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/2015 - ASJCRIM/SAJ/PGR Manifestação autônoma vinculada à Petição n. 5.209 Relator: Ministro Teori Zavascki Nominado : FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO SIGILOSO AUTU- ADO COMO PETIÇÃO. TERMOS DE DECLARAÇÃO CO- LHIDOS NO ÂMBITO DE ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA. INDICAÇÃO DO ENVOLVIMENTO DE PAR- LAMENTAR EM ESQUEMA CRIMINOSO DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO RELACIONADO À PETROB- RAS. FALTA DE AUTUAÇÃO EM SEPARADO DE TERMO DE COLABORAÇÃO EM QUE OS FATOS SÃO RELATA- DOS. SUPRIMENTO DA OMISSÃO MEDIANTE MANIFES- TAÇÃO PELA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO, COM BASE EM CÓPIA DO DOCUMENTO EM REFERÊNCIA. 1. Celebração e posterior homologação de acordos de colaboração premiada no decorrer da chamada “Operação Lava Jato”, conjunto de investigações e ações penais que tratam de esquema criminoso de corrupção de agentes públicos e lavagem de dinheiro relacionado à sociedade de economia mista federal Petróleo Brasileiro S/A – PE- TROBRAS. 2. Colheita de termos de declaração de colaboradores nos quais se relatam fatos aparentemente criminosos envolvendo parlamentar fe- deral. 3. Possível solicitação e recebimento de vantagem indevida, decor- rente do esquema criminoso em questão, mediante estratégia de ocultação de sua origem. 4. Suposta prática dos crimes de corrupção passiva qualificada e de lavagem de dinheiro, em concurso de pessoas, previstos no art. 317, §1º, combinado com o art. 327, § 2º, do CP e no art. 1º, inciso V, da Lei n. 9.613/1998, na forma do artigo 29 do CP. 5. Ausência de autuação em separado do Termo de Colaboração em que os fatos foram relatados. Suprimento da omissão mediante ma- nifestação autônoma, instruída com cópia do documento em referên- cia, pela instauração de inquérito no âmbito do Supremo Tribunal Federal para apuração do caso.

A petição de Janot contra FBC

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Nº /2015 - ASJCRIM/SAJ/PGR

Manifestação autônoma vinculada à Petição n. 5.209

Relator: Ministro Teori Zavascki

Nominado : FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO

PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO SIGILOSO AUTU-ADO COMO PETIÇÃO. TERMOS DE DECLARAÇÃO CO-LHIDOS NO ÂMBITO DE ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA. INDICAÇÃO DO ENVOLVIMENTO DE PAR-LAMENTAR EM ESQUEMA CRIMINOSO DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO RELACIONADO À PETROB-RAS. FALTA DE AUTUAÇÃO EM SEPARADO DE TERMO DE COLABORAÇÃO EM QUE OS FATOS SÃO RELATA-DOS. SUPRIMENTO DA OMISSÃO MEDIANTE MANIFES-TAÇÃO PELA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO, COM BASE EM CÓPIA DO DOCUMENTO EM REFERÊNCIA. 1. Celebração e posterior homologação de acordos de colaboração premiada no decorrer da chamada “Operação Lava Jato”, conjunto de investigações e ações penais que tratam de esquema criminoso de corrupção de agentes públicos e lavagem de dinheiro relacionado à sociedade de economia mista federal Petróleo Brasileiro S/A – PE-TROBRAS.2. Colheita de termos de declaração de colaboradores nos quais se relatam fatos aparentemente criminosos envolvendo parlamentar fe-deral.3. Possível solicitação e recebimento de vantagem indevida, decor-rente do esquema criminoso em questão, mediante estratégia de ocultação de sua origem.4. Suposta prática dos crimes de corrupção passiva qualificada e de lavagem de dinheiro, em concurso de pessoas, previstos no art. 317, §1º, combinado com o art. 327, § 2º, do CP e no art. 1º, inciso V, da Lei n. 9.613/1998, na forma do artigo 29 do CP. 5. Ausência de autuação em separado do Termo de Colaboração em que os fatos foram relatados. Suprimento da omissão mediante ma-nifestação autônoma, instruída com cópia do documento em referên-cia, pela instauração de inquérito no âmbito do Supremo Tribunal Federal para apuração do caso.

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O Procurador-Geral da República vem perante Vossa Exce-

lência se manifestar pela INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO

em face de FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO,

consoante os elementos fáticos e jurídicos a seguir expostos.

I. Esclarecimento preliminar

No âmbito do procedimento criminal autuado no Supremo

Tribunal Federal como Petição n. 5.209, requereu-se a homologa-

ção do acordo de colaboração premiada celebrado entre a Procu-

radoria-Geral da República e Paulo Roberto Costa no decorrer da

chamada “Operação Lava Jato”, conjunto de investigações e

ações penais que tratam de esquema criminoso de corrupção de

agentes públicos e lavagem de dinheiro relacionado à sociedade

de economia mista federal Petróleo Brasileiro S/A – PETROB-

RAS.

