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A ERA DO VAZIO – Ensaio sobre o individualismo contemporâneo (Autor: Gilles Lipovetsky; Editora: Relógio D’Água – 2007 – PRÓLOGO, p.07-16) Os artigos e estudos aqui apresentados colocam, todos eles, embora a níveis diferentes – e só por isso se justifica a sua publicação em conjunto – o mesmo problema geral: a desagregação da sociedade, dos costumes, do indivíduo contemporâneo da época do consumo de massa, a emergência de um modo de socialização e de individualização inédito, em ruptura com o instituído desde os séculos XVII e XVIII. É esta mutação histórica em curso que estes textos se esforçam por evidenciar, considerando, com efeito, que o universo dos objectos, das imagens, da informação e dos valores hedonistas, permissivos e psicologistas que lhe estão ligados geraram, ao mesmo tempo que uma nova forma de controlo dos comportamentos, uma diversificação incomparável dos modos de vida, uma flutuação sistemática da esfera privada, das crenças e dos papéis, ou, por outras palavras, uma nova fase na história do individualismo ocidental. O nosso tempo só logrou evacuar a escatologia revolucionária levando a cabo uma revolução permanente do quotidiano e do próprio indivíduo: privatização alargada, erosão das identidades sociais, desafecção ideológica e política, desestabilização acelerada das personalidades, eis-nos vivendo uma segunda revolução individualista. Uma ideia central governa as análises que se seguem: à medida que as sociedades democráticas se desenvolvem, a sua inteligibilidade revela-se à luz de uma lógica nova, a que chamamos aqui o processo de personalização, sendo que este não

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Notas sobre o livro - a era do vazio

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A ERA DO VAZIO Ensaio sobre o individualismo contemporneo

(Autor: Gilles Lipovetsky; Editora: Relgio Dgua 2007 PRLOGO, p.07-16)

Os artigos e estudos aqui apresentados colocam, todos eles, embora a nveis diferentes e s por isso se justifica a sua publicao em conjunto o mesmo problema geral: a desagregao da sociedade, dos costumes, do indivduo contemporneo da poca do consumo de massa, a emergncia de um modo de socializao e de individualizao indito, em ruptura com o institudo desde os sculos XVII e XVIII. esta mutao histrica em curso que estes textos se esforam por evidenciar, considerando, com efeito, que o universo dos objectos, das imagens, da informao e dos valores hedonistas, permissivos e psicologistas que lhe esto ligados geraram, ao mesmo tempo que uma nova forma de controlo dos comportamentos, uma diversificao incomparvel dos modos de vida, uma flutuao sistemtica da esfera privada, das crenas e dos papis, ou, por outras palavras, uma nova fase na histria do individualismo ocidental. O nosso tempo s logrou evacuar a escatologia revolucionria levando a cabo uma revoluo permanente do quotidiano e do prprio indivduo: privatizao alargada, eroso das identidades sociais, desafeco ideolgica e poltica, desestabilizao acelerada das personalidades, eis-nos vivendo uma segunda revoluo individualista.

Uma ideia central governa as anlises que se seguem: medida que as sociedades democrticas se desenvolvem, a sua inteligibilidade revela-se luz de uma lgica nova, a que chamamos aqui o processo de personalizao, sendo que este no pra de remodelar em profundidade o conjunto dos sectores da vida social. Sem dvida, nem todas as esferas se reestruturam no mesmo grau ou da mesma maneira de acordo com o processo em curso, e no ignoramos os limites das teorias que se esforam por unificar o todo social sob a gide de um princpio simples, quando manifesto que as nossas sociedades pem em aco uma pluralidade de critrios especficos. Se, apesar de tudo, mantivemos a ideia de um esquema homogneo, isso liga-se ao facto de que se tratava menos de operar um levantamento instantneo do momento actual do que as linhas de transformao, da tendncia forte que modela, escala da histria, as instituies, os modos de vida, as aspiraes e finalmente as personalidades. O processo de personalizao procede de uma perspectiva comparativa e histrica, designa a linha directriz, o sentido do que novo, o tipo de organizao e de controlo social que nos arranca ordem disciplinar-revolucionria-convencional que predominou at aos anos cinquenta.

