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Agenda nacional pelo desencarceramento - 2014 Pastoral carcerária

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  • 1AGENDA NACIONAL

    PELO

    2014

    DESENCARCERAMENTO

  • 2Organizaes:

    Associao Nacional de Defensores Pblicos Federais ANADEFCentro de Direitos Humanos e Educao Popular do Campo Limpo CDHEPGrupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privao de Liberdade MGInstituto Prxis de Direitos HumanosJustia GlobalMes de MaioMargens ClnicasNcleo Especializado de Situao Carcerria da Defensoria Pblica do Estado de So PauloPastoral Carcerria Nacional CNBBPastoral da Juventude CNBBPrograma de extenso CULTHIS/UFMG: espao de ateno psicosso-cial ao preso, egresso, amigos e familiaresRede 2 de outubroSociedade Sem Prises

  • 3POr UM PrOgraMa naCiOnaL De DesenCarCeraMenTO e De aBerTUra

    DO CrCere Para a sOCieDaDe

    Como se sabe, o Brasil ostenta o nada honroso terceiro lugar no ranking dos pases com maior populao carcerria no mundo (atrs apenas de Estados Unidos e China), com mais de 700 mil pessoas presas. entre 1992 e 2012, a populao carcerria brasileira saltou de 114 mil para aproximadamente 550 mil pessoas presas: recrudescimento de 380% (DePen). no mesmo intervalo de tempo, a populao brasileira cres-ceu 30% (iBge).

    Conjuga-se gravemente com esse processo de encarceramento em massa a degradao do sistema prisional, consubstanciado na viola-o dos direitos mais bsicos da populao carcerria: apenas 10% tm acesso a alguma forma de educao; somente 20% exercem atividade remunerada; o servio de sade manifestamente frgil, com quadro tcnico exguo e diversos casos de graves doenas e at de bitos oriun-dos de negligncia; as unidades so superlotadas: o Brasil ostenta a maior taxa de ocupao prisional (172%)1 entre os pases considerados emergentes; torturas e maus-tratos campeiam, com a conivncia dos rgos responsveis por fiscalizar as unidades prisionais.

    Ao carter massivo do encarceramento no Brasil soma-se o carter seletivo do sistema penal, expresso na discriminao de bens protegi-dos e de pessoas alvejadas: de um lado, apesar das centenas de tipos penais constantes da legislao, cerca de 80% da populao prisional est presa por crimes contra o patrimnio (e congneres) ou pequeno trfico de drogas; de outro, apesar da multiplicidade tnica e social da populao brasileira, as pessoas submetidas ao sistema prisional tm quase sempre a mesma cor e provm da mesma classe social e terri-trios daquelas submetidas, historicamente, s margens do processo civilizatrio brasileiro: so pessoas jovens, pobres, perifricas e pretas.

    1 Dado de dezembro de 2012. LONDON. Kings College, International Centre for Prison Studies. Disponvel em: http://www.prisonstudies.org/.

  • 4A seletividade penal tem ainda outro vis, mais grave e violento: a crimi-nalizao das mulheres. Apesar de o nmero de mulheres presas cor-responder a cerca de 8% do total da populao carcerria, sabe-se que, nos ltimos dez anos, houve aumento de cerca de 260% de mulheres presas contra aumento de aproximadamente 105% de homens presos.

    O carter patriarcal do sistema penal revela traos extremamente cru-is e sintomticos do machismo elevado mxima potncia.

    O recrudescimento da populao prisional feminina deriva, em larga es-cala, da assuno por centenas de milhares de mulheres pobres (quase sempre negras) de postos de trabalhos precrios e perigosos na cadeia de comercializao de psicotrpicos, tornando-as principal alvo da ob-tusa guerra s drogas, eis que mais expostas e vulnerveis.

    Bom lembrar que a maioria esmagadora das mulheres presas por tr-fico de drogas composta por pequenas comerciantes ou mesmo por meras usurias (fenmeno tambm observado entre os homens) e que no so raros os casos de separao violenta e ilegal dessas mulheres de seus filhos2. Tambm no so raros os casos de mulheres que, pre-sas durante a gravidez, ou perdem a criana por falta de cuidados mdi-cos, ou do luz algemadas! de se mencionar, tambm, a penalizao de mulheres familiares de pessoas presas. Nas filas de visita, a revista vexatria perdura, vergonhosamente, como prtica estatal para pena-lizar, torturar e humilhar familiares, geralmente mulheres, que viajam longas distncias para visitar o ente querido preso, quando no so dis-suadidas pelos prprios presos de enfrentar essa prtica abjeta.

    O contato com a realidade do sistema penal, como se percebe, traz a clareza de que h evidente processo de criminalizao patriarcal da maternidade e da ocupao do espao pblico por mulheres3.

    2 Nesse aspecto, urge acompanhar de perto a implementao da Lei 12.962 de 8 de abril 2014, cujo contedo voltado garantia da convivncia entre mes e pais presos e seus filhos e do devido processo legal para casos extremos de destituio do poder familiar.3 Sobre tal realidade, imprescindvel conferir a pesquisa Dar Luz na Sombra Pensando o Direito e as Reformas Penais no Brasil: Condies atuais e possibilidades futuras para o exerccio da maternidade por mulheres em situao de priso, coordenada por Ana Gabriela Braga (Univer-sidade Estadual Paulista Unesp/Franca) e Bruna Angotti (Universidade Presbiteriana Mackenzie).

