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A Odisseia de Mão de Luva na Região Serrana Fluminense Sebastião A.B. de Carvalho Nova Friburgo RJ 2015 Uma contribuição à historiografia do Estado do Rio de Janeiro, restabelecendo a verdade histórica sobre o pioneiro desbravador da Região Serrana Fluminense Desenho sobre escultura de Honório Peçanha - CEPEC

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A Odisseia de Mão de Luvana Região Serrana Fluminense

Sebastião A.B. de Carvalho

Nova Friburgo RJ2015

Uma contribuição à historiografia do Estadodo Rio de Janeiro, restabelecendo a verdadehistórica sobre o pioneiro desbravador daRegião Serrana Fluminense

Desenho sobre escultura de Honório Peçanha - CEPEC

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Sebastião A.B. de Carvalho

A Odisseia de Mão de Luvana Região Serrana Fluminense

© 2015 Sebastião Antonio Bastos de Carvalho

Primeira edição: 2015

Nova Friburgo - RJ

Sob os auspícios de

Centro de Estudos e PesquisasEuclides da Cunha - CEPEC

A ODISSEIA DE MÃO DE LUVA, deSebastião A.B. de Carvalho é licenciado sob uma LicençaCreative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedadaa criação de obras derivadas 3.0 Unported. Baseado notrabalho em nitcult.com.br.

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Prefácio A Odisseia de Mão de Luva pág. 3

MÃO DE LUVA, lenda e verdadeOrdilei Alves *

Mão de Luva. Qual a verdade sobre sua existência? Até onde vai a lenda que cerca esse epíteto de Manoel Henriques, o fundador

de Cantagalo? É isso que Sebastião Antonio Bastos de Carvalho, um carioca decoração cantagalense, estudioso da história de Cantagalo, ao trazerluzes sobre o nascer dessa cidade e da região dela originária, querdemonstrar. Como um pesquisador contumaz e disciplinado, buscafazer justiça a esse desbravador que afrontava as autoridades aquiestabelecidas para defesa dos interesses da Coroa Portuguesa. Li e reli esta obra de Sebastião e fica-me a certeza de que eledesnudou esse axioma trazendo à luz esta verdade inquestionável:Manoel Henriques, o Mão de Luva, precisa ter o nome resgatado eocupar seu verdadeiro lugar na história de Cantagalo, da Região e doBrasil. Tendo acesso a documentos primários, anseio de qualquerpesquisador e sua ferramenta maior, Sebastião desmistifica a lendaromântica de que Manoel Henriques era um nobre português, alvo dapaixão da princesa Dona Maria Francisca, filha do Rei Dom José I,que sucederia o pai como a Rainha Maria I, posteriormente conhecidacomo Maria, a Louca. Essa versão romântica diz que, ao ser descobertoo namoro, e sendo Manoel Henriques um desafeto do Marquês dePombal, Primeiro-Ministro de Dom José, o todo poderoso quegovernava Portugal com mão de ferro, ele teve como pena o confiscode seus bens e o desterro para o Brasil.

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A Odisseia de Mão de Luva pág. 4 Na noite que antecedeu sua partida, incógnita, a princesa foi visitá-lo no cárcere e, durante a despedida, beijou apaixonadamente a suamão. Então, num gesto romântico típico da época, Manoel Henriquesdisse-lhe que daquele dia em diante usaria uma luva, para que ninguémtocasse na mão por ela beijada. Em muitos casos a lenda supera a realidade, principalmente quandocria uma atmosfera heróica ou romântica. Neste caso, porém,Sebastião nos traz a verdade cristalina, com o rigor documental, assimexpressado: “Mão de Luva não foi amante de D. Maria I de Portugal,mas foi casado, na Igreja Católica e teve filhos... E nunca esteveem Portugal! Mão de Luva não era português, mas brasileiro,natural de Ouro Branco, MG”. É instigante o paralelo que Sebastião faz entre a vida de JoaquimJosé da Silva Xavier, o Tiradentes, e Manoel Henriques, o Mão deLuva. Ambos, no seu entender, sofreram grande influência do CônegoLuiz Vieira da Silva, que possuía em sua casa, em Ouro Branco, terranatal de Mão de Luva, uma biblioteca de alto nível, cujo acervo reuniaclássicos e outros tantos livros, incluindo as constituições de diversospaíses, como as liberais dos Estados Unidos e da França, pós-revolução. Esse clérigo, que teve participação ativa na InconfidênciaMineira, é considerado por alguns autores o mais instruído dosconjurados e, portanto, exercia grande domínio sobre os demais, daíos ideais libertários, muito bem demonstrados pelo lema da RevoluçãoFrancesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, ser a tônica dapregação do maçom Cônego Luiz Vieira. Na avaliação do autor, porconviver próximo desse movimento que se desenhava, Mão de Luvafoi influenciado por tais ideais. Sebastião entende que, mesmo com posições e comportamentosdiferentes, cada qual à sua maneira, Tiradentes e Mão de Luva lutavam

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pelo mesmo ideal: o de romper os laços com o Governo Português etransformar o Brasil em uma nação livre e independente. Entende,ainda, que se Tiradentes foi condenado à forca, teve seu corpoesquartejado e a sua descendência amaldiçoada, mas, posteriormente,a sua honra foi restabelecida e ele passa para a História como o “Mártirda Libertação Nacional”, por que Mão de Luva, que também foi presoe condenado ao desterro, não pode ter restabelecida a sua, e galgar onível que merece na História? Todo aquele que, como eu, gosta da História, principalmente dosurgimento e desenvolvimento desta nossa Região, que tem emCantagalo, a sua célula mater, vai ler de um só fôlego esse livro. Maisainda, fará dele uma constante fonte de consulta sobre a historiografiados Sertões do Macacu. E que, são nossos ardentes votos, SebastiãoAntonio Bastos de Carvalho consiga o seu intento de resgatar adignidade do fundador de Cantagalo: Manoel Henriques, o lendárioMão de Luva.

*Ordilei Alves da Costa, friburguense, é membro titulardas academias Friburguense de Letras e Ferroviária de Letras.

É pesquisador ferroviário e autor, dentre outros, do livro“O Apito do Trem

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Introdução

Desde a década de 1990, acalentamos a esperançade ver a figura lendária de Manoel Henriques, o

Mão de Luva, ser elevada ao nível que a nosso vermerece!

Pessoas que se dispuseram a escrever sobre o nossopersonagem, não o fizeram em obediência aosparâmetros científicos da pesquisa histórica. Além decriarem “lendas”, resolveram, para atender a instânciaspopulares, distorcer fatos relatados em documentosoficiais, para afirmarem irrealidades, que jádesmistificamos. Assim foi com a origem do nomeCantagalo, como se verá no decorrer desta leitura.

O nosso O TESOURO DE CANTAGALO, editadoem 1991, restabeleceu quase toda a verdade, o quefizemos com a publicação, em 2014, de sua segundaedição, revista e atualizada, que pode ser acessada noendereço www.nitcult.com.br/TreasureFINAL.pdf

Este A ODISSEIA DE MÃO DE LUVA, que agoradamos à publicidade, em edição on line, é o coroamentode nosso trabalho em prol da verdade histórica e darecuperação de Manoel Henriques, o Mão de Luva,tão injustiçado por falsos historiadores.

Um dos nossos objetivos é conscientizar osmunicípios da Região Serrana Fluminense, dapertinência da história de Mão de Luva com as histórias

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dessas comunidades, que devem a ele boa parte dapreparação das condições que possibilitaram suacolonização. Com efeito, foi a atuação de ManoelHenriques e demais garimpeiros da época colonial queabriu caminho para os colonizadores que se sucederam,culminando com o estabelecimento da pujanteexploração ocorrida no chamado Ciclo do Café.

Este livro, que se baseia no anterior, O TESOURODE CANTAGALO, veio ampliar a ideia sobre ainfluência de Manoel Henriques, Mão de Luva,procurando mostrar que a ele devemos, em grande parte,o progresso desta Região.

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Prefaciando esta obra, está o Acadêmico Ordilei Alvesda Costa, da Academia Friburguense de Letras, pesquisadorda História de Nova Friburgo e região.

Ordilei nasceu no dia 11 de janeiro de 1945, em NovaFriburgo. Cursou Estudos Sociais na Universidade Católica deBelo Horizonte. Foi agraciado com o troféu Galdino do ValleFilho, concedido pelo Gama a pessoas que se destaquemtrabalhando por Nova Friburgo.OBRAS1- Conto: “O Professor e a Corporação”, menção honrosa emconcurso da UFF, em 2007.2- Conto: (condensação) “O Menino e o Trem”, em UmaAntologia do Trem, sob os auspícios do Movimento dePresevação Ferroviária.3- Livro: “Dezcontos com Descontos”. Ed. Pandion - 2010.4- Livro: “O Apito do Trem”. Ed. Pandion - 2012. Uma históriaambientada em Nova Friburgo, nos anos 50/60, misto de ficçãoe realidade tendo o trem como pano de fundo.

Nosso prefaciador

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Indice-------------------------------------------------------------------- Página Assunto--------------------------------------------------------------------

-03 - Prefácio 06 - Introdução 08 - Índice 09 - 1- Exame na Historiografia Fluminense 12 - 2- A febre do Ouro 19 - 3- A luta pela Independência 26 - 4- O Descoberto do Macacu 32 - 5 - A vida no Garimpo 39 - 6 - A Campanha de São Martinho 66 - 7 - A contenda Minas x Rio de Janeiro 82 - 8 - A colonização da Serra Fluminense 99 - 9 - Índios e negros no Descoberto113 -10- Manoel Henriques, Mão de Luva119 - Centro de Estudos e Pesquisas CEPEC120 - Biografia do Autor123 - Bibliografia127 - Cópias de documentos históricos.

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1- Um necessário reexame na historiografia fluminense

Acima: Montanhas de Salina, Nova Friburgo RJ;embaixo: Mapa da Região Serrana do Rio de Janeiro.

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Há várias dúvidas na história da Região Serrana fluminense, a começar pela sua colonização,

quando se discute se o desenvolvimento de boa partedessas terras deva ser creditado a suíços ou alemães.

Os estudos se multiplicam, as opiniões divergem,e isso é saudável, pois mostra que pessoas valiosas estãoem busca da verdade...

Um ponto, que reputamos da mais alta importância,tem sido, contudo, relegado: a história de ManoelHenriques, o Mão de Luva, um garimpeiro de MinasGerais que, fugindo das autoridades de Vila Rica, entãocapital da Província, dirigiu-se ao Descoberto dosSertões do Macacu.

Intelectuais escreveram sobre o personagem, dandoconta de sua atuação, mas, à falta de pesquisas realmentedignas de crédito, alguns deram asas à imaginação,criando fatos que na verdade não aconteceram!

Muito grave foi a consequência de tais arroubosliterários travestidos de realidade, porque, sendo aceitospor várias instituições, que os divulgaram ao longo deanos, passaram a ocupar o lugar em que teria de estar averdade histórica!

Justamente para restabelecer a verdade históricasobre a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro éque estamos editando este livro. Ele vem reforçar amensagem que em 1991, lançamos, com o nosso OTESOURO DE CANTAGALO, cuja tiragem se esgotou

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sem que fossem atingidos os nossos objetivos, em termosde consciência popular.

Pessoas e instituições continuam a propagar a fan-tasia e a inverdade, preferindo essas invencionices,especialmente pelos seus conteúdos “românticos”,quando a verdade extraída dos documentos históricosautênticos que pesquisamos, apresenta-se ainda maisatraente e sensacional, com episódios de bravura,tenacidade, coragem e idealismo. E, o que é maisimportante, são verdadeiros...

Manoel Henriques, o Mão de Luva merece ter oseu nome livre de estigmas indevidos. E a nossa Regiãoprecisa ser realmente conhecida.

Esperamos atingir este objetivo com a divulgaçãodeste trabalho!

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2- A febre do Ouro

Acima: Vista parcial de Ouro Preto, antiga Villa Rica,capital da Província de Minas Gerais; embaixo: Ouro

Branco, onde por anos se praticou o garimpo, sendo aterra natal de Manoel Henriques, o Mão de Luva.

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O vigoroso movimento que levou tantos homens arrojados a penetrarem no interior do imenso e

perigoso território do Brasil do século XVII, deixou umapreciável saldo de realizações no processo de conquistada terra e de sua colonização.

Fascinados pelas maravilhosas perspectivas degrandes riquezas, representadas pela descoberta deminas de ouro e de prata, e pela captura de selvícolaspara serem vendidos como escravos por altos preços;animados pela existência de rios que corriam paradentro, constituindo caminhos naturais de penetraçãoe, finalmente, excitados pelo desafio de montanhasvirgens, cujos topos desejavam galgar para o ávidovislumbre de novos horizontes -- lançaram-se àtemerária empresa aventureiros de várias procedências,em Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso.(Azevedo, Fernando de, 1943, pág. 46).

Muitos sertanistas aceitaram ofertas do GovêrnoPortuguês para se dedicarem à pesquisa mineral. Em1695, descobriu-se ouro em Minas Gerais. Oextrativismo do ouro e do diamante foi um fator decisivono povoamento da Região Centro-Sul, resultando daí aampliação dos centros urbanos, grande diversificaçãosocial e a colocação do Brasil como o centro econômicodos domínios de Portugal.

Em consequência, a produção brasileira de ouro,mesmo se processando rudimentarmente, alcançou,

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em meio século (de 1710 a 1760) um volume“equivalente a cinquenta por cento de todo o ouroproduzido no mundo, nos três séculos anteriores, e iguala toda a produção da América, de 1493 a 1850!” (idem).

Esse apogeu da produção aurífera ocorreujustamente quando os nossos produtos de exportaçãobarateavam, sob a depressão européia. A exploração doprecioso metal veio então desafogar a economiaportuguesa e ainda proporcionar grandes lucros àInglaterra, através de vínculos comerciais sumamentevantajosos mantidos com Portugal.

Para atender a pagamentos da balança comercial,o ouro brasileiro ia ter de Portugal à Inglaterra, onde,remunerando melhor suas mercadorias, contribuiudecisivamente para a expansão dos negócios e daprodução, capacitando os ingleses para a conquista denovas colônias. (Simonsen,Roberto C.1944 II pág.43).

Quanto ao Brasil, embora o ouro tivesse escoadopara a Europa sem a contrapartida de seguros empre-endimentos aqui,sua exploração resultou em fatospositivos como: a) Ocupação de nossos sertões pelamigração centro-sul; b) Criação de um grande mercadode gado e tropas; c) Progresso da cidade do Rio deJaneiro; d) Concentração e formação de capitais(escravos e tropas) que veio facilitar a implantação dalavoura cafeeira no Vale do Paraíba. (Simonsen, RobertoC,1944 - II págs. 44-45).

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Por mais que se fale, nunca será exageradoressaltar a importância do assim chamado ciclo do ourono processo de tomada de posse do território brasileiro.

Os primeiros caminhos, as primeiras picadas quese abriram nos extensos sertões, de matas virgens, índiosaguerridos e tantos perigos e desafios, foram abertospor ambiciosos sertanistas, alguns a serviço do governo;outros por conta própria, ilegalmente, marginalmente,mas sempre levando padrões culturais de sua terra natal,da sociedade em que nasceram e foram criados. E, aondeas autoridades não alcançavam, ou de onde nem tinhamconhecimento, pela atenção voltada para tantos outroslugares, para tantos outros problemas ou interesses,envolvidos pela imensidade de uma Colônia-Continente,-- iam esses aventureiros dando tudo de si, tudoarriscando, realizar obra pioneira, na vanguarda daocupação da terra pelo homem civilizado.É certo que esses homens eram movidos pela ambiçãoda riqueza. Não se lançavam a tão espinhosas aventurascom o pensamento voltado para o bem-estar geral dahumanidade!... Mas nisso eles não diferiam em demasiadaqueles que, de seus gabinetes luxuosos, ordenavam aorganização da guerra, na defesa de interesses que, porserem estatais, nem por isso deixavam de interessar-lhes pessoal e diretamente, pelas vantagens, algumaslegais, outras extraordinárias, que sem dúvida lhesanimavam os espíritos!...

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Eram empresas arrojadas, a que se lançavam comtodas suas energias e habilidades, e cujo porte podemosavaliar pelo conhecimento que temos acumulado, dascondições daquelas paragens, na época.

Não é outra a opinião de Fernando de Azevedo,ao dizer: “Quando se pensa nos obstáculos de todaordem que tinham de vencer os sertanejos, à frente desuas tropas e boiadas, e os bandeirantes, nas suasentradas pelo sertão, à caça do índio, ou à procura dosterrenos auríferos, não se pode deixar de reconhecer,neste movimento estupendo de expansão territorial,asfundações robustas em que, no interior, começou aerguer-se a estrutura da nação. A tomada de posse, pelohomem, do meio geográfico, eriçado de florestasvirgens, amuralhado de montanhas, embolado nosespigões, apaulado nos pantanais e recortado de riosimensos, que se irradiam e se cruzam em quase todosos sentidos, para o mar e terra a dentro, é uma epopéiaselvagem,em que irrompeu, com toda a grandeza doesforço humano e no quadro imenso dos labores, daspenas e dos sacrifícios “uma das afirmações vivas eautênticas do sangue brasileiro nas ásperas terras” queconduziam às pastagens e às cidades, ao litoral e àmineração, nos fluxos e refluxos das vagas sertanejas.

Certamente, no fundo do quadro, formigava aescravaria negra, nas terras da mineração, sobre o leitodos rios ou ao pé das montanhas, ou se agitava a massa

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dos selvícolas que, escravizados em cada uma dasexpedições,desciam aos milhares de cada vez,paraserem distribuídos ou vendidos a baixo preço nascidades e vilas do litoral”. (Azevedo, F.,1943 pág. 49).

Existem documentos, da época, que dão contada extrema dificuldade de penetração nos sertõesauríferos do território da então Província do Rio deJaneiro. Fala-se de uma “barreira natural” de matovirgem quase impenetrável, a dificultar sobremodo apassagem da Capitania de Minas Gerais para amencionada Província. Todavia, e apesar dasdificuldades, dão-nos eles ciência de que, em 1785,aventureiros já haviam penetrado naquelas longinquasparagens, estabelecendo contato com populações deCampos do Itacazes e até da Capitania do Spirito Santo!(DOC. 1).

As autoridades se ocupavam com a penetração,organizada e legal, cuidando dos interesses da Coroa,que tinha no comércio do ouro e das pedras preciosas asua principal atividade de exportação, ao mesmo tempoem que exerciam severa vigilância sobre as regiõespromissoras, consideradas “áreas proibidas”.

São inúmero os episódios de repressão aaventureiros que, clandestinamente, penetraram nessasáreas, procedendo a uma exploração ilegal que, alémde lesar os reais interesses, contribuia ainda para osurgimento de povoações marginais, isto é, com vida

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econômica e social alheia ao sistema legal vigente noresto do país.

Os animadores resultados da mineração levarama Coroa ao aprimoramento do mecanismo de controleda exploração aurífera em todo o país.

Vila Rica (Ouro Preto) era o centro nervosodessa formidável organização burocrática, que investiacontra os “defraudadores da Coroa”, isto é, aqueles quegarimpavam clandestinamente.

Era expressamente proibido o trânsito de ouroem pó. Ele deveria ser fundido em barras nas Casas deRegistro do Ouro e, após o pagamento do quinto,qualseja, dada ao Tesouro Real a quinta parte do referidoproduto, podia circular em barras que portavam a realchancela.

Ouro Branco, por sua vez, localizada nasproximidades de Ouro Preto, também era prospectadapor garimpeiros, muitos deles clandestinos. Seu ourodiferenciava-se do existente em Ouro Preto justamentepor ser mais limpo, contendo muito pouco de minériode ferro. Daí as denominações: Ouro Preto, onde o metalera bem mesclado com minério de ferro, assumindo umacoloração escura, e Ouro Branco, cujo metal seapresentava com alto índice de pureza. A desvantagemera que este ouro não se mostrava tão abundante quantoo outro! Mas em ambas as localidades, a repressão dasautoridades era avassaladora!