Trata-se de uma ruptura com a fase inaugural das sociedades modernas, democrtico-disciplinares, universalistas-rigoristas, ideolgicas-coercitivas, tal o sentido do processo de personalizao, que seria evidentemente redutor assimilar a uma estratgia de reciclagem do capital, ainda que de rosto humano. Quando um mesmo processo anexa num movimento sincrnico o conjunto de um sistema, ilusrio pretender faz-lo assentar numa funo local instrumental, mesmo que ele possa contribuir eficazmente para a reproduo ou para o aumento da mais-valia. A hiptese aqui adiantada outra: trata-se de uma mutao sociolgica em curso, de uma criao histrica prxima daquilo a que Castoriadis chama uma significao imaginria central, combinao sinrgica de organizaes e de significaes, de aces e de valores, que se esboa a partir dos anos vinte apenas as esferas artsticas e psicanalticas a anteciparam em alguns decnios e cujos efeitos no pararam de se amplificar a partir da Segunda Guerra Mundial.

Negativamente, o processo de personalizao remete para a fractura da socializao disciplinar; positivamente, corresponde instalao de uma sociedade flexvel assente na informao e na estimulao das necessidades, no sexo e no levar em conta os factores humanos, no culto da naturalidade, da cordialidade e do humor. assim que opera o processo de personalizao, novo modo de a sociedade se organizar e se orientar, novo modo de gerir os comportamentos, j no atravs da tirania dos pormenores, mas com o mnimo possvel de coao e o mximo possvel de opes, com o mnimo de austeridade e o mximo de desejo, com o mnimo de constrangimento e o mximo de compreenso. Processo de personalizao, com efeito, na medida em que as instituies doravante se fixam nas motivaes e nos desejos, incitam participao, organizam os tempos livres e as distraces, manifestam uma mesma tendncia no sentido da humanizao, da diversificao, da psicologizao das modalidades de socializao: depois da domestificao autoritria e mecnica, o regime homeoptico e ciberntico; depois da administrao injuntiva, a programao opcional, a pedido. Novos procedimentos inseparveis de novas finalidades e legitimidades sociais: valores hedonistas, respeito pelas diferenas, culto da libertao pessoal, da descontraco, do humor e da sinceridade, psicologismo, expresso livre que quer isto dizer seno que uma nova significao da autonomia se instalou, deixando muito para trs o ideal que a poca democrtica autoritria se fixara? At uma data em ltima anlise recente, a lgica da vida poltica, produtiva, moral, escolar, asilar, consistia em mergulhar o indivduo numa rede de regras uniformes, em abstrair tanto quanto possvel as formas das preferncias e das expresses singulares, em afogar as particularidades idiossincrticas numa lei homognea e universal, fosse esta a vontade geral, as convenes sociais, o imperativo moral, as regulamentaes fixas e estandartizadas, ou a submisso e a abnegao exigidas pelo partido revolucionrio: tudo se passou como se os valores individualistas s tivessem podido nascer sendo imediatamente enquadrados por sistemas de organizao e de sentido empenhados em esconjurar implacavelmente a sua indeterminao constitutiva. este imaginrio rigorista da liberdade que desaparece, dando lugar a novos valores que visam permitir o livre desenvolvimento da personalidade ntima, legitimar a fruio, reconhecer os pedidos singulares, modular as instituies de acordo com as aspiraes dos indivduos.

O ideal moderno de subordinao do individual s regras racionais colectivas foi pulverizado; o processo de personalizao promoveu e incarnou maciamente um valor fundamental, o da realizao pessoal, do respeito pela singularidade subjectiva, da personalidade incomparvel, sejam quais forem, sob outros aspectos, as novas formas de controlo e de homogeneizao simultaneamente vigentes. Sem dvida, o direito de o indivduo ser absolutamente ele prprio, de fruir ao mximo a vida, inseparvel de uma sociedade que erigiu o indivduo livre em valor principal e no passa de uma ltima manifestao da ideologia individualista; mas foi a transformao dos estilos de vida associada revoluo do consumo que permitiu este desenvolvimento dos direitos e desejos do indivduo, esta mutao na ordem dos valores individualistas. Salto em frente da lgica individualista; o direito liberdade, em teoria ilimitado, mas antes circunscrito economia, poltica, ao saber, conquista agora os costumes e o quotidiano. Viver livre e sem coaco, escolher sem restries o seu modo de existncia: no h outro facto social e cultural mais significativo quanto ao nosso tempo; no h aspirao nem desejo mais legtimos aos olhos dos nossos contemporneos.

