14
1 A REABILITAÇÃO DE FRENTES DE ÁGUA COMO MODELO DE VALORIZAÇÃO TERRITORIAL Ana Estevens Centro de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa [email protected] “El rio fuye sin alterar su forma, o sin necesidad de alterarla; es distinto siendo aparentemente el mismo…Cada momento el rio es otro. ... Si el rio es lo fugaz o huidizo, porque se mueve cambiando, es perfectamente explicable que se le compare a la vida, que fluye sin retorno. Es una de las imágenes más humanistas del paisaje. Nuestras vidas son los rios. ... De esto se deduce que el rio debe fluir. Si no, es una cinta verde; puro elemento estético de color y varidad. No es menester que lleve mucho agua, sino que fluya. Aunque nadie navegue por él, ha de ser un camino en movimiento. Los rios excesivamente mansos tienen el alma muerta de los canales, los estanques y las charcas. La fauna de éstas es la rana; la de rios, el pez.” Munian, 1945 Introdução A relação entre a cidade e o porto sempre foi muito estreita. Na sequência da capacidade de atraírem diferenciadas actividades económicas, os portos desencadearam formas de povoamento específicas diferentes de todo o processo de urbanização do litoral. Neste contexto, os portos foram durante um longo período o centro geográfico e funcional da cidade, tendo-se estruturado o tecido urbano a partir do cais. Contudo, a partir da segunda metade do Século XX, mudanças económicas associadas ao declínio da actividade portuária enfraqueceram a tradicional relação entre cidades e portos (VAN DER KNAAP and PINDER, 1992). Com a desactivação e relocalização

A REABILITAÇÃO DE FRENTES DE ÁGUA COMO … · Nuestras vidas son los rios. ... De esto se deduce que el rio debe fluir. Si no, es una cinta verde; puro elemento estético de color

Embed Size (px)

Citation preview

1

A REABILITAÇÃO DE FRENTES DE ÁGUA COMO MODELO DE VAL ORIZAÇÃO

TERRITORIAL

Ana Estevens

Centro de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

[email protected]

“El rio fuye sin alterar su forma, o sin necesidad de alterarla; es

distinto siendo aparentemente el mismo…Cada momento el rio es

otro.

...

Si el rio es lo fugaz o huidizo, porque se mueve cambiando, es

perfectamente explicable que se le compare a la vida, que fluye

sin retorno. Es una de las imágenes más humanistas del paisaje.

Nuestras vidas son los rios.

...

De esto se deduce que el rio debe fluir. Si no, es una cinta verde;

puro elemento estético de color y varidad. No es menester que

lleve mucho agua, sino que fluya. Aunque nadie navegue por él,

ha de ser un camino en movimiento. Los rios excesivamente

mansos tienen el alma muerta de los canales, los estanques y las

charcas. La fauna de éstas es la rana; la de rios, el pez.”

Munian, 1945

Introdução

A relação entre a cidade e o porto sempre foi muito estreita. Na sequência da

capacidade de atraírem diferenciadas actividades económicas, os portos desencadearam

formas de povoamento específicas diferentes de todo o processo de urbanização do litoral.

Neste contexto, os portos foram durante um longo período o centro geográfico e funcional

da cidade, tendo-se estruturado o tecido urbano a partir do cais.

Contudo, a partir da segunda metade do Século XX, mudanças económicas

associadas ao declínio da actividade portuária enfraqueceram a tradicional relação entre

cidades e portos (VAN DER KNAAP and PINDER, 1992). Com a desactivação e relocalização

2

industrial associadas à diminuição das actividades portuárias e logísticas afins e o

desenvolvimento de novas tecnologias, libertaram-se importantes áreas ribeirinhas, tendo

muitas destas estruturas dado origem a espaços obsoletos e inúteis e muitas vezes

perigosos.