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3- A luta pela Independência

A Inconfidência Mineira, que foi arquitetada duranteanos por intelectuais mineiros, culminando com aDevassa, que os prendeu e executou seu lider maior,JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER, oTIRADENTES, (na foto, seu julgamento), teve emOURO BRANCO um grande incentivador e mesmoplanejador, que foi o CÔNEGO LUIZ VIEIRA DASILVA, também perseguido, preso e deportado. Comoele atuou na época e região em que ambos, Tiradentes eMão de Luva viveram, é bem provável que os tenhainfluenciado, dando-lhes o embasamento teórico eemocional necessário à luta libertadora!...

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Cada qual a seu modo, Tiradentes e Mão de Luva, trabalharam pela libertação do Brasil do jugo

português.Tiradentes, reconhecido pelas autoridades como

competente perito em assuntos mineralógicos, haviafracassado em vários empreendimentos comerciais e,como soldado, tinha sido preterido nas promoções,permanecendo estacionário no posto de alferes, apesardo bom desempenho em missões bastante perigosas,envolvendo a vigilância dos caminhos e registros.(Enciclopédia Delta Larousse (DL), 1970 - vol. 14, págs.6673/4).

Há uma coincidência cronológica entre dois fatosque se relacionam estreitamente, através da pessoa deTiradentes, ambos ocorridos em 1787: 1) A distribuiçãodas “datas” minerais de Cantagalo entre vários cidadãos;2) A mudança do alferes, de Minas Gerais para o Rio deJaneiro, objetivando “fazer dinheiro” com os planos detrapiche e canalização de água, de sua autoria.

É bem provável que Tiradentes houvessepretendido uma recompensa à altura dos serviçosprestados ao governo, que poderia ter-se traduzido naconcessão de uma “data” mineralógica emCantagalo,concomitantemente com uma promoção nacarreira militar. Isto não aconteceu. O certo é que, logodepois de sua mudança para o Rio de Janeiro,vemo-loconspirando contra a Coroa, na articulação da

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“Conjuração Mineira” e, dois anos depois, preso, para,daí a três anos, ser enforcado como o principalresponsável pela grave sedição.

O episódio de Cantagalo se constituiria, portanto,para a vida do famoso alferes, no divisor de águas entrea legalidade e a clandestinidade -- a última oportunidadeque ele teria dado aos detentores do poder para fazeremjustiça a um competente servidor.

Mão de Luva, diferentemente de Tiradentes, queagia diretamente em atividades militares, trabalhavacomo garimpeiro clandestino, ou seja, que não paga oquinto do ouro à Coroa Portuguesa, como era exigidopor lei. Não atuava militarmente, não conspiravapoliticamente, mas organizou e manteve umacomunidade, certamente animado pelas mesmasconcepções libertárias de Tiradentes.

Mas a atuação de Mão de Luva antecedeu a deTiradentes. Este era militar, um alferes, e como tal edevido a seus conhecimentos mineralógicos, foidestacado para fazer um levantamento estratégico parapossibilitar a penetração da tropa do sargento-mor SãoMartinho nos domínios do Mão de Luva.

Preso e condenado Mão de Luva, em 1786, vemosTiradentes, decorridos apenas 2 anos, totalmenteenvolvido na Conjuração Mineira, o que lhe valeu aexecução em praça pública. Seu corpo foi esquartejado,sua casa teve o terreno salgado, sua descendência

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amaldiçoada, mas afinal teve sua honra restabelecida,sendo declarado “Mártir da Libertação Nacional”.

Não consta que Mão de Luva tenha passado porcastigos dessa monta, mas também foi condenado epossivelmente desterrado para lugar ignorado. E até opresente nada foi feito para a reabilitação do seu nome,apesar dos esforços que vimos dispendendo no correrdos anos, com a edição de livros e jornais.

Fato relevante é o trabalho do CÔNEGO LUIZVIEIRA DA SILVA, morador de Ouro Branco, onde sedestacou pela defesa de ideias e ideais libertários.Religioso, ele percorreu vários estágios da hierarquiacatólica, sempre se destacando pela erudição, massofrendo perseguições, pela inveja que alguns sentiam,e pela adversidade que suas ideias de libertação políticacausavam em muitas mentes...

O Cônego Luiz Vieira da Silva possuia umabiblioteca de alto nível. Lia os clássicos universais epesquisava nas mais modernas constituições,notadamente a francesa e a norte-americana. Suainspiração eram as revoluções ocorridas na França enos EE.UU.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o ideal daRevolução Francesa e da Maçonaria, da qual eramembro, animava esse ardente defensor das grandescausas. Os discursos por ele pronunciados O elogiofúnebre do Revmo. Dr. Lourenço José de Queiros

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Coimbra e Vasconcelos, a 12 de outubro de 1784, naMatriz de Sabará e a Oração fúnebre nas exéquias doInfante D. José de Portugal, em Vila Rica, bastarampara que o historiador Joaquim Norberto de Souza Silvao considerasse o mais eloquente dos homens implicadosna conjuração.

Segundo um pesquisador de Ouro Branco, PedroPinto Chaves, ele era o mais instruído dos conjurados.O erudito Alberto Faria o considerou “a maiorilustração colonial da época’’; isto é, a pessoa maisinstruída do Brasil em fins do séc. XVIII.

Patriota que acreditava na implantação de umgoverno independente no Brasil, a exemplo do queacontecera com os Estados Unidos, o cônego era oestrategista da conjuração e um dos encarregados deelaborar as leis da república que aqui se implantaria.

Muito pouco se sabe sobre a vida do Cônego LuisVieira da Silva. Como muito pouco se sabe sobre a vidados outros inconfidentes, principalmente aqueles ligadosà Igreja Católica. Conhecia como poucos o pensamentosocial e político e a ação pedagógica do iluministaracionalista Luis Antonio Verney, deflagrador domovimento de renovação mental de Portugal.

Foi preso e deportado em 1792 para Portugal, afim de cumprir pena de prisão perpétua. Esteve 4 anosna fortaleza de São Julião e depois para diferentesconventos. Em fins de 1801 libertaram-no, e retornouao Brasil indo viver em Angra dos Reis, onde faleceu.

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História de Ouro Branco * Elizabeti Márcia Felix Rodrigues de Oliveira

O povoado de Santo Antônio de Ouro Branco teve suaorigem em fins do século XVII, provavelmente no anode 1694, como conseqüência do processo de ocupaçãoiniciado com as primeiras bandeiras que, subindo o Riodas Velhas à procura de ouro, desbravaram a região,assentando-se ao pé da Serra de Ouro Branco, tambémdenominada, na época, Serra do Deus (te) Livre(tombada pelo IEPHA em 07/11/1978)

Os primitivos habitantes desta região foram os índiosda tribo Carijós. Os ex-integrantes da Bandeira chefiadapor Borba Gato, Miguel Garcia de Almeida Cunha eManuel Garcia, transpondo os altos da cachoeira deItabira do Campo (atualmente Itabirito) descobre o ourona falha radial da Serra, onde se encontram os mananciaisdos Ribeirões da Cachoeira e Água Limpa. Taldescoberta não produz o rendimento esperado: Manuele Miguel se desentendem e a bandeira se divide.

Manuel Garcia segue na direção Nordeste, indo dar como rico córrego do Tripuí, descobrindo o “Ouro Preto”,cor produzida devido à presença de óxido de ferro emsua composição.

Miguel Garcia, por sua vez, desce o vale do chamado“Rio da Serra”, que corre para o Oeste, paralelamente àaguda escarpa da Serra de Deus Livre. Funda um

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povoado nessa região, após descobrir ouro de coramarela, clara, produzida pelo mineral paládio a eleassociado, denominado “Ouro Branco” por simplescontraste cromático aparente com o “Ouro Preto” doTripuí.

Ouro Branco foi uma das mais antigas freguesias deMinas, tornada colativa pelo alvará de 16 de fevereirode 1724, expedido pela Rainha Maria I, durante ogoverno de Lourenço de Almeida. Nesse período OuroBranco já possuía considerável importância econômicapela prosperidade de sua população.

O ouro extraído em Ouro Branco era desprezível emrelação à extração praticada em Ouro Preto. Por essaépoca, a má qualidade das jazidas auríferas e asdificuldades de exploração, advindas do primitivoprocesso utilizado, fazem a atividade mineradoraretroceder.

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* Elizabeti Márcia Felix Rodrigues de.Oliveira - é poeta, escritora eSecretária de Cultura e Patrimônio Histórico de Ouro Branco MG.

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4- O Descoberto do Macacu

MANOEL HENRIQUES, MÃO DE LUVA, esta-beleceu-se, com três irmãos no novo Descoberto doMacacu, onde esperava poder garimpar livre daperseguição das autoridades mineiras. E assim foi, pormais de vinte anos... Mas por insistência da Corte deLisboa, que exigia a destruição do garimpo clandestino,que ocorria nas áreas proibidas, acabou vendo a suacomunidade destruída, e suas esperanças aniquiladas...

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Chegar a um sítio aurífero e poder nele garimpar era o sonho dourado de muitos dos habitantes das

Minas Gerais, no século XVIII.

Na procura do ouro, cada vez mais distante, e nafuga às autoridades, cada vez mais próximas, osaventureiros desbravadores foram abrindo novoscaminhos e fundando núcleos que mais tarde vieramservir de pontos-de-apoio para a organização de umaestrutura agrária estável.

Um desses aventureiros, o cidadão de OuroBranco, Minas Gerais, de nome Manoel Henriques,cognominado Mão de Luva,cansado de sofrer aperseguição oficial, naquela região tão próxima de VilaRica,dirigiu-se com seus companheiros para o vale doRio Paraíba do Sul, na Província do Rio de Janeiro,vindo a explorar seus afluentes, notadamente os riosGrande, Macuco e Negro. (DOC. 36).

Mão de Luva, assim conhecido por usar uma luvana mão direita, (DOC.15) talvez aleijada nas lides damineração, parece ter sido um homem de extraordináriatenacidade, capacidade de realização e liderança.Tenacidade para enfrentar a dureza da vida dedesbravador e pioneiro, lutando constantemente contrao meio hostil: as feras, os índios, as doenças e os agentesdo governo; capacidade realizadora para edificar,

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arrostando todas as dificuldades do meio e de suacondição de fugitivo, um núcleo populacional que, em1784, compunha-se de cerca de 200 moradias, ondeviviam crianças já dali naturais. Era uma povoação quese bastava, graças à economia de subsistência. Plantava-se muito milho e feijão, o bastante para abastecer umaconsiderável população. Haja vista que, à chegada dastropas que lá foram desalojar os contraventores, haviaplantados cerca de 3 alqueires de feijão e, estocados.600 de milho. (DOC. 14).

A determinação colonizadora da CoroaPortuguesa em relação aos Sertões do Macacu seevidencia nos atos de sua Soberana Raínha, D. Maria I,que, em cartas de 8 de janeiro de 1785, ordena ao Vice-Rei do Brasil, Luiz de Vasconcellos e Souza, e aoGovernador da Província de Minas Gerais,Luiz daCunha Menezes, providências para que fosse desalojado“daqueles Sítios, pela Tropa de Minas Gerais, o famosoCorpo de Contrabandistas e extraviadores, que se temali despoticamente congregado,e o modo mais seguro,nas presentes circunstâncias, porque se devem praticaras mais providências de que V.Excia. se lembra, tantopara o referido fim como para se conseguirem asutilidades que se podem esperar, sendo ocupadosaqueles Terrenos por pessoas úteis e industriosas,debaixo das regras e regulações, que forem maisacomodadas e próprias ao Sítio, Distrito e Confim domesmo Sertão”. (DOC. 11).

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Mas as entradas clandestinas na região já haviamsido denunciadas, em maio de 1784, através de cartaque, no dia 19, o Governador de Minas Gerais remeteraao Vice-Rei do Brasil, citada em carta deste para aqueleem 24 de dezembro do mesmo ano:...”a respeito dasentradas e comunicações clandestinas praticadas dessapara esta Capitania, pelos matos e sertões que abrempassagem para a Serra dos Órgãos e distrito de Macacu,por homens facinorosos já pronunciados em devassas aque aqui mandei proceder, por contrabandistas eextraviadores das riquezas daquele extenso Sertão”.(DOC. 7).

Da relação dos reus pronunciados nas devassassobre os extravios do ouro do “novo descobrimento”realizadas no Rio de Janeiro, constam:1. Diogo Alvares e seus filhos: 2. João de Souza Lima e3. Leandro de Souza,4.Felicio Martins, 5. JoaquimLopes, 6. Dionizio Lopes,7. Carlos Antonio Pegado,8.Manoel Henriques, por alcunha = Mam de Luva,9.Antonio Barboza, 10.Manoel Rodrigues, 11.o tenenteJosé Antonio Lima, chamado o Paraizo, 12. José da SilvaLeite, 13. Nazario,preto, seu escravo, 14. FranciscoVieira Bezerra, 15. Antonio de Novaes, 16. FranciscoPegado, 17. Agostinho de Abreu Castellobranco,queanda com o nome de Francisco de Paula, 18. OnofreBernardes, 19. José, preto. (DOC.7. Para evitar asentradas clandestinas,o Vice-Rei recomendou, emvárias oportunidades, que se obedecesse a “disposições

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Podemos,com base nessas recomendações,avaliar a extensão da atuação dos contrabandistas deouro, em território fluminense, desde a divisa com MinasGerais, em Porto do Cunha, margens do Rio Paraíba doSul, penetrando nos Sertões do Macacu, mais tardeCantagalo, e chegando, em sua confrontação com o atualMunicípio de Cachoeiras do Macacu, ao vale do Rioque lhe deu o nome.

Daí para a frente, acham-se o Rio de Janeiro eCabo Frio a sudeste; Campos dos Goitacazes e aCapitania do Espírito Santo na direção nordeste.

Procuravam os contrabandistas, naturalmente, olitoral, de onde pudessem enviar o produto de seus“extravios” para o exterior, em busca de mercadocondizente com o seu volume e valor. Disso não hádúvida quando tomamos conhecimento de corres-pondência enviada pelo Governador de Minas Geraisao do Rio de Janeiro, em 20 de junho de 1786,solicitando que se efetuasse a “apreensão dos principaiscabeças nessa Capital, por ter tido a inteligência devida

para segurar e guarnecer os Portos e Passagens que temou podem ter comunicação para esta Capitania, não sópelos importantes distritos de Macacu, Campos dosGoitacazes e Cabo Frio, que são mais arriscados pelasua situação, mas ainda pelos mais, por onde podia haveralguma desconfiança e até pelo da Capitania do EspíritoSanto, que por um bem fundado receio abre entrada parao mesmo Sertão.”(DOC. 11).

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às minhas prevenções,de eles terem saído do sobreditoDescoberto para essa mesma Capital, com o fim deassistirem aos Ofícios Divinos da Semana Santa, edarem ao mesmo tempo a costumada e clandestina saídaao ouro extraviado do sobredito Descoberto”. (DOC. 20).

Banhando os estados de São Paulo. Minas Gerais e Rio de Janeiro, oRio Paraíba do Sul foi parte destacada na história do Mão de Luva,que se inicia quando este o atravessa, com a finalidade de explorarouro nos agrestes Sertões do Macacu. Mais tarde, é o Sargento MorPedro Affonso Galvão de São Martinho que, com sua tropa, vence ocaudaloso rio, com canoas, para alcançar o reduto do velho faiscador,onde o prende e aos seus companheiros. O Rio Paraíba do Sul, apóspercorrer cerca de 600km, banhando várias cidades de um vasto, fértile progressista vale, deságua no Oceano Atlântico, em Campos RJ.

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5- A vida no Garimpo

Com o trabalho de alguns escravos, que trouxe de Minas Gerais,Manoel Henriques, Mão de Luva, e seus irmãos, garimpou ouro nosagrestes Sertões do Macacu. O metal era extraviado para o Rio deJaneiro, onde podia ser comercializado.

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Embora Manoel Henriques não tenha sido o primeiro a se estabelecer no novo descoberto, ele precisava

organizar suas atividades eficientemente. Era umtrabalho duro, tenaz, sujeito, sempre, às intempéries deum meio selvagem e hostil. Ele constituiu família,aceitando um enteado e casando-se em Ouro Branco,Minas Gerais, para com eles, e com um filho gerado noDescoberto, viver por muitos anos...

Segundo documento oficial da época (1786) ManoelHenriques possuía escravos, que trabalhavam comoutros, de seus associados. Havia, nos domínios doLuva, todos os utensílios usados, na época, para ogarimpo, como sabemos da leitura do Relatório finaldo Sargento-Mor São Martinho, que foi a autoridadeque invadiu o Descoberto e prendeu Mão de Luva eseus companheiros.

Este documento informa também a existência deextensas plantações de milho e feijão, assim como denumerosa criação de galináceos. Pelo mesmodocumento, sabe-se que não havia, ali, criações de gado,nem de porcos, e que toucinho, fumo, aguardente eoutros produtos eram adquiridos quando se tinha acessoa mascateações provenientes de Minas Gerais.

As armas existentes eram usadas exclusivamentena caça e na proteção contra feras. Os habitantes doDescoberto viviam em paz, trabalhando, produzindo,criando seus filhos e progredindo.

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Um retrato fiel da situação do Descoberto, de seucotidiano, pode-se obter do relato que o soldado Joséde Deus, a mando do sargento-mor São Martinhoefetuou em 31.03.1786, após reconhecimento do local.Ele informa que, tendo procedido às averiguações, noreferido Descoberto, verificou que lá se achavam 47homens, entre brancos e pretos, sendo 17 libertos e 30escravos. E passa a discriminar, entrando, a seguir, emoutras considerações: “Em um Rancho maior, existemnele dez pessoas e vinte e dois escravos em ranchinhosseparados, todos pertencentes ao dito Rancho. Distantedeste primeiro Rancho um quarto de légua, acha-se outrorancho menor, em que existem um branco e trêsescravos. Distante do primeiro Rancho, para outro ladotrês quartos de légua, acha-se outro rancho em queexistem seis pessoas libertas e cinco escravos, inclusoo que efetivamente acompanha como os índios e umJoaquim Lopes e Dionizio Lopes, que, nos dias em quelá estive, entraram pela picada de Macacu e chegaramno dia 23 deste, a dar aviso aos outros, e retirar a suagente, dizendo que se achavam prontos, em Macacu ena Estrela, e nos Campos, mais de três mil alqueires defarinha, e que passarão para esta Capitania, muitoscaixões de armas para se dar neles por esta Capitania epelo Rio de Janeiro. Porém eu capacitei-os, na formaque me industriou o meu Sargento Maior, além de outroaviso,que já lhe tinha levado o Luva, que lhe fez o PadreFelisberto por uma carta; porém com todas as notícias

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ficaram muito satisfeitos quando lhes certifiquei queda parte de Minas eu lhe daria parte de tudo quantosoubesse; e em minha companhia vieram alguns a estequartel, buscar alguma coisa de que precisavam; e osque vinham retirar a sua gente, vendo a minhacomunicação com eles,e as minhas promessas, já seresolveram a deixar a sua gente e ficaram de sair brevepela mesma picada e ir à Semana Santa ao Rio deJaneiro... Armas de fogo, acham-se mais de vinte,poisainda alguns escravos tem. Mantimentos tem deseiscentos alqueires de milho para cima. Feijão acha-seplantado três alqueires... A comunicação com os índiosainda a conservam... Na casa do Luva, só se acha aMulher, e os Filhos e um escravo e um pardo forro quese acha justo pra trabalhar”. (DOC. 14).

Sobre a vida familiar de Mão de Luva, sabemosque o mesmo tinha, nos Sertões do Macacu, irmãos,mulher e filhos. Ele se casou com mulher viúva, quetinha filho, pois há referência a um seu enteado. ManoelHenriques era filho de Manoel Henriques Malho,cidadão português, e de Maria da Silva Campos, viúvade Antonio Simões. Residiam, na época,emGuarapiranga MG.

