que vai ser esse desenho urbano a partir de uma ocupação já consolidada.

Primeiro é o plano de regularização que a gente já trabalha, que é o que está repetido no Projeto de Lei, enfim, definindo o que é, onde estão os lotes, onde é o viário, onde é a área pública que é a do campo de futebol, onde que é a área da igreja, enfim, o que define o parcelamento para aquela área.

Essa definição desse fracionamento da gleba eu acho que é importante prin-cipalmente para o Poder Público, porque ele vai identificar o que é cada pedaço.

Segundo, a gente tem uma outra questão, a sobreposição entre ocupação e registro; eu posso colocar também uma sobreposição de ocupação e cadastro imobiliário do Município, lembrando que nunca, raramente, nesse caso, nesse aspecto específico, a gente vai ter a figura da intervenção, que é naqueles casos em que eu estou colocando pouco menos de interesse social, pouco menos de baixa renda, e talvez nos casos mais adiantados, que é intervenção, e a demar-

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cação e legitimação da posse nos casos específicos de regularização fundiária, quer dizer, assentamentos informais.

Quer dizer, com isso a gente consegue trabalhar um pouco esse descasa-mento entre ocupação e registro, e um terceiro aspecto que a lei traz sobre o que o Projeto de Lei traz sobre este desenho de parcelamento, eu acho que é sobre a autoridade licenciadora e sobre o licenciamento, enfim, urbanístico e ambiental, quer dizer, quais são as implicações da aprovação; a gente tinha sempre a dúvida, a gente estava acostumado a trabalhar com regularização e titular isso no nível do Município meio com certa autonomia com relação aos órgãos ambientais, sejam eles estaduais ou mesmo municipais, quer dizer, a gente regulariza tentando solucionar o que dá para solucionar, não é uma coisa milagrosa, alguma remoção, mas não se faz, enfim, não vai se rever toda a cidade nesses planos de urbanização.

Essas implicações da aprovação eu acho que aí está também uma grande diferença do conceito de plano de regularização para resolução nesse Projeto de Lei, para a Resolução CONAMA.

A Resolução CONAMA amplia muito a abrangência desse plano, os indeferi-mentos que a Rosana citou dos casos de plano de regularização fundiária em Santo André foram exatamente pela falta de abrangência das áreas, a falta de abrangência caracterizada nesses casos foi o bairro, quer dizer, será que a gente não esta pegando carona nesses planos de regularização para tentar rever a forma que a gente está tratando a cidade ou a forma de urbanização da cidade?

São esses pequenos gargalos no licenciamento que a gente vê, e são esses pequenos gargalos que eu acho que estão muito no plano de regularização e no licenciamento.

Aqui eu não vou ler muito para vocês, isso aqui eu só estou citando uma deci-são da 2ª Vara de Registros Públicos, é uma ação de usucapião coletivo de 2005, o número do processo está aí e pode ser visto pela internet inclusive, eu não es-tou, enfim, a juíza, no caso, declarou extinta a ação sem julgamento do mérito; ela caracteriza alguns problemas com relação à legitimidade de quem entrou com a ação, enfim, a associação de moradores, eu não vou entrar muito nesse aspecto de fundamentação da sentença. O que eu acho interessante mostrar é essa sentença de 2006, eu acho, ela vincula às duas coisas, quer dizer, ela vincu-la o aspecto da titulação ao aspecto do parcelamento e urbanização das áreas.

Quer dizer, ela condiciona à titulação das famílias a urbanização e o parce-lamento das áreas, então o usucapião (...) outorgar ocupantes das áreas exis-tentes com o respectivo título de propriedade, mas principalmente o de pro-porcionar a reurbanização dessas áreas, quer dizer, ele está se prendendo nisso para negar o direito de titulação; isso por enquanto; como o usucapião coletivo é um assunto novo, eu acho que isso está chegando agora aos tribunais, eu queria mostrar essa decisão de 2006 para mostrar os slides seguintes, só com-pletando, essa mesma decisão de São Paulo a gente tem relatos da Fundação Bento Rubião de casos idênticos, também de usucapião negado no caso da

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Rocinha, então quer dizer, é negada a titulação por falta de parcelamento, por falta de identificação de lote naquela área e por falta de urbanização no local, quer dizer, eu não sei quais são os processos.

Eu estou citando o relato da Fundação Bento Rubião que a gente teve con-tato por conta da Oficina do Manual de Regularização.

Isso aqui é uma decisão de 2008, que até o próprio IBDU divulgou; ela na verdade não é de usucapião coletivo, eu achei interessante trazer uma decisão de 2008 e do Tribunal de Justiça, já de Segunda Instância, para desamarrar um pouco aquelas coisas que a gente já tinha fechado antes, quer dizer, a questão da titulação, a questão do parcelamento aqui não foi um problema, quer dizer, o desembargador no caso reconheceu a posse em ação do usucapião, mesmo com a irregularidade do parcelamento, mesmo com dúvidas sobre o título de propriedade, quer dizer, só para ilustrar para vocês com essa questão da vincu-lação entre uma e outra coisa ainda está muito recente, ela não tem posicio-namento muito claro e definido dos tribunais, isso aqui é a Segunda Instância, portanto isso aqui gera Jurisprudência e o outro não, mas eu acho que é um fator a ser considerado, e como as duas coisas caminham separadamente, a questão da titulação e a questão da regularização do parcelamento.

Eu estou falando porque é uma defesa de causa e a gente defende isso, eu acho que o escritório da PUC, os próprios alunos da PUC que conseguiram essa ação, no caso de assistência judiciária aos moradores da favela, eles consegui-ram uma antecipação de tutela, eu acho que eles estão de parabéns por isso, porque é inédito! Forma, vai formando e consolidando entendimento a favor do usucapião coletivo e vai tirando aquela vinculação de regularizar questão dominial condicionada à regularização do parcelamento ou urbanístico e tudo o mais, quer dizer, tem muita gente que defende a amarração; eu também acho que tem de ter, mas tem de ter no ponto, não no aspecto de decisões dos tribunais, elas têm de ter na prática, na gestão é outra coisa. Ela não tem de negar direitos, ela não tem de condicionar direitos.

A ação do Moinho só para (...), a sentença que antecipou a tutela nesse caso tinha o princípio da dignidade humana amarrando o Direito à Moradia e con-tou também com o Estatuto da Cidade e o Artigo 11, que diz: “Que ficam so-brestadas outras ações possessórias”, por exemplo, uma reintegração de posse ou outra coisa.

Eu estava colocando na questão do usucapião todo que a gente passou ago-ra ainda a questão da titulação, agora eu queria passar alguns aspectos que a Rosana já abordou, no que diz respeito ao parcelamento de solo.

Então, a gente tem que as questões ambientais são problemas, e são proble-mas colocados que a gente vai ter de enfrentar e tem uma questão de gestão muito grande envolvida.

Eu queria citar como exemplo, a Rosana citou o exemplo PAC aqui, hoje a gente tem dezenas, são centenas de casos apresentados no Estado inteiro de São Paulo por conta do PAC. São Paulo, eu acho que é a cidade que mais está

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recebendo recursos do PAC de uma forma geral e enfim, todas as cidades estão correndo atrás para urbanizar favelas, para fazer alguma obra em favela.

O que se fechou, a Resolução é de final de fevereiro de 2006, no final do ano passado a Secretaria de Estado de Meio Ambiente fechou uma resolução ten-tando desvincular a regularização fundiária de outros tipos de intervenção, por utilidade pública, por baixo impacto ou de interesse social, por outras ações de interesse social que não de regularização Fundiária, a Secretaria deixou muito claro isso na resolução dela, quer dizer, deixou muito claro que na regulariza-ção fundiária do Município ela não queria entrar muito, e que qualquer coisa o Município resolvia no programa Pró-Lar, ou no GRAPROHAB, que é a forma de assistência técnica que o Estado promete para os casos de regularização fun-diária. Mas é interessante, e nisso eu acho que a Secretaria de Meio Ambiente foi até bastante honesta na postura dela; ela não quer assumir este problema.

E ela não quer assumir o problema porque ela não tem parâmetro nem para analisar o que vai chegar para ela. Se alguém fosse fazer a leitura da resolução, veria que exigências, aquilo que eu estava citando antes, de avaliação social, cultural e tudo o mais, exigem corpo técnico em uma Secretaria de Meio Am-biente para analisar esse tipo de coisa, quer dizer, qual é a análise?

Análise geológica, hidrológica, enfim, outras coisas lógicas sempre haverá, mas em algumas coisas não haverá abrangência disso se é o Município inteiro, se é o bairro, se é o pedaço da quadra, isso ainda não está definido.

Na indefinição, o que a Secretaria fez: ela preferiu não resolver na hora, não editar; fechou um grande acórdão e tirou a regularização fundiária desse ponto; eu estou citando isso porque o Projeto de Lei remete muito à legislação ambiental; ele fala que vai remeter à legislação ambiental, e, do ponto de vista lógico, o argumento principalmente dos ambientalistas foi um pouco a fala da Paula Santoro, que o Projeto de Lei não atende, não é bom para os ambienta-listas, quer dizer, o Projeto de Lei do jeito que está remete à norma ambiental. A norma ambiental que a gente tem hoje é para tratar com favela, é a Resolução CONAMA. A Resolução CONAMA já de partida não reconhece ocupação em mangue, só reconhece ocupação em curso d’água, em topo de morro, decli-vidade acentuada, mas mangues e algumas estações não reconhece. Dunas também não, quer dizer, a gente tem Baixada Santista, a gente tem, enfim, cidades do Nordeste, a gente tem um monte de situações que já não entram na Resolução CONAMA.

Além disso, nos casos que entrariam até hoje em São Paulo a gente não teve nenhuma aprovação, isso foi entrevista com o pessoal do Meio Ambiente, a gente não teve nenhuma aprovação da Resolução CONAMA justificada pela regularização fundiária, todas as aprovações do PAC de urbanização de favela estão se dando por outras razões, é obra de saneamento, é viário, é, enfim, ca-nalização de esgoto, obra de saneamento em geral, atividade pública, e é assim que estão se resolvendo as coisas, quer dizer, do ponto de vista lógico a gente enxerga uma certa lógica em que o Projeto de Lei fica quieto, joga para a legis-

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lação ambiental, a legislação ambiental por sua vez aponta uma saída, mas eu queria que a gente atentasse para o ponto de vista prático. Do ponto de vista prático não há tutela da regularização fundiária; do ponto de vista ambiental, não há. A opção que se deu para não empacar as melhorias urbanísticas que vão acontecendo no Município inteiro tem se dado por saídas, subterfúgios.