  • 5A todas essas mazelas, adiciona-se ainda mais uma: a violao sistem-tica do direito fundamental presuno de inocncia. Ningum ignora que, juridicamente, somente considerada culpada aquela pessoa que, acusada pelo cometimento de determinado crime, teve direito a um pro-cesso justo e a todas as vias defensivas e recursais at que a condenao se torne definitiva. Na prtica, todavia, prevalece a punio antecipada, configurada na verdadeira farra das prises cautelares: cerca de 43% da populao prisional brasileira ainda no tem condenao definitiva! em outros termos, quase metade da populao prisional brasileira juridicamente inocente!

    O quadro apresentado sintetiza um pouco dos horrores do sistema pri-sional brasileiro, mas insuficiente para traduzir o que apenas o con-tato direto com a realidade pode ensinar: crcere no lugar de gente.

    O ento presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Excelentssimo Sr. Cezar Peluso, j criticara em maro de 2011 o sistema penitencirio do pas e chegou a comparar algumas prises s masmorras medie-vais. Isso um crime do Estado contra o cidado brasileiro, disse ele, durante seminrio de segurana pblica4.

    O prprio Ministro da Justia assumiu publicamente tal fato, pouco tem-po depois de assumir o posto que ainda ocupa: Se fosse para cumprir muitos anos em uma priso nossa, eu preferiria morrer, disse durante um encontro com empresrios paulistas, fazendo a mesma aluso ao carter de terrveis masmorras medievais das prises brasileiras5.

    Em face do ntido carter seletivo, classista e racista do sistema penal e, ademais, do carter evidentemente crimingeno da priso6, cumpre a quem queira assumir o mnimo compromisso com as camadas popula-res, com as pessoas mais humildes e exploradas desse pas, envidar to-

    Para conferir o relatrio parcial, acesse: http://participacao.mj.gov.br/pensandoodireito/garantia-de-convivencia-familiar-lei-em-vigor-e-pesquisa/ 4 Cf. http://www.reporternews.com.br/noticia.php?cod=3172405 Cf. http://jornaloexpresso.wordpress.com/2012/11/13/ministro-da-justica-diz-que-prefere-a-morte-as-nossas-prisoes/6 Tal carter crimingeno, indutor de reincidncia, foi admitido expressamente pelo Legislador no item 20 da Exposio de Motivos da Lei de Execuo Penal (1984): essa hipertrofia da punio no s viola a medida da proporcionalidade como se transforma em poderoso fator de reincidncia, pela formao de focos crimingenos que propicia.

  • 6dos os esforos para reverter o processo de encarceramento em massa e pr freios ao punitivismo.

    necessrio, urgentemente, fechar as comportas do sistema penal e estancar as veias abertas do sistema prisional brasileiro com a ado-o de medidas efetivas de desencarceramento, de abertura do crcere para a sociedade e de mitigao de danos enquanto houver prises.

    Nesse sentido, prope-se a construo de um robusto e integrado PRO-GRAMA NACIONAL DE DESENCARCERAMENTO, DE ABERTURA DO CRCERE PARA A SOCIEDADE E DE REDUO DE DANOS, composto pelas seguintes diretrizes:

    1 - revOgaO DO PrOgraMa naCiOnaL De aPOiO aO sisTeMa PrisiOnaL e sUsPensO De qUaLqUer verBa vOLTaDa COnsTrUO De nOvas UniDaDes PrisiOnais

    O cerne do Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lanado em meados do segundo semestre de 2011, o empenho de cerca de 1 bilho e 100 milhes de reais para a construo de novas unidades prisionais em todo o pas, com duas metas principais: zerar o dficit de vagas feminino e reduzir o nmero de presos em delegacias de polcia, transferindo para cadeias pblicas.

    Tal Programa, no entanto, manifestamente equivocado. Ainda que atingidas as metas do plano (construo de 42,5 mil novas vagas), se-quer se supriria, por exemplo, o dficit carcerrio do Estado de So Pau-lo, de cerca de 90 mil vagas em 2012 e que, a cada ms, tem o acrscimo, em mdia, de 10.000 pessoas inclusas (contra cerca de 6.000 egressas).

    A superlotao no deriva da ausncia de polticas para a construo de pres-dios (nos ltimos 20 anos, o Brasil saltou de 60 mil vagas para 306 mil vagas prisionais), mas sim, bom iterar, das prises abusivas, ilegais e discrimina-trias executadas contra as pessoas mais pobres desse pas e do exagerado investimento em polticas repressivas em detrimento de polticas sociais.

  • 7a construo de presdios no apenas inbil ao objetivo de aplacar a superlotao carcerria, como tambm serve de fomento s prises. De acordo com David Ladipo, pesquisador do sistema prisional estadunidense, quando as prises esto superlotadas, h maior presso sobre os juzes para serem mais seletivos na imposio de sentenas de encarceramento. Quando a capacidade das prises aumenta, parte dessa presso diminui7.

    imperioso que se faa cessar imediatamente qualquer poltica de construo de presdios para priorizar polticas que, como se explicita-r na sequncia, so aptas a equacionar estruturalmente os principais problemas atinentes ao sistema carcerrio.

