A Teoria Do Signo LinguIstico

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  • Compreender SAUSSURE

    CASTELAR DE CARVALHO 4a EDIO

    REVISTA E AUMENTADA

    Editora Rio ESTiOODESA

  • A Teoria do Signo Lingstico

    Signo -significado significante

    Introduo: Tipos de sinais

    Saussure considera a lngua como um sistema de signos formados pela "unio do sentido e da imagem acstica". Tentemos agora aprofun-dar essa noo formulada pelo mestre genebrino.

    Comecemos antes esclarecendo sinteticamente alguns pontos bsi-cos, vestibulares teoria do signo. A Semiologia (ou Semitica)3 dis-tingue dois tipos de sinais: os naturais e os convencionais. O sinal na-tural manifesta-se em forma de indcio (fsico), como a fumaa, a tro-voada, nuvens negras, rastros, o som, o cheiro, a luz, etc., ou em for-ma de sintoma (fisiolgico): a pulsao, a contrao, a dor, a febre, a fome, o suor, o espasmo, etc. O sinal convencional envolve maior complexidade e pressupe a existncia de uma cultura (antropologica-

    3. A Semiologia (ou Semitica) difere da Lingstica por sua maior abrangn-cia: enquanto a Lingstica o estudo cientfico da linguagem humana, a Semiologia preocupa-se no apenas com a linguagem humana e verbal, mas tambe'm com a linguagem dos animais e de todo e qualquer sitema de co-municao, seja ele natural ou convencional. Desse modo, a Lingstica in-sere-se como uma parte da Semiologia. Semiologia e Semitica so termos permutveis. A primeira surgiu na Europa, com Saussure, e a segunda, nos Estados Unidos, com o filsofo Charles Sanders Peirce.

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  • mente falando) j estabelecida, da qual ele resultado e expresso, produto e instrumento a um s tempo. Pode apresentar-se em forma de cone, smbolo ou signo. O cone (do grego eikn = imagem) imagstico, por exemplo, uma foto, uma estatueta, um desenho de al-gum ou de algum lugar, e caracteriza-se tambm por ser no-arbitrrio (v. conceito de arbitrrio pg. 36); o signo, totalmente arbitrrio, a prpria palavra,4 enquanto que o smbolo, semi-arbitrrio, um tipo intermedirio entre o cone e o signo; por exemplo, a balana o smbolo da Justia, a espada, smbolo do Exrcito, a cruz simboliza o Cristianismo (uma vez que seu fundador nela morreu), etc.

    Por que Signo e no Smbolo

    Voltando ao CLG, convm lembrar, antes de mais nada, por que Saussure preferiu adotar o termo signe (signo):

    "Utilizou-se a palavra smbolo para designar o signo lings-tico ou, mais exatamente, o que chamamos de significante. H inconvenientes em admiti-lo, justamente por causa do nosso pri-meiro principio (o da arbitrariedade do signo). O smbolo tem como caracterstica no ser jamais completamente arbitrrio; ele no est vazio, existe um rudimento de vnculo natural entre o significante e o significado. 0 smbolo da justia, a balana, no poderia ser substitudo por um objeto qualquer, um carro, por exemplo." (CLG, 82).

    A Natureza do Signo

    Retomando a definio inicial de signo como "unio do sentido e da imagem acstica", verificamos que o que Saussure chama de "sentido" a mesma coisa que conceito ou idia, isto , a representa-

    4. Alm da concepo saussuriana (signo = palavra) com que d empregado neste trabalho, o termo signo comporta um sentido mais amplo. Neste ca-so, os signos seriam no s as palavras, mas tambm os gestos, as imagens, os sons no estritamente lingsticos, como o apito de um trem, o repicar de um sino, as batidas do telgrafo, o tiiintar de uma campainha. Compre-ende-se assim a definio de Peirce: "O signo, ou seu representamem, al-go que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa pa-ra algum" (Peirce, Semitica e Filosofia, 94).

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  • I

    o mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representao essa condicionada, plasmada pela formao scio-cultural que- nos cerca desde o bero. Em outras palavras, para Saussure, con-ceito sinnimo de significado, algo como a parte espiritual da pala-vra, sua contraparte inteligvel em oposio ao significante, que sua parte sensvel.

