A Reforma Do Direito Probatório No Processo Civil Brasileiro

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  • 7/26/2019 A Reforma Do Direito Probatrio No Processo Civil Brasileiro

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    A REFORMA DO DIREITO PROBATRIO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO -QUARTA PARTE

    Anteprojeto do grupo de pesquisa "Observatrio das Reformas Processuais" Faculdade de Direito daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro Reform in evidentiary law in Brazilian civil procedure -

    Fourth partRevista de Processo | vol. 243/2015 | p. 163 - 211 | Mai / 2015DTR\2015\7908

    Antonio GidiDoutor em Direito pela Universidade da Pensilvnia. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP.Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Houston.

    Eduardo CambiPs-Doutor em Direito Processual Civil pela Universit degli Studi di Pavia (Itlia). Doutor e Mestreem Direito das Relaes Sociais pela Universidade Federal do Paran (UFPR). Professor daUniversidade Estadual do Norte do Paran (UENP) e da Universidade Paranaense (Unipar).Promotor de Justia no Estado do Paran.

    Flvio Luiz YarshellLivre-docnte, Doutor e Mestre em Direito pela USP. Membro do Instituto Ibero-Americano de DireitoProcessual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da Associao Internacional de DireitoProcessual, da Associao dos Advogados de So Paulo. Membro Benemrito da AcademiaBrasileira de Direito Processual. Professor titular em Direito Processual pela USP. Scio do escritriode advocacia Yarshell Mateucci e Camargo Advogados.

    Gustavo SampaioMaster of Laws pela Harvard Law School.

    Leonardo GrecoDoutor em Direito pela USP. Professor titular de Direito Processual Civil da UFRJ e Professor adjuntoda UERJ.

    Marco Antnio dos Santos RodriguesDoutor em Direito Processual e Mestre em Direito Pblico pela UERJ. Ps-doutorando pelaUniversidade de Coimbra. Professor adjunto de Direito Processual Civil da UERJ. Membro doInstituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual e daAssociao Internacional de Direito Processual. Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

    rea do Direito:Civil; ProcessualResumo:Relatrio final da pesquisa sobre a reforma do direito probatrio do grupo de pesquisa"Observatrio das Reformas Processuais", da Faculdade de Direito da Universidade do Estado doRio de Janeiro, acompanhado de anteprojeto de lei e contribuies externas recebidas durante adiscusso pblica.

    Palavras-chave: Anteprojeto - Reforma - Direito probatrio - Processo civil brasileiro.Abstract:Final report about the reform of the evidence law in the Brazilian Civil Procedure context,derived from the work developed by the research group "Procedure Reforms Observatory", at the LawFaculty of Rio de Janeiro State University, with a legislative proposal and external contributions of thepublic discussion.

    Keywords: Legislative proposal - Reform - Evidence law - Brazilian civil procedure.Sumrio:

    - Anexo II:Comentrios do Prof. Flvio Luiz Yarshell - Anexo III:Transcrio da palestra do Prof.Eduardo Cambi na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 07.05.2014, no mbito do grupode pesquisa institucional Observatrio das Reformas Processuais, coordenado pelo Prof. LeonardoGreco e com colaborao do Prof. Marco Antnio dos Santos Rodrigues - Anexo IV:outros

    comentrios e sugestes recebidos - Anexo V:Tabelas de Correspondncia entre os artigosmencionados pelos professores visitantes (verso preliminar)7 e a verso final do Anteprojeto

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    Recebido em: 08.09.2014

    Aprovado em: 15.10.2014

    Anexo II: Comentrios do Prof. Flvio Luiz Yarshell, da Universidade de So Paulo, resultantes dasua palestra na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 30.04.2014

    Anexo III: Transcrio da palestra do Prof. Eduardo Cambi na Universidade do Estado do Rio deJaneiro, em 07.05.2014

    Anexo IV: Outros comentrios e sugestes recebidos: Prof. Vicente Greco Filho, Prof. Antonio Gidi eProf. Gustavo Sampaio de Abreu Ribeiro

    Anexo V: Tabelas de correspondncia entre os artigos mencionados pelos professores visitantes(verso preliminar) e a verso final do AnteprojetoAnexo II: Comentrios do Prof. Flvio Luiz Yarshell

    Reforma do direito probatrio no processo civil brasileiro: o Anteprojeto do Observatrio dasReformas Processuais da UERJ (I)

    Merece1 a ateno do meio acadmico o anteprojeto de lei elaborado pelo grupo de pesquisaObservatrio das Reformas Processuais, da Faculdade de Direito da Universidade do Estado doRio de Janeiro (UERJ), que tem por objeto uma proposta de reforma do direito probatrio noprocesso civil brasileiro. Trata-se de trabalho realizado por competente e srio grupo de estudiosos,sob a batuta experiente e segura do Prof. Leonardo Greco.

    desse ilustre docente a apresentao do trabalho, na qual ele explica com detalhes os respectivosantecedentes, suas premissas tericas, diretrizes gerais e estrutura, com notvel clareza eprofundidade. Essa autntica Exposio de Motivos secundada pelas justificativas dos relatoresde cada uma das partes. No final est lanada a proposta de texto. No conjunto, trata-se de trabalho

    doutrinrio de flego e que, embora sem pretender concorrer com o Projeto do novo Cdigo deProcesso Civil que tramita perante o Congresso Nacional, h de servir como fonte doutrinriarelevante, a inspirar debate e, eventualmente, repercusses jurisprudenciais e at legislativas.

    Justamente por se tratar de trabalho alentado e profundo, seria impossvel descrev-lo de formadetalhada em poucas linhas. Portanto, o que segue no so mais do que aleatrias observaes queo trabalho despertou, inclusive por conta de rico debate mantido com aquele grupo de estudiosos, aconvite do Prof. Greco; a quem ficam aqui registrados os agradecimentos e os votos decongratulao pelo relevante resultado obtido. Se for possvel, que estas linhas sirvam de estmulopara que aquele belo trabalho seja lido, estudado e difundido. O grupo, como nos foi dito ento, estaberto ao debate e s crticas.

    Um dos pontos mais relevantes est na assumida nfase para o (assim denominado) princpio

    dispositivo. Disso resultam desdobramentos conceituais importantes, que permeiam o projeto.Um deles diz com a extenso do poder de instruo oficial, que passa a atuar de forma subsidiria; oque pode ocorrer notadamente diante da indisponibilidade do direito ou da desigualdade real (art.10). A propsito, embora a doutrina que se formou luz do direito positivo brasileiro frequentementetenda a dar a tais poderes amplitude maior, sem o temor de que isso possa ferir a igualdade (atpelo contrrio), a opo do projeto se afigura correta. realmente conveniente reforar que a prova, antes de tudo, encargo dos interessados; isto , um nus, cuja distribuio ao contrrio do quecomodamente se apregoa com base em lies respeitveis, mas j longevas no se resume a umasimples regra de julgamento derivada da impossibilidade de se decretar o non liquet.

    No obstante a premissa acima, o projeto ocasionalmente flerta com a indisponibilidade da prova.Isso ocorre, por exemplo, quando ele restringe a possibilidade de desistncia do meio de provarequerido; o que, a rigor, s poderia ser explicado pela existncia de poder de instruo oficial. Outro

    ponto que sugere atenuao do princpio dispositivo est na substituio de nus por deveres,conforme consta do art. 6.. Por exemplo, a parte no tem apenas o nus de comparecer a juzo para

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    Outro desdobramento importante da premissa de que prova essencialmente encargo das partesest na rejeio muito correta, por sinal de que a respectiva produo poderia ser limitada diantedo argumento de que j formado o convencimento do juiz. Sobre isso, no h dvida de que omagistrado o destinatrio da prova e de que no devem ser toleradas provas inteis. Mas, preciso fazer duas ressalvas: considera-se o juiz como destinatrio da prova quando se pensa nadeciso final, a ser adjudicada; alm disso, tal deve ocorrer sem que se amesquinhe a prova comoautntico direito que, alis, descende das garantias constitucionais da ao e da defesa. Da,ento, o acerto da regra inscrita no art. 9. do Projeto, segundo a qual o juiz no pode restringir odireito prova com fundamento na reduzida probabilidade de xito da prova requerida, naceleridade ou na economia processual.

    Mas, uma das mais relevantes propostas do projeto est na ampla possibilidade de antecipao daprova. A propsito, o trabalho acolheu a desvinculao entre prova antecipada e urgncia. Ao

    disciplinar o que chamou de procedimento probatrio extrajudicial, a proposta admitiu a providnciacomo forma de definio precisa dos fatos, a identificao e a revelao do contedo das provasque a eles correspondam; e isso com as finalidades de proporcionar tempestiva troca deinformaes; de favorecer rpida soluo amigvel; e de contribuir para uma adequadapreparao de demanda futura.

    Na realidade, o projeto vai alm da mera produo judicial antecipada da prova sem o requisito doperigo da demora. O que ali est proposto a regulamentao legal do que se poderia qualificarcomo autntico dever geral de informao. De um lado, h o nus de buscar antecipadamente aprova. Isso ocorre a ponto de se estabelecer que a no instaurao do procedimento prvio, semmotivo justificado (que redunde na falta, no processo judicial, de definio precisa dos fatosrelevantes ou de identificao e revelao do contedo das provas que a eles correspondam),implicar extino do processo sem resoluo do mrito. De outro lado, cria-se autntico dever, na

    medida em que a recusa ao atendimento do pleito da parte contrria (note-se que no h processojudicial ainda) pode ensejar a aplicao de multa.

    Esse ltimo tema dos mais relevantes e que merece ser tratado de forma separada. o que sepretende fazer na sequncia.

    Depois2 de uma anunciada interrupo, dedico-me ao exame da proposta de procedimentoprobatrio extrajudicial constante do trabalho elaborado pelo grupo orientado pelo Prof. LeonardoGreco, referido no ttulo.

    Na esteira de outros ordenamentos e seguindo tendncia doutrinria (j refletida no Projeto do CPCque tramita perante o Senado), o trabalho consagrou o postulado de que a produo da prova deforma antecipada no est sujeita ao requisito do perigo da demora (art. 29, 1.). A providncia

    est calcada simplesmente no interesse de esclarecimento dos fatos, como bem resumiu a regrainserta no art. 30, sem embargo do maior detalhamento que consta do art. 29, I a III.

    Na realidade, a proposta foi consideravelmente alm, com presumvel inspirao em modelos decommon law. Ela estabeleceu um autntico dever de informao a cargo das partes (art. 35),desvinculado do direito material e a ensejar a instaurao do que se chamou de procedimento masque pode ser reputado autntico processo extrajudicial a cargo dos interessados (art. 29, 2.),com interveno apenas eventual do rgo judicante.