Além da homologação do acordo de colaboração premiada,

postulou-se a autuação em separado de certos termos de colabo-

ração para análise no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o en-

vio de outros termos de colaboração à 13ª Vara Federal do

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Paraná, em Curitiba, para adoção das providências cabíveis, bem

como a abertura de conta bancária para repatriação de recursos

de origem ilícita enviados ao exterior. Os pedidos foram integral-

mente deferidos. Após o cumprimento da decisão proferida, os

autos vieram a ser arquivados.

No entanto, constatou-se que houve requerimento no sentido

da manutenção no Supremo Tribunal Federal, com autuação em

separado, do Termo de Colaboração nº 05 de Paulo Roberto

Costa, medida que acabou não sendo adotada procedimental-

mente, embora deferida. A providência, contudo, mostra-se rele-

vante para análise da conduta de dois Senadores, DELCÍDIO DO

AMARAL (mencionado no requerimento originário) e FER-

NANDO BEZERRA (eleito em 2014, tendo assumido o cargo

eletivo no início de 2015). Faz-se necessário, pois, suprir a omis-

são em questão.

Para tanto, o Procurador-Geral da República, depois do le-

vantamento do sigilo referente ao caso e da divulgação dos ter-

mos de colaboração em questão, apresenta a vertente

manifestação autônoma pela instauração de inquérito, utili-

zando como base cópia do documento que restou por não ser au-

tuado em separado, além de outros elementos mencionados

adiante.

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II - Contextualização dos fatos no âmbito da chamada

“Operação Lava Jato”

A intitulada “Operação Lava Jato” desvendou um grande es-

quema de corrupção de agentes públicos e de lavagem de dinhei-

ro relacionado à sociedade de economia mista federal Petróleo

Brasileiro S/A – PETROBRAS. A operação assim denominada

abrange, na realidade, um conjunto diversificado de

investigações e ações penais vinculadas à 13ª Vara Federal da

Seção Judiciária do Paraná, em Curitiba.

Inicialmente, procurava-se apurar esquema de lavagem de

dinheiro envolvendo o ex-Deputado Federal JOSE� MOHAMED

JANENE, o doleiro CARLOS HABIB CHATER e as empresas

CSA Project Finance Ltda. e Dunel Indu�stria e Come�rcio Ltda.

Essa apuração resultou no ajuizamento da ação penal objeto do

Processo n. 5047229-77.2014.404.7000.

A investigação inicial foi, a seu tempo, ampliada para alcan-

çar a atuação de diversos outros doleiros, com isso revelando a

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ação de grupos distintos. Esses doleiros relacionavam-se entre si

para o desenvolvimento das atividades criminosas. Formavam,

todavia, grupos autônomos e independentes, mas com alianças

ocasionais. Isso deu origem a quatro operações, que acabaram,

em seu conjunto, por ser conhecidas como “Operação Lava Jato”:

a) Operação Lava Jato (propriamente dita), refe-

rente às atividades do doleiro CARLOS HABIB CHA-

TER, denunciado nos autos dos Processos n. 5025687-

03.2014.404.7000 e n. 5001438- 85.2014.404.7000;

b) Operação Bidone, referente às atividades do

doleiro ALBERTO YOUSSEF, denunciado nos autos

do Processo n. 5025699-17.2014.404.7000 e em outras

ac�o�es penais;

c) Operação Dolce Vitta I e II, referente às ati-

vidades da doleira NELMA MITSUE PENASSO KO-

DAMA, denunciada nos autos do Processo n.

5026243-05.2014.404.7000;

d) Operação Casa Blanca, referente às ativida-

des do doleiro RAUL HENRIQUE SROUR, denun-

ciado nos autos do Processo n. 025692-

25.2014.404.7000.

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No decorrer das investigações sobre lavagem de dinheiro,

detectaram-se elementos que apontavam no sentido da ocultação

de recursos provenientes de crimes de corrupção praticados no

âmbito da PETROBRAS. O aprofundamento das apurações

conduziu a indícios de que, no mínimo entre os anos de 2004 e

2012, as diretorias da sociedade de economia mista estavam

divididas entre partidos políticos, que eram responsáveis pela

indicação e manutenção de seus respectivos diretores.

Por outro lado, apurou-se que as empresas que possuíam

contratos com a PETROBRAS, notadamente as maiores

construtoras brasileiras, criaram um cartel, que passou a atuar de

maneira mais efetiva a partir de 2004. Esse cartel era formado,

dentre outras, pelas seguintes empreiteiras: GALVÃO

ENGENHARIA, ODEBRECHT, UTC, CAMARGO CORRÊA,

TECHINT, ANDRADE GUTIERREZ, MENDES JÚNIOR,

PROMON, MPE, SKANSKA, QUEIROZ GALVÃO, IESA,

ENGEVIX, SETAL, GDK e OAS. Eventualmente, participavam

das fraudes as empresas ALUSA, FIDENS, JARAGUÁ

EQUIPAMENTOS, TOME� ENGENHARIA, CONSTRUCAP e

CARIOCA ENGENHARIA.