    Por outro lado, a imagem acstica "no o som material, coisa puramente fsica, mas a impresso psquica desse som". (CLG, 80). Melhor dizendo, a imagem acstica o significante. Com isso, temos que o signo lingstico "uma entidade psquica de duas faces" (CLG, 80), semelhante a uma moeda e que Saussure representou pela seguin-te figura:

    Os dois elementos significante e significado que constituem o signo "esto intimamente unidos e um reclama o outro". (CLG, 80). So interdependentes e inseparveis. Exemplificando, diramos que quando um falante de portugus recebe a impresso psquica que lhe transmitida pela imagem acstica ou significante /kaza/, graas qual se manifesta fonicamente o signo casa, essa imagem acstica, de ime-diato, evoca-lhe psiquicamente a idia de abrigo, de lugar para viver, es-tudar, fazer suas refeies, descansar, etc. Figurativamente diramos que o falante associa o significante Ikazal ao significado domus (to-mando-se o termo latino como ponto de referncia para o conceito).

    Fazendo uso da figura de Saussure, teramos neste caso:

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  • Podemos designar, portanto, o significante como a parte percep-tvel do signo e o significado como sua contraparte inteligvel.45 im-portante advertir a esta altura que o signo une sempre um significante a um conceito, a uma idia, a uma evocao psquica, e no a uma coisa, pois "o significado no uma coisa, mas uma representao ps-quica da coisa'"6 (v. pp. 32-33). 0 prprio Saussure teve o cuidado de chamar a ateno para o perigo de se supor que o signo une um obje-to a um nome, a um rtulo. 0 lingista deve ter sempre em mente que

    "os termos implicados no signo lingstico so ambos ps-quicos e esto unidos, em nosso crebro, por um vnculo de as-sociao". (CLG, 80).

    Desse modo, o signo lingstico resulta ser o produto concreto da unio significante + significado e, nesse sentido, mile Benveniste sintetiza com feliz propriedade o pensamento de Saussure:

    "El significante y el significado, la representacin mental y la imagen acstica son, por lo tanto, Ias dos caras de una misma nocin y se integran a titulo de incorporante e incorporado. El significante es la traduccin fnica de un concepto; el significa-do, el correlato mental dei significante. Esta consustancialidad dei significante y el significado asegura la unidad estructural dei signo lingstico."'1

    Ao incluir o significado na formulao do signo lingstico, Saus-sure demonstrou ter conscincia plena de que no podem existir con-ceitos ou representaes sem a respectiva denominao correspondente e, com isso, lanou as bases da Semntica moderna.

    5. Confronte-se, a propsito, com o ponto de vista dos Esticos (os que mais aprofundaram os estudos lingsticos na Grcia Antiga), segundo os quais o smeion (signo) era constitudo pela relao existente entre o s-mainon (significante) e o smainomenon (significado). A posio de Saus-sure uma salutar retomada de uma concepo e de uma terminologia que j eram boas no sculo II a.C., o que vem corroborar o que afirma-mos no incio deste trabalho: as razes do pensamento lingstico oci-dental mergulham profundamente na Grcia Antiga.

    6. BARTHES, R. Elementos de Semiologia, 46. 7. BENVENISTE, E. Ferdinand de Saussure, 142.

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  • Uma Critica Teoria do Signo

    Do mesmo modo que outras postulaes saussurianas, tambm esta tem sido alvo da crtica de alguns lingistas contemporneos.

    A mais importante delas refere-se ao fato de Saussure, em virtu-de de encarar o signo como uma entidade bifacial, no ter includo um terceiro termo a coisa significada na sua teoria. No caso, seu esquema seria "corrigido" ou "completado", segundo seus contradito-res, se se adotasse em substituio o famoso tringulo de Ogden e Richards, que vem o signo constitudo por uma relao tridica, da seguinte maneira:

    Como podemos verificar, o tringulo inclui o referente ou coisa significada, embora ressalvando (por meio da linha pontilhada da base) que no existe nenhum vnculo direto entre a coisa e o smbolo, o que o leva, por outro caminho, relao bipolar e de natureza psqui-ca formulada por Saussure.

    Numa adaptao ao esquema saussuriano, teramos o, seguinte:

    pensamento ou referncia

    smbolo referente ou coisa

    sdo domus

    ste coisa /kaza/

    OU

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  • De qualquer forma, a crtica pertinente, pois o tringulo de Ogden e Richards reintroduz a coisa significada, a qual, quer seja con-siderada extralingisticamente ou no, no pode ser "ignorada" pela Semntica.

    ftincpios do signo arbitrariedade

    linearidade

    A Arbitrariedade do Signo Lingstico

    Como a soma do significante mais significado resulta num total denominado signo, temos que "o signo lingstico arbitrrio" (CLG, 81). Mas o que quer dizer Saussure com arbitrrio?

    Para ele, arbitrrio

    "no deve dar a idia de que o significado dependa da livre es-colha do que fala, (porque) no est ao alcance do indivduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo lingstico; queremos dizer que o significante imo-tivado, isto , arbitrrio em relao ao significado, com o qual no tem nenhum lao natyral na realidade". (CLG, 83, grifo nosso).

