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tribunal de justiça do estado de goíás 1 APELAÇÃO CÍVEL 40927-19.2006.8.09.0051 (200690409273) COMARCA DE GOIÂNIA APELANTE : COBRÃO BATERIAS E AUTO ELÉTRICA LTDA. APELADO : JORGE BADRA E OUTRO(S) RELATOR : DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. CONTRATO VERBAL. DIREITO DE RETENÇÃO. ABANDONO DO IMÓVEL. INTERESSE NO RESSARCIMENTO DE BENFEITORIAS. DESCRIÇÃO DAS BENFEITORIAS SUFICIENTE. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. PROVA ORAL PLEITEADA. JULGA- MENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. I – Não obstante o direito de retenção por benfeitorias revelar-se incompatível com a desocupação espontânea do imóvel, subsiste o interesse da locatária quanto ao pleito de ressarcimento das benfeitorias, mormente quando feito pedido nesse sentido na contestação. II – Na aplicação do direito ao caso concreto, o rigor do formalismo deve ser amenizado pelas singularidades do

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 40927-19.2006.8.09.0051

(200690409273)

COMARCA DE GOIÂNIA

APELANTE : COBRÃO BATERIAS E AUTO ELÉTRICA

LTDA.

APELADO : JORGE BADRA E OUTRO(S)

RELATOR : DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR

FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA DE

ALUGUÉIS. CONTRATO VERBAL. DIREITO DE

RETENÇÃO. ABANDONO DO IMÓVEL. INTERESSE NO

RESSARCIMENTO DE BENFEITORIAS. DESCRIÇÃO

DAS BENFEITORIAS SUFICIENTE. PEDIDO DE

INDENIZAÇÃO. PROVA ORAL PLEITEADA. JULGA-

MENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE

DEFESA.

I – Não obstante o direito de retenção por benfeitorias

revelar-se incompatível com a desocupação espontânea do

imóvel, subsiste o interesse da locatária quanto ao pleito de

ressarcimento das benfeitorias, mormente quando feito

pedido nesse sentido na contestação.

II – Na aplicação do direito ao caso concreto, o rigor do

formalismo deve ser amenizado pelas singularidades do

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caso posto em apreciação, a fim de alcançar a finalidade

última do processo que é a realização da justiça material.

Nesse sentido, havendo a especificação de que as

benfeitorias se referem às obras de edificação e instalação

elétrica do galpão em que funcionava a empresa no imóvel

locado, não pode tal fato ser comparado a menção genérica

de benfeitorias, devendo ser considerado pelo julgador,

máxime tendo em vista que o direito de ressarcimento de

benfeitorias e acessões insere-se no âmbito do princípio que

veda o enriquecimento sem causa, sob pena de se valorizar

o formalismo em detrimento da vedação ao enriquecimento

ilícito.

III – O art. 35 da Lei 8.245/1991 ao determinar a

indenização pelas benfeitorias úteis realizadas, desde que

autorizadas, não restringe qual espécie de autorização seria

esta, se tácita ou expressa, ou mesmo se verbal ou escrita.

Nesse sentido, tratando-se de uma locação feita através de

acordo verbal, a exigência de que a autorização para

construção de benfeitorias se dê por escrito nos remete a

um formalismo extremo, o qual a própria Lei do Inquilinato

não alberga. Assim, evidencia-se a necessidade de produção

de provas, máxime quando requerido expressamente.

IV – É vedado ao magistrado antecipar o julgamento da lide

não concedendo à parte oportunidade de produzir provas

orais, para, em seguida, considerar insuficientes as provas

por ele produzidas nos autos.

APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.

SENTENÇA CASSADA.

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ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos os presentes

autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 40927-19.2006.8.09.0051

(200690409273), da Comarca de GOIÂNIA, onde figuram como

apelante COBRÃO BATERIAS E AUTO ELÉTRICA LTDA e como

apelado JORGE BADRA E OUTROS.