Manoel Henriques contraiu matrimônio naIgreja Católica, no município de Ouro Branco MG, em1o de janeiro de 1775, com Maria de Souza, mulherviúva, de Manoel da Costa Ferreira, e que tinha filho,pois há referência a um seu enteado.

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Sabemos, hoje, que Manoel Henriques, Mão deLuva, era filho de Manoel Henriques Malho, cidadãoportuguês, e de Maria da Silva Campos, viúva deAntonio Simões. Residiam, na época, em Guarapiranga,Minas Gerais.

Eis o registro que um pesquisador mineiro,Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira, publicou em suatese de mestrado sobre o tema:

Os irmãos de Manoel Henriques, que, com osdemais parentes, formavam um clã denominadofrequentemente de “Os Luvas”, eram:

Antonio Henriques,Felix da Silva eIgnacio da Silva.O primeiro e o último entraram no Descoberto

dos Sertões do Macacu pelo Rio Piabanha; o segundo,à semelhança de Manoel Henriques, veio por MinasGerais. (DOC.19).

Sabemos que Mão de Luva vivia com mulher efilhos em seu rancho. A casa era servida por um escravoe um pardo forro.

Querem casar Manoel Henriques filho legítimo de Manoel HenriquesMalho, e de Maria da Silva natural e batizado nesta Freguesia do OuroBranco, e de presente morador na Freguesia de Nossa Senhora daConceição de Guarapiranga, com D. Maria de Souza viúva, que ficoude Manoel da Costa Ferreira, filha legítima do Capitão Antônio de SouzaFerreira e de Florência Luiza de Miranda, natural, e batizada, e moradorana dita Freguesia de Guarapiranga, aonde ambos os contraentes temsatisfeito aos preceitos quaresmais.

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Quanto ao relacionamento de Mão de Luva comos demais garimpeiros, os índios e negros escravos,pode-se dizer que era bom, tendo em vista os relatosexistentes em documentos oficiais, como o relato dosoldado José de Deos, verbis “A comunicação com osíndios ainda a conservam...” e o Relatório de SãoMartinho, onde se lê: “No dia 14, depois de feita a diligênciadas prisões, veio o Capitão dos Índios, chamado Joaquim, a falar-me e pedir-me lhe não fizesse mal, nem ao seu Manoel, que erabom, e que ensinava a sua gente a rezar, o que assim é, porquealguns rapazes o confirmaram, rezando algumas orações. Eu lheprometi não fazer mal ao seu Manoel...” (DOC. 18).

O relacionamento com índios nem sempre era bem conduzido, no BrasilColônia. Caçá-los para vender como escravos era o oficio maldito dealguns aventureiros. Mas, pelo que relatam os documentos oficiais,assim não era nos domínios do Mão de Luva.

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Todos os empreendimentos da época eram feitostendo por base o trabalho do escravo negro, que alémda força e da resistência física, também dominavahabilidades várias, como se depreende de estudos etrabalhos artísticos que o demonstram claramente.

Tanto para a mineração como depois, para acultura do café, exigia-se o concurso de negros escravos,que garantiam boa parte do êxito do empreendimento.No Descoberto do Macacu havia muitos deles, e não hárelato de que tenham sofrido maus tratos, e sim quetenham sido sempre considerados valiosos eindispensáveis. Assim como era bom para os índios,Mão de Luva o era em relação aos negros que oajudavam no garimpo e nas plantações.

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6- A campanha do Sargento- Mor São Martinho

O Vice-Rei do Brasil e Governador da Província doRio de Janeiro comunicava ao governador de Minasque mandaria, do Rio de Janeiro, 600 homens, para,indo ao encontro das tropas mineiras, cercar oshabitantes do Macacu. Este, no entanto, ponderouque se deveria esperar o efeito da “carta de engano”,e considerou desnecessário tal cerco, pois já possuíagente o bastante e treinada em guerra de sertão,sendo conveniente apenas o envio, do Rio paraMinas, de 500 armamentos completos, e munição.(DOC. 12).

Recorte de desenho de DEBRET

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As ordens de Lisboa eram severas e definitivas. A Corte queria o desmantelamento imediato do

garimpo clandestino nas áreas proibidas do Descobertodo Macacu. A energia com que o Governador de Minas,Luiz da Cunha Menezes, ordenou a realização dadiligência nos Sertões do Macacu, prende-se ao fato deter sido pressionado pela Corte do Marquês do Lavradio,Vice-Rei do Estado do Brasil, que exigiu a destruiçãoda mineração clandestina do Macacu. O Marquês haviarecebido uma carta de Lisboa com essa recomendação,e outra, com ordens análogas, endereçada ao governode Minas Gerais, que era, na ocasião, o que dispunha(acreditava-se) de melhores condições materiais ehumanas para levar a bom termo a missão.

O documento, expedido de Lisboa em 8 de janeirode 1785, assinado por Martinho de Mello e Castro,estadista português, nascido em Lisboa (1716-1795),Ministro da Marinha no reinado se D. Maria I, é citadopor Luiz de Vasconcellos e Souza em 21.01.86, o qualfala das condições do recebimento, configurando umaação conjunta Rio-Minas, “a fim de se reprimirem, deuma vez, as continuadas desordens e extorsões que setem praticado no novo Descoberto do Sertão eCachoeiras de Macacu; estabelecendo-se os maisprecisos meios por que deve ser desalojado daquelessítios, pela Tropa de Minas Gerais, o famoso Corpo deContrabandistas e Extraviadores que se tem alidespoticamente congregado, e o modo mais seguro, nas

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presentes circunstâncias, por que se devem praticar asmais providências de que V.Excia se lembra, tanto parao referido fim como para se conseguirem as utilidadesque se podem esperar, sendo ocupados aqueles terrenospor pessoas úteis e industriosas, debaixo das Regras eRegulações que forem mais acomodadas e próprias aoSítio, Distrito e Confim do mesmo Sertão”. (DOC. 11).

As ordens de Lisboa eram claras e precisas: vedaras entradas para o Sertão; prender os contrabandistas;consentir a ocupação das terras por homens industriosose obedientes às leis. Não tardou, contudo, o surgimentode divergências entre os governos do Rio de Janeiro ede Minas Gerais sobre a maneira do cumprimento dasreais determinações.

Já em 24.12.1785, o Vice-Rei do Brasil cobra,do Governador de Minas Gerais, uma ação maisconsentânea com as ordens de Sua Majestade, “pelasquais me parece estar proibida toda e qualquer diligênciamais ativa e mais precipitada” (DOC. 7).

Com efeito,ele reforça essa posição ao comentar:“Sendo tanto da Recomendação de Sua Majestade aprisão dos ditos facinorosos, e a remessa deles para estaCapital, me pareceu mandar extrair essa Relação dosque aqui se acham pronunciados, para remeter aV.Excia., e sendo mais importante que tudo segurar oChefe dos mesmos facinorosos, o famoso ManoelHenriques, por alcunha Mão de Luva, -- espero queV.Excia., possa começar esta Diligência por mo remeter,

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visto ser notório, nesta capital, que ele, Mão de Luva,tem acompanhado e acompanha o Sargento Mór PedroAffonso Galvão de São Martinho nas diligências emque aquele oficial se emprega por ordem de V.Excia., oque será um feliz princípio de execução das Ordens deSua Majestade!. (idem).

Realmente, segundo determinações da CoroaPortuguesa, Mão de Luva e seus companheiros deveriamser presos, à força de armas, e remetidos ao Rio deJaneiro, para que se estabelecesse no local umaexploração regular e legal do ouro e demais riquezasali existentes.

Não é demasiado lembrar que o erário portuguêscontava com o ouro do Brasil para fazer face às suasnecessidades econômico-financeiras e ainda alimentara voracidade do capitalismo inglês.

Pode-se concluir então que a exploração auríferaexecutada por Mão de Luva e seu bando em Cantagaloatingiu a níveis importantes, justificando plenamente apreocupação das autoridades, daqui e d´além mar -- empor fim ao extravio dos recursos naturais desta partedos domínios lusitanos.

O início do movimento que culminou com ainvasão, por tropas governamentais, dos Sertões doMacacu e a consequente prisão de Mão de Luva e seuscompanheiros, encontra-se na Europa -- para onde ia oouro de Cantagalo, contrabandeado via cidade do Riode Janeiro.

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Detalhes sobre a organização do contrabando, seumontante, ramificações, etc., ainda não foramencontrados. Sabe-se, contudo, que, na época em queMão de Luva atuava no Macacu, vários contrabandistasforam presos no Rio de Janeiro e na Europa, sendorazoável supor-se a existência de conexões entre estese aquele, não só pela necessidade da colocação doproduto num mercado com capacidade financeira paraadquiri-lo, como pela atuação decidida e enérgica daCoroa Portuguesa na repressão ao extravio, no referidoDescoberto.

A presença do Luva e de seus companheiros,considerados “Cabeças do Bando”, no Rio de Janeiro,foi comunicada pelo Governador de Minas ao Vice-Rei,em carta, na qual ele afirma “ter tido a inteligênciadevida às minhas prevenções de eles terem saído dosobredito Descoberto para essa mesma Capital, com ofim de assistirem aos Ofícios Divinos da Semana Santa,e darem ao mesmo tempo a costumada e clandestinasaída ao ouro extraviado do sobredito Descoberto”.(DOC.20).

Segundo determinações vindas de Portugal, asCapitanias realizariam uma operação conjunta contraos contrabandistas.

É por isso que o Vice-Rei informa a Luiz daCunha Menezes, em 17 de janeiro de 1786, estaraguardando o seu último aviso para então, e ao mesmotempo, poder “prosseguir nas mais diligências que Sua

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Majestade igualmente manda praticar por estaCapitania”. (DOC. 10).

Preocupado com a demora na prisão do Luva,queo Governador de Minas adia, sob a alegação de estarprocurando despistar a população e mesmo de pretenderutilizá-lo na conquista do Descoberto, recomenda D.Luiz de Vasconcellos e Souza, após ressaltar aimportância do “famoso Chefe Manoel Henriques, poralcunha o Mão de Luva”, que o mesmo seja mantido“seguro em sua própria casa”, parecendo-lhe ser “muitonecessário que ao mesmo tempo se hajam de tomar asmais prudentes cautelas que pede o caso, de modo que,sem lhes dar o mais leve indício de algum procedimentoque se possa intentar contra eles, hajam de ser vigiadose efetivamente guardados debaixo de algum aparentepretexto... a fim de que, ficando tão bem seguros, poreste meio, nem possam escapar-se quando foremprocurados, nem se deixe de executar também o queSua Majestade tem recomendado a este respeito, comouma parte muito essencial desta Diligência.” (idem).

Houve várias discordâncias em relação aprocedimentos militares, entre o Vice-Rei do Brasil e oGovernador da Província de Minas Gerais, no decorrerda tomada do Descoberto de Macacu, que culminounuma verdadeira “contenda epistolar”.

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D. Luiz da Cunha, Governador de Minas Gerais,baixou portaria (16/04/1784) designando o Sargento-Mor do Regimento dos Dragões, Pedro Affonso Galvãode São Martinho para, juntamente com um grandeconhecedor da região, Manoel Rodrigues da Costa,Coronel do Primeiro Regimento de Cavalaria deAuxiliares do Rio das Mortes, realizar uma diligênciacujo objetivo era averiguar as chamadas “áreasproibidas”, verificando qual o melhor modo de levantarbarreiras eficazes à salvaguarda dos interesses da Coroacontra a invasão da zona aurífera por aventureiros.

Também foi ordenado ao alferes Joaquim Joséda Silva Xavier, denominado “Tiradentes”, perito emlevantamentos mineralógicos e estratégico-militares,acompanhasse São Martinho nessa empresa, podendorequisitar do Coronel Manoel Rodrigues os homens deque necessitasse. Tiradentes deveria investigar opotencial aurífero, a configuração do terreno e da redehidrográfica, verificando as possibilidades depenetração, para a implantação de postos avançados. eainda a situação exata dos moradores: número depessoas, forças de que dispunham e ocupações a que sededicavam. Seu relatório teria que descer a minúcias,como a localização exata dos rios (navegabilidade,condições de travessia) a existência e condições detráfego de estradas e caminhos abertos de Minas Gerais

SÃO MARTINHO E TIRADENTES

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para a Capitania do Rio de Janeiro. Ninguém poderiavoltar a Vila Rica sem o cumprimento total da missão.

A participação de Tiradentes na conquista deCantagalo, fato ocorrido há apenas 5 anos daInconfidência Mineira, pode ser uma chave importantepara a compreensão dessa controvertida figura de mártire conspirador.

Sabe-se que Tiradentes, reconhecido pelasautoridades como competente perito em assuntosmineralógicos, havia fracassado em váriosempreendimentos comerciais e, como soldado, tinhasido preterido nas promoções, permanecendoestacionário no posto de alferes, apesar do bomdesempenho em missões bastante perigosas, envolvendoa vigilância dos caminhos e registros. (EnciclopédiaDelta Larousse (DL), 1970 - vol. 14, págs. 6673/4).

Há uma coincidência cronológica entre dois fatosque se relacionam estreitamente, através da pessoa deTiradentes, ambos ocorridos em 1787: 1) A distribuiçãodas “datas” minerais de Cantagalo entre vários cidadãos;2) A mudança do alferes, de Minas Gerais para o Rio deJaneiro, objetivando “fazer dinheiro” com os planos detrapiche e canalização de água, de sua autoria.

É bem provável que Tiradentes houvessepretendido uma recompensa à altura dos serviçosprestados ao governo, que poderia ter-se traduzido naconcessão de uma “data” mineralógica em Cantagalo,

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concomitantemente com uma promoção na carreiramilitar. Isto não aconteceu. O certo é que, logo depoisde sua mudança para o Rio de Janeiro,vemo-loconspirando contra a Coroa, na articulação da“Conjuração Mineira” e, dois anos depois, preso, para,daí a três anos, ser enforcado como o principalresponsável pela grave sedição.

O episódio de Cantagalo se constituiria, portanto,para a vida do famoso alferes, no divisor de águas entrea legalidade e a clandestinidade -- a última oportunidadeque ele teria dado aos detentores do poder para fazeremjustiça a um competente servidor.

Ao fazermos estas conjecturas que, apesar debaseadas em fatos verdadeiros, não passam deconjecturas, não queremos, de maneira alguma, diminuiro valor moral e espiritual de um grande vulto da pátriabrasileira que é, incontestavelmente, JOAQUIM JOSÉDA SILVA XAVIER, o TIRADENTES. Estamostentando compreendê-lo como um ser humano que,embora especial, estava naturalmente sujeito àsesperanças e anseios de progresso na vida material,profissional e social, que todos nós acalentamos. Epensamos que, a ser exato o que conjecturamos linhasacima, isto de nada diminuiria o valor do nosso herói,como de resto, e sem querer reduzir uma figura na outra,ocorre com MANOEL HENRIQUES o MÃO DELUVA, o qual, embora não atendesse às leis emanadasde Portugal e aqui sancionadas pelos seus régulos,

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afigura-se-nos como um autêntico DESBRAVADORPIONEIRO das terras de Santa Cruz!

Uma outra ideia que temos sobre Tiradentes eque igualmente não podemos comprovar de modoincontestável, mas que se apoia em fatos reais, refere-se à sua condenação com a pena máxima, diferentementedo que ocorreu com os demais conspiradores. Algunsestudiosos afirmam que Tiradentes era um idealistaingênuo, que se deixou pegar facilmente; outrosacentuam o seu desprendimento, assumindo toda a culpae tentando inocentar seus companheiros. Tudo isso podeser parte da verdade. Mas se levarmos em conta suavida pregressa, as diligências de que se desincumbiucom grande competência, a experiência em adentrar ossertões, a missão de vigilância dos caminhos...podemosconcluir que, de todos os Inconfidentes eraTIRADENTES o MAIS PERIGOSO, um homem capazde realmente liderar uma revolta armada contra ogoverno!

Um homem assim não poderia continuar vivendo!

Providências do Governador de Minas GeraisNa sequência de seus atos, pressionado pela Corte

de Lisboa,e pelo Vice-Rei do Brasil, D. Luiz daVasconcellos e Souza o governador de Minas, D. Luizda Cunha Menezes, resolveu, para por fim à exploraçãoclandestina do ouro nos Sertões do Macacu. mandar uma“carta de engano” ao Sargento São Martinho, para ser

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entregue ao Mão de Luva, através do Comandante daGuarda do Porto do Cunha, Custódio Pinheiro de Faria,na qual prometia repartir com o povo local todas asterras, legalizando-se a mineração. Ordenou ainda aosseus subordinados que tentassem convencer oshabitantes dos Sertões ao plantio de roças de alimentos,que o governo adquiriria por bons preços, pagando omilho a dois oitavos e meio.

CARTA DE ENGANO - Documento oficial, noqual a autoridade promete vantagensenganosas ou falsas a pessoas e/ou gruposque se opõem aos seus interesses.

Eis alguns trechos dessa carta, assinada por SãoMartinho:

“1- Parece-me que é chegado o tempo dosmoradores de Minas se utilizarem das riquezas doDescoberto do Macacu, ou Cachoeira dos Rios dosMundeos, com descanso e fartura. Pode dar osparabéns às pessoas que lá se acham, assegurando-lhes que, se tiverem muito mantimento, se lhes há depagar a dois oitavos e meio, até três, e assim a V.Mercêsserá bom ajustarem-se com eles para cuidarem nomilho catete, e feijão que tiverem plantado quanto aomais que aí há de ser necessário, de cá irá comabundância.

2- Também pode V.Mercê assegurar aos queestão no Descoberto que, depois de se tirar a “data”

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de El-Rey, hão de ser eles, os que se hão de seguir, etambém vós, pois se lhe deve todo o trabalho.

3- Para abril ou maio, sairemos desta Capitalcom o Guarda Mor, que há de ser desse Descoberto, ecom alguns soldados para guarnecerem osdestacamentos que se devem criar de parte do mar eSerra dos Órgãos, para se evitarem os extravios, e quese abram estradas para o Rio de Janeiro, e como osque lá estão sabem bem as trilhas, espero que elesqueiram estar ai para mas mostrarem.

4- Todos os que lá ficarem hão de vencer milho,farinha e capim para os seus cavalos por sua conta,assim como V.Mercê.

5- Cuide em fazer no Descoberto algumranchinho para mim e para o Guarda Mór, Capelão eajudante do cirurgião, seu irmão Euzébio, e talvez quevá também furriel Domingos ou Manoel José Dias,eJosé de Deos, quanto para os mais eles se arrumarão.Cuide também em dirigir picada Rio Paraíba abaixoda parte de cá, porque, eu lá chegando, os escravoshão de fazer logo caminho para nos ficar mais fácil otransporte dos mantimentos.

6- Dê recomendações a todos os camaradas queagora estarão mais contentes que quando lá ficarame estimo que tenham tão boa ocasião de seaproveitarem, assim como eu o hei de fazer”. (DOC. 9).

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Por sua vez, o Vice-Rei comunicava aogovernador de Minas que mandaria, do Rio de Janeiro,600 homens, para, indo ao encontro das tropas mineiras,cercar os habitantes do Macacu. Este, no entanto,ponderou que se deveria esperar o efeito da “carta deengano”, e considerou desnecessário tal cerco, pois jápossuía gente o bastante e treinada em guerra de sertão,sendo conveniente apenas o envio, do Rio para Minas,de500 armamentos completos,e munição. (DOC. 12).

Da importante diligência nos Sertões do Macacuforam incumbidos militares de certa importância, comoSão Martinho e Rodrigues da Costa.

Manoel Rodrigues da Costa era Coronel doPrimeiro Regimento do Rio dasMortes.Sua missão eraaveriguar sobre locais ondepoderiam se estabelecerregistros e patrulhas para avigilância das fronteiras.