    O Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional um equvoco e reclama urgente revogao, sob pena de contribuir ainda mais para a expanso do sistema e da populao prisionais.

    2 PaCTO rePUBLiCanO Para a COnsTrUO De PLanO PLUrianUaL De reDUO Da POPULaO PrisiOnaL e DOs DanOs CaUsaDOs PeLa PrisO

    No lugar de um programa com metas para a construo de presdios, prope-se pacto republicano entre os trs poderes e entre os entes fe-derativos para a construo de metas voltadas reduo da populao prisional e de suas mazelas e implementao de polticas de acolhi-mento social de jovens e adultos egressos.

    No que toca reduo da populao prisional e de suas mazelas, bom lem-brar que o Governo Federal conta com importante expediente para impulsionar a reduo da populao prisional: o indulto. Trata-se de prerrogativa constitu-cional atribuda Presidncia da Repblica (conforme artigo 84, XII, CR) que deve ser mais amplamente utilizada para enfrentar o encarceramento em massa, a exemplo da corajosa proposta tempos atrs apresentada pelo Presidente italia-no para liberar 24 mil presos do tambm apinhado sistema prisional da Itlia8.

    7 LADIPO, David. O Retrocesso da Liberdade: Contabilizando o Custo da Tradio Prisional Ameri-cana. Cadernos de Pesquisa, n 25. DEZ/2000 - UFSC.8 Vide: http://www.conjur.com.br/2013-out-09/presidente-italia-propoe-soltar-24-mil-presos-resolver-superlotacao

  • 8 de extrema importncia, ademais, a incluso do sistema prisional entre as prioridades nas polticas de ampliao de oferta de vagas de ensino e de aumento do nmero de mdicos em locais carentes, considerando, inclusive, a chegada de profissionais estrangeiros, no mbito das polticas do Sistema nico de Sade (SUS) e do Programa Mais Mdicos.

    Com relao iMPLeMenTaO De POLTiCas De aCO-LhiMenTO sOCiaL De jOvens e aDULTOs egres-sOs, sugere-se que a construo das metas seja guiada pe-los seguintes pontos elencados pela Pastoral Carcerria9: 1) levantamento prvio e detalhado da situao, das necessidades e das dificuldades encontradas pelos egressos, bem como consultas democr-ticas e construo participativa de polticas voltadas para essa populao; 2) implementao de trabalho de conscientizao territorial e comunit-rio a fim de superar os efeitos danosos causados pelo encarceramento; 3) integrao dos diversos componentes territoriais em rede; 4) programa integral de ateno aos egressos individualizado, respeitan-do os distintos grupos sociais e com polticas voltadas para as minorias; 5) respeitar as especificidades do atendimento das mulheres egressas; 6) garantia de clere atendimento pes-soa egressa, de preferncia j no limiar de sua sada; 7) formao adequada das polcias e outros agentes de seguran-a pblica para que saibam como trabalhar com esta populao; e 8) produo permanente de dados e acompanhamento das polticas im-plementadas.

    Ainda no mbito da poltica para pessoas egressas, vale replicar impor-tante apontamento do referido documento:

    Trata-se de uma questo da qual o Plano Juventude Viva, que busca reduzir os ndices de vulnerabilidade e, consequentemente, de mortalidade da populao jovem e negra nas cidades brasilei-ras no pode se furtar, j que a passagem pelo sistema prisional aumenta a vulnerabilidade da pessoa e retira, ainda mais, sua dig-nidade e sua cidadania.

    9 Vide: http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2014/08/Projeto-de-Reinser%C3%A7%C3%A3o-social-de-egressos-do-sistema-prisional.pdf

  • 9O PLanO PLUrianUaL De reDUO Da POPULaO PrisiOnaL e DOs DanOs CaUsaDOs PeLa PrisO aqui proposto poderia ser pactuado e reajustado anualmente, observados o permanente acompanhamento das polticas de atendimento s pessoas egressas e a realizao de visitas conjuntas a todas unidades prisionais do pas, com a garantia de ampla participao da sociedade civil, a fim de detectar o cumprimento de suas diretrizes, de promover a liberao de pessoas presas ilegalmente e de identificar, apurar e sanar eventuais violaes de direitos.

    3 - aLTeraes LegisLaTivas Para a MxiMa LiMiTaO Da aPLiCaO De Prises CaUTeLares

    Como j afirmado, apesar de vigorar no Brasil o princpio constitucional da presuno de inocncia, cerca de 43% da populao prisional ainda no tem condenao definitiva. Os mutires empolgados pelo CNJ tm demonstra-do, reiteradamente, o excessivo nmero de prises ilegais e abusivas.

    Nesse contexto, fundamental que o Governo e o Congresso Nacional se empenhem em articular, com prioridade, alteraes legislativas que abarque, no mnimo: a) a excluso das hipteses de decretao de priso preventiva como garantia da ordem pblica ou da ordem econmica, em face da extrema gravidade do fato e diante da prtica reiterada de crimes pelo mesmo autor (as duas ltimas hipteses so retrocessos inclusos no PLS 156/2009); b) a ampliao dos casos em que a decre-tao da priso preventiva vedada; c) a reduo do prazo mximo da priso preventiva prevista no anteprojeto de Cdigo de Processo Penal que tramita no Congresso Nacional PLS 156/2009 (de acordo com o qual a priso preventiva poder perdurar por at 720 dias).