ACORDAM os integrantes da Quarta Turma

Julgadora da 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado de Goiás, por unanimidade, EM CONHECER DA

APELAÇÃO E DAR-LHE PROVIMENTO, CASSANDO A

SENTENÇA, nos termos do voto do Relator, que a este se incorpora.

VOTARAM, além do RELATOR, os ilustres

Des. VITOR BARBOZA LENZA e o Dr. FRANCISCO VILDON

JOSÉ VALENTE, substituto do Des. LEOBINO VALENTE CHAVES.

PRESIDIU o julgamento, o ilustre

Desembargador JOÃO UBALDO FERREIRA.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 40927-19.2006.8.09.0051

(200690409273)

COMARCA DE GOIÂNIA

APELANTE : COBRÃO BATERIAS E AUTO ELÉTRICA

LTDA.

APELADO : JORGE BADRA E OUTRO(S)

RELATOR : DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade,

conheço do recurso interposto.

À vista do pedido de fls. 282/283, deferido à

fl. 302, acresço ao relatório as contrarrazões de fls. 305/340, onde os

apelados alegam, em síntese, a legalidade do julgamento antecipado

da lide, vez que se trata de matéria exclusivamente de direito,

ressaltando que a apelante indicou de forma genérica e imprecisa as

supostas benfeitorias, deixando de apresentar provas ou requerer a

produção destas na contestação, ofendendo o princípio da

eventualidade, encontrando-se preclusa a questão.

Aduzem, ainda, a intenção protelatória das

provas requeridas pela apelante, bem como a impossibilidade de

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ressarcimento pelas benfeitorias alegadas, ante a ausência de

autorização do locador e, por fim, afirmam que houve a renúncia ao

direito de retenção por benfeitorias, em face do abandono do imóvel.

Feito estes acréscimos ao relatório, passo a

análise do recurso de apelação.

Conforme relatado, cuida-se de apelação cível

interposta por Cobrão Baterias e Auto Elétrica Ltda. visando a

reforma da sentença proferida em primeiro grau pelo MM. Juiz de

Direito da 11ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, Dr. Carlos Luiz

Damacena, que julgou extinta sem resolução de mérito a ação de

consignação em pagamento ajuizada pelo recorrente em desfavor de

Jorge Badra e Maria Terezinha de Oliveira Badra, bem como

julgou parcialmente procedente a ação de despejo c/c cobrança de

aluguéis proposta por estes em desfavor da apelante.

A apelante sustenta ter firmado verbalmente

contrato de locação de imóvel (lote) com os recorridos, tendo nele

edificado as instalações de seu estabelecimento comercial, que,

conforme contratado, as despesas correram por conta da recorrente,

cuja indenização seria de responsabilidade dos apelados, consoante

contrato verbal.

Na sentença impugnada, notadamente às fls.

246/247, o magistrado a quo, ao analisar a questão tangente às

benfeitorias em comento, aduziu a ausência de provas de que a

edificação teria sido custeada pela recorrente, bem como asseverou

a não comprovação da autorização para realização das mesmas,

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ressaltando que o direito de retenção somente seria possível com

consentimento por escrito dos locadores.

Em suas razões recursais (fls. 258/262), a

apelante pretende a cassação da sentença proferida em primeiro

grau sob o fundamento de ter havido cerceamento de defesa, em

afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do

contraditório.

Pois bem. A controvérsia cinge-se na

verificação da ocorrência ou não do cerceamento de defesa, tendo de

um lado a apelante defendendo a necessidade de dilação probatória,

e, de outro, os apelados alegando a irregularidade processual na

forma como foram alegadas as benfeitorias, bem como

impossibilidade de ressarcimento destas, independentemente de

produção de outras provas.

Em proêmio, impende salientar que, não

obstante o interesse da locatária/apelante referente à retenção por

benfeitorias revelar-se incompatível com sua desocupação

espontânea do imóvel, subsiste o interesse quanto ao pleito de

ressarcimento das benfeitorias.

Com efeito, ocorrendo o abandono do imóvel,

cabível a decretação da rescisão do contrato de aluguel e as

consequências desta rescisão, como o ressarcimento dos eventuais

melhoramentos no imóvel, não havendo que se falar em perda de

objeto.