Neste sentido, um pouco por toda a Europa assiste-se ao alastrar do movimento de

reabilitação de áreas ribeirinhas desactivadas, numa tendência crescente de (re)desenhar a

cidade a partir da sua valorização. Assim, o alastrar desta tendência a par da qualidade e do

impacto estruturante dos projectos e acções desenvolvidos, levam muitos especialistas a

falar da aproximação à água como um novo modelo de intervenção a partir da lógica de

intervenção assumida na reabilitação das frentes de água.

Pretende-se com a presente comunicação discutir todo o processo reabilitação de

frentes ribeirinhas no contexto da Península Ibérica, analisando-se as principais tendências

de evolução do processo de reabilitação no contexto europeu. Dois case studies - Área

Metropolitana de Lisboa e Área Metropolitana de Barcelona - serão apresentados como

projectos de intervenção da Península Ibérica, demonstrando a importância deste modelo

para a valorização de áreas em decadência, e a sua capacidade para atraírem e

concentrarem novas funções actividades.

1. A reabilitação de frentes de água

A reabilitação das frentes de água é um processo que se generalizou nas áreas

urbanas norte-americanas e que se difundiu pela Europa e pela Ásia. É um processo de

substituição das antigas áreas industriais e comerciais ribeirinhas por novos espaços de

serviços, habitação, áreas de lazer e equipamentos (HOYLE, 1992).

A implantação dos grandes projectos de reabilitação teve origem nos Estados Unidos

da América no final dos anos 50, nas cidades de Baltimore e Boston. Seguidamente foi nas

cidades canadianas de Toronto e Montreal que se desenvolveram projectos semelhantes, e

só mais tarde, nos anos 80, se implantou em Londres o conhecido projecto das Docklands.

HOYLE (1992) afirma que “mais cedo ou mais tarde todas as cidades norte-

americanas com uma frente de água urbana… vêm intervindo no sentido de uma

redescoberta e de uma reestruturação das zonas de referência (cidades portuárias e frentes

ribeirinhas) ”.

3

É importante começar por conhecer as mudanças estruturais que se registaram na

economia durante o século XX, para melhor se compreender todo o processo de reabilitação

de frentes de água.

Entre 1950 e 1960 observa-se um crescente abandono dos extensos quilómetros de

frentes urbanas ribeirinhas. Este facto ocorreu com a transição, durante o período pós

Segunda Guerra Mundial, para novas tecnologias de transporte de mercadorias e

contentores, tornando obsoletos os meios de transporte cargueiros tradicionais. Esta

transição foi pioneira nos EUA.

Segundo MOLLENKOPF (1983), é também importante associar a reabilitação de

frentes de água ao facto desta ocorrer em cidades onde se regista uma transição económica

pós-industrial (de indústria pesada para indústria centrada nos serviços, informação e alta

tecnologia), como Boston, S. Francisco, Nova York ou Baltimore.

A partir da II G.M., a indústria e o comércio portuário decresceram, surgindo uma

variedade de sectores de serviços na economia local (serviços comerciais, de saúde, de

educação, de desenvolvimento industrial, turismo e administração local), desenvolvendo-se

assim, um novo conjunto de cidades “pós-industriais”.

H.D.BARATA (1996), citando TUNBRIDGE (1998), refere que a reestruturação dos

antigos portos se integrou nos movimentos ligados à reabilitação dos centros históricos, ao

processo de reorganização da economia urbana orientada para os serviços, à melhoria das

condições ambientais e à despoluição das águas e da atmosfera.

Neste sentido, e de acordo com ROBERT (2000), a reabilitação urbana é conduzida

por (i) uma transição económica, (ii) interesse pelo ambiente social, (iii) obsolescência física

e novas exigências territoriais, (iv) qualidade ambiental e desenvolvimento sustentável.