    Desse modo, compreendemos por que Saussure afirma que a idia (ou conceito ou significado) de mar no tem nenhuma relao necessria e "interior" com a seqncia de sons, ou imagem acstica ou significante /mar/. Em outras palavras, o significado mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante. E Saus-sure argumenta para provar seu ponto de vista, com as diferenas en-tre as lnguas. Tanto assim que a idia de mar representada em in-gls pelo significante /si:/ e em francs, por /mr/. Nesse sentido, alega o autor do CLG que

    "o significado da palavra francesa "boeuf" (boi) tem por signifi-cante b--f de um lado da fronteira franco-germnica e o-k-s (ochs) do outro". (CLG, 82).

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  • O que pretendia Saussure que, digamos assim, no existe o "significante verdadeiro". Qualquer, um vlido. No entanto, apesar de se tratar do bvio (que a relao entre os dois constituintes do signo seja arbitrria), esta tem sido a mais discutida e criticada postulao saussuriana, reacendendo a famosa e milenar polmica existente entre os antigos filsofos gregos, os quais se preocupavam em saber se o la-o entre significante e significado era natural ou produto da conveno humana: a clebre discusso em tomo da THSEI (relao convencio-nal) e PHYSEI (relao natural).

    Criticas ao Princpio da Arbitrariedade

    Alguns dos crticos de Saussure objetaram, entre outras coisas, que o signo, na sua totalidade, no to arbitrrio como pretendia o mestre, porque uma das suas duas faces (o significante) no poderia combinar-se arbitrariamente com a sua segunda face (o significado) correspondente em outra lngua. Por exemplo, o ingls/'ti:tfo/ (teacher) no poderia jamais tomar-se o significante do significado portugus "professor" (se que possvel representar-se visualmente um signifi-cado), porque j'ti:t f d j parte inseparvel e necessria (assim pensam esses crticos) de um signo cujo significado no , em todos os senti-dos e nuances, igual idia que ns, falantes de portugus, fazemos de "professor".8

    Um outro crtico, mile Benveniste, chega, inclusive, a "corrigir" o mestre ao pretender que

    "el nexo que une a ambos (ste e sdo) no es arbitrrio; es nece-sario. El concepto ("significado") "buey" es por fuerza idntico en mi conciencia al conjunto fnico ("significante") bwL Cmo iba a ser de otra manera? Uno y otro, juntos, se han impreso em mi mente, y juntos se evocam en toda circunstancia

    8. Em nossa lngua, tanto o indivduo que ensina a fazer bolos (sem desfazer nos mestres-cucas) como o que leciona em um colgio ou em uma Univer-sidade do mais elevado gabarito conhecido como professor; em ingls, teacher reservado apenas para o professor de 1? e 2? graus, enquanto que professor distingue o professor universitrio.

    9. BENEVISTE, E. Ferdinand de Saussure, 141.

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  • Ora, somos levados a crer que os crticos do mestre de Genebra demonstram no terem apreendido o pensamento saussuriano em toda a sua profundidade e coerncia. Saussure postulava, isto sim, que o signo como um todo s tem valor colocado dentro de um determina-do sistema lingstico, do qual parte integrante. E como que preven-do a posteridade crtica, adverte:

    ". .. uma grande iluso considerar um termo simplesmente co-mo a unio de certo som com um certo conceito. Defini-lo (o valor lingstico do signo) assim seria isol-lo do sistema do qual faz parte". (CLG, 132).

    E, comprovando sua argumentao, exemplifica:

    "O portugus "carneiro" (na adaptao da traduo brasi-leira) ou o francs "mouton" podem ter a mesma significao que o ingls "sheep", mas no o mesmo valor, isso por vrias razes, em particular, porque, ao falar de uma poro de carne preparada e servida mesa, o ingls diz "mutton"e no "sheep". A diferena de valor entre "sheep" e "moutton" ou "carneiro" se deve a que o primeiro tem a seu lado um segundo termo, o que no ocorre com a palavra portuguesa ou francesa". (CLG, 134) (cf. com nosso ex. ingl. teacher/professor e port. professor)

    Alm do que foi exposto acima, muito importante lembrar que, para Saussure, a arbitrariedade do signo, e nisso insistimos, repou-sa no fato de que o falante no pode mudar aquilo que o seu grupo lingstico j consagrou. No poderamos jamais chamar mesa de livro e vice-versa ("Ele sentou-se ao livro para jantar", "ele est lendo uma mesa") sem correr o risco de passarmos por insano. Nesse particular, alis, a coerncia da argumentao saussuriana torna-se mesmo incomum:

    "Uma lngua constitui um sistema. Se (. ..) esse o lado pelo qual a lngua no completamente arbitrria e onde impera uma razo relativa, tambm o ponto onde avulta a incompetncia da massa para transform-la. (...) Dizemos "homem" e "cachorro", porque antes de ns se disse "homem" e "cachorro". (CLG, 87/8)

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  • E concluindo:

    "Justamente porque o signo arbitrrio, no conhece outra lei seno a da tradio, e por basear-se na tradio que pode ser arbitrrio." (C LG,88).