Nisso eu queria só, enfim, só chamar a atenção, quando a gente vê a monção de repúdio do CONAMA ao Projeto de Lei, quer dizer, principalmente repudian-do por conta da licença única, não sei a gente se pergunta, a gente fez tantas concessões para chegar a uma situação que a gente já não consegue resolver, enfim, a gente precisa conversar, a gente precisa defender uma legislação nova, mas a gente precisa mudar a aplicação do que já está colocado.

Concordo com o que foi falado antes, não acho que é o caso de a gen-te trazer toda essa discussão porque foi ela quem bolou e ela quem frustrou muito da discussão de 2005. Fazendo um desabafo apaixonado aqui, foi muito frustrante chegar em 2005, a gente tinha fechado na comissão de Desenvol-vimento Urbano, e de repente tudo foi por água abaixo, porque parece que a gente estava atropelando os ambientalistas, enfim, a gente não está, até agora a gente não está conseguindo aprovar como a regularização fundiária, (...) eu nunca vou ter aquela casa regularizada, eu não vou poder enxergar aquela casa oficialmente, isso é uma coisa para a gente se perguntar. Enfim, a gente já tem lei, já tem norma disso, e não consegue aplicar.

O segundo aspecto, ainda sobre parcelamento, ainda sobre este desenho das levas parceladas, ainda sobre intervenção, demarcação e legitimação da posse, eu tirei intervenção daqui porque, enfim, a intervenção eu entendo que são os loteamentos de um pouco mais alta renda, ou que estão mais em via de ser ter-minados por interventor aí do que precisar de uma presença do Poder Público tão intensa como nos casos de regularização fundiária.

A demarcação da posse, eu gosto de usar este exemplo aqui, isso aqui é um caso de uma área irregular em Santo André, um loteamento irregular; ele se chama Novo Progresso, isso aqui que vocês vêem em amarelo são duas quadras que existem para o cartório oficialmente e as linhas claras, os lotes retangu-lares que estão clarinhos, é o parcelamento como ele foi parcelado de fato; é bacana, isso a gente vê porque a demarcação da posse e a legitimação de posse em tese são instrumentos muito bacanas e muito positivos para a gente con-seguir regularizar isso, quer dizer, a gente demarcaria toda a área do parcela-mento, lança para o cartório, o cartório vai emitir um auto de demarcação, um instrumento de demarcação, e a partir daí a gente está legitimado, a Prefeitura pode legitimar os moradores na posse de cada lote, e consumados cinco anos cada um vai ter usucapião disso aí.

A pergunta que se faz é: a legitimação da posse primeiro, ela é muito nova, é um instrumento novo, ela não estava prevista na Lei de Registros Públicos inicialmente, e situações como essa eu consigo resolver? Nesse caso, o que está em amarelo é particular, são quadras, o que está fora do amarelo para cartório

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é viário, é propriedade pública, então a gente tem, nesse caso, por exemplo, a demarcação e a legitimação da posse; conseguiriam resolver? É uma pergunta que a gente se coloca.

Em tese são instrumentos bastante interessantes e positivos, mas a gente de novo volta à participação, e quem vai decidir isso no final será o oficial de car-tório da sua cidade, porque a lei também não é muito clara sobre essa mistura; eu acho que mistura de público e privado é muito comum.

Nesses casos, o que a gente faria, fazia demarcação das áreas particulares, misturaria com as áreas públicas, sei lá, se fundiria, englobaria em uma matrí-cula só e a partir daí faria uma legitimação, mas isso tudo a gente começa a bolar e especular, quer dizer, cada caso será um caso, a gente não está aplican-do isso, não sabe, isso aí não existe, por isso não pode se aplicar. Mas em tese pode ser um bom caminho.

Eu só tinha colocado aqui o fato de ser novidade, é uma novidade colocada até pelo próprio pessoal do Registro de Imóveis, enfim, foram eles que vieram com a novidade sentindo as dificuldades que a gente estava tendo, é uma situ-ação que privilegia uma situação de fato, quer dizer, é uma coisa interessante porque deixa de privilegiar uma situação de cartório que, pelo sistema brasi-leiro, hoje tem status muito mais importante do que deveria ter, desprestigia completamente a posse, e eu acho que isso é até o próprio reconhecimento dos registradores de tentar resgatar um pouco a posse, porque eles mesmos devem estar sentindo que eles não estão mais conseguindo refletir o que é a ocupação real da cidade, mas ainda tem esse aspecto de a gente depender de oficiais de registro, quer dizer, uma cidade como São Paulo tem 18 Registros de Imóveis, a gente vai depender de 18 pessoas físicas para decidir se pode ou não regularizar áreas que vão ter centenas, milhares de famílias (...). Nisso eu acho que já faço a ponte para essa primeira questão; o Projeto de Lei, como eu falei no começo, é uma oportunidade história, a gente não rediscutiu o papel dos cartórios de registros, a gente não discutiu o papel do registro imobiliário no Brasil, não era intenção original de fato, mas, de fato também, a gente teve uma participação nacional, ainda que com limitada participação, de muito dos agentes que seriam importantes, Municípios, mesmo ONGs e tudo o mais, to-dos de uma certa forma participaram durante esses anos de negociação. Vale lembrar que o Projeto de Lei é de 2008, a gente está em 2008, e nos últimos anos, principalmente depois da formação do Ministério das Cidades, que eu acho que foi um grande catalisador para a discussão, todos os lados foram ouvidos de alguma forma e a gente não rediscutiu isso.

Não é esse o momento aqui nessa palestra para discutir, eu só acho que no Projeto de Lei a gente não discutiu o que é definição do desenho da cidade, quer dizer, a cartografia oficial não foi rediscutida, isso eu acho que é uma coisa que é uma questão de parcelamento de solo urbano, eu não acho que é só uma questão de registro público, então isso a gente de uma certa forma perdeu a chance de discutir. E isso também traz um outro fator de que a gente

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repete tanto e eu vejo tanto em falas de Estatuto da Cidade, que essa gestão participativa, participação comunitária e tudo o mais, quer dizer, quando a gente remete decisões tão importantes para tão poucos agentes, quer dizer, regularização fundiária desde Estatuto da Cidade que teve, enfim, combinando regularização fundiária, gestão participativa, várias diretrizes, várias políticas e tudo o mais, qual a evolução que a gente teve de lá para cá?

Na participação conjunta na regularização fundiária, os atores e quem deci-dem são sempre poucos e os mesmos, assim, quer dizer, isso eu acho que é uma indagação que eu queria colocar.

Eu acho que existe este descompasso, um pouco que eu tentei colocar, um descompasso entre o que é titulação e o parcelamento do solo. A regulariza-ção, ela não está atingindo os mesmos objetivos na mesma época, e eu acho que tem até avançado, é que depende. Em Santo André, eu poderia citar que o parcelamento de solo foi mais longe do que a titulação, mas eu acho que é um caso muito sui generis, eu acho que em outros casos tem se andado nos programas de regularização, isso tem sido mais comum, eu acho que o caso de São Paulo é assim, tem sido muito mais longe do que a titulação.

E isso até porque a participação das comunidades, a iniciativa privada nesse caso por associações, cooperativas, elas se dão muito melhor no caso da titula-ção do que no caso da definição desse desenho parcelado do solo.

A terceira questão que eu também estava querendo colocar, a questão de sustentabilidade, quer dizer, esse conceito de que se fala tanto, se repete tanto, a gente está criando cada vez mais normas, querendo legislar cada vez mais, e criar previsões legais, quer dizer, até que ponto a gente não está fabricando só inflações normativas?

A gente só cria mais, sendo que o problema, a gente só citou a Resolução CO-NAMA, mas tem uma infinidade de outras situações para o caso da regularização fundiária, que a gente já tem instrumentos e que não consegue fazer aplicar.

Já havia instrumentos na Lei nº 6.766, poucos, mas já havia instrumentos em legislação municipal, limitados até por conta de competência, mas, quer dizer, a gente talvez, nas questões que se poderia utilizar uma lei federal, seria o âmbito da discussão, e a gente não discutiu.

E eu estou achando que a gente está cada vez mais discutindo questões que já têm uma previsão legal, eu estou falando isso de novo, repetindo um pouco a Resolução CONAMA, a gente solta a resolução, daí já precisa regulamentar a resolução, que vai haver a regulamentação, a que ponto a gente não está cada vez mais se complicando? Cada vez mais se afastando de objetivos iniciais, que é melhorar um pouco as cidades, até que ponto a gente não esta pegando carona nas favelas para tentar rever a situação da cidade?

Última coisa, só encerrando, aqui também com relação à sustentabilidade; como o Projeto de Lei não discutiu, como o próprio Nelson falou, não discutiu a questão de produção de habitação popular, Nelson, Raquel, enfim, a gente não discutiu questões estruturais ainda da produção das cidades brasileiras,

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eu acho muito complicado a gente repetir e, como consta, inclusive porque a gente trabalha com datas, tanto para tratar de APP, como tratar de formas de compensações e tudo o mais, a gente trabalha com datas.

Sempre que a gente trabalha com datas, a gente estaria pressupondo que a gente está alterando estruturalmente a produção das cidades e a gente não está; então, em que ponto a gente não vai estar, daqui a 20 anos, discutindo uma nova revisão da lei de parcelamento? Primeira coisa, eu acho que já posso chutar, que a gente vai ter de rever a data da permissão de regularização fun-diária. Porque, se a gente não está alterando estruturalmente a produção de habitação popular, eu acho muito complicado a gente falar em datas, porque já faz parte da forma de produção das cidades.