    4 COnTra a CriMinaLizaO DO UsO e COMrCiO De DrOgas

    No mbito da Agenda de Enfrentamento Violncia nas Periferias Ur-banas do Governo Federal, alega-se, na defesa do programa Crack Possvel Vencer: Embora a violncia urbana no seja resultante exclu-sivamente do uso abusivo de drogas e de seu comrcio, ela esta intima-mente relacionada com esta agenda.

  • 10

    A assero parcialmente verdadeira. a violncia urbana, na verdade, no est intimamente ligada com o uso e o comrcio de drogas, mas, mais precisamente, com a criminalizao do uso e do comrcio de drogas.

    De acordo com Maria Lcia Karam10, a criminalizao do comrcio de drogas, longe de inibi-lo, carreia sociedade o subproduto da violn-cia: seja para enfrentar a represso, seja para resolver conflitos de con-corrncia, os comerciantes de drogas tm na violncia o meio necess-rio para garantir seus negcios.

    De outra perspectiva, a poltica de guerra s drogas traz impactos imensos ao sistema carcerrio e determinante na construo de car-reiras criminalizadas entre jovens pobres das periferias.

    O nmero de pessoas presas por trfico mais do que triplicou entre 2005 e 2011, passando de 31.520 para 115.287.

    O modelo atual (cujo marco legal a Lei 11.343/2006), alm de, obvia-mente, no atingir o objetivo de evitar a utilizao de entorpecentes, agrava o problema, eis que as pessoas presas sob acusao de trfico so, em regra, aquelas que esto na base da hierarquia do comrcio de entorpecentes: pessoas pobres (geralmente primrias), residentes na periferia, que no raras vezes traficam para sustentar o prprio vcio.

    Conforme j apontado, a poltica de combate s drogas ainda mais cruel quando se trata das mulheres: mais do que a metade da popula-o prisional feminina composta de mulheres acusadas por crime de trfico de drogas.

    J passa do tempo de romper com a deletria guerra estadunidense contra as drogas (e, por via oblqua, contra os perifricos) e elevar o enfrentamento aos efeitos nocivos do uso de entorpecentes ao patamar de poltica de sade e de educao pblicas.

    10 KARAM, Maria Lcia. Proibies, Riscos, Danos e Enganos: As Drogas Tornadas Ilcitas. Lumen Juris, 2009.

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    5 - COnTraO MxiMa DO sisTeMa PenaL e aBerTUra Para a jUsTia hOrizOnTaL

    Para Luigi Ferrajoli, Direito Penal mnimo aquele condicionado e li-mitado ao mximo e que corresponde no apenas ao grau mximo de tutela das liberdades dos cidados frente ao arbtrio punitivo, mas tambm a um ideal de racionalidade e de certeza11.

    Adotar o parmetro do Direito Penal mnimo denota, portanto, o estabe-lecimento de caminhos os mais estreitos para o sistema penal, de tal modo que ele no transborde as limitaes constitucionais e legais cuja aplicao poderia cumprir a funo de pr freios aos impulsos punitivos das agncias de segurana pblica.

    Nesse sentido, em vista da existncia de dois anteprojetos de Cdigo Penal em debate nas duas Casas Legislativas e da necessidade de res-tringir a pena de priso ao menor nmero de casos possvel, pleiteia-se compromisso do Governo e do Congresso Nacional para a abolio da pena de priso: nos crimes de menor potencial ofensivo; nos crimes punidos com deteno; nos crimes de ao penal de iniciativa privada; nos crimes de perigo abstrato; e nos crimes desprovidos de violncia ou grave ameaa.

    Faz-se necessria, ademais, mudana na regra geral estampada no arti-go 100, 1, do Cdigo Penal, pela qual, salvo disposio contrria (e so raras as disposies contrrias), a ao penal pblica e incondicionada.

    No tpico relativo Justia Comunitria da Agenda de Enfrentamen-to Violncia nas Periferias Urbanas do Governo Federal, firma-se o objetivo de estimular comunidades a construir seus prprios caminhos para a realizao da Justia, de forma pacfica e solidria.

    No entanto, enquanto viger a regra geral do artigo 100, 1, do Cdigo Penal, a vtima e sua comunidade, no mais das vezes, tero sempre pa-pis irrelevantes na conduo do processo institucional de responsabi-

    11 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo, Teoria do Garantismo Penal, RT, 3 edio, 2010.

  • 12

    lizao. Quando muito, serviro de prova testemunhal, cujas vontades e necessidades so desprezveis no mbito do processo penal.

    Com o fim de minimamente descongestionar os espaos amplamente ocupados pelo sistema penal vigente, convm alterar a redao do ar-tigo 100, 1, do Cdigo Penal para inverter a regra geral: a ao penal passa a ser pblica condicionada, salvo disposio contrria. De modo que a pessoa lesada, sempre que se sentir contemplada por outros meios de elaborao do conflito, poder abdicar da interveno penal.