O processo de personalizao: estratgia global, mutao geral no fazer e no querer das nossas sociedades. Quando muito, seria conveniente distinguir nele duas faces. A primeira, limpa ou operacional, designa o conjunto dos dispositivos fluidos e desestandartizados , as frmulas de solicitao programada elaboradas pelos aparelhos de poder e de gesto que levam regularmente os detractores de direita e, sobretudo, de esquerda a denunciar, no sem uma caricatura algo grotesca, o condicionamento generalizado, o inferno climatizado e totalitrio da affluent society. A segunda face, selvagem ou paralela, como lhe poderamos chamar, decorre da vontade de autonomia e de particularizao dos grupos e dos indivduos, neo-feminismo, libertao dos costumes e das sexualidades, reivindicaes das minorias regionais e lingusticas, tecnologias psi, desejo de expresso e de realizao do eu, movimentos alternativos: enfim, temos por toda a parte a busca de uma identidade prpria e j no da universalidade como motivo das aces sociais e individuais. Dois plos que tm, sem dvida, as suas especificidades, mas que trabalham ambos no sentido da sada de uma sociedade disciplinar e que o fazem em funo da afirmao, mas tambm da explorao das singularidades individuais.

O processo de personalizao emergiu no interior do universo disciplinar, de modo que o fim da poca moderna se caracterizou pelo casamento de duas lgicas antinmicas. Foi a anexao cada vez mais patente das esferas da vida social pelo processo de personalizao e o recuo concomitante do processo disciplinar que nos levou a falar de sociedade ps-moderna, ou seja de uma sociedade que generaliza uma das tendncias, inicialmente minoritria, da modernidade. Sociedade ps-moderna, maneira de dizer a inflexo histrica dos objectivos e modalidades da socializao, colocados hoje sob a gide de dispositivos abertos e plurais; modos de dizer, onde, o individualismo hedonista e personalizado se tornou legtimo, e j no se depara com oposio; maneira de dizer que a era da revoluo, do escndalo, da esperana futurista, inseparvel do modernismo, terminou.

A sociedade ps-moderna a sociedade em que reina a indiferena em massa, em que domina o sentimento de saciedade e de estagnao, em que a autonomia privada bvia, em que o novo acolhido do mesmo modo que o antigo, em que a inovao se banalizou, em que o futuro deixou de ser assimilado a um progresso inelutvel. A sociedade moderna era conquistadora, crente no futuro, na cincia e na tcnica; institui-se em ruptura com as hierarquias de sangue e a soberania sacralizada, com as tradies e os particularismos, em nome do universal, da razo, da revoluo. Esse tempo desfaz-se diante dos nossos olhos; em parte contra tais princpios futuristas que as nossas sociedades se estabelecem, nessa medida ps-modernas, vidas de identidade, de diferena, de conservao, de descontraco, de realizao pessoal imediata; a confiana e a f no futuro dissolvem-se, nos amanhs radiosos da revoluo e do progresso j ningum acredita, doravante o que se quer viver j, aqui e agora, ser-se jovem em vez de forjar o homem novo. Sociedade ps-moderna significa, neste sentido, retraco do tempo social e individual precisamente quando se impe cada vez mais a necessidade de prever e organizar o tempo colectivo, exausto do impulso modernista dirigido para o futuro, desencanto e monotonia do que novo, esgotamento de uma sociedade que conseguiu neutralizar na apatia aquilo que a fundamenta: a mudana.