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Aspectos registrários da regularização fundiária na Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Projeto de Lei n° 3.057/00Rosane Tierno

Normas registrarias aplicáveis à regularização fundiária

Atualmente, além de dispositivos da Lei de Registros Imobiliários, Lei Federal nº 6.015/73, são aplicáveis também, diretamente à regularização fundiária, no desenvolvimento de suas atividades, a Lei Nacional de Parcelamento do Solo, Lei Federal nº 6.766/79, e, sobretudo, Provimentos e demais Normas diversas expedidas pelas Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados da Federação.

Hoje, a legislação que mais diretamente afeta o registro da regularização fundiária são os Provimentos emanados pelas Corregedorias Gerais de Justiça. Se por um lado flexibiliza, por exemplo, o rol de documentos exigidos pelo Artigo 18 da Lei Federal nº 6.766/79, por outro acaba por tornar mais moroso o procedimento de regularização fundiária.

Em São Paulo, o Provimento n° 58/89 determina, por exemplo, que, mesmo aprovada pelos órgãos competentes, a regularização fundiária de assentamen-tos informais deve passar pela apreciação do Poder Judiciário. Assim, só é pos-sível registrar a gleba regularizada mediante mandado judicial.

Decerto que a apreciação pelo Poder Judiciário depende de perícias técni-cas, que demandam tempo e prolongam ainda mais os prazos para registro. E não é apenas em São Paulo; os Estados do Mato Grosso, do Acre e outros mais determinam, por meio de Provimentos de suas respectivas Corregedorias de Justiça, que o registro da regularização fundiária se processe por meio de mandado judicial.

Assim, se o quinto substitutivo se propõe à distribuição de competências àqueles que constitucionalmente são destinatários da incumbência de licen-ciar, é urgente que seja superada a questão de regramento paralelo, pelas Cor-regedorias de Justiça, das normas de registro da regularização fundiária.

De modo indireto, mas não menos importante, a regularização fundiária de assentamentos informais se vale também das disposições previstas no Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/01, e, em nível municipal, dos regramentos para as Zonas Especiais de Interesse Social e Lei de Uso, Ocupação e Parcela-mento do Solo. É essa base legislativa que deve ser analisada ao tratarmos do tema da regularização fundiária e seu registro, especialmente, junto ao Projeto de Lei nº 3.057/00.

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Estrutura das disposições registrárias no Projeto de Lei nº 3.057/00

As normas relativas a registro imobiliário podem ser encontradas em três partes do Projeto de Lei nº 3.057/00. Vejamos:

Do Artigo 43 ao Artigo 55 temos normas de registro de imóveis referentes exclusivamente a parcelamentos novos e regularização fundiária de interesse específico. Diretamente, no que tange ao registro dos parcelamentos regula-rizados por meio da regularização fundiária de interesse social, os artigos de referência são os de nº 96 a 99. Contudo, há ainda normas esparsas referen-tes à regularização fundiária de interesse social ao longo do Projeto de Lei nº 3.057/01, sobretudo nas Disposições Transitórias e Finais – Artigos 111 a 137.

Pressupostos objetivos das normas de registro da regularização fundiária de interesse social

Podemos elencar como pressupostos objetivos do registro da regularização fundiária de interesse social, previstos no Projeto de Lei nº 3.057/00:

a) A existência de matrícula do assentamento regularizado| Tal critério pode parecer elementar para constar do Projeto de Lei, contudo, na realidade, não é bem assim. Por força do princípio da especialidade registrária, é essencial que haja matrícula que individualize a área regularizada. Não é pouco raro que os limites do parcelamento sejam distintos da área matriculada. As diferen-ças podem ser para mais, para menos, carecer de aprimoramento de medidas perimétricas ou de área de superfície, ou, ainda, em desconformidade com o desenho da área matriculada.

Assim, os procedimentos atinentes à regularização fundiária devem, logo no início, superar as divergências eventualmente existentes entre a área apurada e aquela existente na matrícula, seja por meio de apuração de remanescentes ou de retificação de matrícula, cujos procedimentos estão previstos na Lei de Registros Públicos, Lei Federal nº 6.015/73.

b) Abertura de matrículas para cada uma das parcelas resultantes do pla-no| Na realidade, o que se pretende com esse dispositivo é a afirmação de que o plano de regularização fundiária deve prever a individualização dos lotes re-sultantes do parcelamento que já existe, tal qual ele se encontra implantado.

Há uma impropriedade neste artigo, pois nas definições previstas no Artigo 2º não se encontra o conceito de parcela. Mas não é apenas neste capítulo que aparece a palavra “parcela”. Neste sentido, o Projeto de Lei nº 3.057/00 precisa ainda equacionar tal questão, seja definindo o conceito de parcela, seja substi-tuindo por conceitos já definidos no Artigo 2º.

c) Na regularização fundiária sustentável que envolve apenas a regulari-zação jurídica da situação dominial exigem-se desenhos e memorial descri-

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tivo que identifiquem as “parcelas” a ser regularizadas e as áreas destinadas a uso público, se houver – parágrafo único do Artigo 98| Este dispositivo visa à simplificação dos procedimentos de registro do parcelamento regularizado. Isto porque pressupõe que já possua toda a infra-estrutura, não tenha interfa-ce com questões ambientais, e apresente alto grau de consolidação, tratando-se exclusivamente de registro dos instrumentos contratuais junto às matrículas abertas por conta do registro da regularização do parcelamento.

Pressupostos subjetivos das normas de registro da regularização fundiária de interesse social

Os pressupostos subjetivos das normas de registro da regularização fundi-ária encontram-se previstos nos Artigos 81 e 98. São legitimados a promo-ver a regularização fundiária: o Poder Público, os beneficiários (individual ou coletivamente); cooperativas habitacionais, associação de moradores e outras associações civis; o setor privado, cujas condições devem estar previstas em lei municipal; e o responsável pela implantação do assentamento informal11.

Embora o Projeto de Lei nº 3.057/00 determine que os legitimados acima possuem a faculdade de promover a regularização fundiária, distribui a in-cumbência de promover a prova de que de fato possuem tal legitimidade, da seguinte forma12:

Poder Público Não precisa provar

Beneficiários PROVAR

Cooperativas habitacionais, associação de moradores, outras associações PROVAR

Setor privado PROVAR

Responsável pela implantação do assentamento informal Não precisa provar

A crítica que se faz ao Artigo 81 é que a redação ofertada confere às pes-soas que legitima apenas mera faculdade, colocando na mesma posição de responsabilização para promover a regularização fundiária os beneficiários e o loteador, a associação e o Poder Público.

Na realidade, impõe-se que se distingam as pessoas que detêm a faculdade de promover a regularização fundiária, daquelas que têm a obrigação legal de fazê-lo. O loteador irregular que implantou o parcelamento em desacordo com a legislação pertinente deve, sim, ser compelido a regularizar o parcelamento, e não apenas facultado. O Poder Público que foi conivente com tal prática deve também ser obrigado a regularizar o parcelamento. Assim, temos que o Artigo 81 apresenta redação perigosamente confusa, carecendo de análise mais deta-lhada e retificação redacional.

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Documentos exigidos para o registro do parcelamento regularizado

Nos termos do Artigo 98, o rol de documentos exigidos para o registro da regularização fundiária é o seguinte: desenhos e documentos exigidos por lei municipal; licença urbanística e ambiental integrada; cláusulas padronizadas que regem os contratos de alienação dos lotes ou das unidades autônomas, se for o caso; instrumento de instituição e convenção de condomínio urbanístico, se for o caso; regimento interno da comissão de representantes; instrumento de garantia de execução das obras e serviços a cargo do empreendedor, exigido e aceito pela autoridade licenciadora, no caso de regularização fundiária pro-movida pelo setor privado; no caso das pessoas físicas ou jurídicas relacionadas nos incisos I a III do Artigo 81, certidão atualizada dos atos constitutivos que demonstrem sua legitimidade para promover a regularização fundiária.

Além desses, devem ainda ser apresentados os documentos previstos nos in-cisos I a IV do Artigo 3113, que são: certidão atualizada da matrícula do imóvel; contratos ou outros atos que comprovem a condição de empreendedor, nos termos do inciso XXIX do Artigo 2º; anuência expressa da Secretaria do Patri-mônio da União ou do órgão estadual competente, quando o empreendimento for realizado integral ou parcialmente em área, respectivamente, da União ou do Estado; autorização do cônjuge do proprietário e do empreendedor, salvo no caso de terem contraído matrimônio pelo regime de separação de bens e participação final nos aqüestos.

São dispensados de apresentação os seguintes documentos: a) CERTIDÕES NEGATIVAS: de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel pelo período de cinco anos; de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 anos; e b) CERTIDÕES: dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do empreendedor, pelo período de 10 anos; de ações pessoais relativas ao empreendedor, pelo período de 10 anos.

Por fim, é determinado que as matrículas das áreas destinadas a uso públi-co devem ser abertas de ofício, com averbação das respectivas destinações e, se houver, restrições administrativas, convencionais e legais14; o que já ocorre hoje, quando se registra qualquer parcelamento novo, seja mediante aprova-ção, seja por meio de regularização fundiária.

Disposições esparsas no Projeto de Lei nº 3.057/00 que tratam de temas atinentes à regularização fundiária

Regularização registrária de parcelamento – Artigo 117Prevê o Artigo 117 que as glebas parceladas para fins urbanos, anteriormente

a 19 de dezembro de 1979, data da publicação da Lei Federal nº 6.766, e que não possuem registro, podem ser regularizadas por meio de procedimento mais simplificado, bastando que reúnam as seguintes condições: a) a área deve pos-suir infra-estrutura básica; b) não pode haver lotes a ser comercializados; c) o

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Poder Público deve certificar estas condições e aprovar os desenhos. Tal apro-vação nada mais é do que o ato de licenciamento de regularização fundiária.

O Projeto de Lei prevê ainda que a regularização pode ser dar na área como um todo ou por quadras. Este dispositivo é de todo conveniente e chega, mes-mo que tardiamente, proposto a solucionar inúmeras situações fundiárias que contam com décadas de irregularidade, provocadas pela própria legislação de parcelamento do solo anterior à Lei nº 6.766/79.