    A proposta arrojada, se considerarmos que, ainda hoje, a jurisprudncia hesita em consentir bemmenos do que isso, isto , a antecipao da prova em juzo, de forma desvinculada do perigo. Aofaz-lo, o trabalho do grupo coordenado pelo Prof. Leonardo Greco deu ao princpio do contraditriouma nova dimenso: no instituto proposto, o que se tem a somatria de um procedimento sequncia de atos teleologicamente encadeados e de uma autntica relao jurdica processual,

    composta por posies que envolvem poderes, sujeies, nus, faculdades e deveres. Por outras

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    palavras, trata-se de um procedimento em contraditrio, no qual a cincia e a participao dosinteressados no so apenas instrumentais, nem so exatamente destinadas a preparar umprovimento jurisdicional; elas integram o cerne da atividade realizada. O que ali se busca umatroca de informaes entre as partes, o prvio esclarecimento dos fatos, e a identificao erevelao do contedo das provas. Portanto, o contraditrio que expressa uma nova e relevante

    forma de dilogo entre as partes parte nuclear desse autntico processo extrajudicial.A proposta preconiza que as partes se abram ao intercmbio de informaes e de elementosprobatrios; a ponto de estabelecer que a falta injustificada da instaurao desse dilogo queredunde na falta, no processo judicial, de definio precisa dos fatos relevantes ou de identificao erevelao do contedo das provas qualificada como causa de extino do processocorrespondente sem resoluo do mrito (art. 29, 4.). Por outras palavras: o prvio dilogo quese traduz em forma at ento desconhecida entre ns de exerccio do contraditrio alado categoria de condio da ao (interesse de agir) e configura indisponvel nus das partes.

    Pessoalmente e externei essa opinio aos componentes do grupo quando ali estive para debate dotema reputo que a soluo, embora tecnicamente correta, pode significar um empecilho a suaincorporao pelo direito positivo. que o rigor da proposta pode ensejar resistncias, inclusive sobo argumento de inconstitucionalidade do dispositivo, por limitar indevidamente o exerccio do direito

    de ao. Para uma realidade que reluta em aceitar a autonomia da prova judicial, o que dizer deproposta de prova extrajudicial com tais dimenses?

    Mas, h mais: na proposta de regulamentao ora comentada, a instaurao do assim chamadoprocedimento extrajudicial probatrio no apenas um nus. O requerido deve ser advertido deque a falta de resposta ou de colaborao poder ser interpretada em seu desfavor em futurademanda judicial, sujeitando-o a multa. Isso faz dessa posio jurdica mais do que um simples nus,mas um autntico dever, cuja falta de observncia enseja a aplicao do que tecnicamente seentende por sano. Da ser correto identificar na proposta o estabelecimento de um autntico deverde informao, o que, conforme j apontado, est expressamente dito no texto (art. 35).

    A preocupao da proposta com um dilogo amplo e franco entre partes vem expressa, por exemplo,na regra do art. 38: em procedimento judicial subsequente, as partes no ficam vinculadas s

    declaraes feitas no dito procedimento extrajudicial. Contudo, embora o raciocnio ali subjacenteseja compreensvel e at louvvel, tal proposta soa como nota dissonante no concerto geral doprojeto. Preservada convico em contrrio, se a ideia a de estabelecer um autntico dever deinformao cuja falta de observncia pode gerar severas consequncias no faz sentido negarvinculao das partes pelo que esclareceram, informaram e at provaram. A regra constante doprojeto desprestigia o precedente exerccio do contraditrio e d azo para que o to desejveldilogo prvio entre as partes acabe esvaziado. No h, em suma, coerncia em sancionar a falta deresposta ou de colaborao (art. 33, V) e, ao mesmo tempo, admitir que as partes possamapresentar informaes e esclarecimentos aos quais no fiquem, depois, vinculadas.

    Embora a produo da prova no mbito extrajudicial seja importante ferramenta para favorecer aautocomposio (tal como consta do art. 29, II), no se pode confundir uma coisa com a outra; nemreduzir o exerccio do contraditrio que ali se contem a meras tratativas para soluo consensual dacontrovrsia (o que, a sim, at justificaria a falta de vinculao ou mesmo a impossibilidade eventual

    de uso das informaes trocadas).

    De qualquer modo, vale difundir e refletir sobre a sria e consistente proposta constante do j aludidotrabalho.Anexo III: Transcrio da palestra do Prof. Eduardo Cambi na Universidade do Estado do Riode Janeiro, em 07.05.2014, no mbito do grupo de pesquisa institucional Observatrio dasReformas Processuais, coordenado pelo Prof. Leonardo Greco e com colaborao do Prof.Marco Antnio dos Santos Rodrigues

    Leonardo Greco:Bom dia a todos, vamos dar incio a essa segunda sesso de discusso pblica daverso preliminar do nosso anteprojeto de reforma do direito probatrio, com a palestra do Prof.Eduardo Cambi.

    A nossa inteno foi trazer pesquisadores, estudiosos do direito probatrio, o Prof. Flvio Yarshell,

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    da USP e o Prof. Eduardo Cambi, de Curitiba e tambm de Jacarezinho, ambos notriosespecialistas do direito probatrio, para virem fazer a sua crtica verso preliminar do nossoanteprojeto.

    Ns queremos que essas palestras sejam bastante elucidativas e que os palestrantes, com toda a

    franqueza, digam mais do que no gostaram do que do que gostaram, porque a crtica daquilo queno est bom (que pode ser desde a primeira premissa terica, o primeiro marco terico a verdadedeve ser um objetivo do direito probatrio ou no, se a busca da verdade deve ser a finalidade daprova at detalhes formais de redao) e todos esses comentrios, essas sugestes, que serolevados em considerao na fase de reviso final do projeto, para rev-lo ou para aperfeio-lo.

    Por isto, em nome do programa de ps-graduao da UERJ, em especial do grupo de pesquisa pormim coordenado, com a colaborao do Prof. Marco Antnio, quero agradecer ao Prof. Cambi peloesforo que representa a anlise de um projeto como esse.

    Eu dizia na semana passada ao Prof. Yarshell que esse esforo mais rduo que a leitura e aarguio de uma dissertao de mestrado ou de uma tese de doutorado; nestes, o examinador j lidacom conceitos jurdicos, em geral j pr-estabelecidos, em grande parte conhecidos, e tem umaleitura bem mais leve na tarefa de capinar artigo por artigo, examinar se cada um atende ou no aos

    fins propostos, se est bem escrito, se est bem formulado, se a ideia correta. De modo que nsrecebemos a sua contribuio como sendo muito valiosa, muito importante, e receba o nossoreconhecimento e gratido, no s por ter perdido seu tempo de atividade profissional para vir ao Riode Janeiro, mas tambm pelo tempo das horas e horas de estudos que, certamente, a leitura dotrabalho lhe exigiu; sem essa cooperao, essa colaborao de pesquisadores srios como V. Exa.,o nosso trabalho no alcanaria os resultados que ns almejamos. Muito obrigado.

    Eduardo Cambi:Bom dia a todos, com uma enorme satisfao, Prof. Leonardo, que eu venho aqui UERJ, a convite do Marco Antnio, para dialogar sobre o direito probatrio, algo que desde 1998venho estudando no mestrado e no doutorado e venho fazendo nesses anos todos da minhapesquisa cientfica.

    para mim uma enorme satisfao estar sentado ao lado do Prof. Leonardo Greco. Sou admiradorde carteirinha do seu trabalho (Prof. Greco: recproco), serssimo, de um valor extraordinrio nomeio acadmico, talento extraordinrio, algum que tem uma vinculao com esse tema h muitotempo, desde os seus estudos em So Paulo, com o Prof. Moacyr Amaral Santos, que at hoje tem aobra mais importante, mais completa do direito probatrio, em que pese isso j tenha passadoalgumas dcadas.

    Eu quero primeiro cumprimentar o senhor por esse trabalho fabuloso, esse trabalho que a gente vque um trabalho criterioso, que um trabalho profundo, serssimo, e que denota muito da suapersonalidade de um homem que no est preocupado com uma vaidade intelectual, mas muito pelocontrrio, est disseminando a cincia e fomentando nos mais novos o interesse pelo estudoprofundo da matria. Ento, esse o primeiro comentrio: a impresso que eu tive foi a melhorpossvel.

    Eu quero dividir a minha exposio em trs partes. Eu quero primeiro pontuar aquilo que eu

    considerei importante no anteprojeto; depois, ainda que a finalidade desse grupo de pesquisa noseja interferir no processo legislativo em curso, eu quero fazer um paralelo, um dilogo entre o quese pensa aqui na universidade e o que est sendo feito no Congresso Nacional; por ltimo, voutraar algumas contribuies e crticas mais pontuais, desde a redao, questes formais, at outrasquestes que eu acredito que meream maiores consideraes.

    Bem, de incio, eu vejo que o anteprojeto se preocupa com a busca da verdade como um meio deefetivao da justia, opta-se por isso. A discusso a respeito, como vocs sabem, acalorada. OProf. Michele Taruffo, com quem eu estudei, faz profundas reflexes sobre a funo demonstrativa, afuno argumentativa da prova, e ele acaba por concluir que difcil de retirar a verdade das partes

    porque elas tm um interesse na causa mas que o juiz, por outro lado, poderia buscar a verdadedo processo. Claro que a verdade pensada por Taruffo uma verdade que busca verificar os fatos ea realidade, e no campo da filosofia bastante contestvel se possvel reconstruir a verdade dos

    fatos, se existe essa verdade, esse agir estratgico e esse agir argumentativo de que fala Habermas,

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    por exemplo, a estratgia das buscas dos meios e dos fins, e abandonado por ele por uma busca doagir comunicativo, que foge um pouco a essa ideia centrada no projeto.

    Outro destaque a preocupao do anteprojeto com a colaborao processual, a comear pelo art.5., que no fala somente das partes, mas estende tambm de outras instituies, rgos, entes

    despersonalizados pblicos e privados, trazendo a ideia de participao, atravs do processo, nademocracia processual; algo bastante importante e que pode ter algumas repercusses emborano esteja explcito no anteprojeto por exemplo, na possibilidade de outras instituies realizarempercias, de uma forma mais ampla, que no aquelas que esto hoje colocadas no Cdigo deProcesso Civil.

    O anteprojeto adota a premissa para mim, importante de que a prova um pressuposto doacesso justia, um elemento essencial do direito de defesa e do contraditrio participativo; alis, odireito prova um corolrio do direito de ao, da garantia de ao, da garantia de defesa, docontraditrio, do devido processo legal. A doutrina brasileira, de um modo geral, merece crticasporque sempre se preocupou com a prova apenas no sentido do nus, de algo que falta noprocesso, de algo que deve ser um encargo para as partes, mas no com essa dimensoconstitucional de ser um meio talvez o meio mais importante de argumentao, de trazer para oprocesso aquilo que o juiz necessariamente no conhece, que so os fatos.