Fazendo o paralelismo entre o processo de reabilitação de centros históricos e de frentes de

água, o autor refere que a última é forçada pelo encerramento dos portos,

desindustrialização, abandono do solo e desejo de espaços públicos (HOYLE et al., 1992;

BRUTTOMESSO, ed. 1991; BREEN and RIGBY, 1997)

As frentes de água tornaram-se assim, áreas que adjacentes à esfera do comércio

central, estão desocupadas e decadentes, em consequência da obsolescência tecnológica

dos equipamentos portuários e à desindustrialização. Estes locais tornaram-se, assim,

prioritários em todo o processo de reabilitação.

MANN (1988), refere dez tendências que estão na origem do movimento de

reabilitação de frentes ribeirinhas nos EUA:

1. Oferta de grande diversidade de usos;

4

2. Forte procura do público de margens livres e acessíveis;

3. Afastamento das infra-estruturas viárias e substituição por usos pedonais;

4. Recuperação de margens de pequenos cursos de água e canais;

5. Recuperação de património cultural e histórico;

6. Criação de espaços públicos de carácter comercial;

7. Sítios de exposições e eventos culturais;

8. Locais de instalação de elementos artísticos;

9. Oportunidade para realização de festivais e outros acontecimentos artísticos;

10. Promoção de regulação urbanística.

As tendências referidas para os EUA ocorrem, também, um pouco por toda a

Europa. Este é o denominado “síndroma Cinderela”, em que se verifica a “manifestação do

interesse público e das autoridades no sentido da requalificação de áreas anteriormente

degradadas, obsoletas ou subutilizadas, tendo em vista o desenvolvimento de um carácter

urbano, paisagístico, cultural e de lazer que responda às novas solicitações que se colocam

à sua fruição” (Urban Wildlife Research Center, 1981).

Segundo H.D.BARATA (1996), a reabilitação dos espaços portuários “foi assumida,

durante os anos 70 e sobretudo 80 em muitas cidades, como a intervenção urbana de maior

vulto, despertando a atenção de muitos agentes com interesses por vezes divergentes:

autoridades públicas, cidadãos – utentes, organismos portuários, grupos profissionais

ligados ao planeamento urbano e investidores privados”.

2. Um novo modelo de intervenção espacial

A reabilitação das frentes de água e dos antigos espaços portuários constitui uma

tendência na transformação das cidades Ocidentais, levando-as, muitas vezes, a um

projecto urbano assente no modelo City Beautiful, como foram na sua época os boulevards

do Século XIX (BRANDÃO, 2004).

Para SIEBER (1999), as novas estéticas ambientais e de planeamento estabelecem a

água como um elemento central, que muitas vezes serve de pano de fundo na paisagem

urbana.

Assim, têm-se registado esforços de reabilitação das frentes de água, sendo na Era

pós-industrial que este facto ganha importância. O declínio de indústrias pesadas e a

5

transição para uma economia com base nos serviços fazem com que estas preocupações

se tornem evidentes.

A redescoberta do valor paisagístico e ambiental das frentes de água, associada à

possibilidade da aproximação da população à “água”, tem-se convertido num novo modelo

de urbanização contemporânea. Neste contexto, muitas têm sido as cidades que nos últimos

anos têm desenvolvido estratégias de ordenamento territorial nestes espaços. Nesta

perspectiva, há uma nova forma de “olhar” para o espaço existente, mais atenta à paisagem

e aos processos de sustentabilidade do território.

Os actuais projectos urbanos em diversas cidades demonstram que a reabilitação

das áreas ribeirinhas é um “guia” chave para interpretar a lógica sobre a qual se apoia a

“reconstrução” destes espaços europeus.

Actualmente, o novo papel económico deste espaços reflecte-se nas novas

iniciativas da sua gestão. A reabilitação ribeirinha atrai progressivamente a população,

surgindo novas actividades. Através deste processo é possível satisfazer os desafios de

reestruturação económica e ambiental, melhorar a qualidade da água, gerindo as ameaças

colocadas pela poluição da água, implementar novas estratégias de ordenamento, melhorar

a extensão do acesso público à área ribeirinha e encorajar a participação pública no

processo de gestão desta áreas.