O Decreto-Lei nº 58/37, que dispunha sobre loteamento e venda de terrenos para pagamento em prestações, era o diploma legal que regulava nacionalmen-te a atividade de parcelamento do solo até a entrada em vigor da Lei nº 6.766, em 1979. Contudo, era aplicável apenas aos parcelamentos do solo cujos lotes eram vendidos em prestações. Assim, grande parte de loteamentos deixaram de ser registrados naquela época, seja pelo fato de os lotes terem sido vendidos à vista, seja por desídia dos parceladores. O fato é que não é pouco raro encon-trarmos, nas cidades brasileiras, loteamentos muito antigos formando bairros completamente consolidados, com toda a infra-estrutura, cujos proprietários de lotes não lograram registro de seus lotes.

Assim, decerto, tal dispositivo regularizará um grande passivo de parcela-mentos do solo, que há décadas clamam por seus registros.

Alteração do instituto de usucapião| Código de Processo Civil – Artigos 941 a 945

No que diz respeito ao usucapião, o Projeto de Lei nº 3.057/00 inova ao acrescer dispositivos acerca do instituto, junto ao Código de Processo Civil. Vejamos o que propõe:

REDAÇÃO ATUAL – Artigo 942 REDAÇÃO PROPOSTA – Artigo 131, IV

O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do Artigo 232. (Redação dada pela Lei nº 8.951, de 13/12/94)

§ 1º Quando o imóvel estiver matriculado, será facultado ao autor pleitear o usucapião na forma em que se encontra nela descrito e, nesse caso:I – na petição inicial bastará a indicação da localização do imóvel, o número da matrícula e a circunscrição imobiliária, juntando-se certidão do registro de imóveis expedida a me-nos de 30 dias;II – serão citados somente aqueles que figurarem como pro-prietários ou titulares de direitos registrados na matrícula;III – não serão apreciadas questões envolvendo demarcação de divisas, podendo o confrontante prejudicado, a qualquer tempo, se valer do procedimento próprio;IV – a decisão não fará coisa julgada em face da União, Estado, Município, ou seus órgãos da administração descentralizada;V – transitada em julgado a ação, o imóvel será registrado em nome do autor, assumindo este a responsabilidade por todos os tributos, despesas condominiais e outras obrigações propter rem incidentes sobre o bem.§ 2º As ações de usucapião de unidades autônomas em con-domínios edilícios ou urbanísticos submeter-se-ão às regras do § 1º deste artigo.

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Tais acréscimos têm por escopo prever rito processual mais célere nos casos em que a área usucapienda já possua matrícula junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente. Isso porque pressupõe-se que a área já preencha de-terminados requisitos registrários.

Mesmo assim, os acréscimos propostos ainda são tímidos, considerando a po-tencialidade do instrumento. Poderia inovar, por exemplo, prevendo a possibili-dade de usucapião administrativo, pleiteado diretamente junto aos Cartórios de Registros de Imóveis, tal como se deu com a retificação de matrículas, que an-tes da Lei Federal nº 10.931/04 só poderia ser processada pela via judicial, e que a partir desta nova lei pôde se dar diretamente junto às Serventias Imobiliárias.

Emolumentos e disposições em vigência – programas habitacionais de interesse social e regularização fundiária

A Lei Federal nº 6.941/81 alterou a Lei de Registros Públicos, permitindo isenções parciais de custas e emolumentos para programas habitacionais de interesse social. Vejamos:

a) Primeira aquisição imobiliária pelo Sistema Financeiro de Habitação| Artigo 290, caput: Prevê a redução de 50% de emolumentos devidos pelos atos relacionados a esta primeira aquisição15.

b) Cooperativa habitacional| O registro e a averbação da quitação da casa própria, em que seja parte cooperativa habitacional ou entidade assemelhada, conta com cobrança máxima de 40% do Maior Valor de Referência16.

c) COHABs e entidades assemelhadas| Está prevista uma escala de isenções de acordo com a área da edificação construída no âmbito de programas de interesse social executados por COHABs e assemelhados, da seguinte forma17:

Área máxima construída EMOLUMENTOS – Porcentagem (%) do Maior Valor de Referência

Até 60 m2 Máximo de 10%

De 60 m2 a 70 m2 Máximo de 15%

De 70 m2 a 80 m2 Máximo de 20%

d) Mutirão – Programas e convênios com entes federados|18 Serão devidos

apenas 20% sobre a tabela de emolumentos na aquisição imobiliária para fins residenciais, oriundas de programas e convênios com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para a construção de habitações populares destinadas às famílias de baixa renda. Para fazer jus a tal isenção parcial de 80%, o programa habitacional deve ser pelo sistema de mutirão e autoconstrução orientada, de-vendo o imóvel preencher ainda as seguintes condições, cumulativamente: ter-reno de área de superfície máxima de 250 m2 e área construída máxima de 69 m2. É importante ressaltar que a isenção em tela é aplicável não somente aos serviços de Registro de Imóveis, mas também àqueles notariais. Tais disposições foram introduzidas junto à Lei de Registros Públicos pela Lei Federal nº 9.934/99.

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e) Regularização fundiária promovida pela administração pública|19 A Lei Federal nº 10.931/04 introduziu importante alteração junto à Lei de Registros Públicos, determinando a isenção total de custas e emolumentos para os atos notariais e de registros relativos à regularização fundiária de interesse social promovida pela administração pública.

Entendemos que tal isenção total compreende os atos necessários ao regis-tro do parcelamento do solo regularizado e abertura de matrículas individuais dos lotes. Quanto ao registro dos contratos nas matrículas abertas em função do registro da regularização fundiária, e a respectiva averbação da construção, outros dispositivos da Lei de Registros Públicos os regularão. Vamos a eles.

f) Registro dos títulos e averbação da construção em área regularizada|20

Graças às alterações introduzidas pela Lei Federal nº 11.481/07, que permitiram o acréscimo do Artigo 290-A na Lei de Registros Públicos, hoje, o primeiro registro de direito real constituído em favor do beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar, bem como a primeira averbação de construção residencial de até 70 m2 de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de inte-resse social, contam com isenção total de emolumentos.

E, mais, o registro realizado nessas condições independe da comprovação de pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários. A Lei especi-fica ainda o conceito de regularização fundiária de interesse social: é aquela destinada a atender famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, promovida no âmbito de programas de interesse social sob gestão de órgãos ou entidades da administração pública, em área urbana ou rural. Vejam que o Arti-go 213, parágrafo 15 c/c Artigo 290-A garante que todos os atos necessários à completa regularização fundiária, e a inserção do parcelamento na cidade real, sejam realizados sem custo cartorial.

Decerto, trata-se de medida necessária e eficaz, já que os altos custos prati-cados pelas delegações de cartórios, no mais das vezes, impedem o registro da área regularizada. À guisa de exemplificação dos custos que envolvem o regis-tro de parcelamento do solo requerido pela Prefeitura, selecionamos um caso concreto da cidade de Osasco, Estado de São Paulo. Trata-se do loteamento Jardim Canaã, com 582 lotes, recentemente registrado:

Ato praticado Valor de custas e emolumentos

Registro do loteamento R$ 5.190,97

Registro dos Instrumentos Particulares de Promessa de Compra e Venda R$ 41.474,83

Averbação da quitação + emissão das certidões de matrícula R$ 100.335,67

Publicação de editais R$ 2.130,00

TOTAL R$ 149.131,47

Valor por lote R$ 256,00

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Note-se que dos valores acima estão excluídos os custos de abertura de fir-ma, reconhecimento de firma, cópias autenticadas, e mandado de assinatura a rogo, nos casos em que o beneficiário é analfabeto, e que no Estado de São Paulo tem o custo de aproximado de R$ 130,00 cada um.

Proposta do Projeto de Lei nº 3.057/00 – Custas e Emolumentos – Programas habitacionais de interesse social e regularização fundiária

Sem dúvida, o quinto substitutivo do Projeto de Lei nº 3.057/00 apresenta um retrocesso diante das conquistas alcançadas, conforme analisado acima.

Como procuraremos demonstrar, o quinto substitutivo, se por um lado inova ao prever dispositivos acerca de regularização fundiária de interesse social, por outro suprime considerável parte das isenções de custas e emolumentos hoje previstas na legislação, de forma que praticamente inviabiliza o registro das áreas regularizadas. Mas não é só; também os empreendimentos de interesse social passam a ter um custo elevado de registro, o que pode levar a mais in-formalidade fundiária e sub-registro.

Começa por revogar todas as isenções parciais previstas no Artigo 290 da Lei de Registros Públicos. Assim, o Artigo 136 do Projeto de Lei nº 3.057/00 passa a dar nova redação ao Artigo 290 da Lei de Registros Públicos, criando, por seu turno, isenções parciais para o registro da regularização fundiária, lavratura de escritura pública e primeiro registro de direito real21.

Assim, ficam revogados, por força da nova redação proposta, os seguintes dispositivos da Lei de Registros Públicos:

• Primeira aquisição imobiliária pelo Sistema Financeiro de Habitação| Atualmente conta com redução de 50% dos emolumentos, conforme caput do Artigo 290 da Lei de Registros Públicos.

• Cooperativa habitacional| Hoje, o registro e a averbação da quitação da casa própria, em que seja parte cooperativa habitacional ou entidade asseme-lhada, conta com cobrança máxima de 40% do Maior Valor de Referência, a teor do parágrafo 1º do Artigo 290 da Lei de Registros Públicos.

• COHABs e entidades assemelhadas| Atualmente está prevista uma escala de isenções de acordo com a área da edificação construída no âmbito de pro-gramas de interesse social executados por COHABs e assemelhados, cujas isen-ções são de 80% a 90% do Maior Valor de Referência, nos termos do parágrafo 2º do Artigo 290 da Lei de Registros Públicos.

• Mutirão – Programas e convênios com entes federados|22 A Lei de Re-gistros Públicos prevê, hoje, que são devidos apenas 20% sobre a tabela de emolumentos, quando da aquisição imobiliária para fins residenciais, oriundas de programas e convênios com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para a construção de habitações populares destinadas às famílias de baixa ren-da por meio de sistema de mutirão e autoconstrução orientada, tendo o terre-no área de superfície máxima de 250 m2 e área construída máxima de 69 m2.