    O anteprojeto no abre mo da prevalncia do princpio dispositivo (embora depois eu v fazercrticas, porque vejo algumas incoerncias, especialmente na ausncia da cross-examination nainquirio das testemunhas), como tem que ser mesmo, porque so as partes que melhor conhecemos fatos e que, portanto, tm melhores condies de argumentar a respeito e de demonstr-los.

    A iniciativa oficial tratada no anteprojeto como subsidiria, mas organizada. Justifica-se a ideia deter juiz ativo, mas de atuao delimitada pela lei, ou seja, existem critrios para a atuao do juiz eisso me parece muito claro no anteprojeto que, portanto, avana alm do art. 130 do nosso atualCdigo de Processo Civil, quando fala, por exemplo, na tutela dos interesses indisponveis e tambmna questo da desigualdade entre os litigantes, na possibilidade de o juiz intervir sempre observandoo contraditrio prvio.

    Vincular o juiz ao contraditrio muito importante, seja nas questes de fato, seja nas questes dedireito; o ordenamento portugus e outros j avanaram nisso, e esse deve ser o caminho, at paraque ns possamos ser coerentes com a questo da colaborao processual. muito interessantetambm que a iniciativa oficial seja secundria, porque precedida de um dever de advertncia:primeiro o juiz adverte, pede que a parte cumpra sua funo dentro do princpio dispositivo,argumente e prove; se ela no fizer, o juiz atuar subsidiariamente. A doutrina, de modo geral,admite o conhecimento privado do juiz em dois casos, os fatos notrios e as mximas daexperincia, isso vai desde Stein na sua doutrina clssica, e o anteprojeto se preocupa com isso,dizendo que o juiz pode se valer do seu conhecimento privado, desde que submetido ao prviocontraditrio; ento, torna o juiz no s um mero expectador do drama processual, mas algum queparticipa mais ativamente do dilogo com as partes, sem comprometer o princpio dispositivo.

    O anteprojeto adota a teoria da distribuio dinmica do nus da prova, de forma diferente do que

    faz o projeto de lei encaminhado para o Senado, que mantm a regra do art. 333 e s fala nadistribuio dinmica de forma complementar. J o anteprojeto abandona a regra do art. 333:parte-se da ideia de que tudo o que se alega tem que se provar independentemente da natureza dofato e independentemente da posio que ele se coloca. O texto proposto por vocs tem o cuidadode, ao adotar a distribuio dinmica, no induzir a prejulgamentos; ento, sempre com aquela ideiade contraditrio prvio, sempre aquela ideia de que a atividade probatria tem que ser organizadaantes da sua produo. Com tcnica mais apurada que a do Cdigo de Defesa do Consumidor,adota-se a possibilidade ampla e geral de admitir inverses do nus da prova, flexibilidade queextrapola o direito do consumidor e ajuda, naquela concepo da adequao do procedimento causa a ideia cara do direito tutela diferenciada, l do direito italiano a resolver hipteses comoaquela do enriquecimento sem causa aparente, possivelmente ilcito, permitindo atribuir a quemenriqueceu sem causa aparente o nus de provar a natureza lcita do seu patrimnio.

    Vejo com bastante otimismo a ideia da flexibilizao dos prazos e das precluses. Prazo algo queos cdigos trazem, mas, se for combinado com antecedncia, especialmente, para o juiz so, aquela

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    ideia do prazo imprprio que no tem sano e quando voc combina antes, mais fcil, me parece,de ser cumprido, o princpio da confiana legtima, que o Cdigo adota, aquela ideia de que o juizpode voltar atrs para melhorar a produo da prova, fugindo, portanto, da insegurana da

    jurisprudncia que diz que ora o juiz pode, que ora diz que o juiz no pode admitir novas provas.

    Acho bastante relevante o princpio da liberdade na admisso das provas, de modo a suprimirresqucios do tarifamento da prova que subsistem no Cdigo Civil e no Cdigo de Processo Civil,aquela ideia de que a testemunha s pode ser til se o contrato tem o valor at x ou at y: o tema transferido da fase de admisso da prova para o momento da valorao da prova, ento, com isso,promove-se a argumentao processual e exige-se uma motivao mais especfica, mais complexa,da deciso judicial.

    bastante ntido o princpio da comunho das provas, especialmente em relao ao art. 20, quandotrata da desistncia das provas, ou seja, no se pode desistir unilateralmente da prova, porque aprova no da parte, a prova do processo, e est voltada busca de decises justas.

    Nesse contexto de liberdade da prova, o anteprojeto se preocupa com o possvel conflito da provacom os direitos fundamentais. Aqui vejo um lado positivo de restringir a tcnica da ponderao. O

    anteprojeto ora admite, ora veda a tcnica da ponderao, e depois farei um comentrio a respeito.Inovadora a possibilidade de um juiz deliberar sobre a admissibilidade da prova e outro vir a ser ojuiz da causa, de modo a evitar que este tome contato com uma prova considerada ilcita, para queno venha a us-la depois em seu convencimento. Haveria uma acrobacia lgica se o juiz tomassecontato com uma prova ilcita, mesmo que no a admitisse, e depois viesse a usar aqueleconhecimento de forma transversa para justificar a sua deciso: primeiro o juiz decide, depois elebusca os meios para justificar a sua deciso.

    Por outro lado, o uso nesse captulo de expresses como exclusivamente pode ser um cuidadoexcessivo com a limitao da produo da prova, a enumerao das situaes que em tesepoderiam dar problema torna o sistema um tanto rgido demais, e, no meu modo de ver, caminha atde forma contraditria com a proposta de uma viso mais flexvel do direito ao silncio (que, emborareferido na Constituio para o processo penal, a jurisprudncia do Supremo estende isso de formaexagerada, no meu modo de ver, se comparado com os outros ordenamentos estrangeiros), acabaengessando a prpria ponderao a ideia de razoabilidade, de proporcionalidade, que talvezpudesse ficar a cargo do caso concreto e do livre convencimento do juiz.

    Talvez o ponto mais importante do anteprojeto seja o procedimento probatrio extrajudicial. Vejo aquia grande virtude do projeto, porque ns temos que lidar com a realidade brasileira. Se, pelos dadosdo CNJ, tnhamos cinco milhes de processos em 1990, e noventa milhes no final de 2010, e hoje

    j no sabemos mais, realmente precisamos de mecanismos para diminuir a judicializao. claroque a questo complexa, porque essa preveno do litgio algo que tem a ver com nossaformao cultural, mas penso que o texto d uma colaborao importante para tentar no levar aoJudicirio determinadas demandas.

    A instaurao do procedimento probatrio extrajudicial facultativa, mas o art. 29, 4., diz que, se

    no for adotado e depois houver a propositura de uma demanda com fatos indefinidos ou provas queno sejam bem colocadas, possvel a resoluo do processo sem julgamento de mrito. O maiorretrocesso do PL 8.046 acabar com a audincia preliminar, tudo o que facultativo acaba sendosuprimido, ento eu no sei se ns no deveramos rever a facultatividade, porque a ideia muitoboa, temos de incentivar mais essa prtica.

    O anteprojeto estabelece a no obrigatoriedade do advogado no procedimento probatrioextrajudicial, e acho que isso facilita em certo modo o acesso justia, mas vai encontrar resistnciagrande dos rgos de classe. Talvez seja preciso disciplinar melhor a ausncia do advogado, ou,pelo menos, estabelecer como fica a situao de uma parte quando a outra tiver advogado. Aatuao do juiz nessa fase excepcional, limitada a cinco hipteses (limitao da apresentao dasprovas requeridas no art. 36, necessidade de busca e apreenso no art. 37, produo contraterceiros no art. 40, pargrafo nico, obteno da gratuidade no art. 42 e arbitramento dasdespesas).

    O anteprojeto prossegue na questo das convenes coletivas, que podem ser utilizadas tanto para

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    facilitar a discusso judicial posterior quanto para se isto ficasse mais claro no texto evitar ajudicializao. O CNJ, em 2010, disse que 76% dos processos em tramitao decorrem do poderpblico federal e dos bancos, ou seja, poucos litigantes entopem a justia, ento temos que tertcnicas processuais para atender esses litigantes; talvez possamos ter aqui uma vlvula de escapepara trabalhar com bancos, com operadoras de telefone, enfim, aquelas situaes que reproduzem

    demandas, e poderamos estabelecer quais provas e informaes poderiam ficar claras antes doajuizamento da ao, bem como as hipteses de cabimento das indenizaes, os critrios para osclculos dessas indenizaes. Antes de vir para c, eu estava no aeroporto e a companhia areaestava distribuindo cpias da Resoluo da Anac que estabelece direitos crescentes para o clienteconforme o tempo de atraso do voo, e isto culturalmente positivo, assim como positivo ter umexemplar do Cdigo de Defesa do Consumidor em cada loja, disposio para consulta, como formade esclarecimento da populao.

    No procedimento judicial, de extrema importncia a preocupao do anteprojeto com atempestividade e com a objetividade (com o esclarecimento do que se quer da justia, no sentido deque o processo no deve servir para tumultuar, protelar), seja l na petio inicial, com a formulaoimediata de quesitos (na medida do possvel, claro), seja no estabelecimento de formulrios.Sabemos que h escritrios de advocacia em que um advogado faz uma parte da petio, outro

    advogado faz outra parte, e o resultado vira uma salsicha, isto quando no uma petioreproduzida em inmeros processos, com dezenas de pginas, ento eu vejo com muito bons olhosessa questo dos formulrios.

    No art. 48, vejo a preocupao em ampliar o objetivo da audincia preliminar, nos moldes dodiscoverydo direito norte-americano, ou seja, aquela ideia de boa f. Olha, eu vim ao Judicirio etenho aqui essas provas, e quero provar esses fatos. Essa atividade, na audincia preliminar, serfacilitada pelo procedimento probatrio extrajudicial, e ficam claras as possibilidades da demanda eat mesmo a boa f, a inteno da pessoa de resolver aquele litgio. Vejo com bons olhos a fixaodo thema probandum, a distribuio do nus da prova, a definio das provas a serem produzidas, amutatio libelli, ou seja, essa flexibilidade maior, ainda porque diante da contrariedade trazida naresposta, poder modificar aquela situao para ser uma situao plausvel e que possa chegar aalgum termo. Tudo isso vem a ser coroado pela ideia do calendrio, que de fato a consagrao do

    princpio da colaborao processual. Na audincia de instruo e julgamento, o art. 49 inverteu aordem da prova, deixando os depoimentos das partes para o final: primeiro os peritos, depois astestemunhas e s ento as partes, que tm maior conhecimento dos fatos e que podem interagirmais com a produo da prova, e que assim podem exercer melhor o contraditrio. Acho muitopositivo deixaras as partes para o final.