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Sobre o tema, discorre SYLVIO CAPANEMA

DE SOUZA:

“Muitos imaginam que, abandonado o imóvel, e imitido o 

autor na posse,  cessa o objeto da demanda, devendo ser 

extinto   o   processo,   sem  enfrentamento   do   mérito.   Nada 

mais   equivocado,   porque   a   recuperação   da   posse   não   é 

objeto  precípuo e  imediato  da  ação de  despejo,  e   sim a 

dissolução do contrato, do que decorre, por via oblíqua, a 

devolução do imóvel”1 

No mesmo sentido, eis precedente

jurisprudencial:

“(...)   O   Abandono   do   imóvel   no   curso   do   feito   subtrai 

objeto ao pleito desalijatório e à retenção por benfeitorias, 

subsistindo interesse processual no tocante à rescisão do 

pacto,   à   imposição   condenatória   e   à   pretensão   de  

indenização  pelo   fundo   de   comércio.(...).”   (TJ/SC,   2ª 

Câmara de Direito Civil,  AC nº 2003.028582­2, Rel.  Des. 

Monteiro Rocha, Julgado em 03/03/2005).

Assim, ainda que tenha havido a desocupação

do imóvel, com o afastamento do direito de retenção, há o interesse

no tocante à indenização das benfeitorias, mormente quando feito

pedido nesse sentido na contestação.

1 Da Ação de Despejo. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 94

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No que tange a alegação de preclusão, tenho

que também não merece respaldo os argumentos dos

apelados/locadores de que a apelante deixou de alegar a existência

de benfeitorias, bem como pugnar pela produção de provas em sua

contestação.

Com efeito, compulsando os autos, verifica-se

que a recorrente, em sua peça de defesa de fls. 124/128, protestou

pela produção de prova testemunhal e, intimada para especificar

provas (despacho de fl. 154), pugnou pela oitiva de testemunhas,

apresentando o respectivo rol, bem como requereu a avaliação do

imóvel em questão.

Assim, afasto a questão relativa à preclusão,

levantada pelos apelados em suas contrarrazões, tendo em vista que

a apelante, oportunamente, alegou a existência de benfeitorias a

serem ressarcidas, bem como pugnou pela produção de provas,

conforme, inclusive, determinado pelo magistrado singular.

Da mesma forma, não há que se falar em

impossibilidade da apreciação do pedido de ressarcimento de

benfeitorias pelo fato da apelante/locatária ter indicado de forma

genérica e imprecisa as supostas benfeitorias.

Depreende-se dos autos que a apelante

afirma ter edificado no imóvel alugado as instalações de seu

estabelecimento comercial, trazendo aos autos fotos que visam

demonstrar tais edificações desde o início da relação locatícia,

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pugnando, ainda, pela produção de demais provas, tais como

testemunhal e pericial, para a comprovação das referidas

benfeitorias.

Desta feita, ainda que não tenha na

contestação a descrição detalhada das obras realizadas pela

apelante, o caso em apreço não pode ser comparado a uma menção

genérica da existência de benfeitorias. Houve a especificação de que

as benfeitorias se referem às obras de edificação e instalação

elétrica do galpão em que funcionava a empresa no imóvel locado.

É bem verdade que não foi utilizada a melhor

técnica, mas o fato é que foi demonstrado que houveram edificações

no imóvel locado, as quais precisam ser levadas em conta, máxime

considerando as especificidades do caso concreto, mormente o fato

de se tratar de um contrato verbal.

Nesse sentido, tenho que as especificidades

do caso, impõe que o magistrado analise a questão de forma mais

ponderada, não se limitando a acolher a alegação de que a falta da

formalidade na contestação (ausência de descrição detalhada da

benfeitoria) sirva para afastar qualquer direito que a parte possa vir

a ter, quando há claramente demonstração de que houve edificações

realizadas pela locatária.