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Todas as hipóteses de isenção acima referidas serão revogadas conforme proposta de redação dada pelo Artigo 136 do Projeto de Lei nº 3.057/00 ao Artigo 290 da Lei de Registros Públicos, importando em franco prejuízo ao registro de empreendimentos de interesse social. Mas não é só. A nova redação do Artigo 290 da Lei de Registros Públicos, proposta pelo Artigo 136, restrin-ge as isenções de custas e emolumentos previstas atualmente no Artigo 213, parágrafo 15 (isenção total), e Artigo 290-A (isenção parcial), ambos da Lei de Registros Públicos, que tratam da regularização fundiária. Vejamos:

Lei de Registro Públicos – atual Projeto de Lei nº 3.057/00 – quinto substitutivo

Isen

ção

tota

l

Art. 213, § 15 – Não são devidos custas ou emolu-mentos notariais ou de reg-istro decorrentes de regular-ização fundiária de interesse social a cargo da administ-ração pública. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

Isen

ção

tota

lO art. 290 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação: (...)§ 2º É isento do recolhimento da taxa de registro o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas, preenchidos os seguintes requisitos, concomitantemente:I – renda familiar de até três salários mínimos mensais;II – localizar-se o imóvel, de uso exclusivamente residencial, em Zona Especial de Interesse Social; III – possuir o imóvel, quando construção isolada, área total construída de até 70 m2, edificada em terreno de até 250 m2 ou, quando a unidade au-tônoma, integrante de condomínio edilício, pos-suir área privativa de até 35 m2.

Lei de Registro Públicos – atual Projeto de Lei nº 3.057/00 – quinto substitutivo

Isen

ção

tota

l

Art. 290-A. Devem ser realizados independent-emente do recolhimento de custas e emolu-mentos: (Incluído pela Lei nº 11.481/07)I – o primeiro registro de direito real consti-tuído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar; (In-cluído pela Lei nº 11.481/07)II – a primeira averbação de construção resi-dencial de até 70 m2 de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de interesse social. (Incluído pela Lei nº 11.481/07)§ 1o O registro e a averbação de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo independem da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários. (Incluído pela Lei nº 11.481/07)§ 2o Considera-se regularização fundiária de in-teresse social para os efeitos deste artigo aquela destinada a atender famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, promovida no âmbito de programas de interesse social sob gestão de órgãos ou entidades da administra-ção pública, em área urbana ou rural. (Incluído pela Lei nº 11.481/07)

Isen

ção

tota

l

Art. 136. O art. 290 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação: (...)§ 1º Os valores relativos aos emolu-mentos do registro do primeiro direto real constituído e os da lavra-tura de escritura pública referidos no caput terão isenção de 20%, em favor de beneficiário de regular-ização fundiária de interesse social em áreas urbanas, preenchidos os seguintes requisitos, concomitante-mente: I – renda familiar entre três e cinco salários mínimos mensais;II – localizar-se o imóvel, de uso ex-clusivamente residencial, em Zona Especial de Interesse Social; III – possuir o imóvel, quando con-strução isolada, área total con-struída de até 70 m2, edificada em terreno de até 250 m2 ou, quando a unidade autônoma, integrante de condomínio edilício, possuir área privativa de até 35 m2.

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Em suma:Segundo o Projeto de Lei nº 3.057/00, para a obtenção de isenção total de

emolumentos é necessário o preenchimento das seguintes condições:• Renda familiar até três salários mínimos;• A área regularizada deve estar demarcada como Zona de Especial de Inte-

resse Social (ZEIS);• A edificação deve ter no máximo 70 m2, em um lote de no máximo 250 m2.Ele é mais restritivo, posto que hoje, pela legislação acima analisada (vide

Quadro I – art. 213, § 15, da Lei de Registros Públicos), o registro da regula-rização fundiária, do plano licenciado pelos órgãos competentes, conta com isenção total de custa e emolumentos, inclusive para atos notariais, isso inde-pendentemente da renda das famílias, do zoneamento da área regularizada e da dimensão do terreno e edificações.

Em se tratando de registro do primeiro direito real do beneficiário, a legisla-ção hoje estabelece condições mais amplas, pois, apesar de determinar que as construções tenham no máximo 70 m2, os beneficiários devem possuir renda de até cinco salários mínimos, e não apenas três salários mínimos como proposto pelo quinto substitutivo. Ainda, a legislação atual não condiciona a isenção total de emolumentos à dimensão máxima do terreno, nem estar demarcada como ZEIS, bastando que seja caracterizada como regularização fundiária de interesse social.

Em continuidade, o Projeto de Lei nº 3.057/00 estabelece, em seu Artigo 136, que fará jus à isenção de 20% (apenas 20%):

• Renda familiar de três a cinco salários mínimos;• A área regularizada deve estar demarcada como Zona de Especial de Inte-

resse Social (ZEIS);• A edificação deve ter no máximo 70 m2, em um lote de no máximo 250 m2,

ou unidade habitacional até 35 m2.Vejam, os sujeitos desta isenção parcial, conforme proposto pelo quinto

substitutivo, hoje já contam com isenção total.E, mais, a especificação de uma unidade habitacional (apartamento) de no máximo 35 m2 é ultrajante. Prati-camente não existem projetos habitacionais de interesse social com uma área ínfima como esta.

A determinação de 35 m2 de área máxima de unidade habitacional denota o descuido do legislador em não elaborar pesquisa envolvendo aqueles que traba-lham como habitação de interesse social, pois, do contrário, saberia da inviabili-dade técnica de unidades habitacionais desse porte. Assim, caso permaneça tal limitação, certamente a isenção de 20% de custas e emolumentos prevista no Projeto de Lei nº 3.057/00 não terá aplicabilidade alguma, por ausência de objeto.

Por fim, o último artigo do quinto substitutivo acaba por revogar o Artigo 290-A, da Lei de Registros Públicos.

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Conclusão

De todo o exposto, há pelo menos dois aspectos que devem ser superados neste quinto substitutivo em matéria de registro de regularização fundiária.

Os Artigos 290, 290-A, e 213 § 15, todos da Lei de Registros Públicos, não de-vem ser objeto de qualquer revisão, principalmente aquelas que visem diminuir ou suprimir as isenções de custas e emolumentos hoje existentes.

A proposta ofertada pelo Projeto de Lei nº 3.057/00, no que diz respeito aos dispositivos acima, não atende ao interesse público, fundamentalmente a todos os esforços materializados nas políticas públicas hoje existentes de for-malização da propriedade e da posse e da diminuição do déficit habitacional.

Esse Projeto de Lei deve prever normas de registro da regularização fundi-ária de modo que se uniformizem os procedimentos registrários, hoje regula-dos pelo Poder Judiciário dos Estados por meio de provimentos, em especial prevendo categoricamente que os registros sejam ofertados diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis competente, sem que haja a necessidade de mandado judicial para tanto.

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Considerações finais Nelson Saule Jr.

Concluindo, podemos ter essa avaliação sobre a continuidade do processo político da Revisão da Lei do Parcelamento do Solo no Seminário Nacional, que será realizado em Brasília pelo Conselho das Cidades. Esse Seminário Nacional em perspectiva será um momento importante para um diálogo entre os diver-sos segmentos envolvidos no processo de Revisão da Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Nós, do Instituto Pólis, estamos levando a proposta de este Semi-nário ser a abertura de uma discussão e debate público de forma mais ampla e democrática, visando à disseminação e à apropriação deste processo e dos conteúdos do Projeto de Lei por um maior número de pessoas do setor público, da sociedade civil, da academia. Enfim, o espaço de discussão da Revisão da Lei do Parcelamento do Solo tem de ser mais público. A partir desse Seminário Nacional podemos tentar ver construir a agenda no Conselho das Cidades com todos os segmentos envolvidos, visando à construção de consensos sobre os conteúdos do Projeto de Lei. Neste sentido, os temas que devem ser objeto dessa discussão devem ser os seguintes:

• modalidades do parcelamento do solo, tratamento dos condomínios urbanís-ticos e dos loteamentos fechados, inclusão do parcelamento de interesse social;

• componentes da infra-estrutura básica;• inclusão da obrigatoriedade do plano de extensão urbana para a implanta-

ção de novos parcelamentos do solo em zonas de expansão urbana;• obrigatoriedade de destinação de área para habitação de interesse social

na implantação de novos parcelamentos do solo urbano;• competência do Município preponderante no parcelamento do solo e na

regularização fundiária;• adoção da licença urbanística ambiental integrada;• simplificação do processo da regularização fundiária de interesse social;• atribuir ao Município a competência para disciplinar e aprovar a regulari-

zação fundiária de interesse social em áreas de preservação permanente;• estabelecer as compensações urbanas para a regularização dos condomí-

nios e loteamentos fechados;• manutenção da gratuidade do registro da regularização fundiária de inte-

resse social.A Oficina foi gravada e vamos fazer uma edição para ser disponibilizada atra-

vés de um CD-ROM. Pretendemos também viabilizar uma publicação com as apresentações feitas, porque esta Oficina trouxe muito subsídios para a discus-são desse Projeto de Lei, para os diversos setores da sociedade, operadores de direito, gestores públicos, acadêmicos, movimentos populares, enfim, todos os setores que tenham interesse nesse tema. Esta Oficina trouxe muitos subsídios para toda essa temática do parcelamento de solo.