Quanto ao Sargento-MorPedro Affonso Galvão de SãoMartinho, era natural dalocalidade de Campo Maior, emPortugal. Veio para o Brasil em

1775, tendo sido transferido do Regimento do Alentejopara o Regimento dos Dragões de Minas. (foto àesquerda). Minas Gerais, em termos de ouro, já não eraa mesma!... Estava entrando em franca decadência,

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PREPARATIVOS DA INVASÃODando prosseguimento à Diligência de que havia

sido encarregado pelo Governador de Minas Gerais(Portaria de 16.04.1784) chegou São Martinho àsmargens do Rio Paraíba do Sul, à altura da localidadede Porto do Cunha. Iniciou aí a confecção de canoas,para a travessia do caudaloso rio. Estava mesmodeterminado a invadir os Sertões do Macacu!

Vendo-se em inferioridade bélica e talvezsentindo a quebra da resistência da população,psicologicamente minada pelas falsas promessas dosagentes do governo, Mão de Luva decidiu ir dialogardiretamente em Vila Rica com o Governador Luiz daCunha Menezes, na esperança de serem válidos os

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termos da sua carta: clemência para os habitantes, quepassariam a trabalhar legalmente. Surpreso, porémsatisfeito com o fato novo, Luiz da Cunha Menezestratou Mão de Luva como um visitante ilustre, emandou-o de volta a Macacu,levando uma carta paraSão Martinho, na qual selava a sorte do velho faiscador.Nesse documento (26 de junho de 1784) recomendavaa utilização de Mão de Luva como elemento valioso --pelo conhecimento que tinha do sertão -- para o êxitoda diligência, cujo objetivo verdadeiro era o totalextermínio das atividades dos habitantes da região, afim de que as terras fossem distribuídas a 40 pessoaslivres, possuidoras de 150 a 200 escravos, que seriamem breve os novos senhores das preciosas “datas”minerais. (DOC. 5). A preparação da invasão dos Sertõesdo Macacu prosseguiu, lenta porém decididamente.

Em 14.7.1784, o Governador de Minas, em cartaao Sargento Mór São Martinho, fala sobre váriasprovidências referentes a mantimentos, cavalos,soldados, pedestres, armas, fardas e outros assuntos --tudo convergindo para o propósito final dasDiligências.(DOC. 6).

Documento de grande importância histórica, queoferece uma visão abrangente da questão do extraviodo ouro nos Sertões do Macacu, é a carta que, em 24 dedezembro de 1785, remete o Vice-Rei do Brasil, D. Luizde Vasconcellos e Souza, ao Governador da Capitaniade Minas Gerais, D. Luiz da Cunha Menezes.

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Diz o Vice-Rei que, diante da participação doGovernador de Minas, feita em carta de 19 de maio de1784, a respeito das entradas e comunicaçõesclandestinas praticadas no Rio de Janeiro, por homensfacinorosos, já pronunciados em devassas, -- SuaMajestade, a Raínha de Portugal, remeteu-lhe resolução,com ordens precisas para a destruição do garimpoclandestino naquelas paragens.

Refere-se também D.Luiz de Vasconcellos eSouza à urgente necessidade de se atacar nas suaspróprias habitações e lavras, lançando-os fora delas, “osditos facinorosos, prendendo-se os que se puderemcolher”.

Pede, a seguir, que lhe seja comunicada comalguma antecedência, a data em que o Governador deMinas pretende expedir a sua gente,”para eu expedir aminha”, -- oferecendo-se para enviar-lhe armamentos,munições de guerra ou qualquer coisa necessária.

Recomenda, finalmente, citando Sua Majestade,“a prisão dos ditos facinorosos, e a remessa deles paraesta Capital”, dizendo que mandou extrair uma relaçãodos que foram pronunciados no Rio de Janeiro -- masressalta ser “mais importante que tudo, segurar o Chefedos mesmos facinorosos, o famoso Manoel Henriques,por alcunha Mão de Luva”. E arremata, enfaticamente:“Espero que V.Excia. possa começar esta Diligência pormo remeter, visto ser notório, nesta Capital, que ele,Mão de Luva, tem acompanhado e acompanha o

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Sargento Mór Pedro Affonso Galvão de S. Martinhonas Diligências em que aquele oficial se emprega porordem de V.Excia., o que será um muito feliz princípiode execução das Ordens de Sua Majestade.(DOC. 7).

São Martinho, em cumprimento às determinaçõesdo Governador, prepara-se para invadir o reduto de Mãode Luva, ordenando ao soldado José de Deos Lopes, oreconhecimento do local, Este, após cumprir a missão,informa, em 31.03.1786, que, tendo procedido àsaveriguações, no referido Descoberto, verificou que láse achavam 47 homens, entre brancos e pretos, sendo17 libertos e 30 escravos. E passa a discriminar,entrando, a seguir, em outras considerações: “Em umRancho maior,existem nele dez pessoas e vinte e doisescravos em ranchinhos separados, todos pertencentesao dito Rancho. Distante deste primeiro Rancho umquarto de légua, acha-se outro rancho menor, em queexiste um branco e três escravos. Distante do primeiroRancho, para outro lado três quartos de légua, acha-seoutro rancho em que existem seis pessoas libertas e cincoescravos, incluso o que efetivamente acompanha comoos índios e um Joaquim Lopes e Dionizio Lopes,que,nos dias em que lá estive, entraram pela picada deMacacu e chegaram no dia 23 deste, a dar aviso aosoutros, e retirar a sua gente, dizendo que se achavamprontos, em Macacu e na Estrela, e nos Campos, maisde três mil alqueires de farinha, e que passarão paraesta Capitania, muitos caixões de armas para se dar neles

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por esta Capitania e pelo Rio de Janeiro. Porém eucapacitei-os, na forma que me industriou o meu SargentoMaior, além de outro aviso,que já lhe tinha levado oLuva, que lhe fez o Padre Felisberto por uma carta;porém com todas as notícias ficaram muito satisfeitosquando lhes certifiquei que da parte de Minas eu lhedaria parte de tudo quanto soubesse; e em minhacompanhia vieram alguns a este quartel, buscar algumacoisa de que precisavam; e os que vinham retirar a suagente, vendo a minha comunicação com eles,e as minhaspromessas, já se resolveram a deixar a sua gente eficaram de sair breve pela mesma picada e ir à SemanaSanta ao Rio de Janeiro... Armas de fogo, acham-se maisde vinte, pois ainda alguns escravos tem. Mantimentostem de seiscentos alqueires de milho para cima. Feijãoacha-se plantado três alqueires... A comunicação comos índios ainda a conservam... Na casa do Luva, só seacha a Mulher, e os Filhos e um escravo e um pardoforro que se acha justo pra trabalhar”. (DOC. 14).

O Governador de Minas estava bem informadodo andamento da Diligência, pois que, em 18.04.1786,escrevia para o seu colega do Rio de Janeiro: “Fiz sairdesta Capital no dia 16 do corrente mês, o SargentoMaior do meu Regimento, Pedro Affonso Galvão deSão Martinho, Comandante encarregado por mim dadita Diligência, a ir encontrar-se com as tropas que parao dito fim já eu tinha mandado pôr prontas comantecedência, e em certas distâncias, e todas aquelas

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mais disposições que me pareceram indispensavelmentenecessário fazerem-se com a mais possível cautela, esem o mínimo rumor, para o fim de poder ele entrar nosditos Sertões e com mão armada fazer a dita Diligência,desde primeiro de maio próximo que vem, até o meiadodo mesmo mês; o que comunico a V.Excia. e igualmenteo farei do seu bom sucesso, logo que se conseguir tãofelizmente como espero...” (DOC. 16).

A INVASÃO DO REDUTO DE MÃO DE LUVAEstava certo o Governador de Minas ao prever

que o climax da Diligência seria entre primeiro e meadosde maio.

No dia 13 de maio de 1786, o Sargento Mór PedroAffonso Galvão de São Martinho, usando de hábilestratagema, tomou, sem resistência, a povoação,prendendo Mão de Luva e mais 12 companheiros, comseus respectivos escravos.

A história de Mão de Luva continuaria envoltaem mistério, não fossem os documentos que naquelatão remota época do Brasil Colônia, foram produzidose conservados pela Biblioteca Nacional e os ArquivosPúblicos do Rio de Minas, aqui reproduzidos, em suaspartes essenciais

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“Tenho a honra de por na presença de V.Excia.,que no dia 9 do corrente mandei passar à margemdo Sul do Rio Paraíba, o Cabo de Esquadra Joséde Deos, com o Soldado José Antonio da Rocha,acompanhados de oito negros carregados detoucinho e cachaça, fingindo iam para o Descobertoa vender, e que explorassem os matos que seavistavam do Quartel, e como não acharamnovidade, passei o Rio com a tropa que meacompanhava, no dia dez, e marchei até oDescoberto de Macacu, com a dita escolta demascateação na frente, em distância de meialégua.”

“No dia 13, por uma hora da tarde, fiz unirao Corpo que me acompanhava, os oito negros daCarga de mascateação, e ordenei ao Cabo José deDeos e Soldado José Antonio da Rocha fossem aoDescoberto e que persuadissem os salteadores quea dita mascateação havia de chegar no dia seguintee que ele dito Cabo e Soldado deviam abrir a portalogo que eu chegasse pela meia noite, e que vissemse podiam tirar as escorvas às espingardas dossalteadores, o que executou o Soldado José Antonioem a Primeira Rancharia, onde estavam os homensmais desembaraçados ou mais doidos. Três quartosde légua distante da Primeira Rancharia, em que

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estavam os Luvas, esperei que anoitecesse, entãocontinuei a marchar com grandíssimo trabalhopara aquelas montanhas, e matos, cheios deespinhos, até chegar perto da Lavra aonde espereipela meia noite. Logo que chegou esta hora,continuei a marchar, com os lugares assinaladospara onde cada um devia seguir, e tomar-lhe aspicadas que iam para as demais Rancharias, o quese executou com muita precipitação e desordem,falhando ao que eu lhes tinha ordenado, de formaque me foi preciso ao mesmo tempo assistir emquase todos os lugares, e levar muitos a seus postosa pancadas, e a fazer cessar os tiros e vozes de =mata, mata = que principiaram antes de entraremnos seus postos, o que deu causa a fugirem seisnegros, e o não fugirem os brancos se deve ao Cabode Esquadra José de Deos, que se postou com aespada do Luva na Mão, a defender a saída, e apedir aos nossos que entrassem, ao que acodi,fazendo entrar e cercar a casa.O Luva desfechou a espingarda duas vezes sobreJosé de Deos, mas como estava sem escorva,desacorsoou, dizendo:”Estamos vendidos, o CaboJosé de Deos é contra nós! Entreguemo-nos, eninguém resista!” Mas o Cabo José de Deos sempreficou com umas feridas na cabeça de polegada emeia, que os nossos lhe fizeram com uma bordoada,

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e escapou de um tiro de pistola que lhe passouperto da orelha esquerda e ficou salpicado de grãosde pólvora, mas sempre deram com ele em terra, enunca deixou a porta que defendia.”

“Ao dito José de Deos se deve a maior partedo trabalho, e o bom êxito desta Diligência, e se fazdigno de toda a mercê que V.Excia. for servidoconferir-lhe, e assim ao Soldado José Antonio daRocha, que o acompanhou e ao Soldado FelipeRodrigues. O Furriel Domingos Antonio, o SoldadoGabriel Mendes, e Francisco Felix, também seportaram com desembaraço. Os mais executaramo que lhes foi possível.” (DOC. 18).

O Relatório de São Martinho contém, ainda,muitas informações,que virão à luz em outras partesdeste livro. Dentre elas, destaca-se o conteúdo dos doisdocumentos transcritos a seguir:

Relação dos homens brancos epardos forros que forãoprezos na noute de 13 deMayo de 1786 por ordem doIlmo. e Exmo. Senhor Luiz da Cunha Menezes,Governador e Capitão General de Minas Gerais nosCertoens de Macacu, Destr. da Capitania do Rio deJaneiro porandarem abrindo picadas novas eextraindooiro.

PRIMEIRO DOCUMENTO

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Por onde entraram p. os certoes

1.MANOEL HENRIQ. o mão de LUVA........... brancoPor Minas Gerais,2.ANTONIO HENRIQ.Irmão do dito............ ...... brco.Pello R. Piabanha,Capnia do R.3.FELIX DA SILVA, Irmão do dito.......................brco.Porminas Gerais.4. IGNACIO DA SILVA, Irmão............................ brco.Pello R. Piabanha, Capnia do R.5. MIGUEL MONIZ..............................................brco.Porminas Gerais.6. JOSÉ JOAQUIM DEFIGUEIRA.......................brco.Pello R. Piabanha, Capnia do R.7. VICENTE FERREIRA.......................................brco.Por Macacu Capnia do R.8. ANTONIO ALVEZ ........................................... brco.Pello R. Piabanha Cpnia do R,9. MANOEL FERREIRA...................................... brco.Porminas Gerais.10. MANOEL LUIS DE S.ANNA........................pardo.Pello R. Piabanha.11. DOMINGOS ALVES FURTADO...................pardo.Por Macacu Cpnia do R.12. DOMINGOS DE SOUZA..............................pardo.Por Macacu Cpnia do R.13. MANOEL GONÇALVES.................................brco.

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Foy prezo em Minas G. por passador de gente e escravospara Descuberto de Macacu p/ onde entravão peloSebolaDestrito da Cpnia. do R. de Janeiro.Villa Rica, 19 de junho de 1786PEDRO AFFONSO GALVÃO DE SÃO MARTINHOSargento Mor.

SEGUNDO DOCUMENTO

Relação dos Escravos q. fugirão, digo que forão prezosna noute de 13 de Mayo de 1786 por ordem do Ilmo. eExmo. Senhor Luiz da Cunha Menezes, Governador eCapitão General de Minas Gerais nos Certoens deMacacu, Distrito da Capitania do R.de Janeiro:1. Felipe Nasção Banguella2. Domingos Banguella3. João Craveiro - ficou doente na Rossa Grande.(Escravos do Mão de Luva)4. Manoel Mina - ficou doente no Porto do Cunha.(Escravo de Antonio Henriques)5. José Anga6. Antonio Congo7. João Cabunda(Escravos de Miguel Moniz)8. Joaquim Mina(Escravo de Felix da Silva)9. Manoel Banguella(Escravo de Ignacio da Silva)

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10. Caetano Banguella(Escravo de Manoel Ferreira)11.Francisco Rebolo(Escravo de Manoel Luiz de S.Anna)12. Francisco Congo13. João Banguella14. Antonio Congo15. Joze Cabunda.(Escravos de João dos Santos, morador no Porto daEstrella, dist. do R. de Janeiro).16. Vicente Crioilo17. Xavier Cabunda18. Pedro Congo19. João Rebolo.(Escravos de Joze Lopez e seus irmãos Dionizio Lopese Joaquim Lopez, moradores na Cpnia do R. de Janeiro20. João Rebolo(Escravo do Padre Antonio Joze de Oliveira, moradorem Macacu).21. Matheus Rebolo22. Antonio Munjolo23. Gonçallo Angola -(Escravos de Sebastian Craveiro).24. Domingoz Angola - ficou doente na Guarda do Portodo Cunha.(Escravo de Bernardo dos Reys.)Villa Rica, 19 de junho de 1786.

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São Martinho, em seu importante relatório,datado de 17 de maio de 1786, dá conta dos despojosque apreendeu.

Faz uma estatística, onde aponta as pessoas, e ascoisas apreendidas de cada uma delas.

É ouro em pó, espingardas, pistolas, facões,espadas, machados, enxós, goivas, formões, limas,compassos, verrumas, alavancas, enxadas, almocrafes,cavadeiras, foices, caldeirões e tachos.- apreendidos deManuel Henriques e seus sócios: Antonio Henriques,Felix da Silva Henriques (irmãos do Luva), ManoelFerreira, Antonio Alves, Miguel Moniz, VicenteFerreira. E ainda: Xavier e crianças de Joaquim Lopes,José Joaquim, Ignacio da Silva Henriques (irmão doLuva), Domingos de Souza, Manoel Luiz, Bernardo dosReis, Sebastião Craveiro. Dos negros: Domingos,Gonçallo e Matheus, e dos três escravos de João dosSantos.

Consta ainda o ouro obtido de três pequenosmontes de cascalho que S. Martinho mandou lavrar.

Mão de Luva tinha, em seu poder, apenas 11oitavas e meia de ouro em pó. De seus sócios, o quedetinha a maior quantidade era seu irmão Felix da SilvaHenriques, com 156 oitavas.

O total de ouro em pó apreendido no Descobertoe constante desta estatística é de 680 oitavas e 3/4.

Ao pé do mapa estatístico, observa São Martinho:

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“Não se achou mais ouro porque as frotas (comoelas se chamavam) de que era condutor João dos Santos,pela picada de Paraíba, e a outra dos Lopes, pela picadade Macacu, que passa pela Fazenda deixada do Cônego,sairam pela Semana Santa para o Rio de Janeiro.”

Diz ainda: “Toda a ferramenta a dei às Guardasda Paraíba e algumas enxadas e machados os dei aosíndios, assim como todo o sal e algum toucinho.”

Para completar a sua obra de destruição do“garimpo clandestino”, mandou o Sargento Mor que sequeimassem casas e senzalas:

Na 1a Rancharia, 7Na 2a Rancharia, 8Na 3a Rancharia, 6Foram queimados também 5 paiós de milho, este

sendo dado aos índios.No que se refere às plantações (milho e feijão)

mandou cortar as que estavam verdes, e doou aos índiosas maduras.

Todas as batéias encontradas foram destruídas.Quanto à criação: galinhas, frangos, frangas, parte

foi levada para o Porto do Cunha, e parte dada aos indios.Assim o Sargento-Mor encerrou a sua missão no

Descoberto do Macacu. dando conta dos bensencontrados, alguns doados, outros destruídos, tudo emobediência às ordens superiores oriundas de Lisboa ede Villa Rica.

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7- A contenda Minas Gerais x Rio de Janeiro

Luís de Vasconcelos e Sousa, 4º. conde de Figueiró (Portugal, 1de novembro de 1742 — Rio de Janeiro, 24 de março de 1809),foi um nobre e administrador colonial português, vice-rei do Brasilde 1778 a 1790. Filho de José de Vasconcelos e Sousa CaminhaCâmara Faro e Veiga, 1º marquês de Castelo Melhor, e MariaRosa Quitéria de Noronha.Foi o 12.º vice-rei do Brasil e capitão-general de Mar e Terra doEstado do Brasil, exercendo o cargo por doze anos, de 30 de abrilde 1778 a 9 de maio de 1790. (Fonte: Wikipedia).

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Aquele relacionamento que parecia tão harmonioso entre o Vice-Rei do Brasil e o Governador de

Minas Gerais, nos preparativos iniciais para a invasãodos Sertões, foi-se mostrando exatamente o oposto, nodecorrer das providências que culminaram com a prisãodo célebre contrabandista. Já em dezembro de 1785, oVice-Rei do Brasil reafirma as ordens de Sua Majestade,a Raínha de Portugal, “pelas quais se parecem estarproibida toda e qualquer diligência mais ativa, e maisprecipitada...”(DOC. 7).

Relembra, ainda, na mesma carta, ao governadorde Minas Gerais, referindo-se às supracitadas e reaisrecomendações, que: “Nestas se me determina que,havendo V.Excia., como lhe é ordenado, de fazer atacarnas suas próprias habitações, e lavras, e lançar fora delasos ditos facinorosos, prendendo-se os que se puderemcolher...” acentuando enfaticamente: ”...e sendo maisimportante que tudo segurar o chefe dos mesmosfacinorosos, o famoso Manoel Henriques, por alcunhaMão de Luva...visto ser notório nesta capital que eletem acompanhado, e acompanha, o Sargento-Mor PedroAffonso Galvão de São Martinho nas diligências emque aquele oficial se emprega, por ordem de V.Excia.oque será um muito feliz princípio a execução das ordensde Sua Majestade”. (ibidem).