    Em relao parte especial do anteprojeto, destaco a importncia do depoimento pessoal, aquelaideia de Cappelletti de aproveitar o depoimento e as contribuies da parte para o debateprocessual, ou seja, a prpria parte tem de poder dar o seu depoimento, ser ouvida em juzo, comoum meio de defesa, como uma oportunidade do dilogo processual, acho isso extremamenteimportante, sem vincular tanto o depoimento pessoal confisso, porque isso muito raro deacontecer. O depoimento pessoal tem que ser muito mais uma oportunidade de defesa que um meiode obter a confisso.

    A confisso, quando for obtida, tem que ser uma confisso real, no uma presuno de confisso, eo anteprojeto se debrua sobre isso, tornando mais rigorosa a confisso pelos requisitos davoluntariedade e da conscincia. Busca-se acabar com as pegadinhas; a ideia da indivisibilidade daconfisso est muito clara no projeto, ou seja, ou confisso, ou no confisso. Talvez a gentediminua sim as chances de obter uma confisso, mas quando ela for obtida, ser uma contribuioimportante para a causa. A confisso extrajudicial mantida, mas dentro daquela ideia de liberdade,do livre convencimento do juiz, e no mais equiparada confisso judicial. Isso tambm com aproposta de admitir o depoimento escrito das testemunhas, ento isso tem uma certa coerncia como livre convencimento do juiz.

    O anteprojeto traz um conceito de documento, eu acho isso didtico, para quebrar no senso comumde que documento algo escrito, pois documento muito mais amplo do que algo escrito, econtemplando de forma implcita os documentos eletrnicos. Torna-se menos rgida a arguio de

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    falsidade, que no gera a suspenso do processo e que, na medida do possvel, no autuada emseparado.

    Outra contribuio do anteprojeto a ampliao da exibio do documento ou coisa, pois se fala emfornecimento de informaes e reprodues; um avano a admisso de outros meios de coero,

    rompendo aquela smula do STJ, com a desconfiana antiga e infundada da jurisprudncia emutilizar meios de coero indireta para exibio do documento ou da coisa, ou seja, aquelapreocupao especfica da obteno da prova e no s em valorar o silncio da parte que noproduz a prova. A multa limitada, excluindo advogados, excluindo membros do Ministrio Pblico,eu no sei at que ponto isso bom, e acaba sancionando duramente o funcionrio pblico l no art.92, 1., ento talvez isso possa ser discutido.

    O anteprojeto admite de forma ampla a prova testemunhal, no entra naquela questo do hearsayrule, naquela questo da prova direta e prova indireta, mas claro nisso, a testemunha quepercebeu por qualquer sentido o fato pode vir a ser ouvida em juzo: no estabelece um preconceito,uma discriminao com o tipo de testemunha, eu acho isso coerente com a ideia de liberdade daprova e coerente com a ideia da argumentao jurdica, com a valorao que se faz depois.

    Quaisquer pessoas, ainda que suspeitas, podem ser ouvidas pelo juiz, desde que isso no causeprejuzo para a prpria testemunha. H uma cautela a com a testemunha, mas no deixa de seadmitir a prova, proibindo o depoimento dos rbitros, conciliadores e mediadores quanto ao direitomaterial, por ser incompatvel a funo de testemunha com a de colaborador processual (terceiroimparcial).

    Vejo como um avano a possibilidade de o advogado intimar a testemunha. importante para evitaro abuso do direito processual, aquela ideia de se arrolar testemunhas que se sabe de antemo queno existem ou que no moram naqueles locais s para ganhar tempo. O anteprojeto termina com alimitao numrica das testemunhas, pois no tem o menor sentido estabelecer um limite de oito,dez ou vinte: no curso do dilogo processual, do debate, que vai ficar claro qual a necessidade dastestemunhas. O anteprojeto tem uma preocupao em evitar o cerceamento de defesa, mas chegarum momento, aps o dilogo processo, em que ser necessrio limitar o direito prova, que,evidentemente, no um direito absoluto, a limitao no decorre de uma regra prefixada pela lei, esim do bom senso a que as partes e o juiz devem chegar no curso da demanda.

    Tambm vejo como algo importante o fato de o no comparecimento da testemunha no implicaautomaticamente o adiamento da audincia, ainda que isso cause modificao da ordem. A

    jurisprudncia j consagrou isto como uma nulidade relativa, dependendo de necessidade de provado prejuzo, e o art. 113 do anteprojeto, de forma correta, prev claramente.

    O 1. do art. 107 autoriza o advogado a fazer consulta a informao por meio eletrnico e at pormeio de auxiliares, ampliando o debate na audincia. Isto refora a ideia de que as partes vo sepreparando paulatinamente, no procedimento extrajudicial, na audincia preliminar, at culminar nanecessidade de estarem prontas, preparadas para a audincia de instruo e julgamento.Importante, aqui talvez at ser rgido mesmo com relao a que as alegaes sejam orais, namedida do possvel. Temos que estimular o debate oral, que mais proveitoso, e evita aquelas

    longas peties, aquela argumentao repetitiva; um debate oral, franco, cara a cara, poderia ser, nomeu modo de ver, mais positivo.

    Admite-se o emprego de outros meios tecnolgicos, como a vdeoconferncia, colhida pelo juiz nassuas cartas precatrias, ou, na impossibilidade disso, por um funcionrio do juzo, o que pode tornarmais gil o cumprimento dessas cartas precatrias.

    Dificilmente a acareao traz resultados positivos, pois tende a reproduzir aquilo que foi dado nosdepoimentos anteriores. O projeto inova na medida em que admite a inquirio conjunta das duastestemunhas, e isso importante: ou sinal estava verde, ou estava vermelho, no pode estar verde evermelho ao mesmo tempo, ento a inquirio conjunta talvez possa trazer alguma contribuio.

    Dentro do conceito da oralidade, da imediatidade, importante a previso do art. 114 de que asprovas sejam produzidas diretamente nos tribunais, evitando, na medida do possvel, a expedio da

    carta de ordem. claro que a gente tem que ter aqui uma sensibilidade, porque o pas enorme eencareceria demais se todas as testemunhas tivessem que se deslocar at o Tribunal, mas naqueles

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    casos em que a sede do Tribunal o mesmo local onde se encontra a testemunha, vejo combastante razoabilidade esta regra.

    Com relao prova pericial, encontra respaldo no anteprojeto a preocupao com o pluralismo dacincia e com a reduo dos riscos da prova falsa, naquela interpretao correta da Suprema CorteNorte-Americana no caso Daubert.

    Em relao escolha do perito, acho muito importante a preocupao com a formao de cadastrosde especialistas, que esse cadastro no seja permanente, e que no seja composto simplesmentecom critrios de pessoalidade do juiz, mas sim, como diz o anteprojeto, mediante avaliao peridicadessa lista, quebrando aquela ideia que est no art. 145, 1., do nosso CPC de que basta umprofissional de nvel universitrio para ser perito. Nem sempre necessrio profissional de nveluniversitrio, s vezes um tcnico sem nvel universitrio pode ser excelente para resolver a causa,barateando a produo da prova; alis, nvel universitrio no necessariamente garante um bomprofissional, um conhecedor da matria.

    Tambm acho positivo, na linha do direito portugus e do direito norteamericano, embora com assuas diferenas, que o perito possa ser escolhido de comum acordo pelas partes; isso d

    legitimidade percia, evita que aquele perito seja comprometido com interesses outros que no abusca de uma soluo justa, e pode dispensar a percia oficial quando o perito escolhido por ambasas partes for suficiente.

    Um caminho importante nessa mudana a previso no art. 116 de que pessoas jurdicas pudessemser nomeadas como peritos (Leonardo Greco: so rgos; podem ter ou no personalidade

    jurdica). Nesse caso, haver a discusso sobre quem deve ser responsabilizado pela percia, masisso no difcil, o projeto do Cdigo Penal avana com a responsabilidade penal da pessoa jurdicae a Lei 12.846/2013 prev a responsabilidade civil e objetiva da pessoa jurdica por atos lesivos aopatrimnio pblico, ento estes entes esto cada vez mais abertos para a contribuio no dilogo

    jurdico.

    Aposta-se na amplitude do contraditrio como uma garantia fundamental do processo; h a fixaode um calendrio, mas a prova pericial no fica sujeita a um prazo estanque, voc tem dez dias para

    apresentar o laudo pericial, se no trouxer, o prazo ampliado em tantos dias: a fixao docalendrio pode ser oportuna e adequada s necessidades da causa.

    Outra questo importante a explicitao dos mtodos utilizados no laudo pericial. Para quem leigo, quanto mais mastigada estiver a discusso sobre tcnica, at uma discusso verdadeira,pluralstica eu adotei uma tcnica, mas existem diversas tcnicas, optei por essa tcnica porqueela mais utilizada, porque ela a mais eficiente, porque h dados cientficos que demonstram isso

    mais se contribui para termos uma compreenso melhor da questo cientfica, enquanto o uso doformulrio para resposta dos quesitos periciais confere objetividade resposta.

    Em relao inspeo judicial, embora no se possa obrigar o juiz a ir at o local dos fatos (isso uma faculdade do juiz), a ideia que o juiz participe sempre que possvel, quando isso forimportante, e o anteprojeto amplia isso no s para pessoas ou coisas, mas tambm para lugares edocumentos. Fala-se que, quando o juiz no puder faz-lo de forma direta, a inspeo judicial poderser feita de forma indireta por simples constataes, quando o juiz delega a um servidor, a umterceiro a possibilidade de inspeo.

    A segunda parte da minha exposio procura um dilogo entre o projeto que vocs propem e o PL8.046/2010.

    O projeto surgiu em 2010 com uma comisso de juristas, presidida pelo Min. Fux, foi bastantealterado no Senado, e sofreu muitas alteraes na Cmara. O captulo da prova foi empobrecendocada vez mais. Os juristas tinham propostas mais interessantes, falavam, por exemplo, na questoda prova ilcita, e esse tema foi perdendo a fora, at ser suprimido. O projeto, se for aprovado hoje,do jeito que est, avana pouqussimo em matria de direito probatrio, praticamente reproduz o

    Cdigo de 1973, no tem uma discusso mais profunda sobre o instituto da prova, e, alis, trazretrocessos.

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    O grande retrocesso a supresso da audincia preliminar, como se fosse uma mera audincia deconciliao ou mediao, um estorvo para o juiz e para o jurisdicionado, ento a novamente seinsiste em um processo burocrtico, onde as partes carregam quilos de documentos para os autos,produzem o quanto de testemunhas quiserem, enfim, o processo vai travar novamente na prova.

    O PL 8.046/2010 fala em calendrio, mas em um contexto da mudana do procedimento pelaspartes, e apenas para aquelas causas que admitam autocomposio, isto , de uma forma maistmida do que o calendrio de que trata o anteprojeto de vocs.