    Raciocnio idntico vale para o sistema penal juvenil. Apesar de j con-tar com dispositivo que tem aberto relativo espao para a aplicao de prticas restaurativas (artigo 126 do Estatuto da Criana e do Adoles-cente e artigo 35 do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), o procedimento depende da discricionariedade do Ministrio Pblico e nada tem de horizontal ou comunitrio, vez que ainda institucionalizado e, portanto, submetido ao peso e verticalidade da jurisdio.

    Melhor seria que os processos para a apurao de ato infracional de-pendessem, igualmente, de expressa manifestao da pessoa lesada. Assim, facultada pessoa lesada a deciso por representar ou no para a promoo da ao penal ou infracional, possibilita-se a abertura de canais comunitrios de resoluo consensual e no punitiva do conflito.

    Obviamente, seja no sistema penal adulto, seja no infanto-juvenil, caso seja promo-vida a representao, a pessoa acusada, ora perante o poder de punir do Estado, dever ser provida de todas as garantias fundamentais do devido processo legal.

    Ainda no campo de possveis alteraes do Cdigo Penal, de se forta-lecer o repdio s atuais tentativas de tipificar o crime de terrorismo, tendencialmente entornadas criminalizao dos movimentos sociais. Nesse sentido, reforamos integralmente o teor do Manifesto de rep-dio s propostas de tipificao do crime de Terrorismo, assinado por mais do que 130 organizaes e movimentos sociais12.

    12 Vide: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9380:manifesto-de-repudio-as-propostas-de-tipificacao-do-crime-de-terrorismo-para-as-mobili-zacoes-socais&catid=33:noticias-em-destaque

  • 13

    6 aMPLiaO Das garanTias na LeP

    A Lei de Execuo Penal, por sua vez, tambm reclama reforma, espe-cialmente para conform-la Constituio da Repblica.

    Nesse sentido, alguns aspectos deveriam ser considerados: judicializa-o de todos os procedimentos relativos ao cumprimento de pena; regu-lamentao da revista de visitas, com vedao expressa s chamadas revistas vexatrias e de qualquer prtica violadora da dignidade de visitantes; ampliao das hipteses de aplicao de priso domiciliar, tornando-a instrumento de combate ao desrespeito aos direitos das pessoas presas; revogao do regime disciplinar diferenciado; redu-o dos lapsos temporais e excluso do (arbitrrio) requisito subjetivo (bom comportamento carcerrio) para a progresso de regime e para a concesso do livramento condicional; fortalecimento do poder judicial de interdio de unidades prisionais; e detalhamento da atribuio ju-dicial (artigo 66, VII) para a apurao de tortura, maus-tratos e outras graves violaes a direitos fundamentais da pessoa presa.

    Necessrio, ademais, seja promovida alterao na LEP para garantir os direi-tos fundamentais ao contraditrio e ampla defesa, conforme previso do Eixo I, item 11, do Acordo de Cooperao para Melhoria do Sistema prisional13.

    7 ainDa nO MBiTO Da LeP: aBerTUra DO CrCere e CriaO De MeCanisMOs De COnTrOLe POPULar

    Atualmente, o acesso ao crcere quase que circunscrito s atividades de assistncia religiosa e, de maneira completamente precria e inst-vel, a atividades acadmicas e humanitrias, sempre dependentes da autorizao do Poder Executivo.

    No artigo 4 da Lei de Execuo Penal, dispe-se: o Estado dever re-correr cooperao da comunidade nas atividades de execuo da pena e da medida de segurana.

    13 Vide: http://www.justica.gov.br/noticias/poderes-assinam-termo-de-compromisso-para-reduzir-deficit-carcerario

  • 14

    Interpretada a partir dos fundamentos constitucionais e dos objetivos fundamentais inscritos nos artigos 1 e 3 da Constituio da Repbli-ca, a expresso cooperao da comunidade deve ser compreendida como abertura ao envolvimento da comunidade na equao dos danos produzidos pelo conflito e pela pena privativa de liberdade, com a pos-sibilidade de restabelecer os laos da pessoa presa com a sua comuni-dade no decorrer do cumprimento da pena de priso.

    H dois outros dispositivos contidos na LEP que tambm poderiam ser aplicados a fim de promover a abertura do crcere para a sociedade: 1) no artigo 23, VII, a atribuio de orientar e amparar, quan-do necessrio, a famlia do preso, do internado e da vtima, con-ferida ao servio de assistncia social, fornece fundamentos suficientes para as equipes de servio social se empenharem na cons-truo de espaos de encontro da pessoa presa com a pessoa ofendida; 2) no artigo 64, I , abre-se a possibilidade de o Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) estabelecer marco normativo que regulamente e amplie o acesso ao crcere pela sociedade.

    No entanto, fundamental encampar reformas na LEP conducentes abertura crescente do crcere sociedade, com a (1) incluso da as-sistncia humanitria no rol do artigo 11, (2) a regulamentao de vi-sitas ao crcere pela sociedade, (3) a remodelao dos conselhos da comunidade para transform-los em instrumentos de monitoramento do crcere controlados diretamente por familiares, amigas e amigos de mulheres presas e de homens presos e a (4) criao de Ouvidorias externas e independentes, capitaneadas por membros externos car-reira pblica, escolhidos no mbito da Sociedade Civil14.

    8 - veDaO PrivaTizaO DO sisTeMa PrisiOnaL

    intolervel, absolutamente intolervel, qualquer espcie de delegao da gesto prisional iniciativa privada.