Especialmente a partir de 2004, as empresas passaram a

dividir entre si as obras da PETROBRAS, evitando que outras

empresas não participantes do cartel fossem convidadas para os

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correspondentes processos seletivos. Referido cartel atuou ao

longo de anos, de maneira organizada, inclusive com “regras”

previamente estabelecidas, semelhantes ao regulamento de um

campeonato de futebol. Havia, ainda, a repartição das obras ao

modo da distribuição de prêmios de um bingo. Assim, antes do

início do certame, já se sabia qual seria a empresa ganhadora. As

demais empresas apresentavam propostas – em valores maiores

do que os apresentados pela empresa que deveria vencer –

apenas para dar aparência de legalidade ao certame, em flagrante

ofensa à Lei de Licitações.

Para garantir a manutenção do cartel, era relevante que as

empresas cooptassem agentes públicos da PETROBRAS,

especialmente os diretores1, que possuíam grande poder de

decisão no âmbito da sociedade de economia mista. Isso foi

facilitado em razão de os diretores, como já ressaltado, terem

sido nomeados com base no apoio de partidos, tendo havido

comunhão de esforços e interesses entre os poderes econômico e

político para implantação e funcionamento do esquema.

Os funciona�rios de alto escalão da PETROBRAS recebiam

vantagens indevidas das empresas cartelizadas e, em

contrapartida, não apenas se omitiam em relação ao cartel – ou

1 A PETROBRAS, na época, possuía as seguintes Diretorias: Financeira; Gás e Energia; Exploração e Produção; Abastecimento; Internacional; e de Serviços.

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seja, não criavam obstáculos ao esquema nem atrapalhavam seu

funcionamento –, mas também atuavam em favor das empresas,

restringindo os participantes das convocações e agindo para que

a empresa escolhida pelo cartel fosse a vencedora do certame.

Ademais, conforme apurado até o momento, esses funcionários

permitiam negociações diretas injustificadas, celebravam

aditivos desnecessários e com preços excessivos, aceleravam

contratações com supressão de etapas relevantes e vazavam

informações sigilosas, dentre outras irregularidades, todas em

prol das empresas cartelizadas.

As empreiteiras que participavam do cartel e ganhavam as

obras incluíam um sobrepreço nas propostas apresentadas, de 1 a

5% do valor total dos contratos e eventuais aditivos (incluído no

lucro das empresas ou em jogo de planilhas), que era destinado,

inicialmente, ao pagamento dos altos funciona�rios da PETRO-

BRAS. As vantagens indevidas e os prejuízos causados à

sociedade de economia mista federal provavelmente superam

um bilhão de reais.

Esses valores, porém, destinavam-se não apenas aos

diretores da PETROBRAS, mas também aos partidos políticos e

aos parlamentares responsáveis pela manutenção dos diretores

nos cargos. Tais quantias eram repassadas aos agentes políticos

de maneira periódica e ordinária, e também de forma episódica e

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extraordinária, sobretudo em épocas de eleições ou de escolhas

das lideranças. Esses políticos, por sua vez, conscientes das

práticas indevidas que ocorriam no bojo da PETROBRAS, não

apenas patrocinavam a manutenção do diretor e dos demais

agentes públicos no cargo, como também não interferiam no

cartel existente.

A repartição política das diretorias da PETROBRAS

revelou-se mais evidente em relação à Diretoria de

Abastecimento, à Diretoria de Serviços e à Diretoria

Internacional, envolvendo sobretudo o Partido Progressista – PP,

o Partido dos Trabalhadores – PT e o Partido do Movimento

Democrático Brasileiro – PMDB, da seguinte forma:

a) A Diretoria de Abastecimento, ocupada por

PAULO ROBERTO COSTA entre 2004 e 2012, era de

indicação do PP, com posterior apoio do PMDB;2

b) A Diretoria de Serviços, ocupada por

RENATO DUQUE entre entre 2003 e 2012, era de

2 PAULO ROBERTO COSTA foi nomeado como diretor do setor de abastecimento da PETROBRAS em 2004, após manobra política realizada pelos Deputados Federais do PP José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, que chegaram a promover o trancamento de pauta do Congresso para pressionar o Governo a nomeá-lo. No entanto, PAULO ROBERTO COSTA ficou doente no final do ano de 2006. Na época, houve um movimento de políticos e funcionários da PETROBRAS para retirá-lo do cargo de Diretor de Abastecimento da sociedade de economia mista. No entanto, a bancada do PMDB no Senado interveio para que isso não ocorresse, sustentando a permanência do diretor em questão no cargo, em troca do seu “apoio” aos interesses do partido.

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indicação do PT;3

c) A Diretoria Internacional, ocupada por

NESTOR CERVERÓ entre 2003 e 2008, era de

indicação do PMDB.