    Na parte geral, o PL 8.046/2010 avana na questo da prova emprestada, l no art. 3563 (e semantm fiel ao texto apresentado pela comisso de juristas), e fala na obedincia ao contraditrio; oanteprojeto de vocs pode ser aperfeioado quanto prova emprestada, porque o importante no que sejam as mesmas partes e o mesmo juiz, mas a parte contra quem se quer a produo da provatenha participado do contraditrio no processo de origem.

    O projeto mantm a regra atual de distribuio do nus da prova do art. 333, e depois fala nadistribuio dinmica, de modo que me parece que a proposta que vocs trazem maisinteressante.

    O projeto no tem um livro especfico de processo cautelar, mas prev um procedimento deproduo antecipada de prova, com contedo ampliado, semelhante quilo que vocs previram noanteprojeto da UERJ, para viabilizar a tentativa de autocomposio ou justificar e evitar futura ao,mas a redao de vocs muito mais minuciosa. A origem disto, na Itlia, em 1990, foi criticada, eat considerada inconstitucional duas vezes pela Corte Constitucional, at se chegar ao texto atualem 2005, ainda com diversas crticas da doutrina, que ainda no entendeu direito a funo desseprocedimento extrajudicial, s vezes at querendo buscar algum requisito de cautelaridade nesseprocedimento. Neste ponto, o anteprojeto de vocs muito interessante, porque de forma explcitadiz: Olha, independentemente da urgncia, das questes cautelares, esse procedimento deveexistir.

    O projeto aprovado pela Cmara traz, como inovao, a ata notarial, instituto que tem origem nodireito estrangeiro, para atestar ou documentar algum fato, e pode ser lavrada por um tabelio, quepode a ter alguma importncia, at evitar percia, evitar inspeo judicial, pode ser um colaborador.

    Com relao s provas em espcie, o projeto de lei admite a videoconferncia e outro recursotecnolgico, admite tal como vocs fizeram as medidas coercitivas ou sub-rogatrias na busca eapreenso, traz uma regra admitindo a fotografia digital e prevendo que, caso seja impugnada,depender da autentificaro eletrnica ou da percia.

    O projeto foi muito tmido em relao aos documentos eletrnicos. O art. 425 diz A utilizao dedocumentos eletrnicos no processo convencional depender de sua converso forma impressa ede verificao de sua autenticidade, na forma da lei. Para mim, isso bastante arcaico. Para queuma regra como essa se a gente caminha para um futuro de processo eletrnico? Talvez uma regrade transio? Isso parece at um desprestgio com o processo eletrnico, com o documentoeletrnico.

    O anteprojeto de vocs acaba com aquele oba oba das autoridades que, intimadas para indicaruma data e local para serem inquiridas, passavam meses e meses sem responder. O Projeto 8.046,assim como vocs fizeram, limita em 30 dias, se passar de 30 dias, a autoridade perde essaprerrogativa.

    O texto tinha melhorado no Senado a questo das testemunhas menores de 16 anos. A versoaprovada pela Cmara retrocede, mantm a incapacidade de depor dos menores de 16 anos, masamplia as hipteses de o juiz poder ouvir, sem o compromisso, e atribuir o valor que merea, stestemunhas menores de 18 anos. Ento, incoerente, porque os suspeitos e os impedidos, pelonosso Cdigo, podem ser ouvidos pelo juiz, independentemente de compromisso, alis, como se ocompromisso fosse o grande x da questo. O compromisso vem do direito cannico, aquela ideiade dizer a verdade, e depois temos toda uma discusso sobre a importncia do compromisso e daadvertncia para a configurao do crime de falso testemunho, mas no o compromisso, de fato,que faz a diferena; penso que no devemos tratar como incapazes de depor os menores de 16

    anos, at porque isso incoerente com o Estatuto da Criana e do Adolescente e outras regras mais

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    recentes sobre a inquirio de testemunhas.

    O projeto, tal como vocs fizeram, busca a intimao da testemunha pelo advogado, e o seu nocomparecimento gera uma presuno de desistncia.

    O projeto fala na possibilidade de as perguntas serem feitas diretamente pelas partes, o que vocsno fizeram, e posteriormente vai ser objeto de crtica por minha parte.

    De forma acertada, o Projeto 8.046 fala em depoimentos gravados, enquanto o anteprojeto de vocs,incoerentemente, diz que o depoimento ser ditado pelo juiz.

    O projeto determina que o perito substitudo, que no deu conta do recado, tem de devolver osvalores recebidos, valendo a deciso como ttulo executivo, sano importante.

    Tambm admite a percia consensual, que pode dispensar a possibilidade de nomeao de peritooficial, quando o perito escolhido pelas partes resolve a questo.

    Tal como vocs fizeram, o projeto detalha, de forma mais explcita, os requisitos do laudo pericial, dizexpressamente no art. 4804 que necessrio que o perito exponha o objeto, faa a anlisetcnico-cientfica, indique o mtodo utilizado e faa a resposta conclusiva dos quesitos.

    Tambm admite que o perito seja intimado pelo meio eletrnico, para contribuir com oesclarecimento na audincia. Alis, ali mesmo no procedimento extrajudicial, essa questo do meioeletrnico tem de ficar mais clara; se vocs obrigam a trazer o endereo da parte, s vezes atmelhor que se traga o endereo eletrnico, que mais eficiente.

    Uma regra inovadora, vinda da Cmara, o exame psicolgico, biopsicossocial, l no art. 486,5

    admitindo, inclusive, que o laudo deve prever entrevista pessoal com as partes, exames dedocumentos previstos no processo, histrico de relacionamento familiar, cronologia de incidentes, eavaliao da personalidade dos sujeitos envolvidos. Isso pode ser importante, e abre o campo dessaideia de uma cincia mais plural, paras as equipes profissionais, e equipes multidisciplinais atuaremno processo, e talvez diminua aquele preconceito que ns do direito temos com outras reas doconhecimento, da psicologia, da sociologia, da antropologia, reas que no conhecemos e

    acabamos ignorando, enquanto no temos tanta resistncia para a nomeao de peritos na rea deengenharia, de contabilidade, de medicina.

    Indo para a parte final das minhas consideraes, vou fazer um pouco mais de dez consideraes,crticas, mais pontuais e amplas, desde questes formais at questes materiais.

    Primeiro, h um debate sobre a busca da verdade processual. De um lado, eu coloco Taruffo, deoutro, Jos Calvo Rodriguez, professor de Mlaga, que tem trabalhado muito bem com narrativismoprocessual, a ideia de que no se provam fatos, mas verses dos fatos, e que no se obtm averdade no processo, no obstante eles trabalhem com outro tpico bastante complexo, que aideia de coerncia narrativa. complexo, a gente pode avanar nisso, especialmente no dever demotivao do juiz, mas a teoria da argumentao no uma teoria fcil; eu penso que esse debatetem que acontecer, tem que se fazer o contraponto, pelo menos nas justificativas do anteprojeto. O

    anteprojeto faz opo clara pela verdade processual, e as suas limitaes; eu acho que isso tem queficar mais claro nas questes tericas que os senhores trabalham, no necessariamente paraabandonar essa verdade, nem tambm para abraar essa verdade de forma acrtica, achando que acolaborao processual seja o mote moderno, da moda, e vai resolver as questes, no assim. Doponto de vista terico seria importante fazer esse contraponto com o narrativismo, trabalhado, dentreoutros, por Jos Calvo Rodriguez.

    O anteprojeto avana no que diz respeito a tratar claramente da prova do teor e da vigncia dodireito municipal, estadual, estrangeiro e consuetudinrio, mas penso tambm que tem que ser feitaa ressalva aqui do iura novit curia, ou seja, essa regra no pode ser tratada semelhana do nusda prova. No tem nada a ver prova do teor e da vigncia destes direitos com o nus da prova, soinstitutos completamente diferentes. uma questo de colaborao processual; se o juiz tiverconhecimento destes direitos, ele no pode se omitir em aplicalos, inclusive o direito estrangeiro.

    Hoje o Tratado de Direitos Humanos tem statusconstitucional, a ponto de se falar que no temosmais uma configurao piramidal do ordenamento jurdico, mas sim um trapzio, porque temos a

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    Constituio e os tratados de direitos humanos no pice do ordenamento jurdico. Semana retrasada,o Centro de Estudos Jurdicos da Secretaria de Reforma do Judicirio trouxe uma pesquisa, muitobem fomentada pelo PNUD e pela Univale, sobre a importncia dos tratados internacionais emmatria processual, e aqui ns temos sim direito estrangeiro. Muitos desses tratados j estoincorporados ao direito brasileiro, ento talvez essa preocupao com os tratados e as convenesinternacionais merecesse um detalhamento mais especfico no antprojeto. Claro, se o juiz aplicar oiura novit curia, ele tem de observar o contraditrio prvio: entendo que mesmo as questes dedireito no discutidas pelas partes precisam ser submetidas pelo juiz ao contraditrio, a ns teremosuma verdadeira democracia processual, aquela dimenso da garantia do contraditrio da CorteConstitucional italiana de evitar decises que surpreendam as partes.

    O art. 3. aposta na ampla admissibilidade da prova indiciria, sem ressalvas, e sem trazer critriospara a valorao da prova. um caminho. Alias, acho um caminho melhor do que o adotado, porexemplo, no Cdigo Civil italiano, que fala em critrios como preciso, gravidade e concordncia,critrios complexos sobre os quais doutrina e jurisprudncia no chegam a um acordo, e que naprtica so bastante contestados. Por outro lado, ns no podemos tambm fugir da nossa tradio,que considera a prova indiciria subsidiria. Mesmo com os avanos recentes da jurisprudncia doSupremo no caso da APn 470 (mensalo) e em julgados importantssimos da lavra do Min. Fux,ainda temos a pr-compreenso de a prova indiciria tem um carter subsidirio. Um precedente que

    tem sido muito reproduzido por ele, inclusive em matria penal (na APn 470), diz que a forainstrutria dos indcios bastante para a elucidao de fatos, podendo, inclusive, por si prprios, oque no apenas o caso dos autos, conduzir prolao de decreto de ndole condenatria. Mas elefaz a ressalva: Quando no contrariados por contraindcios ou por prova direta. No chega a serum menosprezo prova indiciria, mas algo que vai ter que ser levado em considerao no livreconvencimento do juiz ou na argumentao. Entendo e defendo a posio do anteprojeto de deixarisso para a discusso, mas ela talvez merecesse uma recomendao mais especifica, at para noser engolida pela tradio e menosprezada. Vejo tambm como bastante importante o anteprojetono ter se valido do termo argumentos de provas, l do art. 310.3 do direito italiano, que umconceito ambguo, difcil, alguns fazem uma escala de indcio, de argumento de prova, algo que gerauma insegurana tremenda.