Está claro, nas palavras de Luiz de Vasconcellose Souza, que em sua opinião, o governador de Minas

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Gerais vinha descumprindo as Ordens de Sua Majestade-- não só deixando de prender Mão de Luva, masconsentindo em sua utilização em Diligências quetinham por objetivo exatamente a anulação do referidopersonagem!

Luiz da Cunha Menezes vai responder componderações sobre a eficácia do “sistema de engano”posto em prática por seu governo, adotado justamente“por me ter persuadido ser o dito estratagema o melhormeio de se conseguir o útil fim da sobredita diligênciacom aquela felicidade que se pode desejar...” (DOC. 12).

Como era de seus planos invadir redutos do Luvasomente em maio, por ser época de pouca chuva, e,portanto, mais fácil para se penetrar nos Sertões, Luizda Cunha Menezes manifestou ao Vice-Rei suaestranheza diante de “uma notícia ou boato que correpor esta capital, de se achar pronto nessa capital umdestacamento de seiscentos homens de infantaria, comseus oficiais respectivos, inclusive um Tenente CoronelComandante, e com todos os mais fornecimentos deboca e guerra, para entrarem para o dito Descoberto.”(idem).

Pondera o Governador de Minas que talprovidência viria destruir o sistema de engano “queV.Excia. aprovou” e, portanto, pede que se não o faça,mas apenas envie os prometidos 500 armamentos,deixando-lhe concluir a diligência com seuscomandados, “pela razão de ser a tropa mais própria

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para semelhantes diligências, por semelhantes situaçõesa de pedestres, e mais homens do mato, pela facilidadecom que penetram os Sertões mais agrestes, e a suasubsistência não dependem de uma tão pesada bagagem,como depende outra qualquer tropa que não seja destanatureza, e impossível de se poder conduzir pelossobreditos Sertões.” (ibidem).

Mais tarde, volta a atacar o governador de Minas,informando ao Vice-Rei: “Acabo de conhecer que dasditas terras saíram para essa Capital os Cabeças dos ditosextraviadores, que são Joaquim Lopes, Dionizio Lopes,irmão de José Lopes, que já se acha preso nessa Capital,levando consigo também um cabra que eles trazemfurtado, que é cativo da viúva do Montijo, moradora doRegistro Velho, e com o designio de saberem ao mesmotempo em Macacu dos fornecimentos que lá se achamprontos por ordem de V.Excia., pela notícia que já látem de serem para as tropas com que V.Excia. os quermandar prender; João dos Santos Silva, morador noPorto da Estrela, com o designio de ir valer-se deV.Excia. para lhe perdoar o crime, que cometeu, de tervindo extrair ouro nas ditas terras, com oito escravos;e o célebre Manoel Henriques, denominado Mão deLuva, o qual é bem conhecido por ser aleijado da mãodireita, e trazer sempre na mesma uma Luva calçada; Oque participo a V.Excia. para que V.Excia.queira logoque receber esta, mandá-los prender, pelo quanto dassobreditas prisões depende a felicidade de ser feita a

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vez, conforme Sua Majestade é servida.” (DOC. 15.)A resposta não tarda. Em carta de 26.04.1786,

Luiz Vasconcellos e Souza comunica a seu colega deMinas Gerais a ausência dos contrabandistas no Rio deJaneiro, estranhando que o Luva não tenha sidosuficientemente vigiado. Diz ele: “Devo contudo dizera V.Excia. que não posso deixar de admirar-me da notíciade haver escapado dessa Capitania o famoso CabeçaManoel Henriques, quando, pelo que V.Excia. meparticipou, na sua carta de 3 de janeiro do presente ano,devia persuadir-me que V.Excia.tinha dado as maiseficazes providências para se segurar estecontrabandista, ou ao menos para ser efetivamenteguardado, e vigiado debaixo das mais prudentescautelas, como insinuei a V.Excia., na minha carta de17 do sobredito mês de janeiro...” (DOC. 17).

Refere-se também à demora na execução dasordens de Sua Majestade, a Raínha de Portugal,acentuando ser “toda a demora muito prejudicial, nãosó pelas consequências que se vão experimentando, masainda pelas que se devem temer de discursos vagos evários, com que não nos devemos embaraçar para maiordemora, muito principalmente nas presentescircunstâncias, em que é preciso precaver aos danos,para que não se façam irreparáveis.” (idem).

Após essa carta, os acontecimentos se precipitamnos Sertões do Macacu: Mão de Luva e mais 12 com-

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diligência de se destruir o sobredito extravio por uma

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panheiros são presos, com seus escravos, pelo Sargento-Mor Pedro Affonso Galvão de São Martinho.

O Governador de Minas Gerais volta à presençado Vice-Rei para dizer que mandou castigar “o Caboque se deixou enganar pelo dito célebre Mão de Luva,para o deixar passar outra vez para o tal Descoberto,depois de ter sido encarregado de vigiar sobre ele, e deter a mais viva cautela sobre os seus movimentos...”(DOC.20).

Fala, a seguir, do bom termo da diligência,concluída com a prisão dos líderes do bando deextraviadores de ouro, e comunica o envio, para atesouraria geral da Capital, dos Cabedais Régios,importantes em doze arrobas, uma onça, três oitavas evinte e três grãos de ouro, sob a responsabilidade doalferes José da Silva Brandão.

Ciente da conclusão da diligência, escreve Luizde Vasconcellos e Souza, na qualidade de Vice-Rei doBrasil, carta ao Ministro Martinho de Melo e Castro,representante da Raínha Maria I, dando conta doocorrido e deixando entrever a sua insatisfação pelamaneira como os fatos foram conduzidos pelo Governode Minas Gerais:

“...Resultou dessa diligência ficar inteiramenteevacuado o sobredito Sertão dos extraviadores que oinfestavam, e se achavam nela tranquilamenteestabelecidos, segundo me acaba de comunicar osobredito General daquela Capitania, conseguindo-se,

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ainda que com bastante receio de ficar de todo frustradoo bom êxito que se pretendia, o serem surpreendidosnas suas próprias habitações e lavras, treze réus, quevieram remetidos de Minas, e se acham nas cadeias destarelação para se proceder contra eles na forma das leis eOrdens de S. Majestade. Entre estes veio compreendidoo famoso Cabeça Manoel Henriques, por alcunha o Mãode Luva, com os seus três irmãos, igualmente orgulhosose de péssimo procedimento, que, tratando uma recíprocae familiar correspondência com os próprios coman-dantes das Guardas, que o sobredito General estabeleceuprecipitadamente na entrada e novo caminho que abriunos confins daquela Capitania para o dito Sertão, sejulgavam seguros e com um passaporte franco paracontinuarem nas suas extorsões, à sombra de umatolerância mal entendida, e bastante escandalosa. Écerto, contudo, que, se as minhas recomendações a esterespeito não fossem tão repetidas à vista de fatos tãoconstantes, não seria fácil colherem-se às mãos estesprincipais cabeças, como dão a conhecer os própriosdocumentos que pretendo remeter a V.Excia. na cartaque lhe hei de dirigir pela Nau de Guerra Nossa Senhorada Ajuda, na qual largamente hei de tratar de tudo o quepertence a este importante negócio, por se achar aindadependente de outras averiguações e exames com quedevo informar a V.Excia. para pôr tudo na Real presençade Sua Majestade... 13 de julho de 1786” (DOC.22).

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Das averiguações que se procederam no Rio deJaneiro, resultou o serem pronunciados, comocontrabandistas de ouro, não só os 13 réus presos nosSertões do Macacu, porém várias outras pessoas, entreelas, pedestres e soldados da tropa da Capitania de MinasGerais.

Em decorrência, tanto o Intendente Geral doOuro, como o próprio Vice-Rei do Brasil dirigiram-seao governador de Minas Gerais, instando que “V.Excia.dê as mais eficazes providências para serem presos eremetidos a esta cidade, segurando-se-lhes os bens quetiverem, para serem julgados na forma das ordens deSua Majestade...”

A preocupação do Vice-Rei era também com oouro apreendido nos Sertões, e do qual o governadormineiro não havia dado conta. Nesse sentido, elerecomenda: “Do mesmo modo é muito conveniente,atendendo-se ao fim da mesma diligência, que V.Excia.passe as ordens necessárias para se remeterem a estacidade as seiscentas e oitenta e cinco oitavas de ouroem pó, que foram apreendidas aos ditos contrabandistasno referido Sertão, como se indica na cópia do Mapajunto à carta do mesmo Ministro, no qual se vê adiferença de cinco oitavas, que mais acresce do outromapa, que V.Excia. me remeteu na sua carta de 20 dejunho próximo precedente, na adição do que mais seachou ao preso Domingos, escravo de Bernardo dosReis, expressamente apontado no termo da Inquirição

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que se fez em 5 de maio aos pretos Gonçalo e Antonio,escravos do soldado Sebastião Craveiro, igualmentesócio e correio deste delito; mandando V.Excia. logoproceder à arrematação das armas e ferramentas queforam achadas no mesmo Sertão, para se remetertambém o seu produto para esta cidade, pelosfundamentos que o sobredito Ministro refere na suamesma Conta...” (DOC. 25).

Tendo o Governador de Minas Gerais se“trancado em copas” quanto ao pedido de remessa,presos, para o Rio de Janeiro, de soldados mineiros,assim como do ouro confiscado aos réus do Macacupor São Martinho, -- foi-lhe cobrada uma resposta, oque provocou a seguinte -- e violenta -- reação: “É semdúvida que eu recebi a carta mencionada de V.Excia.,datada de 14 do sobredito mês antecedente, e igualmenteque não respondi à mesma por considerar-medispensado de dizer a V.Excia. ter eu achado muitoárdua e repugnante a proposta que a V.Excia fez oDesembargador Intendente Geral do Ouro dessaCapitania, de pretender que sejam remetidos presoscomo réus de semelhantes culpas o Cabo de EsquadraJosé de Deos, os Anspeçadas Bernardo dos Reis eCustório Pinheiro de Faria, os soldados SebastiãoCraveiro, José Antonio da Rocha e Felipe Rodrigues, etambém os dois soldados Pedestres Antonio Xavier eJoão José, por serem denunciados e compreendidos nosextravios do ouro do Descoberto do Macacu, por não

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se lembrar o dito Ministro que se não fosse o estratagemade que usei, e de que foram o primeiro móvel o ditoCabo, e mais soldados, que certamente se não fariasemelhante diligência, assim como o fiz certo a V. Excia.por carta de ofício datada de 18 de abril do correnteano, muito antes de se empreender. Que depois de elesterem arriscado as suas vidas, como arriscaram, numserviço tão importante a Sua Majestade como foi aqueleque a mesma Senhora mandou fazer nessa Capitaniapelas Tropas Regulares desta, que nunca se poderiapensar que a recompensa seria a de verem hojeignominiosamente caluniados, e a honra militar ofendidapor obedecerem e executarem exatissimamente asordens do seu General, no serviço de sua Soberana. Quepodia o dito Ministro esperar de uns homens como océlebre Mão de Luva, seu irmão e mais companheiros,depois de não terem podido escapar-se de serem presos,como pretenderam, senão vingarem-se do modo quepodiam, como o de denunciarem e unirem às suasmesmas culpas os mesmos que os prenderam, já queeles os não puderam matar, como pretenderam...”(DOC.29).

E prossegue o governador de Minas Gerais,afirmando não haver ninguém capaz de cumprirsemelhante ordem de prisão, concluindo que se fosseexecutar, teria que prender a si próprio, sob cujas ordensos referidos réus obraram!

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Finalizando seu arrazoado, diz que os bensapreendidos aos “réus Mão de Luva e mais seuscompanheiros quando foram presos, creio que SuaMajestade quererá que fiquem para ajuda de a indenizarde alguma maneira a Real Fazenda desta Capitania dagrande despesa que fez na sobredita diligência, vistoque por essa Capitania não se pôde conseguir, nem asua Real Fazenda fez alguma despesa com ela até oponto dos sobreditos presos e réus serem remetidos erecebidos às cadeias públicas dessa mesma capital”.(DOC.29).

A indignação de Luiz da Cunha contra o Governodo Rio de Janeiro manifesta-se também na denúncia quefez, 25.11.1786, de que, após a prisão doscontrabandistas, e a evacuação dos Sertões, o ouroestaria sendo clandestinamente extraído “com a maiorforça”, “por uma avultada fábrica que lá tem BrásCarneiro, debaixo do pretexto de estarem fazendo telhapara um novo estabelecimento que se diz V.Excia. quermandar fazer naquele mesmo Descoberto...” (DOC. 30).

A resposta de Luiz de Vasconcellos é expedidaem 29.12.1786. O Vice-Rei, baseado em informaçõesde Manoel S. Coimbra, responsãvel pela região deCantagalo, nega o fato, ao Governador de Minas que “anotícia que lhe deram as guardas, trazendo a sua origemdas telhas que dizem estava mandando fazer o dito BrásCarneiro foi muito mal fundada. Muito mais porque,sendo necessário que houvesse alguns encontros de

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extravio ou ao menos alguns indícios por onde sepudesse conjecturar para que houvessem as ditasguardas de participar a V.Excia. que ele se fazia com amaior força, como V.Excia. me diz lhe asseveraram,vemos que nem fizeram apreensão alguma, comodeviam, nem apontaram razão em que fundassem a suaparte...” E acrescenta que se o Governador puder“alcançar a mesma notícia mais circunstanciada e dignade atenção, espero que por serviço de S. Majestade hajade preocupar-se para que eu possa dar imediatamenteas providências...” (DOC. 33).

Lisboa foi devidamente informada dosdesencontros entre os governos de Minas e do Rio, poiseste, em documento datado de 26 de janeiro de 1787relata ao Ministro Mello Castro desde a prisão dos 13extraviadores de ouro, até o pronunciamento dosmilitares mineiros.

Nas doze páginas que o compõe, o longoarrazoado de D. Luiz de Vasconcellos e Souza contémsérias críticas aos procedimentos do GovernadorGeneral das Minas Gerais: Começa criticando a recusasistemática do Governador em remeter, para o Rio deJaneiro, os bens confiscados aos réus acusados deextravio de ouro, presos em Vila Rica ou nos Sertõesdo Macacu, fazendo-se, segundo diz “desentendido deminha recomendação”. Condena a defesa que Luiz daCunha Menezes faz, dos militares mineirospronunciados no Rio de Janeiro pela Intendência Geral

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do Ouro. Ditos servidores eram acusados do mesmocrime dos contrabandistas, ou seja,o extravio do ourodas áreas proibidas.

Justificando a prisão, informa o Vice-Rei que“...Muito antes de poderem ser ouvidos nesta Cidade, eainda em Vila Rica, os extraviadores apreendidos noSertão, que o dito Governador faz autores de imposturas,estava já informado das prevaricações da maior partedos sobreditos militares, pela conta que lhe deu o seuSargento Mor, Pedro Affonso Galvão de São Martinho,acompanhada dos interrogatórios que antes de assaltaraquele Sertão, como lhe foi encarregado,tinha feito aalguns pretos que saíram dele e foram pedir passagem àGuarda chamada do Porto do Cunha, na margem doParaíba, os quais declararam que eram escravos, o PretoDomingos, do Anspeçada Bernardo dos ReysComandante da Guarda do Louriçal, e os Pretos Gonçaloe Antonio, do Soldado Sebastião Craveiro, da mesmaGuarda. Do mesmo modo confessaram uniformementeque por ordem de seus senhores, tinham ido tirar ouroao Novo Descoberto de Macacu, para onde lhes derapassagem na Canoa do Porto do Cunha o AnspeçadaCustódio Pinheiro de Faria, Comandante desta Guarda,indo em companhia deles o dito Sebastião Craveiro, queestivera três meses no mesmo Descoberto em grandeamizade com os mesmos extraviadores. Essa amizadetanto se mostra criminosa e indesculpável, que toda foidirigida ao extravio do ouro, como se verificou pela

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apreensão que se fez ao dito Preto Domingos, de umaBorracha com oitenta oitavas, que lhe mandava um dosprincipais extraviadores, Antonio Henriques, irmão dofamoso Mão de Luva...”

O Governador das Minas Gerais é ainda acusadode tentar atrapalhar a exploração legal da data mineralde Sua Majestade, através da proibição da venda deescravos acostumados às lides da mineração paratrabalharem no referido Descoberto. Em decorrênciade tal medida, foram presos em Vila Rica, 14 escravosque haviam sido comprados pelo Intendente de VilaRica, por ordem do Vice-Rei, para serem remetidos aCantagalo. Os escravos foram soltos e entregues aoIntendente, após este alegar ter recebido ordem superior-- mas ao final, não se permitiu fossem remetidos parao pretendido destino.

Prossegue o Vice-Rei do Brasil, relatando osdesmandos do Governador de Minas Gerais.

Refere-se à carta de Luiz da Cunha Menezes, naqual ele afirma ter recebido parte, de uma das Guardas,de que do Descoberto do Macacu se estava extraviandoouro com a maior força -- por uma grande Fábrica queali teria o Sr. Brás Carneiro, como pretexto para ocontrabando do precioso metal.

Estranhando o fato de se acusar assim “umnegociante de todo o crédito e conceito, mais ainda pornão haver no dito Descoberto gênero algum de trabalhodeixado ao arbítrio de particulares... encomendou Luiz

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de Vasconcellos e Souza ao Tenente-Coronel ManoelSoares Coimbra, “que se acha Comandante e vigiandocom as mais preciosas cautelas, todo aqueleSertão...”uma informação circunstanciada sobre oreferido extravio... resultando saber-se que “do lugarda Cachoeira onde tem princípio aquele vasto Sertão,até o Canta Gallo, não há outras casas e algum outroEstabelecimento mais do que os Ranchos que de ordemminha se tem formado, de distância em distância, paraos Destacamentos que rodeiam e circulam aquelesSítios... Igualmente consta que o dito Brás Carneiroapenas tem um engenho de fazer açúcar, vinte e seisléguas distante do dito Descobrimento...”

Encerrando sua carta-denúncia, remata o Vice-Rei:

“De tudo o referido, bem se conclui que o ditoGovernador de Minas Gerais, além da má fé com quese tem comportado, em todo este negócio, do ódio e mávontade que tem mostrado às Novas Minas de Macacu,em que esperava ter toda a intervenção, se teminteiramente oposto às ordens de Sua Majestade, comoacabo de expor a V.Excia., não querendo proceder contraos culpados que se lhe recomendaram,nem remeter osescravos extraviadores apreendidos no Sertão, queforam levados para a Cadeia de Vila Rica e aplicandopor seu arbítrio à Real Fazenda daquela Capitania aimportância do ouro, dinheiro, bens e talvez dos ditosescravos, sem sentença que qualifique esta aplicação,

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preterida e desprezada toda a forma com que as leismandam proceder em semelhantes casos...” (DOC. 35).

Foi uma triste contenda, cujo resultado final aindanão conhecemos, sendo objeto para futuras pesquisas...

Diante desses episódios envolvendo os governosdas duas mais importantes Capitanias do Brasil Colônia,refletimos sobre a tese de que o ouro exerce sobre ohomem uma atração de força indomável.

Realmente, a ocorrência do ouro nos Sertões doMacacu, justamente quando Vila Rica declinava, emfranca decadência, acendeu a cobiça do inefável Luizda Cunha Menezes, que usou daquela conhecida“astúcia calada” para se apropriar das riquezas do Riode Janeiro.

Mas a história, conquanto às vezes malbaratadapor parcialidades indesculpáveis, embora compre-ensíveis, acaba sempre por desvelar a verdade que, maisdia, menos dia, a todos se impõe -- afastando osdesvarios das interpretações viciosas e malévolas.

Estes são os fatos que o Vice-Rei, em depoimentomuito bem documentado, apresentou à CoroaPortuguesa, à qual estavam sujeitas ambas asautoridades, -- que se degladiaram, ao final, pela possedos despojos do tão aviltado MÃO DE LUVA!