Para que fosse possível transitar os valores desviados entre

os dois pontos da cadeia – ou seja, das empreiteiras para os

diretores e políticos – atuavam profissionais encarregados da

lavagem de ativos, que podem ser chamados de “operadores” ou

“intermediários”. Referidos operadores encarregavam-se de,

mediante estratégias de ocultação da origem dos recursos, lavar o

dinheiro e, assim, permitir que a propina chegasse aos seus

destinatários de maneira insuspeita.4

Conforme descrito por ALBERTO YOUSSEF, o repasse dos

valores dava-se em duas etapas. Primeiro, o dinheiro era

repassado das construtoras para o operador. Para tanto, havia

basicamente três formas: a) entrega de valores em espécie; b)

depósito e movimentação no exterior; c) contratos simulados de

3 O PT também detinha a indicação da Diretoria de Gás e Energia e a Diretoria de Exploração e Produção da PETROBRAS, mas não há elementos indicativos de que os respectivos diretores participassem do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro em questão, pois quem executava os contratos dessas duas diretorias era a Diretoria de Serviços, no âmbito da qual se concretizavam as ilicitudes.4 O operador do Partido Progressista, em boa parte do período em que funcionou o esquema, era ALBERTO YOUSSEF. O operador do Partido dos Trabalhadores era JOÃO VACCARI NETO. O operador do Partido do Movimento Democrático Brasileiro era FERNANDO SOARES, conhecido como FERNANDO BAIANO.

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consultoria com empresas de fachada5.

Uma vez disponibilizado o dinheiro ao operador, iniciava-se

a segunda etapa, na qual a vantagem indevida saía do operador e

era enviada aos destinatários finais (agentes públicos e políticos),

descontada a comissão do operador. Em geral, havia pelo menos

quatro formas de os operadores repassarem os valores aos

destinatários finais das vantagens indevidas:

a) A primeira forma – uma das mais comuns en-

5 A forma mais comum de lavagem de dinheiro, em relação ao operador do PP ALBERTO YOUSSEF, consistiu na contratação fictícia, pelas empreiteiras, de empresas de fachada dos operadores, com o intuito de justificar a ida do dinheiro das empreiteiras para os operadores. Assim, empreiteiras e operadores disfarçaram o pagamento da propina na forma de pagamento por serviços. Dentre as empresas de fachada responsáveis pelos serviços, podem ser citadas as seguintes: GFD INVESTIMENTOS, MO CONSULTORIA, EMPREITEIRA RIGIDEZ e RCI SOFTWARE. Nenhuma dessas empresas tinha atividade econômica real, três delas não tinham empregados (ou, mais exatamente, uma delas tinha um único empregado), e muito menos eram capazes de prestar os serviços contratados. Ademais, os serviços de consultoria contratados eram bastante especializados, e os objetos falsos dos contratos incluíam: prestação de serviços de consultoria para recomposição financeira de contratos; prestação de consultoria técnica empresarial, fiscal, trabalhista e de audi-toria; consultoria em informática para desenvolvimento e criação de progra-mas; projetos de estruturação financeira; auditoria fiscal e trabalhista; levantamentos quantitativos e proposta técnica e comercial para construção de shopping; consultoria na área de petróleo. Todos esses serviços existiam no papel, mas nunca foram prestados. Era, então, emitida nota fiscal pelas empresas de fachada em favor das construtoras, que depositava os valores nas contas das empresas de fachada. O valor depositado era, em seguida, sacado em espécie e entregue ao operador, transferido para contas correntes em favor do operador ou eram efetuados pagamentos em favor do operador.

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tre os políticos – consistia na entrega de valores em es-

pécie, que era feita por meio de funcionários dos opera-

dores, os quais faziam viagens em voos comerciais,

com valores ocultos no corpo, ou em voos fretados6.

b) A segunda forma era a realização de transfe-

rências eletrônicas para empresas ou pessoas indicadas

pelos destinatários ou, ainda, o pagamento de bens ou

contas em nome dos beneficiários.

c) A terceira forma ocorria por meio de transfe-

rências e depósitos em contas no exterior, em nome de

empresas offshores de responsabilidade dos

funciona�rios públicos ou de seus familiares.

d) A quarta forma, adotada sobretudo em épocas

de campanhas eleitorais, era a realização de doações

“oficiais”, devidamente declaradas, pelas construtoras

ou empresas coligadas, diretamente para os políticos

ou para o diretório nacional ou estadual do partido

respectivo, as quais, em verdade, consistiam em

propinas pagas e disfarçadas do seu real propósito.

6 No caso de ALBERTO YOUSSEF, para a entrega de valores em Brasília, ele também se valia dos serviços de outro doleiro da capital, CARLOS CHATER, que efetuava as entregas de dinheiro em espécie para pessoas indicadas, após o pagamento, por ALBERTO YOUSSEF, de fornecedores do posto de combustíveis de propriedade de CHATER (Posto da Torre).