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Notas

1 Sobre os efeitos da legislação urbanística na proliferação dos loteamentos irregulares na cidade de São Paulo, Marta Dora Grostein, em sua tese A cidade clandestina: os ritos e os mitos, ilustra com muita clareza esta situação: “No decorrer das quatro primeiras décadas, foram criadas as condições para que a clandestinidade e a irregularidade se estabelecessem como prática de par-celamento do solo para fins urbanos. A sua reprodução até a década de [19]50 deve-se, entre ou-tras causas, aos aspectos relacionados com os instrumentos normativos e administrativos. Quanto aos normativos, podemos destacar que as ‘ruas particulares’ eram permitidas por lei; era possível construir-se com planta aprovada (isto é, com o reconhecimento oficial) mesmo nas ruas particu-lares do município (que, como vimos, confundem-se com as clandestinas); era possível incorporar à cidade oficialmente constituída os arruamentos e loteamentos abertos e executados em desacordo com a lei; a legislação contemplava um único tipo de loteamento urbano, independente[mente] das classes sociais a que se destinassem e, finalmente, não havia apoio legal para punir o loteador clandestino, uma vez que prevalecia uma posição ambígua do Estado, na qual a intervenção na propriedade privada era vista como indevida, ainda que interferindo nos aspectos coletivos da vida urbana. (Grostein, Marta Dora, A cidade clandestina: os ritos e os mitos, Tese (Doutorado), Faculda-de de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAU-USP, São Paulo, 1987, p. 541.)

2 Mukai, Toshio; Alves, Alaor Caffé e Lomar, Paulo José Villela, Loteamentos e desmembramentos urbanos. São Paulo, Sugestões Literárias, 1980, p. 59.

3 Sobre as possibilidades legais de regularização dos loteamentos e conjuntos habitacionais irregu-lares, ver o manual Regularização da Terra e Moradia – O que é e como implementar, pp. 50-67.

4 No estado do Rio Grande do Sul, o Provimento nº 77/99 – CGJ da Corregedoria Geral da Justiça, instituiu o Projeto “More Legal II”, que dispõe sobre os critérios e procedimentos para a regulariza-ção e registro de loteamento, desmembramento ou fracionamento de imóveis urbanos ou urbani-zados. Por meio desse provimento é valorizado o papel do Município como o ente responsável pela regularização. Por exemplo, o parágrafo 5º do Artigo 2º estabelece o seguinte: Nas regularizações coletivas, poderá ser determinada apresentação de memorial descritivo elaborado pela Prefeitura Municipal, ou por ela aprovado, abrangendo a divisão da totalidade da área ou a subdivisão de ape-nas uma ou mais quadras. No estado do Rio de Janeiro, o Provimento nº 108/85, da Corregedoria Geral de Justiça, simplifica o procedimento de depósito das prestações, aceitando simples recibos para a realização dos depósitos.

5 Sobre a legislação de parcelamento do solo urbano recomendamos as seguintes leituras: Minis-tério Público do Estado de São Paulo/CAOHURB e Procuradoria-Geral de Justiça, Temas de Direito Urbanístico. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1999; Ministério Público do Estado de São Pau-lo/CAOHURB e Procuradoria-Geral de Justiça, Temas de Direito Urbanístico 3. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2001.

6 Lopes, Cacilda, As influências das legislações de Parcelamento do Solo na produção dos espaços urbanos, Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, pp. 94-95.

7 Ao final de minha exposição no Instituto Pólis, fui abordada por um assessor jurídico da Secreta-ria Municipal de Meio Ambiente de Mairiporã, que me entregou um cartão e me convidou a fazer uma visita à Secretaria, garantindo que, depois que eu deixei a Comarca, as coisas mudaram e que estão fazendo um trabalho sério na Secretaria. Infelizmente, não tive condições de fazer a visita, porém registro a intervenção feita na ocasião.

8 Após a exposição no Instituto Pólis, tomei conhecimento de que uma das ações ajuizadas havia sido julgada, conforme sentença abaixo:Processo CÍVEL Comarca/ Fórum Fórum Fazenda Pública/ Acidente Trabalho Processo nº 583.53.2007.119898-8 Cartório/ Vara 12ª Vara da Fazenda Pública Competência Fazenda Pública Nº de Ordem/Controle 1150/07 Grupo Fazenda Pública Estadual Ação Civil Pública Tipo de Distri-buição Prevenção Distribuído em 17/07/07 às 16h 47m 12s Moeda Real Valor da Causa 100.000,00 Qtde. Autor(s) 1 Qtde. Réu(s) 1 VISTOS. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, quali-ficada nos autos, ajuizou a presente Ação Civil Pública, sob o rito especial, em face do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, alegando, em síntese, que a ré contratou com os moradores da comunidade “Boa

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Esperança/Itambé do Mato Dentro” a concessão de uso especial ou a concessão do direito real de uso para fins de regularização fundiária da área ocupada por população de baixa renda. No entan-to, tais termos não foram levados a registro e, por outro lado, não foi aberta a matrícula necessária para que os concessionários pudessem registrar os respectivos termos. Além disso, a ré pretende realizar intervenção urbanística no local, sem prévio e amplo processo de debates, audiências e consultas públicas, já tendo dado início ao processo de licitação para contratação de serviços para realização de obras, as quais irão exigir a remoção de 320 casas. Assim, salientando o direito fun-damental de moradia garantido aos autores e feridos os princípios constitucionais, pede a conde-nação da ré a proceder a abertura de matrícula das áreas desafetadas e concedidas, para fins de registro dos termos respectivos, bem como para que se abstenha de praticar qualquer ato de per-turbação da posse dos integrantes da comunidade, deixando de realizar intervenção urbanística, além da condenação nos demais encargos de sucumbência. Com a inicial, juntou os documentos de fls. 23/418. Manifestou-se o Ministério Público a fls. 420/421, sendo a liminar negada (fls. 423), havendo a manutenção desta decisão após pedido de reconsideração (fls. 543), sendo que desta última decisão, foi interposto agravo de instrumento (fls. 545/548). A ré foi citada (fls. 551) e ofe-receu resposta na forma de contestação (fls. 723/742), argüindo, preliminarmente, a carência da ação por ilegitimidade ativa ad causam e, no mérito, que a ação é improcedente uma vez que não é possível ao Judiciário efetuar a concessão de área do domínio público à revelia do Executivo, sendo que a ré procedeu ao descerramento da matrícula dos imóveis e a área objeto da intervenção independe do registro dos termos de concessão de direito real de uso, eis que não há transferência de propriedade, observando que não compete ao Município prover habitação para ocupantes de área de risco. Observa, ainda, que a intervenção urbanística no local prevê a execução de obras de terraplanagem, consolidação geotécnica, drenagem, canalização de córrego, implantação de redes de coleta de esgoto, complementação de redes de abastecimento de água, pavimentação, remoção e recenseamento de novas unidades habitacionais, além de implantação de áreas verdes e de lazer, em cumprimento à sua função, tendo sido realizados os plantões de atendimento aos moradores, para esclarecimentos de dúvidas e reclamações, sendo que eles próprios aceitaram, por maioria, a intervenção no local. Outrossim, impugna a fixação de multa diária. Juntou documentos de fls. 743/969. Réplica a fls. 972/984. Manifestou-se o Ministério Público (fls. 986/989). Foi deferido o pedido de expedição de ofício feito pelos autores, cuja resposta foi trazida a fls. 999/1.003, mani-festando-se as partes e o Ministério Público. É O RELATÓRIO. DECIDO. O feito comporta julgamen-to no estado em que se encontra, pois a questão de mérito é unicamente de direito, prescindindo de instrução probatória, nos termos do art. 330, inciso I, primeira parte, do Código de Processo Civil. Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. Com efeito, a Defensoria Pública detém legitimidade ativa para ajuizamento de ação civil pública a fim de defender o interesse dos mais necessitados, nos termos do que dispõem a Lei Federal nº 11.448/07 e a Lei Complementar Estadu-al nº 988/06. Por outro lado, não se pode dizer que o art. 5º, inciso II, da Lei nº 7.437/85, acrescido pela Lei nº 11.448/07, seja inconstitucional. Com efeito, estabelece o art. 5º, inciso LXXIV, da Cons-tituição Federal que à Defensoria Pública incumbe prestar assistência jurídica integral e gratuita “aos necessitados e àqueles que comprovem a insuficiência de recursos”. Desse modo, pode a De-fensoria Pública atuar na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos que sejam ligados a esta categoria de pessoas, que são expressamente garantidas na Constituição Fe-deral. No caso, a autora está agindo na qualidade de substituta processual dos moradores ameaça-dos de desocupação por parte da Prefeitura Municipal, os quais são, claramente, hipossuficientes, o que fica claro nos autos, posto cuidarem-se de moradores de habitações precárias, o que por si só comprova a ausência de condições econômico-financeiras para custear o processo. Por outro lado, há que se notar que a ação direta de inconstitucionalidade não suspendeu liminarmente a legitimidade ativa da Defensoria Pública. Assim sendo, não é possível negar-se a sua legitimidade na defesa dos interesses de pessoas necessitadas, tal como ocorre no presente caso. No mérito, primeiramente, há que se observar que, ao contrário do alegado pela Municipalidade, nos termos do que estabeleceu a Medida Provisória nº 2.220/01, a qual rege a concessão de uso especial de imóvel público para fins de moradia, há necessidade de levar-se ao registro imobiliário a constitui-ção do direito de superfície de imóvel urbano concedido por meio de termo administrativo ou por sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia e, ainda, do contrato de concessão do direito real de uso de imóvel público. Nestes termos, Maria Helena Diniz, na obra “Estatuto da Cidade, Comentários à Lei Federal nº 10.257/01”, que observa que: “No estado atual de nossa legislação, há viabilidade jurídica do registro dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia ou, ainda, do contrato de conces-são de direito real de uso de imóvel público, uma vez que a eficácia do art. 167, I, nº 37, da Lei de Registros Públicos e do art. 4º, V, ‘h’, da Lei nº 10.257/01 foi restaurada com a edição da Medida Provisória nº 2.220/01 que, além disso, ao modificar o mencionado da Lei nº 6.015/73, acrescentou