    14 Apesar de convencionadas na Meta 3 do Plano Diretor do Sistema Penitencirio (2008) e reco-mendadas na Res. 3/2014 do CNPCP, as Ouvidorias Externas e Independentes do Sistema Prisional esto implementadas apenas em poucos Estados.

  • 15

    Em primeiro lugar, porque inconstitucional: de um lado, indelegvel a funo punitiva do Estado, eis que atada ao monoplio da fora estru-turante da Repblica e parte, portanto, dela.

    Como bem assinala Jos Luiz Quadros de Magalhes: para privatizar o Estado e suas funes essenciais privatizando, por exemplo, a execuo penal, teramos que fazer uma nova Constituio15.

    Por outro lado, punio no atividade econmica e nem seria admissvel que o fosse. A mercantilizao da liberdade de pessoas fulmina, no limite, o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CR).

    Para alm da inconstitucionalidade e da patente imoralidade expressa nas tentativas de transformar prises em negcios, fato que, tambm do ponto de vista administrativo, a privatizao uma pssima opo, salvo para iniciativa privada, vida por auferir altos dividendos com a restrio da liberdade alheia.

    Parece bastante bvio que a iniciativa privada no explorar o sistema prisional (ou qualquer outro ramo que o Estado permita explorar) sem que lhe seja permitida a extrao de taxa de lucro, o que, ao que tudo indica, far recrudescer os custos com o aprisionamento.

    No mesmo sentido, pedaggico o alerta de Antnio Carlos Prado, Editor Executivo da Revista Isto , em recente artigo publicado na prpria revista:

    O que pode ento parecer, primeira vista, uma soluo para o ca-tico sistema penitencirio brasileiro guarda armadilhas. Estudos feitos no Brasil apontam que, com a privatizao, cada preso cus-tar mensalmente em mdia R$ 4 mil quantia que os governos tero de repassar s empresas. Nem no Principado de Mnaco, onde se oferece champanhe no caf da manh (no ironia, isso mesmo), um presidirio custa tanto. Ser que o prisioneiro, aqui, j no est sendo superfaturado? Se essa a quantia necessria para mant-lo, ento como explicar que o governo paulista tenha des-

    15 MAGALHES, Jos Luiz Quadros de. Privatizar o sistema carcerrio? In: OLIVEIRA, Rodrigo Trres, MATTOS, Virglio de (Org.). Estudos de execuo Criminal: Direito e Psicologia. 2009, p. 73/76.

  • 16

    pendido apenas R$ 41 per capita ao longo do ltimo ano? Por que os gestores dos cofres pblicos, to econmicos na questo prisional, tornam-se generosos quando entra em cena a iniciativa privada?16

    patente que, a despeito dos auspiciosos argumentos relativos s su-postas melhores tcnicas de gesto da iniciativa privada, h um nico interesse em jogo aos que defendem a privatizao (PPPs inclusas, sublinhe-se): o lucro de investidores privados.

    Basta divisar os exemplos de outros pases para no claudicar com re-lao incontornvel inaptido da iniciativa privada para tornar o siste-ma prisional algo menos indecente do que ele .

    Tanto nos EUA quanto na Inglaterra (conforme se evidencia na tese de doutorado de Laurindo Minhoto17), os indicadores apontam para a manu-teno, nas unidades privadas, das mazelas que se prometia combater: fugas constantes, mortes ocasionadas por negligncia, denncias de tor-turas e maus-tratos, rebelies, entre outras mazelas, foram e so regis-tradas frequentemente nos presdios privados estadunidenses e ingleses.

    As pontuais experincias de privatizao no Brasil no so diferentes. Exemplo mais conhecido vem do Estado do Paran, cujo antigo Gover-nador, hoje Senador da Repblica, Roberto Requio, delineia e critica categoricamente.

    Em sesso no Senado, ao rechaar projeto de lei de privatizao dos presdios, o Senador afirmou que, quando assumiu o Governo do Para-n, em 2003, encontrou uma srie de presdios privatizados.

    Segundo ele: eram presdios sui generis, que exigiam quase um vesti-bular para admitir o preso. Era uma espcie de Circuito Elizabeth Arden para presos extremamente prestigiados pela estrutura. S entravam l condenados que pudessem frequentar a lista de candidatos ao cu, ao panteo dos santos, e a remunerao que esses presos recebiam era

    16 http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/52_ANTONIO+CARLOS+PRADO 17 MINHOTO, Laurindo Dias. Privatizao de Presdios e Criminalidade: a gesto da violncia no capitalismo global. So Paulo: Max Limonad, 2000.

  • 17

    uma lio exemplar da ideia da mais-valia. claro, o modelo no deu certo, e o Estado, na minha administrao, retomou esses presdios.