Os grandes eixos modernos, revoluo, as disciplinas, o laicismo, a vanguarda, foram desafectados fora de personalizao hedonista; o optimismo tecnolgico e cientfico desmoronou-se, enquanto as inmeras descobertas eram acompanhadas pelo envelhecimento dos blocos, pela degradao do meio ambiente, pelo apagamento progressivo dos indivduos: j nenhuma ideologia poltica capaz de inflamar as multides, a sociedade ps-moderna j no tem dolos nem tabus, j no possui qualquer imagem gloriosa de si prpria ou projecto histrico mobilizador; doravante o vazio que nos governa, um vazio sem trgico nem apocalipse.

Que erro foi anunciar precipitadamente o fim da sociedade de consumo quando claro que o processo de personalizao no pra de lhe alargar as fronteiras. A recesso presente, a crise energtica, a conscincia ecolgica no so o toque a finados da sociedade de consumo: estamos destinados a consumir, ainda que de outro modo, cada vez mais objectos e informaes. Desportos e viagens, formao e relaes, msica e cuidados mdicos. isso a sociedade ps-moderna: no o para alm do consumo, mas a sua apoteose, a sua extenso esfera privada, imagem e ao devir do ego chamado a conhecer o destino da obsolescncia acelerada, da mobilidade, da desestabilizao. Consumo da sua prpria existncia atravs dos media desmultiplicados, dos tempos livres, das tcnicas relacionais, o processo de personalizao gera o vazio em technicolor, a flutuao existencial na e pela abundncia de modelos, mesmo que condimentados de convivialidade, de ecologismo, de psicologismo.

Mais precisamente, estamos na segunda fase da sociedade de consumo, cool e j no hot , consumo que digeriu a crtica da opulncia. Acabada, com efeito a idolatria do american way of life, dos carros triunfantes de cromados, das grandes estrelas e dos grandes sonhos de Hollywood; acabados a revolta beatnik, o escndalo das vanguardas; tudo isto deu lugar, segundo se diz, a uma cultura ps-moderna identificvel por diversas caractersticas: busca da qualidade de vida, paixo pela personalidade, sensibilidade extrema, desafeco dos grandes sistemas de sentido, culto da participao e da expresso, moda retro, reabilitao do local, do regional, de certas crenas e prticas tradicionais. Eclipse da bulimia quantitativa anterior?

Por certo que sim, na condio de no perdermos de vista que estes fenmenos so igualmente manifestaes do processo de personalizao, outras tantas estratgias que trabalham no sentido de destruir os efeitos do modernismo monoltico, do gigantismo, do centralismo, das ideologias, da vanguarda. No temos que opor a era do consumo passivo s correntes chamadas ps-modernas, criativas, ecologistas, revivalistas; no conjunto, estas completam o desmoronar da era moderna rgida em direco a uma maior flexibilidade, diversidade, escolhas privadas, com vista reproduo alargada do princpio das singularidades individuais. A descontinuidade ps-moderna no comea com este ou aquele efeito particular, cultural ou artstico, mas com a preponderncia histrica do processo de personalizao, acompanhada pela reestruturao do todo social sob a sua lei prpria.

A cultura ps-moderna representa o plo super-estrutural de uma sociedade que sai de um tipo de organizao uniforme, dirigista, e que, para o fazer, mistura os ltimos valores modernos, reabilita o passado e a tradio, revaloriza o local e a vida simples, dissolve a preeminncia da centralidade, dissemina os critrios da verdade e da arte, legitima a afirmao da identidade pessoal de acordo com os valores de uma sociedade personalizada onde o que importa que o indivduo seja ele prprio, e onde tudo e todos tm, portanto, direito de cidade e a serem socialmente reconhecidos, sendo que nada deve doravante impor-se imperativa e duradouramente, e todas as opes, todos os nveis, podem coabitar sem contraco nem relegao. A cultura ps-moderna descentrada e heterclita, materialista e psi, porno e discreta, inovadora e retro, consumista e ecologista, sofisticada e espontnea, espectacular e criativa; e o futuro ter, sem dvida, que decidir em favor de uma destas tendncias, mas, pelo contrrio, desenvolver as lgicas duais, a co-presena flexvel das antinomias. A funo de uma exploso semelhante duvidosa: paralelamente aos outros dispositivos personalizados, a cultura ps-moderna um vector de alargamento de individualismo ( e Narcisismo); diversificando as possibilidades de escolha, liquefazendo os marcos de referncia, minando os sentidos nicos e os valores superiores da modernidade, modela uma cultura personalizada ou por medida, permitindo ao tomo social emancipar-se das balizas disciplinares-revolucionrias.