    Vocs tiveram uma preocupao, ainda que no explcita, com a conduta processual das partescomo meio de prova, que um tema novssimo, tratado nos cdigos mais recentes, como o art. 249do CPC da Colmbia, onde se trata do comportamento evasivo, do silncio, das omisses. Vocsno deixaram de tratar dele, diz l no 2. do art. 3.: Ressalvado o disposto no art. 56, quaisquerilaes sobre a existncia de fatos relevantes que possam ser extradas das aes ou das omissesdas partes sero submetidas previamente a sua manifestao. Mas um tema extremamente rico eque talvez aqui pudesse ter um tratamento mais especfico.

    O art. 13 traz uma inovao importante com relao ao nus da prova, quanto aos litgios queversam sobre a validade do ato administrativo, impondo ao Estado a prova da causalidadeadequada. Eu fiz a leitura de uma inverso do nus da prova, ou pelo menos da modificao dapresuno, que relativa, de legitimidade e legalidade dos atos administrativos. Isso polemico,mas ele circunstancial, eu vejo que no ampla a proposta trazida: a proposta se restringe causalidade adequada, que um tema da responsabilidade civil. A causalidade adequada umateoria da responsabilidade civil somente as circunstancias que tenham interferncia decisiva que

    so adequadas que se contrape teoria da equivalncia das condies tratada no art. 13 do CP,segundo a qual todas as circunstncias que concorrem para o resultado so equivalentes.Interessante observar, a teoria da causalidade adequada pouco aplicada na jurisprudncia.Encontrei alguns casos, um caso at do Paran, em que a polcia apreendeu um veculo porque eraobjeto de furto, e ento a pessoa que teve o veculo apreendido pediu indenizao ao Judicirio,alegando que no sabia do delito, que estava de boa-f, e que o crime era um fato de terceiro; o juiz,aplicando a teoria da causalidade adequada, disse que se realmente era um fato de terceiro, o autorno poderia ser prejudicado pelo ato administrativo de apreenso do veculo. O anteprojeto noprope uma relativizao to ampla ao princpio da presuno dos atos administrativos, dalegalidade e da veracidade, ou pelo menos eu fiz a leitura de que uma regra circunscrita responsabilidade civil, ento algo que poderia ser mais explcito, inclusive, teoricamente nas

    justificativas.

    Houve uma preocupao com o custeio da prova. A lei consagra o direito justia gratuita e, quandoo processo chega na prova pericial, tem o problema do custeio, que no est resolvido na

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    jurisprudncia, e vocs do uma soluo eu acho que a melhor que a previso oramentriapelo Poder Judicirio de um valor para produzir aquela prova, quando no for possvel a produo daprova por rgos pblicos, por instituies do prprio Estado.

    Grande parte das aes coletivas so propostas pelo Ministrio Pblico e acabam tendo o seu

    deslinde atravancado por falta de definio clara de quem deve pagar a produo da prova. OCdigo Modelo de Processo Coletivo para Ibero-America traz uma soluo, a realizao da prova porinstituies pblicas, na medida do possvel e quando no houver conflito com os interesses dacausa. Em alguns momentos, o anteprojeto fala de processo coletivo, por exemplo, conectando oprocedimento probatrio extrajudicial com a ao civil pblica, com o inqurito civil, falam daconveno coletiva. Uma soluo usar os fundos de direitos difusos e individuais homogneos paraantecipar os custos da percia? H um julgado de 2010 do STJ nesse sentido, o RMS 30.812, queadmite a utilizao desses fundos. Alias, esses fundos so uma caixa preta, recebem muito dinheiroque depois no volta tutela especfica do direito difuso, ento, se houver uma previso legalespecfica, poderia ser empregado para conferir agilidade a aes em defesa de direitos difusos ecoletivos, no vejo como um desvio de finalidade do fundo.

    Com relao ao livre convencimento motivado, o art. 17 faz vrias consideraes importantes,inclusive para evitar o decisionismo, para evitar o subjetivismo do juiz, e contempla, inclusive de

    forma expressa, o principio da completude da motivao: se os juzes forem realmente obrigados adizer tudo o que serve e tudo o que no serve ao seu convencimento vai ser uma revoluo, certo?Sem dvida. Tambm haver uma gritaria geral, porque a sentena vai ter que deixar de ser umrecorta e cola, aquilo que o Ovdio chamava de pasteurizao da jurisdio, alguns falam namcdonaldizao da jurisprudncia. A gente precisa de mecanismos para retirar o volume deprocessos, e talvez a conveno coletiva resolva isso, justamente para que o juiz tenha mais tempopara se dedicar aos processos em que realmente seja necessrio debruar-se sobre a questo defato. Agora, isso quase uma utopia, n? Porque o ideal mesmo o princpio da completude damotivao.

    Agora, penso que nessa matria do livre convencimento do juiz, o anteprojeto poderia ser maisarrojado, especialmente em relao ao princpio da adequao do procedimento causa.Lembrando que hoje tem vrios estudos importantes sobre os standards judiciais, aquela ideia de

    que conforme a exigncia do direito material, ns vamos ter um grau de convencimento do juiz, sejapara adotar aqueles que o direito americano usa, seja no. No direito patrimonial, a prepondernciada prova, nos direitos no patrimoniais, a prova clara e convincente, ou, no direito penal, a provaalm da dvida razovel. Eu sei que isso so conceitos indeterminados, e que geram outra espciede discusso, que tambm no fcil de ser construda, mas essa ideia de standardprobatrio meparece muito cara na questo atual do livre convencimento do juiz.

    A completude da motivao tem que ser contrabalanceada com a desjudicializao, e, na medida dopossvel, penso que os formulrios podem nos ajudar a chegar em um posicionamento melhor aesse respeito. Agora, claro que exigir mais do juiz na sentena tem que ser acompanhado demedidas razoveis, que cobam, de forma mais drstica, a litigncia de m-f. Essa ideia de que am-f processual tem de ser sancionada em percentuais mnimos sobre o valor da causa, e de quedepende de culpa ou culpa grave, uma piada, no funciona, contraria a boa-f processual, instiga oabuso do direito processual, entope o Judicirio, ou fomenta a interposio interminvel de embargosde declarao para eternizar a demanda.

    Com relao prova emprestada no art. 17, 4., senti falta aqui do contraditrio no processo deorigem, penso que essa a pedra de toque, o quesito essencial para admitirmos as provasemprestadas.

    Com relao s limitaes probatrias, houve um cuidado muito grande. No gosto muito daexpresso exclusivamente que vocs usam em alguns momentos, por exemplo, em relao aosegredo de Estado no art. 21, 3., em conflito com a Lei de Acesso Informao Lei12.527/2011, cujo art. 23 tem hipteses bastante razoveis.

    No art. 22, pargrafo nico, exige-se o consentimento para produo da prova pericial que afetem adignidade da pessoa. Acho que, com esses engessamentos, vai ficar difcil produzir a prova, e eu

    sou um daqueles que defendem a minimizao do direito ao silncio no Processo Civil, ou at noProcesso em geral.

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    Penso que o direito ao silncio foi contemplado no direito cannico para evitar tortura, para evitar quealgum seja obrigado a depor contra sua vontade. Agora, com a evoluo da prova cientfica,quando a prova tem uma relevncia cientfica elevadssima e a restrio ao direito fundamental mnima, em contraposio quele que se beneficia da prova Isso engessa demais. Eu soufrancamente favorvel produo obrigatria do exame do DNA, por exemplo, em questes de

    investigao de paternidade: a retirada de um fio de cabelo no ofensa alguma ao direito dodemandado. Pelo contrrio, se a ideia buscar a verdade com critrios cientficos, eu penso que issoaqui uma contradio do anteprojeto endossar a jurisprudncia equivocada do STF, que secontrape Suprema Corte norte-americana, ao Tribunal Constitucional alemo, doutrina italiana, doutrina argentina.

    O processo penal tem trabalhado hoje com uma categoria de prova invasiva e no invasiva, que euacho interessante. No direito ao silncio, chega-se ao absurdo de no colaborar com nada: oadvogado que no devolve os autos e invoca o seu direito ao silncio, aquele que se omite aprestar socorro em um delito de trnsito para no gerar uma prova contra si mesmo, aobrigatoriedade do teste de alcoolemia, e eu sou francamente favorvel obrigatoriedade do teste,discusso superada no direito norte-americano. As carteiras de motoristas de diversos estadosnorte-americanos dizem expressamente quem no se submete ao teste de alcoolemia est sujeitono s multa administrativa como inverso do nus da prova em qualquer discusso judicialreferente ao uso do veculo naquela ocasio. Ento, a gente precisa avanar nisso, estamos sendomuito conservadores em termos de direito ao silncio no Brasil, pas que tem um dos maiores ndicesde acidentes de trnsito com repercusses penais, ceifando vidas, com custo enorme para o SUS.

    Nossa Constituio foi construda para dar uma resposta a um perodo de ditadura militar, e trazengessamentos graves. No 3. do art. 23, vocs admitem a quebra do sigilo de comunicaes,mediante autorizao judicial, desde que seja impossvel a prova por outros meios; do ponto de vistade uma leitura literal do art. 5., XII, da Constituio, isso seria inconstitucional, porque a devassa dosigilo somente seria admitida para investigao criminal ou instruo processual penal. Aqui vocsadmitem a proporcionalidade, e em outras situaes no admitem a proporcionalidade?

    At a presuno de inocncia est sendo rediscutida por causa da Lei da Ficha Limpa, e hdiscusses recentes para mudar leis, inclusive o Cdigo Penal e o Cdigo de Processo Penal, para

    alterar posio extremamente garantista que gera uma sria de efeitos negativos do sistemajudicirio, que resulta em impunidade, em prescrio, em no atingimento do patrimnio desviadopelos delitos ligados administrao pblica, e com a qualificao como inconstitucional de umavasta gama de elementos legtimos de prova. Eu sei que isso discutvel por exemplo, o Prof.Lnio Streck faz duras crticas ao protagonismo judicirio, ideia do subjetivismo, do solipsismo mas ou ns apostamos na liberdade da prova e na valorao da prova pelo juiz, na prova comoargumento que tem que ser discutido pelas partes, ou ns sempre ficaremos a meio caminho.

    Tambm vejo restrio excessiva no art. 25, a violao da privacidade, fora dos limites admitidosnesta lei importar na inadmissibilidade da prova. Isto, no meu modo de ver, dificulta a ampliao daprova, porque no adota uma viso um pouco mais arejada do princpio da proporcionalidade e darazoabilidade. Claro que tambm contestvel ns usarmos, como faz o Cdigo de Processo Penal,termos como a fonte independente, a descoberta inevitvel, a teoria da descontaminao, masprecisamos sim de algumas vlvulas de escape, temos de correr esse risco e da deixar para adoutrina e para a jurisprudncia fechar esses conceitos: tentar fechar isso na forma da lei no meparece ser o melhor modo de ampliar o debate e resguardar o direito prova.