    Vale ainda mencionar o insuspeito Paul Krugman, prmio Nobel de eco-nomia, que, em artigo escrito na Folha de So Paulo, motivado por uma srie de matrias publicadas no New York Times sobre o sistema prisio-nal privatizado de New Jersey, afirma:

    Os operadores privados de penitencirias s conseguem econo-mizar dinheiro por meio de redues em quadros de funcionrios e nos benefcios aos trabalhadores. As penitencirias privadas economizam dinheiro porque empregam menos guardas e pagam menos a eles. E em seguida lemos histrias de horror sobre o que acontece nas prises.18

    Para completar, a Penitenciria privada de Ribeiro das Neves (MG), mais recente tentativa de propagandear o modelo privado (aqui, invoca-do inovadoramente na modalidade Parceria Pblico-Privada - PPP), foi cabalmente desmascarada em matria veiculada pela Agncia P-blica de Jornalismo, com o sugestivo ttulo Quanto mais presos, maior o lucro19.

    De acordo com a matria:

    Um preso custa aproximadamente R$ 1.300,00 por ms, po-dendo variar at R$ 1.700,00, conforme o estado, numa peniten-ciria pblica. Na PPP de Neves, o consrcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por ms e tem a concesso do presdio por 27 anos, prorrogveis por 35.[...] interessa ao consrcio que, alm de haver cada dia mais pre-sos, os que j esto l sejam mantidos por mais tempo. Uma das clusulas do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das obrigaes do poder pblico a garantia de demanda mnima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato. Ou

    18 Vide: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/1109013-prisoes-privatizacao-e-padrinhos.shtml 19 Vide: http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro/

  • 18

    seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lgica a seguinte: se o pas mudar muito em trs dcadas, parar de encarcerar e tiver cada dia menos presos, pessoas tero de ser presas para cumprir a cota estabelecida entre o Estado e seu parceiro privado.

    Ainda na matria, destaca-se uma das artimanhas para maximizar os lucros das concessionrias: No complexo de Neves, os presos tm 3 minutos para tomar banho e os que trabalham, 3 minutos e meio. De-tentos denunciaram que a gua de dentro das celas chega a ser cortada durante algumas horas do dia.

    Tem-se, portanto, por inescapvel a concluso pela completa falta de razoabilidade (e de constitucionalidade e moralidade tambm) em qual-quer intento de privatizar o sistema prisional, o que, longe de trazer solues reais para o povo aprisionado e seus familiares, traria, na re-alidade, um asqueroso assdio ao Poder Legislativo em busca de mais penas, mais prises e, portanto, mais lucros.

    A bem do real interesse pblico, qualquer investimento em prises deve repelir a iniciativa privada, vinculando a liberao de verbas federais exclusivamente implementao de melhorias em unidades prisionais completamente estatais j existentes.

    9 PrevenO e COMBaTe TOrTUra

    Fruto da articulao da sociedade civil organizada, a Lei 12.847/2013, que instituiu o Sistema Nacional de Preveno e Combate Tortura e criou o Comit Nacional de Preveno e Combate Tortura e o Mecanismo Nacio-nal de Preveno e Combate Tortura, ainda carece de implementao.

    Em face da ocorrncia de torturas sistemticas no sistema prisional, cons-tatadas em diversos relatrios (vide, por exemplo: CPI do Sistema Carcer-rio/2008, Pastoral Carcerria/2010, Mutiro Carcerrio do CNJ/2012, entre outros), urgente a implementao efetiva do Mecanismo de Preveno Tortura, garantindo plenas independncia e autonomia, com membros escolhidos entre e pela sociedade civil, sem ingerncia do Poder Pblico.

  • 19

    Para alm do Mecanismo de Preveno Tortura, cumpre estabelecer, como j anotado supra, marco normativo para a especificao da atua-o dos rgos da Execuo Penal (em especial, o Juzo da Execuo) na atribuio de apurar torturas, maus-tratos e outras violaes a direitos fundamentais.

    Ademais, no desiderato de combater incansavelmente a tortura, prtica execrvel que remonta aos primrdios da invaso portuguesa ao Brasil, elementar que se envide esforos para a clere aprovao do Projeto de Lei 554/2011, citado na Agenda de Enfrentamento Violncia nas Periferias Urbanas, que prev a realizao da chamada audincia de custdia. A aprovao de referido projeto adequar a legislao brasi-leira ao Pacto de So Jos de Costa Rica, com a imposio da apresen-tao da pessoa presa ao Juzo competente em 24 horas. Cuida-se de inovao apta no apenas a possibilitar o rpido acesso Justia, mas, sobretudo, a coibir a prtica de tortura.

    10 - DesMiLiTarizaO Das POLCias e Da gesTO PBLiCa

    Por derradeiro, urge promover medidas de desmilitarizao das pol-cias e da gesto pblica.

    A lgica militar norteada pela poltica de guerra, na qual os pobres, quase sempre pretos, quase sempre perifricos, so eleitos como inimigos e se transformam em alvos exclusivos das miras e das algemas policiais.

    Brutalmente expandido pela ditadura civil-militar, o militarismo das agncias policiais brasileiras segue crescente e fator determinante para a alta taxa de letalidade das polcias e, igualmente, para o processo de encarceramento em massa, a tal ponto que a prpria ONU j reco-mendou ao Brasil que desmilitarize as suas polcias20.