Até porque, não se pode perder de vista que o

direito de ressarcimento de benfeitorias e acessões insere-se no

âmbito do princípio que veda o enriquecimento sem causa. Desta

feita, havendo indícios claros de que houve edificações no imóvel e,

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ainda, não existindo cláusula que afasta indenização por benfeitorias,

já que o contrato é verbal, a forma que se deu a indicação das

benfeitorias não pode ser empecilho para que a parte seja ressarcida

de eventuais gastos que realmente teve, sob pena de se valorizar o

formalismo em detrimento da vedação ao enriquecimento ilícito.

De fato, na aplicação do direito ao caso

concreto, ou seja na conformação da regra geral ao caso concreto, o

rigor do formalismo deve ser amenizado pelas singularidades do caso

posto em apreciação, a fim de alcançar a finalidade última do

processo que é a realização da justiça material.

A propósito, oportuno escólio do douto

processualista Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

“(...)   as   formas   processuais   cogentes   não   devem   ser 

consideradas “formas eficaciais” (Wirkform),  mas “formas 

finalística”   (Zweckform),   subordinadas   de   modo 

instrumental às finalidades processuais, a impedir assim o 

entorpecimento do rigor formal processual, materialmente 

determinado, por um formalismo de forma sem conteúdo. A 

esse ângulo visual, as prescrições formais devem se sempre 

apreciadas   conforme   sua   finalidade   e   sentido   razoável, 

evitando­se   todo  exagero  das   exigências  de   forma.  Se  a 

finalidade da prescrição foi atingida na sua essência, sem 

prejuízo a interesses dignos de proteção da contraparte, o 

defeito de forma não deve prejudicar a parte. A forma não 

pode,   assim,   ser   colocada   “além   da   matéria”,   por   não 

possuir  valor próprio,  devendo por razões de equidade a 

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essência sobrepujar a forma.”2 

Desta feita, havendo a alegação de que houve

a edificação de um galpão, com as respectivas instalação elétrica no

imóvel objeto da locação, não pode tal fato ser comparado a menção

genérica de benfeitorias, devendo ser considerado pelo julgador.

Assim, como a apelante em sua contestação

alegou a existência de seu direito à indenização pelas benfeitorias

realizadas no imóvel, certo é que o exame de seu alegado direito de

ressarcimento se faz necessário, pelo que torna-se essencial a

dilação probatória.

Com efeito, ainda que o julgador deva repelir

a produção de provas desnecessárias ao desate da questão, de

natureza meramente protelatórias (art. 130, CPC), mormente quando

se trata apenas de matéria de direito, não parece ser esse o caso dos

autos, vez que alicerçado em fatos pendentes de demonstração.

A faculdade assinalada pelo art. 332, do CPC,

pertinente à produção de provas, não consiste em mero ônus

processual, mas antes se revela como desdobramento da garantias

constitucionais do contraditório e da ampla defesa, inerentes ao

devido processo legal, e que conforme inteligência do art. 5º, LV, da

Carta Magna, devem ser assegurados de forma plena, com todos os

meios e recursos que lhe são inerentes.

2 “O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo”. In Leituras Complementares de Processo Civil, Organizador Fredie Didier Jr., Ed. Juspodium, pg. 134/135.

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O direito à ampla defesa em muito ultrapassa

a faculdade de tecer afirmativas em peças, alcançando o direito a

efetivamente demonstrar suas alegações e vê-las consideradas,

mesmo que rebatidas por decisões motivadas. O debate instaurado

pelo contraditório, por sua vez, deve possibilitar aos litigantes se

utilizarem de todos os meios legítimos hábeis a contrapor as

afirmativas sustentadas pela parte adversa.

Nesse vertente é o ensinamento de Luiz

Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arehart, in Manual do Processo

de Conhecimento, São Paulo, RT 2001, p. 310:

“De nada adiante de fato,  garantir  uma participação que 

não   possibilite   o   uso   efetivo,   por   exemplo,   dos   meios 

necessários à demonstração das alegações. O direito à prova 

é   resultado   da   necessidade   de   se   garantir   ao   cidadão   a 

adequada   participação   no   processo.   Como   demonstra 

Vigorriti,  a estreita conexão entre as alegações dos  fatos, 

com que se exercem os direitos de ação e de defesa, e a 

possibilidade de submeter ao juiz os elementos necessários 

para   demonstrar   os   fundamentos   das   próprias   alegações 

tornou clara a influência das normas em termos de prova 

sobre os direitos garantidos pelo due process of law.”