    Na verdade, h dois sentidos para arbitrrio:

    a) o significante em relao ao significado: livro, book, livre, Buch, biblion, etc. (significantes diferentes para um mesmo significado)

    b) o significado como parcela semntica (em oposio totalida-de de um campo semntico):

    ingl. teacher/professor port. professor ingl. sheep/mutton port. carneiro

    Conclui-se da, como to bem assinala o Prof. Slvio Elia, que

    "A argumentao saussuriana de fato no foi bem entendi-da por vrios de seus crticos. No sentido A, por exemplo, arbi-trrio significa simplesmente no-motivado. E aqui Saussure tem plena razo. No sentido B (que no est explcito no CLG), o genebrino tambm quem est com a razo. O exemplo teacher/ professor mostra simplesmente que o corte semntico arbitr-rio, ao contrrio do que pensam acontecer os seus contradito-res." (Comentrio em monografia do a.).

    A Questo das Onomatopias e Interjeies

    "O contraditor poderia se apoiar nas onomatopias para dizer que a escolha do significante nem sempre arbitrria. "(CLG, 83).

    Esta outra objeo freqente da crtica ao princpio da arbitra-riedade do signo lingstico, mas o prprio Saussure j a anulara por antecipao.

    0 problema que os "contraditores" consideram as onomato-pias palavras motivadas (ao contrrio dos outros signos, que so imo-

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  • tivados por no guardarem nenhuma relao natural e lgica entre sig-nificante e significado), porque elas sugerem, pela forma fnica, uma realidade. Por exemplo, dizemos que o gato mia, mas no podemos di-zer que o gato muge: a "voz" do gato no faz lembrar em nada a do boi; muge no poderia ser aplicado para descrever o som emitido pelo gato ao passo que mia se aproxima de algum modo do "miau" de um bichano. Porm, alerta Saussure, tais casos no chegam a constituir "elementos orgnicos de um sistema lingstico" (CLG, 83), pois ocor-rem em nmero mais reduzido do que se supe e s em rarssimos ca-sos se encontra uma ligao ntima entre significante e significado. Do mesmo modo,

    "as onomatopias autnticas (aquelas do tipo "gluglu", "tic-tac", etc.) no apenas so pouco numerosas, mas sua escolha j, em certa medida, arbitrria, pois no passam de imitao aproxima-tiva e j meio convencional de certos rudos (compare-se o fran-cs "ouaoua" e o alemo "wauwau"). Alm disso, uma vez in-troduzidas na lngua, elas se engrenam mais ou menos na evolu-o fontica, morfolgica, etc., que sofrem as outras palavras (cf. "pigeon", do latim vulgar "pipio ", derivado tambm de outra onomatopia): prova evidente de que perderam algo de seu car-ter primeiro para adquirir o do signo lingstico em geral, que imotivado". (CLG, 83).

    De fato, o prottipo natural que motivou o surgimento desta ou daquela onomatopia parece sugerir a existncia de um motivo, de um rudimento de vnculo natural entre esta e seu modelo original, dando a impresso, de que o significante motivado em relao ao significa-do (isto , no-arbitrrio). Mas tal impresso ilusria. Rudos e sons naturais, ao entrarem para um sistema lingstico atravs da reprodu-o aproximada sugerida pelas onomatopias, amoldam-se ao material fnico da lngua e transformam-se numa imitao convencional, por is-so variam de lngua para lngua. O grasnar de um pato, por exemplo, dificilmente ser reproduzido da mesma maneira em duas lnguas dife-rentes: em portugus, qu-qu!; em francs, couin-couin; em dinamar-qus, rap-rap; em alemo, gack-gack; em rumeno, mac-mac; em italia-no, qua-qua; em russo, kriak; em ingls, quack; em catalo, mechmech (v. Serafim S. Neto, Fontes do Latim Vulgar, 82).