    Com relao ao procedimento probatrio extrajudicial, embora tenha ficado claro que a conduo pelas partes, e que a colaborao do juiz eventual, eu penso que vai funcionar bem quando houveracordo entre as partes, e no vai funcionar bem se no houver acordo entre as partes. E quando nohouver acordo entre as partes, h aqui a possibilidade de usar o Judicirio. Fao uma ponderaoapenas: podemos incluir aqui neste caso outros atores? Podemos discutir o papel das agnciasreguladoras em matria de telecomunicao, em matria de energia, em matria de transporte etc.Grande parte das demandas que envolvem bancos ou telecomunicaes poderiam ser mediadascom o auxlio das agncias reguladoras ou outros terceiros mais imparciais que pudessem auxiliar aspartes na composio desse litgio antes que a questo fosse levada ao Judicirio. Nessadesjudicializao, ou naquilo que se chama neoprivativismo ou privativismo, tm-se tentado algumas

    medidas, por exemplo, levar o divrcio at os cartrios, e precisamos aferir se realmente essasmedidas esto dando bons resultados ou se so ruins.

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    No art. 63, a definio de documento pode gerar uma crtica de gnero: o documento pode serelaborado pela mulher, pelo transexual, por qualquer pessoa.

    O art. 75 reproduziu as expresses telegrama e radiograma do Cdigo de Processo Civil, figurascada vez menos utilizadas, e deixou de mencionar o fac-smile; devemos incorporar as virtudes da

    Lei 9.800/1999.A oitiva dos menores de dezesseis anos prevista no art. 95 do Projeto s leva em considerao olado do menor, no v o lado do outro litigante, nem o lado da produo da prova e elucidao dosfatos. O projeto tmido em comparao, por exemplo, s recomendaes que fazem os arts. 28, 1. e 2., e 168 do ECA. Se o juiz, se os operadores da justia, no estiverem preparados para fazera oitiva, por que no se valer do expediente do ECA? A Res. 33/2010 do CNJ recomenda o seu uso.bvio que tal expediente tem mais importncia em crimes sexuais, porm, tambm muitoimportante em disputas de guarda e destituio do poder familiar, nas quais a criana deve serouvida. Tambm temos uma discusso no CNJ e no CNMP a respeito da abreviatura dosprocedimentos de adoo, que dependem muitas vezes da destituio do poder familiar, para a quala oitiva da criana fundamental. Existem alguns contrapontos ao depoimento sem danos, como,por exemplo, a hiptese da falsa memria, que enfrenta o problema da pouca literatura a respeito.Obviamente, preciso um cuidado especial ao ouvir a criana, e por isso o apoio da equipe

    interdisciplinar muito importante. Outras leis j preveem esta equipe interdisciplinar, como a LeiMaria da Penha.

    Com relao intimao, a regra no anteprojeto a intimao da testemunha pelo advogado. O art.102, 6., deve incluir o Ministrio Pblico, pois, em alguns Estados, o MPF no ter meios derealizar a intimao.

    Com relao ao art. 107, vejo uma grande incoerncia do projeto ao dizer que as perguntas sofeitas inicialmente pelo juiz e sucessivamente pelo advogado da parte. Se adotamos o princpiodispositivo, significa dizer que as partes tero um papel maior na produo da prova. Por questo decoerncia, teramos que prever maior amplitude para a possibilidade de as partes perguntarem,diretamente ou por meio dos seus advogados, para termos esse dilogo processual. O juiz deve agirsupletivamente, mediando o dilogo, para que esse debate se faa num bom nvel, sendo proveitoso

    causa; do contrrio, o juiz se torna um inquisidor. O juiz deve atuar subsidiariamente, pois a provano produzida exclusivamente pra ele.

    O art. 109 tambm negativo. Barbosa Moreira sempre foi contra o depoimento reduzido a termopelo ditado do juiz. Criticava a deturpao da informao da parte que editada pelo juiz. Temos queacabar com isso, tem que ser gravao mesmo; para que os princpios da oralidade e daimediatidade possam se efetivar em outros graus de jurisdio, o depoimento precisa ser gravado. Adegravao causa problemas, mas um nus do processo.

    O art. 121, II, do Anteprojeto tem erro formal.

    No art. 134, o juiz no um mero homologador do laudo pericial, o controle judicial da percia temque ser mais efetivo, com base nos cinco critrios propostos por Luigi Lombardo: 1. Cabe ao juizverificar se o perito levou em considerao a realidade emprica; 2. Se os mtodos ou regras

    cientficas utilizadas encontram respaldo na comunidade cientfica; 3. Se tais mtodos ou regrasforam bem aplicadas no caso concreto; 4. Se na formao da prova pericial foi observado ocontraditrio; 5. Se o resultado da percia est em consonncia com as demais provas produzidasnos autos.

    Para concluir, gostaria de agradecer a todos e salientar minha satisfao de estar aqui. O anteprojetoelaborado pela UERJ tem alta relevncia acadmica, independentemente de virar ou projeto de lei, e mais inovador e mais abrangente que o texto que est prestes a virar o novo CPC. O anteprojetodeveria ser encaminhado Secretaria de Reforma do Judicirio e para a Secretaria de AssuntosLegislativos, ambas do Ministrio da Justia, as quais poderiam, por meio de notas tcnicas, dialogarcom o Congresso Nacional.

    Agradeo ao Marco Antnio pela gentileza. Prof. Leonardo Greco, uma satisfao enorme dialogarcom seu grupo de pesquisa.

    Leonardo Greco:S me cabe agradecer. O Prof. Cambi fez o percurso por todo o anteprojeto, com

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    observaes pertinentes e consistentes, que sero extremamente valiosas na etapa de reviso final.Os participantes do grupo passaro a prestar esclarecimentos sobre os pontos que o senhor apontoue eventualmente apresentar alguma indagao.

    Jos Augusto Garcia:Antes de qualquer coisa, gostaria de tambm cumprimentar o Prof. EduardoCambi, de agradecer as palavras luminosas. Vim fazer um comentrio muito pontual sobre a questo

    do garantismo, do abuso da viso garantista. Eu escutava o rdio hoje pela manh e tomei cinciade que hoje faz cinco anos de um homicdio horrvel ocorrido no Paran, um deputado dirigindo a150 km/h atropelou dois pedestres e at hoje no foi punido. Aqui no Brasil, muito difcil chegarmosa um equilbrio entre as garantias e o seu abuso. H um problema de arbitrariedade e violnciapolicial, mas por outro lado existem situaes em que as garantias so abusadas. Com relao aodireito ao silncio, h realmente uma exasperao que acaba colidindo com a questo dacooperao. No deve haver uma obsesso pela verdade, pois essa verdade pode ser autoritria;todavia, a busca pela verdade tem um componente tico importante que no pode sercompletamente ignorado. Por derradeiro, acho que o direito constitucional prova precisa ser levadoa srio, e a questo do direito ao silncio deve ser repensada com esta preocupao.

    Eduardo Cambi:Estamos discutindo aqui direito probatrio em matria de ponta no mundo, enquantotemos no Brasil um processo praticamente medieval. So as contrariedades de um pas onde as

    causas da justia s foram abraadas pelos ricos, pois se beneficiam muito mais com as garantias.Se o garantismo fosse bom, ns no tnhamos a quarta maior populao carcerria do mundo,constituda basicamente de pobres. Menos de 1% da populao carcerria est presa por crimescontra a administrao pblica, ou seja, o garantismo aplicado quando interessa s elites do pas.

    No pretendemos suprimir o direito ao advogado, s informaes de quando se preso, clausulade jurisdio no deferimento da prova etc. Mas as garantias precisam ser mais bem ponderadas.Existem algumas inconsistncias, por exemplo, a denncia annima rechaada pela jurisprudncia;enquanto isso, vemos que somente 5% a 8% dos crimes do origem a inqurito policial, e aSecretaria de Segurana de So Paulo est pagando para incentivar a delao annima, o queaumentou do final do ano pra c em 27% a elucidao de crimes. No podemos fechar os olhos paraa realidade, temos de disciplinar isso.

    Maurcio Galvo:A norma proposta no art. 1., 2. e 3., no tem como objetivo desconsiderar o

    conhecimento do direito por parte do magistrado, o iura novit curia: seu escopo garantir a corretaaplicao do direito, permitir que as partes prestem esclarecimentos, garantir o dilogo sobre aaplicao do direito ao caso concreto. Porque, num pas de dimenses continentais e com umalegislao to vasta, vrias vezes se questiona a aplicabilidade ou no de uma norma jurdica.

    Eduardo Cambi:Eu no disse que o projeto desconsidera. Eu s disse que esse um tema em que muito cara a contribuio de vocs.

    Maurcio Galvo:Quanto aos indcios, eu no consegui acompanhar a sua colaborao.

    Eduardo Cambi:Eu disse que foi um caminho pela livre valorao dos indcios, que pode encontrarresistncia na prpria tradio que ns temos e em julgados at felizes do Supremo que falam emcontraindcios e prova direta. Mas isso pode ser deixado para o campo da argumentao. O que eupontuei mais a foi o comportamento das partes. Talvez a necessidade de se repensar nisso, se que esse o objetivo do 2. do art. 3..

    Leonardo Greco:Sim, esse foi o objetivo, evitar que a conduta das partes pudesse vincula-las adeterminadas concluses que por elas no fossem previstas. Hoje muito comum o juiz usar essetipo de argumento para tirar ilaes fticas, at mesmo o ingresso, a meu ver esprio, no processodo venire contra factum proprium. O juiz no pode considerar provado isto ou aquilo s porque aparte se comportou dessa maneira ou daquela: essa considerao precisa ser submetida aocontraditrio, at os indcios precisam se submeter ao contraditrio.

    Maurcio Galvo:Em relao restrio ponderao para a utilizao das provas ilcitas quanto sua obteno ou quanto ao seu contedo. Eu particularmente no tenho uma posio formada, maso grupo discutiu bastante o tema da utilizao das provas ilcitas.