Logo, redobrada cautela se exige do julgador

ao indeferir diligências probatórias, inferindo do cuidadoso exame

das questões litigiosas.

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A par da verdade, costuma-se dizer que os

fatos da causa compõem o objeto da prova. Logo, devem ser

provados apenas os fatos que tenham relação ou conexão com a

causa ajuizada, sejam relevantes, e possuam o condão de influir na

decisão da causa.

Assim, se a matéria deduzida nos autos

requer maiores esclarecimentos, porque são matérias capazes de

influir na decisão da causa, deve o juiz conceder à parte a

oportunidade para realizar a prova naquele sentido, sob pena de

restar violado o princípio constitucional da ampla defesa.

Sobre o tema ensina Rui Portanova, em

Princípios do processo civil, Livraria do Advogado: Porto Alegre,

1999, p. 125:

"A   defesa   não   é   uma   generosidade,   mas   um   interesse 

público.   Para   além   de   uma   garantia   constitucional   de 

qualquer país, o direito de defender­se é essencial a todo e 

qualquer   Estado   que   se   pretenda   minimamente 

democrático.   A   defesa   plena   é   garantida   pela   nossa 

Constituição Federal (inciso LV do art. 5º). O princípio da 

ampla defesa é  uma conseqüência do contraditório,  mas 

tem   características   próprias.   Além   do   direito   de   tomar 

conhecimento de todos os termos do processo (princípio do 

contraditório), a parte também tem o direito de alegar e 

provar o que alega e ­ tal como o direito de ação ­ tem o 

direito de não se defender. Optando pela defesa, o faz com 

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plena liberdade." 

É verdade que o juiz é o real destinatário da

prova necessária à formação de sua convicção para julgar, devendo

repelir pedido de provas inúteis.

Não obstante, tenho que as provas

requeridas pela locatária poderá trazer importantes subsídios à

questão, senão vejamos.

Sabe-se que as benfeitorias, nos termos do

artigo 96 do Código Civil, podem ser voluptuárias, úteis ou

necessárias. As voluptuárias são as de mero deleite, que não

aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais

agradável ou sejam de elevado valor; enquanto as úteis aumentam ou

facilitam o uso do bem, e as necessárias são as que têm por fim

conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Nesta senda, nota-se que no caso em deslinde

as benfeitorias que a recorrente afirma ter construído no imóvel dos

recorridos tem natureza útil e não necessária, como pretende fazer

crer, sendo necessária, portanto, a autorização dos locadores para

sua realização.

Todavia, o contrato em deslinde trata-se de

uma locação feita através de acordo verbal, o que denota que, caso

tivesse sido autorizada a construção de benfeitorias, possivelmente

esse consentimento também teria ocorrido de forma verbal, o que

torna temerário o julgamento antecipado da lide sem que tivesse

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havido o esgotamento das possibilidades de produção de provas,

ainda mais quando apresentado atempadamente rol de testemunhas.

A exigência de que a autorização para

construção de benfeitorias se dê por escrito nos remete a um

formalismo extremo, o qual a própria Lei do Inquilinato não alberga.