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8- A colonização da Serra

ESTA estensa região do Estado do Rio de Janeiro que sedenomina REGIÃO SERRANA FLUMINENSE, e que hoje secompõe de 15 municípios, foi reduto de MANOELHENRIQUES, O MÃO DE LUVA, que aqui garimpou ouro pormais de vinte anos, contrariando ordens de Lisboa e deVilla Rica. Muito antes do estabelecimento da colônia suiçade Nova Friburgo, em 1818, homens industriosos etrabalhadores criaram nestas terras, lavouras e indústrias,que abasteciam um mercado em crescimento. Tropas demascateadores e tropeiros alimentavam populações, egrandes fazendas, como Morro Queimado e Cônegocresciam ao impulso exercido com o trabalho escravo.Quando aqui chegaram, os imigrantes europeusencontraram uma infraestutura que lhes serviu de basepara progredirem.

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Expulsos da terra os garimpeiros clandestinos, 40eleitos do Vice-Rei preparavam-se, munidos de seus

150 a 200 escravos cada um, para receberem as benessesda cidadania e da fidelidade à Coroa: a posse dascobiçadas datas minerais dos Sertões do Macacu.

O governo tratou de estabelecer contingentespoliciais, vindos de Minas, e de abrir novas estradaspara o arraial. Fundou-se a Casa do Registro do Ouro,destinada à arrecadação do quinto. Sua direção foientregue a um fidalgo, o Cavalheiro da Ordem de Cristo,D. Manoel da Cunha e Souza, com o cargo deDesembargador Intendente Geral do Ouro, eSuperintendência Geral das Novas Minas de Macacu.Seu irmão, João P. da Cunha e Souza, foi designadoGuarda-Mor do Termo. (2.6.1787).

No mesmo dia de sua chegada, o Desembargadormandou afixar edital, marcando o próximo dia 21 paraa distribuiçao das datas “pelas pessoas que seapresentassem no arraial, com licença do Vice-Rei, oupor seu procurador, conforme o número de escravos”.

Deveria o pretendente comprometer-se a iniciara lavra dentro do prazo de 40 dias, não podendo negociaras terras. Como os pretendentes fossem em númerosuperior ao esperado, o Superintendente Desembargadorprocedeu ao seguinte: separou uma “data” para aFazenda Real, outra para o Vice-Rei, outra para sipróprio, outra para seu irmão, e outra para o Tenente da

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Cavalaria Auxiliar de Minas, Joaquim José Soares. Emseguida, efetuou o sorteio das restantes, utilizando-sede um preto velho, em virtude da ausência de menor noarraial. Foram 33 lotes de 30 braças em quadra, quedeveriam ser trabalhados com 12 escravos cada.

Para atender à crescente demanda de terras, já nomês seguinte o Superintendente efetuou novas doações,seguindo à risca o mesmo critério adotadoanteriormente. Desta feita, foram 50 “datas” localizadasno fértil vale do Rio Negro. Assim agindo, oSuperintendente dava cumprimento ao “Regimento deSuperintendentes, Guardas-Mores e Oficiais Deputadospara as Minas de Ouro”, que, promulgado em18.04.1702, regulava a distribuição das datas, o modode demarcá-las e outros detalhes. Ao descobridor eraassegurada a primeira; a segunda, à Coroa, e uma terceiraainda ao descobridor, sendo as demais repartidas pelosmineradores que tivessem mais de 12 escravos. Todasas “datas” seriam de 900 braças quadradas, ou sejam,4.356m. (Simonsen, 1942, II, 64).

Apesar de todo esse progresso, é bem provávelque Mão de Luva jamais tivesse cogitado doestabelecimento de uma povoação mais consistente,pertencendo àquela categoria de colonizador europeuque, segundo OMEGNA,vivia perseguindo sonhos deriqueza, correndo atrás de tesouros fabulosos, parandoapenas onde surgisse uma lavra promissora ou quando

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se esgotassem as provisões, que restaurava pelo plantioe criação. (Omegna, 1961, in FERNANDES, Florestan, 1972, pág. 87).

Cantagalo constituiu, portanto, uma vila deorigem natural, bem diferente daquelas que surgiram apartir de Cartas-Régias, erguidas e sustentadas peloidealismo de um punhado de políticos civilizadores,“preservadas a cada dia por um esforço deliberado demantê-las, de preservá-las”. (idem).

Esses homens, unidos pela economia na direçãode suas extensas propriedades rurais, e, pela política,na constituição do Senado e da Câmara, chegaram bemmais tarde, inaugurando uma nova fase evolutiva, apósa erradicação do garimpo clandestino.

A ocupação do território cantagalense deu-se, porconseguinte, na base da conquista, com a expropriaçãoviolenta dos antigos ocupantes (desbravadores),considerados malfeitores, e ludibriados através depromessas vãs (carta de engano) em benefício decidadãos que atendiam às qualificações consideradasindispensáveis, na época, ao exercício do direito depropriedade. Não tanto a capacidade econômica,necessária ao êxito da exploração da terra, pesava aqui,mas principalmente a fidelidade ao “Príncipe”, numesquema de DOMINAÇÃO BUROCRÁTICA, tal comoo explicita WEBER em “Economy and Society” - vol.3, Cap.XII.

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A Coroa Portuguesa sabia que não podia esperardos faiscadores, há tanto marginalizados, um tipo deLEALDADE PATRIARCAL, baseada em laçostradicionalmente estabelecidos, nem um atendimento anormas de LEALDADE ABSTRATA, o que pressupõetreinamento técnico.

Estava lidando com gente rude, de temperamentolibertário e caráter individualista, acostumada a gerirseus próprios negócios e a traçar por si mesma os rumosde suas vidas. Gente que arrostou os perigos das terrasvirgens, abrindo novos espaços e deles tomando conta,realizando uma verdadeira “epopéia selvagem” querepresenta uma expressiva afirmação do povo brasileiro.

Fernando de Azevedo atribui ao caráterautárquico das grandes propriedades agrícolasaçucareiras, a qualidade de mantenedor e desenvolvedordo individualismo, “um dos traços mais marcados docaráter brasileiro”. E assegura que “o novo ciclo demineração, que se seguiu ao do açúcar, sem substituí-lo, só contribuiu para acentuar esse traço deindividualismo e misturar as populações, por um dosmaiores movimentos, registrados em nossa história, demigrações internas”. (AZEVEDO, Fernando de, 1943,págs. 4,5,49).

Uma comparação do que podemos perceber dascaracterísticas da Região Serrana Fluminense ao tempode Manoel Henriques, com o que se construiu após achegada dos imigrantes suíços e alemães, mostra-nos

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que, historiadores e literatos curiosos, ao focalizaremas atuações dessas etnias, deixaram uma lacunaimportante na historiografia local. Deixam a impressãode que tudo foi construído a partir do trabalho dos taisimigrantes, quando na verdade já tínhamos, aqui grandesfazendas como a Fazenda Morro Queimado e a Fazendado Cônego.

Esta Fazenda do Cônego é mencionada emdocumento oficial produzido na década de 1780 dandoconta de que uma das rotas usadas pelos contrabandistasde ouro dos Sertões do Macacu, os companheiros deMão de Luva, passava justamente pela referidapropriedade, como mostra o seguinte relato, constantedo Relatório de São Martinho, ao pé de um mapaestatístico sobre o ouro encontrado no Descoberto:

“Não se achou mais ouro porque as frotas (como elas sechamavam) de que era condutor João dos Santos, pelapicada de Paraíba, e a outra dos Lopes, pela picada deMacacu, que passa pela Fazenda deixada do Cônego,sairam pela Semana Santa para o Rio de Janeiro.”

Até hoje se mantem conservada parte da CasaGrande da Fazenda do Cônego, situada no coração dobairro do Cônego, em Nova Friburgo, e que estampamosna página seguinte, juntamente com um mapa atual daRegião Serrana Fluminense.

A Casa Grande da antiga Fazenda do Cônegomereceria ser tratada adequadamente por todos que seinteressam pela preservação do patrimônio histórico.

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Casa Grande da Fazenda do Cônego. Foto CEPEC, 2015

Região Serrana RJ - www.saude.rj.gov.br/gestor/regserra.shtml>.

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Fazenda do Cônego. Foto CEPEC, 2016

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O DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO DAREGIÃO SERRANA FLUMINENSE

Fotomontagem do CEPEC

O Estado do Rio de Janeiro, por haver conhecidotodos os principais “Ciclos Econômicos” da evoluçãobrasileira (pau-brasil, açúcar, ouro, café, couro) constituium verdadeiro repositório de vestígios dessas marcadasetapas. Suas fazendas guardam o bastante do passadopara permitir-lhe a reconstituição. E na Região SerranaFluminense encontramos não só as minas de ouroabandonadas em Euclidelândia, velhos engenhos e ossuntuosos palacetes de Cantagalo, mas também acontinuidade dos cultivos de arroz, milho, feijão emandioca, e da criação de gado e outros animais — quealimentaram os habitantes daqui e de outros países.

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POLOS DE DESENVOLVIMENTO DA LAVOURACAFEEIRA NO RIO DE JANEIRO

Implantada entre 1727 e 1810, a lavoura cafeeirada Província do Rio de Janeiro desenvolveu-se em doispolos: na REGIÃO OCIDENTAL DO VALE DOPARAÍBA, compreendendo os municípios deRESENDE, BARRA MANSA, PIRAÍ, VASSOURAS,SÃO JOÃO MARCOS (Distrito de Rio Claro) e PASSATRÊS (idem), e na REGIÃO ORIENTAL DO VALEDO PARAÍBA, território da antiga Vila de SÃO PEDRODE CANTAGALO, que na época englobava terras quehoje pertencem a vários municípios fluminenses, como:SANTA MARIA MADALENA, NOVA FRIBURGO,BOM JARDIM, CORDEIRO, ITAOCARA, TRAJANODE MORAES, e outros.

Inicialmente, foi a REGIÃO OCIDENTAL que,liderada por Resende, Vassouras, Paraíba do Sul eValença, proporcionou a maior parte da produção. Apartir de 1860, coube à REGIÃO ORIENTAL, vale dizer,a CANTAGALO, Região Serrana Fluminense, deter ahegemonia na Província, e, consequentemente, no Brasil.

A contribuição da Província do Rio de Janeiro,no decênio 1870/1880 atingiu a 60% da produçãonacional, contra 25% de Minas Gerais, 10% de São Pauloe 5% do Espírito Santo. (“Delta-Larousse”, vol. 13, pág.5849). Para se fazer uma idéia do que isto representavana economia brasileira, basta assinalar que o valor da

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exportação do café em relação ao valor total daexportação nacional teve o seguinte comportamento:

Períodos - Percentual

1831-1870 40%

1871-1880 66%

1881-1900 60%

Examinemos o quadro seguinte, para melhor avaliar agrande importância da contribuição fluminense:

(% sobre a prod. mundial) 1820 - 1904

PERÍODOS %

1870-79 .............. 49.09

1880-89 .............. 56.63

1890-94 .............. 59.70

1895-99 .............. 66.68

1900-04 ............. 75.64Fonte:B.P. - pág. 139

PERÍODOS %

1820-29 .............. 18.18

1830-39 .............. 29.70

1840-49 .............. 40.00

1850-59 .............. 52.09

1860-69 .............. 49.07

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Em consequência, o comportamento da BalançaComercial do Brasil manteve-se altamente favorável,com saldos positivos, de 1868 até 1900, com exceçãodos períodos de 1885/86 e 1888/1890. (“Brasil emPerspectiva” - págs. 143/4).

(sempre acima de)

CAFÉ BRASILEIRO NO MUNDO

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Alcançando a supremacia mundial no período1850/59, o Rio de Janeiro manteve-a (com ligeirodeclínio em 1860/69 e 1870/79) até 1890/94, quandopassou a dividi-la com São Paulo, após 40 anos deliderança.

No que se refere à cana-de-açúcar, aquimencionada para mostrar o desconhecimento darealidade fluminense, basta atentar para os seguintesfatos:

Em 1799, a Província possuía 616 engenhos decana (sendo 324 em Campos) e 253 engenhos deaguardente (100 em Parati). “No começo do século XIX,antes que o café iniciasse sua carreira pela BaixadaFluminense, o açúcar e a cachaça serviam ainda defundamento econômico. A introdução da cana caiana eo aumento do número de engenhos em Campos (400)asseguravam maior produção e exportação. A cachaça,especialmente a de Parati, era o gênero principal depermuta na Costa da África, sobretudo por negros,indispensáveis à lavoura de cana e fabrico do açúcar”.(D.L. idem, pág. 5.848).

Também Caio Prado Júnior refere-se ao Estadodo Rio, ao tratar do açúcar: “A única atividade econômicade grandes regiões do País (em particular o litoral donordeste, e a parte oriental do Estado do Rio de Janeiro),onde se concentra uma população relativamente muitodensa”. (“História Econômica do Brasil”, pág. 256).

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A PSEUDO DECADÊNCIA DO RIO DE JANEIRO

Em obras que tratam do desenvolvimentoeconômico do Brasil, temos observado omissões e errosoutros que diminuem a importância da contribuição doEstado do Rio de Janeiro.

No caso da produção cafeeira, o simples uso dotermo “decadência”, ao invés de “diminuição”, colocouo estado em uma enganosa inferioridade. encobrindo-se fatos relevantes, assim negligenciados.

Vejamos, citando apenas um texto:“A decadência do Estado do Rio de Janeiro foi resultadoda queda da produção cafeeira, inferior à média geral,de 1.400.000 sacas (média do período 1890-1900), daqueda da arrecadação do imposto de exportação (baixade 80% para 30% em 30 anos) e da queda da cotaçãodo café, sem contar o monopólio da exportação pelosexportadores estrangeiros, em sua maioria norte-americanos. Em 1928, o Estado do Rio de Janeiropassaria para o quarto lugar, depois do Espírito Santo,na produção cafeeira.” (D.L. pág.5851).

Fechando-se a análise com o termo “Decadência”,desloca-se a atenção da Província do Rio de Janeiro paraa de São Paulo, onde, realmente, tanto o café como aindústria experimentaram notável impulso — mas passa-se por cima de um período crucial, exatamente aqueleem que o salto qualitativo é realizado — ainda no Riode Janeiro.

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CONTRIBUIÇÃO DO RIO DE JANEIRO PARA AARRANCADA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL

Foi na Província do Rio de Janeiro que se deu aprimeira arrancada de vulto no sentido daindustrialização do Brasil.Abolida a escravatura, capitais oriundos da atividadeessencialmente agrícola foram sendo empregadosmaciçamente em empreendimentos industriais,localizados em vários municípios fluminenses e nacidade do Rio de Janeiro, que, de 1860 a 1889, aindaque município neutro, era o primeiro distrito daProvíncia, fazendo parte de sua representação política.(D.L. vol. 13 pág. 5.844)

Segundo Rui Barbosa, ocorreu uma verdadeirarevolução econômico-social (sic) consequentemente àabolição da escravatura. Citando estatísticas industriais,o então Ministro da Fazenda diz, em 1891: “Medidopor estes algarismos o nosso progresso, teríamos deconcluir que, em 18 meses, desembaraçados do cativeiro,andamos tanto, quanto em quase meio século sob o pesodele, e que, em menos de um ano, sob a República, nosadiantamos 50% mais do que em toda a duração doregime imperial”. (“Obras Completas” vol. 18 tomo II pág. 158).

Não fica a menor dúvida de que essas realizaçõeseram em grande parte fluminenses, quando Rui, maisadiante, acentua: “...note-se que este cômputo nãoabrange as empresas, em número considerável, que,

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tendo a sua sede em Minas, São Paulo e outros Estados,foram lançadas e aqui localizaram as suas ações. SãoPaulo e Minas têm acompanhado galhardamente essemovimento, podendo-se depreender dos dadoscotidianamente fornecidos pela imprensa, que oscometimentos organizados nesses dois Estadoselevariam a porcentagem supra-estabelecida a 500 ou550%”

A porcentagem mencionada pelo Ministro daFazenda referia-se ao crescimento do capital empregadoem empreendimentos industriais, após a abolição daescravatura, acusando o seguinte comportamento:“Nos 18 meses seguintes a 13 de maio, de........... 97.64%

“Nos 11 subseqüentes a 15/11/1889, de............. 278.78%

“Nos 29 meses de 13/05/88 a 20/10/1890, de........ 376.78%(Fonte: idem, pág. 159).

Com o advento da República, passando a Cidadedo Rio de Janeiro a constituir o Distrito Federal, suasestatísticas foram separadas das fluminenses. É por issoque, em 1907, a estatística de produção industrial porEstados apresenta o Estado do Rio em quarto lugar (207estabelecimentos), abaixo do Rio Grande do Sul (314),São Paulo (326) e do Distrito Federal (662),(CARONE,”A República Velha” - pág. 77), quando, paraser retratada fielmente a realidade econômico-social, osdados do Distrito Federal e do Rio de Janeiro deveriamaparecer em conjunto, ou sejam, 869 estabelecimentos

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industriais - mais de duas vezes e meia o total de SãoPaulo (segundo colocado). Esse resultado globalizadotraduziria em números a íntima relação há muitoexistente entre a Cidade do Rio de Janeiro e o interiorfluminense, indicada por vários fatos, dentre os quais amanutenção, por parte dos Barões do Café, de duasresidências, uma lá e outra cá. (Cf.: D.L. - vol. 13, pág.5.850 - referindo-se a Bernardo Clemente Pinto, Condede Nova Friburgo: cf., também TAUNAY, op. cit., pág.118, sobre o mesmo).

Graças em grande parte aos investimentosfluminenses, aplicados à indústria, o Brasil possuía, em1889, 87 estabelecimentos têxteis (CARONE, op. cit.pág. 75).

Da relação de fábricas de tecidos e outras,existentes no Relatório do Ministro da Fazenda — 1891— consta como possuidora do maior capital, aPETROPOLITANA (4.000:000$).

Outras empresas cujas razões sociais denunciama procedência da Província do Rio de Janeiro, aparecemsob os vários títulos da relação:Bancos - “Fluminense” - Engenhos Centrais:”Agricola de Campos”,“Pureza”, “Quissamã”, “Parati”, “Difusão Guapimirim”; Estradas deFerro - “Barão de Araruama”, “Macaé e Campos”, “Maricá”, “Resendee Bocaina”,”União Valenciana”,”Ind.,Lav. e Viação de Macaé”,“Teresópolis”, “Vassouras, Pati do Alferes e Petrópolis “Cabo Frio”;Navegações - “São João da Barra e Campos”, “Cantareira e ViaçãoFluminense”; Seguros -”Argos Fluminense”; Fábricas de tecidos eoutras - “Pau Grande”, “Petropolitana”, (já referida),”IndústriaFluminense”, “Moinho Fluminense”, “Tecelagem Fluminense”,”CalçadoFluminense”; Companhias diversas : “CarruagensFluminenses”,”Mercado Niteroiense”, “Melhoramentos Urbanos de

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Niterói”, “Melhoramentos da Cidade de Petrópolis”,”EvôniasFluminenses”, “Lavanderia Fluminense”, “Progresso Industrial de CaboFrio”,”Editora Fluminense”, “Tanoaria Fluminense”. (RUI BARBOSA,op. cit., págs. 151/157).

A relação de Rui Barbosa não indica osmunicípios em que as empresas estavam localizadas. Istonos impede de relacionar como fluminenses aquelas queo sendo, não deixam o fato evidenciado em suas razõessociais, o que poderia ter sido averiguado através deuma pesquisa que não empreendemos por julgarsuficientes à comprovação de nossa hipótese os fatos jáaqui alinhados. As próprias palavras de Rui, transcritasalgures neste trabalho, deixam claro que o movimentoresponsável pelo surto de industrialização do Brasil foiliderado pelo Rio de Janeiro, esforçando-se São Paulo eMinas Gerais, galhardamente, por acompanhá-lo.BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Rui - “Obras Completas” - Relatório do Ministro da Fazenda -vol. XVIII,tomo II - Rio de Janeiro, 1891.