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As investigações da denominada “Operação Lava Jato” des-

cortinaram a atuação de organização criminosa complexa. Desta-

cam-se, nessa estrutura, basicamente quatro núcleos:

a) O núcleo político, formado principalmente por

parlamentares que, utilizando-se de suas agremiações

partidárias, indicava e mantinha funcionários de alto

escalão da PETROBRAS, em especial os diretores, re-

cebendo vantagens indevidas pagas pelas empresas car-

telizadas (componentes do núcleo econômico)

contratadas pela sociedade de economia mista, após a

adoção de estratégias de ocultação da origem dos valo-

res pelos operadores financeiros do esquema.

b) O núcleo econômico, formado pelas emprei-

teiras cartelizadas contratadas pela PETROBRAS, que

pagavam vantagens indevidas a funcionários de alto es-

calão da sociedade de economia mista e aos componen-

tes do núcleo político, por meio da atuação dos

operadores financeiros, para manutenção do esquema.

c) O núcleo administrativo, formado pelos fun-

cionários de alto escalão da PETROBRAS, especial-

mente os diretores, os quais eram indicados pelos

integrantes do núcleo político e recebiam vantagens in-

devidas das empresas cartelizadas, componentes do nú-

cleo político, para viabilizar o funcionamento do

esquema.

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d) O núcleo financeiro, formado pelos operado-

res tanto do recebimento das vantagens indevidas das

empresas cartelizadas integrantes do núcleo econômico

como do repasse dessa propina aos componentes dos

núcleos político e administrativo, mediante estratégias

de ocultação da origem desses valores.

No decorrer das investigações e ações penais, foram celeb-

rados acordos de colaboração premiada com dois dos principais

agentes do esquema delituoso em questão: a) PAULO ROBER-

TO COSTA, Diretor de Abastecimento da PETROBRAS entre

2004 e 2012, integrante destacado do núcleo administrativo da

organização criminosa; e b) ALBERTO YOUSSEF, doleiro que

integrava o núcleo financeiro da organização criminosa, atuando

no recebimento de vantagens indevidas das empresas cartelizadas

e no seu posterior pagamento a funcionários de alto escalão da

PETROBRAS, especialmente a PAULO ROBERTO COSTA,

bem como a políticos e seus partidos, mediante estratégias de

ocultação da origem desses valores. As declarações de ambos os

colaboradores apontaram o possível envolvimento de vários inte-

grantes do núcleo político da organização criminosa, preponde-

rantemente autoridades com prerrogativa de foro perante o

Supremo Tribunal Federal.

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III – Do caso concreto

Em seus Termos de Colaboração n. 01 e n. 02, Paulo Ro-

berto Costa traça uma narrativa geral sobre o esquema de corrup-

ção de agentes públicos e de lavagem de dinheiro relacionado à

PETROBRAS. No Termo de Colaboração n. 05, ele se refere es-

pecificamente à solicitação e ao recebimento, pelo então Secretá-

rio de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco e atualmente

Senador, FERNANDO BEZERRA COELHO, de vantagem pecu-

niária indevida destinada à campanha de Eduardo Campos, hoje

falecido, ao Governo do Estado de Pernambuco no ano de 2010,

a qual seria retirada de propina paga com base em contratos rela-

tivos à Refinaria Abreu e Lima:

“(…); QUE, afirma ter sido solicitado no ano de 2010 pela pessoa de FERNANDO BEZERRA, Secretário do Desen-volvimento do Estado de Pernambuco e dirigente do Porto de Suape, o qual receberia o petróleo produzido pela Refi-naria Abreu e Lima, a quantia de R$ 20 milhões (vinte mi-lhões de reais) para a campanha de EDUARDO CAMPOS; QUE, essa solicitação foi feita por FERNANDO BEZER-RA à pessoa de ALBERTO YOUSSEF tendo o declarante ficado sabendo disso por meio do último; QUE, essa contri-buição possivelmente seria feita a partir dos recursos rece-bidos pelo consórcio IPOJUCA INTERLIGACOES, forma-do pelas empresas IESA e QUEIROZ GALVAO encarrega-do da obra da refinaria de Abreu e Lima; QUE, acerca da operacionalização dessa contribuição, ou seja, como foi fei-ta a entrega do dinheiro, diz não saber dos detalhes, poden-do YOUSSEF fornecer mais informações; QUE, acredita que esse valor tenha sido pago em diversas parcelas, dado