3. A Área Metropolitana de Lisboa e a reabilitação de frentes de água

Este ponto tem como objectivo dar uma visão geral da dinâmica do desenvolvimento

urbano e da reabilitação de frentes de água na Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Contudo, são necessárias algumas observações introdutórias para clarificar a relação entre

estes pontos.

A AML é constituída por 18 municípios e, de acordo com os Censos de 2001, tem

uma população residente de 2.682.687 habitantes, cerca de 27,18% da população do

Continente (INE, 2001). Tem uma área de costa com importantes características naturais,

culturais e paisagísticas. De um modo geral, a costa Atlântica é composta por arribas,

formações dunares e extensos areais, com perto de 20 Km de comprimento, incluíndo os

dois estuários, do Tejo e do Sado, que gozam de uma considerável biodiversidade.

6

Fig. 1 – A Área Metropolitana de Lisboa

Apesar da elevada concentração populacional na AML observa-se que na cidade de

Lisboa propriamente dita se tem vindo a verificar uma perda de população. A diminuição da

população teve início com o processo de suburbanização, que a crescente terciarização da

cidade veio reforçar, remetendo para as periferias a sua função residencial. As estatísticas

apontam para um acentuar dos níveis de envelhecimento demográfico nos bairros mais

centrais da cidade. Por outro lado, assiste-se a um aumento populacional nos concelhos

periféricos na sequência do desenvolvimento do sistema de transportes e de redes viárias.

Esta tendência de crescimento urbano “macrocéfalo” emergiu no pós-guerra nas

grandes cidades dos países industrializados, tendo sido desencadeada pela concentração

das actividades económicas nos centros urbanos. Ao processo de terciarização corresponde

uma dinamização do emprego, um deslocamento da função residencial para a periferia e a

um abandono de diversos espaços, nos quais encontramos as frentes urbanas ribeirinhas.

Emergem assim, concelhos “dormitório”: primeiro na margem Norte (a partir dos anos

40), ao longo dos eixos ferroviários; e mais tarde (anos 60) na margem Sul, com a abertura

da Ponte 25 de Abril, com a auto-estrada do Sul e com as vias rápidas da Caparica e do

Barreiro.

Contudo, a elevada e crescente densificação de construção residencial nova nas

periferias, não foi acompanhada por quaisquer políticas de reconstrução e reabilitação dos

espaços e dos edifícios abandonados, ao contrário do que já se verificava entre os parceiros

7

europeus ao nível do investimento na criação de uma dinâmica de desenvolvimento urbano

sustentável.

O elevado crescimento urbano, a par da ausência ou da fraca qualidade de

planeamento, deu origem a uma paisagem urbana desequilibrada e desqualificada no que

se refere à qualidade de vida urbana, à degradação de recursos e dos processos naturais e

paisagísticos.

No seguimento de toda esta dinâmica, colocaram-se e colocam-se alguns problemas

no espaço urbano, podendo-se referir, para exemplo, a carência de espaços verdes urbanos

de recreio e lazer para exemplo. Neste contexto, os municípios, a Administração do Porto de

Lisboa e o Governo têm procurado dar resposta a todas estas preocupações. Têm

desencadeado diversas acções e projectos de reabilitação urbana e ambiental, visando

devolver o rio à população.

Contudo, o planeamento municipal é muitas vezes feito de “costas voltadas” para os

concelhos contíguos, não tendo em conta aspectos de complementaridade e/ou

continuidade territorial. Deste modo, é necessário desenvolver e ter em conta estudos

básicos e processos de planeamento integrado, a nível municipal e supramunicipal, para o

estabelecimento de um lógica de ordenamento com vista a alcançar um desenvolvimento

sustentável do território.