CARVALHO, Sebastião A.B. de “A Fazenda Cafeeira Cantagalense”- obrainédita, sendo editada no jornal on line Cantagallo Novo.

CARVALHO, Sebastião A.B. de “O Tesouro de Cantagalo”- segunda edição(on line) www.nitcult.com.br/TreasureFINAL.pdf

DELTA-LAROUSSE - Enciclopédia - vol. 13, l972.

DIEGUEZ JÚNIOR, Manuel - “Land Tenure and Use in the BrazilianPlantation System” - N.Y. - EE.UU.

PRADO JUNIOR, Caio - “História Econômica do Brasil” - Ed. CivilizaçãoBrasileira, Rio, 1972.

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SIMONSEN,Roberto C. - “História Econômica do Brasil” - tomos I e II, Ed.Cia. Ed. Nacional, S.Paulo, 1944.

TAUNAY, AFFONSO E. - “Pequena História do Café no Brasil” - Ed.Departamento Nacional do Café, Rio, 1945.

FREYRE, GILBERTO - “Casa Grande & Senzala”-Ed. J.Olimpio, Rio, l946.

Importa ainda destacar o perigo representadopelas distorções que ameaçam aqueles que se prendemna análise econômico-social, à rigidez dos limites dasdivisões políticas dos Estados—quando vários fatoresmuito mais relevantes os estão unindo.

COLHEITA DO CAFÉ - DebretO café, mesmo sendo cultivado por meios bem rudimentares,alcançou um altíssimo nível, especialmente graças ao trabalhodesenvolvido na Região Serrana do Rio de Janeiro. Osescravos negros foram de importância capital, e a eles o Brasildeve a conquista de imensa riqueza.

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9- Índios e Negros no “Descoberto” do Macacu

Desenhos de Debret, retratando índios (acima) e negros ( embaixo)em cenas do cotidiano.

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Ao nos debruçarmos sobre a remota época dos primórdios da Região Serrana do Rio de Janeiro,

no Brasil Colonial, interessados em desvendar osmistérios do célebre Mão de Luva, deparamo-nos, váriasvezes, com índios e negros, cujas presenças marcantesnos levaram a reflexões sobre os papéis quedesempenharam na construção do Brasil.

Muito já se escreveu sobre esses dois gruposraciais, e não pretendemos acrescentar, aqui, nada denovo ou surpreendente no que se refere ao conhecimentojá acumulado.

Julgamos interessante, todavia, mostrar algunsfatos e dados encontrados na pesquisa, relacionados,portanto, com a região e/ou período estudado.

O ÍNDIO

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Refere-se DEBRET, em sua famosa “VIAGEMPITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL”, àshabilidades do nosso “caboclo” ou índio civilizado, sejana confecção de artesanatos utilizados cotidianamente,seja no manuseio do arco e flecha.

Comentando uma prancha onde retrata várioscaboclos caçando aves, que cortam velozmente os céus,diz ele: ”Ficar assim de costas e lançar com todo vigoruma flecha, de uma maneira quase incrível para nós,não passa para o caboclo, de um simples exercício dedestreza, oferecido à contemplação dos viajantesestrangeiros que o visitam. Ele escolhe sempre o menorde seus arcos para mostrar sua habilidade; em seguida,a fim de continuar a atrair a admiração dos expectadores,ele se levanta, e, de pé, o corpo extremamente recurvado,arremessa sua flecha perpendicularmente, por cima dacabeça, de maneira a que recaia a seus pés, no interiorde um círculo traçado no chão, em torno dele. Essesexercícios, sempre perfeitos, são bem conhecidos dequem percorre a província de Cantagalo” (DEBRET,VPHB, I, 1965, pág. 34).

Em outra parte, descreve o nosso autor “oscaboclos que habitam os arredores da aldeia de SãoPedro de Canta Galo (província do Rio de Janeiro) evivem quase sem indústria, apesar de civilizados.

Trabalham para os ricos proprietários da região,que pagam com cachaça e gêneros alimentícios.”

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A seguir, tece Debret comentários sobre a cena,que pintou, retratando a chegada de dois viajanteseuropeus, introduzidos numa aldeia de caboclos. (Vergravura na introdução deste capítulo) Uma garrafa deaguardente é usada para facilitar a recepção. Fala, então,do chefe índio, que, sentado no chão, e cercado dejovens, narra-lhes alguns fatos, até ser interrompidopelos visitantes.

As mulheres reagem pudicamente: uma escondeo busto, cobrindo-o com seus longos cabelos negrospuxados para a frente; outra, sentada, esforça-se paraaproximar o pé da parte que deseja esconder dosvisitantes.

Observa Debret que a cena fixa os hábitos dohomem selvagem, constantemente ocupado com suaalimentação: as mulheres acham-se reunidas em tornode uma provisão de frutas; um pequeno caboclo, decócoras, bebe com a ajuda de um caniço.

Cabem, aqui, parece-nos, algumas consideraçõessobre o caráter de nosso selvícola.

O já tradicional hábito de se oferecer aguardenteao índio, transmite-nos a ideia de ser o mesmo propensoao vício. Tal ideia, associada à sua propalada aversãoao trabalho, configura uma imagem bastante negativado primeiro habitante do Brasil. Podemos, contudo, combase em nossas pesquisas, por em dúvida taisestereótipos. A propalada “aversão ao trabalho” nadamais é que o fruto de uma observação etnocêntrica e

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preconceituosa do branco. O índio recusou-se,sistematicamente a submeter-se ao trabalho escravo, nãosó por ser uma descabida imposição do invasor de suasterras, mas também porque, de acordo com seus padrõesculturais, ao homem é reservada a caça, cabendo àsmulheres as atividades caseiras, agrícolas, etc.

Quanto ao valor dado pelo índio à aguardente,deve-se ao fato de a mesma funcionar como verdadeiroaquecedor e fonte de energia, útil durante as caçadas,quando é preciso permanecer por muito tempo emlugares úmidos, e sem deter-se para alimentação.

Embora Debret tenha feito suas observações jáno início do século XIX, é razoável supor a semelhançado ambiente com o da segunda metade do século anterior,quando Mão de Luva e seus companheiros conviviamcom os nativos, transmitindo-lhes alguns padrões dacultura européia, como, por exemplo, orações própriasdo catolicismo romano.

Que o Luva ensinava religião aos índios consta,conforme vimos no Relatório do Sargento-Mor PedroAffonso Galvão de São Martinho. Seu relacionamentoera tão bom, que o chefe dos selvícolas chegou a ir àpresença do militar, pedir clemência para o velhofaiscador.

Houve muitos problemas entre brancos e índios,inclusive o massacre de Santa Catarina (1815) quandoos Bororenos ou Bugres invadiram um estabelecimentode águas termais e seu posto militar. Cercando-os,

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atearam fogo às árvores e habitações, exterminando ossoldados que, “surpreendidos durante o sono pelaschamas e extensas nuvens de fumaça, nem sequerpodiam proteger as vidas de alguns fugitivos, logo caídosnas armadilhas colocadas no seu caminho”. (pág. 37)

Mas são inúmeros os episódios positivos decolaboração de brancos e índios, ou da simples atuaçãodestes em termos de produção artesanal e agrícola.Segundo testemunha Debret, os índios “tornam-seexcelentes trabalhadores quando civilizados, e dãoprovas de uma inteligência perfeita onde quer que sejamempregados”...

Consta que um rico proprietário gaúcho, achando-se acometido de cancro já considerado incurável pelosmédicos, submeteu-se ao tratamento de um índio, quetrabalhou “aplicando na ferida certas raízes que eletrazia, diariamente, bem esmagadas. Depois da cura,ofereceram ao índio boa recompensa, para que ele dessea composição do remédio, mas ele recusou e fugiu,observando religiosamente o segredo que lhe foratransmitido pelos seus antepassados”. (pág. 38).

Além de comerciantes e guerreiros, esses índiossão agricultores, e entre os produtos que cultivam deve-se citar o algodão, que eles empregam com notávelhabilidade na fabricação dos tecidos com que se vestem.Todas as mulheres sabem tecer e demonstram igualmentemaestria nos trabalhos de agulha.”

No serviço militar, destaca-se o índio por sua

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bravura e habilidade. O Quartel de Aguiar, instalado emprincípio do século XIX na região do Rio Doce,compunha-se unicamente de oito soldados, indioscivilizados, “preferíveis a qualquer outra espécie desoldados para o combate aos seus companheiros aindaselvagens”.

Relata-se um episódio ocorrido no Rio de Janeiro,quando o Quartel General, querendo aprisionar “negrosfugidos, que viviam clandestinamente nas capoeiras doCorcovado, de onde desciam à noite para roubar suaalimentação nas casas do Catete e do Botafogo”...mandou vir uma dúzia desses soldados índios para aexecução da tarefa. Os índios conseguiram êxito contraos negros, que já haviam estabelecido, ali, seusquilombos, vivendo com suas mulheres e filhos earmados de fuzis.

Após procederem ao reconhecimento do lugar,cercaram-no durante a noite, incendiando todas asárvores da vizinhança. Postando-se de tocaia, fora dalinha de bloqueio, matavam os fugitivos apavorados queprocuravam transpô-la.

Diferentemente dos soldados brancos, que, diasantes, haviam perdido vários de seus companheiros, eminúteis combates com esses negros, os guerreiros índioslograram vitória completa, sem perda de um só homem!

Concluindo esta breve apreciação sobre o índiobrasileiro, valemo-nos, uma vez mais, do testemunhodo célebre artista francês:

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“Acreditamos que, com a civilização, a raça indiamelhore sensivelmente, fundindo-se pouco a pouco coma raça brasileira de origem européia, e tanto mais nosconvencemos disso quanto existem, nas províncias deS. Pedro e de Minas Gerais, admiráveis famílias de raçamestiça, oriundas da união de homens brancos commulheres caboclas. Os traços nobres do paulista, a quese aliam a delicadeza dos olhos e as formas roliças dacabocla, são de uma beleza graciosa e picante,especialmente observável nas mulheres. Quanto aoshomens, tornam-se mais esbeltos, embora sempremusculosos, e conservam bem marcada a tendênciadominante das duas raças, que os leva a enfrentarcorajosamente as fadigas inerentes às grandes viagens eaos feitos militares.” (pág. 58).

Índios caçando uma onça - DEBRET

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O NEGRO

Analisada a atuação do índio no Brasil, passemosa outro não menos importante grupo étnico, cujo trabalhotanto contribuiu para a formação de nossa Nação: ONegro.

Quando Mão de Luva foi preso,com seuscompanheiros, em 13 de maio de 1786, também o foramos respectivos escravos, que, segundo a relação (Ver Cap.6) pertenciam às nações Banguela, Congo, Cabunda,Mina, Rebolo, Crioilo, Munjolo e Angola, denominaçõesincorporadas a seus nomes, como sobrenomes.

Rugendas, em sua admirável obra VIAGEMPITORESCA ATRAVÉS DO BRASIL, tece preciosocomentário sobre os negros escravizados no BrasilColônia:

“As raças a que pertence a maioria dos negrosimportados no Brasil, denominam-se Angola, Congo,Rebolo, Angico, Mina, da costa ocidental da África, eMoçambique, da costa oriental.”

“Distinguem-se eles, como se pode ver dascabeças de negros que damos aqui, tanto pelas tatuagensespeciais do rosto como pelas diferenças muitomarcadas da fisionomia.”

“Alguns há, mesmo que pouco revelam disso,que se considera geralmente como sinais característicosda raça africana.”

“Distinguem-se também pelas variedades de seus

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temperamentos e caracteres, variedades que, na opiniãopública, estabeleceram para tal ou qual raça a reputaçãode melhor ou pior. Assim é, por exemplo:

“Os Minas e os Angolas são consideradosexcelentes escravos: são dóceis, fáceis de instruir esuscetíveis de dedicação, quando mais ou menos bemtratados; são também os que, pela sua atividade, suaeconomia, conseguem adquirir sua alforria maiscomumente.”

“Por mais de um aspecto, os Congos seassemelham aos Angolas, são, entretanto, mais pesadose empregam-se de preferência no duro labor do campo.”

“Os Rebolos pouco diferem dessas duas raças, eas linguas das três apresentam muita analogia; entretantoos Rebolos são mais turrões e mais predispostos aodesespero e ao desânimo do que o das duas raças.”

“Os Angicos são mais altos e mais bem feitos;tem no rosto menor número de traços africanos; são maiscorajosos, mais astutos e apreciam mais a liberdade. Épreciso tratá-los particularmente bem, se não deseja vê-los fugir ou se revoltarem.”

“Os Mina distinguem-se por três incisões emsemicírculo que, do canto da boca, vão até a orelha.”

“Os Gabanis são mais selvagens e difíceis deinstruir que os precedentes; entre eles a mortalidade émais elevada, porque se acostumam mais dificilmenteao trabalho e à escravidão. São grandes, entretanto, ebem feitos; sua pele é de um negro luzidio e os traços de

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sua fisionomia tèm pouco caráter africano.”“Os Monjolos são os menos estimados; são em

geral pequenos, fracos, muito feios, preguiçosos edesanimados; sua cor tende para o marrom e são os quese pode comprar mais barato.” (RUGENDAS, VPAB,págs. 73/74).

Nunca seria fastidioso ressaltar o valor do trabalhonegro, impulsionando a economia nacional.

Um olhar de relance nas obras que retratam onosso passado, como as aqui referidas,de DEBRET eRUGENDAS, é suficiente para se constatar estaassertiva. Os exemplos são inúmeros. Vemos negroscomo carregadores de água, marinheiros, lavadeiras,empregados domésticos, preparando a raiz da mandioca,pescadores, vendedores, barbeiros, marceneiros,calceteiros, carregadores, canoeiros, moedores de cana,transportadores de carne, domesticadores de bois,vendedores de cestos e de aves, de palmito e desamburás, de milho e de carvão, de capim e de leite,serradores de tábuas, sapateiros, negociantes de tabacoe vendedores de pão de ló, transportadores de telhas,cirurgiões, trabalhadores em pedreira de granito, e muitasoutras atividades. ”Dentre todas as atividades, porém,três se destacam pela importância na economia nacional:as exercidas nos engenhos de cana, nas plantações decafé e nas lavras de ouro.

Vemos aí a extraordinária contribuição da raça,na arrancada inicial deste que é hoje um país que

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participa com sua parcela bastante significativa, dasrealizações globais da humanidade, e que, pelo seuterritório, pela sua gente e pela sua cultura, está fadadoa figurar entre as primeiras potências do planeta, numfuturo que se torna cada vez mais próximo!...

O TRABALHO ESCRAVO

Fundamental para todas as empresas era o trabalhoescravo, desde os primórdios do Brasil. No chamado ciclodo café, os poderosos Barões usaram ao máximo essa mãode obra. Alimentaram suas riquezas também negociandoseus prisioneiros. Grandes senzalas abrigavam emantinham na fazenda os negros escravos, e outrasconstruções, os hospitais dos escravos, ajudavam namanutenção da saúde dos cativos, cuja força de trabalhoera assim conservada. Na foto a antiga senzala da FazendaBoa Sorte, em Cantagalo RJ. (Foto CEPEC, 2014)

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Graças aos documentos da época, sabemos as origens dosnegros que trabalhavam com Mão de Luva e seuscompanheiros, na faina da mineração clandestina.Dentre as raças que trabalharam no Descoberto, havia,segundo Rugendas, os Rebolo, turrões e predispostos aodesespero e ao desânimo; e, além dos Cabinda e dosQuiloa, os Mina, que tinham por característica, trêsincisões em semicírculo que do centro da boca ia até àorelha. Todos atuaram na exploração das datas minerais.

Negros Cabinda, Quiloa, Rebolo, Mina

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“Os Angolas são considerados excelentes escravos - Sãodóceis, fáceis de instruir e suscetíveis de dedicação, quandomais ou menos bem tratados; conseguem adquirir sua alforriamais comumente. Por mais de um aspecto, os Congos seassemelham aos Angolas; são entretanto mais pesados eempregam-se de preferência no duro labor do campo. OsMonjolos são os menos estimados; são em geral pequenos,fracos, muito feios, preguiçosos e desanimados; sua cor tendepara o marrom e são os que se pode comprar mais barato.”(RUGENDAS, VPAB, págs. 73/74)

Benguela, Angola, Congo, Monjolo

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10- Manoel Henriques, Mão de Luva, desbravador pioneiro

MÃO de LUVA ensinava os jovens índios a rezar. Na gravuraacima, de Arthur Abreu, para o CEPEC, vemo-loacompanhado do Sargento-Mor São Martinho.

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Vigora, há muito tempo, uma séria indiferança sobrea verdadeira história de MANOEL HENRIQUES,

o MÃO DE LUVA.Desconsiderar assim um homem que, arrostando

grandes perigos, penetrou na selva, em busca de ouro,contrariando as autoridades portuguesas e brasileiras, econseguiu edificar e manter por muitos anos, suasrancharias, nas bacias dos rios Negro, Macuco e Grande.é um crime contra a história do Estado do Rio de Janeiroe do Brasil!

Vaidosos, pseudo-historiadores e literatos ávidosde sucesso e notoriedade, criaram versões fantasiosas,aproveitando-se da ignorância geral, inclusive de órgãosoficiais (!) para implantarem nos anais e nas mentes dopovo certas falsidades que muito tem prejudicado apesquisa séria, pois os espaços já teriam sidoindevidamente preenchidos!

No livro O TESOURO DE CANTAGALO, queestá na segunda edição on line = (www.nitcult.com.br/TreasureFINAL.pdf ) colocamos a verdadeira históriadesse famoso personagem, baseados em exaustivapesquisa documental feita em arquivos oficiais no Riode Janeiro e em Belo Horizonte, no ano de 1991 e depois.

Provamos, com embasamento científico, todas asnossas conclusões, restabelecendo a verdade históricasobre Cantagalo, sua origem e colonização. A versão“romântica” sobre Manoel Henriques, o Mão de Luva,

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foi rechaçada, por inverídica, assim como a falsa versãoque explicaria a origem da denominação “Cantagalo”para estas terras!MÃO DE LUVA não sofreu traição de um de seuscompanheiros, mas foi enganado por militares infiltradospor São Martinho...MÃO DE LUVA não foi amante de D. Maria I dePortugal, mas foi casado, na Igreja Católica e tevefilhos... E nunca esteve em Portugal!MÃO DE LUVA não era português, mas brasileiro,natural de Ouro Branco, MG...MÃO DE LUVA tinha três irmãos, que trabalharam comele no garimpo clandestino dos Sertões do Macacu. ...MÃO DE LUVA não foi um assaltante perigoso, comoalgumas autoridades da época quiseram impingir, masum desbravador pioneiro, que prezava a religião,chegando a se casar e ensinar jovens índios a rezar! Issoestá registrado no relatório do Sargento-Mor SãoMartinho, que o prendeu e assim reconheceu no dia 14de maio de 1786...

Baseados em tudo isso, propusemos à CâmaraMunicipal de Cantagalo, a criação do Dia doDesbravador de Cantagalo, que seria justamente quandoSão Martinho, tendo efetuado a prisão de Mão de Luva,reconheceu-o como um homem dedicado à religião...

Hoje expandimos a ideia, pois na verdade aatuação de Manoel Henriques estendeu-se por toda esta

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Região Serrana Fluminense, notadamente nosmunicípios de Cantagalo, Bom Jardim e Nova Friburgo,onde existem traços inequívocos de sua passagem... Mãode Luva realmente merece, pois abriu caminho para onosso futuro, para as fazendas de café, a agropecuária ea industrialização.

Estamos chamando a atenção dos habitantes destaregião para a conveniência de procurarmos sempre olharpara cada município com uma visão global, enfocandotoda a sua extensão.

Estudando a história do Estado do Rio, desde oséculo XVIII, vemos que esta região foi toda elatrabalhada pelo garimpeiro Manoel Henriques, vulgoMão de Luva.