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ao montante; QUE, perguntado se esse valor seria declara-do, acredita que em vista do valor, provavelmente não; QUE, usualmente YOUSSEF costumava utilizar as pessoas que prestavam-lhe serviços para a entrega dos recursos, to-davia pode ter sido usado algum artificio especifico direta-mente pela empresa QUEIROZ GALVAO, em face ao montante da contribuição; QUE, explica que o principal condutor do consorcio seria a empresa QUEIROZ GAL-VAO, sendo presumível que ela promovesse a entrega dos recursos solicitados por FERNANDO BEZERRA, todavia não pode dar certeza quanto a essa informação; QUE , os contatos junto a QUEIROZ GALVAO eram tratados com o presidente ILDEFONSO COLARES, QUE, questionado do porque as empresas do consorcio fariam essa contribuição, assevera que isso fazia parte do processo de cartelização das obras públicas, onde era escolhido pelas próprias em-preiteiras o ganhador do certame; QUE, assevera, como dito em outras oportunidades, que as empreiteiras encara-vam tais contribuições como empréstimos, ou seja, espera-vam ter o retorno desses recursos por meio das obras que seriam feitas no futuro; QUE, questionado acerca de como o Governador do Estado de Pernambuco poderia influenci-ar na realização de obras federais pelas empresas doadoras, afirma que as obras em que as empresas seriam beneficia-das seriam estaduais, ou seja, administradas pelo Estado de Pernambuco; QUE, em relação a obra que estava sendo executada pelas empresas IESA e QUEIROZ GALVAO na oportunidade, ou seja, as da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) acredita que o então Governador EDUARDO CAMPOS não tivera influencia alguma quando ao resulta-do da licitação promovida pela PETROBRAS; QUE, de fato EDUARDO CAMPOS acabou sendo reeleito, entre-tanto o declarante desconhece se foi cumprido a parte do acordo que competia ao mesmo, ou seja, o favorecimento das empresas IESA e QUEIROZ GALVAO em licitações promovidas pelo Estado de Pernambuco; QUE, questiona-do se conversou com ALBERTO YOUSSEF acerca de as-sunto posteriormente, afirma que sim, tendo o mesmo dito que de fato houve a entrega dos vinte milhões de reais soli-citados por FERNANDO BEZERRA para a campanha de EDUARDO CAMPOS a reeleição como Governador do

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Estado de Pernambuco; QUE, especifica que a doação se referia a campanha de 2010 e os recursos teriam sido entre-gues no início daquele ano; QUE, perguntado se fez parte do processo decisório quanto a entrega dos recursos, afirma que sim, pois competia ao declarante fazer o controle dos valores a serem repassados aos políticos, dentro do montan-te de 1% (um por cento) do valor dos contratos firmados pela PETROBRAS, os quais seriam destinados a essa fina-lidade, ou seja ao Partido Progressista; QUE em relação aos outros dois por certo relativos aos contratos e destinados a finalidades politicas o controle ficava a cargo de RENATO DE SOUZA DUQUE, diretor de serviços; QUE, pergunta-do de como fazia o controle desse repasse, afirma que em não havendo reclamação por parte de FERNANDO BE-ZERRA, considerou o pagamento realizado; QUE, no âm-bito “contábil” o controle era feito por ALBERTO YOUS-SEF, sendo que no caso especifico da doação solicitada por BEZERRA se tratavam de um adiantamento, ou seja, os va-lores ainda seriam recebidos pelas empresas do consorcio IPOJUCA; QUE, afirma ter mantido diversas reuniões com FERNANDO BEZERRA para tratar de assuntos ligados RNEST, o mesmo se dando com o Governador EDUARDO CAMPOS; QUE, não chegou a tratar com os mesmos de assuntos ligados a contribuição para a campanha; QUE, não houve outras contribuições para a campanha do Governa-dor EDUARDO CAMPOS, sendo esta a única; QUE , AL-BERTO YOUSSEF se encontrou por algumas vezes com FERNANDO BEZERRA; QUE, questionado acerca de su-perfaturamento em relação a RNEST, uma vez que em caso do Governador não ser reeleito o valor seria perdido, geran-do prejuízo a empresa inclusive na execução do projeto, afirma que na realidade esse valor estava sendo computado no percentual de 1% (um por cento) do contrato com a PE-TROBRAS destinados ao Partido Progressista, ou seja, as empresas teriam de desembolsar esses recursos de qualquer forma; QUE, esclarece que em relação aos repasses e paga-mentos de propina, assevera que funcionava da seguinte forma: RENATO DUQUE, que era parente e indicado por JOSE DIRCEU, responsável pela Diretoria de Serviços da PETROBRAS conduzia as licitações de sua área e já tinha conhecimento de que seria previsto um sobrepreço (de