Neste sentido, oportuna a colação do seguinte

aresto do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

“APELAÇÃO   CÍVEL   ­   LOCAÇÃO   NÃO   RESIDENCIAL 

CONTRATO VERBAL  ­  PRETENDIDA  INDENIZAÇÃO POR 

REALIZAÇÃO DE BENFEITORIAS ­ DECISÃO A QUO QUE 

ACOLHEU   A   PRETENSÃO   FORMULADA   NA   PEÇA 

PRELUDIAL ­ AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO ESCRITA PARA 

SUAS REALIZAÇÕES ­  SENTENÇA MANTIDA ­ RECURSO 

DESPROVIDO. O art. 35 da Lei de Locações, ao determinar 

que as benfeitorias úteis deverão ser indenizadas desde que 

autorizadas, não restringe qual espécie de autorização seria 

esta, se tácita ou expressa. Assim, havendo prova suficiente 

de que autorização houve,  mesmo que tácita,  o direito à 

indenização   pelas   benfeitorias   úteis   é   devido.   (omissis)” 

(TJSC, Apelação Cível nº 2001.017220­8, Órgão Julgador: 

Segunda   Câmara   de   Direito   Civil,   Data:   15/10/2001, 

Relator: Sérgio Roberto Baasch Luz). Original sem grifos

Neste mesmo voto, o ilustre Relator,

Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, citou excerto da

tribunalde justiçado estado de goíás

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doutrina de Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon, elucida o tema em

desate, verbis:

“Parece­nos   extremo   formalismo   a   exigência   de 

consentimento   por   escrito,   requerida   pelos   arestos 

retrocitados,   para   legitimação   do  jus   retentionis.   Melhor 

interpretar­se   esta   condicionante   no   sentido   de   que   o 

consentimento   não   pode   ser   tácito,   embora   não 

necessariamente   escrito,   ou   seja,   deve   ser   expresso, 

conforme consta do art. 1.199 do CC. Admitir um contrato 

verbal  (como se admite com a  locação) e exigir  que 

uma  de   suas   cláusulas   seja   escrita   soa,   no  mínimo, 

contraditório.  A  nova  Lei  de  Locação veio   ratificar  este 

entendimento,  passando  a  exigir  apenas  autorização,  por 

qualquer forma (Embargos de retenção por benfeitorias, SP: 

RT, 1999, 1° ed., pág. 112) Original sem grifos

Logo, tendo sido requerida, oportunamente,

as provas pericial e testemunhal, não deve ser afastada essa

possibilidade de maior elucidação, já que só tem a favorecer o

deslinde do feito.

Ademais, é vedado ao magistrado antecipar o

julgamento da lide não concedendo à parte oportunidade de produzir

provas orais, para, em seguida, considerar insuficientes as provas

por ele produzidas nos autos.

Nesta esteira posiciona-se o Superior Tribunal

de Justiça:

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“DIREITO   CIVIL.   PROCESSUAL   CIVIL.   AGRAVO 

REGIMENTAL   NO   AGRAVO   DE   INSTRUMENTO.   PROVA 

TESTEMUNHAL   E   DEPOIMENTO   PESSOAL. 

INDEFERIMENTO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. 

CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTE 

DO STJ. AÇÃO DE DESPEJO. PRORROGAÇÃO VERBAL DO 

CONTRATO   DE   LOCAÇÃO.   AUSÊNCIA   DE   VEDAÇÃO. 

INAPLICABILIDADE DO ART. 51, II, DA LEI 8.2145/91, QUE 

TRATA EXCLUSIVAMENTE DA AÇÃO RENOVATÓRIA. ART. 

401   DO   CPC.   DEFICIÊNCIA   DE   FUNDAMENTAÇÃO. 

SÚMULA   284/STF.   MATÉRIA   FÁTICA.   EXAME. 

IMPOSSIBILIDADE.   SÚMULA   7/STJ.   QUESTÃO   A   SER 

APRECIADA  PELO  JUIZ   DE   PRIMEIRA   INSTÂNCIA,   SOB 

PENA   DE   SUPRESSÃO   DE   INSTÂNCIA.   AGRAVO 

IMPROVIDO.   1.  É   vedado   ao   Juiz   antecipar   o 

julgamento   da   lide,   indeferindo   a   produção   de 

prova   testemunhal,   para,   posteriormente,   julgar 

improcedente   o   pedido   com   fundamento   na 

ausência   de   prova   cuja   produção   não   foi 

autorizada.   Precedentes   do   STJ.”   (AgRg   no   Ag 

1175676/MG,   Relator   Ministro   ARNALDO   ESTEVES 

LIMA, Órgão Julgador 5ª Turma, Data do Julgamento 

02/03/2010,   Data   da   Publicação/Fonte   DJe 

29/03/2010). Original sem grifos

Destarte, a ação não poderia ter sido julgada

no estado em que se encontrava, eis que a matéria envolve questão

de fato, sendo a oitiva de testemunhas imprescindível ao deslinde da

tribunalde justiçado estado de goíás

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contenda.