Saindo de Ouro Branco, região de Ouro Preto,antiga Villa Rica, onde a repressão ao garimpoclandestino cada vez mais se intensificava, ManoelHenriques e seus companheiros rumaram para oDescoberto dos Sertões do Macacu, longe daperseguição das autoridades brasileiras, títeres da Cortede Lisboa.

Após mais de vinte anos trabalhando estas terras,notadamente nos atuais municípios de Cantagalo, BomJardim e Nova Friburgo, nos quais deixou marcasexpressivas de sua passagem, Mão de Luva, assimconhecido por sempre portar uma luva preta na mãodireita, possivelmente aleijada em combate, desbravouuma vasta extensão de terras, o que veio facilitar o

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posterior trabalho dos imigrantes portugueses, suíços ealemães que povoaram a região serrana e adjacências,construindo fazendas onde a plantação de café atingiugrandes proporções, fazendo a riqueza do estado do Riode Janeiro e do Brasil.

Mais tarde, foi a agropecuária e depois o comércioe a industrialização que completaram o ciclodesenvolvimentista local.

Temos observado um certo distanciamento entrelideranças municipais da região, com reflexos naspopulações, fruto do desconhecimento da origemcomum, e da manutenção de alguns preconceitosinsustentáveis!

Na origem desses municípios está,indubitavelmente, o grande e pioneiro desbravadorManoel Henriques, o Mão de Luva, que durante anosfoi tido como um facínora, de um lado, ou como umfidalgo desterrado, pseudo amante da raínha D. Maria I.

Isso, todavia, não é verdadeiro!Mão de Luva, mineiro de Ouro Branco, foi um

garimpeiro que não se submetia à tirania da CortePortuguesa, e, à semelhança de Tiradentes, foiperseguido. Tiradentes, no final, teve sua dignidaderesgatada, mas Manoel Henriques, apesar de nossosesforços com as revelações do livro O TESOURO DECANTAGALO, continua sendo considerado ummalfeitor! Nova Friburgo, o mais próspero municípioda região, pode e deve liderar uma campanha de resgate

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da dignidade do nosso desbravador, começando porconsiderar 14 de maio como o seu dia, pois foi nessadata, em 1786, que o sargento-mor São Martinho,reconheceu-o, em relatório oficial, como um cidadãoútil, religioso, que comprovadamente ensinava jovensíndios a rezar.

Todos os municípios da Região SerranaFluminense podem, igualmente, se considerar terra doMão de Luva, porém em especial Cantagalo, Bom Jardime Nova Friburgo, onde ele deixou marcas inequívocasde sua passagem, desbravadora e produtiva.

Odisseia, poema épico atribuído a Homero, édefinido no Dicionário Lello Universal, figurativamente,como “viagem cheia de aventuras extraordinárias. Sériede acontecimentos anormais e variados. Ex. a sua vidafoi uma odisseia.”

Assim descrevemos a Odisseia de ManoelHenriques, o Mão de Luva, uma vida cheia deperipécias, de aventuras, de perigos e ameaças do meioambiente e das autoridades, mas que ele viveugalhardamente, talvez alimentado pelas ideiasrevolucionárias do Cônego Luiz Vieira da Silva, que,em Ouro Branco, defendeu a causa da libertaçãonacional do jugo português.

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APÊNDICE

Centro de Estudos e PesquisasEuclides da Cunha - CEPECCRIADO na década de 50 pelo jornalista SebastiãoA.B. de Carvalho, então um jovem de 21 anos, oCENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EUCLIDESDA CUNHA, CEPEC, que foi oficializado em 1991,com sede em Cantagalo RJ, está atualmente emNova Friburgo, de onde irradia conhecimentos para

os municípios de Cantagalo,Nova Friburgo e BomJardim. Estão sendo edita-dos, on line, jornais dedi-cados a essas comunidadesda Região Serrana Flumi-n e n s e : C A N T A G A L L ON O V O , J O R N A L

CULTURAL DE NOVA FRIBURGO e A VERDADEjá estão disponíveis. na Internet.JUNTOS, na página principal do Domínio Internetdo CEPEC, os jornais da Região Serrana publicamartigos e reportagens de grande interesse eutilidade, de acordo com o objetivo do CEPEC, queé estudar e divulgar fatos de importância culturalreferentes às mencionadas comunidades.Acessar pela página:

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www.nitcult.com.br

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Biografia do Autor

Nascido em Ipanema, na cidade do Rio de Janeiro, em 13 dejaneiro de 1938, sua formação ocorreu quase toda em Cantagalo/Bom Jardim. Na terra de Euclides da Cunha, fez primeiro e

segundo graus. Filho do jornalista egráfico Antonio Ferreira deCarvalho, aos treze anos trabalhavaem oficina gráfica de jornal dointerior. Já aos 21 anos era o redator-chefe do jornal O NOVOCANTAGALO, e ainda professor deInglês no Ginásio local. Graduou-seem Ciências Sociais pela Faculdade

de Filosofia N.S. Medianeira, de Nova Friburgo (hoje, São Paulo)em 1965.Professor do Estado do Rio de Janeiro, cadeiras de Inglês e EstudosSociais, atuou em vários colégios: Liceu Nilo Peçanha, Colégioda Polícia Militar, Colégio Estadual Aurelino Leal, aposentando-se em 1986.Foi Professor de Inglês, Estudos Sociais e Orientação Educacionalno Colégio Salesiano Santa Rosa, onde permaneceu por 8 anos,tendo escrito um livro: “Estudos Sociais - Sociologia – Economia- Política”, editado pela Escola Industrial D. Bosco – Salesianosde Niterói RJ, 1971.Telegrafista dos Correios e Telégrafos, localizou-se em Cantagalo,e mais tarde em Nova Friburgo e em Niterói.Criou, em 1959, o Centro de Estudos e Pesquisas “Euclides daCunha”, um pequeno grupo de jovens interessados em estudar epesquisar tudo sobre Cantagalo. O CEPEC possibilitou oredescobrimento de uma gruta calcária belíssima, a Gruta da Pedra

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Sebastião Antonio Bastos de Carvalho

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Santa, em Euclidelândia. Muito mais tarde, em 1991, Sebastião,com Rosa Maria Werneck Rossi, veio a descobrir outra Gruta,que nomeou como “Gruta do Novo Tempo”, em Boa Sorte.Ingressou na “Cultura Inglesa”, em Icaraí, em 1965, começando pelo5o ano, mediante prova escrita e oral. Cursou a Faculdade deDireito da Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói RJem 1970 - (apenas o primeiro ano). Iniciado na FraternitasRosicruciana Antiqua (FRA) em 1977, frequentou a Aula LucisSaint Germain em Niterói, a Aula Lucis Central no Rio de Janeiroe a Igreja Gnóstica. Foi iniciado na Maçonaria (GOB) na décadade 80. Nos graus filosóficos, chegou ao 32o e , na Loja Simbólica,a Mestre Instalado. Recebeu as três iniciações em Reiki (Master,pelo Satya Reiki Communion). Também iniciação e treinamentoem Kung-Fu, pelo Mestre Lee Tat Yan. Por força de concursopúblico, foi admitido, em 1980, como sociólogo do INPS, depoisINSS, atuando em Niterói até sua aposentadoria, em 2006.Fundou, em 1982, o Sagrado Círculo de Thelema (SCT), sob olema: Liberdade Consciente, Amor Transcendente, BelezaDivinizada e Consciência Plena para todos os Seres! E criou aSociedade Budista-Hinduísta Renovadora – SOBUHIR, sob aégide espiritual do guru Bhagavan Sri Ramana Maharshi, em 2006.Viajou para os Estados Unidos da América do Norte em 1987/1988. Morou em New York e em Dallas. Frequentou curso deInglês no Richland College (Dallas), concluindo o último nível(5o) do ENGLISH AS A SECOND LANGUAGE (Inglês paraestrangeiros). Em 1996, editou uma nova versão doCANTAGALLO NOVO e fundou o jornal NITERÓICULTURAL, mas, após alguns meses, resolveu parar com aquele,e passar a trabalhar com o NITERÓI CULTURAL apenas naInternet. Em setembro de 2005, Sebastião Carvalho foi eleito eadmitido no CENÁCULO FLUMINENSE DE HISTÓRIA ELETRAS – CFHL, ocupando a cadeira cujo patrono é VALENTIM

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MAGALHÃES. A partir de 2012, fundou os jornais on lineCANTAGALLO NOVO, JORNAL CULTURAL DE NOVAFRIBURGO e A VERDADE, que está editando mensalmente.

OBRAS 1- ESTUDOS SOCIAIS - Sociologia – Economia -Política, editado pela Escola Industrial D. Bosco – Salesianos deNiterói RJ, 1971. 2- AMOR E REGENERAÇÃO – O sexodivinizado. Edição do Autor. 1983. 3- ANTONIO CARVALHO,o Jornalista de Cantagalo – Niterói, 1988. 4- O TESOURO DECANTAGALO – a Luta do desbravador Mão de Luva. Ediçãoda Prefeitura de Cantagalo – 1991. 5- ORÁCULO DE THELEMA– livro e cartas que sintetizam o conhecimento esotérico e místico.Edição do autor. Niterói - 2005. 6- ALÉM DO ABISMO - OsGraus do SCT - 2006. 7- AMARGURA E GÊNIO na Vida deEuclides da Cunha – 2012. 8- DESVELANDO OS MISTÉRIOS- Edição do SCT - Niterói, 2004. 9- A NOVA DOUTRINA DERAMANA MAHARSHI –SOBUHIR Niterói. 10- EUSUPERIOR, CONSCIÊNCIA ABSOLUTA - 2006. 11-ONIPRESENÇA DIVINA - 2011. 12- A SUPREMA ESSÊNCIA- Genelohim e Yesodth - 2011. 13- O LIVRO DAS CHAMASDE SAINT GERMAIN - 2011. 14- OS INVÓLUCROS DO SER- Ramana Maharshi - Mahabhutani e Indrananda - 2011. 15 - OSLIVROS SAGRADOS DO SAGRADO CÍRCULO DETHELEMA - 2011. 16 – METASOCIOLOGIA ESOTÉRICA –on line – 2014.

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Bibliografia

1- AZEVEDO, Fernando de - “Recenseamento Geral do Brasil”,IBGE, Rio, 1943.2- CASTRO, Celso Falabella de F. - “As Áreas Proibidas dosSertões de Leste”, conferência proferida em 27.08.80 no IHGMG,Belo Horizonte MG

3- CARVALHO, Sebastião A.B. de “A Fazenda CafeeiraCantagalense”- obra inédita, sendo editada no jornal CantagalloNovo.

4- CARVALHO, Sebastião A.B. de “O Tesouro de Cantagalo”-segunda edição (on line) www.nitcult.com.br/TreasureFINAL.pdf5- CUNHA, Euclides da - “Os Sertões”, ed. Liv. Francisco Alves,Rio, 1933.6- DEBRET, Jean Baptiste - “Viagem Pitoresca e Histórica aoBrasil” - (VPHB)- tomos I e II - Liv. Martins Editora - São Paulo,s/data.7- DIAS, Acácio Ferreira - “Terra de Cantagalo” - Ed. ImprensaOficial, Niterói RJ, 1942.8- ENCICLOPÉDIA Delta-Larousse - vol. 13, Rio, 1970.9- FERNANDES, Florestan - “Comunidade e Sociedade noBrasil”- Cia. Ed. Nacional - São Paulo SP - 1972.10- LAMEGO, A.R. -”O Homem e a Serra” Ed. do IBGE - Rio,1950.11- OLIVEIRA, Rodrigo Leonardo de Souza - “Mão de Luva eMontanha, bandoleiros e salteadores nos caminhos de MinasGerais, no século XVIII” – Dissertação de Pós Graduação emHistória - UFJF, Juiz de Fora MG, 2008.

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12- OMEGNA, Nelson - “A Fisionomia da Cidade Colonial” - inFERNANDES, Florestan - 1972, págs. 86/95.13- PRADO JUNIOR, Caio - “Formação do BrasilContemporâneo”- 2 Ed - Editora Brasiliense, São Paulo, 1945.14- RUGENDAS, João Maurício - “Viagem Pitoresca através doBrasil” - (VPAB), Martins Ed., S.Paulo, s/ data.15- SEGUIER, Jayme - “Dicionário Prático Ilustrado- Ed. Lello& Irmão - Porto, Portugal, 1947.16- SIMONSEN, Roberto C. - “História Econômica do Brasil” -(I e II) Cia. Edit. Nacional, Rio e São Paulo, 1944.17- TOMÁS, Amélia - “Mão de Luva, o Fundador de Cantagalo”- Edição da autora - Cantagalo, 1990.18- WEBER, Max - “Economia y Sociedad”, tomo I, Fondo deCultura - Mexico.

DOCUMENTOS DO ARQUIVO DO CENTRO DE ESTUDOSE PESQUISAS EUCLIDES DA CUNHA – CEPEC(Cópias de documentos históricos originais, obtidas nos arquivosda Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro, no Arquivo Nacional eem Belo Horizonte MG).DOC 01 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza, em 19 de maio de 1784.DOC 02 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Pedro AffonsoGalvão de São Martinho, em 19 de maio de 1784.DOC 03 - Carta de Luiz da Cunha Menezes ao Comandante deChopotó, em 4 de junho de 1794.DOC 03A - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Pedro AffonsoGalvão de São Martinho, em 4 de junho de 1784.

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DOC 04 - Carta de Luiz da Cunha Menezes ao Cel.Manoel R. daCosta, em 8 de junho de 1784.DOC 05 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Pedro AffonsoGalvão de São Martinho, em 26 de junho de 1784.DOC 06 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Pedro AffonsoGalvão de São Martinho, em 14 de julho de 1784.DOC 07 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Luiz da CunhaMenezes em 24 de dezembro de 1785.DOC 08 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 03 de janeiro de 1786.DOC 09 - Carta de Engano de Pedro Affonso Galvão e SãoMartinho ao Comandante da Guarda de Porto do Cunha.DOC 10 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Luiz da CunhaMenezes em 17 de janeiro de 1786.DOC 11 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Mello e Castro,em 21 de janeiro de 1786.DOC 12 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 15 de fevereiro de 1786.DOC 13 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 01 de março de 1786.DOC 14 - Relatório do soldado José de Deos a Pedro AffonsoGalvão de São Martinho,em 31 de março de 1786.DOC 15 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 12 de abril de 1786.DOC 16 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 18 de abril de 1786.DOC 17 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Luiz da CunhaMenezes em 24 de abril de 1786.

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DOC 18 - Relatório de São Martinho a Luiz da Cunha Menezes,em17 de maio de 1786.DOC 19 - Relação de presos, de Pedro Affonso Galvão de SãoMartinho, em 19 de junho de 1786.DOC 20 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 20 de junho de 1786.DOC 21 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza ao IntendenteGeral do Ouro, em 07 de julho de 1786.DOC 22 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Mello e Castro,em 13 de julho de 1786.DOC 23 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Mello e Castro,em 14 de julho de 1786.DOC 24 - Carta do Intendente Geral do Ouro a Luiz deVasconcellos e Souza, em 3 de agosto de 1786.DOC 25 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Luiz da CunhaMenezes em 14 de agosto de 1786.DOC 26 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 27 de agosto de 1786.DOC 27 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Luiz da CunhaMenezes em 09 de setembro de 1786.DOC 28 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a FranciscoGregório, em 20 de setembro de 1786.DOC 29 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 16 de novembro de 1786.DOC 30 - Carta de Luiz da Cunha Menezes a Luiz de Vasconcellose Souza em 25 de novembro de 1786.DOC 31 - Edital de Luiz da Cunha Menezes, em 01 de dezembrode 1786.

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DOC 32 - Certidão do Intendente Geral do Ouro, em 4 e 5 dedezembro de 1786.DOC 33 - Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza a Luiz da CunhaMenezes em 29 de dezembro de 1786.DOC 34 - Carta de Manoel S. Coimbra a Luiz de Vasconcellos eSouza, em 10 de janeiro de 1787.DOC 35 - Relatório de Luiz de Vasconcellos e Souza a Mello eCastro, em 26 de janeiro de 1787.DOC 36 - Relatório do Vice-Rei do Brasil.

Cópias de documentos históricosA pesquisa que efetuamos, há décadas, na

Biblioteca Nacional e nos Arquivos Públicos do Rio deJaneiro e de Belo Horizonte trouxe à luz documentos devalor inestimável, pelo que desvelam da história doBrasil Colônia em relação ao Descoberto do Macacu, aatual região Serrana Fluminense.

Examinando-os, vemos como era o cotidiano daregião, naquela época remota, observamos como asautoridades se comportavam diante de sérios problemaseconômicos, políticos e sociais, enfim deparamo-noscom retratos autênticos, que nos conferem autoridadepara afirmar certas conclusões a que chegamos, algumasrevolucionárias, pelo que contrariam versões impingidasao povo por pessoas que desdenharam da verdadehistórica e da responsabilidade intelectual.

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CARTA 1

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Do Governador de Minas ao Vice-Rei do BrasilIlmo e Exmo. Snr. Pelas averiguações mais exatas que

tenho mandado fazer afim de conhecer o estado de força em quese acha a gente que está nas terras ao de la do Paraíba, distrito deMacacu, extraindo e extraviando as suas riquezasclandestinamente, independente da resposta que todos os diasestou esperando de V. Excia. à minha carta datada de 15 do mêsde fevereiro do presente ano, sobre o mesmo importante objeto,para se poder efetuar a diligência de se destruir e evitar semelhanteextravio. conforme Sua Majestade o tem ordenado. Acabo deconhecer que das ditas terras saíram para essa Capital os Cabeçasdos ditos extraviadores, que são Joaquim Lopes, Dionizio Lopes,irmãos de José Lopes, que já se acha preso nessa Capital, levandoconsigo também um cabra que eles trazem furtado, que é cativoda viúva do Montijo, moradora no Registro Velho, e com odesignio de saberem ao mesmo tempo em Macacu, dosfornecimentos que lá se acham, prontos por ordem de V.Excia.,pela notícia que já lá tem, de serem para as Tropas com queV.Excia. os quer mandar prender, José dos Santos Silva, moradorno Porto da Estrela, com designio de ir valer-se de V.Excia. paralhe perdoar o crime, que cometeu, de ter vindo extrair ouro nasditas terras, com oito escravos. E o célebre Manoel Henriques,denominado Mão de Luva, o qual é bem conhecido, por seraleijado da mão direita, e trazer sempre na mesma uma luvacalçada. O que participo a V.Excia. para que V.Excia. queira, logoque receber esta, mandá-los prender, pelo quanto das sobreditasprisões depende a felicidade de ser feita a diligência de se destruiro sobredito extravio por uma vez, conforme Sua Majestade éservida. Deus guarde V.Excia. = Villa Rica. 12 de abril de 1786 // Snr. Luiz de Vasconcellos e Souza // Luiz da Cunha Menezes. /Está conforme. Thomas Pinto da Silva./

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CARTA 2

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No relatório do Sargento Mor, PedroAffonso Galvão de São Martinho, há umareferência importante quanto à religiosidadede Manoel Henriques: “No dia 14, depois de feita a diligência dasprisões, veio o Capitão dos Índios, chamadoJoaquim, a falar-me e pedir-me lhe nãofizesse mal, nem ao seu Manoel, que erabom, e que ensinava a sua gente a rezar, oque assim é, porque alguns rapazes oconfirmaram, rezando algumas orações. Eulhe prometi não fazer mal ao seu Manoel...”(DOC. 18).

CARTA 2

A transcrição destes documentos oferece ao leitoruma visão real de como se desenrolava a relação entre aCorte Portuguesa, as autoridades brasileiras, osgarimpeiros e os grupos étnicos -- índios e negros --que trabalhavam no Descoberto do Macacu, ao apagardas luzes do Século XVIII.

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Parte do Relatório do Sargento-Mor Pedro Affonso Galvãode São Martinho sobre a missão no Descoberto do Macacu