    Leonardo Greco:O Franklin e o Gustavo Quintanilha, relatores desse captulo, no esto presentes.Eu tenho conscincia de que esse captulo das limitaes probatrias com base nos direitos

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    fundamentais um dos mais delicados. A delimitao entre a busca da verdade e o respeito adireitos fundamentais tem sido construda casuisticamente. O livro do Trocker indica claramente isso.A construo dos direitos da personalidade decorre dos casos concretos enfrentados pela

    jurisprudncia. Por outro lado, muitos pases preferiram criar leis sobre privacidade, casos em que aponderao foi feita em abstrato pelo prprio legislador; se o legislador se posiciona desde logosobre a prevalncia de um determinado direito sobre o outro, cabe to somente ao juiz aplicar a lei.Infelizmente, no temos uma lei sobre privacidade, e ns pensamos que era preciso dar clareza aessa limitaes, a partir da definio de certos critrios. Um deles a existncia de uma privacidademais intensa e outra menos intensa, a teoria dos trs graus de privacidade do Tribunal Constitucionalalemo, que tentamos de alguma maneira transpor para o projeto. A proporcionalidade no poderesolver tudo. Por outro lado, acho que h muitas questes nesse captulo que precisam seraperfeioadas. Mas esse aperfeioamento depende do direito material, de uma definio precisa domaior ou menor valor dos direitos fundamentais. Invadir o direito substancial, a teoria dos direitosfundamentais, no nosso objetivo, mas no podemos evitar para aperfeioar o projeto com relaos provas ilcitas.

    No confronto entre a busca da verdade e o respeito a direitos fundamentais, no chegaremos a umresultado ideal, a no ser que a gente construa uma lei sobre privacidade e, ainda assim, com o riscode amanh ser declarada inconstitucional. Evidentemente, toda escolha que o legislador faa sobre a

    prevalncia de um direito fundamental sobre outro estar sempre sujeito ao controle daconstitucionalidade, mas as contribuies do Prof. Eduardo e tambm os que o Prof. Yarshell fez somuito importantes, porque o captulo um ponto frgil do projeto. Ele avana um pouco, mas noavana o suficiente; para avanar o suficiente, talvez ele tenha que entrar na seara alheia, e eu e ogrupo de processualistas no nos consideramos suficientemente qualificados para essa empreitada.

    Com relao ao segredo de estado, acredito que as hipteses elencadas pela Lei 12.527/2011 soexageradas e, por isso, o art. 21, 3., do Anteprojeto foi intencionalmente feito para restringi-las mas, aps a sua crtica, o grupo ir reexaminar a questo.

    Maurcio Galvo:Em minha experincia profissional, tenho visto a Lei de Acesso Informao serusada como lei de vedao de acesso informao. H quem defenda que rotular uma informaocomo segredo de estado seria uma simples deciso discricionria do chefe do Executivo ou daautoridade administrativa competente, e virou uma coisa muito estranha, porque h vrios assuntossendo colocados sob segredo. Isto coloca os servidores e empregados pblicos em situaes muitocomplicadas, pois sou empregado pblico e vejo que muitos colegas que esto fazendo essareflexo: se eu vejo um ato improbo sendo praticado e se o ato improbo foi classificado comosegredo de estado, o que eu devo fazer?

    Leonardo Greco:O segredo de estado diz respeito segurana do prprio estado, sobrevivnciado prprio estado, s relaes estrangeiras do direito internacional, da a concepo muito restrita dosegredo de estado. No pode ser invocado para proteger a impunidade do funcionrio pblico. Aimpenetrabilidade dos atos da administrao, cuja revelao no possa por em risco a segurana doestado, no pode se considerar segredo de estado. (Maurcio: mas assim est sendo classificado).Por isso restringimos o rol da Lei 12.527/2011 para manter aquilo que achamos que realmente podeconstituir uma limitao da busca da verdade, porque est em jogo a sobrevivncia do Estado.

    Maurcio Galvo:No art. 6., optamos por mudar a natureza da participao das partes de nus paradever, e, semana passada, o Prof. Flvio Yarshell fez uma critica: no haveria necessidade de impordeveres e sanes s partes nos casos em que o nus fosse suficiente para atender s finalidadesda prova. Eu gostaria de ouvir a opinio do senhor, se possvel, porque, se em relao aos terceiros,a cooperao um dever, com sano no caso de descumprimento, considero adequado tratar acooperao das partes como dever.

    Muito obrigado.

    Eduardo Cambi:Olha, eu acho que compartilho em parte essa crtica do Prof. Yarshell, mas nsprecisaramos analisar cada uma dessas situaes. Expor os fatos conforme a verdade um dever;no produzir nem praticar atos inteis ou desnecessrios defesa um dever. Por outro lado,comparecer em juzo e responder ao que for perguntado, isso pode ser um nus, ento depende dasituao.

    Leonardo Greco: Para esclarecer o limite entre dever e nus, o Prof. Yarshell disse que, se

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    adotamos o principio dispositivo como regra e a iniciativa probatria do juiz como exceo ou apenasnas hipteses legalmente previstas, enquanto no houver necessidade de utilizao de iniciativaprobatria do juiz, grande parte desse rol de comportamentos so nus, submetidos ao princpiodispositivo. Se o juiz toma iniciativa probatria porque a simples aplicao do princpio dispositivono foi suficiente, ou est respaldado num daqueles fundamentos do art. 10, e a ele exige, porexemplo, o comparecimento da parte, ou qualquer outra atividade da parte, deixar de ser nus paraconfigurar um dever, cujo descumprimento pode ser sancionado.

    A est uma sofisticao que teremos de introduzir no processo, essa passagem do nus a dever, eessa passagem podemos idealizar atravs doHinweispflicht,do dever de advertncia. O juiz mandoua parte vir e ela no veio, a ele a adverte a parte eu preciso da sua presena, porque esse fato spode ser esclarecido no dilogo aqui pessoal oral por V. Sa., se V.Sa. no atender, a eu voupuni-la. Ento a ns podemos fazer a passagem do dispositivo para a iniciativa ex officio, com oabandono do simples nus e a transformao em verdadeiro dever e a aplicao da sano apenasdepois da advertncia.

    Eu no vou seguir a ordem, gostaria de ouvir o Andr sobre a prova testemunhal, porque foi o temaque recebeu o maior nmero de crticas. Andr mestre e doutorando, e advogado.

    Andr Roque:Bom dia, Prof. Eduardo Cambi, agradeo sua disposio e disponibilidade de analisaro projeto, pelas crticas endereadas, que, certamente, despertaram discusses e que vo seraprofundadas numa etapa de reviso final. Em relao prova testemunhal, eu gostaria de prestaralguns esclarecimentos, sem prejuzo de uma rediscusso no grupo.

    Primeiro, o art. 107 no adotou a cross-examinatione previu a ordem das perguntas, primeiro o juiz edepois as partes. O Prof. Yarshell fez a mesma crtica, luz do principio dispositivo. Isso foi objeto dediscusso, o grupo apreciou o projeto do novo CPC, que adota esse sistema, e chegamos a elaborarduas verses para essa norma, um adotando a cross-examinatione a outra no. Aps avaliarmos aquesto no mbito do direito comparado, a gente levou em considerao principalmente os princpiosdo processo civil transnacional aprovados pela Unidroit e conclumos que a convenincia ou no deadotar a cross-examinationleva muito em considerao o aspecto cultural. Consideramos o aspectocultural, pois nosso CPC consagra a inquirio pelo juiz, e outros trs aspectos. Primeiro, o risco deque a cross-examinationacentuasse as desigualdades em um processo judicial em que uma parte

    pudesse levar vantagem na produo da prova testemunhal por contratar um advogado maiscapacitado. Segundo, anteprojeto que ns apresentamos amplia a admissibilidade da provatestemunhal, joga o depoimento da testemunha suspeita ou impedida para o mbito da valorao,ento cabe-lhe comear a inquirio para verificar se seria conveniente e qual o peso a atribuir aodepoimento. Terceiro, o fato de o juiz se antecipar e fazer as perguntas nos pareceu que poderiaconferir maior objetividade audincia, porque todos os sujeitos do processo devem se prepararpara a audincia, inclusive o juiz, e, ao dar incio ao ato, o juiz j poderia traar as balizas para que ainterveno posterior das partes tivesse um liame de pertinncia com os pontos controvertidos porele destacados, sem prejuzo, evidentemente, de outras questes que as partes pudessem trazerpara o convencimento.

    Sobre o art. 109 e o ditado a termo pelo juiz, para a documentao do depoimento, concordamosque o ditado pelo juiz pode eventualmente conduzir a distores. Lgico que a gravao de um

    depoimento traz um material muito mais rico, principalmente, para as instncias superiores, poispermite que se mantenha o contato no limitado ao que foi reduzido a escrito, evita uma quebra daoralidade do processo, mantm a expresso corporal, o tom de voz, tudo isso muito importante.Entretanto, na realidade prtica, muitas vezes a audincia infelizmente acaba no sendo objetiva, elase arrasta e assistir a esses depoimentos, se houver um nmero elevado de testemunhas, podetransformar a gravao em prova muito demorada para ser apreciada pelo Tribunal.

    Vimos situaes em que escritrios de advocacia, no mbito penal, apresentavam ao Tribunal, porocasio do julgamento de recurso, um memorial instrudo com um compacto dos melhoresmomentos da audincia, feito de forma parcial; se o Tribunal eventualmente no se der ao trabalhode apreciar toda a gravao, que poderia durar muito tempo, isso resultaria em uma distoro do

    julgamento. Talvez seja bom prever de forma clara a gravao, sem prejuzo da reduo a escrito,que possibilita uma apreciao mais sucinta, mais gil dos depoimentos; quando necessrio, sehouvesse uma discusso sobre eventual distoro do que foi reduzido a escrito, a o Tribunal sereconduziria ao que foi gravado e teria acesso prova oral em toda a sua plenitude.

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    Prof. Leonardo Greco:O Jos Aurlio defensor pblico, mestre e doutorando.

    Jos Aurlio:Bom dia a todos, bom dia professor, nossos agradecimentos. Vou falar sobre o art. 95,a questo da prova testemunhal. Acho que ns concordamos com o mesmo pensamento, pode serque a redao do artigo tenha ficado um pouco tmida; o que influenciou a redao do artigo foi a

    leitura do art. 248 do CPC italiano feito pela Corte italiana, a respeito da possibilidade de prestaode testemunho pelos menores. A nica diferena que ns tentamos preservar a integridade domenor, mas no no sistema sugerido pelo CNJ, que o sistema dito depoimento sem dano, mas quemuitas das vezes suprime a imediatidade do juiz, quer dizer, o juiz comea a fazer a transfernciadesses depoimentos para as equipes tcnicas e no final das contas, retira esse contato direto com o

    juiz. A frmula que a gente tentou implementar foi que o juiz promove o depoimento e o pargrafonico autoriza que, caso necessrio, tanto o menor, como pessoas com alguma deficincia mentalpodem ser acompanhadas de algum que facilite ou que minore eventual prejuzo da prpria pessoanesse depoimento. Ento, a ideia de permitir o quanto possvel o depoimento com esse limitemnimo de integridade fsica da testemunha, mas sem cair no distanciamento que a Resoluo doCNJ promove e a gente acaba vendo na prtica. Isso, no final das contas, muito influenciado poruma viso minoristica de que a criana objeto no processo e no parte do