Como foi referido anteriormente, o processo de reabilitação das frentes de água,

inserido num movimento internacional, surgiu para dar resposta às modernas exigências de

compatibilização entre os efeitos espaciais negativos da evolução económica e a

necessidade da salvaguarda da qualidade urbana e ambiental. Neste contexto, assistimos,

actualmente, em todo o território ribeirinho metropolitano a diversas mudanças urbanas e as

áreas ribeirinhas são de certo modo o seu case study. Numa tentativa de devolver o rio à

população têm-se desenvolvido projectos de intervenção urbanística enquadrados em

princípios de sustentabilidade, respeitando o ambiente e as especificidades das áreas

ribeirinhas.

A paisagem da AML permite-nos encontrar os elementos e os sistemas básicos

necessários para a recriação duma nova paisagem cuja sustentabilidade dependerá de

princípios, valores, formas e recursos, também presentes na relação de proximidade com a

natureza e na dinâmica próprias de todo o território.

Seguindo de certa forma este princípio os municípios da AML têm desenvolvido

esforços com o objectivo de (re)criar novos espaços. Nesta perspectiva, torna-se de extrema

importância saber conjugar o desenvolvimento dos modos de vida emergentes na sociedade

8

contemporânea com as condições ambientais e com os recursos ambientais que respondem

aos novos consumos urbanos, de cultura, lazer e recreio.

Neste contexto, as frentes de água ganham uma crescente importância social,

cultural e económica, e ganham uma posição central nas estratégias e políticas territoriais

das cidades costeiras europeias.

Dos municípios que constituem a AML, 16 têm frentes de água, 6 com frentes

costeiras e 10 com os estuários dos rios Tejo ou Sado. Daqui se pode depreender a

importância que a “água” deverá adquirir nas políticas municipais e metropolitanas.

Em Portugal, a “redescoberta” das frentes de água como espaços de valorização

urbana, deu-se a partir do final dos anos 80. Contudo, o grande impulso verificou-se com a

realização da EXPO’98 e com o projecto do Parque das Nações.

Fig.2 – EXPO’ 98 (Lisboa)

A EXPO’98 serviu, de certo modo, de alavanca para o projecto do Parque das

Nações. Este espaço estende-se por 5 km ao longo da frente ribeirinha do estuário do Rio

Tejo.

Pretendeu-se revalorizar a relação da cidade com o Rio, recuperarando o ambiente e

a paisagem, reconverteendo os usos desta área, assegurarando a integração deste espaço

9

no tecido da "cidade" e a participação na sua identidade, de forma a constituir uma nova

centralidade na área metropolitana de Lisboa.

Este projecto constituiu assim, não só uma oportunidade de reabilitação urbanística e

ambiental, mas também de modernização e internacionalização da Área Metropolitana de

Lisboa.

No contexto da AML, nos últimos 10 anos, com o incentivo de programas estatais,

enquadrados no QCA III - como o Programa Polis - surgiram diversos planos e projectos

municipais centrados nas frentes de água. Estes tiveram por objectivo a reabilitação urbana

e ambiental, e a valorização do recreio e do lazer junto à “água”.

Muitos foram os municípios que desenvolveram projectos com uma visão de

conjunto, permitindo uma articulação de temas e conteúdos, e a compatibilização dos

diversos usos e ocupações destes espaços. Estes municípios desenvolveram estudos e

programas para as respectivas frentes de água, permitindo dar uma articulação e equilíbrio

programático aos diversos projectos.

A título de exemplo, podemos referir o plano de conjunto para a Baía do Seixal, o

programa para a Frente Ribeirinha de Mar da Costa da Caparica, ou o programa PROTEJO

para a Orla Ribeirinha do Concelho da Moita.

Fig. 3 – Almada e Cacilhas

10

As linhas estratégicas e o modelo territorial do PROTAML são tomados como

referências de partida na medida em que se dá especial importância ao tema da “água”, das

“frentes de água” e ao Estuário do Tejo.