    Sobre a necessidade de promover a desmilitarizao das polcias, Tlio Viana afirma:

    20 Vide: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.html

  • 20

    O treinamento militarizado da polcia brasileira se reflete em seu nmero de homicdios. A Polcia Militar de So Paulo mata quase nove vezes mais do que todas as polcias dos EUA, que so for-madas exclusivamente por civis. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo divulgado em julho deste ano, de 2006 a 2010, 2.262 pessoas foram mortas aps supostos confrontos com PMs paulistas. Nos EUA, no mesmo perodo, conforme dados do FBI, foram 1.963 homicdios justificados, o equivalente s resistn-cias seguidas de morte registradas no estado de So Paulo. Nes-te estado, so 5,51 mortos pela polcia a cada 100 mil habitantes, enquanto o ndice dos EUA de 0,63 . Uma diferena bastante sig-nificativa, mas que, obviamente, no pode ser explicada exclusi-vamente pela militarizao da nossa polcia. No obstante outros fatores que precisam ser levados em conta, certo, porm, que o treinamento e a filosofia militar da PM brasileira so responsveis por boa parte desses homicdios21.

    A desconstruo do modelo de guerra intrnseco ao militarismo fundamental para a construo de poltica abrangente de reduo do Estado Penal, na medida em que tal modelo expressa estrutura violenta e autoritria de alta incidncia nas comunidades mais vulnerveis.

    No entanto, necessrio firmar que a adoo de medidas de desmilitari-zao transcende a simples (1) extino da Polcia Militar e deve abran-ger tambm medidas mais amplas de conteno das foras policiais e de desmilitarizao da gesto pblica, priorizando: (2) extino da For-a nacional de segurana Pblica e vedao constituio de tropas de elite; (3) extino da justia Militar e construo de mecanismos de controle popular das agncias policiais, como ouvidorias e correge-dorias externas, por exemplo; (4) obrigatoriedade de utilizao de ins-trumentos de negociao antes da adoo de medidas coercitivas para a execuo de ordens judiciais, em especial nos casos de cumprimento de ordem de reintegrao de posse e de outras medidas que atinjam co-munidades pobres; (5) congelamento e gradativa reduo dos efetivos policiais, com transposio dos recursos a polticas sociais voltadas

    21 Desmilitarizar e unificar a polcia. Artigo publicado no stio eletrnico da Revista Frum em 09.01.2013 (http://revistaforum.com.br/blog/2013/01/desmilitarizar-e-unificar-a-policia/).

  • 21

    reduo de desigualdades; (6) vedao de porte de arma por agentes pblicos (inclusos os agentes penitencirios) e agentes de segurana privada, desarmamento gradativo das agncias policiais e regulamen-tao mais clara e restritiva, por meio de normativa federal, do porte e uso de arma de fogo e das denominadas armas no letais por agentes policiais; (7) vedao da busca pessoal; (8) rechao s propostas de transformao da carreira de agentes prisionais em polcia peniten-ciria, em tentativa clara de distoro da funo oficial de tutela (e no de represso) dos quadros do sistema penitencirio.

  • 22

    a reversO DO enCarCeraMenTO eM Massa COMO eixO COnDUTOr Da PresenTe PrOPOsTa

    O principal eixo e, ao mesmo tempo, objeto do Programa ora proposto , indubitavelmente, a reverso do encarceramento em massa e, portanto, a reduo gradativa e substancial da populao prisional do pas.

    Todas as demais medidas no so exaustivas e compem poltica ampla que tem, ao fim e ao cabo, apenas dois objetivos: reduzir a populao prisional e garantir s pessoas presas e a seus familiares o mnimo de dignidade e de sociabilidade, apesar do crcere.

    POr UMa viDa seM graDes; POr graDes MenOs DesUManas

    Por um mundo sem grades, por grades menos desumanas, afirma-mos, de forma contundente, em coro s companheiras e companhei-ros presentes no I Encontro Nacional dos Conselhos da Comunidade22: nenhUMa vaga a Mais!

    Espera-se que, a partir da proposta ora apresentada, construa-se po-ltica slida, sem remendos, que seja apta a atacar na integralidade a grande chaga que representa o sistema penal s massas de marginali-zados e perifricos desse pas.

    Em respeito memria dos ao menos 111 que tombaram pelas mos do Estado no denominado Massacre do Carandiru, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992, e de tantas centenas de outras pessoas presas mortas pelos massacres cotidianos do crcere, somos irredutveis na exigncia de uma poltica integral de reverso do encarceramento em massa e da degradao carcerria.

    22 Ocorrido em 6 e 7.12.2012. Vide: http://carceraria.org.br/nenhuma-vaga-a-mais.html

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    assinaM:

    assOCiaO naCiOnaL De DeFensOres PBLiCOs FeDerais anaDeF

    CenTrO De DireiTOs hUManOs e eDUCaO POPULar DO CaMPO LiMPO CDheP

    grUPO De aMigOs e FaMiLiares De PessOas eM PrivaO De LiBerDaDe Mg

    insTiTUTO Prxis De DireiTOs hUManOs jUsTia gLOBaL Mes De MaiO Margens CLniCas nCLeO esPeCiaLizaDO De siTUaO CarCerria Da

    DeFensOria PBLiCa DO esTaDO De sO PaULO PasTOraL CarCerria naCiOnaL CnBB PasTOraL Da jUvenTUDe CnBB PrOgraMa De exTensO CULThis/UFMg: esPaO De aTenO

    PsiCOssOCiaL aO PresO, egressO, aMigOs e FaMiLiares reDe 2 De OUTUBrO sOCieDaDe seM Prises

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