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o nº 40, referente à necessidade da matrícula e registro do contrato de concessão de direito real de uso de imóvel público” (pág. 407). E tal necessidade tanto é reconhecida pela ré, que a mesma alegou e comprovou nos autos, que está procedendo à desafetação das áreas concedidas aos mo-radores na região, procedendo à matrícula daquelas áreas desafetadas e concedidas a título de concessão de uso especial e concessão de direito real de uso para fins de moradia, fazendo juntar aos autos notas de exigências emitidas pelo 8º Cartório de Registro de Imóveis e pedido de abertu-ra de matrícula dos imóveis, o que denota o reconhecimento do pedido feito na inicial. Desse modo, tendo em vista que a ré já está cumprindo parte do pedido constante da inicial, ocorre a perda do objeto com relação a esta parte do pedido, uma vez que a providência pretendida já está sendo tomada, esgotando-se o pedido em si. No que tange à segunda parte do pedido, ou seja, de abs-tenção da ré em praticar qualquer ato que importe na perturbação da posse dos integrantes da comunidade, em especial na realização de intervenção urbanística, tem razão a autora no alegado em sua inicial. A moradia, como se sabe, é um direito fundamental e afeto a todos, decorrente deste o dever do Estado em criar políticas públicas tendentes a promovê-la e protegê-la. Desse modo, impõe-se ao Estado a criação de projetos voltados à urbanização e regularização de áreas para o exercício do direito à moradia (art.182, da Constituição Federal), devendo este implantar políticas públicas de desenvolvimento urbano, a serem fixadas em lei de cada Município, com o intuito de ordenar o desenvolvimento e garantir o bem-estar de seus habitantes. Outrossim, o art. 183, caput e § 1º da Constituição Federal, prevê a concessão do uso especial para fins de moradia como instrumento apto a ordenar o pleno desenvolvimento urbano das cidades e das propriedades para que cumpram com a sua função social, sendo que com base neste foi baixada a Medida Pro-visória supracitada nº 2.220/01, regulamentando este preceito constitucional. Desse modo, previu o art. 5º, caput e § 1º da referida Medida, a faculdade do Poder Público de assegurar o exercício do direito à moradia em outro local, na hipótese de ocupação do imóvel destinado a projeto de urba-nização. Portanto, fica claro que, se houver a necessidade de urbanização da área, com implanta-ção de melhoramentos públicos, em razão de interesse público relevante a fim de assegurar o di-reito da totalidade da comunidade de acesso a essas facilidades urbanas, torna-se possível a remoção de famílias, desde que o Poder Público lhes assegure a moradia em outro local. Esta pos-sibilidade, no entanto, fica adstrita também ao disposto no Plano Diretor Estratégico da cidade. Logo, não é possível obstar a urbanização da área ainda que, para que isso ocorra, seja necessária a remoção de famílias. No caso, a área em questão cuida-se de área ZEIS, na qual a intervenção somente é possível após amplo debate e consultas públicas, em conformidade com o Plano Diretor Estratégico. Nos termos do que preceitua o art. 175, § 1º, do Plano Diretor Estratégico, nos casos de implementação de Plano de Urbanização, é necessária a criação de um Conselho Gestor, através do qual a comunidade e o Poder Executivo discutirão todas as suas etapas. No caso, o que se verifica dos autos, a Municipalidade emprestou grande publicidade ao seu Plano de Urbanização, reunindo a comunidade local, realizando votações através das quais a própria comunidade manifestou a sua vontade. Contudo, em momento algum se verifica que houve a criação do Conselho Gestor, nos termos do que dispõe o Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, ficando claro que não foi observado o disposto no § 1º, do art. 175, da Lei nº 13.430/02, o qual estabelece in verbis que: “Art. 175 – O Plano de Urbanização de cada ZEIS será estabelecido por decreto do Poder Executivo Municipal e deverá prever: § 1º – Deverão ser constituídos em todas as ZEIS, Conselhos Gestores compostos por representan-tes dos atuais ou futuros moradores e do Executivo, que deverão participar de todas as etapas de elaboração do Plano de Urbanização e de sua implementação”. Desse modo, fica claro que, para fins de colocar em prática o Plano de Urbanização necessário na área da comunidade “Boa Esperança/ Itambé do Mato Dentro”, com a remoção de famílias, há que se implementar o Conselho Gestor, nos termos do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, eis que a sua criação decorre de imposição legal, não havendo discricionariedade administrativa neste caso, tal como observou a ilustre representante do Ministério Público. Por outro lado, a remoção de famílias deve ser previamente informada às entidades familiares que serão removidas, assegurando-lhes o fundamental direito de moradia, procedendo, assim, esta parte do pedido, eis que, enquanto não constituído o Conselho Gestor para fins de que ocorra o pleno debate com a comunidade, não há possibilidade de implementação do Plano de Urbanização e a remoção de famílias, tal como pretendidas pela ré. Isto posto, por estes fundamentos e o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, reconhecendo-se a perda do objeto em relação ao pedido de abertura de matrícula para as áreas desafetadas e concedidas, sendo a ação PROCEDENTE para o fim de que a ré se abstenha de praticar qualquer ato de perturbação da posse dos integrantes da comunidade “Boa Esperança/ Itambé do Mato Dentro”, deixando de reali-zar a intervenção urbanística até que seja constituído o Conselho Gestor e efetivado amplo debate com a comunidade, nos termos do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo. Diante da

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sucumbência recíproca, a ré arcará com o pagamento da metade das custas processuais e 50% dos honorários advocatícios, ficando a autora isenta deste pagamento, tendo em vista que não houve comprovada má-fé. Fixo o valor da verba honorária em 10% sobre o valor atualizado da causa. P. R. e I. São Paulo, 23 de julho de 2008. Silvia Maria Meirelles Novaes de Andrade, Juíza de Direito.

9 Apenas a título de ilustração, a montagem do Conselho Municipal de Habitação, do Fundo Mu-nicipal de Habitação e das leis específicas para tratar da regularização fundiária foram todas ela-boradas no início dos anos 1980.

10 Leia-se plenitude para diferenciação entre a propriedade plena e a direta (de domínio útil).

11 “Art. 81. Além do Poder Público, a iniciativa da regularização fundiária sustentável é facultada:I – a seus beneficiários, individual ou coletivamente;II – às cooperativas habitacionais, associações de moradores ou a outras associações civis;III – ao setor privado, nos termos da legislação municipal prevista no art. 79;IV – ao responsável pela implantação do assentamento informal.”

12 “Art. 98. (...) VII – no caso das pessoas físicas ou jurídicas relacionadas nos incisos I a III do art. 81, certidão atualizada dos atos constitutivos que demonstrem sua legitimidade para promover a regularização fundiária.”

13 “Art. 98. O responsável pela regularização fundiária deve requerer seu registro, apresentando os documentos elencados nos incisos I a IV do caput do art. 31, bem como os seguintes:” 14 “Art. 99. As matrículas das áreas destinadas a uso público devem ser abertas de ofício, com aver-bação das respectivas destinações e, se houver, restrições administrativas, convencionais e legais.”

15 “Art. 290... Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobi-liária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50%. (Redação dada pela Lei nº 6.941, de 1981)

16 “Art. 290 (...) § 1º – O registro e a averbação referentes à aquisição da casa própria, em que seja parte cooperativa habitacional ou entidade assemelhada, serão considerados, para efeito de cálcu-lo, de custas e emolumentos, como um ato apenas, não podendo a sua cobrança exceder o limite correspondente a 40% do Maior Valor de Referência. (Redação dada pela Lei nº 6.941, de 1981)

17 “Art. 290. (...) § 2º – Nos demais programas de interesse social, executados pelas Companhias de Habitação Popular – COHABs ou entidades assemelhadas, os emolumentos e as custas devidos pelos atos de aquisição de imóveis e pelos de averbação de construção estarão sujeitos às seguintes limitações: (Redação dada pela Lei nº 6.941, de 1981)a) imóvel de até 60 m2 de área construída: 10% do Maior Valor de Referência; (Redação dada pela Lei nº 6.941, de 1981)b) de mais de 60 m2 até 70 m2 de área construída: 15% do Maior Valor de Referência; (Redação dada pela Lei nº 6.941, de 1981)c) de mais de 70 m2 e até 80 m2 de área construída: 20% do Maior Valor de Referência. (Redação dada pela Lei nº 6.941, de 1981)”

18 “Art. 290. (...) § 4º As custas e emolumentos devidos aos Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis, nos atos relacionados com a aquisição imobiliária para fins residenciais, oriundas de programas e convênios com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para a construção de habitações populares destinadas a famílias de baixa renda, pelo sistema de mutirão e autocons-trução orientada, serão reduzidos para 20% da tabela cartorária normal, considerando-se que o imóvel será limitado a até 69 m2 de área construída, em terreno de até 150 m2. (Incluído pela Lei nº 9.934, de 1999)”.

19 “Art. 213 (...) § 15º Não são devidos custas ou emolumentos notariais ou de registro decorrentes de regularização fundiária de interesse social a cargo da administração pública. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)”.

20 “Art. 290-A. Devem ser realizados independentemente do recolhimento de custas e emolumen-tos: (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007).

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I – o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundi-ária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)II – a primeira averbação de construção residencial de até 70 m2 de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de interesse social. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)§ 1o O registro e a averbação de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo independem da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)§ 2o Considera-se regularização fundiária de interesse social para os efeitos deste artigo aquela destinada a atender famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, promovida no âm-bito de programas de interesse social sob gestão de órgãos ou entidades da administração pública, em área urbana ou rural. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)”

21 “Art. 1. O art. 290 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação:Art. 290. Os registros da regularização fundiária, assim como a lavratura de escritura pública e o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de programa de regularização fundiária de interesse social, serão realizados independentemente do recolhimento de custas, fi-cando o pagamento dos emolumentos a cargo do beneficiário da regularização fundiária.§ 1º Os valores relativos aos emolumentos do registro do primeiro direto real constituído e os da lavratura de escritura pública referidos no caput terão isenção de 20%, em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas, preenchidos os seguintes requisitos, concomitantemente:I – renda familiar entre três e cinco salários mínimos mensais;II – localizar-se o imóvel, de uso exclusivamente residencial, em Zona Especial de Interesse Social – ZEIS; III – possuir o imóvel, quando construção isolada, área total construída de até 70 m2, edificada em terreno de até 250 m2 ou quando a unidade autônoma, integrante de condomínio edilício, possuir área privativa de até 35 m2.§ 2º É isento do recolhimento da taxa de registro o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas, preenchidos os seguintes requisitos, concomitantemente:I – renda familiar de até três salários mínimos mensais;II – localizar-se o imóvel, de uso exclusivamente residencial, em Zona Especial de Interesse Social – ZEIS; III – possuir o imóvel, quando construção isolada, área total construída de até 70 m2, edificada em terreno de até 250 m2 ou, quando a unidade autônoma, integrante de condomínio edilício, possuir área privativa de até 35 m2.§ 3º A redução do valor dos emolumentos referentes aos atos mencionados no caput ou a sua forma de pagamento poderão ser objeto de convênio ou termo de parceria celebrado entre o res-ponsável pela regularização fundiária e as pessoas físicas ou jurídicas de participação obrigatória ou facultativa no processo de regularização fundiária.§ 4º Os registros e a lavratura de escritura pública de que tratam o § 1º independerão da compro-vação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários.§ 5º A primeira averbação de construção residencial de até 70 m2 de área edificada será feita inde-pendentemente do pagamento de custas e emolumentos e da comprovação do recolhimento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários.” (NR)

22 “Art. 290., 4o da LRP.”