O PROT estabelece nos seus objectivos de estratégia territorial “recentrar a Área

Metropolitana no Estuário do Tejo, salvaguardando os valores naturais e as áreas

protegidas” e “desenvolver a Grande Lisboa, cidade de duas margens”. Assim, observa-se

um “afirmar do Estuário do Tejo como espaço central da estrutura metropolitana”,

valorizando-se “a presença da Água como recurso e como valor ambiental e paisagístico

estratégico, e o Estuário do Tejo como espaço de diferenciação territorial e de identificação

e coesão metropolitanas”, através de instrumentos de gestão territorial.

Neste contexto, a aposta na reabilitação do Estuário do Tejo pode constituir o ponto

chave para a valorização internacional do papel da água e das frentes de água na AML, o

que funcionará como motor de valorização de todas as frentes de água da região (BRANDÃO,

2004). Assim, e perante uma ampla gama de possibilidades e de oportunidades, criam-se

novos espaços de interface entre a vida urbana e os espaços naturais costeiros e

estuarinos.

4. A reabilitação de frentes de água em Espanha: o caso da Área Metropolitana Barcelona

É a partir da finais da década de 1970, início da década de 1980, que se assiste ao

declínio da actividade industrial em Espanha, tal como acontecia um pouco por toda a

Europa e já tinha acontecido uma década mais cedo na América do Norte. A Área

Metropolitana de Barcelona é um exemplo disso.

Nesta década assiste-se em Barcelona ao abandono de vastas áreas, de armazéns,

de equipamentos diversos e das instalações industriais que funcionavam no porto. O

aparelho produtivo desta cidade portuária entrou assim em declínio, originando

paralelamento graves problemas a nível urbanístico. No contexto social, o desemprego

alcança níveis elevados, acentuando os problemas sociais e a exclusão social.

Neste contexto, tornou-se prioritária para a cidade uma estratégia de reorientação

económica que reconvertesse todo esta área abandonada e a devolvesse à cidade e aos

seus residentes. Neste sentido desde 1987 que o centro histórico de Barcelona desenvolve

um Plano de Reabilitação Integral ao nível de vários sectores: urbanismo, habitação,

segurança, bem-estar social, revitalização económica e mobilidade. A par deste plano

muitos outros projectos e parcerias se desenvolveram. A operação Olímpica foi um desses

11

projectos. Este proceso constituiu uma reestruturação para toda a Área Metropolitana em

geral e para o litoral em particular. Este processo de reestruturação foi impulsionado,

sobretudo, pelo sector público, nomeadamente pelas entidades nacionais, regionais e locais.

Com este projecto, as entidades promotoras pretenderam “abrir a cidade ao mar”

destruindo a cintura portuária e construindo um passeio marítimo pedonal. Foi criado um

“balcão” sobre o mar, hierarquizando-se subterraneamente o tráfego automóvel. Outras

intervenções são também dignas de nota como a construção da Vila Olímpica, em 1992,

como conceito de “reconstrução da cidade interior”. Pretendeu-se com esta acção recuperar

a fachada litoral de Barcelona transformando a área do Poble Nou em novo quarteirão

marítimo (Vila Olímpica) e distribuindo as instalações olímpicas por quatro sectores distintos

da cidade, no sentido de associar benefícios sociais a todos os cidadão: colina de Montjuich,

parque marítimo, Diagonal e Vall d’Hebron (Malta, 1999).

Esta nova paisagem urbana é marcada pela consolidação de Barcelona como cidade

costeira. Esta transformação foi importante para toda a área reabilitada mas também pelo

efeito de contágio que teve em relação às áreas contíguas. Este facto faz com que áreas

históricas, como a parte medieval da cidade (Port Veill), e os bairros antigos de

trabalhadores que se encontravam degradados (Poblenou e Barceloneta) fossem tidos em

conta em todo o processo.