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  • Este tambm o pensamento do Prof. Mattoso Cmara Jr., que endossa o que j vimos em Saussure. Para ele, as onomatopias so constitudas

    "com os fonemas da lngua, que pelo efeito acstico do melhor reimpresso desse rudo. No se trata, portanto, de imitao fiel e direta do rudo, mas da sua interpretao aproximada com os meios que a lngua fornece".10

    Quanto s interjeies, como tal, j fazem parte do sistema lin-gstico, j esto estruturadas convencionalmente dentro de cada ln-gua, variando enormemente de uma para outra: ai! em portugus; aie! em francs; au! em alemo; ouch! em ingls, etc. Como diz Saussure,

    "para a maior parte delas, pode-se negar que haja um vnculo necessrio entre o significado e o significante." (CLG, 83).

    Conclumos, portanto, que a questo levantada em tomo das onomatopias e interjeies no abala de modo algum o princpio da arbitrariedade do signo lingstico,11 uma vez que estas

    "so de importncia secundria, a sua origem simblica em parte contestvel." (CLG, 84).

    10. CMARA JR., J. M. Dicionrio de Lingstica e Gramtica, 182.

    11. Parece-nos que a nica possvel exceo ao princpio geral da arbitrariedade dar-se-ia quando o signo lingstico usado literariamente com inteno est-tica. A nosso ver, neste caso, o signo literrio, enquanto tal, no deve ser considerado como imotivado, ao contrrio, ele totalmente motivado. Fa-zer literatura implica numa seleo esttico-vocabuJar, havendo, portanto, motivo da parte do escritor para preferir tais e tais signos e rejeitar ou-tros. Se alguma arbitrariedade existe, no caso, ela reside na prpria esco-lha do escritor, mas no a esse tipo de arbitrariedade que nos referimos, e sim do significante em relao ao significado. Os signos que forem de fato empregados com inteno esttica (e unicamente 'estes) ao longo de uma obra de arte, seja prosa ou poesia, tero um motivo para estarem ali impressos, isto , eles so motivados. Mas, alertamos: referimo-nos ao sig-no literrio, o que no contradiz de forma alguma nossa posio com rela-o arbitrariedade do signo lingstico em geral.

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  • Arbitrrio Absoluto /Arbitrrio Relativo

    Apesar de ter postulado que o signo lingstico , em sua origem, arbitrrio, Saussure no deixa de reconhecer a possibilidade de existncia de certos graus de motivao entre significante e significado:

    "O principio fundamental da arbitrariedade do signo no im-pede distinguir, em cada lngua, o que radicalmente arbitrrio, vale dizer, imotivado, daquilo que s o relativamente. Apenas uma par-te dos signos absolutamente arbitrria; em outras, intervm um fenmeno que permite reconhecer graus no arbitrrio sem suprimi-lo: o signo pode ser relativamente motivado." (CLG, 152. Grifo no original.)

    Em coerncia com seu ponto de vista dicotmico, Saussure prope a existncia de um "arbitrrio absoluto " e de um "arbitrrio relativo ". Co-mo exemplo de arbitrrio absoluto, o mestre de Genebra cita os nmeros dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a relao entre o signi-ficante e o significado seria totalmente arbitrria, isto , essa relao no necessria, imotivada. J na combinao de dez com nove para formar uma terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta relativamente atenuada, dando lugar quilo que ele classificou como arbitrariedade relativa, pois do conhecimento da significao das partes pode-se chegar significao do todo.

    O mesmo acontece no par pera/pereira, em que pera, enquanto palavra primitiva, serviria como exemplo de arbitrrio absoluto (signo imo-tivado). Por sua vez, pereira, forma derivada de pera, seria um caso de arbitrrio relativo (signo motivado), devido relao sintagmtica pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixai) e relao paradigmtica esta-belecida partir da associao de pereira a laranjeira, bananeira, etc. dado que conhecida a significao dos elementos formadores.

    Mais adiante, Saussure esclarece que

    ". .. as lnguas em que a imotivao atinge o mximo so mais lexicolgicas, e aquelas em que se reduz ao mnimo, mais gramati-cais." (CLG, 154. Grifos no original.)

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  • Lnguas lexicolgicas, formadas por uma maioria de signos imoti-vados, seriam o ingls e o chins, segundo Saussure. Por outro lado, como exemplos de lnguas gramaticais, cita o mestre o caso do latim, do sns-crito e do alemo, idiomas em que predominam os signos mais ou menos motivados, isto , palavras formadas pelo relacionamento morfossinttico entre os seus constituintes imediatos.

    Motivao e Arbitrariedade

    Partindo da dicotomia arbitrrio absoluto/arbitrrio relativo, a Lin-gstica ps-saussuriana deu conseqncia ao pensamento infelizmente inacabado do mestre de Genebra. Pierre Guiraud, por exemplo, prope a existncia de dois tipos de motivao: a interna e a externa.