Reza o art. 330, do CPC:

“Art.   330.   O   juiz   conhecerá   diretamente   do   pedido, 

proferindo sentença:

I ­ quando a questão de mérito for unicamente de direito, 

ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de 

produzir prova em audiência;

II ­ quando ocorrer a revelia (art. 319)”.

Desta feita, o julgamento antecipado da lide,

nos termos como se deu, acarretou em ofensa ao direito

constitucional de ampla defesa e de contraditório, corolários do

princípio do devido processo legal, insculpido no art. 5º, LIV e LV, da

Carta Magna.

Ensina Theotonio Negrão:

“'Existindo necessidade de dilação probatória para aferição 

de aspectos relevantes da causa, o julgamento antecipado 

da lide importa em violação do princípio do contraditório, 

constitucionalmente assegurado às partes e um dos pilares 

do devido processo  legal.'   (STJ­4ª T.,  REsp 7.004­AL,  rel. 

Min.  Sálvio de Figueiredo,   j.  21.8.91,  deram provimento, 

v.u., DJU 30.09.91, p. 13.489)”3 

Neste sentido, a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

3 Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., ed. Saraiva, p. 484

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“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. JULGAMENTO 

ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DO DIREITO DE 

DEFESA. OCORRÊNCIA. A todos os litigantes é assegurado o 

contraditório e a ampla defesa, como corolários do devido 

processo   legal.  Evidenciando­se   a   necessidade   de   dilação 

probatória para aferição de aspectos relevantes da causa, no 

caso a prova pericial, o julgamento antecipado da lide revela 

nítido cerceamento do direito de defesa. Recurso conhecido 

e   provido.   Sentença   cassada.”   (TJGO,   1ª   Câmara   Cível, 

Apelação Cível nº 139758­3/188, acórdão de  04/08/2009, 

DJ   401   de   19/08/2009,   Relator:   Des.   Leobino   Valente 

Chaves).

"APELAÇÃO   CÍVEL.   AÇÃO   DE   COBRANÇA   DE   SEGURO 

DPVAT.   ROL   DE   TESTEMUNHA   TEMPESTIVO. 

OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. CASSAÇÃO 

DA SENTENÇA. Evidenciando­se a necessidade da produção 

de prova testemunhal, é incabível o julgamento antecipado 

da   lide,   sob   pena   de   caracterização   do   cerceamento   de 

defesa,   mormente   quando   presente   rol   de   testemunhas 

apresentado tempestivamente. Assim, impõe­se a cassação 

da   sentença  para  a   realização de  audiência   instrutória   e 

demais atos que se fizerem necessários. Apelo conhecido e 

provido.   Sentença   cassada.”   (TJGO,   2ª   Câmara   Cível, 

Apelação Cível nº 124651­7/188, acórdão de  10/06/2008, 

DJ   121   de   01/07/2008,   Relator:   Des.   Alan   S.   de   Sena 

Conceição).

Assim, na espécie, tenho por relevante que se

esclareça melhor a respeito das alegadas benfeitorias a que o

tribunalde justiçado estado de goíás

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recorrente faz alusão, haja vista que, além do interesse da parte que

se encontra em jogo há o interesse estatal na composição do litígio.

Ao teor do exposto, conheço do recurso de

apelação e DOU-LHE PROVIMENTO para cassar a sentença

proferida em primeiro grau, para que seja oportunizada à recorrente

a produção de provas, decidindo-se, após, o magistrado, como de

direito.

É o voto.

Goiânia, 22 de junho de 2010.

DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA

RELATOR