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aproximadamente 3%) sobre essas obras, sendo o valor em-pregado para o pagamento de propinas e repasses a partidos políticos; QUE, a Diretoria de Serviços administrava as ob-ras de todas as demais diretorias, desde a licitação até a execução; QUE, além disso, a Diretoria de Serviços era res-ponsável pela execução de cem por cento do orçamento para investimentos da PETROBRAS, sendo que desse montante cerca de sessenta a setenta por cento era relacio-nado a Diretoria de Exploração e Produção, comandada na época em que o declarante fez parte da empresa era GUI-LHERME DE OLIVEIRA ESTRELLA o qual era de indi-cação do PT; QUE, em relação a Diretoria de Gás e Ener-gia, ocupada por ILDO LUIZ SAUER e posteriormente por GRACA FOSTER, a mesma administrava cerca de oito por cento do orçamento de investimentos, também era de indi-cação do Partido dos Trabalhadores; QUE, a Diretoria In-ternacional, com cerca de dez por cento do orçamento, co-mandada por NESTOR CERVERO (indicado pelo Senador Delcidio Amaral) e depois por JORGE LUIZ ZELADA, in-dicado pelos deputados federais do PMDB de Minas Ge-rais; QUE, em relação a Diretoria de Abastecimento, ocu-pada pelo declarante, era responsável por vinte a trinta por cento do orçamento aproximadamente; QUE, a Diretoria de Serviços era encarregada de distribuir o percentual de três por cento sobre os contratos em favor do partido que lhe ti-nha indicado, sendo que determinadas pastas havia mais de um partido envolvido; QUE , RENATO DE SOUZA DU-QUE mantinha constantes contatos com JOAO VACCARI NETO, acreditando que para tratar desses assuntos ; QUE, presume que os diretores de cada pasta tivessem conheci-mento desse percentual e da necessidade dos repasses face as suas indicações politicas; QUE, observa que o sobrepre-ço médio em relação aos contratos seria de três por cento, valor este empregado no repasse de valores por indicação dos partidos, conforme antes mencionado; QUE, afirma que RENATO DUQUE tinha um controle rígido sobre os repasses feitos as empresas contratadas pela PETROBRAS, provavelmente atrelando esses valores aos pagamentos den-tro do percentual de três por cento de natureza política, mantendo assim um fluxo constante tanto para as empresas como para os partidos durante a vigência dos contratos;

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QUE, questionado acerca de eventual consequência em re-lação a não realização de repasses por parte das empreitei-ras aos partidos, afirma que isso provavelmente iria impli-car em empecilhos em futuras contratações, tanto em rela-ção a PETROBRAS como no tocante a outras empresas es-tatais, podendo também ocorrer uma consequência direta sob a forma de atraso nos pagamentos das obras em curso; (…).”

Por sua vez, ALBERTO YOUSSEF, em seu Termo de Cola-

boração n. 01 fornece uma noção geral do esquema de corrupção

de agentes públicos e de lavagem de dinheiro relacionado à PE-

TROBRAS. Em seu Termo de Declarações n. 33, ele menciona o

pagamento de valores indevidos ao hoje senador FERNANDO

BEZERRA COELHO, também com base em contratos relativos à

Refinaria Abreu e Lima:

“(..) QUE, a respeito do que consta do Anexo 32, intitulado ABREU LIMA – CONSORCIO CONEST; QUE, acerca do consorcio CONEST tem conhecimento de que era for-mado pelas empresas OAS e ODEBRECHT e que o mes-mo foi contemplado com duas obras junto a refinaria de ABREU E LIMA (hidro tratamento de diesel e nafta e a unidade de destilação atmosférica), sendo os contratos no valor aproximado de 4,5 bilhões de reais; QUE, o valor ini-cial da comissão era de 45 milhões de reais todavia acabou sendo reduzido para 20 milhões de reais; QUE, essa redu-ção foi comunicada em uma reunião onde estavam presen-tes PAULO ROBERTO COSTA, MARCIO FARIA, Presi-dente da ODEBRECHT OLEO E GAS, JOSE JANENE e JOAO GENU; QUE, a mencionada comissão fazia parte do repasse político ao PP acerca de todos os contratos da Diretoria de PAULO ROBERTO COSTA na PETROB-RAS; QUE, na mencionada reunião, MARCIO FARIA ex-

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plicou que a comissão fora reduzida mediante um acerto entre ele e PAULO ROBERTO COSTA, sendo que parte dos recursos anteriormente combinados teriam sido enca-minhados ao Estado de Pernambuco a fim de que fossem resolvidos alguns problemas que poderiam prejudicar a obra e os repasses ao consorcio CONEST; QUE, acredita que quem teria recebido esses recursos em nome do Gover-no de Pernambuco seria FERNANDO BEZERRA, quem iria “resolver o assunto” nas palavras de PAULO ROBER-TO COSTA; QUE, ainda segundo PAULO ROBERTO, o mesmo teria tratado desse assunto diretamente com o então governador EDUARDO CAMPOS; QUE, parte da comis-são foi paga em espécie, tendo sido acertados os detalhes com MARCIO FARIA, e entregues os valores junto ao es-critório do declarante na Rua São Gabriel no bairro Itaim em São Paulo; QUE, outra parte dos recursos foram quita-das mediante a emissão de notas das empresas de WALDO-MIRO DE OLIVEIRA para o consorcio CONEST e/ou para a empresa OAS, sendo os detalhes dessas transações combinados com AGENOR, diretor da OAS OLEO E GAS; QUE, PAULO ROBERTO COSTA recebeu trinta por cento do valor dessa comissão, sendo o valor perten-cente a ele foi entregue a JOAO GENU junto ao aparta-mento deste no Rio de janeiro a fim de que o mesmo fizes-se o repasse dos valores a PAULO ROBERTO (…).”