    A motivao interna ocorre dentro do prprio sistema lingstico, a partir das possibilidades de relacionamento existentes entre palavras ou entre unidades da langue. Trata-se, portanto, das relaes internas (sintag-mticas e paradigmticas) do sistema, responsveis pelo funcionamento desse mesmo sistema.

    Diz Guiraud:

    "A motivao interna quando tem a sua fonte no interior do sistema lingstico. A relao motivante no est mais aqui entre a coisa significada e a forma significante, mas entre a palavra e outras palavras que j existem na lngua. "12

    12. GUIRAUD, P. A Semntica, 31.

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  • A motivao interna (ou intralingstica) de natureza morfol-gica e compreende a derivao e a composio. Corresponde arbitra-riedade relativa de Saussure.

    A derivao, como instrumento de criao de palavras motivadas, pode ser:

    a) prefixai - in + feliz b) sufixai - per + eira c) prefixai e sufixai - > + feliz + mente d) parassinttica - en + tard + ec + e + r e) regressiva ou deverbal atraso < atrasar A composio pode ocorrer por: a) justaposio - televiso, edifcio-garagem, minissaia b) aglutinao - planalto ( plano + alto), poupana + capitaliza-

    o = poupalizao, dedo + duro + a + r = dedurar. Alm da derivao e da composio, acrescentaramos outros proces-

    sos motivadores de natureza morfolgica, tpicos das lnguas modernas. So eles:

    a) abreviao - fogo < fotografia. b) siglas - ONU, MEC, IBOPE, etc. As siglas, expediente prtico cada vez mais generalizado nas lnguas

    modernas (j existe at dicionrio de siglas), constitui uma criao tpica do sculo XX, o sculo da pressa. A necessidade de comunicao social, tcnica e administrativa cada vez mais direta e concisa fez com que sur-gissem as siglas, as quais, uma vez criadas (criao motivada pelas letras iniciais das palavras que as compem) e socializadas lingisticamente, pas-sam a ser sentidas pela massa falante como verdadeiras palavras novas, capazes, inclusive, de gerar derivados. Por exemplo, a sigla CLT (Consolida-o das Leis do Trabalho)motivou o curioso neologismo "celetista", j difundido pela imprensa: "51% dos funcionrios da Unio so regidos pela CLT, sendo, por isso, conhecidos como "celetistas" ". (Revista Isto , no 241, 05/08/81, pg. 66.)

    Com relao motivao externa (ou extralingstica), esclarece Guiraud:

    "A motivao externa quando ela repousa sobre uma relao entre a coisa significada e a forma significante, fora do sistema lin-gstico. "13

    13. GUIRAUD, P. A Semntica, 30.

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  • A motivao externa pode ser fontica ou metassmica. Motivao fontica o caso das onomatopias, palavras etimologicamente motivadas, nas opinio de Guiraud. Embora tendam a se desmotivar com o uso (e, em conseqncia, a fcair no arbitrrio), as onomatopias desempenham impor-tante papel na renovao do lxico e na valorizao do texto potico (vi-de, por exemplo, o poema Os Sinos, de Manuel Bandeira).

    Motivao metassmica engloba os casos de transferncias semnti-cas (meta = transformao + sema = significado). Como exemplos tpicos de metassemia, podemos citar as metforas ("O aluno encontrou a chave do problema"), as metonmias ("O brasileiro adora futebol."), as catacre-ses ("pernas da mesa") e os casos de converso de palavras ou mudana de classe gramatical ("Terrvel palavra um no".).

    Confrontando os dois tipos de motivao do signo, conclumos que a motivao interna, por suas caractersticas especficas, torna-se mais im-portante para o funcionamento da lngua do que a motivao externa. A motivao externa mais fortuita, mais limitada, realizando-se de fora para dentro do sistema lingstico. A motivao interna, mais geral, atua de dentro para fora do sistema, oferecendo possibilidades teoricamente ilimitadas de renovao do lxico.

    Para concluir, acrescentaramos o seguinte: para Saussure, o princ-pio da arbitrariedade do signo um fenmeno geral, resulta historicamen-te de uma conveno (arbitrrio = convencional) social e ele que assegura o funcionamento a-histrico do sistema iingstico. Para Saussure, o signo imotivado a priori, isto , em suas origens, ressalva feita unicamente para os casos que ele situou como "arbitrariedade relativa", estes surgidos a posteriori.