No entanto, no verdade que estejamos entregues errncia do sentido, a uma deslegitimao total; na poca ps-moderna, perdura um valor principal, intangvel, indiscutido atravs das suas mltiplas manifestaes: o indivduo e o seu direito cada vez mais proclamado de se realizar parte, de ser livre, medida que as tcnicas de controlo social passam a aplicar dispositivos mais sofisticados e humanos. Se, portanto, o processo de personalizao introduz de facto uma descontinuidade na trama histrica, continua, contudo, a prosseguir por outras vias a obra que, atravessando os sculos, o da modernidade democrtica-individualista. Ruptura aqui, continuidade ali, a noo de sociedade ps-moderna no diz coisa diferente: uma fase chega ao fim, uma nova fase aparece, ligada por fios mais complexos do que primeira vista pode parecer, s nossas origens polticas e ideolgicas.

(O Autor confronta, ento, o sentido do Individualismo na Modernidade e Ps-Modernidade. Para ele. se na Modernidade, o individualismo era limitado e controlado, na ps-modernidade, o individualismo total, face ao surto individualista induzido pelo processo de personalizao. Trata-se de um Narcisismo, onde o indivduo se sente atrado pelo relacional, no igual ao tipo universal, moderno, dos velhos direitos iguais, mas vinculado a grupos sectoriais, formados por seres idnticos, orientados por novos direitos, voltados para a diferenciao.)

A poca moderna foi assombrada pela produo e pela revoluo; a poca ps-moderna, pela informao e pela expresso. Os indivduos, ao que se diz, exprimem-se no trabalho, por meio dos contactos, do desporto, dos tempos livres, de tal modo que em breve j no haver uma nica actividade que no passe a exibir o rtulo de cultural. No se trata sequer de um discurso ideolgico, trata-se de uma aspirao de massa cujo ltimo avatar a extraordinria profuso das rdios livres. Somos todos disc-jockeys, apresentadores e animadores: ligamos a FM, e somos apanhados numa vaga de msicas, de declaraes fragmentrias, de entrevistas, de confidncias, de tomadas de palavra culturais, regionais, locais, de bairro, de escola, de grupos restritos. Democratizao sem precedentes da palavra: cada um de ns e incitado a telefonar para o emissor, cada um de ns pretende dizer alguma coisa a partir da sua experincia ntima, tornar-se locutor e ser ouvido. Mas passa-se aqui o mesmo que com os graffiti nas paredes da escola ou entre os inmeros grupos artsticos: quanto mais os indivduos se exprimem, menos h o que dizer, quanto mais se sofistica a subjectividade, mais annimo e vazio o efeito se revela. Paradoxo reforado ainda pelo facto de ningum se interessar no fundo por tal profuso da expresso, verdade que com uma excepo significativa: a do prprio emissor ou criador.

isso precisamente o narcisismo, a expresso a todo custo, o primado do acto de comunicao sobre a natureza do que comunicado, a indiferena pelos contedos, a reabsoro ldica do sentido, a comunicao sem finalidade nem pblico, o destinador tornado o seu prprio destinatrio. Da essa pletora de espectculos, de exposies, de entrevistas, de declaraes totalmente insignificantes e que j nem sequer visam obter um efeito de ambiente: outra coisa que est em jogo, a possibilidade e o desejo de expresso, seja qual for a natureza da mensagem, o direito e o prazer narcsico do indivduo que se exprime para nada, para si apenas, mas veiculado e amplificado por um mdium. Comunicar por comunicar, exprimir-se sem outro objectivo alm de se exprimir e ser registado por um micropblico, o narcisismo revela aqui como noutros lugares a sua conivncia com a dessubstancializao ps-moderna, com a lgica do vazio.