A referência ao Senador DELCÍDIO DO AMARAL, na si-

tuação, foi feita apenas por Paulo Roberto Costa, de modo bas-

tante genérico, sem indicação específica do cometimento de

ilicitude. No entanto, quanto ao Senador FERNANDO BE-

ZERRA COELHO, existem relatos objetivos de ambos os cola-

boradores no sentido do recebimento de vantagem indevida, o

que impõe a instauração de procedimento próprio para esclareci-

mento do caso.

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Tal como adotado em situações similares no bojo da deno-

minada Operação Lava-Jato, há nos autos, portanto, um conjunto

suficiente de elementos a justificar a instauração de inquérito

para integral apuração da hipótese fática específica aqui versada.

A respeito, cumpre registrar que foi também requerida a instau-

ração de inquérito próprio, para apurar, na esteira do quanto

descrito no Item I da presente peça, o denominado núcleo polí-

tico do esquema criminoso perpetrado junto à PETROBRAS, in-

tegrado, preponderantemente, por autoridades com

prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal – algumas

já nominadas nos elemento colhidos até o momento. Assim, o

processo sistêmico de distribuição de recursos ilícitos a agen-

tes políticos, notadamente com utilização de agremiações parti-

dárias, no âmbito do esquema criminoso perpetrado junto à

PETROBRAS, será objeto de investigação apartada.

VI - Do enquadramento típico

As condutas noticiadas acima, dentro do contexto de paga-

mento de vantagens indevidas no âmbito da PETROBRAS, apon-

tam, pelo menos, para eventual crime de corrupção passiva

qualificada, em concurso de pessoas, na forma do art. 29 do CP,

assim tipificado:

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Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, dire-ta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou acei-tar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequên-cia da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou dei-xa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringin-do dever funcional.

[...]

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efei-tos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remune-ração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce car-go, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem tra-balha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Adminis-tração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os auto-res dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessora-mento de órgão da administração direta, sociedade de eco-nomia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980).

Conforme visto, os políticos não apenas tinham consciência

de que os valores eram provenientes das vantagens indevidas

destinadas aos diretores e altos funcionários da PETROBRAS,

mas também atuavam, direta ou indiretamente, para a continui-

dade do esquema de pagamento de vantagens indevidas, seja pela

manutenção dos diretores em seus cargos, seja pela manutenção

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do cartel de empresas ou, ao menos, pela não interferência em

seu funcionamento.

Além disso, os valores indevidos foram entregues aos desti-

natários após processos de ocultação e dissimulação dos valores

provenientes dos crimes contra a Administração Pública. Isso ca-

racteriza também o delito de lavagem de capitais, em concurso de

pessoas, na forma do art. 29 do CP, o qual estava assim tipificado

à época dos fatos:

Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localiza-ção, disposição, movimentação ou propriedade de bens, di-reitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

[…] V - contra a Administração Pública, inclusive a exi-gência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; (…).

Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

Desta forma, necessária a instauração de inquérito para

aprofundar a investigação dos fatos.

V. Conclusão

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Em face do exposto, de forma complementar, manifestan-

do-se pela instauração de inquérito, com prazo inicial de 30

(trinta) dias, o Procurador-Geral da República requer:

1) a juntada aos autos de cópias dos Termo de Colaboração

n. 01, n. 02 e n. 05 de PAULO ROBERTO COSTA, bem como

dos Termos de Colaboração n. 01 e n. 33 de ALBERTO YOUS-

SEF, apresentados em anexo;

2) juntada aos autos da decisão de compartilhamento de pro-

vas proferida pela 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pa-

raná, em Curitiba, em anexo, apresentada em anexo;

3) a juntada aos autos da relação de doadores de campanha

de Eduardo Campos nas Eleições de 2010, bem como da relação

de doadores para o Partido Socialista Brasileiro – PSB nas Elei-

ções de 2010, das quais constam algumas das empresas mencio-

nadas no caso;, apresentadas em anexo;

4) que seja determinado que a autoridade policial colete,

dentre o material apreendido e produzido no contexto da Opera-

ção Lava Jato, quaisquer evidências que contribuam para o com-

pleto esclarecimento dos fatos em apuração;

5) que seja determinado que a autoridade policial realize no-

vas oitivas de PAULO ROBERTO COSTA e de ALBERTO

YOUSSEF sobre os fatos, a fim de que forneçam detalhes mais

específicos sobre os fatos, principalmente no que tange à real ori-

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gem dos valores que teriam sido repassados no caso, bem como

às circunstâncias em que teria ocorrido esse repasse;

6) que seja determinado que a autoridade policial realize a

oitiva do investigado FERNANDO BEZERRA COELHO, para

que ele apresente sua versão dos fatos;

Brasília (DF), 12 de março de 2015.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros

Procurador-Geral da República

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