Todo este processo foi apoiado no modelo norte-americano da década de 1940 que

apostava nas actividades culturais e recreativas, no comércio, em edifícios para o sector

terciário, em espaços e passeios públicos. Contudo, e apesar de ser um modelo antigo,

conseguiu que toda a área litoral e portuária fosse reabilitada, sendo ao mesmo tempo

catalizadora da transformação global da cidade (Malta, 1999). Pode mesmo dizer-se que é

um projecto de e para a cidade, revelando um “saber fazer” e constituindo um modelo

possível para muitas cidades europeias.

5. Síntese conclusiva

A valorização da água e das frentes de água numa escala metropolitana exige, no

quadro institucional, a convergência e a concertação de estratégias, políticas, projectos e

procedimentos das diversas entidades que têm a tutela e intervêm nestes espaços.

Contudo, o que se verifica actualmente é que esta situação não se verifica, permanecendo a

ideia de que as áreas ribeirinhas são “áreas de dificuldade” e espaços onde convergem as

divergências institucionais. Contudo, podem tornar-se áreas actractivas, reconquistando os

espaços portuários antes abandonados.

12

Os dois casos apresentados são exemplo disso. A par do projecto da Expo’98,

encontrámos no outro caso apresentado a operação Olímpica em Barcelona. Se a Expo’98

conseguiu que uma área obsoleta e degradada fosse reabilitada e requalificada urbanistica

e ambientalmente, o mesmo se pode dizer do que aconteceu na criação da Vila Olímpica de

Barcelona. A criação de Vila Olímpica numa antiga área industrial permitiu a reestruturação

de todo o tecido urbano de Barcelona recuperando-se o traçado de Cerdá.

Em resumo, pode dizer-se que o caso da experiência de Barcelona, ao longo da

década de 1980 e início da década de 1990, pode ser visto como uma nova estratégia de

projecção e gestão urbana, vindo superar o impasse que se criou durante a década de

1990. Lisboa, tal como muitas outras cidades europeias, procuraram ou procuram uma

estratégia similar, um projecto urbano que parte das raízes da própria cidade assegurando

uma visão a longo prazo, contemplando estratégias compatíveis com a cidade tradicional

(Busquets, 2003).

Neste contexto de reabilitação de frentes ribeirinhas, e tendo em conta que a questão

institucional é central no processo de transformação das frentes de água e que actualmente

muitas foram as entidades que desenvolveram projectos nestas áreas, devem ser tidos em

conta alguns pontos:

→→→→ desenvolver programas de reabilitação e de requalificação das frentes de

água;

→→→→ construir a diversidade de espaços ribeirinhos, contrariando a

banalização e a repetição de modelos conhecidos;

→→→→ entender as formas de apropriação e de identificação das populações

com esses espaços, tendo visão dinâmica das mudanças sociais e

culturais;

→→→→ transformar os espaços ribeirinhos através de projectos inovadores,

enquadrados numa visão de conjunto que tenha em atenção todos

factores relevantes para o ordenamento do território- diversidade social,

histórica, cultural, paisagística e biofísica, por exemplo;

→→→→ ter em conta a abordagem a diversas escalas territoriais (metropolitana,

intermunicipal, municipal/ local) e a sua articulação;

→→→→ recuperar de património cultural e histórico;

→→→→ promover a regulamentação urbanística;

→→→→ “ligar” a cidade à água.

13

Bibliografia

BARATA, H. D. (1996), O Porto de Lisboa, Estudos para o Planeamento Regional e Urbano, nº44, Centro de Estudos da Universidade de Lisboa, Lisboa

BRANDÃO, P. (2004), “As ribeirinhas – paisagens globais?” in Esturium, nº6, Área Metropolitana de Lisboa, Lisboa, pp. 5-8

BREEN, A. and RIGBY, D. (1997) – Waterfronts: Cities Reclaim Their Edge, The Waterfront Center, Washington.