    Pierre Guiraud, entretanto, considera que o signo nasce sempre moti-vado para se desmotivar posteriormente, a partir do momento em que ele se socializa atravs do uso pela massa falante. Afirma Guiraud:

    "Toda palavra sempre motivada em sua origem e ela conserva tal motivao, por maior ou menor tempo, segundo os casos, at o momento em que acaba por cair no arbitrrio, quando a motivao deixa de ser percebida. " (Grifo nosso)14

    14. GUIRAUD, P. A Semntica, 29.

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  • Guiraud reconhece, portanto, o carter arbitrrio do signo lings-tico, mas o v instaurar-se, ao contrrio de Saussure, a posteriori e no a priori. Tentemos ilustrar o ponto de vista do lingista francs com um exemplo em nossa lngua: o substantivo romaria resultou da relao sin-tagmtica entre Roma e o sufixo -aria, porque significava historicamente "peregrinao a Roma para ver o Papa". Um caso, portanto, de motivao a priori, diria Guiraud. O uso, entretanto, desgastou-lhe o sentido original e hoje "romaria" significa "qualquer tipo de peregrinao ou de procisso religiosa". Quando o falante ouve o signo "romaria", no passa pela sua cabea, em momento algum, a idia de "peregrinao a Roma", a menos que venha explicitado: "romaria ao Vaticano". Por exemplo, entre ns, so muito freqentes as "Romarias" a Aparecida do Norte, em So Paulo. O vocbulo "romaria", a seguir-se o raciocnio de Guiraud, teria, portanto, se desmotivado a posteriori, assumindo, em conseqncia, o carter arbitr-rio dos signos lingsticos em geral.

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  • A Linearidade do Significante

    Esta segunda caracterstica do signo to importante quanto a primeira, conforme teremos oportunidade de constatar, em "Rela-es Sintagmticas". Aqui ampliaremos a noo deste segundo princ-pio do signo lingstico, a partir daquilo que a lingstica moderna tem chamado de unidades discretas.

    O princpio da discreo15 baseia-se no fato de que "toda unidade lingstica tem valor nico sem matizes intermedirios".16 Em outras palavras, os elementos de um enunciado lingstico so diferentes en-tre si, limitados, independentes, sem variaes. Ou pronunciamos "fa-ca" ou "vaca". No existe um meio termo entre /{/ e /v/, que so, as-sim, unidades discretas, isto , separveis, descontnuas. o princpio do tudo ou nada, digamos assim, que caracteriza, em sntese, as unida-des discretas. Martinet nos esclarece de vez com os exemplos de "ba-ta" e "pata":

    "Se um locutor articular mal, se houver barulho no am-biente, se a situao no me facilitar o papel de ouvinte, poderei hesitar em interpretar o que ouvi como " uma linda bata" ou como " uma linda pata"; mas sou obrigado a escolher uma ou outra das duas interpretaes e no h, evidentemente, possibili-dade de admitir uma mensagem intermediria. "17

    Com isso, temos que as unidades discretas tm de ser emitidas sucessivamente. Elas no so concomitantes, no so coexistentes, no so simultneas. Ao contrrio, so sucessivas e, por isso, s podemos emitir um fonema de cada vez, ern linha, ou melhor, linearmente. Mui-to menos podemos emitir duas palavras ao mesmo tempo. A lngua, em seu funcionamento, pode ser descrita, portanto, como uma suces-so de unidades discretas, tanto no eixo paradigmtico como no sin-tagmtico.

    15. Neologismo referente s "unidades discretas"; cf. discrio = qualidade de ser discreto, reservado.

    16. BORBA, F. S. Pequeno Vocabulrio de Lingstica Moderna, 58 17. MARTINET, A. Elementos de Lingstica Geral, 20.

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  • Mas necessrio lembrar que a linearidade do significante e no do significado. Diz Saussure:

    "O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as caractersticas que toma do tempo:

    a) representa uma extenso, e b) essa extenso mensurvel numa s dimenso: uma li-

    nha. " (CLG, 84).

    Do enunciado saussuriano depreendemos que somente a parte material do signo o significante linear e que o pensamento, em si mesmo, no tem partes, no sucessivo, s o sendo quando se con-cretiza atravs das formas fnicas lineares do significante. Aqui caberia compararmos o pensamento a uma tela, em que todos os elementos aparecem simultaneamente formando um todo. Tal fato (a simultanei-dade) j no possvel numa poesia, por exemplo, seja ela declamada ou lida silenciosamente. Alis, esse exemplo fundamenta com bastante clareza o princpio da linearidade do r rnificante e torna oportuno ci-tar o pensamento do prprio Saussure:

    ". .. os significantes acsticos dispem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um aps outro; formam uma ca-deia. Esse carter aparece imediatamente quando os representa-mos pela escrita e substitumos a sucesso do tempo pela linha espacial dos signos grficos". (CLG, 84).