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Coordenadoria executiva: Anna Luiza Salles Souto, Elisabeth Grimberg, Silvio Caccia Bava (coordenador geral). Equipe técnica: Adriano Borges, Agnaldo dos Santos, Altair Moreira, Ana Claudia Teixeira, Anna Luiza Salles Souto, Cecilia Bissoli, Christiane Costa, Cristiane Go-mes, Daniela Greeb, Elisabeth Grimberg, Éllade Imparato, Florence Raes, Gerson Brandão, Hamilton Faria, Inácio da Silva, Isadora Tsukumo, Jane Casella, Jorge Kayano, José Augusto Ribeiro, Juliana Sicoli, Kazuo Nakano, Lizandra Serafim, Luís Eduardo Tavares, Maíra Mano, Margareth Uemura, Maria do Carmo Albuquerque, Mariana Romão, Marilda Donatelli, Natasha Menegon, Nelson Saule, Nina Best, Osmar Leite, Othon Silveira, Paula Santoro, Paulo Romeiro, Patrícia Cobra, Pedro Pontual, Renato Cymbalista, Silvio Caccia Bava, Tania Masselli, Veridiana Negrini, Veronika Paulics, Vilma Barban, Viviane Nebó.

Equipe administrativa: Benedita Aparecida de Oliveira, Cristina Rodrigues, Diego da Silva, Fabiana Maria da Silva, Gisele Balestra, João Carlos Ignácio, Lucas de Figueiredo, Messias Pinto, Rosângela Maria da Silva, Silvana Cupaiolo, Tânia Pesso, Tereza Teixeira. Estagiários: Carolina Caffé, Cláudia Nogueira, Isabel Ginters, Natasha Zanardi, Pedro Nogueira, Stacy Torres.

Colaboradores: Adriana Fernandes, Beatriz Vieira, Cláudio Lorenzetti, Daniel Kondo, Dinalva Roldan, Fernanda de Almeida, Gabriela Lotta, Hugo Bellini, José Carlos Vaz, Patrícia Gaturamo, Pedro Garcia. Conselho Diretor e FiscalDiretora presidente: Teresa BeldaDiretora vice-presidente: Marta Gil

Conselheiros: Ana Claudia Teixeira, Anna Luiza Salles Souto, Francisco de Oli-veira, Hamilton Faria, Heloísa Nogueira, Jane Casella, José Carlos Vaz, Ladislau Dowbor, Marco Antonio de Almeida, Elisabeth Grimberg, Teresa Belda, Marta Gil, Nelson Saule, Osmar Leite, Paulo Itacarambi, Peter Spink, Renata Villas-Boas, Silvio Caccia Bava, Vera Telles, Veronika Paulics.

PÓLIS – INSTITUTO DE ESTUDOS, FORMAÇÃO E ASSESSORIAEM POLÍTICAS SOCIAIS

Rua Araújo, 124 - Centro - CEP 01220-020 - São Paulo - SPtelefone: 0xx11 2174 6800 - fax: 0xx11 2174 6848endereço eletrônico: [email protected] - sítio na internet: www.polis.org.br

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O INSTITUTO PÓLIS é uma entidade civil, sem fins lucrativos, apartidária e plu-ralista fundada em junho de 1987. Seu objetivo é a reflexão sobre o urbano e a intervenção na esfera pública das cidades, contribuindo assim para a radicalização democrática da sociedade, a melhoria da qualidade de vida e a ampliação dos direitos de cidadania.

Sua linha de publicações visa contribuir para o debate sobre estudos e pesquisas sobre a questão urbana. Volta-se para o subsídio das ações e reflexões de múlti-plos atores sociais que hoje produzem e pensam as cidades sob a ótica dos valores democráticos de igualdade, liberdade, justiça social e equilíbrio ecológico.

Tem como público os movimentos e entidades populares, ONGs, entidades de defesa dos direitos humanos, meios acadêmicos, centros de estudos e pesqui-sas urbanas, sindicatos, prefeituras e órgãos formuladores de políticas sociais, parlamentares comprometidos com interesses populares.

A temática das publicações refere-se aos campos de conhecimento que o INS-TITUTO PÓLIS definiu como prioritários em sua atuação:

Desenvolvimento Local e Gestão Municipal – democratização da gestão, descentralização política, reforma urbana, experiências de poder local, políticas públicas, estudos comparados de gestão, indicadores sociais.

Democratização do Poder Local e Construção da Cidadania – lutas sociais urbanas, conselhos populares, mecanismos juridico-institucionais de participa-ção, direitos de cidadania.

Sustentabilidade, Cultura e Qualidade de Vida – desenvolvimento cultural, políticas culturais, programas de combate à fome, políticas de segurança ali-mentar, saneamento ambiental, políticas ambientais.

Estes campos de conhecimento são trabalhados na dimensão local e apresentam três linhas de trabalho como referencial analítico: a discussão sobre a qualidade de vida, a busca de experiências inovadoras e a formulação de novos paradigmas para a abordagem da questão urbana e local.

Para isso, o INSTITUTO PÓLIS, além das publicações, realiza seminários, cursos, oficinas, debates, vídeos, pesquisas acadêmicas e aplicadas. Possui uma equipe de profissionais habilitados para responder às exigências técnicas e às demandas próprias para a formulação de um projeto democrático e sustentável de gestão pública.

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publicações pólis01 Reforma Urbana e o Direito à Cidade (Esgotada)02 Cortiços em São Paulo: o Problema e suas Alternativas (Esgotada)03 Ambiente Urbano e Qualidade de Vida04 Mutirão e Auto-Gestão em São Paulo: uma Experiência de Construção de Casas Populares05 Lages: um jeito de governar06 Prefeitura de Fortaleza: Administração Popular 1986/8807 Moradores de Rua08 Estudos de Gestão: Ronda Alta e São João do Triunfo09 Experiências Inovadoras de Gestão Municipal10 A Cidade faz a sua Constituição11 Estudos de Gestão: Icapuí e Janduís12 Experiências de Gestão Cultural Democrática13 As Reivindicacões Populares e a Constituição14 A Participação Popular nos Governos Locais (Esgotada)15 Urbanização de Favelas: Duas Experiências em Construção16 O Futuro das Cidades (Esgotada)17 Projeto Cultural para um Governo Sustentável (Esgotada)18 Santos: O Desafio de Ser Governo19 Revitalização de Centros Urbanos20 Moradia e Cidadania: Um Debate em Movimento21 Como Reconhecer um Bom Governo?22 Cultura, Políticas Publicas e Desenvolvimento Humano (Esgotada)23 São Paulo: Conflitos e Negociações na Disputa pela Cidade24 50 Dicas – Idéias para a Ação Municipal (Esgotada)25 Desenvolvimento Local – Geração de Emprego e Renda26 São Paulo: a Cidade e seu Governo – O olhar do Cidadão27 Políticas Públicas para o Manejo do Solo Urbano: Experiências e Possibilidades28 Cidadania Cultural em São Paulo 1989/92: Leituras de uma Política Pública29 Instrumentos Urbanísticos contra a Exclusão Social30 Programas de Renda Mínima no Brasil: Impactos e Potencialidades31 Coleta Seletiva: Reciclando Materiais, Reciclando Valores (Esgotada)32 Regulação Urbanística e Exclusão Territorial33 Desenvolver-se com Arte34 Orçamento Participativo no ABC: Mauá, Ribeirão Pires e Santo André35 Jovens: Políticas Públicas – Mercado de Trabalho36 Desenvolvimento Cultural e Planos de Governo37 Conselhos Gestores de Políticas Públicas38 Diretrizes para uma Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional39 Gênero e Raça nas Políticas Públicas40 Aspectos Econômicos de Experiências de Desenvolvimento Local

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41 O Reencantamento do Mundo: Arte e Identidade Cultural na Construção de um Mundo Solidário42 Segurança Alimentar e Inclusão Social : A escola na promoção da saúde infantil43 Fortalecimento da Sociedade Civil em Regiões de Extrema Pobreza44 Controle Social do Orçamento Público45 Fundos Públicos46 Aspectos Econômicos de Experiências de Desenvolvimento Local: um olhar sobre a articulação de atores47 Sentidos da Democracia e da Participação48 Você quer um bom conselho? Conselhos Municipais de Cultura e Cidadania Cultural49 Coleta seletiva com inclusão dos catadores – Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo: Experiências e desafios50 Políticas públicas para o Centro – Controle social do financiamento do BID à Prefeitura Municipal de São Paulo

outras publicaçõesOrdenamento Jurídico: Inimigo Declarado ou Aliado Incompreendido?Alternativas Contra a FomePoder Local, Participação Popular e Construção da CidadaniaPara quê Participação Popular nos Governos Locais?Democratização do Orçamento Público e os Desafios do LegislativoOs Desafios da Gestão Municipal DemocráticaDireito à Cidade e Meio AmbienteFalas em Torno do Lixo125 Dicas - Idéias para a Ação MunicipalGuia do Estatuto da CidadeNovos Contornos da Gestão Local: Conceitos em ConstruçãoMonitoramento e Avaliação do EmpoderamentoA Situação dos Direitos Humanos das Comunidades Negras e Tradicionais de AlcântaraCadernos de Proposições para o Século XXISérie Desafios da Gestão Municipal DemocráticaSérie Observatório dos Direitos do CidadãoCadernos Pólis

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