BRUTTOMESSO, R. (ed.) (1991) – Waterfronts: A new frontier for Cities on Water, Città d’Acqua, Veneza

BUSQUETS, J. (1997) - “ Los Waterfront de nuevo una prioridad urbanística”, in Mediterrâneo, nºs 10 e 11, Institudo Mediterrânico, Faculdade de Ciencias e Tecnologías, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, pp. 35-46

BUSQUETS, J. (2003) - “A reabilitação das frentes de água”, in Esturium, nº4, Área Metropolitana de Lisboa, Lisboa, pp. 5-8

CHALINE, C. (1999) – “Avaliação e Reconversão dos Espaços Portuários Abandonados” in FERREIRA, V, M; INDOVINA, F. (Org.), A Cidade da Expo’98, Bizâncio, Lisboa, pp. 116-125.

FOSTER, J .(1999), Docklands. Cultures in Conflict, Worlds in Collision, UCL Press, London.

GASPAR, J. (1999), “As frentes e água no contexto estratégico do desenvolvimento da A.M. Lisboa”, in FERRREIRA, V, M.; INDOVINA, F(Org.), A Cidade da Expo’98, Bizâncio, Lisboa

HOYLE, B. (1989) - “ The Port- City Interface : Trends, Problems and Examples” in Geoforum, Vol 20, Nº4, Pergamon Press, Oxford – new York, pp 429-435,

HOYLE, B.; PINDER, A. (1992) - “Cities and the sea: change and development in contemporary Europe”, in B. S. HOYLE AND D. PINDER (Eds), European Port Cities in Transition, Belhaven Press, London, pp 1-19.

MALTA, RACHEL RODRIGUÈS (1999) – “Villes d’ Espagne en régénération urbaine. Les examples de Barcelona, Bilbao et Madrid”, Annales de Géographie, 608, pp.397-419

Mann, R. B. (1988), Ten Trends in the Continuing Ressaissance of Urban Waterfronts. Landscape and Urban Planning

MOLLENKOFOPT, J. H. (1983) – The Contested City, Princeton University Press, Princeton

14

PINDER, D.; KNAP (1992) - “ Revitalising the European waterfront: policy evolution and planning issues” in B. S. HOYLE AND D. PINDER (Eds), European Port Cities in Transition, Belhaven Press, London, pp 155-175.

ROBERT, P. (2000) – “The Evolution, Definition and Purpose of Urban Regeneration”, in ROBERT and SYKES (ed), Urban Regeneration: A Hand Book, Sage, London

SIEBER, R.T. (1999) - “Intervenção nas frentes de água das cidades americanas”, in FERREIRA, V.M.; INDOVINA, F. (Org.), A Cidade da EXPO’98, Bizâncio, Lisboa, pp.63-77

SUYKENS, F. (1989) - “The City and Its Port – an Economic Appraisal” in Geoforum, Vol. 20, nº 4, Pergamon Press, Oxford-new York, pp.437-445

TEIXEIRA, M.B. (1999) - “Reconversão de areas urbanas em frentes de água”, in Ferreira, V.M.; INDOVINA, F. (Org.), A Cidade da EXPO’98, Bizâncio, Lisboa, pp.79-115

TUNDERBRIDGE, C. (1988) – “Policy convergence on the waterfront? A comparative assessment of North American revitalisation strategies”, in Revitalizing the waterfront, HOYLE, PINDER AND HUSAIN (Eds.), Belhaven Press, London

Urban Wildlife Research Center (1981) – Planning for Urban Fishing and Waterfront Recreation, Biological Service Program, Department of the Interior, U.S

VIEGAS, L., BRANCO, M., GRANDE (1997) - “Contexto, Cenário e impacto das operações de reconversão urbana em frentes de água”, in Mediterrâneo, nºs 10 e 11, Instituto Mediterrânico, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, pp.9-19

VILAN, T., CHALINE C. (1997) - “La reconquête dês waterfronts: logiques et enjeux de la régéneration urbaine”, in Mediterrâneo, nºs 10 e 11, Instituto Mediterrânico, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, pp.21-33

www.ine.pt

www.aml.pt

www.waterfrontexpo.com

www.aivp.org

www.amb.es

www.parquedasnacoes.pt