    Poderamos tambm caracterizar o significado como um bloco, como um todo, como uma unidade que s se decompe quando fala-mos ou escrevemos, quando materializamos nosso pensamento em 01-dem linear, ordem essa que tambm arbitrria de lngua para lngua, uma vez que no existe ordem no pensamento e sim na lngua. Aten-te-se, a propsito, para as palavras bastante esclarecedoras do lingista dinamarqus Lus Hjelmslev:

    "Al mirar un texto impreso o escrito vemos que se compo-ne de signos, y que stos se componen a su vez de elementos que se desarrollan en una direccin determinada (cuando se utili-

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  • za el alfabeto latino, se extienden de izquierda a derecha; citan-do se utiliza el alfabeto hebreo, se extienden de derecha a iz-quierda; cuando se utiliza el alfabeto mongol, se extienden de arriba abajo; pero se desarrollan siempre en una direccin deter-minada); y cuando omos un texto hablado, se compone para nosotros de signos, y estos signos se componen a su vez de ele-mentos que se desarrollan en el tiempo: unos vienen antes, otros despus. Los signos forman una cadena (cadeia), y los elementos de cada signo forman asimismo (tambm) una cadena. "18

    O pensamento funciona, desse modo, com uma "fora estrutu-rante" da lngua, segundo o Prof. Slvio Elia, o qual, ao mesmo tem-po, se indaga se a "estrutura profunda" (de Chomsky) no ser, na verdade, o prprio pensamento. Se , ento o pensamento no uma estrutura, ao contrrio, ele uma "fora estruturante". Nesse caso, se-gundo o referido mestre, no cabe falar em "estrutura profunda" e sim em "estrutura subjacente".

    Uma Crtica ao Principio da Linearidade

    O lingista Roman Jakobson contestou o princpio da linearidade do significante, argumentando que, num fonema qualquer, por exem-plo, /b/, h um feixe de traos fnicos simultneos (bilabial, oral, oclusivo e sonoro) e no-sucessivos, no-lineares. Mas, para Saussure, esses traos fnicos no passam de elementos do significante que j es-t formado na lngua como um todo.

    Eis a resposta do prprio autor do CLG:

    "Em certos casos, isso (o princpio da linearidade) no apa-rece com destaque. Se, por exemplo, acentuo uma slaba, parece que acumulo num s ponto elementos significativos diferentes. Mas trata-se de uma iluso: a slaba e seu acento constituem ape-nas um ato fonatrio; no existe dualidade no interior desse ato, mas somente oposies diferentes com o que se acha a seu lado" (ver captulo "Relaes Sintagmticas e Paradigmticas"). (CLG, 84, grifo nosso).

    18. HJELMSLEV, L., El Lengua/e, 43/44.

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  • De fato, uma palavra como cavalo tambm apresenta vrios tra-os smicos (ser vivo, irracional, quadrpede, animal, macho), todos contidos ao mesmo tempo, mas isso em nada abala o princpio da li-nearidade do significante, porquanto cavalo, enquanto unidade discreta j formada, j "pronta" na lngua, s se materializa fonicamente de forma linear.

    Por fim, cabe citar aqui a advertncia do prprio Saussure sobre a relevncia dessa segunda caracterstica do signo lingstico para uma teoria estruturalista (enquanto categoria formal) da linguagem:

    "Esse principio evidente, mas parece que sempre se ne-gligenciou enunci-lo, sem dvida porque foi considerado dema-siadamente simples; todavia, ele fundamental e suas conseqn-cias so incalculveis (de fato, na poca, o eram); sua importn-cia igual da primeira lei (a da arbitrariedade do signo). Todo o mecanismo da lngua depende dele." (CLG, 84).

    Em resumo:

    tipos de sinal

    natural -indcio (fsico): fumaa, rastros sintoma (fisiolgico): pulsao,

    febre

    convencional -

    cone (motivado): estatueta, foto

    smbolo (intermedirio): balana = justia

    signo (imotivado): a palavra

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  • SIGNO

    significante significado"

    imagem acstica perceptvel psico-fsico impresso psquica do som

    representante traduo fnica de um conceito presena som matria incorporante sensorial smainon signans

    conceito inteligvel psquico evocao psquica provocada pelo som representado correlato mental do significante ausncia pensamento idia incorporado

    ^ conceituai smainomenon signa tum**

    caractersticas -

    Para Saussure:

    arbitrrio -

    Para Guiraud:

    motivao.

    arbitrariedade (do ste em relaao ao sdo)

    linearidade (do ste)

    absoluto

    relativo

    interna morfolgica

    -fontica

    . metassmica

    -derivao

    composio

    -externa

    * * *

    Ambos de natureza psquica. Na terminologia de Santo Agostinho.

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